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FUNDAGAO EDITORA DA UNESP rte do Cro Guar ‘erman Voooald Dir Pree Jone Case Magar Neto eee . GERARD FOUREZ Jétio Hernani Bomfim Gutierre Consetho Editorial Académico Antonio Celso Ferreira io Antonio Rabello Coelho a incre rt A CONSTRUCAO ‘tes Gk DAS CIENCIAS ‘Kiowa ©. F& INTRODUCAO A FILOSOFIA = Dida Bessana E A ETICA DAS CIENCIAS SF ow e Tradugdo de Luiz Paulo Rovanet & V’ " : ge |" Digitalizado com CamScanner is (GERARD FOUREZ A distingdo entre ciéncias e ideologias, assim como a dificulda- de em separélas claramente ocupatdo os capitulos seguintes. Em especial, sera examinada a distingdo entre cigncias fundamentais € ciéncias aplicadas, assim como a nogio de inter: inaridade, o que nos conduziré a considerar as relagdes entre as ciéncias € 0s po- deres politicos-e éticos. Estas reflexdes nos levariio a que nos interroguemos sobre di- versas maneiras de ver as nocdes de verdade. E esta eterna e absolu- ta, ou sempre construida historicamente eem um contexto especifi- co? Em que sentido a ciéncia pode pretender & verdade, e de que modo! Pata concluir 0 nosso projeto de situar a ciéncia diante de nossas escolhas pessoais ¢ coletivas nos restara ento construir uma teprésentacio da reflexo ética e do seu vinculo com a politica, para, finalmente, estudar a relacio dessas duas instincias com a cies * ‘Quero agradecer a meus colegas que estimularam ou criticaram © meu trabalho, particularmente J. Duchéne, P. Favraux, B. Feltz, D. Lambert, T. Nguyen, F. Saat, M. Singleton, G. Thill. Um agra- decimento todo especial as minhas colaboradoras C. Gortebecke, M, Meerte M. Schonbrode, sem as quais esta obra jamais teria sido conchuida. CAPITULO 1 INTRODUCAO O que é a filosofia? A filosofia no é uma disciplina que fornesa, fora do ambito da cigncia, uma resposta a todos os problemas nio resolvidos da humanidade. B uma disciplina de pensamento cuja tradiglo re- monta bastante longe emi um certo nimero de culturas, por exem- plo, no Ocidente, e, sob outras formas, na India. O objetivo deste livro 60 de introduzir a ela. O objetivo nfo é, portant, dar ao leitor uma série de respostas, mas de fornecer outros métodos de pensa- sMento que néo os das ciéncias, na esperanca de que isto contribiia para tornar as praticas sociais, por um lado, mais “responsiveis” e, por outro, mais “humanas” (termo que evidentemente devese pre cisar melhor!). Uma das finalidades desta obra é também a de for- necer ao: tistas ‘¢ professores de ciéncias, como pessoas indivi- duais, uma abertura que os ajude a perceber diversas abordagens da realidade e a nao encerré-la dentro do método unidimensional das ciéncias. Digitalizado com CamScanner (GERARD FOUREZ Assim como ocorre com outras disciplinas (como a matemati- a, a fisica, a quimica, a biologia), a filosofia convida a entrar em uma tradi¢ao intelectual. Ela desenvolve um método, conceitos téc- nicos, ferramentas intelectuais que permitem compreender certas questoes. E por esse motivo que, do mesmo modo que seria ins sato querer fazer matemiti e ovocabulirio adequado. Pode pa- tecer rabugice recordar isto, mas é algo necessario em uma cultura na qual muitos cientistas parecem esquecer toda exigéncia de rigor quando deixam o dominio de sua disciplina. Para refletir sobre os problemas da sociedade e sobre as quest5es humanas é preciso pos- suir “fegramentas” do mesmo modo que para fazer bos 9s%asos nos inserimos em tradi¢6es intelectuais eutilizamos os resultados das geragdes que nos precederam. Cédigos “restrito” e “elaborado” A teflexao filoséfica parte de uma experiéncia muito simples: do fato de que, em uma primeira aproximagio, servimo-nos de dois tipos de linguagem para falar do mundo; 0 filésofo Bernstein (em Douglas, 1970) os distinguiu e chamou de cédigos “restrito”e “elaborade”. ‘Quando descrevo'os objetcs que esto sobre a minha escriva- ninha, esta limpada de leitura, este ditafone, estas flores, estas folhas de papel, descrevo-os sem me preocupar com oalcance des- sas descrigbes. O que me importa é que uma pessoa a par das pré- ticas linguageiras de nossa cultura possa reconhecer a lampada de 1a, 0s livros, a caneta ete. Do mesmo modo, se digo que fula- no esposol beltrana, normalmente no me langarei com base nis- soem uma reflexio claborada sobre: ficagio do casamentoe do amor. Utilizo entio 0 cédigo r. inguagem do dis-adia, “itil na pratica e que no leva adiante todas as distingdes que se ‘A CONSTRUGAO DAS CIENCIAS 19 poderia fazer para aprofundar 0 meu pensamento. Caracterizase pelo fato de que aqueles que a utilizam partilham as mesmas pressupo- sigdes de base sobre o sujeito de que falam; 0 discurso cientifico entra nessa categoria. Por outro lado, se comeco a colocar-me questbes sobre a amiza- de,a vida, a morte, a justica etc., produzirei um outro tipo de di 0, bem diferente daquele do cédigo restrito. Observatei, por exer plo, que a nosdo de amizade nao é clara, Para tornéla mais precisa, contarei historias, e efetuarei multiplas distingdes. Precisarei ultrapas- sar a minha experigncia de vida cotidiana, a fim de atingir camadas “mais profundas” de minha personalidade e da nossa vida em co- mum. Bernstein chamou de “cédigo elaborado” 0 tipo de discurso que produzimos quando tentamos superar dessa maneira a lingua- gem cotidiana e pritica (chamada também por vezes de “linguagem da utensilidade”), O que caracteriza o discurso elaborado é que ele & utilizado para falar de sujeitos ares cessariamente as mesmas pressuposictes de bas ‘Em uma primeira aproximacio, 0 cédigo restrit mo” das coisas, do miindo e das pessoas, a0 passo que o cédigo ela- \Gorado procura dizer algo do “porque” e do “sentido. De modo geral, a5 Giéncias se ocupam com a linguagem restrita. No Ociden- da falando de maneira geral, a filosofia - e por vezes também jo - ocupa-se com 0 cédigo elaborado (nao Se deve contudo jamais levar demasiado Longe as distingSes nem as teorias,alids. Po- de haver momentos em que o fisico ou © bidlogo se colocam ques- t6es “mais elaboradas” sobre a matéria ou a vida, Pode-se dizer que eles comegam entio a filosofar. Qualquer que seja a maneira pela qual se considera essa tendéncia dos cientistas afilosofar, podemos dizer, em uma primeira abordagem, que a distingdo entre os cédi- gos “restrito” ¢ “elaborado” funciona bastante bem), Dentro desta perspectiva, 0 cédigo restrito corresponde ao inte- resse que tém os homens eas alheesem wrordem em seu. o véern. Habermas (1973) falara de um interesse técnica. E um cédigo pratico. Além disso, utiliza-se o cédigo elaborado quando Digitalizado com CamScanner 20 (OERARD FOUREZ se trata de interpretar os acontecimentos, o mundo, a vida huma-_ que esse interesse filos6fico na, a sociedade. Assim, Habermas dit esti ligado ao interesse hermenéutico ox interpretatbrio dos seres hu- manos. Ainda mais, o cédigo elaborado - ea filosofia ~ ¢ utilizado quando se trata de interpretagdes habitualmente recebi- io mais refletida que especifique palavra “critica” vem do grego e significa “efe- nao tem nada aver com “denegrit”). Essa su- perago das idéias geralmente admitidas corresponde a um interes. se emancipatério. Como somos por vezes prisioneiros de esquemas de interpretagdes da vida, do mundo e da sociedade, uma lingua- gem critica tem por finalidade libertar-nos dessa pristio e renovar 0 nosso olhar. Dess¢ modo, se considero a nocao de “mulher”, posso primei- Ia no cédigo restrito: nesse caso, todos compreen- dem o que significa. Em um outro plano, porém, ultrapassamos es- sa visto pragmitica da nogio “mulher” para utilizar uma representaco que dé uma interpretacio mais “fundamental” dela; esta se liga evidentemente & cultura de uma civilizagio, de um meio social, de nossa histéria pessoal etc. (assim, as pessoas ve- rio a mulher de modo di izacdes diferentes -; meios de sociedade diferentes - por exemplo, as classes burguesa ou operiria, ou ainda os homens eas mulheres ~ veicularéo uma imagem que lhes serd pr6 individuo tera uma representagao da mulher influenciada pelas ati- tudes que 'tiveram os seus pais). Uma reflexao filosofica tentaré for- necer uma representacio da mulher (interesse interpreta hermenéutico) que ultrapasse as nogbes alienantes de fem (interesse emancipatério). O fato de que a nogo de mulher é algu- mas vezes ligada a visio de um ser relativamente indefeso e pouco inteligente, se bem que sensivel, e outras veres a represeniacio de ‘um parceiro igual ao homem, mostra bem que uma certa atividade “critica” pode ser necessaria para superar visdes que aprisionam. Do mesmo modo, uma reflexao critica pode liberar visoes morais demasiado estreitas, A CONSTRUGAO DAS CIENCIAS 2 Como outro exemplo, consideremos como a nogio de “cién- cia” é utilizada no cédigo restrito e no cédigo claborado. Q eddigo. _-testrito éaquele utilizado na maior parte dos cursos de cigncias. Su- poesse saber do que se fala, c no se exige reflexio ull caso se procure fazer uma idéia do que sej cia, isto é, dar uma interpretacao que faca * fase torna mais complexa. Todas essas interpretagSes nao so valentes. Nesse nivel interpretatério, a noclo que se tem da sera ligada, gracas a uma linguagem elaborada, a outros conceitos, tais como a felicidade dos humanos, o progresso, a verdade etc. Earn linguagem elaborada ~ essa filosofia da ciéncia — permitird uma interpretacdo daquilo que a linguagem restrita diz a respeito da ciéncia. Além disso, a palavra “ciéncia” pode por vezes “aprisio- nar”, por exemplo, quando alguns passam a impressio de que, uma ver que se falou de cientificidade, no ha nada mais a fazer se- nio se submeter a ela, sem dizer ou pensar mais nada a respeito. ‘Um filésofo “critico” ou “emancipatério” da ciéncia procurard por- tanto compreender como e por que as ideologias da cientificidade podem mascarar interesses de sociedade diversos. O apartamento, o poriio, 0 soto A distingdo desses dois cédigos pode ser ilustrada por uma anedota cujo herdi é 0 filésofo da ciéncia Gaston Bachelard. Esse pensador francés, no fim de sua vida, estava sendo entrevistado por um jornalista. Depois de alguns minutos, Bachelard 0 inter- rompeu: “O senhor, manifestamente, vive em um apartamento ¢ indo em uma casa.” Eo jornalista, surpreso, perguntouthe o que queria dizer com isso. O filésofo lhe respondeu que a diferenga entre uma casa e um apartamento é que a primeira possui, além da zona de habitagdo, um sétio e um porio; € o que ha de par- ticular, acrescentou, é que sempre subimos ao sétio, descemos 20 porto. Digitalizado com CamScanner 2 (GERARD FOUREZ Bachelard queria assim indicar que muitos vivem sem jamais deixar o nivel do eédigo restrito. Questées como “O que é 0 amor, ou a amizade?” parecemlhes ociosas; assim como a maioria das porao, Bachelard mostrava que, para ele, ser “human por vezes “subir ao sétio”, isto é, viver uma busca de da existéncia por meio dos simbolos filoséficos, poéticos, artisti- cos, religiosos etc. E “descer ao porto” implicava ir, por vezes, olhar o que se passa nos subsolos e fundamentos psicolégicos ou sociais de nossa existéncia e discernir nos condicionamentos o que nos oprime ou libera. Um dos interesses dessa imagem me parece ligado ao fato de que se paséa a maior parte da existéncia na sala de estare no no s6- to au no pordo. Mas aqueles que “no sobem jamais ao sétio” & “nao descem jamais ao porao” carecem talvez de uma certa dimen- sto (notemos que esse tema da “caréncia” necessitaria de uma ela- boracSo para derivar os seus significados e fazer um exame criti Por outro lado, aqueles que vivessem o tempo todo no sétio, ou no pordo seriam talvez facilmenté considerados como pouco eq brados (como por exemplo aqueles que se preocupam sempre com todas as razdes de sua ago). Permainecemos a maior parte do tempo no mundo pritico de nossos cédigos restritos. Se nos afastassemos dele o tempo todo tornar-nos-iamos literalmente loucos. Pois, se estou em vias de efe- ‘tuar uma experiéncia de laboratério, nao tenho vontade, nesse mo- mento, de me colocar a questo da significacio ultima daquilo que faco. Eo mesmo ocorre se quero dizer a alguém que gosto dessa pessoa, Nao obstante, pode haver um sentido, tanto para nés co- ‘mo para os que estiio & nossa volta, no fato de podermos, em certos momentos, “interpretar” o que fazemos, ou “criticar” idéias co- muns adquiridas. Parece-me normal, portanto, que uma reflexio filoséfica no assuma, na formacio pratica de um cientista, um lugar exagerado. Assim mesmo, julgo importante que aqueles que recebemn uma formagio‘em ciéncia no se tornem seres “unidimensionais”, ACONSTRUGAO DAS CIENCIAS B incapazes de ver algo mais além de sua pritica técnica. Nao seria la- mentivel, tanto para a sociedade quanto para os individuos, que seres humanos tivessem uma formagio extremamente aprimorada, quando se trata do cédigo restrito, e formacao alguma quanto & utilizaco de nossas tradigées relativas a0 cédigo elaborado? Em. outros termos, consideraria lamentivel, para ambas as partes, for- mar cientistas que tentariam ser rigorosos quando se trata de cigncias, mas aceitariam facilmente uma total aproximago em outros dominios, Em outros termos ainda, uma abordagem filosé- fica se opde 20 condicionamento dos tos", mas incapazes de refletir sobre as implicagées huimanas de suas priticas (seria interessante, alids, e isto faz parte de uma refle- xKo filos6fica, interrogarmo-nos sobre as raz6es pelas quais muitos admitem sem dificuldade permanecer ignorantes quando se trata de questdes humanas - de ter quanto a esse assunto uma espécie de “6 de carvoeiro”, fé humana ou teligiosa -, 20 passo que recusam absolutamente possuir conhecimentos apenas aproximativos em um dominio técnico). ‘A abordagem filoséfica que iremos empreender opde-se tam- bém a existéncia daquilo que C. P. Snow (1963) chamou de uma “dupla cultura”, isto é, uma separago entre as priticas profissio- nais cientificas ¢ as reflexes mais pessoais. E tipico, com efeito, en- contrar em nossa sociedade pessoas que, em sua vida pessoal ou piblica, so puros executantes, ou puros técnicos, incapazes ou se recusando a refletir nas implicagSes sociais de suas praticas; em [ suas vidas “privadas” ou “familiares”, contudo, advogam valores humanos. ‘Quando os cientistas desejam ter uma certa abertura, esta se faz geralmente & margem de seu trabalho profissional: interes- sam-se, por exemplo, pela miisica, por obras si pela arte ou outras formas de expressio sim . Tém mais idade em lidar com grandes idéias sobre o mundo, Deus, a busca do verdadeiro, do que com reflex6es concretas sobre as questdes relacionadas com sua vida profissional. Precisaremos voltar as razdes que levam a nossa sociedade a produzir uma classe Digitalizado com CamScanner 4 GERARD FOUREZ média de cientistas técnicos, apoliticos, incapazes de enfrentar as significagSes humanas de suas vidas profissionais e confinando os seus questionamentos éticos a sua vida profissional ou privada. Diversas tradigdes filoséficas No campo da ciéncia, pode haver diversas maneiras de abordar certas questées - diversas tradigbes. Assim, existem diversos méto- dos para se efetuarem andlises quimicas. A maior parte desses métodos possui relagdo entre si, mas so distintos. Quando se forma um quimico, poucas veres ele é introduzido a todos os métodos de andlise em quimica. Eventualmente, mais tarde, 0 estudanteaprendera outros de acordo com seus desejos e neces- sidades. De qualquer modo, apés ter utilizado pelo menos um método,'compreende-se um pouco melhor © que é a andlise quimica. ! ‘© mesmo vale para a filosofia. Existem diversas tradigbes filo- séficas no Ocidente, e numerosas escolas. Um estudante de filoso- fia deve ser confrontado com virias delas, ainda que s vel confronti-lo com todas. Para um “cientista”, jé € dificil muitas veres compreender um s6 enfoque filoséfico. Nem pensar em confronté-lo com as miiltiplas maneiras pelas quais se pode “fazer filosofia”. Se alguns “quiserem mais”, podem comecar a ler obras de filosofia. O objetivo desta obra ser4, principalmente, iniciélo em uma abordagem filoséfica, aquela que o autor prefere, mesmo estando consciente de que existem outras. Apés ter aprofundado uma, ser possivel compreender mais facilmente como situar outras aborda- gens. Ainda mais porque cada um j4 tem uma, a sua filosofia es- pontinea (Althusser, 1974); por este termo entendemos a imagem nficeritica que possutmos das coisas. Para os cientistas, essa filoso- fia espontinea & em geral condicionada pela visio transmitida por seus professores, mesmo que estes estivessem persuadidos a “sé fa- zer ciéncia, e de modo algum filosofia”, ‘A CONSTRUQAO DAS CIENCIAS 2s A finalidade desta iniciagao 4 filosofia, portanto, nfo ¢ fornecer tor adquiric uma visio mais critica pelo fato de que se poder com- arar a sua visio espontinea (e as de seus professores) & exposta aqui (observemos que éilusério querer apresentar um enfoque neu- tro, pretendendo, por exemplo, desenvolver “objetivamente” diver- sas filosofias da ciéncia: a sintese de tal modo produzida sera sem- pre aquela do ponto de vista do expositor; e a impressio de objetividade seria finalmente devida a uma manipulagio!). Nada impede, alias, que os leitores leiam outros livros para saber mais a respeito. Varias vezes, portanto, se indicara como outros enfoques que aborde a filosofia de acordo com um ponto de vista relativa- mente diferente do adotado neste curso. O porqué da filosofia em um programa de ciéncias “Por que dar um lugar filosofia na formagio dos cientistas?”". Poderiamos perguntar também: “Por que um curso de informatica para um quimico?”, ou: “Por que um curso de ciéncias naturais pa- ra um matemitico?”. A essas quest6es ndo existe uma resposta ientifica: a resposta é do ambito de uma politica universitiria. ImpSem-se matérias em um programa porque “se” (ow seja, aque- les que tém o poder de impor programas) considera que essas maté- rias so necessirias seja para o bem do estudante, seja para o bet da sociedade; trata-se sempre do “bem” do modo como os organi dores das formagées o representam, de acordo com seus projetos € interesses préprios. Em certos paises, o legislador pensou que um universitirio di- plomado nao pode ser pura e simplesmente identificado como um puro técnico. Considerou que os universitirios, j4 que a socie- dade lhes daré um certo poder, devem também ser capazes de exa- minar com certo rigor questdes que ndo sejam concernentes 4 sua técnica especifica. Trata-se de uma escolha politica ética, no Digitalizado com CamScanner 26 GERARD FOUREZ sentido dé que aqueles que a fizeram julgaram que seria irresponsé- vel formar “cientistas” sem Ihes dar uma certa formagio nesse do- minio humano (isto nos remete ao fato de que a universidade nao forma “riatematicos”, “fisicos”, etc., de maneira abs- trata, mas seres humanos que cumpririo um certo nimero de fun- is, a8 quais-os levarao a assumir responsabilidades). Sem duivida, também, além do interesse para a sociedade em ter cientistas capazes de refletir, alguns politicos da universidade consideraram que no seria “ético” submeter pessoas j condicionamento que fens 20 a formagio cientifica sem Ihes dar uma espécie de antidoto pelo viés das ciéncias humanas (dizer que consi- detamos que algo nao é “ético” equivale a dizer que nao gostaria- mos de um mundo onde essa coisa acontecesse). A propésito dessas decisdes politicas, assinalemos um fato em- pirico. Pesquisas mostraram (Holton, 1978) q\ i teressados pelas questdes que fujam a0 campo de suas técnicas entre aqueles que se destinam as ciéncias, do que entre aqueles que escolhem outras dreas. Os que escolhem a menos implicados nas questées relativas A sociedade. Pode-se per- guntar por qué? Talvez porque facilmente podemos imaginar os ientistas em uma espécie de torre de marfim! De qutalquer modo, a “politica” desta obra é constituir um contrapeso a essa tendéncia, propondo uma abordagem filoséfica. Nasceu junto a uma decisao de politica universitdria inserindo no programa um curso de filosofia e outros cursos de formacio humana. Esta pritica de “contrapeso” existe também, alias, no in- terior das préprias iplinas cientificas. Desse modo, recu- guns exercicios de laboratério; é igualmente uma decisio de politica uni- versitiria. As decisdes no campo da politica universitéria que ela- boram os programas sfio sempre um agregado de compromnissos tentando responder ao que diferentes grupos, muitas vezes opos- tos por suas concepgdes e/ou interesses, consideram “bom” para aqueles que seguem a formacdo e/ou para a sociedade... e também ‘A CONSTRUGAO DAS CIENCIAS a ~ ainda que isto seja muitas vezes dissimulado ~ para os seus pr6- prios interesses. Filosofia e indiferenga E realmente possivel alguém jamais colocar-se uma questo de ordem filoséfica? Pode-se dizer: “Quanto a mim, a filosofia no me interessa?” Para abordar essa questio (0 que nao significa responder a ela, pois, com relagio a muitas questées, podemnos aborditlas, esclare- célas, mas nio faz sentido lhes dar uma resposta), distingamos ai da dois tipos de interesses. O primeiro liga-se a globalidade da hist6- ria humana: diz respeito ao sentido dessa historia. O segundo tipo, que denominarei de setorializado, concerne auma variedade de coi- ‘sas pelas quais podemos ser atraidos. Assim, podemos nos interes- sar pelo cultivo dos champignons, pela miisica, por uma boa refei- cho, pelos costumes das tribos zulus etc. So assuntos pelos quais 0 sujeito decide se vai se interessar ou nao. Podemos entio fazer uma representacio da vida como uma multiplicidade de centros de inte- resse dentre os quais é necessirio escolher. ‘Na medida em que corisideramos os interesses pelo sentido da vida, a religiio ou a filosofia como interesses setorializados, coloca- mo-nos a seguinte questio: “Sera que eu tenho vontade de me inte- ressar pela filosofia, ou pela religitio, ou pelo sentido da vida etc.?”. Contudo, podemos nos perguntar também se ¢ adequado classifi car um interesse global relativo ao sentido da existéncia entre os in- teresses setorializados. Interessar-se pela justica na sociedade nao significa exatamente a mesma do que se interessar pelo culti- vo do champignon. No primeiro caso, com efeito, o interesse ¢ de fato ligado 20 proprio mundo em que vivemos, a0 passo que no se gundo tratisse de uma questio mais evidentemente setorializada. Alguns setorializam todos 0s interesses: é aliés a tendéncia de nossa sociedade de consumo e de mercado. No limite, tudo deve entio ser considerado como mercadoria, que se apresentard even Tt Digitalizado com CamScanner 28 (GERARD FOUREZ tualmente em publico. Se alguém se interessa pela religiso lhe sera oferecido um curso de religido. Porém, se a mesma pessoa estiver interessada pelo cultivo de champignons, sera isto que lhe oferece- rio, Uma concepgio como essa, na verdade, decide o sentido da existéncia, pois equivale a declarar que nio existe historia humana, € tampouco significagéo um pouco global: s6 haveria interesses se- torializados. E uma resposta que nfo confere sentido A existe: tomada em sua globalidade: o sentido proviria unicamente de mi tiplos projetos cuja totalidade nao significaria nada. Para outros, existem questées globais, mais importantes do que 08 interesses setorializados. Sem querer necessariamente impélos 0s outros, & para eles uma escolha existencial reconhecé los. Considerar que sé ha interesses setorializados é decidir permane: cer para sempre no dominio da linguagem restrita, Pelo contrario, aceitar a questo global da existéncia é abrir-se a uma pesquisa e a um. debate em uma linguagem elaborada, ‘tido. Bessa segunda escolha que esti na base deste ensaio. Que o: tores que tiverem feito a escolha de nao ter na existéncia sendo inte- resses setorializados tomem consciéncia de que Ihes é pedido agora que compreendam a maneira pela qual algumas pessoas abordam ‘as questdes da existéncia de modo diferente delas. isa filoséfica tern significagao apenas para aqueles a ia eas decisdes humanas colocam uma questo. Sem querer impor esta questio a todos (isto seria uma dominacio), a po- Iitica universitéria subjacente aos cursos de filosofia impose isto a to- dos os estudantes que a considerem. As questées particulares visadas neste ensaio Procurarse aqui compreender (isto é, arriscarse a uma lin- guagem elaborada sobre) a Iégica no seu sentido mais amplo. Dentro desta perspectiva, 0 termo “légica” recobre o estudo da maneira pela qual os saberes humanos se estruturam; implica Pesquisar em que condigdes eles podem ser considerados como A CONSTRUGAO DAS CIENCIAS ' » vilidos. Esse domfnio corresponde ao que se chamou por vezes também como filosofia da ciéncia (a parte da filosofia.da ciéncia que considera a maneira pela qual os saberes se organizam cha- masse epistemologia, em grego, “a ciéncia do sabe Quanto 4 ética, é a parte da filosofia que reflete sobre as esco- Ihas que tém uma importincia na vida do homem, particularmente diante do fato empirico de que, em todas as sociedades, existem c6- digos morais, ou nogées semelhantes. Abordar essas questées de maneira tio ampla sera dificil. E por isso que nés as abordaremos aqui sob um viés particular. Nés nos perguntaremos em que medida a ciéncia pode contribuir para a feli- cidade dos seres humanos ¢ ajudélos a resolver intelectual e prati- camente os seus problemas de vida. Esta obra visara portanto a rela: (edo entre a cién ica, e entre a ciéncia e o sociopolitico. Ou, para “particularizar” ainda mais a questo, nés nos perguntaremos ‘em que medida a ciéncia pode nos ajudar a resolver certos proble- mas éticos ¢/ou sociopoliticos particulares, como a questio do aborto, da bioética, da corrida armamentista etc. A busca de uma solugao a essas questies levar-nos-d em espe- cial a precisar duas questes importantes na tradi¢ao filoséfica. A primeira diz respeito as escolhas éticas. Tentaremos compreender melhor o que querem dizer aqueles que pretendem que uma agdo seja moralmente boa. A segunda questo concerne-- e isto sera im- portante para apreender a articulacio entre a moral ea ciéncia - a0 que nés entendemos por “verdade cientifica”. Em outros termos, serd preciso compreender melhor 0 que se entende por objetividade cien- ica, e aprender melhor o alcance, o valor e os limites dos conhecimen- tos cientificos. A ciéncia e os cédigos éticos A primeira vista, certos cédigos éticos podem estar ligados a questées cientificas, Assim, pode-se considerar que a questo de saber se um paciente deve ou nao ser operado passui uma Digitalizado com CamScanner yw 30 GERARD FOUREZ dimenstio moral. Ea maioria aceitaria de bom grado que € legitimo introduzir, diante dessa questo, conhecimentos cientificos em me- ina (a|questio se colocaria de modo diferente se o paciente tem, estatisticamente, poucas chances de sobreviver, ou se, pelo contri rio, a operacio oferece muitas chances de prolongar a sua vida). De- terminadas questées cientificas, portanto, podem influenciar os julgamentos éticos. © mesmo pode ocorrer em questdes como 0 aborto, Desse modo, algumas pessoas se voltardo para os biélogos € médicos considerando que estes so capazes de dizer se, sim ou niio, hé circunstincias em que 0 aborto seria aceitivel Outros, pelo contrdrio, considerarao inapropriada essa con- sulta a especialistas cientfficos ante questdes éticas. Outros ain- daestardo de acordo em dirigir-se a esses especialistas, mas con- siderardo que € preciso mais: proporiam, por exemplo, que aos médicos ou aos bidlogos se juntem também psicélogos ou soci logos. Outros, enfim, afirmardo que existe realmente heteroge- neidade entre a decisao ética e os resultados cientificos. Semelhantes questdes podem surgir também no domfnio da Ecologia. Alias, 0 proprio-termo “ecologia” € ambiguo. Por um lado, parece representat uma moral relativa ao meio ambiente. Por outro, é tainbém uma disciplina cientifica que faz parte da Biologia. Na mesma perspectiva, pode-se perguntar. também se os gedgrafos (ow os economistas, ou...) possuem resultados cient cos gragas aos quais poderiam determinar 0 que € moral ou nao de desenvolvimento. “Tem os bidlogos ou os psicdlogos algo a dizer a pro- pésito da moral sexual?” Ou: “Haveria cientistas que poderiam di- zer se o homossexualismo é ‘normal’?” Fis uma série de questdes que esta’obra gostaria de ajudar a abordar. que é a normalidade? No pardgrafo precedente apareceu a palavra “normal”. E uma palavracchave, mas muito ambigua. Se, por exemplo, digo que néo | ACONSTRUGAO DAS CIENCIAS 7 at & normal que os seres humanos facam constantemente a guerra, ado dessa palavra, “normal”? Ou ainda, se digo que 0 mu hos quatro que me parecem titeis de serem distinguidos. Para tor- nar isto mais claro, situarei esses sentidos em um cenario ~ uma histéria - que indicaré a maneira pela qual o terinio é compreendi- do nela. iro cendrio, Um objeto esti em vias de subir, enquanto “pormalmente” ele deveria cair. Se me dou conta de que se trata de ‘um bali cheio de gis helio, di Aqui, a palavra “normal” significa que conseguimos introduzir um fenémeno no am- bito de nossa compreensdo do mundo, Nesse sentido, poderia dizer que “um cachorro ter cinco patas normal”, Dizélo significa sim- plesmente que eu me dou conta de que isso pode acontecer. Pris Neste sentido, tudo é, em principio, normal. Com efeito, meto- dologicamente, queremos reintegrar tudo o que vemos em uma certa compreensio. E nao cessaremos de fazélo antes de ter compreendi- do os fendmenos que estio diante de nés, isto é, antes de ter dito que eles eram normais. Se, em um caso particular, um fendmeno fosse “anormal”, de acordo com esta primeira significacéo, sim- plesmente nés ainda nao teriamos compreendido; mas esperare- ‘mos mais cedo ou mais tarde compreendélo. Nesse sentido, para 0s cientistas, todos os fendmenos sdo “normais”, pelo mero fato de que existem. Segundo cendrio: “Um cachorro ter cinco patas, isto nao é nor mal”, Querse indicar por isto, em geral, que, de acordd com cer- tos critérios estatisticos, um cachorro de cinco patas nao esti den- tro das “normas”. Do mesmo modo, nesse sentido, pode-se dizer que homossexualismo nao € normal, se entendemos por isto que somente uma minoria da populacao ¢ homéfila. Esse segun- do sentido da nogio de normalidade referese pura e simplesmente a Digitalizado com CamScanner 2 OERARD FOUREZ Entretanto, o estabelecimento de estatisticas depende sempre de pressupostos teéricos. Por exemplo, para dizer que, do ponto de vista estatistico, ha um ntimero X de cachorros com cinco patas, ne- cessito de uma teoria pela qual determinarei que determinado mal de fato um cachorro. Pode ser que, em nome de uma teo! decida-se que um animal de cinco patas:nao é um cachorro. Neste caso, nao haverd evidentemente cio de cinco patas. Quando se uti- liza a estatistica, tomam-se assim decisées em relacao aos critérios e ccategorias utilizados, Além disso, serio necessatias ainda decis6es para determinaro que se entende por um fenémeno “estatisticamente anormal”; de uma maneira ou de outra, havera uma teoria dizendo aquilo que se espera. A menos que se oculte a decisio tomada ao dizer que tudo que ultrapassar uma certa porcentagem é “anormal”, é preciso con- siderar que € por uma escolha de critérios que se decide que algo é anormal. Assim, de acordo com certos critérios éstatisticos, po- det-se-d dizer que a fecundacao é um fenémeno anormal, uma vez que ha uma infima minoria de espermatozdides que servem a fe- cundagao. Além disso, certos fendmenos que s6 aparecem er um Por cerito dos casos podem ser considerados normais. Esses exem- los mostram que a estatistica nao ensina, em matéria de normali- dade, nada mais do que aquilo que foi necessério colocar como Pressupostos necessarios para construila (em um ambito tedrico admitido, porém, ela pode ser muito util, por exemplo, quando se diz, em um processo de producio, que.é preciso rejeitar as pecas “anormais”). ro cendrio. “O homossexualismo nao é normal”. Isto ficar simplesmente que, nesta sociedade, ha uma espécie de consenso para dizer que nos encontramos diante de um fend- meno que nao corresponde ao que esperamos. Neste sentido, chamamos de anormal ao que é contrério & expectativa social. interessante dar-se conta de que esse sentido é provavelmente o que esta profundamente fixado em nossas mentalidades. Quando dizemos que alguma coisa é anormal, isto significa que, na so- A CONSTRUGAO DAS CIENCIAS 3 ciedade em que nos encontramos, isto ¢ contrario a expectativa comum. Desse modo, podesse dizer que todas as crengas éticas em uma dada sociedade permitem uma classificagio dos fendmenos em . Se, por exemplo, nessa sociedade, nfo se ad- Neste sentido, a palavra “normal” se refere a uma normalidade so- cialmente admitida (observemos que essa norma nfo é necessaria- mente ética, mas pode ser simplesmente cultural: indica uma ex pectativa). p Quarto cendrio. Diz-se por vezes que determinada coisa nio'é normal quando ela é contrétia ao que “deve” ser. Por exemplo, posso dizer: “A corrida armamentista no é normal”. Nesse senti- do, nao recorro a urna mera crenga social, mas coloco um juizo de valor. Segundo esta compreensao ética e normativa da palavra “normal”, fala-se daquilo que eu (ou nés) considero anormal. E possivel que eu considere esta coisa anormal referindo-me sim- plesmente & maneira pela qual coloco os valores, ou porque pre- tendo referir-me a normas absolutas, oua normas éticas socialmen- te admitidas. Com freqiténcia, essas quatro significacdes da palavra “nor- mal” so confundidas. E podem se justapor. Nao é raro também que alguém tome a primeira significacio (¢ normal porque eu compreendi) pela tiltima (¢ algo que admito). Assim, posso muito bem compreender que determinada pessoa bata em seu cOnjuge e dizer que “depois de tudo que ele ou ela o fez softer, acho sua reacdo normal”, sem decidir se, no quarto sentido, para mim, é normal: isto é, moralmente aceitavel.. Do mesmo modo, hé mui- tas vezes uma confusao entre o sentido estatistico de uma norma € ‘seu sentido moral. Posso dizer assim que o fendmeno da homos- sexualidade é anormal (ou normal) de acordo com os meus valores éticos. E, em um outro sentido, alguns podem considerar que 0 homossexualismo é admissivel eticamente (moralmente normal) € Digitalizado com CamScanner 4 (GERARD FOUREZ a0 mesmo tempo considerar, talvez segundo outros critérios estatis- ticos, que é estatisticamente anormal. Do mesmo modo, ainda, pode-se considerar que determinada coisa é, em um Ambito teérico bem preciso, estatisticamente rara, mesmo levando em conta que, segundo a expectativa social, ela é normal. Em suma, a utilizacio da palavra “normal” ¢ ambigua porque pode imular posicdes bem diferentes. Tomemos um ultimo exemplo: “A prostituicao é, em uma sociedade, normal?”. De acor- docomo primeiro cenatio, pode-se compreender o fendmeno e di- zerque ele é normal. De acordo com o segundo, como em quase to- das as sociedades ha uma forma ou outra de prostituiciio, pode-se dizer ‘que é estatisticamente normal (mas s6 se emite essa opiniao, com base em critérios no minimo pouco claros). Em mui- lades, ela nao € considerada como normal de acordo com. Enfim, ha um certo debate ético para saber se, em uma dada sociedade, deve-se considerar como normal legalizar a prostituigao. De acordo com as significagées, a ciéncia tem coisas diferentes a dizer em relagao ao que é normal. Conforme o pri sentido, aciéncia nao tem nadaa dizer porque, por pressuposto, para a cién- cia, tudo o que acontece deve ser explicado, ou seja, tudo é normal. No sentido estatistico, a ciéncia pode ter bastante a dizer, mas sob condicao de ter precisado bem - de uma maneira que nao sera ja- iramente cientifica - 0 critérios sobre os quais se baseara a estatistica. Quanto 4 normalidade como crenca social, a sociolo- gia pode constatéla, mas percebe-se que, sobre pontos particulares, ela nao tem nada a ver com resultados cientificos. Finalmente, ¢ esta seré uma questio abordada nesta obra: “Pode a ciéncia dizer algo a respeito do que ‘deveria’ s termos, pode a ciéncia servir de fundamento a ética? Pode ela determi- nar o que ¢ 0 bem ou o mal? (Concretamente, um médico poderia dizer, por exemplo, que comportamentos sfo bons ou maus em de ética sexual? Ou em matéria de aborto? Pode um gedgra- f dizer algo sobre 0 que ¢ justo em matéria de urbanismo? etc.). A CONSTRUCAO DAS CIENCIAS 35 Antes de poder abordar essas questdes, precisamos fazer um pouco de “filosofia da ciéneia”, isto 4, interrogarmo-nos sobre o al- cance do saber cientifico. Em outras palavras, é preciso ter em men- te questdes como: “O que é a verdade cientifica?”, ou “O que quer dizer fazer ciéncia?”, ou ainda “Em que sentido se pode dizer que a ciéncia é objetiva?”. Este seri o objeto dos capitulos que seguem. Resumo 1 Definigéo de filosofia: Instrumentos: 0 cédigo “restrito” (pratico) e 0 cédigo “elaborado” Interesse: « ultrapassar uma viso unidimensional da vi « saber refletir de maneira rigorosa sobre os dom{nios nao-técnicos. Limites: um tinico enfoque nao significa um enfoque neutro e objetivo Justificagao: + uma escolha politica e ética da universidade + um instrumento para abordar as responsal lades sociais. A imagem do apartamento, do pordo e do sétao. 2 Interesses setorializados e interesse pelo “sentido” global. Escolha entre busca de um sentido ou o non-sens dos interesses setorializados. 3 Filosofia da ciéncia; epistemologia; ética. 4 Exemplos de questdes em que ciéncia e ética sao solicitadas: « decisfio de uma operago cinirgica, de um aborto; « desenvolvimento; « protegao do meio-ambiente; «= Teagdes em relagdo ao homossexualismo; © papel dos especialistas cientificos nesses dominios. Digitalizado com CamScanner

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