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Instituto Ciências Sociais da Universidad de Lisboa

A reclusão de mulheres e a indústria de reintegração


Author(s): Pat Carlen
Source: Análise Social, Vol. 42, No. 185, A Prisão, o Asilo e a Rua (2007), pp. 1005-1019
Published by: Instituto Ciências Sociais da Universidad de Lisboa
Stable URL: http://www.jstor.org/stable/41012763
Accessed: 18-12-2015 13:29 UTC

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Pat Carien* AnáliseSocial, vol. xlii (185), 2007, 1005-1019

e a indústria
A reclusãode mulheres
de reintegração

1. Duranteos anos 70, um conhecidoprisioneiro escocês escreveuum


livrona prisãoonde descreviaa sua transformação de presoviolentoe
temidonumreputadoescultore autorcom obrapublicada(Boyle, 1977).
Quandofoilibertado da prisão,casoucomumabonitae educadamulherde
carreirae maistardeescreveuoutrolivrobemsucedido,fundando aindaum
centrode recuperação para consumidores de drogas(Boyle,1985).Umavez
que a sua mudança de vida começaraenquantoesteveinternado numauni-
dade especialmente concebidapara «amansar»os homensmais durosda
Escócia,serianaturalpensarque estaseriatidacomoumahistória penalde
sucesso.Mas não.Quandovisiteia prisãoondeele tinhaestadopoucotempo
após tersido libertado,fiqueisurpreendida ao percebera raivae o ressen-
timentodos funcionários pelo seu incontestável sucesso como escultor,
autore angariadorde fundos para o centro
de de drogas.Um dos
reabilitação
administradoressuperiores disse:«Ele venceu o sistema,não foi?Temuma
projecçãobemmelhordo que muitosde nós agora.Isso não estácerto,pois
não?» Mais do que qualquerlivroque eu tenhalido,istoesclareceu-me ali
e entãoque, seja qual foro discursooficial,a prisãoserveparamanteras
pessoasno seu lugar.

2. Recentemente conheciem Londresumamulherde 45 anos que tinha


acabado de ser libertadada prisão1.Estava completamente deprimida-
«desmotivada» era como tinhasido ensinadaa descrever-se pelo seu key
workerna pensãoondetinhaestadoa viverdurante trêsmeses.Quandoa
questioneisobreo seu sotaqueamericano, contou-me a sua história.
Abre-
viando:a sua famíliatinhaemigradopara os Estados
Unidos quando tinha2

* Universidade
de Keele. 1005

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anos de idadee nuncamaisvoltoua Inglaterra. Era consumidora de droga


desde os 17 anos,vivendodentroe forada prisãopor roubosdiversose
pequenasfraudescometidas paraalimentar o vício.Após a últimapena de
12 meses,não tendonuncaobtidoa cidadaniaamericana, foienviadadirec-
tamente da prisão,juntamente com os seus parcospertences, para ser de-
portadaparaa Inglaterra,país que tinhavistopela últimavez quarenta e três
anos antes.Ficou duas noitesno aeroportode Londres,em alojamentos
improvisados, até que recebeude uma organizaçãoactivistaa estadanum
alberguelondrino, ondese encontrava desdeentão.Duranteo mesmoperío-
do, os deportados do ReinoUnidotambémestavama ser devolvidosaos
países de origem, independentemente das misériasque aí os aguardavam.
E, à medida que a marchaglobal penalizaçãoacelerava,os reclusosde
da
todoo mundoeramdevolvidosaos seus infernos de encarceramento, vida
de sem-abrigo, víciose desemprego. A velhahistória de sempre - a nova
(ou talveznão tão nova?)viragemglobal(v. tambémAngel-Anjani, 2005).
No mercadopenalde hoje,de novosdiscursosde «inclusão»e «reintegra-
ção» por via de programas prisionais,a reintegraçãopós-prisãoconsiste
aindaem devolveraquelesque já estavamexcluídosà sua origem.

INTRODUÇÃO

Este artigofala sobreas economiasculturaise políticasda prisãode


mulheres e a indústria e sobreo discursode reabilitação
de reintegração na
em
prisão que se baseia actualmenteessa indústria.Ao usar o termo «eco-
nomiacultural do aprisionamento»,refiro-me ao estatutoicònicodos pode-
resmíticosda prisãoparaproteger governos e cidadãos de quaisqueramea-
ças ao corpopolíticoresultantes à
de infracçõeslei,desemprego, imigração,
marcasvisíveisde exclusãode cidadaniae ameaçasde qualqueroutrotipo.
Ao usaro termo«economiapolíticado aprisionamento», estoua referir-me
à transferênciade bense serviçosentreos domíniospenale não penal.
O artigosurgiuno seguimento da recenteparticipação numprograma de
investigação financiado pela União Europeia conhecido pelo projectoMIP
(www.surt.org/mip). Estainvestigação analisou,primeiro,a nívelnacionale,
depois,numaperspectiva comparada, a experiência de mulheres, durantee
a
após prisão, em seis -
jurisdições Inglaterra, França,Alemanha, Hungria,
Itáliae Espanha.O objectoprincipalda pesquisaera avaliaros níveisde
«integração» (ou «reintegração») das mulheres após uma estadana prisão.
Duranteas entrevistas feitas ex-prisioneirosfuncionários
a e da prisãopara
a versão«inglesa»do projectofiqueiintrigada ao perceberque, embora
pareçaterhavidoumagrandemudançano discursoprofissional dos agentes
1006 prisionais ao
ingleses longo dos últimos trintaanos, parecetambém existir

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A reclusãode mulheres
e a indústria
de reintegração

muitopouca alteraçãotantonas características demográficas das mulheres


prisioneirascomo das experiências pós-prisão das ex-reclusas. Enquantoo
se
pessoalprisionalinglês empenhahoje em dia num reavivado discurso
psicológicooficialacercado desejodas mulheres em aprenderem a aceitar
o seu lugarna sociedadeatravésdo reposicionamento cognitivo das causas
dos seusproblemas - istoé, das suas circunstâncias sociaisproblemáticas
às suaspsychesproblemáticas - , as mulheres prisioneiras mantêm a mesma
históriasocialde pobreza,abuso,monoparentalidade, condição de sem abri-
go e de fracasaúdementalque tinhamhá trintaanos.
Alémdo mais,umavez forada prisão,elas deparam-se comas mesmas
más condiçõesno que respeitaao alojamento, emprego, perspectivas, etc.,
que tinham nos anos 70. Quandocomparadas as conclusões das seis juris-
diçõesno relatório final(www.surt.org/mip), descobriu-se que as mulheres
prisioneiras dos seis países tinhamsócio-biografias similarese que após
saíremda prisãoficavamtão excluídasda maioriados bens sociaiscomo
antesde teremsidopresas.E, emboratodastenhamsidopresaspela pesada
e burocrática justiçacriminale sistemapenal modernos, se, tal como na
históriacomque iniciei,foremdeportadas parapaísesestranhos, irãosofrer
não só com as crueldadesocasionaisresultantes da internacionalização do
policiamento dos interesses nacionais,mastambémcoma mesmabrutalida-
de gratuitainfligidaaos prisioneiros nosséculosanteriores pelascondenações
ao e
pré-modernas degredo expulsão.
Parece-meque uma das principais, mas mal exploradas, causasparao
rápido crescimento da populaçãoprisional feminina é o aumento exponencial
das medidasinternacionais de reintegração das mulheres prisioneiras e a sua
provávelcontribuição para as taxasde crescimento da prisãode mulheres.
Protegidapor um suporteideológico-chave - o mitoda reabilitaçãona
prisão- e exibidaatravésde umprograma psicológicocom as marcasdo
cientismo, novas de e
políticas gestão marketing global,a indústria de rein-
tegração das mulheres prisioneiras baseia-senão só numrevivalismo das
explicaçõespsicológicasdo crime,mastambém na míticatransparência, por
de maisenaltecida, da dualidadecrime/prisão, istoé, o mitopersistente de
que as mulheres que transgridem a lei são presasdevidoà gravidadedos
seus crimes,e não porforçada complexidade das suas condiçõesde vida,
excludentes, no
desiguais género e anti-sociais.Por outrolado,a constatação
de que os regimes de reprogramação da
psicológica indústria de reintegração
são eficazesteveduasconsequências. Em primeiro lugar,escamoteia o facto
de que o programa terapêutico é sempresuportado pela antigaparafernália
punitiva e de segurança dos anteriores séculosde governação penalcriativa.
Esta acumulaçãoe sobreposiçãode formasdisciplinares e estratégias de
contenção facilmente dão origem à economia mista da prisãoterapêutico-
-punitiva na qual quaisquertentativas de terapêutica isoladaem diminuir o 7007

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sofrimento debilitante
da prisãoserãoinevitavelmente
minadaspelocontexto
de puniçãoe encarceramento. Em segundolugar,convenceuos juizes de
que é legítimo
enviarmulheres paraa prisãosemolharà trivialidade
dos seus
na
crimes,pois prisão elas sofrerãouma lavagem cerebralparaque consi-
gam lidarcom a sua pobreza de formanão criminosa.
Tal como foiproposto
porumapublicaçãogovernamental de forma
britânica duvidosa(massincera):

Os traçoscaracterísticos das mulheresprisioneirassugeremque


experiências comoa pobreza,o abusoe a dependência de drogaslevam
algumasmulheres a acreditarqueas suasopçõessão limitadas.
Muitosdos
programas de comportamento ofensivosão concebidospara ajudaros
transgressores a perceberque há semprealternativas positivasà sua
disposiçãoque nãoenvolvem o Ao
crime. mesmo tempo,através
dogoverno,
estamosa tentar resolveros aspectosda exclusãosocialque levamessas
mulheres a acreditarqueas suasopçõessão limitadas[HomeOffice,2000,
7, itálicos
acrescentados].

ARGUMENTOS

Este artigoapresenta
quatroargumentos
principais:

Primeiroargumento: mas poucoexploradas,


uma das principais, causas
para o rápidocrescimento da populaçãoprisionalfemininaé o aumento
exponencial da indústria
internacional dasmulheres
de reintegração prisionei-
da prisãode
paraas taxasde crescimento
ras e a sua provávelcontribuição
mulheres.

Segundoargumento: as características
definitivas da prisãoimplicam
que, mesmo quando também pretende servir como hospício,centrode la-
vagemcerebral, armazém ou até numa
aspirador, metáfora utili-
apropriada
zada por Loïc Waquant,ela é, acima de tudo,uma prisão,cuja função
manter
principal, pessoasenclausuradas contravontade, necessaria-
perverte
mente(e não acidentalmente) qualquer das outras, com supostasfunções
O fundamento
maisterapêuticas. da prisãoé a sua lógicade encarceramento,
o que corrompe inevitavelmente todasas tentativas de reformaprisionale
estrangulatambémà nascença,atravésdo transencarceramento, muitos
programas de detençãonão prisional.

Terceiroargumento: umadas razõesparao rápidoaumento da população


feminina
prisional em muitos países tem as
subjacentes afirmaçõesgover-
1008 namentais de que hojeem dia a prisãoestálongede serapenasumaprisão;

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e a indústria
de reintegração

maisdo que isso,é umaferramenta multifuncional socialque


de engenharia
servenão só para puniros criminosos, mas também,e atravésda sua
máquinadisciplinar de programaçãopsicològicae controloadministrativo,
fazerdesapareceras causas do crime.

Quartoargumento: dado que existemrazõeslógicas,sociológicas,ideo-


e e
lógicas políticas tambémculturaisque tornam o conceitode reintegração
socialna prisãoimpossível,
dever-se-ácontestaras alegaçõescontraditórias
que repetidamenterecuperam paraa prisãoum papel que promovetantoo
castigocomoa reabilitação.

UMA PRISÃO É UMA PRISÃO

Os meussegundoe terceiro argumentos de que umaprisãoé umaprisão,


apesar de os governos dizerem o são apresentados
contrário, apenasporque,
ao longoda história penal,optimistas liberaisargumentaram que as prisões
são, no fundo,outracoisa. E é claro que, tendoas prisõesum carácter
multifuncional, certamente sempreserviram para acolheras pessoas que
ninguém e
quer aquelescuja diferença muitos foramensinadosa temer.Se
de factoas prisõesnão fossemmultifuncionais, não teriasidotão fácilpara
os governosjustificarem o enclausuramento de pessoaspobres,doentese
estranhas, argumentando que, longede veremos seus padrõesde exclusão
racial,de classe e de géneroreforçados, os reclusosseriamabrangidos por
de
serviços reabilitação, psiquiatria, cuidados médicose educacionais.
No entanto, e apesarde muitosgovernospretenderem dizer-noso con-
a prisãoestá,emprimeiro
trário, lugar,essencialmenteorganizadaparapunir
os excluídos,controlando-os de formaseguradurante umperíodode tempo
definido porum tribunal. Independentemente de outrasfunçõesque as pri-
sões possamter,a única característica comuma todosos sentenciados à
prisão é a de terem sido condenados por um crime que é punidopelo
tribunal,seja atravésde umaordemde prisãoimediataou de «alternativas»
baseadasna ameaçaexplícitado encarceramento em caso de não cumpri-
mentodos termosda sentença.Como todosos outros«outros»,portanto,
as alternativas à prisãopressupõem semprea contínuaexistênciade um
segundoparceiro, nestecaso a própriaprisão.
No entanto, emboraa prisãoseja o símbolodo podermaispersuasor do
Estadotantoparapunircomopara manteros padrõesexistentes de domi-
naçãoe exclusão,ela é também umsímbolopoliticamente perigoso.Primei-
ro, porqueestá pertode violarmuitosdos direitoshumanose é muito
dolorosoverificar que os governosdemocráticos necessitamcontinuamente
de re-legitimar a sistemática e quase exclusivapráticaque é dirigidacontra ¡009

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determinadas classese categorias de infractores da lei porcrimesabsoluta-


mentemenores;segundo,porqueo negócioprisionalaindase mantém(tal
comonosprimeiros temposda psiquiatria) comograndetitular e consumidor
da moderna produção e redistribuição de novasterapêuticas e «psico»ciências;
terceiro,forqueos defensores da reforma penal,desiludidos como repetido
fracassodos governos na tentativa de reduzirem a populaçãoprisional, acei-
das
taramváriasvezes o convitepor parteda administração prisõespara
ajudarema dar formaaos regimesprisionaisconcebidospara diminuírem
tantoa dorcomo as consequências destrutivas da prisão.Como resultado,
o poderde puniratravésda prisão,bem como de manterno seu lugaros
permanentemente excluídos,não é estáticoe a sua legitimidade teráde ser
constantemente renovadaatravésdas alegaçõesempoladasde que a prisão
produzalgumbenefício penalgeral,sendotambémpropositadamente dolo-
rosaparaos presosa nívelindividual. E isto as
poderáexplicar mensagens
contraditóriasenviadaspelos governos, ansiososem seguirem umapolítica
de penalizaçãopopulistaao mesmotempoque invocama legitimidade do
ao
tribunal, argumentarem as são
que prisões instituições que favorecem o
restabelecimento de malfeitores e a reeducaçãodos mal-intencionados. Isto
leva ao meuterceiro argumento - que as alegações contraditórias de que
a prisãopermite punir e reabilitardevem sercontestadas.Pois é precisamen-
te estediscursoterapêutico-punitivo que alimentao negócioflorescente da
prisãohoje,absorvendo milhõesincalculáveis em pessoase dinheiro, com
base nos fundamentos míticosde que a prisãoterapêutico-punitiva irádimi-
nuiro crime,ao mesmotempoque assegurao envioparaa prisãode cada
vez mais pessoas.
Entretanto, a prisãoque é prisãoassegurará que o encarceramento fun-
cionamuitobem:emprimeiro a
lugar,porqueprovidenciapunição severa e
exemplar o dos
nas sociedadesque hojetantoexigem castigo transgressores
comoa protecçãofaceàquelesoutrostão superficialmente definidos como
sendo«desviantes»; emsegundo, porqueprisõesrepletas e taxasde detenção
crescentes poderãosurgircomo indicadores visíveisda determinação do
governo em encetar a guerracontra os em
malfeitores; terceiro, porquea
prisãocontinua a serum mecanismo importante na gestãoda pobrezae da
marginalidade (Wacquant,2001; Beckete Sasson,2004).
Se a prisãofaz tudoisto,porque se tornapreocupante o factode que
o negócioprisional internacional tenhaêxitona reivindicação de que,acima
Em
de tudo,as prisõesservemparareabilitar? primeiro lugar,porque,no
caso das mulheres, essas alegaçõespodemterconduzidoos magistrados e
juizes a acreditarem a
que prisãopode efectivamente encaminhar as neces-
sidadesdas mulheres e que,porisso,é legítimo prendê-las,mesmoque os
1010 seuscrimessejam de relativa em
pequenadimensão; segundolugar,porque

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A reclusãode mulheres
e a indústria
de reintegração

o discursode reintegração
prisionalresultanumatransferênciade recursos
da comunidade a
para prisão.É discutívelque taisrecursos
tenham maiores
resultados
(em termosde tratamentoeficazpara os consumidoresde droga)
numcenáriode práticasocialnãoprisional
se disponibilizados do que quando
colocadosnumcenáriode práticaanti-social de prisãolegítima.

AS MULHERESNA PRISÃO E A INDÚSTRIADE REINTEGRAÇÃO

Entretanto, existeumasuspeiçãocrescente entreos políticose profissio-


naisemInglaterra, no Canadáe na Austrália, porexemplo,de que,emparte,
os sistemasprisionais de mulheres se alimentam como objectodo discurso
de reintegração, istoé, porumlado,como relativamente elevadonúmero de
reincidentes e, poroutro,devidoà condenaçãodas mulheres porpartedos
magistrados e juizes que, erradamente, hoje pensamque os programas e
regimes de reforma são de
prisionais capazes prevenir futurastransgressões
da lei. E há aindaoutraideiamuitodifundida entreos profissionais
de relevo
e activistas antiprisão nos paísesondeas políticasprisionais e de reintegra-
ção prosperam: a de que deve dar-semenosimportância às reformas e
do e
programas regimeprisional procurar primeiro em lugar acomodar as
mulheres maltratadas emlocaispróprios e seguros;de seguida,apoiartodas
as mulheres na sua lutacontraos comportamentos aditivose as relaçõesde
abuso.E é claroque os activistas antiprisãotêmas estatísticasdo seu lado:
estudossobrea desistência do crimesugeremque o que aconteceforada
prisão,no que respeitaà habitação,empregoe relaçõespessoais,é muito
melhorestratégia para estimular o cumprimento da lei do que quaisquer
tentativas de lavagemao cérebropreconizadaspelo programaprisional;
noutra perspectiva, o estudodas prisõesfemininas sugereque a prisãocausa
danospsicológicos de talordemque não é possívelcurarpormeioda terapia
prisional. Aindaassim,pelomenosemInglaterra, emvez de umplaneamento
comunitário coordenado, recomendado por todosos anteriores relatóriose
pesquisas,adoptámos agoraos programas transnacionaisde «comportamen-
to cognitivo» exportados do Canadácom custos,porprisioneiro, na ordem
dos milhares de libras.Estesprogramas pretendem reestruturaros processos
cognitivos na mulher paraque ela olheparasi e paraa sua condiçãosocial
de outraforma, aprendendo a pensarde maneiramaispositiva.E, provavel-
mente, estes programas são, em si mesmos,inofensivos. Poderãoaté ser
na
benéficos, medidaem que ajudama mulhera aproveitar melhoro tempo
na prisão.(No entanto, devo chamaraqui a atençãopara o factode os
colegasno Canadáalegaremque os programas de base psicológicasão, na
realidade,prejudiciais porquesugerem às mulheres que devemsercapazes
de controlar as suas reacçõesa condiçõesmateriais adversas,sobreas quais ¡oil

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não têmqualquercontrolo; porisso,ao seremlibertadas, as mulheres sen-


tem-seconfusase culpadasquandotêmde enfrentar problemasque são
do
piores aquelesque tinham antes da prisão e dos programas de reprogra-
mação2.)De qualquermodo,sejam quais foremos efeitosimediatosno
processode introspecção das mulheres, a promoçãoagressivaque reclama
os programas de comportamento cognitivo como sendocapazesde reduzir
a reincidência continua porprovar.Mais preocupante aindado que o risco
de estesprogramas de base psicológicainduzirem umasensaçãode fracasso
nas mulheresque se deparam,forada prisão,com condiçõesmateriais
inalteradasé um segundoargumento que lhesé dirigido, ou, maisem con-
creto,que é dirigido contrao discursoda legitimidade prisional que abrange
estesprogramas: o argumento de que poderácertamente existirumarelação
entreo númerocrescente de mulheres condenadasà prisãoe a crençados
juizes nas afirmações dos empresários penaisde que os váriosprogramas
baseadosem abordagens ao «comportamento cognitivo», bemcomooutras
de
estratégias reintegração prisional, poderão e serão capazes de reduzira
reincidência.
Mas os programas prisionais são apenasumaparteda questãoda prisão
de mulheres. Há tambémas prisõesprivadas,as associaçõesentreprisões
e gruposfeministas em Inglaterra e no Canadá,auditorias inadequadaspara
medir qualidadede vida prisão,missõescom afirmações
a na e alvos esta-
belecidosreclamando ou exigindoo impossível, todoum aparatogerencial
que parece conhecer a de
quantidade quase tudo e a qualidadede quasenada
um de
e, porúltimo, departamento interpretação do discursoprisionalque
fezrecentemente as seguintes traduções: o riscoenquantoperigotornou-se
riscoenquanto necessidade; a necessidade enquanto segurança socialtornou-
-se necessidade criminosa a precisar de reajustamento psicológico;a respon-
sabilidadeprisional,que, no Reino Unido e em algumas partes da Austrália, nos
trouxeo corpode inspectores e mediadores prisionais, passoua serrespon-
sabilidadedo recluso,tornando os prisioneiros responsáveis pela sua própria
reabilitação- ou pelo seu fracasso (Hannah-Moffat, 2002). E, a acrescentar
a tudoisto,tal comojá referi, há a comparação entreo que agoraacontece
em Inglaterra e o que já aconteceuno Canadá e nos EstadosUnidos,que
indicao aparecimento de uma síndroma«programa prisional/aumento da
populaçãoprisional».
No caso da prisãode mulheres, a síndroma programa prisional/aumento
da populaçãoprisionalé previsivelmente despoletada quandoos inquéritos
públicosou os escândalosprisionaisapuramrecomendações de reforma
estratégicaem trêslinhas:novosprogramas prisionais, reduçãodrásticano
númerode condenações à prisãoe aumentodos recursoscomunitários. Em
1012 resposta,são instalados novos programas de base psicológica prisõesde
nas

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A reclusãode mulheres
e a indústria
de reintegração

mulheres e fazem-seafirmações infundadas (ou promessasque não se cum-


de
prem) que estes irão diminuir a reincidência. Mas os recursoscomuni-
táriose a reforma das práticassentenciais não são implementados...
A justificação ideológicaparaestaênfasedada ao reajustamento psicoló-
gico em detrimento da integração social é dada pela traduçãoda necessidade
de segurançasocial em necessidadepsicológica(Hudson,2002). Enquanto
durantegrandeparteda últimametadedo séculoxx a «necessidade»era
entendida como«necessidade de assistência social»,hoje em dia é traduzida
como «riscode reincidência», o que no discursoprisionalé transformado
em«necessidade criminosa», implicando a reprogramação prisional. O triun-
fo da traduçãode «risco enquantoperigo»em «risco enquantoprivação
socialque leva a reincidência» é que,e dadoque a necessidadesocialjá não
é vistacomo critériode aplicaçãode sentençade detençãonão prisional,
em vigorsegundoo modelopenaldo Estado-providência, os juizes vêem-
-se na posição legítimade mandarem mulheres paraa prisãocom base na
gravidadedos seus problemassociais,e não devidoà gravidadedos seus
crimes.
Na era da penalidadedo pós-Estadosocial,os programas não prisionais
- ligadosà ideia de que as mulherestransgressoras padecemmais de
problemas económicosdo que de problemascognitivos e, portanto, procu-
ramensiná-lasa lidar,a nível práticoe legal, com os seus problemas
diários- não recebemacreditação oficial;os programas prisionais tradicio-
nais(comoos de artee de discussãode grupo),apontadoscomonão tendo
um objectivoanticriminogéneo, são postosde parte.
Os tribunais, impressionados com as afirmações acercado sucessodos
programas prisionaisemlidaremcoma necessidade criminosa, ignorando os
programas comunitários ou as pesquisasque indicamque as alegaçõesdos
técnicospsicológicossão infundadas (Kendall,2002; Inspector of Custodial
ServicesWesternAustralia,2003), enviampara a prisãocada vez mais
mulheres «emrisco»de reincidência (porvia do contexto de pobreza).Dado
que há mais reclusasna pobreza,portanto «em risco»,do que homens,o
númerode mulheres na prisãoaumentade formadesproporcional face ao
númerode homensna prisão. O excesso de população nas prisõesde
mulheres resultanumdesajustamento entrea definição dos programas e dos
presos,tornando cada vez maioro fossoentreo discursoreformador ea
reforma real. Quandoacompanhadas de formadesadequadana prisão,as
mulheres saem,a nívelmaterial, piordo que quandoentraram e voltama
sendo
transgredir, que o aumento da populaçãoprisionalfeminina, em con-
juntocoma campanhade propaganda dos programas intraprisionais,sugere
existirum novo tipode criminosa que deve ser presa... E dá-se de novo
inícioa um ciclo completo. jqj^

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CONTESTARO ENCARCERAMENTODE MULHERES


E AS INDÚSTRIASDE REINTEGRAÇÃO

Em balanço,a lição principal a retirar daquelepequenocenário- com


o qual,admito, usei algumaliberdade artística- é a de que a reintegração
na comunidade e o encarceramento penalconstituem doisprocessosdiferen-
tes inteiramente opostos, sendo o
que, quando primeiro é invocadopara
o
justificarsegundo, há o forte
risco de se incorrerno aumento da população
prisional.Se um tribunal decideque o único castigoparaquemtransgride é
ser enviadopara a prisão,entãoque os políticostenhampelo menosa
honestidade de dizeremque as mulheres vão paraa prisãoporcastigo...e
dessa formapossamagircom a honestidade penalque consideraa prisão
uma prisão.De formaanalítica,pode até ser instrutivo entender a prisão
comooutracoisa qualquer(um aspirador, por exemplo).Mas, sempreque
os políticosse esquecem(ou fingemesquecer)de que acimade tudouma
prisãoé umaprisão,ou sempreque os governos, porrazõesde propaganda,
insistem em que as prisõestêmumafunçãode integração socialdosprisio-
neiros,as populaçõesreclusasirão,provavelmente, aumentar. Os programas
não
prisionais possuem a fórmulamágicaque permite reduzir os níveisde
reincidência,independentemente de haver ou não uma alteraçãoda situação
da mulher forada prisão.Podemserapresentadas razõeslógicas,ideológi-
cas, sociológicase políticasquejustificam o fracassodos programas prisio-
naisna diminuição da reincidência.

Razões lógicas: a reduçãoda reincidência por partedos reclusosnão


pode sera primeira funçãoda prisão,umavez que a condiçãológicapara
manter nas prisõesobrigaa que diariamente
os prisioneiros seja dada prio-
ridadeàs questõesde segurançaem detrimento das necessidades terapêuti-
cas. Temsidobemdocumentado o
que cumprimento necessáriodas exigên-
cias de segurançairá,possivelmente,corrompere minaras possibilidadesde
se obterem condições favoráveis
para um ambiente terapêutico.

das populaçõesprisionais
Razões sociológicas:os traçoscaracterísticos
femininas tornam a ideiade reintegraçãodesadequada.O conceitode rein-
tegraçãodas mulheres implicaque, antesde serempresas,as
prisioneiras
mulheres detidasestavaminseridas na comunidade e que,depoisde saírem,
precisam de assistência
apenasparapoderem recuperaro lugarque anterior-
menteocupavamna sociedade. entanto, pesquisafeitajuntode todas
No a
as jurisdiçõesinvestigadasno âmbitodo projectoMIP indicaque grande
partedas mulheres condenadasà prisãonão possuíamsegurançafinanceira
antesde serempresas,nuncatendotrabalhado ou tendoapenasconseguido
1014 empregos precários e malpagos, sem alojamentoseguro,commuitopoucas

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A reclusãode mulheres
e a indústria
de reintegração

habilitaçõese tendosidovítimasde violênciafísicae/ousexualporpartede


familiares ou predadores masculinosexteriores à família.A pesquisano
Reino Unido sugereinequivocamente que as mulheres prisioneiras estão
sujeitasa níveis mais altos de privação económica e social do que seus
os
paresmasculinos,que as mulheres das minorias étnicas estão em maior
desvantagem económica e social face às restantes mulheres em situaçãode
desvantagem e que, no global,as mulheres socialmente excluídasestãoem
maiordesvantagem do que os homenssocialmente excluídos.
O encarceramento de mulheres exclui,portanto, aquelasquejá se encon-
tramsocialmente excluídas.Mas, mais surpreendentemente ainda,os estu-
dos jurídicosde algumasjurisdiçõessugeremque as mulheres são muitas
vezes enviadasde formaexplícitapara a prisãoporquejá se encontram
socialmente excluídas(semabrigo,desempregadas, consumidoras de droga)
e porque,na ideiadosjuizese magistrados, essa condiçãosignifica que estão
emmaiorriscode virema cometer -
umcrimeno futuro e, provavelmente,
têmrazão.No que se enganamé na suposiçãode que a prisãopode e irá,
porvia dosregimese programas de reabilitação, reduzir a probabilidade, por
partedas mulheres que já se encontram excluídas,de regressoao crime(ou
à droga)quandoforemlibertadas. De facto,as conclusõesda pesquisaMIP
sugerem que, em vez de favorecerem a reabilitação das mulheres socialmente
as
excluídas, opções sociais da totalidade das reclusas,provavelmente, são
reduzidasdevidoao tempode prisão:o emprego e a educaçãosão interrom-
pidos;as relaçõese a saúdesão enfraquecidas; poderátambémhaveroutra
perda a nível da auto-estima por via da humilhaçãosofridada partedos
funcionários prisionais e do estigmainevitável que umapenade prisãopro-
voca. Em suma,a prisãoconsegueexcluiraté mulheres que não estavam
socialmente excluídasantesde seremdetidase excluirmais aindaaquelas
que já o estavam.
Mas, de um pontode vistacompletamente diferente, tendoem contao
passado adverso a nível do emprego e da educação das reclusas,a grande
percentagem de mulheres que estão mentalmente doentes na prisão,a que
acrescemas penasde relativacurtaduraçãode grandeparteda população
prisionalfeminina, torna-se difícilperceber comopoderãoas prisõespropor-
cionarà maioriadas prisioneiras cursoseducativos eficazes,umareabilitação
de drogassustentada, apoio emocionalou competencias profissionais com
saída no mercado.E, mesmoque as prisõestambémfossemescolas de
formação industrial,instituiçõeseducacionais ou hospitais, continuava a ser
moralmente indesculpável manterpresaspor mais tempo(ou com mais
frequência) as mulheres transgressoras já excluídasparacorrigir problemas
económicose sociais que apenas podemser resolvidoscom eficáciana
comunidade.
Na prisão,as melhores tentativasparaajudaras mulheres a váriosníveis
são minadas(a) pela superlotação e (b) pelo impactodas preocupações de ¡015

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Pat Carlen

segurança.Quandodeixama prisão,muitasdas reclusaspartemsemassis-


tênciaseguraparalocaisondenão podemmanter qualquerdas terapiasque
eventualmentereceberamna prisão- especialmente
se são deportadas
para
paísesque virampela últimavez há muitosanos.

Razõesideológicase políticas(e deixandoas questõesde legitimidadeà


é
parte):porque que interessaria
aos as
governosque prisões acrescentas-
sem a reintegração a todasas suas outrasfunções?Porque,se tambémse
ignoraa ideologiaoficialque preconizaque as prisõesservemem primeiro
lugarparadiminuir a reincidência
atravésda reabilitação,
podeperceber-se,
pelos critérios
que apontei no iníciodeste texto,que prisõessão já, de
as
facto,um sucesso. A continuadaimportância insistência
da de Durkheim
(1969-1985) nas de
funções integração da exclusão punitivaé reforçada
pelosmanifestos eleitorais
dos partidospolíticosque evocamrepetidamente
tantoo número de prisioneirosque estãoa cumprir penacomoo númerode
novasprisõesque irãoserconstruídas no futuro.
No entanto,comojá referi,
os discursose estratégias com os quais se procuraobtera legitimidade
prisionalsão constantemente reajustadosà medida que as formasde
governação penalmoldame são moldadaspornovascondiçõeshistóricas e
culturais.Concluo este texto,por isso, com uma descriçãoda cultura
prisionalcontemporânea no ReinoUnido.

A CULTURAPRISIONALCONTEMPORÂNEANO REINO UNIDO

Os funcionários no ReinoUnidoestãobemconscientes
prisionais de que
o principal
objectivoda prisãoé o de manteros detidos
prisioneiros de forma
segura.No entanto,muitosdeleshoje em dia tambémagemde acordocom
um discursode culturade reintegração que pode sugerirque a prisãose
tornoumenosdestrutiva e dolorosado que era em épocas anteriores. Não
é verdade.No Reino Unido,as tentativas sériase sinceraspor partedo
pessoalprisionalparatornaras prisõesmenosdemolidoras foramminadas
pelo cancrode umadisciplina governativaque agiuparagarantir que muitas
prisionaisde reintegração
das estratégias (como programas, preparaçãoe
funcionassem
responsabilização) apenasparamanter os presosno seu lugar.
E é acercadestadisciplina
de governação que gostariade dizermaisalgumas
palavras.
Em Disciplineand Punish,Foucault(1977) argumentou que as formas
modernas de regulaçãosocialservemparacriarumacidadaniadisciplinada
que, tendointeriorizadode tal formaas regrasdo comportamento discipli-
nado,levouao desusoda coacçãofísica.Então,seguindoaindaFoucault,se
1016 se entendeque estatecnologia contínuada disciplinade massas,em vez de

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A reclusãode mulheres
e a indústria
de reintegração

dependerdo terror ou da dorfísica,pretende o domíniopsicológico,seria


também de esperarque as maisrecentes estratégias de programação prisional
resultassem (nemmais nemmenos)numacontinuação da disciplinapenal
modernista, agindoparareprogramar o recluso,tornando-o umcidadãoe um
operário.E em é
grandeparte queo elas são. Mas também são diferentes.
A programação prisionaldescrita por Foucault eravista como fazendoparte
de uma redeconsistente de controlosocial e culturaltotalno interior dos
Estados-nações. Em contrapartida, os programas prisionais de hoje(especial-
menteos psicológicos)são o resultadovendávelde uma mercadorização
globaldos produtos penais.
No entanto, emboraas promessas dos programadores procurem legitimar
a prisãoalegandoque é possíveldiminuir a reincidência, fazendocorrespon-
der o programaadequadoàs necessidadescriminaisda reclusa,a lógica
essencialda prisão,a de que os prisioneiros devemestarfechados,significa
que, quandoestaideologiapós-moderna de programação múltipla e indivi-
dualizadaé accionadanasprisõescontemporâneas, não é implementada num
ambiente terapêutico,mas antes lado a lado com todos os velhos princípios
disciplinaresmodernistas de confinamento e triagem espacial,normalização
e regulaçãohoráriae numpano de fundode aindamais antigoscontrolos
pré-modernos, comoas solitárias,revistacorporale coerçãofísica,técnicas
de humilhação públicae, em algunscasos ainda,deportaçãopara lugares
remotos.E toda esta sobreposiçãode técnicasdisciplinares de diferentes
épocaspenais acontece no contexto de confusas condiçõesque resultam de
umaacentuadasensibilidade políticaao riscoe de umreceioglobalde uma
diferençaconstantemente redefinida.

Em conclusão,portanto, queriaapenascomentar que estoubem cons-


cientede que existemmuitossistemasprisionais brutaisno mundo,ondeos
reclusosficariam contentes se tivessemas condiçõesprisionais materiaisque
parecemexistirem algumasjurisdiçõesondeas políticasde reabilitação e
reintegração prosperam. E a minhavisão pessoal é a de que, enquantoa
prisãoexistir,temoso devermoralde lutarpara garantir que os direitos
humanosdos reclusossejamrespeitados... embora, dada a natureza própria
da reclusão,não acrediteque esse respeitoseja possível.
Nestetextonão tenteidescrever ou explicarcada facetado crescente e
globalizadocomplexoprisional-industrial. Tudo o que tenhoestadoa argu-
mentar é que a conjuntura actualde crescimento concomitante do encarce-
ramento de mulheres e da indústriade reintegração surge como um novo
elemento da velhahistóriada prisãoemque a proclamada reforma do regime
prisionalandade mãosdadascomo aumento do carceralismo,o crescimen-
to do comérciointernacional de produtos penaise o aumento da sofisticação
e diversificaçãoda técnicapenal.Jásabemosque as alternativas à prisãotêm ¡017

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sido regulare oficialmente transformadas em programas de transencarcera-


mentoconcebidospara levarà comunidade o sofrimento dos prisioneiros
(Cohen, 1983; Lowman et ai, 1987). Sabemos também que, de forma
inversa,noutros países,como actualmente em Portugal(da Cunha,2005) e
no Norteda Mandadurante os «tumultos» (v. McEvoy,2003), se verificou
uma importação massivadas comunidades para dentroda prisão.A partir
destesexemplosdiferentes de criatividade e plasticidadepenalsabemosjá
tambémque a «prisãopersistente» (McMahon,1992) está agorae sempre
a mudaros seusdiscursos de legitimação e as estratégiasde governação,de
formaa manteros já excluídosno seu lugar.Deste modo,portanto, até a
prisãoserdescentrada (Hannah-Moffat, 2002) do pensamento governamen-
tal e popularda questãosobreo modode darrespostaao crimeaté,efec-
tivamente, a detençãoe a indústriade reintegraçãoseremextintas, é provável
que todasas tentativaspara civilizar
a respostapunitiva, assim como para
reduziros padrõesde exclusãosocial baseadosna raça, classe e género,
saiamfrustradas. Em suma,estefracassoda prisãoe da indústria de rein-
tegraçãocontemporânea em concretizaras prometidas reduções na reinci-
dênciaconstitui apenas mais uma provapouco diferente que confirma a
antiga máxima abolicionistade que não é possívelque métodos penaispri-
máriospossamresolverinjustiças sociaisprimárias.

Notas
1 Na Conferênciade 2004 sobreas Prisões,Londres,2004.
2 Kim de 2004
Pate,da AssociaçãoElizabethFry,do Canadá,ao autorna Conferência
sobreas Prisões,Londres.

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