15]
Tradução: Existe no mundo de hoje quatro mil cidades de mais de cem mil
Olga Lúcia Castreghini de Freitas Firkowski habitantes, duzentos e cinqüenta de mais de mais de um milhão,
(Professora do Departamento de Geografia da UFPR) cerca de quarenta de mais de cinco milhões e cerca de quinze com
mais de dez milhões. Tudo nos leva a pensar que esses números vão
ASCHER, François Metápolis ou l’avenir des villes. Paris, Ed. continuar aumentando. Esses fatos recobrem certamente as
Odile Jacob, 1995, p. 14-40. diferentes realidades nos países pobres de domínio ainda agrícola,
onde a concentração urbana é “extensiva”, e nos países de
Capítulo 1 industrialização antiga onde a urbanização é generalizada.
Desde o início deste século, denominam-se “metrópoles” as
Metropolização e metápolis mais dinâmicas e as mais importantes dessas grandes aglomerações.
Etimologicamente, a metrópole é a antiga cidade grega, “mãe” de
O que é a “metropolização”? Quais são suas diferentes suas colônias, que “exporta” seus guerreiros, seus comerciantes e
manifestações? Se desenvolve em todos os países tanto quanto na seus deuses. Esta imagem serve bem a grande cidade moderna, que
França? É durável? Quais formas as metrópoles tomaram na se define mais pela influência internacional de suas empresas, de
Europa e nos países fortemente industrializados? Sua extensão seus capitais, de suas universidades, que pelas funções
anuncia o fim das cidades ou uma nova etapa da urbanização da tradicionalmente regionais e por um interior de onde ela retira
sociedade e uma nova forma da cidade? recursos e poder1. Nos Estados Unidos, a forte dinâmica
metropolitana, alterando profundamente as estruturas urbanas, foi a
origem, no final dos anos quarenta, de uma definição oficial da
metrópole que [início da p. 16] ultrapassa o quadro espacial clássico, Mas ao desenvolvimento das metrópoles se acrescenta agora um
retendo o perímetro das atividades urbanas cotidianas nas grandes fenômeno um pouco distinto: a “metropolização”, ou seja, não
cidades e na sua vizinhança2. Na França, é a política de somente o crescimento e a multiplicação das grandes aglomerações,
aménagement do território que coloca a questão metropolitana na mais a grande concentração crescente em seu interior das
ordem do dia nos anos 1965-1970, com o programa das “metrópoles populações, das atividades e das riquezas.
de equilíbrio” que visavam a reestruturar e a reforçar “a armadura
urbana” do território nacional. Estudos detalhados serviram para A “METROPOLIZAÇÃO” NA FRANÇA
classificar as quarenta e duas primeiras cidades francesas e para
definir entre elas oito conjuntos urbanos maiores onde o reforço A França que foi por muito tempo um país muito rural6
devia servir para contrabalançar a influência de Paris e reorganizar o rapidamente se urbanizou depois da segunda guerra mundial. Se ela
nível regional hierarquizando-o mais claramente3. provavelmente ainda não completou sua “urbanização”, já nove em
Malgrado a ausência de definição precisa4, a noção de cada dez franceses vivem seja numa aglomeração [início da p. 17] de
metrópole é abundantemente utilizada na atualidade, geralmente mais de cinqüenta mil habitantes seja a menos de meia hora de carro
para qualificar as principais aglomerações urbanas de um país, que de seu centro7; e um pouco mais de quatro dentre eles habitam nas
contam algumas centenas de milhares de habitantes, que são doze maiores unidades urbanas. Isto é ainda sensivelmente menos
multifuncionais e que estabelecem relações econômicas com várias que em bom número de países europeus, certamente mais densos e
outras aglomerações estrangeiras. Essas três características integram, menos agrícolas.
de fato, todos os tipos de outras dimensões, que fazem parte da A urbanização, sob a pressão combinada do crescimento
panóplia quase obrigatória dos critérios de definição das cidades que demográfico e da emigração rural, operou-se após os anos cinqüenta
pretendem concorrer na competição urbana em escala internacional5. de maneira variável, se apoiando primeiro sobre praticamente todas
as cidades e depois se fazendo mais seletiva8: em nossos dias na chegaram mesmo a anunciar “a inversão da tendência secular de
região Ile-de-France, a maioria das grandes aglomerações (de mais emigração rural” explicando que a urbanização teria genericamente
de duzentos mil habitantes) e as zonas rurais e urbanas que estão sob se completado porque as grandes cidades teriam atingindo seus
sua influência direta, crescem mais rápido que a maioria das outras limites econômicos e socioculturais. Eles propunham apoiar essa
cidades9. A hierarquia das grandes cidades continua contudo evolução por uma política voluntarista em favor das pequenas e
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relativamente estável . Em oposição, o “rural profundo” médias cidades. Mais desde o recenseamento de 1990, o
[verdadeiramente rural] e o “pequeno urbano profundo” tendem a retardamento da construção de casas individuais em zonas rurais
regredir. periurbanas não esconde [início da p.18] mais a metropolização e o
O crescimento das grandes aglomerações apresenta crescimento rápido da região Ile-de-France12. Esses resultados
problemas políticos, sociais e culturais tanto mais importantes que, estatísticos reativaram a velha tese “Paris e o deserto francês13”, e a
no interior urbanizado recentemente, as zonas rurais e as pequenas e modernizaram sob a forma “a metropolização e a desertificação14”.
médias cidades guardam não somente um peso demográfico Aos resultados do recenseamento se somaram em 1992 aqueles do
relativamente importante, mais sobretudo um peso político referendo sobre o tratado de Maastricht: o voto positivo das
considerado hipertrofiado para o sistema eleitoral. populações das grandes cidades foi ameaçado por aquele do resto do
Também as estatísticas são, na França mais que em outros país que pareceu considerar que a europeização da economia, a
lugares, solicitadas pelos políticos e certos experts. Assim, uma metropolização e o declínio das pequenas cidades e do campo
leitura superficial dos resultados do recenseamento da população de precisavam de concerto. É neste contexto que o Ministro do Interior
1982 levou a crer que o crescimento das grandes cidades estava Charles Pasqua, pronunciou-se contra o tratado, e o Primeiro
completo e que um renascimento demográfico das comunas rurais ministro Édouard Balladur, ao contrário mais pró-europeu mas já
[cidadezinhas] e das cidades médias se esboçava11. Os comentaristas preocupado com a queda eleitoral, lançou um “grande debate
nacional sobre o aménagement do território” introduzido por um mais clássica; ela se alimenta ainda em parte da emigração rural e se
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texto com evidências verdadeiramente anti-metropolitanas . concretiza por uma extensão e uma densificação das grandes
A urbanização francesa foi então não somente muito tardia, cidades.
mais ela continua sendo ainda politicamente e culturalmente Nos países de urbanização antiga, como a Grã Bretanha (que
incompleta... tinha já em 1901 uma taxa de urbanização de oitenta por cento) ou
Alemanha, onde a densidade média é elevada, a metropolização se
A METROPOLIZAÇÃO opera mais por uma dilatação das principais zonas urbanas, e pela
NOS OUTROS PAÍSES INDUSTRIALIZADOS integração das cidades periféricas, ou mesmo de toda uma região, no
funcionamento metropolitano (migrações alternantes e relações
A metropolização não é própria à França; ela não é imputável econômicas cotidianas no interior de um mesmo espaço
a um sistema político e econômico particularmente centralizado, a metropolitano). A perda eventual de população de suas cidades
uma história específica das cidades francesas ou não se sabe a qual centrais, interpretada indevidamente como o declínio das grandes
política que teria privilegiado especificamente as grandes cidades. cidades, não é em nada contrária a metropolização, mais exprime
Não desagrada aos políticos franceses saídos das pequenas cidades e sobretudo a recomposição funcional e social dos espaços
dos cantões rurais, e aos políticos demagogos, que buscam metropolitanos.
desesperadamente contra-exemplos estrangeiros para fazer crer que Dessa maneira, as grandes cidades do Reino Unido perderam
outros países a ela tem escapado16. Mais a verdade é que a um pouco de sua população, mais muitas vezes ao proveito de
metropolização toma formas relativamente diversificadas. cidades menores situadas nas mesmas zonas. Deve-se notar também
Nos países do sul da Europa, como na Ásia do Sudeste, - nós vamos retornar a isso mais a frente - que estas mesmas cidades
[início da p. 19] a metropolização é simultânea de uma urbanização (Glasgow. Leeds, Manchester, Sheffield) viram afluir para elas as
categorias de população mais abastadas (gentrificação [elitização] e Dresde, Hannover e Kassel conhecem um crescimento direto muito
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retorno em direção aos centros das cidades dos profissionais ). De forte. Na Alemanha parece assim emergir as “cidades-regiões” (ou
mais a mais, a população das regiões muito urbanizadas e muito as regiões metropolitanas) quer dizer os conjuntos regionais
densas ao sudeste da Inglaterra, e a leste das Midlands aumentou “integrados” formando o que os americanos chamam de daily urban
perto de um milhão e trezentos mil habitantes entre 1981 e 1991, ou system19.
seja, num ritmo de crescimento que foi o dobro em relação ao nível Análises mais sistemáticas, longe de confirmar o declínio por
nacional, e portanto um pouco retardado em relação ao período vezes anunciado das grandes cidades, fazem parecer que a
1971-198118. Longe de assistir a um recuo das metrópoles, constata- metropolização, para além de uma certa diversidade, se desenvolve
se antes a formação de uma “megalópolis” inglesa de Londres à em toda a Europa20.
Midlannds, de Yorkshire à Lancashire, compreendendo cerca de Os Estados Unidos conhecem igualmente uma
vinte milhões de habitantes. metropolização específica. De um lado as grandes aglomerações
Na Alemanha, o processo é semelhante. A menor visibilidade continuam a se estender e a atrair os empregos: entre 1980 e 1990, as
da metropolização é devida ao fato que as aglomerações milionárias vinte maiores (de mais de dois milhões de habitantes) cresceram em
já agrupam à oeste um em cada dois alemães, e que as áreas de média mais rápido que o resto da população e representam quarenta
moradia e de funcionamento econômico das grandes [início da p. 20] por cento da população total; mais geralmente setenta e sete por
cidades estenderam-se sobre as periferias mais distantes as vezes já cento dos habitantes vivem nas áreas metropolitanas21. Por outro
urbanizadas, onde as superfícies maiores e menos caras estavam lado a metropolização norte-americana se exprime também por um
disponíveis; mas constata-se também uma recuperação de interesse aumento das migrações alternantes e um alongamento das distâncias
das camadas sociais abastadas e das famílias pequenas ou sem filhos percorridas a cada dia (os commuters); os trabalhadores das
para as zonas centrais das cidades. Aliás, as grandes cidades como metrópoles colonizam assim novas zonas rurais e pequenas cidades
periféricas, bem além dos subúrbios tradicionais, formando os new países ou as políticas não tenham efeito sobre o ritmo ou as formas
burbs ditos exurbs. Sessenta milhões de americanos vivem assim da metropolização; mas que é pouco provável que se possa realizar
nesses exurbs22. uma ocupação do território que rompa radicalmente com esse
Nós poderíamos multiplicar as ilustrações tomando exemplos processo.
particularmente fortes em outros países industrializados, como o
Japão ou nos países de desenvolvimento rápido da Ásia de Sudeste: A CONCENTRAÇÃO METROPOLITANA
em todos as grandes cidades concentram uma parte crescente da DAS RIQUEZAS E DO PODER ECONÔMICO
população, das atividades e das riquezas. E em numerosos casos
constata-se, por outro lado, no interior dessa dinâmica A despeito do poder político, na França pelo menos, as
metropolitana, um peso forte e crescente de uma “capital metrópoles concentram uma parte crescente das riquezas e do poder
econômica”. Se com vinte e três por [início da p. 21] cento a taxa de econômico.
primazia de Paris (relação da população da cidade mais povoada Ao longo do tempo, as cidades tem sido pólos de acumulação
sobre a população urbana do conjunto do país) é forte para um país e de concentração de riquezas. As metrópoles não escapam a essa
urbanizado, aquelas de Tókyo e de Londres são contudo de vinte por dinâmica e não é espantoso que as categorias sociais mais abastadas
cento, a do binômio Nova York - Los Angeles é de vinte e cinco por aí se agrupem, encontra-se nas metrópoles a maior parte dos capitais,
cento, a de Buenos Aires de quarenta e cinco por cento e a de dos valores fundiários e imobiliários, e também o Produto Interno
Bangkok de setenta por cento23. Bruto por habitante mais elevado (e isto apesar da presença de fortes
Estas referências estrangeiras mostram que a metropolização proporções de populações pobres, de desempregados e de
francesa não se deveu somente a causas nacionais e ainda menos às “excluídos”).
políticas nacionais. Isso não significa que as especificidades dos
O PIB nas vinte e nove primeiras aglomerações francesas era total na França; Paris concentra quarenta e quatro por cento
assim quinze por cento superior ao PIB/habitante médio na França e (setecentos mil empregos ou 15,2% de sua população ativa), Lyon
nas dez primeiras aglomerações ele é superior em mais de vinte e quatro por cento (sessenta mil empregos ou dez por cento de sua
cinco por cento à média [início da p. 22] nacional; quanto aquele da população ativa), Marseille 2,4%25.
aglomeração parisiense ele ultrapassa a média de trinta e dois por A composição social das metrópoles exprime de uma outra
cento. Enfim, e este não é o menor dos índices de metropolização, os maneira o mesmo processo de concentração de riquezas e do poder
empregos nas aglomerações de mais de duzentos mil habitantes econômico. Assim as categorias sociais mais abastadas e mais
cresceram cinco por cento entre 1982 e 1990. O desemprego aí é qualificadas (chefes de empresas de ao menos dez salários,
contudo elevado, notadamente porque as metrópoles constituem profissionais liberais e dirigentes de função pública, dirigentes de
geralmente mercados de trabalho em expansão que têm um forte empresas e engenheiros) representam quarenta por cento da
poder atrativo sobre as populações sem emprego24. população ativa de Paris, perto de trinta por cento da população da
As metrópoles concentram também de modo crescente as aglomeração parisiense, vinte por cento das unidades urbanas de
atividades estratégicas, identificadas por funções (informação, mais de duzentos mil habitantes, quinze por cento das unidades
pesquisa, pesquisa-indústria, comércio atacadista, comercial- urbanas de cinqüenta à duzentos mil habitantes, dez e meio por cento
industrial), setores de atividade (impressão e edição, estudos, das comunas rurais (e dezoito por cento do conjunto nacional).
conselhos e assistência, administração pública, pesquisa e ensino Correlativamente as pessoas de menor qualificação são mais
superior, indústria, comércio interindustrial) e profissões (chefe de numerosas nas pequenas cidades: os operários e empregados
empresas, dirigentes, jornalistas, pesquisadores, engenheiros, representam cinqüenta e cinco por cento da população das unidades
arquitetos, médicos, dirigentes do comércio, etc.). O emprego urbanas de cinqüenta à [início da p. 23] duzentos mil habitantes,
estratégico assim definido não representa mais que 7,2% do emprego quarenta e oito por cento daquelas das aglomerações de mais de
duzentos mil habitantes e quarenta e dois por cento somente contrário, conheceram um crescimento mais periférico notadamente
daquelas da região parisiense. Esta diferenciação social das com a construção de casas individuais nas comunas rurais
metrópoles se acentuou entre 1982 e 199026. circunvizinhas. Certos analistas acreditaram que esta rurbanização
pré figurava a transposição na França de um modelo de
AS FORMAS E AS DENSIDADES METROPOLITANAS suburbanização norte-americana27. A evolução das metrópoles
francesas e européias nos anos oitenta e no início dos anos noventa
Mesmo que as metrópoles sejam muito diversas, a evolução fez pensar que este não é o caso e que as metrópoles européias, sem
de suas formas é objeto das mesmas interrogações em praticamente formar um só modelo, tem grande parentesco e diferem
todos os países: elas tendem para uma configuração cada vez mais sensivelmente das metrópoles de outros continentes.
extensa, as vezes difusas, ou ao contrário em direção à conjuntos Para analisar as formas do crescimento metropolitano, é
mais e mais compactos? As cidades centrais e os centros das cidades [início da p. 24] necessário em primeiro lugar distinguir os
antigas empobrecem ou ao contrário estão em curso de fenômenos físicos (as superfícies construídas), demográficos e
requalificação? As novas centralidades emergentes na periferia sócio-econômicos.
fazem a cidade explodir? Tratando-se das transformações físicas, na França como em
Se nos preocupamos mais com o caso francês, parece que as numerosos países europeus, a “mancha urbana” das metrópoles se
formas do crescimento metropolitano evoluíram muito em alguns expande. Os territórios metropolitanos se estendem
anos. Nos anos cinquenta-sessenta, as grandes aglomerações progressivamente sobre suas periferias, a densidade média das
cresceram de maneira mais compacta, principalmente com a aglomerações diminui28. Mas as partes velhas das metrópoles se
construção de imóveis coletivos, a realização de grandes operações densificam, por operações pontuais nos centros29 (com notadamente
densas e a densificação das periferias existentes; nos anos setenta ao o desenvolvimento das atividades terciárias), nas zonas peri-centrais,
mesmo nas primeiras coroas. A isto soma-se a integração no sistema A metropolização não consiste somente em dinâmicas
de funcionamento cotidiano das metrópoles, de cidades, burgos e “físicas”: são também dinâmicas sociais e econômicas que não
vilas periféricas, ou mesmo novos conjuntos habitacionais somente atraem para as grandes cidades as categorias sociais mais
(habitação ou empregos) bastante afastados30, que fazem crescer a abastadas e as atividades mais [início da p. 25] qualificadas, mas as
descontinuidade dos espaços metropolitanos. As metrópoles são repartem de maneira específica no interior mesmo das metrópoles.
assim cada vez mais diluídas e mais compactas, mais integrantes e Desse modo as metrópoles se caracterizam igualmente por
mais descontínuas. diferenciações sócio-espaciais mais marcadas que aquelas de outras
Mas não há também, mesmo na França, um só modelo de cidades. Na França, essas diferenças parecem se reforçar, sem
metropolização e as diferenças em relação a uma média são contudo atingir uma segregação como a americana permitindo por
consideráveis. Assim as densidades urbanas efetivas das grandes exemplo o uso da noção de gueto. Mas há certamente constituição
aglomerações variam do simples ao complexo: por exemplo, o ou reforço de dominantes sociais em um certo número de bairros33.
consumo de espaço por habitante é em Tours de 522m2/habitante, Assiste-se de fato a duas tendências segregativas distintas: de
em Orléans de 419, em Nancy de 374, em Metz de 230, em Lyon de uma parte um movimento de aburguesamento que concentra as
176 e em Strasbourg de 166. De fato o crescimento urbano dessas camadas da população mais abastadas principalmente em alguns
cidades parece mais reproduzir seu “modelo” de origem31, mesmo se bairros das comunas-centrais e nas comunas já ocupadas
globalmente o peso demográfico relativo das comunas-centrais tende massivamente por categorias afortunadas. Este processo se opera
a diminuir32. sobretudo por exclusão das outras categorias sociais34, notadamente
pela elevação dos preços fundiários e imobiliários, a transformação
A ESTRUTURAÇÃO SOCIAL INTERNA DAS METRÓPOLES do parque de habitação, a mutação do aparelho comercial e, de fato,
o controle dos equipamentos públicos35. De outra parte, a segregação
se desenvolve na outra extremidade social pela concentração da conhecem também formas de gentrificação de alguns bairros
população de status sócio profissional mais precário em certos centrais.
grandes conjuntos de habitação social.
As dinâmicas segregativas são menos manifestas para os O CRESCIMENTO DAS “MIGRAÇÕES ALTERNANTES”
outros bairros e grupos sociais. Constata-se uma certa periferização E AS TRANSFORMAÇÕES ESTRUTURAIS DAS
das categorias sociais empregadas no trabalho técnico, e uma METRÓPOLES
homogeneização social dos bairros intermediários. Nos centros das
grandes cidades, enumera-se assim uma população crescente de O alongamento dos deslocamentos urbanos cotidianos, que
solteiros de camadas médias e de estudantes, e o abandono pelas exprime o crescimento das metrópoles, testemunha também que este
camadas abastadas dos bairros de imóveis construídos nos anos se opera menos por adição de novos sub-conjuntos que por
cinquenta-setenta e cinco36. mudanças de escala e da constituição de vastas bacias de habitação e
A comparação com outras cidades francesas faz aparecer o de empregos mais ou menos polarizadas ao redor de uma ou várias
aburguesamento como um traço característico das aglomerações de cidades principais.
mais de duzentos mil habitantes. As migrações alternantes (quer dizer os deslocamentos
Esse tipo de estruturação metropolitana, fundado às vezes cotidianos domicílio-trabalho de uma comuna a outra) aumentaram
sobre uma segregação parcial nas extremidades sociais e em certos muito rapidamente: em 1990, eles correspondiam a cinqüenta e seis
bairros específicos, é comum, com algumas variantes, [início da p. por cento dos ativos que tinham um emprego em 1990 contra
26] à vários países europeus. Ela difere sensivelmente da estrutura quarenta e sete por cento em 1982 (mais dezenove por cento). A
das cidades americanas onde a habitação suburbana é socialmente distância dos trajetos é também crescente; ela é em média de
mais valorizada. Todavia certas grandes cidades norte-americanas quatorze quilômetros em 1990, ou seja, um aumento de treze por
cento em oito anos e de sessenta por cento em quinze anos37. Os Uma nova categoria de migrantes cotidianos parece também
habitantes das grandes aglomerações, à exceção daqueles da região se desenvolver: são chamados os “navetteurs” (os commuters nos
parisiense, migram menos e mais perto que os outros (50,7% dentre Estados Unidos). Trata-se de ativos residentes nas cidades fora das
eles e sobre a distância média de 11,2 km). O detalhe da estrutura “bacias de habitação e emprego” onde eles trabalham e utilizam
dessas migrações alternantes faz parecer que o crescimento das transportes coletivos rápidos, mas nos quais eles passam um tempo
metrópoles não se opera mais somente por dilatações concêntricas, considerável. As motivações dos “navetteurs” são diversas: desejo
mas por integração no seu funcionamento cotidiano de territórios de ficar no seu lugar de residência apesar de uma mudança do lugar
mais afastados, e mesmo de uma parte da população das cidades e de atividade, procura de um local de residência muito mais barato,
das vilas mais distantes. Pode-se falar a esse propósito de uma dissolução de um casal de ativos assalariados, mas também
metropolização “metastásica” (apesar de a imagem ser muito feia e estudantes e trabalhadores em tempo parcial.
negativa), [início da p. 27] pela aparição de elementos de natureza Esta prática que tomou uma certa amplitude, em particular
metropolitana em territórios não contíguos e não metropolitanos38. nas megalópoles, é um traço novo da metropolização, ou seria antes
Se a extensão contínua e sobretudo densa das grandes uma forma de adaptação transitória as mutações sócio-econômicas?
cidades foi beneficiada pelo desenvolvimento dos transportes Seja o que for, ela participa a sua maneira da extensão das áreas
coletivos, a extensão longínqua e descontínua atual das metrópoles urbanas de cotidianidade. Certas cidades da Bacia parisiense, ditas
está evidentemente ligada ao uso do automóvel39. Os transportes “a uma hora de Paris”, imaginam aliás poder tirar vantagem sobre
coletivos rápidos (RER e TGV) favorecem também uma esta potencialidade, por atraírem seja empregos, seja residentes. De
descontinuidade da urbanização, pois, por definição, esses uma certa maneira, essas migrações ilustram a constatação (dita “lei
transportes não fazem paradas intermediárias: é o que se chama de da Zahavi”) de que quanto mais a rapidez dos transportes aumenta,
“efeito túnel”. mais os habitantes das cidades vão residir longe, agora em torno de
uma hora por dia (um pouco mais nas cidades muito grandes) a Desde o final do século XIX, os Estados Unidos representam
duração dos deslocamentos domicílio-trabalho! uma referência maior para todas as reflexões sobre a modernidade,
De fato, esta é uma duração média na França. Ela é desigual utilizado seja de maneira repulsiva, seja de maneira atrativa, seja das
segundo as cidades e as categorias sociais, mas relativamente duas maneiras ao mesmo tempo42. Desde então, os debates
estável. Desse modo o afastamento crescente do lugar de trabalho é americanos sobre o futuro das metrópoles não cessaram de
muitas vezes compensado pelas modificações de práticas [início da influenciar as reflexões européias. No centro desse debate, encontra-
p. 28] alimentares: nas grandes aglomerações, aqueles que não se sempre, sob uma forma ou outra, a questão da eventual dissolução
voltam para casa para a refeição do almoço são mais e mais das cidades pelo progresso das técnicas de transportes e de
numerosos (nas unidades urbanas de mais de trezentos mil comunicação. Cada avanço tecnológico maior nesses domínios faz
habitantes, quarenta por cento dos ativos e dos escolares não voltam predizer, com entusiasmo ou com terror, o fim das cidades
nunca para casa para o almoço40). tradicionais e o advento de uma ordem espacial radicalmente nova.
As transformações dos modos de deslocamento (o quase Desde o início do século, com o consumo de massa dos
desaparecimento das bicicletas nas grandes cidades, e a redução da automóveis individuais, colocam-se as primeiras interrogações sobre
caminhada) testemunham igualmente as transformações formais dos o futuro das metrópoles americanas, tanto do ponto de vista das
espaços urbanos nas metrópoles41. formas urbanas quanto da arquitetura das construções43. Frank Loyd
Wright nos anos trinta, imaginando a utopia de “Broadacre City”,
AS METRÓPOLES NOS ESTADOS UNIDOS: cidade concebida sobre o uso generalizado do automóvel e do
DOWNTOWN, GENTRIFICATION, EDGE-CITY, EXURBS... telefone, completamente esparsa e sem centro, leva até esses limites
a reflexão sobre a dissolução mesma da cidade num território nem
urbano nem rural: “...A cidade do [início da p. 29] futuro estará em
toda a parte e em nenhuma, está será uma cidade em si diferente da downtowns e que revitalizam as partes mais velhas das cidades: os
cidade velha ou da cidade contemporânea que provavelmente nós edge-cities, periferias transformadas em cidades49, os outer-cities e
não chegaremos a reconhecê-la como cidade.” exurbs, cidades e vilarejos muito afastados da metrópole mais
Melvin Webber evocara ao início dos anos sessenta “the habitados por pessoas que nela trabalham, os telecommuting (forma
urban realm”, quer dizer a cidade como um vasto domínio, sem de tele-trabalho), etc.50. Os urbanistas americanos continuam
lugar, simples grelha de interconexão composta de transportes perseguidos pela periferia sem fim.
visíveis e de redes de comunicações invisíveis, onde a sociabilidade Portanto, ao mesmo tempo onde se desenvolviam essas novas
não é mais fundada na proximidade mas no movimento44. Lewis formas de subúrbia, os centros das maiores cidades americanas
Mumford retoma uma tese semelhante, se inquieta pela dissolução conheciam um desenvolvimento gigantesco pois se construíram
das cidades através da formação de vastas conurbações tendendo à tantos escritórios entre 1960 e 1990 quanto os que haviam em
megalopolização descrita por Jean Gottman45; E. A. Gutkind 196051. Certamente, vão construir ainda mais áreas de atividades na
anunciara o crepúsculo das cidades e o surgimento de uma região periferia (corporate exodus) mais a natureza das atividades é
sem centro46. O debate ressaltava, uma vez mais nos anos 1970, com diferente: as funções mais qualificadas, que implicam em contatos
os trabalhos de Brian Berry sobre os ciclos urbanos e a “contra- freqüentes e tarefas não rotineiras, e os serviços de auto nível às
urbanização47”, passando em seguida à Europa com a tese do empresas, continuam muito fortemente concentrado nas partes
declínio urbano48. centrais “tradicionais” [início da p. 30] das cidades. As edge-cities e
A discussão sobre o futuro das metrópoles se coloca em outras outer-cities, quaisquer que sejam os seus megacentros ou seus
nossos dias nos Estados Unidos, com o mesmo vigor... e quase com mini-downtowns estão ainda longe de formar novas cidades
os mesmos argumentos. As novas noções são entretanto evidentes autônomas e de concorrer com os downtowns em todos os domínios.
para descrever os mecanismos que discutem as funções centrais dos Mesmo a deslocalização periférica das atividades é muito seletiva:
assim mesmo as empresas localizadas nas periferias fazem ainda conseguem emergir. Uma parte dos subúrbios55 se urbaniza, novos
massivamente apelo para os serviços muito qualificados para as centros se formam, mais esses espaços periféricos não são mais que
empresas localizadas nos centros52. uma das dimensões das metrópoles americanas. Se o modelo
A suburbanização de sedes sociais e de outras atividades de americano tem a ver com isso, ele não nos apresenta o fim das
escritório não elimina o papel do centro histórico como centro de metrópoles ou de seus centros, mas mais simplesmente sua
corporate service, pelas tarefas muito qualificadas e estratégicas. transformação contínua, cada estrato urbano de um período
Por outro lado, os centros das grandes cidades americanas preparando à sua maneira aquele do período seguinte.
conheceram reabilitações massivas nos anos setenta com as grandes
operações (muitas vezes conduzidas sobre os vazios industriais e [início da p. 31]
portuárias), associando comércio, escritórios, hotéis, centros de UM “RETRATO TIPICO” DA METRÓPOLE FRANCESA
convenções e atividades de lazer53. Certas cidades, notadamente
sobre a costa este, conheceram também um forte movimento de As metrópoles francesas são de uma certa maneira muito
gentrificação que ultrapassou as categorias intelectuais um pouco diferentes umas das outras. Ricas muitas vezes de uma história bi-
marginais desse movimento em seu início, atingindo os profissionais milenair, tendo pertencido por várias vezes e durante vários séculos
mais inseridos na economia internacional 54. a regiões culturais distintas, tendo conhecido desde o século XIX
As metrópoles norte-americanas, contrariamente ao que se contrastantes evoluções, as metrópoles tem cada uma especificidades
anuncia periodicamente, não são moribundas. Mais elas se importantes: mais ou menos densas e polarizadas, mais ou menos
recompõe. Os downtowns se transformam mas não desaparecem. As segregadas funcional e socialmente, mais ou menos
cidades-centrais atravessam crises, notadamente financeiras, mais “haussmanizadas” ou então modernizadas nos anos cinquenta-
trata-se muitas vezes de fenômenos cíclicos dos quais muitas setenta, etc. Mas elas tem também um certo número de traços em
comum, por razões da mesma natureza que aquelas que explicam as realização de grandes projetos (estação TGV, centro [início da p. 32]
suas diferenças. de convenções, centro comercial, etc.) sobre vazios industriais,
Para evidenciar um tipo de metrópole francesa e suas vazios de infra-estrutura de transportes (estrada de ferro, portos),
diversas variantes, é necessário dispor de conceitos precisos para antigos terrenos militares.
qualificar diferentes espaços urbanos. Na ausência destes56, pode-se Ao redor dessa zona central, bairros pericentrais com
todavia esboçar uma espécie de retrato típico das grandes cidades habitação dominante, de densidades variadas, são ocupados mais e
francesas, sabendo que, para um “tipo ideal”, nenhuma metrópole mais por camadas médias-superiores.
corresponde exatamente ou completamente a esse retrato. A cidade é rodeada de uma primeira coroa periférica onde a
As metrópoles francesas têm em sua maior parte um só densidade construída tende a aumentar; uma parte dentre elas, de
centro principal. No interior da parte central da cidade, encontra-se tradição industrial, conserva um aparelho produtivo mas conhece
geralmente uma zona histórica medianamente densa com uma uma terciarização. São seguidamente nessas comunidades que foram
habitação precária ocupada mais e mais largamente por camadas construídos nos anos sessenta os grandes conjuntos imobiliários
jovens, uma habitação revalorizada e “gentrificada”, e uma zona sociais, depois nos anos setenta a primeira geração de
museificada as vezes turistificada. Na proximidade desse centro hipermercados.
histórico, bairros mais recentes (século XIX, início XX), mais Uma outra parte da primeira coroa periférica tem uma
densos, acolhem um centro comercial, uma zona de negócios e de tradição mais residencial e continua muitas vezes a se aburguesar.
residências “burguesas”. Uma segunda coroa, composta de casas individuais
Muitas vezes recomposições importantes estão em curso ou (agrupadas e isoladas), de pequenos imóveis, de zonas de atividades,
tiveram lugar na articulação entre essa zona central e uma zona foi construída mais recentemente e de maneira descontínua, em
periférica, seja pelas renovações e aplicações pontuais, seja pela dedos de luva, ao longo de penetrações urbanas no exterior dos
contornos rápidos que se tenta cada vez mais e freqüentemente hoje grandes cidades industriais ou as capitais regionais do período
transformar em “boulevardes urbanos”, ou em fragmentos nas precedente. É em todo caso uma das hipóteses centrais dessa obra.
proximidades de cruzamentos de estradas, de grandes áreas
comerciais ou de grandes equipamentos públicos (de novos A METROPOLIZAÇÃO:
hospitais, ou de campus universitários por exemplo). UM FENÔMENO QUE ULTRAPASSA AS METRÓPOLES
Mais longe ainda, para além dos limites da urbanização, nas
zonas claramente rurais, aparecem também as “metástases” A metropolização concentra de maneira crescente os homens,
metropolitanas, ou para empregar uma imagem mais sedutora, as as atividades e as riquezas em aglomerações de várias centenas de
ilhas do arquipélago metropolitano57 (como os brotos do rizoma milhares de habitantes, multifuncionais, fortemente integradas na
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metropolitano ), cuja localização é muitas vezes resultante do economia internacional. Ela é acompanhada de transformações
encontro de circunstâncias locais59. significativas das grandes cidades, de suas periferias e de seu
As metrópoles de outros países europeus apresentam ambiente, constituindo espaços urbanizados mais e mais vastos,
semelhanças e diferenças em relação a este retrato típico e seria heterogêneos, descontínuos, formados por vezes de várias grandes
provavelmente possível definir assim vários tipos metropolitanos, cidades, cada vez menos ligadas a uma economia regional, e cujos
mono ou polinucleares, em fita, em cacho, em rede, mais ou menos interiores se transformam em espaços de serviços e de lazer.
compactos, polarizados ou esparsos, etc.60. A noção de metrópole que nós temos utilizado até o presente
Mas, com estruturas diversas, elas contribuem em nossos dias para descrever essas grandes aglomerações parece inadaptada para
para a formação de uma nova espécie de aglomeração [início da p. qualificar esse novo tipo de espaço, de um lado porque ela evoca
33] urbana, que mantém com seu ambiente, com seu interior e com principalmente uma grande cidade assumindo as funções mais
as outras cidades outras relações que aquelas que mantinham as elevadas na hierarquia urbana regional, de outro lado porque ela não
introduz nem a idéia de uma nova estruturação dos espaços urbanos, Etimologicamente, a “metápole” “ultrapassa e engloba” a
nem a idéia da formação de um novo espaço de atividades “polis”. Deveríamos, para sermos mais preciso, falar de
econômicas e sociais cotidianas. “metametrópole” pois queremos nos assegurar que trata-se de
Os espaços engendrados pelas dinâmicas urbanas espaços “metropolizados” cujo conjunto ultrapassa e engloba as
contemporâneas não são simplesmente aglomerações ou áreas zonas metropolitanas stricto sensu70.
metropolitanas61, conurbações, regiões urbanas62, bacias de Por comodidade vamos reduzir para a expressão “metápole”
habitação, bacias de emprego, bacias de ocupação63, distritos64, ou “metápolis” que tem o mérito também de se inscrever na filiação
cidades-regiões65, até mesmo megalópoles ou cidades “globais”66. de “Metrópolis” e de “Megalópolis”.
Pois, de uma certa maneira, as metrópoles não são somente Provisoriamente, daremos a ela a seguinte definição: uma
territórios, elas são também modos de [início da p. 34] vida e modos metápoles é um conjunto de espaços onde todos ou parte dos
de produção67. A complexidade desses novos espaços urbanos torna habitantes, das atividades econômicas ou dos territórios estão
então difícil tanto sua definição geográfica e estatística68 como a sua integrados no funcionamento cotidiano (ordinário) de uma
representação69. metrópole. Uma metápole constitui geralmente uma só bacia de
Nós estamos portanto decididos à propor uma denominação empregos, de habitação e de atividades. Os espaços que compõem
nova, a “metápole”, para dar conta de maneira genérica dos espaços uma metápole são profundamente heterogêneos e não
engendrados pela metropolização. Nós nos esforçaremos em seguida necessariamente contíguos. Uma metápole compreende ao menos
em fazer evoluir esta denominação para um conceito. algumas centenas de milhares de habitantes.
As metápoles se formam a partir de metrópoles pré-existentes
As metápoles muito diversas, e integrantes de um conjunto heterogêneo de espaços
novos e variados, sendo elas mesmas necessariamente muito
variadas. Elas são mono ou polinucleares71, mais ou menos Esta transformação de sistemas urbanos está em parte ligada
aglomeradas ou fragmentadas, heterogêneas, polarizadas ou ao desenvolvimento dos transportes rápidos. Seus princípios de
segmentadas, densas ou esparsas; elas seguem dinâmicas de organização, em particular a centralização dos fluxos a partir de
crescimento radio-concêntricos, em dedos de luva, lineares, em grandes plataformas (dita organização em hubs and spokes cubos e
cacho, ou ainda “metastásicas”. raios75), se traduzem progressivamente por novas organizações e
[início da p. 35] hierarquias urbanas. Os TGV e os transportes aéreos produzem
A formação das metápoles remete ao processo das assim, mais ainda que as auto-estradas, isto que se chama um “efeito
hierarquias urbanas e outras “armaduras” largamente descritas e de túnel”, quer dizer o desaparecimento dos efeitos de travessia:
analisadas pelos geógrafos e economistas por mais de um século72. entre duas paradas do TGV, não há mais nada. Ou então, se se está
Assim, muitas das cidades intermediárias dificilmente encontraram próximo de uma estação do TGV ou de um grande aeroporto, se está
seu “lugar” de um lado entre as metápoles e de outro entre as perto de todas as outras metrópoles internacionais; ou se se está
pequenas cidades patrimoniais e as zonas rurais profundas, agrícolas longe, se está então afastado de tudo. A posição de meia distância,
e/ou turísticas73. que outrora foi o melhor lugar, torna-se a pior. Para as cidades não
O esquema “christaleriano”, que foi por muito tempo a servidas pelos transportes rápidos, não há outro recurso que o de se
referência dominante para explicar uma repartição espacial conectar o mais diretamente possível a uma metrópole “conectada”,
hierárquica das cidades (ver gráfico)74, perde ainda um pouco mais com as redes internacionais. E isto qualquer que seja o tamanho da
de sua pertinência com a emergência de um sistema urbano cidade. Isso explica em parte o enfraquecimento das hierarquias
polarizado em torno de metrópoles e funcionando em rede em uma urbanas segundo a perda de pertinência dos esquemas propostos por
escala internacional. Christaller e seus seguidores76.
Essas transformações se operam progressivamente, [início da p. 37] duração; a tal ponto aliás que os historiadores não
tendencialmente, então elas não perturbam os modelos urbanos pré- hesitam em considerar atualmente como particularmente frágeis
existentes em algumas dezenas de anos, ao menos nos países mesmo temporárias as cidades nascidas da indústria no século
europeus. A história urbana se faz na longa precedente e cuja sobrevivência passaria pela integração aos
sistemas urbanos mais antigos77.
[início da p. 36] A evolução dos sistemas urbanos As novas dinâmicas metropolitanas vem pois se enxertar
sobre as estruturas e as redes antigas. Todas as grandes cidades não
se tornam metápoles, mas na Europa todas as metápoles se
construíram sobre as grandes cidades antigas.