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STF, modos de fechar

Antes de dar um golpe 'em on', é possível testar


golpes 'em off'
11.ago.2020 às 23h15

É sinal dos tempos um presidente da República, ao dar comando de


golpe, mirar o STF, não o Congresso. "Vou intervir", teria exclamado a
três generais. Dois se excitaram e o terceiro os demoveu, conforme
reportagem da revista Piauí, construída a partir do relato de quatro fontes
"em off".

Numa leitura apressada, parece ter faltado tirocínio ao autocrata.


Possuído, agiu por impulso contra juiz que tomou medidas jurídicas de
praxe contra interesse do filho. Por sorte da democracia, generais
virtuosos traíram Bolsonaro e instaram jornalista a avisar o Brasil e o
mundo do perigo que ele representa. Um ato heroico e republicano.

Numa leitura mais desconfiada, parece faltar tirocínio a nós mesmos.


Bolsonaro não teria dado comando nenhum. Sentou-se com aliados de
agulhas negras e rabiscou historinha com lápis de cor. Recorreram a
jornalista para avisar o STF do perigo que eles mesmos representam.

Por que dar golpe "em on" se é possível testar golpe "em off" antes? Seja
qual for a trama verdadeira —a inverossímil ou a malandra— o presidente
que comete crimes cometeu mais um.

Fosse verossímil, Bolsonaro não engoliria traição a seco. Mas do governo


ninguém se manifestou, repercussão na esfera pública não houve, STF e
Congresso se calaram. O recado foi dado e o silêncio institucional indica
sucesso.

Nessa onda de autocratização, clareza atrapalha, ambiguidade ajuda. O


governo sabe que para "fechar o STF" não precisa fechar o STF. Há
formas de "fechá-lo" sem fechá-lo.
Tentou fechar "à toffolesa" ao namorar presidente colaboracionista do
tribunal. Toffoli fez o que dava: beneficiou Flávio com decisões
monocráticas, aliviou agenda do plenário, hospedou general no gabinete,
articulou acordo para poupar presidente de processo, deu as mãos a
Aras, recebeu Bolsonaro e comitiva teatral que singrou a Praça dos Três
Poderes para defender a inércia sanitária.

"Bom termos a justiça ao nosso lado", agradeceu-lhe o presidente. Mas a


docilidade de Toffoli não bastou. Outros ministros ainda podem demais.

Ensaiou-se fechar "à polonesa", uma estratégia que aposenta juízes


insubmissos e povoa a corte com apologistas. Revogar a emenda
constitucional da bengala (que aumentou idade de aposentadoria) foi
ideia marota nessa direção.

Se não tiver pressa, poderá fechar "à calabresa", modo mafioso pelo qual
se compra a magistocracia rentista por meio de qualquer ampliação de
"auxílios". Ou então, quando nomear novo ministro, mandá-lo fazer o
mesmo que muitos ministros fazem a todo momento —pedir vista e
deixar o caso na gaveta.
Bolsonaro e generais hoje tentam "fechar à francesa". Mandam recado e
procuram na corte quem está disposto a ser corajoso.

Se nada der certo, resta fechar "à gandresa", uma opção clássica pelo
ato de força com verniz jurídico encomendado ao pincel de Ives Gandra e
dos gandretes.

Juristas que subscrevem Bolsonaro gozam de respeitabilidade similar à


de Olavo de Carvalho na filosofia, na astrologia ou na proctologia. Gandra
declarou que "Olavo é um mestre de todos nós". Gandretes, discípulos
do discípulo de Olavo, são alunos da escola cínica da jurisprudência
brasileira.

As proposições de Gandra e gandretes orbitavam a pré-


constitucionalidade. Até ontem esposavam a tese pré-constitucional da
intervenção militar. São adeptos do que Gilmar Mendes chamou de "tese
de lunático" e Luís Roberto Barroso de "terraplanismo jurídico".

Gandretes estão prontos a nos levar, sem escalas, à pós-


constitucionalidade. André Mendonça, por exemplo, tirou da cartola a
ideia de que relatórios sigilosos da polícia do pensamento não se
submetem a controle judicial, mesmo quando violam direitos. Como se
ação judicial significasse quebra de sigilo.

Para reforçar o clima de normalidade jurídica, o presidente pode ainda


convidar os profetas da democracia "risco-zero" a recauchutarem seus
textos sobre normalidade política. Foram bastante vocais quando da
eleição de Bolsonaro e desfilaram, em linguagem faceira, evidências de
"risco-zero". Olavo nenhum da ciência política botaria defeito.

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