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Sincretismo de linguagens e efeitos

de sentido no jornalismo on-line


Luciana Maria Crestani*

Resumo
Considerações iniciais
À luz dos estudos da enunciação
na perspectiva da semiótica discursi- Na constituição enunciativa de no-
va, a proposta deste trabalho é dis- tícias jornalísticas - sejam impressas
correr sobre as principais estratégias ou on-line -, é comum a utilização de
enunciativas (verbais e não verbais)
utilizadas na constituição de reporta-
recursos não verbais, principalmente
gens de jornais on-line, explicitando fotografias e infográficos, aliados à lin-
os efeitos de sentido que emergem guagem verbal, formando um todo de
do sincretismo de linguagens, bem sentido, um texto sincrético. Os recursos
como os mecanismos que, nesses tex-
não verbais são considerados estratégias
tos, além de fazer-saber propiciam o
fazer-sentir, buscando a atenção do de arrebatamento voltadas ao gerencia-
enunciatário-leitor via efeitos de sen- mento de atenção do enunciatário. Aliás,
tido de ordem passional. O interes- é difícil encontrar alguma notícia mais
se pelas notícias on-line deve-se ao relevante que não venha acompanhada
fato de que, graças ao suporte web,
abrem-se possibilidades de utilização de uma foto, tal é a força desse elemento
de recursos não verbais que não são na linguagem jornalística. Seria ela (a
possíveis em jornais impressos, como foto) a responsável pela sensibilização
as galerias de fotos, a animação grá- em primeira mão dos possíveis leitores
fica (infográficos animados), vídeos e
interessados pelo conteúdo da notícia.
áudios e, assim, mais numerosos e
contundentes são os efeitos de sentido
que se projetam nesses textos.

Palavras-chave: Notícias on-line. Sin- *


Doutora em Letras, professora da graduação e do Pro-
cretismo de linguagens. Efeitos de grama de Pós-graduação em Letras da Universidade de
sentido. Passo Fundo (UPF-RS). E-mail: lucianacrestani@upf.br

Data de submissão: jul. 2014 – Data de aceite: ago. 2014


http://dx.doi.org/10.5335/rdes.v10i2.4434

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Entretanto, deter a atenção do leitor Nesse sentido, abordar a composição
em meio ao bombardeio de informações enunciativa de reportagens on-line im-
e apelos emitidos pelas diferentes mí- plica expandir a análise para além da
dias não é tarefa fácil. Tão exaustiva é linguagem verbal em sua forma gráfica
a recorrência das matérias veiculadas e das imagens estáticas (fotográficas ou
em diferentes linguagens e em cada infográficas).
um dos meios de comunicação - rádio, Os recursos que nos jornais on-line se
jornal, revista, TV e web - que se cria aliam às tradicionais formas de expres-
uma sensação de dèjá vu acerca do que são têm significado relevante na consti-
é noticiado. Nesse contexto, mais do tuição dos sentidos de um texto, já que é
que informações precisas, objetivas e diferente ver uma “cena” congelada, como
imparciais, buscam-se elementos outros uma fotografia, e a projeção animada em
que, de alguma forma, sensibilizem o vídeo dessa mesma “cena”, por exemplo.
enunciatário. De acordo com Caetano Na fotografia, embora se possam visua-
(2009, p. 264), para instigar o interesse lizar vários aspectos não contemplados
pelo que é reportado, pelo verbal escrito, há outros tantos que
[...] são fundamentais os dispositivos volta- ficam de fora e só podem ser apreendidos
dos ao estabelecimento de laços sensíveis, quando retratados por meio de imagens
que tem no emotivo a base imediata da em movimento e pela projeção de som,
intersubjetividade, como premissa dos pro-
cessos cognitivos. como a visualização ampliada do entorno,
aspectos paralinguísticos concernentes
Entre esses dispositivos, figuram me- à enunciação, à linguagem corporal dos
canismos que, a partir da sincretização atores do enunciado, às vozes desses
das linguagens verbal e visual, atuam e às particularidades que envolvem a
não apenas no universo do cognoscível pronúncia, o tom, as hesitações etc. É
ou do inteligível, mas também do sensí- certo que tais aspectos, envolvidos todos
vel, captando e mantendo a atenção do na composição de um texto sincrético,
enunciatário não apenas por aquilo que atuam na construção da significação, a
ele pode saber a partir do texto, mas por qual decorre da união de elementos da
aquilo que ele pode sentir, vivenciar em ordem do cognoscível e do sensível.
termos de emoções passionais. Nesse contexto, à luz dos estudos da
Mas, se nos meios impressos o fazer- enunciação na perspectiva da semiótica
-saber e o fazer-sentir ficam circunscri- discursiva, a proposta deste trabalho é
tos à utilização do papel e da tinta, no discorrer sobre as principais estratégias
universo da web as perspectivas se am- enunciativas (verbais e não verbais) uti-
pliam. O suporte que acomoda os jornais lizadas na constituição de reportagens de
on-line permite a aplicação de diferentes jornais on-line, explicitando os efeitos de
recursos na constituição de uma notícia, sentido que emergem do sincretismo de
como áudios, vídeos e animação gráfica. linguagens, bem como os mecanismos

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que, nesses textos, além de fazer-saber Transpondo esse conceito para a
propiciam o fazer-sentir, buscando a análise de narrativas, “a semiótica usa
atenção do enunciatário-leitor via efeitos o conceito de sincretismo para designar,
de sentido de ordem passional. inicialmente, a sobreposição de funções
O trabalho vem assim organizado: irradiadas a partir de um mesmo ele-
primeiramente apresentamos a concei- mento” (TEIXEIRA, 2009, p. 46). Por
tuação de texto sincrético; na sequência, exemplo, dois actantes do nível narrativo,
discorremos sobre o enunciado verbal das sujeito de estado e sujeito do fazer, podem
notícias e os efeitos de sentido que neles manifestar-se como um único ator no
se projetam; após, abordamos as princi- nível discursivo. Tome-se como exemplo
pais estratégias não verbais (infográficos, o enunciado Maria ganhou na loteria e
fotos, áudios, vídeos) comumente utiliza- comprou uma casa nova. Nele, o sujeito
das em notícias on-line, explicando como de estado e o sujeito de fazer são repre-
tais recursos produzem efeitos de sentido sentados pelo mesmo ator: Maria. Nesse
de aproximação e intensificam o apelo ao contexto, “o papel actancial que os reúne
passional, ao sensível. é o resultado de um sincretismo” (GREI-
MAS; COURTÈS, 2008, p. 467). A esse
Sobre o conceito de texto primeiro conceito de sincretismo como
junção de papéis actanciais vem aliar-se
sincrético outro tipo de sincretismo: o que diz res-
peito à união de diferentes linguagens na
A teoria semiótica greimasiana tra-
constituição de um todo de sentido. É a
balha com dois tipos de sincretismo. O
esse que se volta a atenção neste estudo.
primeiro tipo é oriundo dos estudos de
Greimas estabelece como segundo
Hjelmslev sobre fonologia. Lucia Teixeira
tipo de sincretismo o das chamadas semi-
explica que Hjelmslev entende sincretis-
óticas sincréticas “que – como a ópera ou
mo como
o cinema – acionam várias linguagens de
[...] a categoria resultante de uma superpo-
manifestação” (GREIMAS; COURTÉS,
sição entre dois funtivos, ou seja, de uma
comutação suspensa entre dois termos em 2008, p. 467). Ainda no mesmo verbete,
determinado contexto. Duas grandezas são Greimas chama a atenção para o fato de
definidas como invariantes quando subme- que: “da mesma forma, a comunicação
tidas à prova da comutação (teve / tive, por
exemplo, é um par que mostra a existência verbal não é somente de tipo lingüísti-
de dois fonemas vocálicos, nas primeiras co: inclui igualmente elementos para-
sílabas, obtidos como tais por comutação em linguísticos (como a gestualidade ou a
contextos semelhantes). Em outra situação,
ou contexto lingüístico, as duas unidades proxêmica), sociolinguísticos, etc.” Assim
podem contrair-se numa superposição, em como na linguagem verbal oral, tais ele-
que elas passam a ser variantes, e o seu mentos são significativos na composição
sincretismo produz uma invariante (em
posição átona final, por exemplo, desfaz-se de textos sincréticos verbovisuais e au-
a oposição e/i) (TEIXEIRA, 2004). diovisuais, já que entram na constituição

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do todo de sentido agregando “informa- notícias de jornais on-line, produzidas a
ções” outras não expressas pelo verbal, partir da conjunção de várias linguagens
mas importantes para a construção da (gráfica, sonora, visual, audiovisual) em
significação do todo. um arranjo único, com um único plano
Preservando as noções de superpo- de conteúdo e de expressão, constituem,
sição e de contração aplicadas na lin- portanto, textos sincréticos.
guística e nas narrativas, o conceito de Vale ressaltar que é o sujeito da enun-
sincretismo se amplia ciação quem conjuga essas linguagens
[...] para designar como sincrético um objeto num todo de significação, dando forma a
que, acionando várias linguagens de mani- um plano de conteúdo materializado em
festação, está submetido, como texto, a uma
um plano de expressão. A utilização de di-
enunciação única que confere unidade à
variação (TEIXEIRA, 2009, p. 47). ferentes linguagens, portanto, é uma esco-
lha do enunciador a serviço da persuasão.
Em outras palavras:
Assim como o são as escolhas linguísticas
Objetos sincréticos, para dizer com mais e a opção por projetar ou “apagar” as ca-
rigor, são aqueles em que o plano de expres-
são se caracteriza por uma pluralidade de
tegorias da enunciação no enunciado. De
substâncias1 mobilizadas por uma única acordo com Gomes (2009, p. 216),
enunciação cuja competência de textualizar [...] no jornal, o recurso de sincretizar di-
supõe o domínio de várias linguagens para a versas linguagens chega a ser mesmo uma
formalização de uma outra que as organize necessidade, uma maneira de o sujeito da
num todo de significação (TEIXEIRA, 2004). enunciação colocar em ação não só o permi-
tido e o obrigatório, a verdade construída
Fiorin (2009) esclarece que, nas semi-
segundo a fôrma do aceitável, mas também
óticas sincréticas, o sincretismo não é só o indizível (ou por ser proibido ou por ser ain-
do conteúdo, mas também da forma da da inominável), no entanto já visível e experi-
expressão. No plano de conteúdo de tex- mentado. Constrói-se, assim, ao lado do dizer
sério e controlado pelas injunções do gênero
tos noticiosos, por exemplo, há contração e dos limites ideológicos, de modo sorrateiro
e superposição de informações acerca de ou sugestivo, o implícito, o humorístico, o
um mesmo fato. Da mesma forma, no pla- sensível, a emoção inefável (grifo nosso).
no da expressão ocorre a contração e a su- Nesse sentido, não se pode pensar que
perposição de diferentes linguagens que as diferentes linguagens em um texto
se voltam à construção de um plano de sincrético apenas reiterem conteúdos
conteúdo, de uma enunciação única, com já expressos por outras. Teixeira (2004)
um só plano de expressão que confere uni- explica que a função de um discurso
dade ao todo. A sincretização é, portanto, pluricódigo seria, inicialmente, a redun-
um mecanismo de enunciação que agrega dância, mas não no sentido de repetição,
uma pluralidade de linguagens para cons- e sim no sentido de adensamento de con-
truir um texto. Para Fiorin, “melhor do teúdos. Segundo a autora, as relações en-
que falar em semióticas sincréticas seria tre as linguagens podem ser contratuais
dizer textos sincréticos” (2009, p. 38). As ou polêmicas. São contratuais quando as

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várias linguagens convergem no intuito e da oposição entre linguagens no plano
de reforçar um mesmo ponto de vista. do conteúdo. Entre esses dois polos es-
São polêmicas quando a manifestação de tariam o redimensionamento (por com-
uma das linguagens se choca com o ponto plementação: quando uma linguagem
de vista apresentado por outra (quando, acrescenta sentidos ao que diz a outra,
por exemplo, numa mesma página de jor- ou por restrição: quando uma limita a
nal aparece um texto verbal defendendo significação da outra) e a ressignifica-
um ponto de vista e uma charge que a ele ção (quando há um dizer transformado,
se opõe, ironizando-o, questionando-o). quando uma linguagem ressignifica
A partir do raciocínio de Teixeira outra por meio de um dizer metafórico
(2004), Gomes (2009) propõe uma espé- ou metonímico). O esquema proposto por
cie de gradação em torno da reiteração Gomes (2009, p. 218) é o seguinte:

Importa destacar, portanto, que as como uma fotografia em uma notícia,


linguagens não verbais não servem ape- por exemplo, não está ali apenas para
nas para reiterar conteúdos expressos repetir o já dito pela linguagem verbal.
pelo verbal. Cada linguagem inscrita A imagem traz consigo elementos de
num arranjo sincrético é, de certa forma, significação não contemplados pelo texto
dotada de elementos de significação que escrito, assim como desperta o leitor para
aliados a elementos de outras linguagens “informações” da ordem do indizível, do
constroem conjuntamente o sentido glo- sensível, do passional.
bal do objeto sincrético. Um texto visual,

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A linguagem verbal e emprego de uma linguagem mais “livre”,
mais informal. Outra característica co-
os efeitos de sentido em mum desse gênero é o narrador dirigir-se
textos noticiosos ao leitor chamando-o de “você”, como se
estivesse numa interação face a face com
O gênero notícia (como ocorre com os o público que o lê. Aos textos dessa natu-
demais gêneros textuais) segue coerções reza, chamamos textos enunciativos, em
já cristalizadas quanto ao modo de dizer que se instauram o eu-tu/você, aqui, ago-
e de construção do texto (forma compo- ra no enunciado por meio de debreagens
sicional). Em textos dessa natureza, as denominadas enunciativas. Os efeitos de
categorias da enunciação (eu/tu, aqui, sentido que se projetam em enunciados
agora) são apagadas do enunciado, via dessa natureza são de subjetividade, de
utilização de debreagens enuncivas.2 O pessoalidade, de informalidade e aproxi-
narrador relata os fatos ocorridos com um mação entre narrador e leitor, bem como
sujeito “ele”, no espaço do “lá” e no tempo entre leitor e fato relatado.
do “então”. Não se mostra enquanto su- Assim, os efeitos de sentido que se
jeito “eu”, não expressa opiniões pessoais projetam nos textos verbais estão rela-
ou apreciações de ordem subjetiva, faz cionados às escolhas feitas pelo narrador
uso de uma linguagem formal e apenas e também às coerções de cada gênero.
conta o fato ocorrido seguindo a ótica da Nas notícias, os efeitos de sentido vei-
imparcialidade necessária entre narra- culados pelo texto verbal são de ordem
dor e fato narrado. A esse tipo de texto, racional e inteligível (objetividade,
costumamos chamar textos em terceira imparcialidade, distanciamento). No en-
pessoa, ou textos enuncivos (FIORIN, tanto, geralmente entram na composição
2002). Nestes textos, em decorrência de de textos noticiosos recursos não verbais.
tais “apagamentos”, projetam-se efeitos Esses, por sua vez, suscitam efeitos de
de sentido de objetividade, impessoalida- sentido mais de ordem passional, de
de, seriedade, distanciamento. apelo ao sensível. Gomes (2009, p. 217),
Em contrapartida, outros gêneros tex- ao abordar as diferentes linguagens que
tuais podem apresentar outras escolhas compõem os textos jornalísticos, diz que
enunciativas, de caráter mais subjetivo. [...] cada linguagem tem um papel e os con-
Por exemplo, uma crônica. Nas crôni- teúdos que veicula interagem de maneira
específica. No caso do texto jornalístico,
cas, é comum o narrador se projetar em especialmente os da imprensa dita séria,
primeira pessoa, no espaço do aqui e no percebe-se que há uma estabilização no
modo de construção do relato verbal das no-
tempo do agora, explicitando no enun- tícias, própria do gênero, uma regularidade
ciado as categorias da enunciação eu-tu, de procedimentos que produz o efeito de
aqui, agora. Também é comum o relato neutralidade e objetividade, talvez apenas
amenizado nas manchetes e, por vezes, nos
de questões próprias do narrador, as opi- sobretítulos ou subtítulos, nos quais há
niões e apreciações de cunho pessoal, o lugar para a inventividade e conotação. Ao

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contrário, na linguagem visual, permite-se pliadas na tela do computador/celular.
um tratamento mais elaborado e surpreen-
dente dos elementos significantes (arranjos
Outros recursos não verbais emergem
de formas, texturas, contrastes de cores, das possibilidades específicas do suporte,
luz e sombra etc.), há certa instabilidade como os áudios e vídeos. Os áudios, por
peculiar dos sentidos [...] Assim, de modo
geral, à linguagem verbal fica reservado o sua vez, possibilitam ouvir o depoimento
controle dos sentidos, sua delimitação e pre- dos atores do enunciado, assim como
enchimento, enquanto à linguagem visual
permitem-se a insinuação, a conotação, o
suas hesitações, reformulações, os ruí-
acento passional e estético (grifo nosso). dos do ambiente, a emoção na voz. Os
vídeos, condensando a linguagem verbal
Tendo em conta, então, que os re-
e a visual, permitem ver, ouvir e sentir
cursos utilizados na linguagem verbal
além do que se diz ou se mostra, como
projetam efeitos de sentido de objetivi-
as emoções dos sujeitos, as expressões
dade, impessoalidade, imparcialidade,
corporais e faciais, o contexto de onde se
distanciamento no texto jornalístico,
enuncia, o entorno, etc. Essa confluência
passa-se à abordagem dos recursos não
de recursos leva à produção de efeitos de
verbais utilizados em textos de notícias
sentido mais intensos na medida em que
on-line, explicando como tais recursos
diz mais, mostra mais, sensibiliza mais,
possibilitam a produção de efeitos de
aproximando o leitor da cena enunciati-
sentido mais intensos e de ordem do
va ou da cena dos fatos narrados.
sensível, mais que do inteligível.
A seguir, apresentam-se, um a um, os
principais recursos não verbais que, utili-
Linguagens não verbais zados na constituição de notícias on-line,
e efeitos de sentido no produzem determinados efeitos de senti-
jornalismo on-line do. É importante frisar, porém, que tais
recursos se inserem na composição de um
Alguns recursos não verbais caracte- todo de sentido cuja significação global é
rísticos dos textos impressos são recor- determinada pelo arranjo entre as partes.
rentes na composição de textos sincréti-
cos do jornal on-line, como as fotografias Os infográficos
e os infográficos. Mas estes ganham
novas características no suporte on-line: A infografia é um recurso utilizado de
aos infográficos se adiciona animação longa data no jornalismo, une linguagem
gráfica, fazendo com que ícones se movi- verbal e não verbal para representar/
mentem e se desloquem na tela quando elucidar fatos ou situações de difícil des-
acionados; as fotografias ganham mais crição, utilizando apenas texto verbal e
espaço, são em número mais expressivo, fotografias. O conceito de “infográfico” é
mais coloridas, mais “vivas” e assumem assim definido por Rabaça
proporções maiores ou podem ser am-

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[...] criação gráfica que utiliza recursos vi- Para explicar esse tópico, toma-se
suais (desenho, fotografias, tabelas, etc.), como exemplo o infográfico abaixo, sobre
conjugados a textos curtos, para apresentar
informações jornalísticas de forma sucinta acidente ocorrido com uma aeronave da
e atraente, em jornalismo impresso, te- TAM, em julho de 2007, no aeroporto de
lejornalismo ou webjornalismo (2001, Congonhas.
p. 388, grifo do autor).

Figura 1: Infográfico sobre acidente com aeronave da TAM

Fonte: Zero Hora, 18 de julho de 2007, p. 3.

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Esse infográfico faz parte de uma da ça oriundos do choque contra o prédio,
reportagem especial sobre o acidente bem como as cores do arranjo em tons de
ocorrido. Nele, ao mesmo tempo em cinza, remetendo ao dia chuvoso do aci-
que se busca reconstituir os passos da dente, denotam uma tentativa de recriar
aterrissagem malsucedida do avião, visualmente o ocorrido nos instantes de
que acabou se chocando contra um maior tensão da tragédia. É certo que,
prédio e explodiu, também se apontam nesse arranjo, as informações verbais
outros detalhes relacionados ao fato. contribuem com o enriquecimento de de-
Aparecem imagens da aeronave em di- talhes, agregando informações ao visual,
ferentes ângulos, dados sobre o modelo mas seria bem mais complexo descrever
(envergadura, comprimento, altura, ca- em palavras o que a imagem evidencia.
pacidade), informações sobre o número Não é à toa que o infográfico ganha uma
de ocupantes, projeções em forma de página inteira na constituição de uma
mapas explicando a origem e o destino notícia de três páginas.
do voo. Reunindo recursos verbais e não Os infográficos, na medida em que
verbais (traços, balões, desenhos, mapas, trazem imagens dos objetos (ícones) e
cores) num único quadro, percebe-se a reconstroem a trajetória dos aconteci-
tentativa de reconstruir, de “materiali- mentos, criam efeitos de sentido capazes
zar” o que a mente até poderia imaginar de aproximar o leitor do objeto da notícia.
através de um relato verbal, mas não A visualização, a iconização do dito per-
com a precisão do que é projetado no mite maior interação entre leitor e fato.
infográfico. Aliás, seriam necessárias Esses efeitos de aproximação tendem a
muitas palavras para explicar todas as se acentuar nos jornais on-line, já que,
informações ali condensadas, e mesmo graças à animação gráfica, movimentos
que o leitor tivesse tempo e disposição apenas sugeridos (ou pensados) nos
para lê-las detalhadamente, o efeito não jornais impressos são passíveis de rea-
seria o mesmo. lização no suporte virtual. Por exemplo,3
Percebe-se, no exemplo acima, que o o pouso do avião na pista poderia ser
momento da aterrissagem é o fato em reconstituído por um “ícone” da aero-
destaque, seja pela disposição topológica nave em movimento baixando na pista
que a cena ocupa na composição do ar- e perfazendo o trajeto, assim como as
ranjo (espaço superior direito), seja pela chamas e a fumaça do prédio surgiriam
forma como os elementos não verbais ali no momento do choque e ganhariam
dispostos tentam reproduzir o que acon- movimento. Um desenho da aeronave
teceu (a realidade). O desenho do avião poderia se mover de forma que essa
pousando na pista, as setas dando ideia pudesse ser observada por diferentes ân-
de movimento e indicando o percurso gulos, mostrando largura, comprimento,
feito, a cidade ao fundo, o fogo e a fuma- capacidade, espaço interno etc. O mapa

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ilustrando o local de origem e o de pouso notícia sobre um encontro da Presidente
do avião poderia contar com o recurso do do Brasil com outro líder de nação, como
Google Earth, que, utilizando imagens de o Presidente dos EUA, por exemplo, certa-
satélite, reproduz na tela uma imagem mente virá acompanhada de uma fotogra-
aproximada do local dos fatos. Enfim, fia capaz de materializar visualmente o
as possibilidades são muitas e esses são dito, englobando ambos os atores do enun-
apenas alguns exemplos dos efeitos de ciado (eles – os dois chefes de nação) num
animação gráfica utilizados nas notícias determinado espaço (lá) que seja capaz de
com intuito de simular a realidade dos caracterizar o espaço dos fatos informado
fatos nos infográficos. O certo é que tais no texto verbal. Não porque seja necessá-
recursos intensificam efeitos de sentido ria uma fotografia para que saibamos que
de aproximação entre leitor e objeto a presidente do Brasil é Dilma Roussef e
narrado, já que a materialização desse que o presidente dos EUA é Barack Oba-
implica o saber mais e o sentir mais, na ma, nem tampouco para que se possam
proporção em que se vê mais. Também se apreender as características físicas de
intensificam efeitos de sentido de ordem um ou de outro, ou a relação diplomática
do sensível pela riqueza de detalhes que que ambos mantêm, mas porque a mate-
ali se agregam. É como se o leitor preci- rialização de um breve momento desse
sasse ou pudesse, também ele, de alguma encontro em forma de imagem traz ao
forma, vivenciar os momentos de tensão arranjo textual uma espécie de ancora-
e terror ali estampados. gem no real, já que a imagem, como diz
Landowski, é “com efeito, de início, por
si mesma, presença” (2002, p. 126). Os
As fotografias atores (eles) e o espaço (lá) a que alude o
As fotografias constituem recurso texto verbal ganham materialidade visual
persuasivo há muito utilizado na mani- na fotografia, amenizando-se o efeito
pulação do enunciatário, seja porque pro- de sentido de distanciamento produzido
duzem efeitos de sentido de realidade ou pelas debreagens enuncivas (de pessoa
e lugar) características dos enunciados
referente, seja porque possibilitam dizer
verbais do gênero notícia.
o “indizível”, como propõe Gomes (2009).
Essa materialidade visual permite
As fotos, por suas qualidades icônicas,
apreender mais do que o dito pelo verbal,
“reproduzem” imagens de sujeitos, de
já que possibilita a apreensão de deta-
objetos, de situações, enfim, dos fatos
lhes não descritos no texto, como expres-
noticiados, como se não bastasse o dizer
sões faciais, gestualidade, distribuição
figurativizado - que, no nível discursivo,
proxêmica, entorno etc. Assim, embora
dá nome aos atores, determina o quando
represente um simples flash de instante,
e o onde dos acontecimentos -, precisan-
a imagem vem carregada de significação.
do ser este reforçado pelo “ver” para ter
estatuto de verdade, de realidade. Uma As fotografias têm o apelo subjetivo que

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nem sempre é possível contemplar no destinado ao texto verbal, quando não a
texto verbal, dadas as coerções do gê- página toda. Esse tipo de arranjo textual
nero jornalístico. Assim, a objetividade, – fruto da conjunção de elementos verbais,
a imparcialidade e o distanciamento iconográficos, cromáticos, eidéticos, topo-
que se imprimem como características lógicos - suscita a dimensão afetiva, “que
intrínsecas dos enunciados verbais das tem sido vista como regente da dimensão
reportagens são atenuadas pelos efeitos inteligível” (GOMES, 2008, p. 84).
de subjetividade e de aproximação que Nesse contexto, destaca-se a força da
as fotografias projetam. Primeiro, apro- fotografia como elemento capaz de evocar
ximação entre enunciador e enunciatá- sensações que podem ser comungadas
rio, dado que pontos de vista subjetivos por leitores. De acordo com Gomes (2008,
(como escolhas de ângulo, de atores que p. 84), numa imagem fotográfica, a emo-
participam da cena, de expressão dos ção percebida
atores etc.) se dão a conhecer; segundo, [...] pode evocar reminiscências, fazer re-
aproximação entre leitor e objeto de cordar a vivência de uma dor, tornar-se
notícia, dada a materialização de ele- uma presença que “convoca outra, mais
distante, mas que responde como um eco”
mentos que remetem à cena narrada e a (LANDOWSKI, 1999, p. 277), causando uma
presentificam, em algum grau, ao leitor. impressão sensível que contagia aquele que
Também não se pode esquecer que a pressente.
as fotografias, além de efeito de reali- A dor do outro pode comover, fazer
dade, e talvez mesmo por remeterem sofrer junto.
a situações do mundo real, despertam A paixão do desespero por perda de
o leitor para o universo do sensível, do ente querido em tragédias, por exemplo,
passional. Os jornais narram dramas e geralmente se materializa em fotografias
alegrias passíveis de serem partilhados que retratam cenas de enterros:
pelos leitores a que se dirigem. Os infor-
A perspectiva pode estar mais próxima ou
túnios e sucessos das figuras humanas mais distante, mas, invariavelmente, é
ali “actorializadas” afetam os leitores possível ver os olhares baixos ou perdidos,
porque há uma espécie de identificação muitas vezes discretamente protegidos por
óculos escuros, a face com expressão con-
do leitor com os atores do enunciado. O
traída, o choro, ombros caídos, traços que
que lhes aconteceu poderia acontecer a nos dão a ver a dor imprimida nos rostos e
qualquer um (GOMES, 2008). no corpo dos familiares e amigos que cons-
O apelo ao passional explica a presença tituem a cena. A emoção aparece tanto na
somatização da pena quanto na gestualida-
constante de fotografias nos textos jor- de e no comportamento: o toque, os corpos
nalísticos, principalmente na abordagem enlaçados, apoiando-se mutuamente, o
de fatos que causam comoção pública, enxugar das lágrimas, a circunspecção. Esse
quadro condensa o clímax da intensidade
quando as imagens vêm ampliadas, ocu-
do sofrimento e da percepção categórica da
pando espaço da página em proporção perda (GOMES, 2008. p. 84).
bem maior - e mais centralizado - que o

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Assim, “a cena vista pode se tornar podem ser ampliadas na tela, permitindo
também uma cena sentida. Os afe- visualizar os detalhes da composição.
tos reconhecidos podem sensibilizar o Assim, mais se intensificam os efeitos de
enunciatário e comovê-lo” (GOMES, sentido de aproximação, de presentifica-
2008, p. 84). Para além do fazer-saber, ção da situação narrada, como também
as imagens podem, então, fazer-sentir, os de ordem passional.
estabelecendo efeitos de aproximação
entre leitores e fatos narrados, já que as Os áudios4
paixões ali apresentadas são, em alguma
medida, conjugadas, experienciadas pelo O discurso direto é um recurso am-
enunciatário. plamente empregado na composição
Nas palavras de Ana Cláudia de Oli- de notícias jornalísticas, seja por sua
veira (2009, p. 98), capacidade de eximir o enunciador da
Com o desenvolvimento estésico, sinestési- responsabilidade sobre o enunciado, seja
co, multi e polissensorial, a plástica sincré- porque, ao projetar as supostas “falas
tica produz experiências sensibilizantes que literais” de sujeitos envolvidos no fato,
são armadas pelo enunciador como uma ins-
tância de produção de efeitos de sentido em
produzem-se efeitos de sentido de ver-
ato, mesmo que, na experiência midiática, os dade, de realidade, de imparcialidade.
parceiros estejam distanciados e não corpo Essa estratégia persuasiva ganha novas
a corpo, face a face. Os mecanismos discur-
nuances na composição dos jornais on-
sivos são variados em seus processamentos
sincréticos dos modos de pôr o enunciatário -line. Além da reprodução dos depoimen-
em um estado de maior ou menor abertura tos por meio do texto escrito – prática
em termos de disponibilidade à construção ainda muito corriqueira no jornalismo
do sentido, que atua assim como uma ex-
periência, um vivido. Contextualizada na
da web - as notícias on-line contam com
situação de envolvimento do destinatário, a recursos de áudio, através dos quais se
experiência torna a enunciação passível de pode literalmente ouvir os enunciadores.
ser descrita em seus procedimentos de afrou-
Essa prática pode ser percebida tanto
xamento das distâncias entre o mundo das
linguagens e o mundo vivido (grifo nosso). na instância do narrador - quando esse
delega voz a um interlocutor (geralmente
Destaque-se, ainda, que no jornalismo um repórter), ou na instância do inter-
on-line as fotografias sobre o aconteci- locutor, quando esse instaura no enun-
mento noticiado não se restringem a uma ciado um novo ator (entrevistado) com
só imagem, como ocorre no jornal impres- quem dialoga. É possível comparar tal
so. Geralmente, as reportagens trazem processo ao das notícias no radiojorna-
links com várias fotos (galerias de fotos) lismo5, quando o “âncora” do programa,
retratando o ocorrido sob diferentes pers- ou apresentador (que seria o narrador)
pectivas (diferentes momentos, diversos chama um repórter (interlocutor 1) que
ângulos, vários envolvidos etc.). Além de entrevista um determinado sujeito (ou
mais numerosas, as fotos são maiores e mais de um) (interlocutor 2, 3...).

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O discurso desses interlocutores, em- também os leitores. Assim, o dito parece
bora seja oral, pode ou não trazer marcas mais verdadeiro, menos manipulável e
da oralidade e da enunciação. Em outras constitui estratégia de produção de efeito
palavras, os áudios também podem ser de sentido de verdade e de realidade.
caracterizados como textos enuncivos ou No radiojornalismo, a inserção de
como enunciativos. Por exemplo, durante áudios com depoimentos de entrevis-
a narração da notícia, o narrador delega tados recebe a denominação de sonora.
voz a um repórter para que esse explique As sonoras têm como objetivo principal
como ocorreu determinado fato. O repór- despertar e manter a atenção do público,
ter pode “falar espontaneamente” sobre que se deixa envolver não apenas pelo
o fato (deixando transparecer marcas de conteúdo dessas, mas pelas formas do
oralidade, como entonação, pausas, hesi- dizer, pela subjetividade que nelas se
tações típicas da fala etc.), ou pode “ler” inscrevem.
o que escreveu previamente sobre o fato, As sonoras devem ser o mais opinativas
suprimindo do enunciado as marcas de possível. O contexto e o enredo devem estar
oralidade. No primeiro caso (quando o re- no texto redigido pelo editor. O editor não
opina no texto, quem opina é o entrevistado.
pórter fala espontaneamente), as “mar- Sonoras opinativas são sempre mais contun-
cas” no texto projetam efeitos de sentido dentes e chamam mais a atenção do ouvinte
de aproximação, de informalidade, de [...]. Sonoras que contêm emoção também
rendem boas edições. Um choro, uma garga-
espontaneidade entre repórter/jornal e lhada ou uma frase em tom de desabafo às
leitor. No segundo caso, embora seja um vezes dizem mais que uma declaração de 50
texto falado, predomina o “apagamento” segundos (BARBEIRO; LIMA, 2003, p. 79).
de marcas enunciativas e de oralidade e, Nos depoimentos sonoros, a emoção
assim, projetam-se efeitos de sentido de dos atores pode ser captada pelo ouvinte.
distanciamento, de formalidade no texto. Um tom irônico, debochado, indignado,
Destaque-se ainda que numa intera- irritado ou alegre será sentido pelo
ção falada face a face propriamente dita, ouvinte, já que não apenas o enuncia-
os sujeitos da interação se situam como do (o conteúdo) se dá a conhecer, mas
eu/tu, no aqui e no agora da enunciação. também o modo do dizer (a expressão, a
Essa situação de enunciação pode ser, de enunciação). Além do mais, através dos
certa forma, reproduzida pelos áudios. Por áudios, o ouvinte pode apreender outros
exemplo, quando um repórter se insere elementos que também contribuem para
numa determinada cena enunciativa e a significação, como os paralinguísticos
dialoga espontaneamente com um entre- e sociolinguísticos, apontados por Grei-
vistado (eu-tu), no espaço do aqui e no tem- mas (2008, p. 467) como integrantes de
po do agora, projetam-se no texto efeitos uma interação verbal oral. Os sotaques,
de sentido que remetem a um simulacro aspectos de prosódia e ortoépia, as
daquela enunciação, aproximando dela hesitações, as pausas, as correções, as

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reformulações, as frases incompletas - [...] o som “sujo” – com muitos ruídos e baixa
elementos esses que não se mostram nos qualidade de emissão – sugere maior valor
afetivo da notícia, imediatismo, proximida-
textos escritos por serem característicos de. O repórter parece estar em uma situação
de interações faladas marcadas pela sem grandes possibilidades de controle, o
proximidade - podem se mostrar nos que soa para o ouvinte como algo menos
mediado, editado, e, por isso mesmo, mais
áudios. Interagem, assim, elementos da verdadeiro (HERNANDES, 2009, p. 277).
dimensão do sensível e do inteligível na
construção do enunciado. Ao se mani-
festarem tais características nos áudios, Os vídeos
produzem-se efeitos de sentido de verda-
de e de realidade mais intensos. Também Não por acaso os vídeos fecham a
se diminui a distância entre ouvintes/ lista de recursos não verbais ora apre-
leitores e atores do enunciado, já que se sentados. Os vídeos aliam elementos
ouve e sente-se a voz do sujeito que fala, significantes da linguagem verbal e
que expõe sua opinião, suas concepções da não verbal, acentuando efeitos de
subjetivas, por meio de uma forma de sentido. Se nos áudios podem-se apenas
expressão que deixa transparecer ca- ouvir os interlocutores “descolados” do
racterísticas e emoções próprias desse. contexto situacional e, nas fotografias,
Outra questão relevante nos depoi- tão somente vê-los, nos vídeos é possível
mentos em áudio são os “ruídos”. Hernan- vê-los e ouvi-los ao mesmo tempo, bem
des (2009, p. 276) explica que os ruídos como perceber outros fatores significan-
são interpretáveis pelos ouvintes como tes em relação aos atores e à situação de
incidentais, como interferências, barulhos enunciação. Os movimentos (dos atores
decorrentes do mundo real que aparecem e dos objetos que integram o ambiente)
em gravações realizadas fora do estúdio. e os sons (verbais, musicais, ruídos)
Nesse sentido, os ruídos dão concretude capturados pela câmera permitem per-
ao discurso por “fazer com que os ouvintes ceber grandezas de ordem semiótica que
reconheçam os sons do cotidiano”. Por participam diretamente da construção
exemplo, quando um repórter está numa da significação (elementos do entorno,
movimentada avenida para, de lá, narrar tom de voz, gestualidade, expressões
um fato, os barulhos de automóveis pas- faciais, emoções etc.). Nesse sentido, os
sando, de buzinas, a própria difusão do vídeos concentram a força do áudio e da
som - que em tais circunstâncias não será imagem em movimento numa só forma
tão nítido - constituem aspectos importan- de expressão, intensificando, por meio
tes que, em alguma medida, “remetem” o dessa fusão, os efeitos de sentido (de
ouvinte à situação de enunciação, já que verdade, de realidade, de aproximação)
evocam “imagens” de situações em que que esses recursos projetam.
aparecem tais ruídos. Ainda, Diferentemente dos discursos em
áudio, os vídeos permitem ver e ouvir

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os atores que falam e se movem em que se dirige o discurso. Por outro lado,
determinado cenário. Assim, os efeitos ocorre debreagem enunciva quando as
de sentido também não são idênticos imagens reproduzem certo distanciamen-
se comparados os dois recursos, pois os to do repórter em relação ao fato narrado.
vídeos concretizam situações que não se Por exemplo, quando imagens sobre um
dão a conhecer por meio dos áudios. O determinado fato são expostas numa
cenário em que estão inseridos os sujei- perspectiva não próxima, numa filma-
tos, a linguagem corporal, as expressões gem que acolhe imagens distantes e em
faciais, os movimentos de aproximação que apenas se ouve a voz de um repórter
ou afastamento entre eles, o modo har- narrando – num momento posterior à
mônico ou desarmônico como interagem, captação das imagens – o que aconteceu,
suas características pessoais, as varian- sem que o narrador (repórter) apareça no
tes linguísticas que utilizam, os elemen- vídeo. Nesse caso, o distanciamento da
tos envolvidos na expressão oral, o dito e tomada de câmera em relação ao objeto
o como foi dito e até mesmo os silêncios focalizado e do repórter que não se mos-
instaurados nas pausas e hesitações dos tra e não se aproxima da cena denuncia
sujeitos que falam se materializam nos a instauração de um discurso enuncivo.
vídeos. Esses elementos que convergem O leitor só espia os fatos, e os espia a
na construção da significação podem ser distância. Certamente, os efeitos de sen-
apreendidos pelo leitor, suscitando nesse tido que se projetam em decorrência de
a sensação de proximidade em relação ao uma e outra forma de enunciar são bem
fato narrado e aos sujeitos envolvidos. diferentes. Na primeira, quando o repór-
Além disso, expandindo proposições ter dirige seu olhar ao leitor/espectador,
de Gomes (2007) e Barros (2012) acerca surgem efeitos de sentido de interação
da instauração de debreagens enuncivas/ entre sujeitos (repórter e leitor), de pre-
enunciativas em fotografias e em imagens sentificação, de aproximação. Na segun-
de anúncios publicitários (respectiva- da, efeitos de sentido de distanciamento,
mente), é possível dizer que também as de não presentificação.
imagens em vídeo assumem caráter enun- Destaque-se, porém, que, nos vídeos,
ciativo ou enuncivo dependendo do modo geralmente o repórter e o entrevistado
como se projetam na tela. O repórter, por olham para a câmera, instaurando o
exemplo, pode falar sobre o acontecimento leitor como interlocutor do discurso. Ao
posicionando-se de frente para câmara e mesmo tempo, recursos de zoom podem
voltando seu olhar para o leitor. Também aproximar o leitor do fato, trazendo para
o entrevistado (interlocutor) pode assim perto desse, partes de cenários, de obje-
proceder. Quando isso ocorre, tem-se uma tos, movimentos de sujeitos, detalhes que
debreagem enunciativa que instaura o numa perspectiva globalizante ficariam
leitor como parceiro da interação verbal, invisíveis (aos olhos e à difusão de outros
como o “tu” da troca entre sujeitos, é a ele sentidos). Assim também se neutraliza a

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distância entre o cenário/objeto de notícia os leitores dispensarem alguns instan-
e o leitor. Sem esquecer que a subjeti- tes a mais de seu tempo (cada vez mais
vidade do enunciador se mostra nesses escasso e precioso) para carregar e abrir
recortes em zoom, já que ali se projetam arquivos de vídeo enquanto poderiam,
os elementos para os quais o enunciador simplesmente, ler o texto e a foto que se
quer chamar a atenção do leitor. apresentam na tela.
Ainda em termos de efeitos de apro-
ximação entre leitor e fatos, destaca-se Considerações finais
a confluência de elementos da ordem do
real que se dão a apreender nos vídeos. Na constituição das notícias, o tex-
Bem se sabe que os vídeos podem ser to verbal segue as coerções do gênero.
manipulados pelos cortes nos discursos, Apagam-se marcas capazes de eviden-
pelo jogo de luzes, de cores, de sombras, ciar subjetividade do narrador, como as
pelos enquadramentos etc., mas é ine- categorias de pessoa, tempo e espaço da
gável o seu poder de persuasão por meio enunciação, e projeta-se um enunciado
da remissão àquilo que pode ser visto, em terceira pessoa. Além disso, não
ouvido e sentido como constituinte da aparecem apreciações pessoais (como
realidade. Nessa esteira, ganham campo opiniões, advérbios, adjetivos) no enun-
os elementos que despertam sensações ciado verbal. Tais questões impingem
estésicas e, assim, suscitam, em alguma um caráter de objetividade à notícia, de
medida, a participação do leitor. neutralidade, impessoalidade e distan-
Oliveira (2009, p. 136) reforça a ciamento entre narrador/jornal e objeto
ideia de que o que pode ser sentido es- narrado, assim como entre narrador/
tesicamente faz parte da construção da jornal e leitor. Busca-se, no texto verbal,
significação. Para a autora, num arranjo a adesão do enunciatário por efeitos de
sincrético, sentido de ordem inteligível, racional.
[...] as marcas da convocação dos sentidos da Já os recursos não verbais podem sus-
dimensão estésica, em interação com as ou- citar efeitos de sentido de natureza diver-
tras marcas de actorialidade, temporalidade
e espacialidade vão interligar as dimensões
sa, principalmente de ordem do sensível.
sensível, pragmática, inteligível da cognição Eles têm a função de captar a atenção de
do ator. Concretizados em uma expressão, um leitor cada vez mais visual e apressa-
esses procedimentos enunciativos vão além do, um leitor que precisa ser “conquistado”
da dimensão do enunciador fazer o enuncia-
tário construir a significação. Englobam o para ler tal notícia (e tal jornal) frente às
modo como esse enunciador dispõe o enun- múltiplas informações em diferentes mí-
ciatário para sentir o sentido, abrindo-o a dias que lhe cercam diariamente. Nesse
percursos da experiência do sentido sentido.
contexto, não apenas os jornais on-line
O desejo de sentir o sentido em termos buscam estratégias visuais de arrebata-
de “vivenciar as experiências narradas” mento de leitor, também os impressos o
(GOMES, 2009, p. 217) explica o fato de fazem, basta observar a quantidade de

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imagens, gráficos, cores, cadernos diferen- Syncretism of languages and
ciados, mudanças de layout que os jornais effects of meaning in online
têm utilizado. Tais recursos são de ordem
journalism
mais do sensível que do inteligível e pro-
duzem efeitos de sentido de subjetividade Abstract
e aproximação entre jornal e leitor e entre In the light of the studies of enun-
este e fato narrado. ciation in the perspective of discursi-
Nos jornais on-line, entretanto, as ve semiotics, this work proposes to
ferramentas do suporte permitem a discuss the main enunciative strate-
gies (verbal and non-verbal) used to
utilização de recursos outros (galerias create stories for online publications,
de fotos, animação gráfica, áudios, ví- explaining the effects of meaning that
deos) capazes de ampliar e acentuar come from the syncretism of langua-
ges, as well as the mechanisms that,
efeitos passionais. As galerias de fotos,
in these texts, provide both the infor-
com número significativo de imagens e mation and the feeling, seeking the
possibilidade de ampliação dessas, dão attention of the enunciatee-reader by
mais a conhecer e, muitas vezes, deixam passionate effects of meaning. The
interest for online news comes from
transparecer a manifestação subjetiva do the fact that web support opens the
narrador acerca dos fatos. Os infográfi- possibility for the use of non-verbal
cos animados recriam cenas, situações resources that are not possible in
narradas, trazendo ao leitor não apenas printed publications, such as photo
galleries, graphic animation (anima-
mais detalhes, como também propiciam ted infographics), videos, and audio
vivenciar o fato. Os áudios possibilitam files, and so the effects of meaning
ouvir a voz dos atores da notícia, a emo- projected in these texts are more nu-
ção, as hesitações, o tom, bem como sons merous and compelling.
do entorno, reforçando efeitos de sentido Keywords: Online news. Syncretism of
de verdade, de realidade, subjetividade languages. Effects of meaning.
e aproximação. Os vídeos, por sua vez,
“materializam” em imagens os atores, Notas
o espaço, o fato, permitindo perceber
gestualidade, expressões faciais e corpo- 1
Substâncias são aqui entendidas como “maté-
rias” capazes de se manifestar em diferentes
rais, tom de voz, as posturas, os objetos formas de linguagens. Uma matéria fônica
e sons do entorno, enfim, mostrando os (som), por exemplo, pode servir de substância
atores dentro da cena narrada. Assim, na à linguagem verbal e à musical.
2
Os mecanismos de projeção das categorias de
medida em que se pode saber mais, ver enunciação (pessoa, tempo e espaço) no enun-
mais, sentir mais, projetar-se no lugar do ciado são chamados debreagens. Quando se mos-
tram no texto as categorias eu-tu, aqui, agora,
outro, mais contundentes são os efeitos ocorrem debreagens enunciativas. Quando se
de sentido de ordem passional capazes de “apagam” do texto essas categorias, projetando-
levar o leitor a sentir o sentido e, assim, -se o não eu, não aqui e não agora, operam-se
debreagens enuncivas. (FIORIN, 2002). Nas
de captar-lhe a atenção. notícias, as debreagens enuncivas instauram-se

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porque narra-se um fato ocorrido com um “ele” FIORIN, José Luiz. As astúcias da enuncia-
(não eu), num determinado espaço (não aqui) que ção. 2. ed. São Paulo: Ática, 2002.
não é o aqui da enunciação. Quanto ao tempo,
por vezes instauram-se debreagens enuncivas, ______. Para uma definição das linguagens
quando o marco temporal vem inscrito no enun- sincréticas. In: OLIVEIRA, Ana Claúdia de;
ciado (por exemplo: “No dia 15 de julho ocorre- TEIXEIRA, Lucia (Orgs.). Linguagens na
ram manifestações em POA”), e outras vezes comunicação: desenvolvimentos de semiótica
aparecem debreagens enunciativas, quando se sincrética. São Paulo: Estação das Letras e
toma o tempo presente (hoje) como referência Cores, 2009, p. 15-40.
(por exemplo: “Na manhã de ontem, manifesta-
ções ocorreram por todo o país”). As debreagens GOMES, Regina Souza. Modos de olhar: rela-
enunciativas de tempo impingem caráter de ções entre enunciação e enunciado no jornal.
atualidade à notícia e aparecem com frequência In: III Congresso Internacional de Semiótica:
nos enunciados, ao contrário das categorias de Semiótica das Interações Sociais - Caderno
pessoa e espaço, geralmente enuncivas. de Resumos, v. 1. Vitória: UFES, 2007. p. 59.
3
Os exemplos de animação gráfica ora descritos
não são relativos ao infográfico do acidente com ______. Paixões e argumentação na mídia
o avião da TAM, são recursos visualizados em impressa. In: EMEDIATO, W.; MACHA-
outras tantas reportagens on-line que servem DO, I. L.; MELLO, R. (Orgs.) SIMPÓSIO
de base para as constatações ora expostas. INTERNACIONAL SOBRE ANÁLISE DO
4
Embora a linguagem dos áudios seja a verbal, a
DISCURSO: EMOÇÕES, ETHOS E ARGU-
opção por inseri-los na abordagem dos recursos
não verbais deve-se ao fato de haver outras MENTAÇÃO, III, Anais... Belo Horizonte:
grandezas de ordem semiótica que se imiscuem UFMG, 2008. p. 84.
na expressão oral e atuam, sobremaneira, na ______. O sincretismo no jornal. In: OLI-
construção da significação.
VEIRA, Ana Claúdia de; TEIXEIRA, Lucia
5
Construções idênticas se verificam no telejor-
nalismo. No entanto, evitar-se-á de falar aqui
(Orgs.). Linguagens na comunicação: de-
em telejornalismo porque este remete à ideia senvolvimentos de semiótica sincrética. São
de imagens visuais em conjunto com os sons, o Paulo: Estação das Letras e Cores, 2009.
que será abordado no tópico seguinte, sobre os p. 215-245.
vídeos.
GREIMAS, Algirdas Julien; COURTÈS,
Joseph. Dicionário de semiótica. São Paulo:
Referências Contexto, 2008.
HERNANDES, Nilton. Jornal da CBN:
BARBEIRO, Heródoto; LIMA. Paulo Rodolfo sincretismo e gerenciamento de atenção. In:
de. Manual de radiojornalismo. São Paulo: OLIVEIRA, Ana Claúdia de; TEIXEIRA,
Campus, 2003. Lucia (Orgs.). Linguagens na comunicação:
desenvolvimentos de semiótica sincrética.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Algumas re- São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2009.
flexões semióticas sobre a enunciação. In: DI p. 269-289.
FANTI, Maria da Glória; BARBISAN, Leci.
(Orgs.) Enunciação e discurso: tramas de LANDOWSKI, Eric. Presenças do outro. São
sentidos. São Paulo: Contexto, 2012. p. 25-49. Paulo: Perspectiva, 2002.

CAETANO, Kati. A propósito de um sincre- OLIVEIRA, Ana Cláudia de. A plástica


tismo intermidiático. In: OLIVEIRA, Ana sensível da expressão sincrética e enuncia-
Claúdia de; TEIXEIRA, Lucia (Orgs.). Lin- ção global. In: OLIVEIRA, Ana Claúdia de;
guagens na comunicação: desenvolvimentos TEIXEIRA, Lucia (Orgs.). Linguagens na
de semiótica sincrética. São Paulo: Estação comunicação: desenvolvimentos de semiótica
das Letras e Cores, 2009. p. 247-265. sincrética. São Paulo: Estação das Letras e
Cores, 2009, p. 79-140.

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TEIXEIRA, Lucia. Entre dispersão e acú-
mulo: para uma metodologia de análise de
textos sincréticos. Gragoatá, Niterói, v. 16,
p. 209-227, jan./jul. 2004.
______. Para uma metodologia de análise
de textos verbovisuais. In: OLIVEIRA, Ana
Claúdia de; TEIXEIRA, Lucia (Orgs.). Lin-
guagens na comunicação: desenvolvimentos
de semiótica sincrética. São Paulo: Estação
das Letras e Cores, 2009. p. 41-77.

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