Este documento discute as origens do princípio da legalidade tributária em diferentes países. 1) Embora a Magna Carta seja frequentemente associada como origem deste princípio, ela na verdade representa apenas um marco inicial no gradual processo histórico inglês, não tendo influenciado diretamente outros países. 2) A necessidade de consentimento dos contribuintes surgiu com o crescimento dos gastos estatais, mas na Europa Continental o poder real absorveu todos os poderes do Estado. 3) A legalidade tributária foi posteriormente consagrada por revoluções liberais e
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RIBEIRO, Ricardo Lodi. O Fundamento da legalidade tributaria.
Este documento discute as origens do princípio da legalidade tributária em diferentes países. 1) Embora a Magna Carta seja frequentemente associada como origem deste princípio, ela na verdade representa apenas um marco inicial no gradual processo histórico inglês, não tendo influenciado diretamente outros países. 2) A necessidade de consentimento dos contribuintes surgiu com o crescimento dos gastos estatais, mas na Europa Continental o poder real absorveu todos os poderes do Estado. 3) A legalidade tributária foi posteriormente consagrada por revoluções liberais e
Este documento discute as origens do princípio da legalidade tributária em diferentes países. 1) Embora a Magna Carta seja frequentemente associada como origem deste princípio, ela na verdade representa apenas um marco inicial no gradual processo histórico inglês, não tendo influenciado diretamente outros países. 2) A necessidade de consentimento dos contribuintes surgiu com o crescimento dos gastos estatais, mas na Europa Continental o poder real absorveu todos os poderes do Estado. 3) A legalidade tributária foi posteriormente consagrada por revoluções liberais e
estrangeira, costuma associar a origem do princípio da legalidade tributária à Magna Carta inglesa, de 1215. Sem dúvida alguma, trata-se de um marco histórico do constitu- cionalismo inglês e da limitação do poder de tributar da realeza por parte da nobreza. Porém, não foi o primeiro, nem o único de uma trajetória paulatina da limitação da monarquia inglesa.1 Costuma-se associar a Magna Carta com a origem da idéia de autoconsentimento dos contribuintes por meio da autorização do Parlamento, identificando-a como gér- men do princípio da legalidade (NOVELLI, 1979). A necessidade de consentimento do próprio contribuinte para que seja legítima a tributação constitui conseqüência direta da perda do caráter excepcional dos tributos e do agigantamento das despesas estatais. Se durante o auge do período feudal as contri- buições eram voluntárias, no período que vai da Baixa Idade Média ao surgimento do Estado Nacional, o consentimento surge como contraponto ao caráter impositivo dos 1 “Na esteira da grande carta de 1215, outras cartas e textos se sucederam, tal como outras lhe haviam precedido. Entre estas, as Constitutions of Clarendon, de 1164 (época de Becket), e diversas ‘Cartas de liber- Ricardo Lodi Ribeiro é Doutorando em dades’ redigidas nos séculos XII e XIII. Entre aquelas, Direito e Economia pela UGF, Mestre em vários writs durante o reinado de Henrique III, mais Direito Tributário pela UCAM, Coordenador as ‘Provisões de Oxford’, de 1258, fora as confirma- dos Cursos de Direito Tributário da FGV/RJ. ções da MAGNA Carta e a legislação de Eduardo I” Advogado. (SALDANHA, 2000, p. 51).
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tributos, sendo identificado pela prévia apro- De fato, na Inglaterra, no período entre vação pelos representantes da aristocracia a Magna Carta e o Bill of Rights, a suprema- feudal e do clero, o que somente depois se cia política se desloca paulatinamente do universalizou para os demais estratos sociais. Monarca para o Parlamento. Porém, nas Porém, cumpre destacar que a idéia que monarquias continentais – e disso a França os seus contemporâneos faziam do Commu- é o melhor exemplo que acabou por inspirar ne Consilium Regis, o colegiado encarregado os demais –, foi o Rei quem absorveu todos de autorizar a cobrança dos tributos na os poderes do Estado, até privar por com- Inglaterra medieval, não era de um corpo pleto os outros segmentos do país quanto às legislativo, mas de um tribunal, noção que faculdades decisórias nos assuntos públicos prevaleceu até o século XVI. Da mesma for- (SAINZ DE BUJANDA, 1955, p. 279-280). ma, a noção do consentimento como base Com efeito, na França, se a autorização da obediência ao rei só vai surgir na obra de para a exigência dos tributos remonta à cria- Locke, por influência de Richard Hooker, ção dos Estados Gerais, em 1314, estes não no séc. XVII (SALDANHA, 2000, p. 57). se reuniram durante o reinado de Francisco Assim, o documento, embora dotado de I (1515-1547), que impôs tributos de acordo indiscutível valor histórico, explica muito com a sua vontade. Com a debilitação do pouco a respeito da origem da legalidade poder real, os Estados Gerais voltaram a se tributária como hoje a conhecemos. reunir com freqüência para a imposição de Essa ausência de efetivo vínculo histó- tributos até 1614, sua última reunião, no rei- rico entre a Magna Carta e o princípio da nado de Luís XIII, para só reabrir em 1789, legalidade tributária atual é mais evidente às vésperas da Revolução Francesa (SAINZ ainda nos outros países, que não a Ingla- DE BUJANDA, 1955, p. 283). Vitorioso o terra, pois, se nesta a consagração da lega- movimento revolucionário, a Declaração dos lidade tributária se deu de forma gradual Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e a e contínua2, a partir de uma tradição con- Constituição de 1791 consagram o princípio suetudinária que tem o referido documento da legalidade tributária. como um dos marcos mais importantes, Nos Estados Unidos, que receberam ao lado da Petition of Rights (1628) e do o afluxo de colonos ingleses de origem Bill of Rights (1689), chegando, após longo puritana, há uma assimilação dos ideais processo histórico, aos dias atuais, em ou- liberais ingleses, que, com o movimento tros países europeus, a autorização para a de independência, acabaram-se voltando imposição tributária, que também deitava contra a Inglaterra. Nesse contexto, o raízes consuetudinárias muito antigas, 3 lema no taxation without representation, se sofreu retrocessos, especialmente na época num primeiro momento é dirigido contra do Absolutismo, só sendo restabelecida com as revoluções liberais dos séculos XVIII e a metrópole britânica, transforma-se em XIX (NABAIS, 1998, p. 323).4 combustível dos revolucionários liberais que promoveram a independência, e que 2 Excetuando-se o período de 1629 a 1660, em acabaram por consagrar o princípio da que o parlamento esteve fechado, durante a tirania de legalidade tributária na Constituição de Carlos I e a ditadura de Oliver Cromwell (NABAIS, 1998, p. 323). 1787 (SALDANHA, 2000, p. 61).5 3 Vide em Uckmar (1999, p. 21-30) a origem da legali- Mas foi, sem dúvida alguma, a Decla- dade tributária na Inglaterra, Espanha, França e Itália. ração dos Direitos do Homem e do Cidadão a 4 No mesmo sentido: Saldanha (2000, p. 54): “Como a revolução liberal inglesa não foi, como a francesa, rei e pelas duas casas, e a ‘constituição’ é a própria uma tentativa de recomeço, nem rompeu propriamen- ordem vigente, em seu todo e em seu sentido político”. te com os hábitos e o passado, o modelo constitucional 5 Sobre as imposições tributárias como elemento britânico ficou sendo em grande medida o mesmo da principal da aspiração por liberdade das Treze Colô- Idade Média: o parlamento comanda, integrado pelo nias, vide Cooley (2002, p. 18-19).
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grande influência para a consagração da impostos. Contudo, com a exacerbação legalidade tributária, a partir do triunfo das do Absolutismo com Felipe II, os impostos revoluções liberais, o que se explica não só deixam, a partir de 1688, de ser autorizados pela posição geográfica central da França pelas Cortes (SAINZ DE BUJANDA, 1955, na Europa, bem mais próxima dos outros p. 231-235, 303-305, 311), situação que só é países europeus do que a insular Inglaterra revertida com a revolução liberal, a desa- e a longínqua América, mas principalmente guar nas Cortes de Cádiz, que promulga- pelo grande destaque que gozou a França ram a Constituição liberal de 1812. ao longo de todo o século XVIII, a inspirar Em Portugal, ocorreu fenômeno seme- não só regimes absolutistas avessos às lhante não só quanto ao pioneirismo da idéias liberais, já assimiladas pela corte institucionalização da autorização para a inglesa, mas, sobretudo, movimentos revo- cobrança dos tributos, o que se dá com a lucionários radicais como única alternativa instauração das Cortes de Coimbra, em aos duros regimes monárquicos. 1261, mas também quanto ao refluxo da Senão vejamos. Na Espanha, os registros legalidade, com a dissolução das cortes por quanto à autorização para a exigência de D. Pedro II em 1674. A retomada da tributa- tributos remontam a período mais remoto ção autorizada só se dá após a Revolução do do que na Inglaterra. As Cortes nasceram Porto em 1820, com a Constituição liberal na Idade Média, ainda antes da unificação de 1822 (NABAIS, 1998, p. 322). No entanto, dos reinos católicos, sem muitas atribuições como esta fora suspensa no ano seguinte financeiras, limitando-se a deliberar sobre pela Vila-Francada, movimento absolu- a cobrança de novas receitas para custear tista liderado por D. Miguel, a legalidade despesas extraordinárias da Coroa, como tributária é consagrada definitivamente guerras externas ou outras circunstâncias em Portugal com a Constituição de 1826, anormais. Com o crescimento dessas des- outorgada por D. Pedro IV, rei de Portugal pesas com as guerras contra os mouros e primeiro imperador do Brasil.6 para Reconquista, nasce a consciência da Na Argentina, a legalidade tributária é necessidade de autorização para a exigência inaugurada com a Revolução de Maio, em tributária, já a partir do Século XI. Registro 1810, que, na esteira da onda liberal ad- importante desse período é a autorização, vinda da Revolução Francesa, constituiu o datada de 31 de março de 1091, que Afonso marco inicial do processo que culminou na VI dirige aos habitantes de Leão, requeren- independência (GIULIANI FONROUGE, do a cobrança de tributos. Com o passar do 2001, p. 368).7 Esse princípio foi consagra- tempo, as atividades das Cortes foram en- do na primeira Constituição Argentina de globando também a fiscalização dos gastos 1819, e em todas as posteriores (GARCÍA do Rei, o que só veio a se dar bem depois VIZCAÍNO, 1999, p. 272). na Inglaterra, com o Bill of Rights, de 1689, É também desse contexto liberal advin- e na França, com a Constituição Francesa, do da Revolução Francesa e em decorrência de 1791. Porém, em que pese o pioneirismo do processo de emancipação em relação a espanhol na consagração da legalidade tri- Portugal que surge a legalidade tributária butária, a Idade Moderna assiste à redução no Brasil. Mesmo no período colonial, não das competências das Cortes, que são limi- era absoluta a aplicação do Direito reinol tadas por Carlos I (1516-1556), e, a partir 6 Ressalvado o período entre 1828 e 1834, em que de então, nem de longe lembram mais o D. Miguel usurpou o trono de Portugal, suspendeu a Parlamento Inglês. Porém, a despeito do vigência da Constituição de 1826 e governou de forma absoluta até ser derrotado por D. Pedro IV. endurecimento do Absolutismo espanhol 7 Sobre a Revolução de Maio, suas causas e conse- com os Habsburgos, as Cortes continuaram qüências na história constitucional da Argentina, vide funcionando para autorizar a cobrança de Zarini (1999, p. 149-166).
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na Colônia brasileira. Tanto no sistema das Como se vê, há diferenças significativas capitanias hereditárias (1530-1549), como que separam o princípio do autoconsen- no Regime do Governo-Geral (1549-1763), timento na origem estamental do modelo as normas vigentes no Brasil, embora ela- inglês, consagrado na cláusula no tributation boradas pela Metrópole, eram destinadas without representation, de trajetória histórica especificamente para a Colônia (MORAES, lenta e gradual que acompanha a própria 1996, p. 106). Assim, mesmo no período consolidação da instituição parlamentar, em que antecede a fase mais intensa do Ab- relação aos regimes instaurados na esteira solutismo português com a dissolução das das revoluções liberais do século XIX, que Cortes Portuguesas, os tributos exigidos pouco guardam vinculação com as cortes me- no Brasil eram estabelecidos por meio das dievais inglesas ou de seus próprios países. cartas de doação e cartas de florais para as É que tanto o Commune Consilium Regis, capitanias hereditárias, e dos regimentos órgão responsável pela aprovação dos tri- do Governo-Geral (MORAES, 1996, p. 112), butos pela Magna Carta e que deu origem muito embora remanescesse competência ao Parlamento Inglês, quanto as Cortes e aos Senados das Câmaras para exigências Estados Gerais tinham a origem estamen- locais (BALEEIRO, 1997, p. 52). Ressalte-se tal, a partir de um contrato entre a Coroa que, mesmo no tempo do vice-reinado, os e as Cortes, que representavam os grupos, tributos foram exigidos com base em Cartas as comunidades locais e as corporações, Régias ou Alvarás do Vice-Rei, situação que a partir de um mandato impositivo, em restou inalterada por ocasião da elevação que o representante se vinculava a uma do Brasil à categoria de Reino Unido, em autorização expressa do representado para 1815, com o poder tributário sendo exerci- a cobrança do tributo por determinado do pelo Rei (MORAES, 1996, p. 115-117). período de tempo. Esse era o sentido da Conclui-se que, no Brasil-Colônia, a au- expressão autoconsentimento, a partir da torização das câmaras para a cobrança de tude de lei que o autorize”. Com a Revolução de 1930 tributos sempre foi periférica. e a Constituinte de 34, a Constituição de 16 de julho Como se vê, a legalidade tributária só de 1934, no art. 17, VII, estabelece: “É vedado à União, vem a ser consagrada no Brasil pela Cons- aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VII, cobrar quaisquer tributos sem lei especial que os au- tituição Imperial de 1824, outorgada por D. torize ou fazê-los incidir sobre efeitos produzidos por Pedro I, que, em seu artigo 36, I, conferia atos jurídicos perfeitos”. Na ditadura do Estado Novo, à Câmara dos Deputados a competência a Constituição de 10 de novembro de 1937, embora não privativa para legislar sobre impostos, o previsse expressamente, estabelecia, no seu art. 13, d, que o Presidente da República não poderia baixar e no art. 171, que determinava caber à decretos-lei em matéria de impostos: “O Presidente da Assembléia-Geral a competência para esta- República, no período de recesso do Parlamento ou belecer todas as contribuições diretas. Foi de dissolução da Câmara dos Deputados, poderá, se o o princípio da legalidade reproduzido em exigirem as necessidades do Estado, expedir decretos- lei sobre as matérias da competência legislativa da todas as constituições republicanas.8 União, excetuadas as seguintes: d) impostos;” No 8 Constituição Imperial de 25 de março de 1824, entanto, como a Constituição de 1937 jamais entrou art. 36, I “É privativa da Câmara dos Deputados a em vigor, pois nem foi submetida ao plebiscito a que iniciativa: I. Sobre Impostos”. Art. 171: “Todas as con- se referia o seu artigo 187, nem o Poder Legislativo tido tribuições diretas, à exceção daquelas, que estiverem funcionamento, os tributos foram fixados por decreto- aplicadas aos juros, e amortização da Dívida Pública, lei durante o Estado Novo. Redemocratizado o país, serão anualmente estabelecidas pela Assembléia Ge- a Constituição, promulgada pela Assembléia Consti- ral, mas continuarão, até que se publique a sua derro- tuinte em 18 de setembro de 1946, consagrou a legali- gação, ou sejam substituídas por outras”. Na primeira dade tributária no seu art. 141, § 34: “Nenhum tributo Constituição Republicana, promulgada em 24 de será exigido ou aumentado sem que lei o estabeleça; fevereiro de 1891, o princípio da legalidade tributária nenhum será cobrado em cada exercício sem prévia é consagrado no art. 72, § 30: “Nenhum imposto de autorização orçamentária, ressalvada, porém, a tarifa qualquer natureza poderá ser cobrado senão em vir- aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra”.
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idéia de que cada contribuinte autorizaria que se dá por meio da lei deve expressar, o tributo contra ele lançado.9 pelo menos no plano de sua legitimação, a Com o advento do Estado Moderno, vontade geral, e não a do representado. Por palco da consagração do princípio da outro lado, os tributos passaram a ter um legalidade na Europa Continental, o con- caráter permanente, devendo ser cobrado sentimento quanto à imposição tributária tantas vezes quantas ocorrer o fato gerador não tem mais o mesmo sentido da época enquanto a lei de incidência estiver em estamental, não só porque os representan- vigor, o que também contribui para esva- tes dos contribuintes têm mandato livre, ziar a crença em uma autorização legal do podendo votar de acordo com a sua cons- contribuinte para o lançamento. ciência e com os interesses da Nação, e não Ademais, com a implantação do sufrá- mais como desejam os seus representados, gio universal, a condição de contribuinte mas, principalmente, porque a autorização, não é mais pressuposto para o exercício do voto. Desse modo, estão representados no Após a Emenda Constitucional no 18, de 1o de de- zembro de 1965, o princípio da legalidade ganha a Parlamento até mesmo aqueles que não são seguinte dicção constitucional no seu art. 2o, I: “É contribuintes de impostos diretos, mas são vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e destinatários dos serviços estatais custea- aos Municípios: I – instituir ou majorar tributo sem dos pelos tributos, o que, por si só, afasta que a lei o estabeleça, ressalvados os casos previstos nesta Emenda”. A Constituição aprovada pelo Con- a idéia de lei como autoconsentimento ou gresso Nacional em 24 de janeiro de 1967, estabelece garantia do patrimônio do contribuinte a legalidade tributária, em seu art. 20, I: “É vedado (CASÁS, 2002, p. 320). à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Mu- Portanto, como afirma Casalta Nabais nicípios: I – instituir ou majorar tributo sem que a lei o estabeleça, ressalvados os caso previstos nesta (1998, p. 328), “os impostos já não são, em Constituição”; e no parágrafo 29 do art. 150: “Nenhum rigor, consentidos, pelos contribuintes, mas tributo será exigido ou aumentado sem que lei o esta- estabelecidos por lei votada pela represen- beleça; nenhum será cobrado em cada exercício sem tação nacional (rectius burguesia). Assim, prévia autorização orçamentária, ressalvados a tarifa atenta à natureza livre do mandato dos aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra”. A Constituição outorgada pelos ministros militares, parlamentares e o caráter permanente da no exercício da Presidência da República, em 17 de lei do imposto, o consentimento expresso outubro de 1969, eufemisticamente denominada de nesta está longe de ter o mesmo alcance do Emenda Constitucional no 1, dispunha, em seu art. 19, traduzido na autotributação estamental”. I: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – instituir ou aumentar tributo sem Dessa maneira, a idéia de autoconsenti- que a lei o estabeleça, ressalvados os casos previstos mento do contribuinte como garantia indi- nesta Constituição”; e no parágrafo 29 do art. 153: vidual contra tributação como fundamento “Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem do princípio da legalidade tributária perde que lei o estabeleça; nem cobrado em cada exercício, sem que a lei que o houver instituído ou aumentado espaço no Estado Moderno. esteja em vigor antes do início do exercício financeiro, Por sua vez, também resta esvaziado o ressalvados a tarifa alfandegária e a de transporte, fundamento, muito utilizado nas monar- o imposto sobre produtos industrializados e outros especificamente indicados em lei complementar, além representantes estamentais nas Cortes medievais e a do imposto lançado por motivo de guerra e demais importante conseqüência daí decorrente para a com- casos previstos nesta Constituição”. A Constituição preensão do verdadeiro alcance do consentimento Federal, promulgada pela Assembléia Nacional dos impostos: efetivamente, num tal contexto, os Constituinte em 05 de outubro de 1988, consagra o contribuintes, ao decidirem sobre o teor do mandato princípio da legalidade tributária no seu art. 150, I, nos dos seus representantes, estavam a votar ex ante os seguintes termos: “Sem prejuízo de outras garantias impostos, assim, se concretizando a idéia de uma asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos real autotributação ou auto-imposição” (NABAIS, Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir 1998, p. 327). Contra Casás (2002, p. 289-290), para ou aumentar tributo sem que a lei o estabeleça”. quem não era o autoconsentimento o fundamento da 9 “O certo é que não podemos deixar de aceitar o legalidade estamental da Magna Carta, mas a limitação essencial da natureza imperativa do mandato dos do poder do rei.
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quias dualistas do século XIX, da garantia como afirma Pérez Royo (2000, p. 42),12 da liberdade do indivíduo pela reserva reside na garantia da democratização do de lei, a partir da origem democrática do procedimento de imposição das normas de parlamento. Já se viu que o Estado Demo- repartição tributária, a partir de um juízo crático de Direito superou a dicotomia entre efetuado por um órgão que, pela sua com- Estado e Sociedade, que militava a favor do posição e funcionamento, melhor assegura Poder Legislativo, sendo o Poder Executi- a proteção dos direitos coletivos, por meio vo dotado de tanta ou mais legitimidade da harmonização de interesses contrapos- democrática do que o primeiro (CASÁS, tos nessa divisão, bem como constitui uma 2002, p. 291).10 maior garantia de igualdade ou tratamento Em conseqüência, nesse novo contexto uniforme entre os cidadãos diante das dis- em que o princípio da legalidade não se paridades da carga fiscal entre as diferentes alicerça mais no autoconsentimento ou na regiões do país. Em posição semelhante, origem democrática do parlamento, qual o Casalta Nabais (1998, p. 330-331), para seu fundamento nos dias atuais? quem essa nova feição se fundamenta na De acordo com Ruy Barbosa (1967, superioridade democrática do Parlamento p. 212 apud TORRES, 2005, p. 402), a reser- em relação ao Poder Executivo, seja pelo va legal se justifica “porque a lei representa fato de a discussão parlamentar ser públi- o consenso dos contribuintes, a sua genera- ca, seja por comportar o contraditório da lidade, a sua comunidade, a sua totalidade, oposição. assentido no encargo, a que deliberaram De fato, é forçoso reconhecer que, embo- ficar adstritos nos seus bens e pessoas”. ra sua representatividade democrática não Enquanto isso, José Osvaldo Casás seja superior a do Poder Executivo quanto à (2002, p. 313-314) fundamenta a legalidade sua origem, o processo decisório legislativo, tributária na garantia de segurança jurídica, no qual estão presentes todas as correntes a partir da necessidade de certeza do Direi- de pensamento existentes na sociedade, e to e da possibilidade de se coibir os abusos não só a vencedora de eleições majoritárias do Poder Executivo. Porém, é inevitável que elegem o Governo, acaba por ser mais reconhecer que a fonte de onde emana a representativo do conjunto da população norma não é garantia da certeza quanto à (COSTA, 1996, p. 126).13 sua aplicação, notadamente num cenário Por outro lado, sendo o Poder Executivo de crise da lei, como já se viu. o maior responsável pela implementação Deve-se ainda registrar que, mesmo de políticas públicas, sempre subordina- superada a dicotomia Estado/Sociedade, das à existência de recursos financeiros, é típica do auge do liberalismo, boa parte da humanamente natural que este se esforce doutrina, aqui e alhures, ainda fundamenta pela disponibilidade de maiores recursos, a legalidade tributária na garantia do con- sobretudo quando se sabe ser muito mais tribuinte das intervenções do poder público fácil administrar um orçamento dotado de que se relacionem com a sua propriedade volumosos montantes, capaz de atender e liberdade.11 amplamente às crescentes demandas so- A despeito dessas posições, no quadro ciais do que depender da criatividade do do Estado Social e Democrático de Direito, governante para atendê-las com parcos o principal fundamento do princípio da dinheiros. Esse fenômeno poderia acarretar, legalidade em matéria tributária, que pas- e acarreta de fato quando o governo tem sa a se revelar por uma dimensão plural, 12 No mesmo sentido: Carrera Raya (1993, p. 101); No mesmo sentido Fedele (2001, p. 159). 10 Pauner Chulvi (2001, p. 217); Cazorla Prieto (2000, 11 Nesse sentido, na Itália, Fedele (2001, p. 160). p. 116) e Martín Queralt et al (2001, p. 127). Entre nós: Xavier (2001). 13 No mesmo sentido, Calvo Ortega (2000, p. 95).
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ampla e dócil maioria no Parlamento,14 a ex- nificar, como assinala Tipke (2002, p. 25), a trapolação da capacidade contributiva dos segurança diante da arbitrariedade da falta indivíduos e da sociedade como um todo de regras, uma vez que esta se revela pela (COÊLHO, 1992, p. 320). Daí a necessidade segurança da regra (RECHTSETZUNG, da aprovação legislativa, para contrabalan- 1981, p. 194 apud TORRES, 2000, p. 179). çar a tendência arrecadatória do governo. A certeza na aplicação da norma tributária Por isso, na instituição e majoração para todos os seus destinatários é que ga- de tributos, o Poder Legislativo tem uma rante o império da lei (RIBEIRO, 2003, p. 29). espécie de prerrogativa de avaliação, a partir Essa legalidade baseada no pluralismo do poder de escolher entre mais de uma político extraído de um parlamento onde premissa concreta duvidosa, que vai res- estejam presentes representantes de todos tringir algum direito fundamental e servirá os segmentos da sociedade, e onde os de ponto de partida para o controle juris- movimentos sociais e econômicos tenham dicional (RAABE, 1994, p. 94 et seq. apud amplo espaço de atuação,15 é a principal ÁVILA, 2004, p. 122). arma de combate contra uma visão unívoca Desse modo, afastados os exageros da realidade e negadora da ambivalência formalistas, a imposição tributária por no âmbito fiscal, representada pela fixação lei no âmbito de um sistema jurídico que das regras tributárias por aquele poder promova a reaproximação dos valores da encarregado de arrecadar e dar destino segurança jurídica e da justiça vai buscar às receitas públicas (GARCIA NOVOA, uma regra de tributação clara e transpa- 2000, p. 28). rente, obtida numa arena marcada pelo pluralismo político e influenciada pela ra- zão comunicativa, a partir de uma solução Referências compromissória entre os seus destinatários, ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. não aquela baseada na pobreza da barga- São Paulo: Saraiva, 2004. nha política, mas que atenda à diversidade BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder dos vários segmentos sociais presentes em de tributar. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. nossa Nação e à ambivalência em relação BARBOSA, Ruy. As docas de Santos e as taxas de capa- às definições quanto aos critérios de re- tazia. Rio de Janeiro: MEC, 1967. (Obras Completas, partição dos benefícios e dos riscos sociais. XLV). Para tanto, essa regra deverá ser capaz de BECK, Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma se sobrepor aos interesses dos grandes teoria da modernidade reflexiva. In: GIDDENS, contribuintes, dotados de sofisticados estra- Anthony; BECK, Ulrich; LASH, Scott. Modernização tagemas para o afastamento dos tributos, a fim de garantir o triunfo da política sobre o 15 A participação das organizações não-governa- mentais e das entidades representativas dos segmen- domínio exclusivo da economia. tos econômicos e sociais na discussão pelo Congresso Nesse ambiente, o Direito Tributário se Nacional dos projetos de leis tributárias e das medidas aproxima da moral e da ética, seja em rela- provisórias constitui exemplo que, se ainda não re- ção às práticas do Estado, legislador e ad- produz o ambiente de Estado de Negociação de que fala Ulrich Beck (1997, p. 41), ao menos nos permite ministrador, seja em relação ao contribuinte, vislumbrar o surgimento do espírito de mesa-redonda, com a legalidade tributária passando a sig- a que alude o sociólogo alemão. Dentro dessa ordem de idéias, é lamentável que a maioria das leis tributá- 14 Fenômeno semelhante decorre das emendas rias brasileiras seja originada de medidas provisórias parlamentares com as quais os congressistas destinam gestadas no âmbito da Secretaria da Receita Federal do recursos para atender a reivindicação de suas bases Brasil, órgão encarregado de arrecadar e fiscalizar os políticas, sem maiores preocupações com as receitas tributos federais, considerando apenas a necessidade que deverão ser criadas para o necessário suporte de recursos, sem qualquer discussão com a sociedade orçamentário dessas despesas. ou com o Congresso Nacional.
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