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O futuro da
democracia. Uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro, 2017. P. 35-69.
(35-36) Bobbio defende que todo grupo social precisa de um conjunto de regras e um
conjunto de representantes, por mais ativos e participativos que eles possam ser. A
diferença entre ditadura e o seu inverso, a autocracia, seria, assim, a extensão da
participação no governo, bem como a influência na produção do ordenamento jurídico
que regula a sociedade.
(36) Argumenta que democracia é um governo essencialmente comparativo, porque se
baseia na comparação com outros governos com relativamente menor participação
política. O processo de democratização, assim, seria o processo de expansão do voto.
Nesse ponto, Bobbio identifica participação política à “forma-voto”, o que não abre
possibilidades para outras formas de construção de decisões coletivas, como o consenso
progressivo; além, é claro, de formas de participação direta, sem necessária eleição de
representantes – ainda que esta última não suprima a forma-voto.
(41-42) Democracia nasceu de uma concepção individualista de sociedade e de Estado,
a qual contou, para existir, com a influência de três grandes matrizes de pensamento: o
contratualismo do Seiscentos e do Setecentos, que postulava a existência de indivíduos
livres que escolhem se associar a fim de preservar seus direitos – inclusive a
propriedade; a economia política, sobretudo de Adam Smith, para quem as pessoas são
indivíduos maximizadores de benefícios agindo livremente no mercado; e, finalmente, o
utilitarismo de Bentham e Stuart Mill, responsável por tornar a perspectiva individual o
critério de valor.
(42-43) Diferença entre democracia ideal e democracia real. Há alguns problemas que
se sobrepõem à efetivação do ideal democrático. Bobbio destaca seis. Nesse trecho, fala
da existência de instâncias intermediárias de poder, que contrariariam à ideia original da
democracia, que versa sobre a relação direta entre indivíduos e representantes, que
efetivam funcionalizam a soberania.
(44-47) Bobbio discute o problema da representação política e de interesses. Segundo
ele, a democracia real atua com base na representação de interesses, o que está longe da
ideia de republicanismo sustentada pelos idealizadores da democracia. Chega a
suspeitar da impossibilidade da representação política (republicana), uma vez que cada
grupo social – do qual o representante deriva por meio do voto – tende a identificar seus
interesses aos interesses nacionais. Assim, enxerga no modelo realmente existente algo
similar ao “neocorporativismo” identificado por alguns, que entendem que a função do
Estado é mediar os interesses e os conflitos dos diversos grupos sociais que incrustam
seus representantes nos cargos eletivos.
(47-49) Bobbio discute a existência de elites na democracia, insistindo que é um efeito
colateral para a existência do regime representativo, por sua vez a única forma de
democracia existente e possível, dado que uma democracia direta por viés tecnológico
veria a negação da participação de uns e, por consequência de participação de outros (os
ativos politicamente), o que é apenas outra forma de selecionar pequenos grupos
dirigentes. Ainda nesse fragmento, Bobbio argumenta que coube à Schumpeter à
formulação da ideia de democracia procedimental, que envolve, basicamente, a
existência de grupos de elite representativos do todo em concorrência entre si.
Fichamento
“O único modo de se chegar a um acordo quando se fala de democracia, entendida
como contraposta a todas as formas de governo autocrático, é o de considera-la
caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem
quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos”
(BOBBIO, 2017 [1984], p. 35)
“Mesmo para uma definição mínima de democracia, como é a que aceito, não bastam
nem a atribuição a um elevado número de cidadãos do direito d participar direta ou
indiretamente da tomada de decisões coletivas, nem a existência de regras de
procedimento como a da maioria (...). É indispensável uma terceira condição: é preciso
que aqueles que são chamados a decidir ou a eleger os que deverão decidir sejam
colocados diante de alternativas reais e postos em condição de poder escolher entre uma
ou outra. Para que se realize esta condição, é necessário que aos chamados a decidir
sejam garantidos os assim denominados direitos de liberdade, de opinião, de expressão
das próprias opiniões, de reunião, de associação etc – os direitos à base dos quais nasceu
o Estado liberal e foi construída a doutrina do Estado de direito em sentido forte”
(BOBBIO, 2017 [1984], p. 37-8)
‘O Estado liberal é o pressuposto não só histórico mas jurídico do Estado democrático.
Estado liberal e Estado democrático são interdependentes em dois modos: na direção
que vai do liberalismo à democracia, no sentido de que são necessárias certas liberdades
para o exercício correto do poder democrático, e na direção oposta que vai da
democracia ao liberalismo, no sentido de que é necessário o poder democrático para
garantir a existência e a persistência das liberdades fundamentais” (BOBBIO, 2017
[1984], p. 38).
“Desde que parti de uma definição procedimental de democracia, não se pode esquecer
que um dos impulsionadores esta interpretação, Joseph Schumpeter, acertou em cheio
quando sustentou que a característica de um governo democrático não é a ausência de
elites, mas a presença de muitas elites em concorrência entre si para a conquista do voto
popular” (BOBBIO, 2017 [1984], p. 48-9)