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Coleção

O FIM DO MUNDO
1

O Despertar
da Escuridão

Jonathan R. Cash

Editora Danprewan

2010

A profecia se cumpre.
Os piores dias para a humanidade chegaram

Digitalizado por Lucia Garcia


Reformatado por sssuca
Dedicatória
Dedico este livro à minha querida esposa, Tina. Agradeço pelo
apoio necessário para vencer a maior barreira que já tive de transpor:
escrever um livro desta profundidade e magnitude. Quero incentivar a
todos que já tiveram o sonho de ter o seu lugar ao sol para que metam
mãos à obra! Envolvam-se com pessoas que digam "sim" em vez de
envolverem-se com aquelas que dizem "não"! Também quero agradecer a
Deus por nos deixar Sua Palavra, a Bíblia. Sem ela, eu seria como um
navio sem leme ou um carro sem estrada.

Agradecimentos
Muitos agradecimentos especiais ao nosso fiel Senhor. A nossos
pais, Bob e Terry Cash, Gloria Tuccille e Bob Tuccille, recém-falecido; à
vovó Geneva Price; à tia Lillie BeBe Woodhouse; à família da igreja e à
equipe da Atlantic Shores e a todos os amigos e familiares que nos
ajudaram neste empreendimento difícil, porém emocionante.
Agradecimentos especiais a Gini Ward por sua assistência
editorial, a seu marido, Craig, por sua paciência e oração, e a Suzie Hardy
e Bridget Shaffer que nos ajudaram imensamente.
Agradecimentos a Craig Minton pela foto de Jon.
O livro do Apocalipse sempre foi motivo de curiosidade e temor
para as pessoas, porém de fé e esperança para os cristãos — que nele
encontram a declaração da vitória final de Cristo sobre o mal.
Se, por um lado, temos certeza de que o registro do Apocalipse é
fidedigno, há uma pergunta: como, porém, aqueles fatos pré-anunciados
ocorrerão? É impossível responder a isso com certeza, mas pode-se
imaginar. Porém, nada do que se imagina certamente chegará próximo
da realidade... quando chegar o momento.
Neste primeiro volume, temos um planeta muito diferente
daquele que hoje conhecemos. As nações estão divididas entre várias
etnias, religiões e vertentes políticas, tudo beira o caos por conta das
diferenças absurdas que nasceram entre os povos. No entanto, tal
situação — caótica para os homens de bem — é completamente propícia
aos inimigos de Deus, que dela se aproveitam para se fortalecer e iniciar
os primeiros movimentos que darão início à maior batalha de que se tem
notícia, revelada no Apocalipse desde o começo dos tempos: o
Armagedom.

A coleção é composta por 5 volumes: O Despertar da Escuridão, A


Profecia Verdadeira, O Mergulho no Abismo, As Armas do Anticristo, O
Juízo Final.

Sumário

1. O Mistério dos Séculos .......................................................................... 5

2. Guerra espiritual ................................................................................. 28

3. Alguns homens são bons ..................................................................... 42


CAPÍTULO UM
O Mistério dos Séculos
Os picos cobertos de gelo das montanhas atingiam o céu da
pequena cidade suíça. Enquanto o sol rompia no horizonte, a neve
irradiava sua luz como que de cristal — ofuscante, porém bela. As luzes
das ruas apagadas indicavam o fim da noite, enquanto a alvorada
começava a despontar em fulgor. As crianças se colocavam a caminho da
escola, os carros tumultuavam as ruas e o sino da cidade batia no ritmo,
pacientemente, como que anunciando o início de mais um daqueles dias
de sempre.
Lá em cima da cidade, em uma estrada estreita e sinuosa, uma
limusine branca cintilante descia cuidadosamente pelo terreno cheio de
curvas. Quando entrou na cidade, as crianças que seguiam para a escola
pararam de repente e ficaram ali aterrorizadas, como se um monstro
agourento se aproximasse delas. Quando o carro passou, elas viram uma
palavra em letras grandes na placa: "PAZ".
No interior da limusine, os olhos penetrantes do único passageiro
viam o sol nascente do lado de fora. Em seguida, voltaram-se para o
espelho, enquanto o homem lentamente arrumava a gravata.
— Televisão, Canal 6 — ordenou ele.
Em resposta à sua voz, a imagem digital exibiu uma repórter
recontando sombriamente as velhas notícias da semana, porém, ainda
horripilantes.
"Ninguém parece ter alguma resposta concreta. Com várias
explosões nucleares atrás de nós, a maioria dos especialistas acredita que
existam mais pelo caminho. Alguns afirmaram", gaguejou ela, "que seria
necessário um milagre para nos tirar deste apuro".
Um sorriso malicioso de satisfação lentamente formou-se em seu
rosto.
— Desligar televisão — ordenou.
Ele sabia que as pessoas do mundo ansiavam por um planeta sem
guerras. As recentes operações nucleares, limitadas entre algumas das
nações asiáticas, haviam enviado imagens horríveis para as telas de
televisão do mundo. Essas cenas de devastação atenuaram a dor da alma
das pessoas. Ninguém se sentia mais seguro no frágil planeta. A tortura
psicológica de pavor e de pânico infectou o mundo inteiro.
A limusine seguiu em direção ao abrigo de um hotel colossal de
estilo vitoriano, que se elevava sobre a cidade. Um par imponente de
leões hostilmente ficava de cada lado da entrada.
Quatro carregadores andaram às pressas e atentos em direção ao
veículo. Um abriu a porta, e o homem rapidamente saiu. Immanuel
Bernstate era alto e chamava a atenção por sua beleza. Seus cabelos eram
negros e estavam impecavelmente arrumados. Sobrancelhas grossas
moldavam seus olhos azul-claros. Usava um terno preto feito sob
medida, um lenço branco e uma gravata de seda vermelho-viva.
Immanuel atravessou a passos largos as portas de mogno e
recebeu os cumprimentos apreensivos de Theodore Gentile, um homem
obeso com pouco cabelo e traços comuns. Theodore, que crescera nas
colinas de videiras da França, tinha muitos bens e geralmente não
hesitava em deixar que qualquer pessoa percebesse isso. Era dono de
apartamentos de cobertura em Paris, Londres, Nova Iorque e Roma.
— Prazer em vê-lo novamente, Immanuel — exclamou Theodore,
obviamente mentindo.
— Obrigado, Theodore — respondeu Immanuel calmamente. A
ansiedade no rosto de Gentile era visível. Immanuel olhou diretamente
em seus olhos e transmitiu a mensagem de que ele estava no comando.
Seria necessário controlar Gentile se quisesse que seu plano tivesse êxito
e, até agora, sua estratégia estava funcionando.
Theodore Gentile era um poderoso banqueiro internacional; no
entanto, transformava-se em um banana quando estava com Immanuel,
com quem seu único encontro havia sido em uma reunião das Nações
Unidas, que felizmente tratou de esquecer.
— O grupo está pronto — murmurou Theodore, sentindo o
colarinho apertado no pescoço largo.
— Excelente.
Theodore logo encerrou o confronto e graciosamente acenou para
Immanuel para que o acompanhasse até a sala de reuniões. Eles atra-
vessaram o saguão e seguiram por um corredor cheio de elevadores. O
silêncio embaraçoso persistiu até que entraram em um elevador vazio e
as portas se fecharam. Immanuel olhou fixo para Theodore.
— Se você não está do nosso lado, está do outro — ameaçou
Immanuel. — Pessoas são descartáveis. Bancos são descartáveis. Nações
são descartáveis.
— Por favor, não me interprete mal. Sua vontade é minha
vontade, Immanuel — murmurou Theodore. — Confio em você e acredito
que o plano pode funcionar. Só não entendo como. Seria preciso um
milagre! — suspirou Theodore.
Immanuel sorriu.
As portas do elevador se abriram no sexto andar e Immanuel fez
um sinal para Theodore sair primeiro. Tímido, ele caminhou até o apar-
tamento 696. Lá dentro, andaram até chegar a um grande armário no
quarto principal.
Em cima do armário, e invisível aos olhos humanos, estava o anjo
caído conhecido como Blasfêmia. General com cinco insígnias no exército
de espíritos hostis de Satanás, ele era o comandante superior que
liderava muitos milhões de demônios. A missão desses demônios na terra
era promover o plano de seu chefe, de dominar o mundo e espalhar o mal
por todo o universo. Blasfêmia respondia a ninguém mais senão ao
próprio Satanás, contudo, nem sempre concordava com as decisões de
Lúcifer. Na verdade, sonhava em destruir Satanás e apossar-se de seus
poderes.
— Chegou a hora. Execute o plano, Immanuel — ordenou
Blasfêmia.
A ordem telepática de Blasfêmia cessou, e um sorriso largo e
presunçoso surgiu no rosto de Immanuel enquanto sonhava com um
mundo sob o controle de um super-homem — ele mesmo!
De repente, a parede do armário se abriu, exibindo um grande
computador. Theodore colocou a mão esquerda no scanner no meio da
unidade.
— Agente 00169.
Uma luz verde piscou. Impaciente, Immanuel esperou por sua vez.
— Agente 00666.
Novamente, a luz verde piscou, e eles ouviram um pequeno clique
enquanto uma grande porta se abria, exibindo uma caverna. Ali, o agente
Babel impedia a entrada para um túnel antigo feito de carvão de pedra.
Era visivelmente limpo, porém sombria, mente iluminado com inúmeras
velas. Immanuel e Theodore seguiram Babel pelo túnel frio e escuro. Eles
caminharam em silêncio cerca de 45 metros até Babel quebrar o gelo.
— Quando chegarmos ao fim do túnel, entrarei primeiro na sala
que guarda o cristal. Vocês ficam do lado de fora até que eu tenha
terminado. O agente 00169 em seguida entrará sozinho e completará os
requisitos para a admissão na sala. O agente 00666 seguirá. Alguma
pergunta?
Theodore balançou a cabeça negativamente, mas Immanuel estava
visivelmente incomodado com as medidas de segurança.
— Vamos acabar logo com isso! — ordenou Immanuel.
O agente Babel entrou primeiro e voltou alguns instantes depois.
Theodore seguiu, tentando concluir as palavras em sua cabeça. Em
alguns minutos, ele receberia o endereço mais importante de sua carreira
no banco.
A sala tinha o formato de um triângulo. Luzes violetas em
miniatura estavam embutidas no teto. Theodore foi em direção a um
enorme cristal, que ocupava o centro da sala. Um campo eletromagnético
de energia pareceu impedir seu corpo de prosseguir assim que ele
colocou a mão no eletrodo. Era como se um alienígena o estivesse
possuindo, checando suas credenciais até seus fios de DNA. Sem que
Theodoro percebesse, Blasfêmia estava usando o dispositivo de
segurança para realinhar e reprogramar a mente dele. Theodore se
esforçou para lembrar seu código de segurança pessoal, necessário para
admissão na câmara. A luz e a energia que vinham da pedra
intensificaram a força espiritual que detinham e envolveram o espírito
dele. Seu cérebro foi alimentado com sinais inaudíveis que diziam:
"Obedeça a seu mestre. Obedeça a seu mestre. Obedeça a seu mestre
Immanuel".
Empoleirado bem acima de Theodore, estava Blasfêmia, rindo de
maneira descontrolada.
Metodicamente, Theodore balançou a cabeça concordando com o
que ouvira enquanto digitava lentamente seu código de segurança. Vagou
pela sala e depois começou a rastejar seu corpo hipnotizado em direção à
porta. Seus olhos estavam vítreos e sua conduta era de submissão.
— Gostando da viagem? — perguntou Immanuel. Theodore abriu
a boca, mas só conseguiu sussurrar algo obsceno. Agora ele já não podia
prejudicar o plano de Immanuel.
— Por favor, próximo passo, Sr. Bernstate — disse o agente Babel.
Seguro, Immanuel entrou na sala e aproximou-se do cristal.
No instante em que tocou a pedra, as luzes ficaram mais fortes, e a
sala se encheu de uma energia que emitia algum tipo de força sobre-
natural. Ele parecia se alimentar do poder do cristal, reunindo força,
confiança e sabedoria.
— Você atingirá seus objetivos e realizará seus piores sonhos, mas
deve ter paciência. Esses poucos privilegiados foram condicionados a
aceitar nossa proposta, mas devem ser convencidos. Não se desespere.
Seu mestre logo se unirá a você. Ele irá ajudá-lo a executar as aspirações
da Ordem por meio da revelação do mistério dos séculos — proferiu
Blasfêmia.
A luz do transmissor do cristal foi desaparecendo. As ordens de
Blasfêmia foram claras. A corrida final estava começando, e o relógio
marcava o tempo. Centenas dos maiores líderes de todos os tempos
haviam recusado este prêmio e ido para o túmulo.
De repente, uma voz o arrebatou de sua indescritível alegria.
— Sr. Bernstate, está tudo em ordem? O grupo está ansioso à sua
espera — interrompeu o agente Babel.
— Está tudo em ordem. Podemos continuar — ordenou Immanuel.
— Ativação sequencial, Armagedon — ordenou Babel.
A parede de pedra dividiu-se em duas partes, exibindo um
elevador. Os homens entraram nele sem dizer uma só palavra. Babel
abriu um painel e passou um cartão de segurança. O elevador começou a
descer a uma velocidade incrível. Theodore ficou pálido quando seu
estômago veio parar na boca. Immanuel estava em um de seus transes
autoinduzidos.
As portas abriram-se dando vistas para uma grandiosa câmara
medieval. Camadas de blindagem vindas do reino bizantino guardavam a
sala. Obras de arte dos primeiros anos da Igreja Católica acrescentavam
um ar de religiosidade à atmosfera excêntrica. No centro deste cenário
opulento estava uma mesa de reunião e 12 cadeiras de ouro e platina.
Immanuel e Theodore receberam os cumprimentos cordiais de
Lorde Birmingham, o hierarca do comitê europeu de banqueiros e
mentor da "Ordem". Um homem alto e de aparência distinta, seu sorriso
era astuto, porém contagiante. Lorde Birmingham era membro de uma
das famílias reais mais ricas da Europa. Tinha o poder de destruir
bancos, moedas correntes do país e até países pequenos.
— Como está, Theodore? — perguntou Lorde Birmingham, sem
dar atenção à resposta. — Você está pronto?
O rosto rosado de Theodore trazia um olhar vazio e fixo.
Ele respondeu usando o restante das células cerebrais que não
haviam sido transformadas pelo cristal.
— Tenho de falar hoje? — murmurou Theodore, mostrando uma
sinceridade incomum na voz.
Todos os treze homens que participavam da reunião riram alto —
motivo que os levou a arrancar o charuto cubano da boca para não
engasgar.
Lorde Birmingham voltou sua atenção para Immanuel.
— Sr. Bernstate, ouvi muitas coisas boas sobre o senhor e seu
trabalho. Algumas de suas opiniões particulares sobre negócios bancários
e política no século 21 merecem nossa atenção.
Immanuel sorriu, gracioso.
— Fiquei admirado com seu trabalho e suas realizações, e fico
agradecido pela oportunidade de ajudar a Ordem a alcançar seus
objetivos — respondeu Immanuel.
Lorde Birmingham sondou Immanuel e disse:
— Tenho certeza de que o senhor compreende que, como novo
componente da Ordem, seu papel será um pouco limitado até que suas
credenciais sejam totalmente investigadas. — O tom de Lorde
Birmingham mudou para o de um professor ensinando um aluno. — Es-
tou curioso para saber sobre sua nacionalidade, sua família e sua
infância. Nossos operadores têm registrado seu nível de inteligência
desde os últimos dez anos. Parece que você apareceu do nada na terra aos
trinta anos de idade. Uma pequena nave espacial despejou você,
enquanto seguia caminho para o sol, para que você pudesse salvar nosso
planeta doente?
As conversas dispersas na câmara, de repente, cessaram.
— Pensei que uma solução seria um bom remédio, sem levar em
conta a sua procedência — ofereceu Immanuel. — Perdoe-me. O senhor
quer algumas respostas para esta estranha perda de documentos. Muito
bem. Nasci na Suíça e cresci em uma pequena vila perto de Genebra.
Morei lá até completar 22 anos. Foi nesta época que a cidade foi
destruída, além de todos os seus registros. Minha família mudou-se para
Israel. Éramos agricultores e não tínhamos um visto nem qualquer tipo
de registro que definisse nossa identidade. Então, mudei-me para a
Alemanha...
Lorde Birmingham interrompeu Immanuel com um simples gesto
da mão.
— Conheço sua história enquanto estava na Alemanha e suas
brilhantes realizações nos negócios bancários e na política.
Immanuel o interrompeu com um sorriso.
— Sem dúvida. O que o senhor realmente quer saber é se sou
judeu, certo?
Lorde Birmingham olhou-o bem nos olhos e balançou a cabeça.
— Bem, vamos ver. Meu pai era alemão e minha mãe, árabe —
disse Immanuel.
— Bernstate, responda a pergunta e não me venha com seus
joguinhos.
Immanuel olhou de relance pelo santuário à procura de aliados,
mas só encontrou olhares frios. Voltou os olhos direto para os olhos de
Birmingham.
— A verdade é que não tenho certeza.
Lorde Birmingham agarrou Immanuel:
— Não basta, Bernstate. Você não está se associando a um country
club! Nós e nossos pais trabalhamos por quase um milênio para que
chegássemos à nossa forma de justiça social e paz mundial. Não
permitiremos que uma montanha, um vale, um grão de areia... — Lorde
Birmingham hesitou um pouco ou um judeu destrua nossos planos.
Immanuel permaneceu calmo, enquanto Birmingham continuava
seu discurso.
— Você se orgulha de ter a resposta para nossas dificuldades de
controle regional. Sem dúvida, grande parte dessas dificuldades está
relacionada à religião islâmica. Por isso, você deve saber que um judeu
jamais teria o respeito do mundo árabe. As mãos de Birmingham co-
meçaram a suar à medida que o tom de sua voz ficava mais enfático. — O
dinheiro e o poder vindos daqueles campos petrolíferos vão parar em
nossas mãos a qualquer preço.
Immanuel acalmou Lorde Birmingham e o grupo.
— Meu plano — ele tossiu —, nosso plano dará certo. Deixe-me
falar com a Ordem no final da reunião, e eu esclarecerei a vocês, caros
senhores, sobre todas as fases de nossa estratégia para manter viva a
nova ordem mundial nas páginas da história.
Immanuel teve a atenção deles, e sabia que o poder do inferno
estava do seu lado.

Bem distante, no topo de uma montanha no deserto,


contemplando o Mar Morto, General Blasfêmia pensava com seus botões.
O Mar Morto era o local perfeito para a reunião dos demônios. Eles
estavam próximos de casa, perto do inferno do planeta. Na disputa da
melhor visão de Lúcifer, milhares de anjos caídos esperavam impacientes
as ordens para a próxima missão contra os filhos do Deus Jeová. Seu
coração insensível ansiava partir em disparada e propalar pela terra o
engano religioso, o ódio, o fanatismo e a violência. As vitórias contra seu
inimigo, o Deus Jeová, foram limitadas e curtas. Ao longo dos séculos, a
espada do arcanjo Miguel havia retalhado a obra da vida desses
demônios.
O bando de criaturas zombou com total prazer quando centenas
de demônios repulsivos anunciaram a chegada de Lúcifer. Seus servos
cuidadosamente estenderam um tapete negro sobre a areia que levava ao
seu trono, alisando cada dobra para não instigar um dos odiosos acessos
de raiva de Lúcifer, que era conhecido como o Senhor e Príncipe do
Mundo, bem como o Chefe Superior do Exército do Mal. Antes, fora a
criatura mais bela do Deus Jeová. No entanto, sua sabedoria pervertida e
seu orgulho desmedido o convenceram a dar início a uma revolução
contra Deus. Ele viu Jeová como um Deus fingido que pensava mais na
fé, na esperança e no amor do que nas necessidades essenciais da vida:
poder e realização pessoal.
O rei, assim nomeado por si mesmo, e suas tropas precipitaram-se
contra a multidão e pararam diante dela. Seus servos curvaram-se em
sinal de constrangida submissão enquanto os demônios zombavam e
assobiavam. Ele se virou para a multidão e ergueu as mãos, levantando
um clamor rouco.

A quilômetros de distância, no cume de uma montanha do outro


lado do Mar Morto, o arcanjo Miguel sondava cada movimento que os
rebeldes faziam. Ele e seu grupo de guerreiros angelicais haviam acabado
de receber uma ordem vinda do trono de Deus para não travar batalha
contra o inimigo.
Miguel era o anjo mais poderoso de Deus. Suas enormes asas
douradas chegavam ao chão. Com os cabelos reluzentes e da cor do
marfim, olhos azuis e músculos fortes, ele parecia sobrenatural. Suas
vestes de seda cobriam o seu corpo de três metros de altura, e uma
espada frequentemente embainhada ficava ao lado de seu corpo.
Miguel tinha milhões de tropas sob seu comando. Ele era uma
criatura majestosa, abençoada com todo o atributo de bondade e verda-
de. Cumpria todas as ordens com a rapidez de um raio e uma precisão
admirável; por isso, sua presença provocava calafrios em seus inimigos.
Servia a Deus sem interesses, nunca se colocando no caminho da missão
de seu Capitão. Virou-se e encarou seu exército santo.
— Amigos e guerreiros, nosso fiel Deus me informou que Seu
plano para a história da humanidade está chegando ao seu clímax final.
Nosso Deus Todo-poderoso e Criador do universo conhece nossas
inquietações em relação à ordem de cessar-fogo. Sua Santa Palavra pro-
meteu um fim para todas as formas de sofrimento, violência e idolatria.
Para realizar esse milagre, Ele pede que sejamos pacientes. As orações
dos santos serão respondidas no tempo do nosso Deus. Tenham zelo pela
fé e estejam preparados para a batalha ao chamado do nosso amado
Deus.
Miguel hesitou, fitando os olhos com ternura nos seguidores
devotos de Jeová. Um vento soprou com ímpeto no topo da montanha e o
suspendeu em direção ao céu que cobria o deserto.
— Deixem que o inimigo tenha seu momento de glória. Temos o
único Deus verdadeiro ao nosso lado! Paciência, jovens soldados, e a
recompensa da obediência será de vocês.
Sons de júbilo ecoaram pelos ares do deserto. O grupo todo voava
em círculos ao redor de Miguel como um sinal de apoio geral. Miguel
juntou-se à comemoração dos anjos enquanto vagavam pelo ar, cantando
louvores ao Criador, o Deus Jeová.

Enquanto isso, Lúcifer estava sentado em seu imponente trono


diante de seus servos. De lá, ele podia ver seu inimigo, do outro lado da
montanha, participando daquela alegre festa. O espetáculo o deixou
impaciente. Voltou-se novamente para o grupo de demônios e ordenou
que Blasfêmia se aproximasse dele. — General Blasfêmia, aproxime-se do
trono do todo-poderoso — ordenou o egoísta Satanás.
Blasfêmia arrastou-se de quatro, mantendo a cabeça baixa e
olhando para o chão. Fez pouco caso da submissão que devia mostrar; no
entanto, ele já tinha experimentado a fúria de Lúcifer. Com intenção de
evitar um embaraço e uma possível confrontação que seria fatal, ele
parou a alguns metros de Lúcifer e curvou-se em sinal de uma submissão
nada espontânea.
— Que notícias você me traz? — perguntou Lúcifer, enquanto se
orgulhava de sua própria presunção.
— Conversei com nossa agência de inteligência, senhor —
respondeu Blasfêmia, enfrentando o olhar assombroso de Lúcifer.
Lúcifer soltou um assobio, babando para todos os lados.
— Quem lhe deu permissão para ficar observando minha alma?
De uma vez por todas, coloque-se em seu lugar, ou terá de enfrentar as
consequências de sua estupidez!
Blasfêmia baixou os olhos no mesmo instante.
— Mil desculpas, mestre, mas...
— Cale a boca, servo inútil, ou vou acusá-lo de alta traição e lançá-
lo ao abismo!
Houve silêncio absoluto na reunião. Ninguém ousou falar ou
mesmo respirar para não dar margem à ira pungente de Lúcifer. Satanás
examinou cada centímetro de seu exército à procura de qualquer sinal de
rebelião.
— Continue o que estava dizendo — ordenou Lúcifer.
Blasfêmia limpou a garganta.
— Seu humilde servo apresenta os dados mais recentes que obteve
enquanto espionava nosso inimigo. Os relatórios confirmam que eles
foram enfraquecidos por nossas forças, quero dizer, suas forças
superiores. — Blasfêmia fez uma pausa. — O inimigo parece estar dando
para trás. Jeová ordenou um cessar-fogo.
Os demônios soltaram rojões. Gritos agudos de egotismo e triunfo
encheram o ar enquanto eles se ostentavam, cheios de soberba e satis-
fação. A alegria do momento, de repente, foi interrompida quando viram
Lúcifer se levantar para mostrar sua autoridade.
— Basta! — gritou ele.
A espontânea festa cessou com o som de um grito estridente.
— Posso continuar, mestre? — perguntou Blasfêmia.
— Quais são suas fontes? — zombou Lúcifer.
— Na noite do último domingo, as luzes que cercam as paredes da
sala do trono do Deus Jeová estavam acesas, assim, ordenei que nossos
melhores homens espiassem naquele momento. Sem querer, ouvimos a
ordem que Jeová deu a Miguel para parar de resistir às nossas forças.
Ordenou que Miguel retirasse suas tropas de algumas das principais
regiões espalhadas por todo o globo. Infelizmente, os cristãos ainda terão
a proteção da oração; no entanto, alguns generais responsáveis pela
proteção das doutrinas do cristianismo serão retirados definitivamente
do campo de batalha mundial.
Lúcifer saltou de alegria. Detestava os cristãos, mas adorava a
ideia de religiosos indiferentes. Esta era sua oportunidade de ouro para
levar, com astúcia, milhões a se afastarem de Jeová. Era a hora de pagar-
lhe na mesma moeda por tê-lo expulsado do paraíso.
— O senhor me concede a permissão para analisar esses dados e
comentar sobre suas implicações?
— Permissão concedida, mas seja rápido. Não tenho tempo a
perder, caso seja confirmada a exatidão destas informações!
Lúcifer inclinou sua fronte ainda no trono, prevendo uma
oportunidade para repreender Blasfêmia.
— A retirada do inimigo de posições estratégicas me preocupa.
Eles devem estar tramando alguma coisa — disse Blasfêmia. Jeová é
muito esperto. Lembra-se de Jesus Cristo na cruz? Nossa maior vitória
tornou-se nossa maior e mais humilhante derrota. Jeová guerreou contra
nossas forças por mais de sete mil anos e nunca deixou tantos postos
expressivos sem guarda. Talvez Ele esteja nos atraindo para uma cilada.
As passagens bíblicas profetizam...
Lúcifer saltou de seu trono e colocou suas garras no pescoço de
Blasfêmia.
— Nunca mais mencione a Bíblia para mim! Aquela porcaria é o
livro de autopromoção do inimigo e não tem feito outra coisa senão des-
truir as obras de minha vida mais do que qualquer arcanjo, igreja ou
santo todos juntos!
Blasfêmia suplicava misericórdia, enquanto Lúcifer apertava seu
pescoço.
— Não existe misericórdia no meu dicionário! — Lúcifer estava a
uma pequena distância do rosto de Blasfêmia. — Então, quer dizer que
você andou lendo esse lixo de novo, meu querido Blasfêmia?
A reunião foi tomada de medo. Muitos dos demônios haviam
secretamente examinado as Escrituras de Jeová após Lúcifer ter deixado
ordens expressas para que fosse banida qualquer leitura ou até
pensamento sobre a Bíblia.
Blasfêmia respirava com dificuldade; seu rosto estava vermelho e
seus olhos, arregalados.
— Mestre, meditei nas tolices de Jeová antes de o senhor dar a
ordem há quase dois mil anos. Pensei que fosse sábio...
Lúcifer encerrou a conversa assim que resmungou com Blasfêmia.
— Vou lhe mostrar o que é sábio! Vou lhe dizer o que pensar!
Você não é nada sem minha orientação. Você me acompanhou durante a
grande guerra civil dos céus há muito tempo e saiu da presença de Jeová.
Você preferiu me seguir a ficar sob as ordens daquele ditador e fez de
mim seu senhor e salvador! Se não fosse eu, você ainda estaria se
curvando diante de Jeová! Obedeça ou morra como um covarde!
Lúcifer desfez suas garras letais.
— Mestre, será um prazer obedecer a todos os comandos que
procedam de seus lábios. Minhas motivações sempre estiveram de
acordo com a expansão do seu reino. — Blasfêmia ofegou. — Pensei que
fosse inteligente ler o livro do inimigo para que pudéssemos explorar
Seus pontos fracos. Um Jeová mais fraco é um Lúcifer mais forte. Salve
Lúcifer!
As tropas se juntaram em louvor.
— Salve Lúcifer! Salve Lúcifer!
Lúcifer soltou seu repressor, e Blasfêmia logo desapareceu no
meio de seus colegas assim que se sentou na areia quente. Lúcifer voltou
para o trono.
— A guerra dos séculos logo findará com nossa rápida vitória
sobre as forças de Jeová de ódio, intolerância e arrogância. Nossa
rebelião pelo controle dos céus é a batalha que deve ser vencida! Os
hipócritas da justiça adoram fazer o mundo acre, ditar que somos a força
do mal destinada ao inferno. Ouçam-me, meus filhos. Verdade é um
termo sonhado por nosso inimigo mortal para aqueles que não
concordam com Suas ideias abstratas. O Deus Jeová é um mentiroso!
Os demônios soltaram vivas de alegria.
Lúcifer levantou-se de seu majestoso trono e fitou, com audácia,
os olhos no sol que ardia no céu.
— Este refúgio é um sinal de Jeová de que Suas opiniões não
podem passar a prova do tempo. O reino de Jeová sucumbirá com um
estrondo ensurdecedor, e meu reino prevalecerá para sempre!
O barulho que vinha do arraial começou a aumentar até se
transformar em um rugido de arrebentar os ouvidos.
— Ele sabe que o tempo está contado. Sua base de força está se
desfazendo à Sua volta. Ele não terá onde se esconder. Quando O en-
contrarmos, não teremos misericórdia!
Satanás fez um movimento para que seu principal general se
apresentasse diante de todos. Blasfêmia passou por seus companheiros e
sentou-se ao lado oposto de seu chefe.
— Em que posso ser útil, senhor? — gracejou Blasfêmia.
— Assuma o controle de todos os bancos do mundo. Comece a
aplicar a pressão política e monetária em todos os governos para facilitar
uma nova ordem mundial, dispondo-se de qualquer método possível. Irei
fornecer-lhe um arsenal de armas espirituais. O poder está em suas
mãos, Blasfêmia. Vá e vença em nome de Lúcifer! Chegou a hora de
começar a contagem final para o Armagedon.
Blasfêmia prestou continência ao seu chefe e convocou muitos de
seus oficiais de alto escalão para que se apresentassem a fim de
acompanhá-lo nesta importante missão.
— Companheiros, preciso de sua total atenção por um momento
— insistiu Blasfêmia. — Manterei contato direto com Immanuel
Bernstate, nosso porta-voz na terra. Nenhuma transação subliminar
deverá ser feita com ele. Quem violar esta ordem será acusado de traição
e julgado em seguida.
Blasfêmia fitou os olhos nos demônios, perscrutando algum
vestígio de insubordinação.
— Uma conferência está em andamento na Suíça com alguns dos
homens mais influentes do mundo. Vocês devem convencer esses otários
a endossar inequivocamente nosso plano para a harmonia e a paz
mundial. Preparem-se para uma emocionante tarde de sedução
sobrenatural!
Blasfêmia e seu bando saíram às pressas em direção ao norte e
desapareceram nas nuvens.
Enquanto isso, distante, o arcanjo Miguel chorava.

Lorde Birmingham convocou a reunião internacional de


banqueiros. Todos esses homens eram membros ativos da Ordem. Eram
conspiradores que indiretamente controlavam o mundo por meio de suas
cuidadosas contribuições políticas. Tinham relações para alteração de
taxas de juros, estoque de moeda e tudo que fazia uma nação funcionar
em termos financeiros. Na mente pervertida desses homens, o mundo era
um tabuleiro de xadrez cujas peças eram movidas por eles.
— Meu pai me ensinou que a melhor maneira de matar uma cobra
é dar-lhe um golpe fatal na parte de trás da cabeça — começou Lorde
Birmingham. — Senhores, a Federação Asiática é esta serpente. Nosso
primeiro problema é descobrir uma maneira de ferir fatalmente este
monstro. Segundo, o sistema bancário corre o terrível risco de ter um
colapso, principalmente nos Estados Unidos. Quando isso acontece,
como maximizamos nossos lucros sem destruir o sistema que
alimentamos? Por último, como vamos unificar todos os governos neste
momento em que o mundo parece estar se desestabilizando à nossa
volta?
Continuou:
— Precisamos ter o controle de todos os bancos, ter todos os
líderes mundiais comendo na nossa mão e todos os cidadãos do mundo
ao nosso lado. Nenhum ser humano na face da terra já realizou tamanha
proeza. O que realmente precisamos agora é de um deus!
O coração de Immanuel começou a bater forte, enquanto ele
imaginava o mundo aos seus pés. Queria ter certeza de que Birmingham
seria o primeiro a cair de joelhos e adorá-lo. Sabia que precisava de
reforços do inferno para convencer seus companheiros de que ele
dispunha da chave para destrancar o mundo de seus sonhos.
Lorde Birmingham sentou-se e ficou em silêncio por um instante,
esperando que suas palavras tivessem total impacto.
Em seguida, ele falou:
— Theodore, eis aqui sua grande chance. As metas são simples. As
barreiras são intransponíveis. Você vem se gabando às escondidas de seu
plano executável para a nova ordem mundial. Embora tenha receio de
que seu intelecto nunca consiga corresponder ao tamanho de seu ego, eu
o desafio a provar-me o contrário.
Theodore afrouxou a gravata e bebeu um gole de água. Suas mãos
começaram a tremer. Seu comportamento estava falando mais alto que
suas palavras. O sangue corria para a região facial, e sua respiração ficou
descompassada. Algo estava terrivelmente errado.
— O senhor está bem, Sr. Gentile?
Estou, Lorde Birmingham — mentiu Theodore. Desesperado, ele
tentava concentrar-se em suas palavras.
Os homens davam risadinhas descaradamente.
Theodore fechou os botões de sua jaqueta e subiu à plataforma.
Forçou um sorriso enquanto olhava ao redor da mesa. Não conseguia pôr
em foco outra coisa senão os olhos hipnóticos de Immanuel Bernstate.
Parecia que acabara de ver um fantasma.
— Sr. Gentile, o senhor gostaria de um recesso de dez minutos
para colocar a cabeça no lugar? — perguntou Lorde Birmingham.
— Não... não... obrigado, senhor. Assim que expuser os detalhes de
meu plano, eu... eu... ficarei bem.
Immanuel estava ficando impaciente. Ele precisava da ajuda de
Blasfêmia para desviar por completo esta conversa. Blasfêmia estava
atrasado. Immanuel levantou-se sem a permissão de Lorde Birmingham.
— Eu gostaria de dizer algo. Como o senhor mesmo sugeriu,
Lorde Birmingham, façamos um intervalo de dez minutos para formar
nossas idéias. É evidente que Theodore está tenso, e certamente não
desejamos colocar sua saúde em jogo por causa desta reunião.
Lorde Birmingham concordou.
— Theodore, o que acha de um rápido recesso para relaxar e
conversar com alguém?
A arrogância de Theodore foi instigada pelo tom que usara. Não
conseguia entender o que estava acontecendo, no entanto, não deixaria
escapar esta oportunidade. A raiva que o atravessava abriu sua mente.
— Estou me sentindo bem. Nunca minha mente esteve melhor, e
não gostei da insinuação de Immanuel de que estou fora de controle.
Vamos adiante com a reunião.
Immanuel estava desesperado. Este devia ser seu momento de
glória. Sabia que Theodore havia recebido informações importantes de
um dos agentes indiscretos de Blasfêmia. Ele também sabia que
Theodore usaria isso para se sair bem. Immanuel procurou uma forma de
ganhar para si o crédito por essas novas idéias, para que recebesse
autoridade sobre este projeto. Sem saber como acabar com o discurso de
Theodore, Immanuel resolveu permanecer em silêncio e colocar sua fé
em Lúcifer e Blasfêmia.
— Senhores da Ordem — começou Theodore —, gostaria de
aproveitar esta oportunidade para agradecer-lhes pela chance de falar a
este ilustre grupo de líderes mundiais. Meu objetivo hoje é fornecer-lhes
informações que mudarão a vida de cada um. O mundo precisa de nossos
recursos e de nossa ingenuidade para que se transforme em uma nova
era. Já detemos as capacidades de formar bens a partir do ar escasso.
Aprendemos a sutil arte de pagar por favores políticos. Até descobrimos
formas de reprogramar a mente humana por meio da televisão, da
música e da história reescrita. Contudo, negligenciamos uma parte
importante desta equação misteriosa e, sem ela, nunca alcançaremos
nossa única ordem mundial.
Os membros da ordem começaram a sussurrar entre si, o que fez
Theodore parar por um momento. Ao ganhar de novo a confiança,
Theodore continuou.
— Reconheço que acusei todos os presentes e que minhas
observações não são populares, mas eu imploro que me concedam
apenas os cinco minutos que mudarão a vida de vocês para sempre!
Irritado, Lorde Birmingham assumiu o controle da situação.
— O senhor tem cinco minutos por respeito a seu querido pai, já
falecido, e meu amigo íntimo.
Immanuel estava meditando. Concentrava todas as suas energias
mentais e espirituais em Blasfêmia. "Preciso de seu poder. Eu rogo sua
presença e suas armas para difundir nosso domínio sobre a terra", orava
ele.
Theodore perguntou:
— Por que as pessoas crêem em determinadas coisas? Por que as
pessoas de todas as nações querem morrer por seus princípios? Que
doutrina universal tende a dividir as nações em vez de aproximá-las cada
vez mais? Qual a causa da maioria das guerras?
Admirado com a falta de respeito da Ordem, Theodore fez uma
pausa. Ele sabia que a história iria reconhecê-lo como o primeiro cidadão
do mundo a prenunciar um período de paz e prosperidade.
De repente, o chão começou a tremer. Um dos estimados alces de
Lorde Birmingham caiu ao chão. As preces egoístas de Immanuel haviam
sido respondidas. Blasfêmia e um batalhão inteiro de espíritos sinistros
invadiram a câmara. Ele começou a dar ordens aos gritos para seus
soldados e para Immanuel.
— Demônios, quero que todos os 100 soldados da Subdivisão
Delta se apoderem do corpo de Theodore e o destruam! Subdivisão Alfa,
comece a exaltar Immanuel e seu plano sagaz para uma nova ordem
mundial. Encha a mente obstinada daqueles mortais de visões de uma
terra sob seu comando. Faça uma lavagem cerebral neles para que
abracem Immanuel como seu líder destemido. Não deixe que nenhuma
onda cerebral fique intacta à sua influência. Deixe Lúcifer orgulhoso.
Blasfêmia gostava de toda oportunidade de amedrontar suas
vítimas não desconfiadas.
Lorde Birmingham levantou-se rapidamente de sua cadeira,
enquanto gritava para todos se afastarem do animal quebrado.
Enquanto isso, os covardes se amontoaram embaixo da mesa,
pensando na hipótese de um terremoto. Immanuel era o único que estava
gostando do espetáculo caótico.
Birmingham pegou a cabeça do alce do chão e pediu que Lorde
Winchester o acompanhasse até sua sala.
— A reunião será interrompida por quinze minutos. Peça para os
funcionários limparem esta bagunça!
Theodore, junto com o restante dos homens, levantou-se do chão.
Os banqueiros perceberam que Immanuel era o único que permanecera
calmo durante o fiasco.
Lorde Birmingham e Lorde Winchester estavam na sala ao lado,
tentando dar um jeito na cabeça do alce. Winchester era o amigo mais
confiável de Birmingham.
— Eu sei que você tem uma relação sentimental com esse alce,
mas você quase perdeu as estribeiras. O que está acontecendo com você?
— perguntou Lorde Winchester.
— O que vou lhe mostrar tem de ficar entre essas quatro paredes!
Birmingham assentou a cabeça do alce sob os esgalhos. Levantou
a pele da parte de trás do pescoço do animal, deixando um buraco de
fechadura à mostra. Tirou a chave do bolso de sua roupa de lã.
— Você é supersticioso, amigo? — perguntou Lorde Birmingham.
— Eu acho que sorte é para idiotas — disse Lorde Winchester,
dando risadinhas.
— Ah, mas existe uma diferença entre uma simples sorte e um
poder sobrenatural — retrucou Lorde Birmingham.
Ele colocou a chave no buraco e acionou o mecanismo.
Resmungou enquanto abria lentamente um grande painel escondido na
lateral do pescoço do alce. Segurou a respiração enquanto metia a mão
dentro da cabeça do animal à procura do tesouro. Lorde Winchester
estava perplexo. Curioso, queria saber o que havia de tão valioso ali
dentro para fazer um bilionário tremer. Birmingham cuidadosamente
tirou um bloco de pedra. Sua respiração normalizou um pouco mais
quando descobriu que os blocos estavam sãos e salvos. Logo em seguida,
colocou a mão novamente dentro do objeto em busca do outro bloco, que
tirou de lá segundos depois.
— Afinal de contas, o que é isso? — indagou Lorde Winchester.
— Estes são alguns dos catalisadores para nossa nova ordem
mundial.

Blasfêmia entrou em disparada na sala para ver o que eles


estavam fazendo. Seus olhos se arregalaram quando percebeu o que
havia ali. Ele estava à procura daqueles blocos de pedra há centenas de
anos. Lúcifer devia ser informado desta descoberta? Não, ele trataria do
assunto a seu modo sem a interferência de Lúcifer. Agora ele poderia
atrair Israel para uma cilada diabólica, e fazê-lo à sua maneira.
Lorde Winchester ainda estava a divagar.
— Deve estar faltando alguma coisa. Duas pedras sem valor com
gravuras que parecem ciscos de galinhas vão mudar o mundo para
sempre?
— Essas são as tábuas que Moisés recebeu de Deus — disse ele
esperando até que a verdade sensibilizasse Lorde Winchester. — Estes
são os Dez Mandamentos!
Eufórico, Lorde Birmingham agarrou nos ombros de Winchester.
— Estes são os Dez Mandamentos que os judeus perderam há
tanto tempo e vêm procurando desde a recolonização da nação de Israel.
Meus homens os encontraram enquanto faziam escavações sob o templo
em Jerusalém. Os Mandamentos estavam dentro da arca da aliança! O
governo ignorante daquele tempo sabia que se tratava de uma questão
política delicada, assim pediu-me que desaparecesse com elas. Ansioso,
atendi a esse pedido mais que depressa. O Oriente Médio sempre foi um
espinho na minha carne. Com essas pedras antigas e a arca, podemos
fazer Israel andar na linha.
Lorde Winchester estava perplexo.
— Como?
— Deixe que cuido dos detalhes. Por ora, manter esta descoberta
em segredo é imperativo.
Lorde Birmingham cuidadosamente colocou as relíquias de volta
em seu lugar seguro e nada comum.
— Confio em você mais do que em qualquer outra pessoa, Lorde
Winchester, mas toda fé tem limites. Entendeu?
— Certamente. Seu segredo está seguro comigo.
Lorde Birmingham e Lorde Winchester juntaram-se aos outros
conspiradores.
— Senhores, tomem os seus lugares para que possamos retomar o
que ficou pendente nesta reunião — instruiu Lorde Birmingham.
Assim que os homens se sentaram, Theodore aproximou-se da
plataforma. Immanuel fechou os olhos e fez um sinal para Blasfêmia que,
por sua vez, pairou sobre Theodore e cravou suas enormes garras no
crânio de Theodore.
— Homens da Ordem. — Theodore agarrou-se à plataforma. — É
um prazer anunciar a solução para todos os seus dilemas com relação à
nova ordem mundial.
Blasfêmia começou a envolver a mente e o espírito de Theodore,
enquanto se apoderava parcialmente de seu corpo. As expressões faciais
de Theodore tornaram-se extravagantes. Estranhamente ele ficou em
silêncio e mostrou dificuldade para respirar.
— Meu objetivo na Terra é destruir — disse Theodore sem pensar,
com um tom discrepante. Ele lutava para retomar sua identidade. —
Quer dizer, meu objetivo no mundo é promover as metas do Lorde Bir...
— Blasfêmia agarrou firme o espírito agonizante de Gentile. — Quer
dizer, Lorde Lúcifer.
Birmingham saltou da cadeira.
As asas monstruosas de Blasfêmia começaram a envolver
Theodore enquanto ganhava controle sobre ele. Theodore franziu a testa
para Lorde Birmingham.
— Seus avarentos incompetentes nunca terão êxito. Vou arrancar
seu dinheiro e seu poder e mandá-lo direto para o inferno.
Theodore deu um golpe na mesa e começou a asfixiar Lorde
Birmingham, que estava atordoado. Uma convulsão após outra se
apoderava do corpo de Theodore. Os banqueiros ficavam apavorados à
medida que assistiam à horrível cena. Immanuel "corajosamente"
precipitou-se em direção à mesa no momento em que Blasfêmia soltou
suas garras mortais do corpo de Theodore. Immanuel agarrou Theodore
e o lançou ao chão. Seu corpo estava inconsciente.
— Alguém chame um médico! — gritou Immanuel, que assumiu o
controle da situação.
Lorde Birmingham parecia são e salvo quando se levantou do chão
de mármore onde estava caído. Immanuel agachou-se sobre Theodore e
segurou seu pulso.
— Que ele morra como o animal que é — sussurrou Birmingham.
— Não posso fazer isso — respondeu Immanuel com falsa
compaixão.
— Acho que ele está longe de ser útil — suspirou Lorde
Birmingham. — Gostaria de saber se ele realmente tinha a resposta para
nossas dificuldades.
Immanuel foi sombrio ao dar sua resposta encenada:
— Para ser honesto com o senhor, ele tinha.
Aguçaram-se os ouvidos na câmara. Os homens juntaram-se ao
redor de Immanuel.
— Theodore e eu tivemos uma reunião particular na semana
passada. Eu havia acumulado anos de trabalho esmerado para descobrir
a solução para a paz mundial e queria comparar opiniões com Theodore.
Estava ansioso para ouvir as idéias das quais ele vinha se gabando.
Lamentavelmente, suas conclusões estavam baseadas em informações
equivocadas. Ao ouvir minhas informações, desesperado, ele quis ganhar
o crédito por este plano — mentiu Immanuel.
— Theodore furtou alguns papéis de minha mesa sobre os quais eu
estava trabalhando. Eu havia reunido um grande estoque de conheci-
mento sobre a história dos impérios do mundo e as razões para a queda
desses impérios. Eu sabia que a história seria nosso mestre. Poderíamos
usar os erros do passado para proporcionar um novo futuro de glória.
Theodore estava pronto para apresentar esta inteligência como sendo
sua. Ao que parece, os deuses semearam seu destino para ele.
Os homens rodeavam Immanuel enquanto ele tomava o pulso de
Theodore. As pálpebras de Theodore estavam bem fechadas, mas seus
olhos dardejavam desenfreadamente.
Blasfêmia estava pendurado no lustre de cristal.
— Podem acreditar em Immanuel. Ele deve ser o herói de vocês.
Ele se importa com os seus interesses. Immanuel tem os atributos que a
Ordem precisa para trazer o mundo aos seus pés. Acreditem em
Immanuel. Immanuel... Immanuel — celebrava Blasfêmia.
Os sinais transcendentais de Blasfêmia penetravam no desejo de
ferro de Lorde Birmingham.
Immanuel estava prestes a começar quando Theodore começou a
recuperar a consciência. Ele lutava para murmurar algum tipo de
acusação em relação a Immanuel. Dizia algo sobre uma trama para
destruir a Mãe Terra. Immanuel estava determinado a ser o bom
samaritano.
— Ele não sabe o que está dizendo. Levou um safanão na cabeça.
Parece que está chamando por sua mãe.
Immanuel era convincente.
— Tragam o médico aqui rápido! Esta reunião tem de continuar a
qualquer custo — berrou Lorde Birmingham.
Os olhos de Theodore estavam bem abertos, e ele entrava em
pânico diante de Immanuel e Blasfêmia.
— É o diabo! Oh, meu Deus, é o diabo! Vá embora daqui, seu
demônio abominável!
Immanuel e Lorde Winchester se esforçavam para segurá-lo.
— Acabe logo com ele — sussurrou Immanuel para Blasfêmia.
— Será um prazer.
Blasfêmia desceu a pique do lustre reluzente e estendeu suas
enormes mãos para o alto. Os demônios que estavam com ele seguiram
seu exemplo e precipitaram-se em direção à frágil presa. Theodore
passou a ter convulsões assim que as tropas de Satanás invadiram seu
corpo. De repente, seu corpo ficou imóvel, e o medo se apoderou dos
pretensos governantes do mundo.
As portas do elevador se abriram no momento em que o médico
correu para o lado de Theodore. Assim que colocou as mãos no pescoço
de Theodore, o médico procurou ouvir o pulso.
— Este homem está morto — declarou o médico. — Afinal, o que
aconteceu?
Immanuel deu um passo para frente.
— Ao que parece, trata-se de uma overdose.
— Do que ele está falando? — perguntou o médico confuso.
— Cocaína e sabe-se lá mais o quê — respondeu Immanuel.
O médico chamou seu assistente para que removesse o corpo.
Lorde Birmingham, abalado, deu um tapinha nas costas de Immanuel.
— Filho, eu lhe devo a minha vida. Vamos tentar deixar esta
tragédia para lá e voltar aos negócios já. Suba à plataforma, Immanuel, e
vamos nos reunir novamente.
Os homens tentaram se reagrupar, enquanto se sentavam. Numa
atitude pouco comum, Immanuel respirou fundo e fechou os olhos.
— Eles estão prontos? — orou Immanuel em espírito.
— Eles foram reprogramados de acordo com a sua vontade. Para
líderes mundiais, a mente deles está surpreendentemente impotente para
se defender de nossos ataques. O único obstáculo que podemos ter pela
frente chama-se Lorde Winchester.
Blasfêmia aproximou-se de Lorde Winchester e sentou-se em seus
ombros.
— Immanuel, você está bem? — perguntou Lorde Birmingham,
preocupado.
— Estou bem.
Lorde Birmingham estava com os olhos lixos em Immanuel. —
Existe um provérbio antigo, porém certo, que se aplica ao dia de hoje
mais do que nunca, cujas palavras dizem o seguinte: "O que não tem
valor para um homem é tesouro para o outro". Nos últimos séculos, a
Ordem realizou um trabalho de mestria no controle dos recursos do
mundo. Vocês convenceram o povo, de forma brilhante, a acreditar que
existe uma necessidade urgente de uma nova ordem mundial de paz e
justiça. Quero felicitar os esforços de Lorde Birmingham pela recente
ação rápida dos meios de comunicação que popularizou o governo
internacional pelo povo e para o povo.
Immanuel começou a aplaudir, dando início a uma reação em
cadeia de aplausos, começando com Lorde Winchester. Todos se
levantaram ao mesmo tempo para prestar homenagem ao seu astuto
chefe. Lorde Birmingham curvou-se em sinal de reverência. E voltou sua
atenção novamente para Immanuel, que começou a falar.
— Deixe-me dar primeiro uma breve ilustração histórica. Que
invasor conquistou o Império Romano? Nenhum! A queda deste antigo
império poderoso deve-se à corrupção interna e consequente anarquia.
Por que a Revolução Francesa foi um câncer detectado no microscópio da
história? O único princípio de unificação era a liberdade, que logo levou
ao caos nacional e a uma impiedosa batalha sangrenta.
— Todos nós sabemos que o experimento americano
sórdidamente fracassou. Os sistemas político e econômico estão se
desintegrando. Todos esses impérios tentaram assumir o controle do
mundo com seus sistemas divergentes de despotismo, totalitarismo,
liberdade e democracia. Todos foram varridos ao longo do tempo por
falta de um componente essencial.
— O mundo nunca se unificará por meio do puro socialismo ou do
puro capitalismo nem por uma combinação dos dois. A democracia
apenas levará à privação do tesouro público pelos cidadãos até que
finalmente se tornará um sistema falido. O despotismo levará a uma
rebelião no campo e a uma ilegalidade social. O socialismo, finalmente,
exaure o espírito e a vontade das massas e promove rebeliões que
paralisam o industrialismo. Além disso, ele indubitavelmente levará a
economia ao fim. O capitalismo cria o descontentamento entre as classes
sociais e coloca o rico em oposição ao pobre. Cada um desses sistemas
inventados pelo homem tem seus benefícios. Entretanto, senhores, todas
as ideologias possuem erros que se multiplicam ao longo do tempo.
Immanuel colocou as duas mãos sobre a plataforma.
— Meus amigos, a história nos ensinou uma lição inestimável: o
mundo nunca alcançará a paz e a harmonia política com o mesmo pensa-
mento político dualista do passado.
Pisou forte na plataforma mais por uma atitude teatral do que por
emoção.
— Para que a nova ordem mundial trabalhe em nosso favor, será
necessária uma torrente de novas ideias e convicções confirmadas.
Temos de mudar a maneira de pensar das pessoas, sua forma de comer e
até sua maneira de respirar. Deve haver um avanço espetacular, uma
nova era e um objetivo nobre para se viver como um cidadão do mundo.
Immanuel fitou os olhos em suas anotações, em seguida respirou
fundo novamente e fechou os olhos.
— Devo continuar? Eles estão preparados para ouvir isto?
perguntou Immanuel para Blasfêmia.
— Todos, menos Lorde Winchester. Ele já tem sua ideia formada e
não arredará o pé um centímetro — respondeu Blasfêmia.
Immanuel levantou a cabeça enquanto abria os olhos. Um sorriso
de orelha a orelha se abriu em seu rosto.
— Devemos convencer todos os países a adotar um código
universal de crença e conduta. Por gentileza, peço aos senhores que dei-
xem para fazer suas considerações sobre meu projeto inicial após a
apresentação de todos os detalhes do meu plano.
Os homens acenaram com a cabeça em sinal de concordância,
exceto Lorde Winchester, que se absteve.
— Nossa nova ordem mundial será um tremendo sucesso se, e
somente se, imaginarmos um novo sistema religioso universal.
A expressão do rosto de Lorde Winchester deixou claro que este
plano não teria seu apoio.
— Este será o catalisador que levará a mente universal à harmonia
possível de ser implementada. Por exemplo, hoje temos protestantes,
católicos, judeus, budistas, muçulmanos, ateístas, humanistas e uma
série de outros que crêem ser detentores da verdade. Isso provoca lesões
e está dividindo a Mãe Terra. Não podemos sanar uma unidade dinâmica
se partes do corpo estão em guerra umas contra as outras. Este novo
sistema religioso estará baseado em princípios de um deus de amor e
fraternidade. Deve ser algo que agrade a maioria dos cidadãos do mundo.
As vozes da minoria que se levantarem contra nosso projeto serão
silenciadas para que uma transição pacífica seja garantida para nossa
ordem mundial. Esta nova crença terá princípios de cada uma das
principais religiões do mundo, além de novas revelações de um homem
nomeado por deus, e reunirá todos os povos para a formação da Igreja
Mundial. Este homem de deus criará um sistema religioso democrático
baseado em princípios segundo a vontade dos cidadãos. Aquele que
envenenar a mente de nossos irmãos com heresias será rapidamente
eliminado. Seu destino será a morte pelo bem da humanidade.
— O novo sistema político mundial reunirá as três esferas do
mundo em uma sociedade. As comunidades asiáticas, americanas e
europeias irão trabalhar em conjunto para que haja mudanças. As
eleições democráticas serão realizadas para eleger os líderes mundiais.
Estes terão um trabalho próximo a um presidente da Federação Mundial.
A Ordem decidirá quem será o presidente e lhe dará a autoridade
necessária para implementar nossos objetivos. Seu poder não terá
limites, mas nós estaremos exercendo influência discretamente dos
bastidores. Assumiremos o controle da economia, dos meios de
comunicação, da política e da Igreja. Esta é apenas uma visão superficial
do meu plano. Estou certo de que os senhores têm perguntas.
Lorde Winchester levantou-se com ímpeto da cadeira:
— Immanuel, você é um sujeito que tem muita lábia. Não
concordo com nada disso! Sou contra você e suas soluções, que estão
baseadas em fantasia. Seus motivos são duvidosos e seus métodos,
bisonhos. É um esquema sobrenatural que faria sucesso em um filme de
Hollywood. Não acredito em Deus nem nos milagres deste assim
chamado mundo invisível. Esta idéia de um homem de deus jamais
funcionará. A única maneira de ele prender o coração do mundo, a única
maneira pela qual ele poderia me convencer seria se eu testemunhasse
agora mesmo alguns milagres sobrenaturais que pudessem ser vistos,
tocados e sentidos.
Winchester sentou-se novamente. A câmara incendiou-se de
conversas, com defensores de ambos os lados.
Senhores, senhores. Lorde Winchester acredita que os atos falam
mais que as palavras. Estou quase concordando interrompeu Immanuel.
— Blasfêmia, preciso que você use seus poderes — orou Immanuel
em silêncio.
— Vou mandar Lorde Winchester para o inferno em uma
montanha-russa! — disse Blasfêmia com orgulho.
A cadeira em que Winchester estava começou a tremer. Depois
começou a subir devagarzinho. O Lorde estava paralisado de medo, e
seus músculos congelaram. Os outros homens pularam da mesa e
colaram-se às paredes. Apenas Immanuel continuou calmamente
sentado. Lorde Winchester e sua cadeira permaneceram suspensos
próximos ao teto que ficava a seis metros do chão. Blasfêmia, sem
esforço, erguia o bilionário de quase noventa quilos.
A cadeira, então, começou a descer suavemente do teto até chegar
ao piso de mármore. Lorde Winchester tremia enquanto tentava parar
em pé.
Os homens lentamente rodearam Lorde Winchester e consolaram
o companheiro. Cada homem olhou para Immanuel, que continuava
estranho a si mesmo. Immanuel conseguira o que queria.
CAPÍTULO DOIS
Guerra espiritual
Stephen tirou os óculos que usava para leitura. Gotas de suor
escorriam sem parar por seu rosto e pescoço. Seu corpo estava ex-
tremamente quente. Pelo 14o. dia consecutivo, o termômetro
ultrapassara os 37°C. Stephen era um americano de ascendência
africana, grandalhão, de olhos castanhos e semblante sincero. Como era
uma pessoa distinta, tinha muitos amigos que estavam dispostos a fazer
qualquer coisa por ele ou por sua família. Stephen estava com os olhos
fitados no estranho ar-condicionado, sonhando com os bons tempos em
que o conforto era um presente, não um luxo.
Apenas os afortunados e influentes desfrutavam de um ar-
condicionado nos dias de crise econômica. Os Estados Unidos, antes o
"lar dos fortes e destemidos", haviam sido assolados e rebaixados ao
título de Estados Unidos, lar dos fracos e desolados. A devassidão e a
ilegalidade consumiam a grande águia como um câncer que se espalha
pelo corpo. Justiça econômica e ganância dos capitalistas eram as
palavras mais novas encontradas nos jornais e nos noticiários da
televisão. A sociedade americana havia se dividido em uma cultura
visivelmente exagerada de religiões distintas e diversas etnias. Era
conhecida como uma sociedade de mistura racial e assimilação cultural.
Infelizmente, os componentes dessa miscelânea eram agora altamente
inflamáveis.
Inúmeras cidades haviam passado de metrópoles magnificentes
para grandes infernos. A polícia e a guarda nacional eram impotentes
quando desordeiros ignoravam suas armas. A atitude desesperada dos
agitadores estava baseada em uma triste verdade. Para eles, era melhor
morrer do que viver sem dinheiro, sem esperança, sem justiça e sem o
que comer. Dezenas de milhares estavam sendo assassinados enquanto o
ódio racial e o conflito entre classes alimentavam as chamas da injustiça
social.
Enquanto Stephen recordava os acontecimentos perturbadores do
momento, sua mente voltava aos tempos felizes. Lembrou-se do dia em
que pediu sua esposa, Sabrina, em casamento. Seu coração vibrou
quando se lembrou da alegria, do amor e da segurança que eles sentiram
quando começaram a vida em um país que lhes permitia concretizar seus
sonhos. Lembrou-se do nascimento de seu único filho, Stephen Jr., dos
jogos de beisebol no parque e das excursões em família para acampar nas
montanhas. Suspirou quando se deu conta de que os bons dias se haviam
ido. Lutava para entender o propósito do Senhor por trás desse massacre
e desespero da nação, no entanto, estava convencido de que havia uma
razão para tudo isso. Voltou-se para a carta que estava escrevendo para
seu antigo chefe.
"Prezado senhor, espero que esteja bem e animado ao ler esta
carta. Sempre gostei de meu trabalho no St. Louis Herald Times. Desejo
sucesso ao jornal nesta nova era da história americana. Eu estaria
mentindo se não admitisse a grande tristeza que estou sentindo por ter
sido demitido. Espero que o senhor reconsidere sua decisão."
Stephen esforçava-se por encontrar as palavras certas.
"Eu sei que o senhor acha que não posso ser um jornalista objetivo
porque sou cristão. Infelizmente, isso parece ser uma opinião geral. A
ideia de que todos os cristãos são fanáticos judiciosos ou pregadores do
Apocalipse e mentirosos parece estar se espalhando mais rápido do que
minha capacidade de compreender. Reconheço que diversos crimes
foram cometidos nos últimos cinco anos por aqueles que professam a fé
cristã, mas essas ações não caracterizam os verdadeiros discípulos de
Jesus Cristo. Parece haver um pequeno grupo bem organizado em alerta
que declara publicamente a fé na doutrina cristã. Não posso enfatizar o
suficiente que eles não seguem os princípios de Deus e seriam
denunciados como hipócritas pelo próprio Cristo.
"Infelizmente, eu estava presente quando um 'estranho' usou uma
arma para assassinar um médico e uma enfermeira que praticavam
abortos. Este assassino não era um dos membros do movimento pró-vida
nem era meu parceiro ou parceiro de qualquer outro membro de nossa
organização. Acredito que este homem era um impostor cujo plano era
destruir nosso movimento de paz. Condeno este ato covarde de violência!
Nunca defenderei o conceito de que 'dois erros constituem um direito'.
"Oro para que o senhor reconsidere sua decisão. Sinceramente,
Stephen Wallace."
Lágrimas se formavam em seus olhos enquanto ele se lembrava
das palavras de Cristo para que "regozijasse" quando perseguido por Seu
nome. Imprimiu a carta e assinou no final. Sua esposa Sabrina bateu
delicadamente na porta.
— Está tudo bem com você, meu bem?
— Tudo bem — disse Stephen.
Releu a carta à procura de erros. O calor e a falta de sono
começaram a prejudicar sua mente cansada. As palavras e as frases
começaram a ficar embaralhadas, enquanto a carta se tornava confusa.
Aos poucos foi pegando no sono...
— Querida, deixei o emprego na semana passada — murmurou
Stephen.
Sabrina deu-lhe um olhar repreensivo de traição.
— Por que você não me contou antes? Você já está em casa há três
dias agindo como se seu cachorro acabasse de morrer e me ignorando a
todo custo! Você não confia mais em mim? O que vamos fazer para pagar
as contas? Vamos acabar na rua sem uma peça de roupa para vestir! Você
não se preocupa comigo? Você não...
Stephen acordou do pesadelo e saltou do assento enquanto
Sabrina beijava-lhe levemente o pescoço.
— Estou preocupada com você, Stephen. Você mudou muito
nesses últimos dias. — Olhou para a mesa onde estava a carta. — É seu
mais novo artigo? — sorria ela entusiasticamente, enquanto se dirigia à
carta.
— Não — gritou Stephen.
Ele simplesmente impediu que a carta chegasse às mãos da
esposa. Sabrina ficou assustada.
— O que há de errado, Stephen?
Olhou em seus olhos castanhos à procura de uma pista. Ele
rapidamente desviou os olhos, perturbado com seu comportamento
enganoso.
— Você está desanimado desde o fim de semana. Está tudo bem
no trabalho? — perguntou Sabrina.
Ele olhou bem em seus olhos.
— Sente-se, querida. Tenho más notícias.
— O que é?
Ela suavemente acariciou suas mãos. Stephen olhava para baixo,
incapaz de encará-la nos olhos.
— Faltei com a verdade — murmurou Stephen.
Ela apertou a mão dele em sinal de apoio. Não havia um vestígio
de reprovação. Stephen estava surpreso com sua reação.
— Fui demitido do jornal na sexta-feira por insubordinação.
Sabrina já vinha esperando por isso há algum tempo. Esticou-se
para abraçar o marido.
— Por quê? — perguntou ela.
— O assassino no grupo pró-vida somado ao meu artigo
politicamente incorreto foram suficientes — disse Stephen. — Esta carta é
minha última tentativa de salvar meu emprego.
Desanimado, entregou a carta à esposa. Enquanto ela lia as
palavras dirigidas ao antigo patrão do marido, uma sensação de paz
tomou seu espírito preocupado. O pesadelo que ele temia nunca se
tornou real. Ele podia sentir o consolo do Espírito Santo.
Sabrina colocou a carta na mesa de centro.
— Perfeito. Você disse a verdade com amor. Deus nos mostrará as
razões que estão por trás dessa adversidade.

Timothy estava sentado no telhado do principal jornal da cidade.


Estava sozinho e distraído. Desocupado há uns três dias, não tinha a me-
nor ideia do que faria a seguir. Estava curioso por saber para onde seu
próximo trabalho iria levá-lo. Timothy tinha quase um metro de altura e
era forte. Suas asas brancas eram pequenas e traziam laços dourados. Da
última vez que mediu, no dia anterior, sua velocidade máxima era de
quase três mil quilômetros por hora.

Timothy foi condecorado com a categoria de Primeira Classe


Particular no exército celestial de Deus Jeová. Seu trabalho era esperar as
orações dos santos. Então, ele voava até o posto de comando nas nuvens
e retransmitía a principal oração a um capitão. De vez em quando, ele era
obrigado a pelejar com um dos conspiradores de Lúcifer. A força e o
poder que ele exibia não eram determinados por ele, mas pela fé e pelas
orações dos santos. Às vezes, era impedido por uma nuvem de demónios
que tentavam roubar essas orações. Seu trabalho era árduo, mas
gratificante, e ele o amava.
De repente, percebeu que precisava tomar algumas decisões
importantes, e rápido. Devia deixar seu posto e sair à procura de seu
santo Stephen? Talvez devesse informar ao quartel sobre a ausência de
Stephen. Não, ele jamais desobedeceria ao Deus Jeová. As ordens Dele
estavam perfeitamente expressas. Deixaria sua posição estratégica em
apenas uma circunstância. Tinha permissão para sair do escritório do
jornal e seguir rumo à central de comandos apenas para retransmitir
orações. Nada mais, nada menos que isso.
"De onde vem esse terrível pensamento?", pensou Timothy assim
que começou a procurar um intruso importuno.
— Não perca tempo me procurando, seu bebezão; vá atrás de seu
santo chorão. Pude ouvido choramingando por você ao cruzar toda a
cidade.
A adrenalina de Timothy aumentava, enquanto ele olhava ao
redor. Ansioso, sacou sua arma à vista aberta. Olhou para todos os lados,
mas nada viu.
— Na, na, na, na! — zombou a criatura invisível.
Timothy fitou os olhos nos ares-condicionados barulhentos da
vizinhança. Uma criatura como que um fantasma se esquivou.
— É você, Bart? Apareça e lute como um demônio! — exigiu
Timothy, seguindo na ponta dos pés em direção ao mastro empoeirado.
— Eu sei que você está tentando encher minha cabeça com besteiras. Por
que você não vai procurar um idiota que lhe dê ouvidos?
De ponta-cabeça, Timothy desceu a pique o buraco cheio de
fumaça. Bart entrou em pânico. Saiu em disparada pelo cano e atra-
vessou a sala de redação. Timothy vinha fervendo atrás dele. Perseguiu o
demônio pelos escritórios, mesas e pelos corredores cheios de pessoas.
— Você não vai escapar de mim! — gritou Timothy, ofegante.
— Seu inútil! Você nunca vai me pegar com essas suas asinhas —
vociferou Bart.
Bart atravessou uma parede a todo vapor e cruzou as ruas agitadas
da cidade.
— Venha, sua lesma, estou bem aqui — zombou ele.
Timothy deu partida em seu motor angelical em sobre-marcha
enquanto disparava em direção ao fantasma.
— Estou farto de suas gracinhas. Você está morto! — bradou
Timothy.
Mirou tempestuosamente seu punhal na direção de Bart, que o
aborreceu sem recuar até o último instante. Timothy passou correndo
por Bart, que estava às gargalhadas, contudo, fez uma rápida curva em U.
— É isso aí, meu chapa. Estou furioso agora.
Timothy lançou sua espada no coração perverso do demônio. Bart
escapou da investida e subiu em direção às nuvens.
— Venha me pegar, seu cabeça-dura — escarnecia Bart.
Timothy estava prestes a sair quando parou e se lembrou de suas
ordens.
— Venha me pegar, seu covarde! — gritou Bart.
Timothy inclinou-se como uma flor sem a chuva da primavera. Ele
havia passado por idiota mais uma vez. Observou Bart voar ao longe.
— Lúcifer é rei! — disse Bart com orgulho. — Lúcifer e Bart
governam o mundo.
Bart observava Timothy desaparecer. De repente, do nada, algo
agarrou o pescoço esquelético do demônio, que suplicou por miseri-
córdia, enquanto era lançado de volta à cidade poluída.
— Ai! Ajudem-me! Não! O que está acontecendo? — entrou em
pânico o demônio sem ação. — Lúcifer, mestre, preciso de você — gemeu
o demônio sem forças.
— Você precisa, meu jovem, é de um jeito nesta postura retrucou
Alexius, coronel e comandante angélico responsável pela área me-
tropolitana de St. Louis.
Alexius soltou sua presa, que estava desorientada.
— Vocês, demônios, nunca desistem. Sua cortina de fumaça logo
será cortada pela luz de Cristo. Mal posso esperar para vê-los correr
quando todas as obras do mal forem expostas. Nunca vou entender como
um terço de vocês, anjos, puderam deixar os ensinamentos da infância.
Seu Criador, o Deus Jeová, ainda lamenta a traição de vocês.
Alexius não estava com paciência para ouvir respostas malcriadas,
principalmente vindas de um demônio subalterno.
— Senhor, é claro que sinto muito por meus diversos pecados e
falhas. Eu apenas estava me divertindo um pouco com aquele sujeitinho.
Não houve um dano sequer. Se me deixar ir, prometo nunca mais ser
malvado.
Alexius fingiu-se surdo à voz de seu prisioneiro. Bart persistiu.
— Não tive mesmo a intenção de machucar ninguém. Verdade!
Vamos relevar e esquecer essa história, certo?
Sua insinuação de quem não estava arrependido atingiu o senso
de proteção de Alexius. Bart fez uma nova tentativa.
— Por que alguém tão poderoso e prestigioso como o senhor se
preocuparia em deter alguém tão insignificante como eu? — alcovitou
Bart.
Alexius lançou um olhar para Bart que derreteria um diamante.
— Você tentou desafiar um de meus soldados. Como ousa
distorcer essa questão, tornando-a uma rixa de parquinho de diversões?
Eu me recuso a permitir que este ato passe impune. Infelizmente, para
seu governo, seus superiores estão mobilizando seus soldados para uma
campanha histórica geral de morte e engano. Eles não terão tempo para
salvá-lo.
— O que... o que vocês vão fazer comigo? Vocês vão me mandar
para o grande abismo? Por favor, eu imploro. Não me mande para aquela
terrível masmorra!
Alexius fitou o demônio tremendo.
— Não, vou fazer algo quase tão ruim quanto isso. Você vai se
ajoelhar e se desculpar com Timothy. Para que isso seja mais
emocionante, convocarei todos os anjos da vizinhança para que
testemunhem sua humilhação. Alguma pergunta, Sr. Espertalhão?
Bart ficou louco. Sem mais nem menos, soltou uma de suas garras
que estavam presas por Alexius. Reuniu todas as forças de um
superdemônio e acertou com o punho cerrado o rosto daquele que o
atormentava. Alexius foi pego de surpresa. O punho de Bart acertou em
cheio o queixo de Alexius que, atordoado com a pancada, soltou sem
querer seu prisioneiro. Bart não era idiota. Safou-se voando para as
estrelas.
— Nunca me curvarei para gente como você ou para um de seus
idiotas! — gritou Bart.
Alexius recuperou os sentidos. Sem esforço algum, diminuiu a
distância que havia entre Bart e ele.
— Alto lá, se é que sabe o que é melhor para você! — ordenou o
anjo de Deus.
Bart desobedeceu, seguindo seus instintos. Cruzou a estratosfera
voando no sentido oposto, fazendo piruetas, curvas e mergulhos de
cabeça na tentativa de fazer Alexius perdê-lo de vista. A mente de Bart
começou a estourar sob a pressão. O demônio, que vivia andando fora de
linha, sabia que seria apenas uma questão de tempo para cair nas mãos
de Alexius.
— Não adianta correr. Desista agora e, quem sabe, eu possa ter
um pouco de misericórdia de você — ordenou o oficial.
Bart ignorou a proposta e concentrou-se em aumentar sua
velocidade e agilidade. De repente, Alexius surpreendeu o fantasma e
cravou suas mãos na garganta de Bart.
— Solte-me, seu marmanjo sentencioso! — gritou Bart.
Contorcia-se, cuspia e ferroava o demónio. Bart brigava com toda
a fúria que dispunha, mas não estava à altura do coronel.
— Seu julgamento está à sua espera em St. Louis. Foi você mesmo
quem escolheu seu caminho de destruição e sofrerá as consequências de
sua escolha. Você recusou a oportunidade de receber misericórdia.
Alexius abriu um grampo do cinto e soltou um pequeno objeto
parecido com metal que estava ali. Era do tamanho de uma bola de golfe,
de cor púrpura e azul, e reluzia com raios prateados de luz.
— Senhor Deus Jeová, Criador dos céus e da terra, envia este
malfeitor insensível e obstinado para o cativeiro que ele lhe é por direito
— orou Alexius.
Bart começou a delirar gritando alto e de forma incompreensível.
Seus átomos se transformaram e variavam enquanto o raio de energia
que vinha da arma de Alexius se punha em ação. Seu corpo espiritual foi
se desfazendo lentamente até chegar a uma única célula dentro do
aparelho. Alexius prendeu o vaporizador no cinto. Uma paz agradável
encheu o ambiente assim que a presença de Bart foi retirada de cena.
Alexius agarrou-se a uma onda de gravidade e desceu flutuando
até a multidão alvoroçada. Timothy avistou o anjo.
— Timothy Butler da Primeira Ordem pronto para novo trabalho,
senhor.
Alexius pairava sobre a superfície da terra. Suas asas suavemente
se dobraram enquanto examinava o soldado.
— Fiquei sabendo que você anda tendo alguns aborrecimentos —
disse o anjo superior preocupado.
Timothy permaneceu em posição de sentido.
— Sim, senhor — o anjo admitiu relutante. — Nada que esteja fora
do meu alcance, senhor.
Quero elogiá-lo por nosso esforço mais recente com seu santo,
Stephen. Você tem feito um excelente trabalho protegendo-o e levando
suas orações ao céu com segurança. Fique em paz, soldado — ordenou
Alexius, enquanto passava a mão de leve no ombro do anjo.
— Tenho uma surpresa para você.
Seus olhos voltaram-se para o cinto. Timothy ficou confuso,
depois esperançoso.
— O senhor vai deixar que eu experimente sua espada? Não
imagina há quanto tempo espero pela chance de...
— Não, filho. Presenciei a tentação e a reprimenda pela qual Bart
fê-lo passar. Você fez a coisa certa em não abandonar seu posto. Estou
muito orgulhoso de você, meu jovem anjo. Talvez esteja interessado em
saber que Bart encontrou um obstáculo quando caminhava pelas nuvens.
Eu o encontrei saindo às pressas da terra em direção à sua base. Para
tristeza dele, se deparou com um visitante que não esperava. Eu!
Mais uma vez Alexius insinuou seu cinto. Timothy entendeu a
mensagem.
— O senhor acabou com ele, não é mesmo? O que pretende fazer
com ele? Tenho ótimas ideias aqui comigo.
— Timothy, Timothy, Timothy. Lembre-se da perfeita e imutável
Palavra de Deus. O livro de Judas registra que o arcanjo Miguel pelejou
com Lúcifer pelo corpo de Moisés. Nem mesmo ele repreendeu ou deu
sua sentença, mas deixou o julgamento para o Senhor, que julga com
justiça. Quando Deus Jeová julgar os mortais, Ele, junto com os santos,
julgará os anjos também. Tenha paciência e lute o bom combate de
acordo com as regras e não com as imaginações do seu coração!
Timothy abaixou a cabeça em sinal de arrependimento. Alexius
lançou-se ao céu e veio parar sobre Timothy, pegando uma trombeta
dourada que escondia sob suas imponentes asas. Multidões de anjos que
estavam do outro lado da grande campina responderam ao toque de
guerra.
— Companheiros na causa de Cristo, sejam bem-vindos a uma das
mais emocionantes, porém solenes, ocasiões.
Alexius procurou Timothy em meio à multidão e fixou os olhos
nele.
— Como sabem, Deus Jeová ordenou um cessar-fogo para certas
unidades de nossa milícia. Muitos de nós não se mostraram incomodados
com este decreto e estão ocupados em manter a paz pública. Um recente
evento pode trazer alguma luz sobre as estratégias de guerra de nosso ini-
migo. Um demônio subalterno do exército de Lúcifer, na verdade, tentou
desafiar um dos nossos!
Os anjos começaram a murmurar uns com os outros. A maioria
queria saber por que os demônios perderiam tempo tentando desafiar os
anjos. O inimigo vinha somente zombando dos mortais desde a Criação.
Seria apenas uma casualidade ou uma nova política para sondar e
destruir homens e anjos da mesma maneira?
— Prezados anjos, capturei um agente do inimigo. Este demônio
foi pego desafiando um de nossos melhores agentes, Timothy Butler.
Meu primeiro instinto foi acreditar que este se tratava de um incidente
isolado, uma vez que este discípulo do Diabo sempre teve um caráter
duvidoso. No entanto, o final dos tempos está se aproximando depressa.
Lúcifer sabe que seu tempo está chegando ao fim. Eu não ficaria surpreso
com qualquer coisa que ele ou seus demônios pudessem tentar fazer.
Alexius apertou levemente um botão no incinerador. Um espectro
de luzes e sons jorrou para todos os lados. O show se espalhou por todo o
céu coberto de estrelas. Uma nuvem de íons se formou ao redor de
Alexius e depois convergiu para uma enorme bola de energia explosiva,
que começou a girar em volta de um ponto central. Partículas de luz
rompiam na órbita e vinham com ímpeto em direção a determinados
pontos. Os anjos puderam distinguir uma cabeça, depois um tórax,
braços, pernas e, por fim, as asas escameadas. Os olhos de Bart se
abriram. Seu corpo estava duro. Os únicos sinais de que ele ainda estava
vivo eram os olhos esbugalhados e o vapor que saía de suas narinas. Bart
percebeu que não estava no controle. Era um infeliz.
Alexius abaixou-se até chegar ao nível dos olhos de Bart.
— Bem-vindo de novo ao mundo real, Bart.
Bart estava com a boca completamente fechada. Uma névoa negra
de raiva e desprezo esvaía-se de seu espírito enquanto observava os anjos
se colocarem ao seu redor.
— Timothy Butler, por favor, dê um passo à frente — pediu
Alexius.
Nervoso, Timothy olhou para a multidão ao redor. Parecia confuso
enquanto se aproximava do ponto de luz.
— Timothy, agradeço por estar presente durante este
interrogatório decisivo. — O anjo se mostrava firme, porém era gracioso.
— Estamos aqui para determinar a sentença deste demônio que tentou
desafiar nosso companheiro Timothy Butler.
— Bart, como sabe, este não é um tribunal de justiça. Deus Jeová é
o único verdadeiro Juiz no universo. Ele exercerá esse direito no final da
história. No entanto, eu o advirto a não levar esta situação em banho-
maria. Você pode acabar sem escapatória a qualquer momento.
Bart ignorou o anjo. Estava ocupado enviando sinais de socorro
para seu supervisor. Alexius foi até o prisioneiro e obrigou-o a olhar em
seus olhos. Ele estava há centímetros de distância do rosto de seu tirano.
— Bart, pelo que vejo, você tem três opções. Você pode continuar
relutante em silêncio e esperar que alguém forte o suficiente venha res-
gatá-lo. — Alexius sorriu com esta possibilidade. — Alguém de sua
insignificante estatura e duvidoso passado poderia apodrecer na cadeia
antes de os reforços chegarem. Aqueles fantasmas o consideram um
fantoche descartável. Sua segunda opção é recuperar sua liberdade sendo
fiel a uma simples ordem: cair de joelhos em sinal de arrependimento à
vista de todos os meus anjos e desculpar-se publicamente com sua
vítima, Timothy.
As palavras de Alexius cortaram o coração arrogante de Bart.
Seu rosto magro intumescia enquanto fervia de uma raiva
repulsiva e iníqua. O simples pensamento de humilhar-se em público fez
com que seu rosto ficasse da cor de um tomate maduro.
— Sua última opção é explicar por que seu comando supremo quer
que você desafie espíritos que estão do lado de Deus Jeová. Quero re-
latórios das reuniões a portas fechadas. Quero evidências incontestáveis
que confirmem suas afirmações. Quero as táticas de guerra que Satanás
está tramando para iniciar uma segunda guerra civil do universo. Quero
datas. Quero horas. Quero a verdade!
Os olhos de Alexius estavam fincados no diabinho enquanto
mantinha as mãos no cinturão para seu desmoralizador de demónios. Ele
reduziu o sensor que ficava ao lado do aparelho. O campo de força que
calava a boca de Bart diminuiu sua ação. Os olhos do fantasma cintilaram
de entusiasmo. Devagar e em silêncio, ele começou a esticar os músculos
do queixo. Então, um som agudo e alto vibrou dos céus. Seu bramido de
socorro podia ser ouvido a centenas de quilômetros de distância.
A paciência de Alexius estava se esgotando. Colocou as mãos ao
redor do pescoço de Bart.
— É hora de decidir seu destino. Não vou tolerar mais sua
demora. O que você escolhe? — perguntou Alexius.
O cérebro de Bart não parava de funcionar. Ansiava ver o dia em
que Satanás esmagaria as forças do céu, principalmente Alexius. Não
disse uma palavra.
— Bart! — bradou Alexius. — Fale agora ou terá de encarar um
futuro fora de seu controle.
Irônico, o vilão limpou a garganta.
— Nunca vou me curvar para qualquer um dos animais hipócritas
e legalistas que declaram falsamente o status angelical!
Bart estava ficando assustado. Não conseguia se lembrar da última
vez que tivera um público deste tamanho.
— Nunca deixarei que me prendam nesta repugnante e tortuosa
máquina do tempo.
Alexius ficou chocado com a resposta do demônio. Com uma voz
que parecia um alto-falante de dez mil watts, ele disse:
— Um seguidor de Satanás prefere a traição à humilhação ou ao
bom senso. O reino de Lúcifer terá de vir ao chão com uma queda po-
derosa. As palavras de Jesus permanecem fiéis: "Todo reino dividido
contra si mesmo ficará deserto, e toda cidade ou casa dividida contra si
mesma não subsistirá".
Os anjos voaram em todas as direções. Gritos de júbilo subiram
pelo ar.
Bart queria vomitar. Viu quando os servos de Deus cruzaram o
céu, entoando louvores ao seu Criador. Pouco depois, Alexius acalmou a
multidão.
— Bart, parece que você optou por entregar os segredos internos.
A meu ver, sua escolha é a mais insensata. Satanás ficará indignado
quando receber a notícia de sua traição. Com certeza, eu não gostaria de
estar em seu lugar.
Os anjos aplaudiram. Os olhos diabólicos de Bart flamejavam de
desprezo e ódio. Usou cada centímetro da força que dispunha para se
livrar do campo de força.
— Veremos quem serão os idiotas quando Lúcifer assumir o
controle do planeta! — A saliva acidífera do Diabo espumava e pingava
dos bigodes do queixo. — Não se preocupe, Alexius, vou lhe contar a
verdade. Como pode ver, os demônios são capazes de fazer o bem e o
mal. Temos escolha. Vocês, suas pragas, agem como se não tivessem.
Sempre fazendo a coisa certa. Que chatice! Vocês são estúpidos robôs que
obedecem a seu Deus, sem se importar se isto faz sentido ou não. Mesmo
com todos os dados de suas espionagens no mundo, você e seu bando não
são espertos nem fortes o suficiente para afetar nossos planos.
A multidão estava atordoada com Bart. Sem saída, o demônio
continuou a vomitar suas asneiras. Alexius apanhou sua espada reluzente
e colocou-a no ombro de Bart.
— Conte tudo. E lembre-se, a menor distorção da verdade pode
resultar em um erro para toda a eternidade. Primeiro, quero saber se
Satanás ordenou a seus demônios tentar os anjos do Altíssimo. Quero
saber seus motivos e conhecer seu plano de longo prazo.
Alexius examinou os olhos impenetráveis do adversário, à procura
de credibilidade.
— A resposta é não e não! Satanás não ordenou que eu tentasse
seu precioso anjinho — respondeu o rebelde.
— Logo suponho que você resolveu tentar Timothy por sua conta,
sem interferência de outros?
— Eu não disse isso. Alexius resolveu cooperar.
— Então quem ordenou que tentasse meu companheiro? —
indagou Alexius com muita paciência.
Bart fez uma pausa. Queria observar o rosto de seus inimigos
quando soltasse a verdade.
— Blasfêmia, o general que carrega cinco estrelas no exército de
Satanás, deu a ordem.
Uma luz brilhou na cabeça de Alexius.
— Blasfêmia recebeu permissão de Satanás para ordenar a
tentação dos anjos? — perguntou Alexius.
— Não tenho a menor ideia, e não dou a mínima para o
relacionamento complicado entre eles!
Alexius estava convencido de que o demônio dizia a verdade, o
que era, de fato, um caso raro.
— Por que Blasfêmia queria que você perdesse tempo tentando
espíritos? — perguntou Alexius.
Bart olhou em sua direção com um olhar de repreensão.
— Blasfêmia é esperto demais para desperdiçar seu tempo e o
meu. Eis o problema de vocês, anjos do Todo-Poderoso. Vocês não dão ao
inimigo o crédito que ele merece. Este será o grande desastre para sua
derrota final!
O insulto despertou Alexius.
— Blasfêmia — continuou o demônio — disse que devíamos ser
bonzinhos e dar uma chance ao inimigo para abandonar o navio antes de
ele afundar. Disse que está por um fio para que rompamos os poderes da
justiça e da assim chamada verdade absoluta. Após esse período de
intenso conflito, governaremos o universo evoluído para sempre. Por
meio de nosso tentador, é provável que alguns dos anjos do Deus Jeová
caiam em si e se unam ao lado que está com a prosperidade e o poder!
— Uma pergunta, demônio inexperiente. Quando ouviu falar que o
Diabo é bom?
— Meu querido Alexius, a bondade é um recurso para nós e não
uma ordem. Bondade é uma demonstração clara de ilusão. É usada para
obter poder e influência pessoal. Bondade não é bom nem é mau; é um
conceito. Veja: nós, filhos das trevas, usamos a bondade para promover
nossos programas individuais. Mas também temos a maldade à nossa
disposição para atingir nossos objetivos. Somos espertos o suficiente
para usar qualquer coisa que funcione! A doutrina é simples. Faça o bem
para que o mal possa crescer!
Alexius estava surpreso. Nunca ouvira o dogma dos demônios
colocado de forma tão eloquente.
— Suas palavras me ensinaram muito sobre a capacidade de
sedução de Satanás — admitiu Alexius. O coronel parecia um pouco
intrigado. — Por que você é apenas um soldado raso? Se o mal está
aumentando, como você diz, parece que você ficou de fora.
Bart baixou a cabeça, envergonhado. Não tinha resposta. Alexius
examinou o demônio e percebeu a confusão. Colocou a mão no ombro de
Bart e deu um palpite:
— Talvez o Pai da Mentira esteja mentindo para você.
Aquelas palavras partiram o espírito de Bart. Ele não queria crer
em uma coisa dessas. Bart sentiu-se como se fosse um lobo encurralado
por leões famintos. Respondeu da única maneira que pôde encontrar
para aliviar a pressão. Mergulhou com ímpeto em direção à cidade
adormecida.
— Você está mentindo! Como pode mentir assim? Nunca mais
minta para mim. Mentiroso! Mentiroso! Mentiroso!
Bart estava distante quando começou a pensar que tudo isso não
passava de um terrível pesadelo. O espírito agitado ofegava como se
estivesse à procura de um hospício. Descobriu um lugar solitário e fez um
mergulho em busca de liberdade. Sem tempo, escondeu-se dentro de um
transformador no limite da cidade.
Assim que recuperou a compostura, uma forte rajada de vento
sacudiu seu refúgio. A fúria fê-lo tremer dos pés à cabeça. De repente,
uma chicotada forte rebentou o frágil esconderijo de Bart. O fantasma
ficou desacordado. Quando recuperou a consciência, seus olhos caíram
sobre Alexius. Pela primeira vez na vida, ele queria saber se estava do
lado errado.
— Bart, sua lista de crimes contra a humanidade, os anjos e Deus
é muito grande — declarou Alexius. — Por suas ações, você provou que
não merece clemência no futuro. Meu coração lamenta pelo triste final
que você escolheu. Por isto, você está sentenciado ao isolamento até o dia
do juízo.
O demônio fechou bem os olhos para o mundo externo. Como
desejava fazer o mesmo com os ouvidos! Ele agira como um animal desde
o princípio e agora estava sendo tratado como tal. A justiça fora
indiferente para com ele. Subitamente, um trovão explodiu do céu.
Torrentes de luz cobriram a escuridão. Alexius levantou as mãos para o
céu.
— Prepare-se para se encontrar com seu Criador!
Bart estava amedrontado. Abriu violentamente os olhos
manchados de lágrimas e, impotente, viu quando Alexius deu uma
sugestão para Timothy. O jovem anjo localizou o botão preto que trazia
escrito "Calabouço Profundo" e deslizou o dedo no sensor. Com os olhos
fechados, punhos cerrados e o coração insensível, Bart foi transportado
para sua cela, seu último lar antes das chamas do inferno.
CAPÍTULO TRÊS
Alguns homens são bons
As cartas de solicitação da estação de notícias de St. Louis estavam
sobre a mesa do estúdio central. A WLIB TV 5 era a única estação de
televisão que restara em St. Louis desde que as outras estações haviam
fechado por falência há alguns anos. Logo após a revolta nacional, o
governo assumira firme controle sobre os meios de comunicação de
âmbito nacional. Aqueles que transmitissem notícias diferentes da versão
do governo eram severamente punidos e, de vez em quando, retidos.
Na WLIB, os produtores estavam finalizando suas histórias
politicamente corretas. Diretores espiavam por sobre os ombros, espe-
rando os artigos já prontos. Vários repórteres encontravam-se em
cabinas de som, gravando as notícias do dia. Editores realizavam as edi-
ções de vídeo e som para finalizar a sinopse das notícias. À medida que o
prazo final para apresentação do noticiário das 18 horas se aproximava, a
tensão no escritório aumentava.

— Trinta segundos para entrar no ar — gritou o cameraman.


Os locutores saíram carregando os papéis.
— Está faltando a matéria principal na minha pauta — disse em
pânico o jornalista principal.
— Vinte segundos — gritou o diretor do programa.
Uma funcionária estendeu a mão de onde estava sentada, agarrou
o script e saiu em disparada para a mesa do estúdio central. O estúdio foi
poupado de outro desastre.
— Cinco segundos. Atenção.
O caos da sala de redação foi substituído no mesmo instante por
um ar de profissionalismo.
No ar — gesticulou com os lábios o cameraman, enquanto
apontava para a câmera do estúdio.
— A seguir, aqui no Canal 5, às seis horas: os problemas de
dinheiro continuam. Teremos as últimas cifras e a resposta do governo —
noticiou Ken Action.
— Como o Oriente Médio está à beira de uma guerra, um oficial
europeu diz que tem a resposta para um acordo de paz — acrescentou
Sally Winter.
— E ainda hoje, em nossa reportagem especial, a guerra civil
sangrenta dos Estados Unidos. Sinais de paz em uma república que está
com os nervos à flor da pele — anunciou Ken.
— A seguir, as notícias do dia que mudarão sua vida — informou
Sally chamando os comerciais.
— Tudo em ordem — disse o diretor pelo sistema de som do
estúdio.
O clima do estúdio no mesmo instante mudou do profissional para
o informal, como se bons amigos conversassem sobre suas travessuras do
fim de semana.
Enquanto isso, no canto da sala de redação, o diretor de notícias,
Ben Stanwick, descansava em seu confortável escritório. Ben era um
homem de meia-idade cujos cabelos estavam ficando grisalhos
rapidamente. Eventualmente observava o drama que acontecia do lado
de fora de seu escritório.
Voltando-se para seu mais novo produtor executivo, Ben Stanwick
disse:
— Como pode ver, Sr. Wallace, meu jornal corre para cá e para lá
na mais perfeita tranquilidade, como nosso país.
Stephen Wallace sorriu.
— Sr. Wallace, preciso de um homem de fibra e de postura firme
nesta posição importante. — O diretor de notícias fez uma pausa para
formar as ideias. — Tenho o maior respeito por você, Stephen. Você
assumiu uma postura firme, e eu admiro isso.
— Sou grato por me dar esta oportunidade. Pensei que ficaria na
rua pedindo esmola. O Senhor tem sido bom para comigo — admitiu
Stephen.
Ben parecia envergonhado quando diminuiu a voz.
— Tenho de lhe pedir um favor, mesmo não querendo ter de fazê-
lo. Você não pode compartilhar sua fé cristã com seus companheiros de
trabalho.
Ben esperava que Stephen compreendesse as circunstâncias.
Stephen era inteligente o bastante para esperar esta proposta como con-
dição de trabalho. Ele permaneceu em silêncio enquanto observava seu
novo chefe esforçar-se por achar as palavras.
— Tenho um amigo que foi processado pela Comissão de
Oportunidades Igualitárias de Trabalho por compartilhar sua fé no
trabalho. Foi informado de que estava criando um ambiente de trabalho
que não era saudável. A comissão tinha ouvidos em toda parte. Arrisquei
meu trabalho ao contratar você, por isso, por favor, não me decepcione!
Stephen mostrou os dentes.
— Quando começo?
Ben olhou de relance para o produtor executivo que seria
dispensado. Os pés dele estavam sobre a mesa e ele estava mascando um
chiclete. Não parecia nem um pouco interessado no noticiário ao vivo que
estava em curso.
— O produtor executivo sairá do jornal na sexta-feira. Apareça
bem cedo na segunda.
Os dois se levantaram e se dirigiram para a porta.
— Obrigado, de verdade — disse Stephen. — Como você me
conseguiu este trabalho?
Ben sorriu.
— Digamos que meu chefe pensa como eu.
Stephen animou-se. Estava convencido de que Deus estava no
controle de tudo, até de ter sido demitido do jornal.
Ben colocou o braço no ombro de Stephen e disse:
— Estou contente por Deus tê-lo enviado.
A paz do momento se foi quando abriram a porta da cova dos
leões. Seguindo os passos de Ben pela turbulenta sala de redação,
Stephen orava em silêncio: "Jesus, ajuda-me a fazer a diferença aqui
neste lugar".
O singelo pedido de Stephen Wallace saiu flutuando direto para a
sala do trono do Deus Todo-Poderoso. Timothy, que havia sido reno-
meado o principal anjo da guarda de Stephen, pegou a oração no meio do
caminho. Levar as sinceras palavras até o Senhor era uma tarefa que
mexia com sua adrenalina. Entusiasmado, ele examinou seu novo
companheiro, Daniel.
Daniel fora designado para a classe de soldados rasos. Menor que
Timothy, Daniel tinha os olhos azuis da cor do mar, cabelos enrolados e
nariz pequeno. O anjinho também tinha um sorriso contagiante.
Ansioso, o novo soldado havia acabado de ser selecionado do rol
de soldados para apresentar-se ao campo de batalha. Sua vidinha sempre
girava em torno de tarefas seguras, como registrar e organizar as orações
de cristãos na região de Missouri. Dia após dia, Daniel separava os
pedidos que a Agência Central de Oração, mais conhecida como ACO,
enviava. Com as diversas mudanças se aproximando rapidamente, Deus
Jeová estava ordenando transferências de 30% do pessoal da parte de
processamento para o campo de treinamento. Estava claro para Daniel
que uma batalha de proporções bíblicas estava garantida em um futuro
próximo.
— Daniel, a principal obrigação de um anjo da guarda não é
guardar, mas comunicar. Seu principal trabalho será transmitir as
orações para a ACO. — Timothy ergueu a voz para conseguir a atenção
total do recruta. — Você deve ficar de guarda 24 horas por dia. Uma
oração sincera pode ser feita a qualquer hora e em qualquer lugar.
Muitos anjos inexperientes abandonam seus postos, principalmente
quando seus protegidos dormem. Esteja alerta o tempo todo. Você nunca
sabe ao certo quando aquele para o qual foi nomeado pode acordar.
Timothy colocou a oração de Stephen em um decodificador
espacial. Daniel observava todos os movimentos do mestre.
— O que você está fazendo agora? — perguntou o anjo curioso.
Estou captando a mensagem de nosso santo. Uma vez terminada
esta parte, você a introduz no sistema central de computadores. Esta
informação delicada é automaticamente enviada para a ACO. Assim que
recuperada, ela é automaticamente transmitida na velocidade da luz para
a sala do trono de Deus.
O soldado inexperiente observava perplexo.
— Por que você tem de ir à ACO se este equipamento faz todo o
trabalho? — perguntou o anjo intrigado.
— Fico surpreso em ver que alguém que já trabalhou na ACO não
conheça o sistema de funcionamento interno da agência — comentou
Timothy.
Daniel ficou arrasado. Lágrimas brotaram de seus olhos.
— Ninguém nunca me explicou. Por isso, não pensei que teria de
perguntar.
Timothy sentiu-se péssimo.
— Perdão. Machuquei você. Seu trabalho deve ter sido
estritamente controlado. No campo de batalha, o conhecimento de
guerra, a comunicação, o evangelismo e uma série de outros fatores são
importantes. Por favor, aceite minhas sinceras desculpas.
— Então, por que todo esse esforço e trabalho extra? — perguntou
Daniel.
A disposição de Timothy tornou-se mordaz.
— O exército de encrenqueiros de Satanás — respondeu o anjo.
Daniel ainda estava confuso.
— Veja, jovem soldado, os espiões experientes do Maligno
inventaram um sistema intrigante para bloquear as ondas sonoras. As
orações são engolidas por um enorme buraco negro de energia ionizada
reversa. Assim que são feitas, as orações se perdem no espaço. As tropas
de Lúcifer têm um número suficiente dessas máquinas para impedir
quase 10% das petições.
A ira justificada de Daniel veio à tona assim que ele voou em torno
de Timothy.
— Por que o Rei do universo permitiria que uma coisa dessas
acontecesse? — questionou o recruta. — Não tem sentido!
A paciência de Timothy chegou ao limite. Os modos de Daniel
estavam deixando-o perturbado. Com um movimento rápido do braço,
Timothy segurou uma das asas de Daniel.
— Venha já aqui e ouça-me — ordenou Timothy.
— Estou indo! Estou indo! — respondeu Daniel sem pensar.
Timothy soltou sua presa e observou quando Daniel prontamente
veio voando para seu lado.
— Existem algumas verdades tão profundas e tão secretas que
somente o Deus Todo-Pode-roso sabe as respostas. Devemos guardar a fé
e reconhecer que teremos todas as verdades na segunda vinda de Jesus
Cristo.
Timothy disparou em direção ao céu, tendo Daniel no seu rastro.
Assim que Timothy ganhou velocidade, Daniel, menos ágil, ficou para
trás, tropeçando na fumaça deixada por Timothy. Em poucos segundos,
os dois estavam a quilômetros de distância um do outro.
— Espere por mim! — gritava o anjo humilhado. — Não consigo
voar tão rápido!
A distância entre os dois chegou a dezesseis, e depois a trinta
quilômetros. Um sentimento de traição começou a dominar Daniel ao
perceber que seu amigo e mestre o abandonara. Daniel reduziu a
velocidade à de um jato e desistiu de seguir Timothy. Ficou pairando
sobre parte de uma nuvem onde não havia poluição, barulho nem
homens à vista. Ao olhar para o sul, o rio Mississipi apareceu diante de
seus olhos como uma serpente azul fazendo seu caminho pela paisagem
verde da floresta do Mississipi.
Daniel jamais tivera a chance de contemplar tamanho esplendor.
Sua posição de balconista havia lhe reservado um humilde escritório na
Agência Central de Oração. Daniel estava como um cãozinho curioso,
investigando tudo enquanto flutuava de uma nuvem para outra.
Contudo, não fazia a menor ideia do perigo que o espreitava a distância.
Uma onda de demônios rapidamente desceu em sua direção. Eles
disputavam entre si para ver quem teria permissão de sacrificar o
cordeiro angelical. A medida que a nuvem negra de demônios avançava
em direção à sua inocente vítima, Daniel confundiu-a com uma nuvem
escura. De repente, seu pior pesadelo tornou-se realidade.
Garras afiadas como lâminas encostaram nele. A força violenta do
vento bateu no seu corpo e lançou-o pelo ar. Daniel desceu em um
aglomerado de nuvens, ocultando-se da vista dos demônios por um
instante.
— Dividam-se! Vasculhem a região. Não deixem um centímetro
de nuvem sem ser revistado — ordenou o demônio que estava no
comando.
O anjo estava em estado de choque. Felizmente, uma nuvem que
se expandia camuflou perfeitamente seu pequeno corpo. Ele sabia que
aqueles cachorros demoníacos do submundo iriam encontrá-lo mais cedo
ou mais tarde. O que fazer? Correr? Permanecer escondido? Lutar? Onde
estava Timothy quando ele mais precisava dele? Fechou os olhos e
chorou em silêncio. Pôde ouvir o grupo que o procurava se aproximando.
Por que Timothy o deixara naquela situação?
Um demônio apontou no esconderijo de Daniel.
— Tropas, movam-se para o setor superior desta nuvem — bramiu
um demônio, que estava perto, para seu comandante.
O grupo de encrenqueiros no mesmo instante convergiu para a
nuvem que escondia Daniel. O anjo espremeu-se no canto mais escuro da
nuvem.
— Alto! — gritou o líder dos demônios.
Daniel permaneceu em silêncio e imóvel, como uma estátua. Os
demônios mergulharam de cabeça em direção àquele peque, no ponto
indistinto. Quase sem visibilidade alguma, foi possível apenas ouvir os
grunhidos e gemidos daquelas criaturas no momento em que con-
fundiam outro ponto escuro com Daniel.
— Eu o achei! — gritou um enquanto batia em seu companheiro.
— Ai! Seu imbecil! É o meu braço! — gritou o demônio
machucado.
Em meio àquele frenesi todo, era demônio batendo na cabeça de
outro, corpo contra corpo e espírito amaldiçoando outro. Depois de
alguns minutos, Daniel percebeu que o som da batalha mudara. Os
demônios desbocados pararam de praguejar. Em vez disso, começaram a
despejar seu lixo de ofensas verbais no Deus Jeová. Então, o anjo, ainda
escondido, ouviu os gritos de dor de um demônio que voava alguns
metros acima de sua cabeça. De repente, Daniel percebeu que o demônio
parara de voar. Ele havia sido pego e lançado para baixo como um monte
de feno.
— Daniel! Meu nome é Tiberius, capitão do exército santo de
Deus. Tudo em ordem. Pode sair agora.
O soldado inexperiente não saiu do lugar. Pensou ser mais um dos
truques de Satanás.
— Daniel! Sou eu, Timothy. Apareça.
Daniel continuou em silêncio. Aqueles ratos não iriam enganá-lo.
Quem quer que fosse o demônio, ele estava se saindo muito bem no seu
trabalho.
— Ouça-me, Daniel. Eu o deixei para trás para ensinar-lhe uma
lição muito valiosa. A atmosfera que cerca o planeta é controlada por
forças hostis. Na Bíblia, em Efésios 2.2, Deus diz que Satanás é o
"príncipe da potestade do ar". Portanto, a regra número um é: nunca pa-
rar em território inimigo. Timothy foi interrompido pelo recruta super-
zeloso.
— Por que você não me disse isso antes? — gritou Daniel. — Não
sou nenhum idiota!
— Eu sei. Também sei que você não sabe de tudo o que acontece
na guerra da terra. Deve acreditar em mim. Estou fazendo isso para seu
próprio bem. Não quero que seja pego de surpresa no campo de batalha.
Você nunca esteve em uma situação de grande perigo. Os soldados de
Deus e eu seguimos todos os passos do inimigo!
Daniel saiu planando em direção à voz de Timothy.
— Estou indo, Timothy. Sinto muito por não ter acreditado em
você.
Timothy foi o primeiro a avistar o jovem anjo. Correu para
encontrá-lo no meio do caminho.
— É bom vê-lo inteiro — disse Timothy.
Seu sorriso fez brotar lágrimas nos olhos de Daniel.
— Pensei que você tivesse me deixado para trás para servir de
refeição para os demônios — confessou abalado.
Tiberius consultou seu relógio atômico.
— Detesto interromper este momento de alegria, mas a cidade do
Kansas precisa de minha equipe de anjos imediatamente.
Timothy checou seu altímetro e disse:
— Acompanhe-me, companheiro. Temos uma longa jornada pela
frente.
— Para onde estamos indo?
— Para a ACO. Temos uma oração para entregar!
Stephen Wallace manobrava seu carro antigo no estacionamento
da WLIB TV 5. Ameaçava um temporal na metrópole de St. Louis. A
cidade toda estava sob a ameaça de uma inundação nesta escura manhã
de segunda-feira. Assim que colocou o carro na vaga do estacionamento,
Stephen jogou seu aparelho de barbear elétrico no banco traseiro e pegou
o guarda-chuva. Enquanto corria em direção à porta, uma repentina
rajada de vento arrancou o guarda-chuva de suas mãos. Dentro de se-
gundos, ele estava encharcado.
Aproximou-se da porta. Assim que passou pela recepcionista,
desviou a atenção da moça por causa do barulho que seus sapatos molha-
dos estavam fazendo.
Stephen abriu a porta da sala de redação.
— Bem-vindo à arca de Noé — provocou Ben.
— Obrigado, senhor — respondeu Stephen, deixando um rastro de
água atrás de si.
Enxugou a água que escorria de seu rosto enquanto Ben lhe
mostrava seu novo escritório.
— Você tem dez minutos para se enxugar e juntar-se a nós. Sua
reunião da manhã deve começar no máximo às 9h15, em ponto.
Ben apertou a mão molhada de Stephen e sumiu pela porta.
Enquanto Stephen desembrulhava sua pasta, o Senhor falou ao seu cora-
ção: "Defenda a verdade em todo o tempo".
Sentiu arrepios atravessarem-lhe o corpo todo ao mesmo tempo
em que sentia a presença do Espírito Santo.
O momento foi interrompido quando vários membros da equipe
entraram para fazer as apresentações.
— Olá, Sr. Wallace. Sou Camelita Rodriquez. Todos me chamam
de Cammy. Faço o jornal das seis. Puxa, você precisa de ajuda por aqui.
Cammy tinha quase 30 anos. O estresse no ramo das notícias
havia-lhe proporcionado alguns fios brancos em meio aos cabelos
escuros.
— É um prazer conhecê-la, Sra. Rodriquez. Ambos sorriram
cordialmente um para o outro. Um homem esbelto entrou e apresentou-
se.
— Sou Bubba Taylor, produtor das cinco.
Bubba usava um óculos de armação fina que normalmente
escorregava pelo nariz. Tinha uma voz alta que podia sobrelevar os ruí-
dos da sala de redação. Era visível que ele tinha quase 40 anos; no
entanto, vestia-se como um jovenzinho cabulando as aulas.
Os dois deram-se as mãos. A força do aperto de Bubba
surpreendeu Stephen.
— Prazer em conhecê-lo, Bubba — disse Stephen, soltando a mão
e fazendo-lhe uma massagem.
Cammy sorriu em voz baixa. Stephen examinou suas anotações.
— Por que vocês não se sentam? — disse o novo produtor
executivo.
Antes de ele ter a chance de falar, os dois âncoras do Canal 5
entraram na sala. Stephen levantou-se para cumprimentá-los.
Com voz forte e polida, o âncora principal apresentou-se. — Olá,
Sr. Wallace. Ken Action.
Webster deve ter colocado a ilustração de Ken perto dos adjetivos
arrogante, vaidoso, egoísta e convencido quando fez seu dicionário.
— Bom, Ken, é um prazer conhecê-lo pessoalmente. Por favor,
sente-se.
A falta de entusiasmo de Stephen após o encontro com a
celebridade de St. Louis incomodou o ego inseguro de Ken. — Olá, sou
Sally Winter. Prazer em conhecê-lo.
Sally era uma agulha no palheiro da mídia. Era a parte incorrupta
de ouro puro que brilhava no meio de uma porção de ouro formada por
idiotas. Mesmo com seu status de estrela, ela era naturalmente modesta e
atenciosa.
Sally Winter e Ken Action estavam de casamento marcado para
outubro próximo. Isso intrigava seus amigos mais próximos. Eles não
conseguiam entender por que esta jovem meiga e conhecida da Geórgia
era noiva de um homem pretensioso como Ken.
Stephen educadamente estendeu a mão.
— Sally, finalmente é um prazer conhecê-la pessoalmente. Ouvi
ótimos comentários a seu respeito.
Sally ficou vermelha de vergonha. Ambos sentaram-se e sorriam
um para o outro.
— Em primeiro lugar, gostaria que soubessem algumas coisas a
meu respeito. Trabalho na mídia há 20 anos. Penso que já vi tudo o que
este ramo de atividade pode lançar sobre uma pessoa.
Stephen fez uma pausa para esperar a atenção de Ken. — Ken,
você se importaria de participar da reunião?
Ken acordou de uma soneca. Ele detestava essas reuniões e
gostava de expressar seu desinteresse.
— Perdão. Meu turno normalmente começa às 15h, não às 9h.
O tom de Ken foi mais apático do que sincero em desculpar-se.
Todos podiam ver que Ken estava testando Stephen.
— Eu entendo, Ken. O objetivo desta reunião, no entanto, é trocar
informações, não dormir. Qualquer pessoa pode ser substituída se vier a
ser um empecilho ao sucesso deste departamento.
Sally deu-lhe um olhar de repreensão. Ken permaneceu quieto.
— Não sei se posso falar por todos aqui — disse ela —, mas quero
dizer que estou totalmente do seu lado.
Todos, exceto Ken, rapidamente defenderam sua posição. —
Obrigado, Sally. Sabia que poderia contar com você como participante
ativa da equipe.
Ken mordeu a língua. Stephen sorriu para Sally, e depois para
Ken.
— A primeira norma desse ramo é instituir um código de conduta
nesta estação de televisão. Minha preocupação é reforçar nossa posição
nos índices de audiência. Resumindo, as pessoas querem a verdade.
Meus planos são de que elas apenas tenham isso. Ben e eu decidimos que
o ponto de vista político de vocês deve ser deixado em casa. Quer seja
conservador, quer seja liberal, ele não é bem-vindo no noticiário das seis.
Estou cansado de ver uma matéria ostensivamente pró-constitucionalista
seguida de uma visivelmente pró-nacionalista. Esta estação de televisão
não deve ser usada como um veículo para inculcar nos cidadãos uma
visão de mundo particular de uma pessoa. Deve mos oferecer uma
reportagem imparcial, não uma máquina de propaganda da esquerda ou
da direita.
Ninguém disse uma palavra. Todos eles sabiam que a maioria dos
repórteres e produtores mais importantes consideraria isso uma decla-
ração de guerra.
Stephen sorriu nervosamente enquanto se inclinava para frente.
— Eu sei que parece impossível, mas meu plano é bastante
simples. Primeiro passo: nós nos tornamos jornalistas, não ativistas
sociais. Quero ver as duas versões da matéria apresentada, seja qual for o
preço a ser pago. Aqueles que não se comprometerem com esta norma
serão prontamente dispensados. Segundo passo: concordaremos em
nunca mais soltar ferroadas fora de contexto. Quando nossa estação é
procurada, quem a procura precisa sentir que será de fato citado.
Terceiro passo: todas as matérias me serão submetidas antes de serem
veiculadas. Aqueles que não cumprirem esta ordem poderão ter a
demissão imediata.
Os olhos de Ken fecharam-se rápido.
— Isso vale para editores, produtores, repórteres e âncoras.
Ken arregalou os olhos que davam-lhe aparência de sono.
Será que ele estava sendo ameaçado? Podia pegar seu talento e ir
para onde bem entendesse. Sem ele, este departamento de notícias não
seria nada.
— Digamos que eu esteja digitando uma matéria às 10h30 para o
programa das onze. Como conseguirei a confirmação para meu script
uma vez que você está em casa dormindo? — escarneceu Ken.
— Você tira o telefone do gancho, disca meu número, que estará
no terminal do seu computador, pergunta por mim e depois lê seu script
— instruiu Stephen, que demonstrava mais paciência que Ken.
Ken ficou estranhamente em silêncio.
Stephen pegou a seção de notícias locais do jornal e, com ousadia,
leu as manchetes do dia.
— "Cidade de St. Louis censura orçamento da Previdência Social".
"Porte ilegal de armas espalha violência". "Igreja local que prega men-
sagens de ódio logo será fechada". "Seminário voltado para o amor
espiritual recebe elogios de líderes locais". "O número de mortes locais
na guerra civil atinge 2.000".
Fechou o jornal e jogou-o na lata de lixo à vista de todos.
— Para que fazer isso? — perguntou Bubba. — Tem notícias boas
naquela seção.
Stephen balançou a cabeça, não acreditando no que ouvia. — Boas
notícias? Quatro de cinco dessas manchetes são tendenciosas. Na
verdade, acredito que os autores nem mesmo reconhecem sua própria
parcialidade. Pessoal, precisamos ser jornalistas responsáveis cujas
notícias sejam apresentadas na totalidade. Não podemos simplesmente
divulgar notícias adequadas à nossa visão de mundo. Quero fatos e não
ficções engenhosamente dissimuladas.
Ken Action interrompeu de forma abrupta:
— Dá um tempo! Você está começando a parecer um daqueles
fanáticos religiosos da direita!
— Não sou um extremista da direita, mas sou cristão — respondeu
Stephen.
— Ah, isso é ótimo! Fale sobre parcialidade — murmurou Ken.
— O problema é que os liberais não se colocam no lugar dos
conservadores. Não tentam entender o outro lado da faceta política. O
mesmo também se aplica ao movimento conservador. Nesta época, nos
Estados Unidos, a tendência visível da mídia local e nacional é o
liberalismo. É a ideologia moderna do movimento nacionalista atual —
explicou Stephen.
Ken girou os olhos mostrando um nítido desdém. Stephen
menosprezou sua bizarrice.
— Stephen, você acha que temos predisposição para a esquerda
ou para a direita? — perguntou Cammy.
Stephen fechou as duas mãos sobre a mesa. Encostou-se na
cadeira e pensou se responderia a pergunta.
— Tenho a opinião de que existe uma tendência de 90% em
relação ao ponto de vista liberal ou nacionalista, o que é perfeitamente
compreensível, com nosso governo solicitando às estações matérias pró-
constitucionalistas.
— Tudo bem, deixando de lado esse assunto, vamos dar uma boa
olhada nessas manchetes. "Cidade de St. Louis censura orçamento da
Previdência Social". Algum problema aqui?
Nenhuma palavra. Depois de um silêncio embaraçoso, Sally
humildemente se manifestou.
— O termo "censura" tem uma conotação negativa.
Acertou na mosca!
Stephen pegou o dicionário para ver o significado da palavra
"censurar".
— E só uma palavra — disse Bubba.
— Bubba, palavras significam coisas. Temos o dever de sermos
bons jornalistas e bons autores. Devemos ter cuidado em usar palavras
que dizem exatamente o que querem dizer. — Stephen encontrou a
palavra logo em seguida. — Censurar: criticar severamente. Fazer cortes,
reprovar ou repreender. — Fechou o dicionário e colocou-o no meio da
mesa. — É claro que uma pessoa que acha que a transferência de
pagamentos é desumano, negligente ou cruel usaria esta palavra. Este é o
ponto de vista liberal. Agora, imaginem como os conservadores ou
constitucionalistas poderiam usar essa manchete da forma que
quisessem.
Stephen esperou sugestões. Todos estavam espantados.
— E quanto a esta outra? "Orçamento da Previdência Social é
cortado para o bem do país". Alguém poderia me dizer como escrever
essa manchete com alguma coisa que se assemelhe à credibilidade
jornalística?
Cammy ergueu a mão.
— O que acha desta: "Orçamento da Previdência Social reduzido
em torno de 40%"?
— Boa! — exclamou Stephen. — E a manchete seguinte: "Porte
ilegal de armas espalha violência"? Alguma dessas palavras expressa a
idéia central desta notícia?
Cammy, Bubba e Sally foram unânimes em balançar a cabeça
respondendo que não. Enquanto isso, Ken mantinha sua pose hostil,
como que a de uma estátua.
— Vocês estão totalmente certos. As palavras falam por si
mesmas. É a mensagem que é parcial. Alguns podem até rotulá-la de ma-
nipuladora. Ela parece dizer que um número maior de atos de violência
está ocorrendo por causa do aumento do porte ilegal de armas. O que ela
não diz é que me incomoda. Ela não diz que a violência aumentou em
300% depois que todas as armas foram banidas pelo governo. Esses fatos
importantes estavam convenientemente ausentes da matéria.
Sally lembrou-se de ter apresentado aquela matéria na noite
anterior.
— Gostaria de ter recebido estas estatísticas antes de veicular a
notícia. Onde as conseguiu? — perguntou Sally.
— Pesquisa! — Ken girou os olhos novamente. Preferiu resmungar
a dar um pouco de atenção. Ninguém reagiu à sua atitude. — Confiamos
exclusivamente nos nossos informantes para obter todas as matérias e
informações novas. Isso tem de acabar. Tenho em mente a contratação
de dois novos funcionários nesta semana cuja principal responsabilidade
será reunir fatos. Com este conhecimento decisivo, estaremos equipados
para apresentar as duas versões de uma matéria.
Stephen pegou a caneta e analisou a manchete que seria discutida
em seguida.
— "Igreja local que prega mensagens de ódio logo será fechada". —
Stephen tentou desesperadamente manter o equilíbrio e imparcialidade.
Respirou fundo e orou para que o Senhor controlasse sua língua.
— E o que vocês me dizem dessa manchete? Algum problema
nela? — perguntou Stephen.
— Eu usaria o termo "que espalha" em vez de "que prega"
observou Ken.
— A palavra "ódio" me incomoda um pouco — disse Cammy.
Talvez outro termo como "engano" ou "violência" soaria melhor.
Stephen ensaiou um sorriso formal enquanto pensava no próximo
passo.
— Pessoal, a mídia parece estar em uma perseguição à religião.
Ken interrompeu seu novo chefe.
— Se isto for verdade, então, por que o jornal fez uma matéria
sobre o seminário de consciência espiritual? Parece ser uma matéria
positiva a favor da religião em nossa comunidade.
Sally balançou a cabeça concordando e disse:
— Stephen, posso entender seu ponto de vista sobre todas essas
outras matérias. Mas tenho de admitir que parece haver um equilíbrio
nesta questão da religião.
Stephen olhou para os sapatos molhados enquanto batia a caneta
na mesa e orou em silêncio: "Senhor, por favor, conceda-me a sabedoria
necessária para explicar Tua posição. Abre os olhos dessas pessoas para a
verdade".
Naquele momento, Timothy e Daniel entraram na sala.
Acabavam de chegar da Agência Central de Oração. Timothy
localizou a oração de Stephen do outro lado da sala e a decifrou em seu
decodificador de orações.
— Daniel, fique aqui enquanto entrego este pedido. Preste
atenção em outras orações do santo! — Timothy saiu correndo. — Fique
com os olhos abertos naqueles rebeldes — ordenou.
A voz de Timothy ecoava enquanto pegava distância e foi sumindo
à medida que ele corria em direção ao céu. Daniel se pôs no canto do
escritório perto dos pés de Sally Winter.
— Esta igreja "que prega mensagens de ódio" que está nas
manchetes é a minha igreja! — disse Stephen.
Os olhos de Sally se arregalaram, o queixo de Cammy caiu e Bubba
ficou inquieto. Ken cruzou os braços, encostou-se no assento e sorriu
maliciosamente.
— Por que o jornal está dizendo que sua igreja está pregando o
ódio? Tenho amigos que trabalham lá, e não creio que tiveram a intenção
de mentir — perguntou Sally.
Stephen sabia que a guerra espiritual acabara de começar.
— Existe uma minoria sem papas na língua neste país tentando
destruir a Igreja de Cristo. Como jornalistas objetivos, precisamos
separar o que é fato e o que é ficção. Quando li essa matéria pela primeira
vez, ficou-me tristemente claro que os repórteres tinham um
conhecimento muito pequeno sobre este delicado assunto.
O rosto de Stephen ficava vermelho e molhado à medida que o
sangue subia para a cabeça.
— Um repórter do jornal de nossa cidade apareceu em cena e
conversou apenas com os ativistas que se levantaram contra nós — nem o
pastor ou qualquer outro membro da igreja foi procurado. Pessoal, isto é
jornalismo barato.
Sally parecia confusa e um pouco preocupada.
— Então por que o governo está para fechar sua igreja? Parece
uma injustiça!
Stephen balançou a cabeça.
— Eu usaria o termo crime. Há cerca de seis meses, o
Departamento de Justiça ordenou que o FBI acabasse com as igrejas. A
primeira coisa que eles fizeram foi ameaçar todas as igrejas que
professavam a fé cristã por todo o país com a perda de seu benefício de
isenção de imposto se continuassem a pregar a Bíblia toda. Dentro de um
mês, a ameaça deixou de ser simplesmente uma ameaça e eles nos im-
putaram uma taxa no valor de 30 mil dólares. Não dispúnhamos daquela
quantia. Eles estão reavendo a propriedade hoje.
Sally estava enfurecida.
— Acho que devemos fazer uma matéria de três minutos sobre
este assunto.
— Tudo bem, Sally. Se estiver falando sério, conseguirei o número
do telefone do pastor para você. Talvez você queira entrevistar alguns
membros também. Além disso, irei colocá-la em contato com um dos
centenas de membros que assistimos quando estão com necessidade. —
Stephen fez uma pausa para juntar as ideias. — Entre em contato com a
Receita e o escritório do congresso para obter sua réplica.
— Se queremos esta matéria para o programa das seis, preciso sair
agora mesmo — disse Sally, que imediatamente se levantou para apertar
a mão de Stephen. — Obrigada por ser honesto. Estava ansiosa para
trabalhar para um chefe de respeito — elogiou.
— Por nada.
Stephen sentiu-se encorajado pela prontidão de Sally em ver a
verdade e lutar por ela. Fez algumas anotações antes de fazer o resumo
da reunião. Ken resmungou sobre um processo do governo e da estação
não estar na ativa em seis meses. Stephen ignorou-o.
— Tudo bem, esta última manchete é interessante. "Seminário
voltado para o amor espiritual recebe elogios de líderes locais". O que
vocês acham disso?
Ken resolveu participar da conversa.
— Foi exatamente assim porque participei do seminário. Foi
fantástico! Todos com quem conversei concordaram com a filosofia.
Essas grandes ideias como paz na terra por meio da harmonia espiritual
foram discutidas.
Stephen escolheu suas palavras com cuidado. — Isto parece um
dos grupos da Nova Era.
— Isso mesmo — respondeu a estrela do noticiário. — Na verdade,
este é o principal grupo da Nova Era. Segundo ele, a terra logo entrará na
nova era de Aquário — sem guerras, sem fome, sem brigas, só paz e
amor.
Stephen sabia que não se tratava de um movimento religioso
baseado na Bíblia e decidiu mudar o rumo da conversa potencialmente
explosiva.
— Existe alguma coisa nesta manchete que incomoda vocês? —
sondou Stephen.
Silêncio encheu o ar. Stephen esperou a resposta, paciente. — A
meu ver, temos uma fantástica visão de uma versão da história — disse
Stephen.
— Afinal, o que você quer dizer com isso? Que outra versão existe
para a história? — perguntou o âncora.
Stephen parou para avaliar sua próxima ideia.
— Um conhecido meu foi tirado deste evento pacífico. Foi dito
que ele questionava a doutrina religiosa do convidado especial.
Stephen abriu a boca para dar continuidade ao seu pensamento
quando Ken interveio.
O rapaz era visivelmente um encrenqueiro. Ele teve a coragem de
se levantar e insultar este distinto grupo de ministros à vista de todos —
opôs-se Ken.
Meu amigo me disse que sua declaração não foi bem-vinda.
Segundo ele, afirmou que Jesus é Deus e queria saber o que eles achavam
disso. Este grupo prontamente o retirou da reunião.
Stephen rapidamente levantou a mão para impedir o próximo
ataque verbal.
— Ouça, Ken, meu objetivo não é tomar partido de uma religião
em particular. O que quero fazer é ser fiel à verdade.
Ken ainda teimou.
— Este seminário foi bom. O direito religioso, do qual você
evidentemente é um membro legítimo, poderia aprender coisas boas com
essas pessoas amantes da paz.
Stephen prudentemente ignorou sua observação.
— Temos um noticiário a ser apresentado daqui a
aproximadamente oito horas. Cammy, Bubba, o que vocês têm em
mente?
Bubba manifestou-se primeiro.
— Acho que devemos ignorar essas matérias de cunho religioso.
Esta não é uma questão na qual normalmente lidamos no passado.
— Estou com Bubba. Acho que devemos nos concentrar na
política, na guerra e nos crimes — disse Cammy.
Stephen estava perturbado com as opiniões apresentadas.
— Gente, vocês sabiam que dois terços dos americanos se
consideram religiosos?
Cammy e Bubba pareceram assustados. Ken despreocupadamente
olhou para o relógio e se levantou.
— Sinto muito, mas tenho de ir. Tenho uma consulta com o
dentista daqui a 20 minutos. Espero que em nossa próxima reunião
possamos pôr um ponto final neste papo de religião.
Ken saiu da sala. Stephen fez o possível para manter sua postura
profissional.
— Entendo suas preocupações em introduzir a questão da religião
em nosso noticiário. Devo dizer-lhe que a guerra civil tem suas raízes na
religião. Cammy, escolha um repórter para cobrir as vantagens e
desvantagens deste seminário religioso.
Stephen passou os olhos em algumas notícias oficiais.
— Os rumores de uma nova corrente nos Estados Unidos parecem
estar se intensificando. Vamos fazer um artigo sobre como isto pode afe-
tar a média dos americanos. Além disso, veja se você consegue encontrar
alguma ligação entre as Nações Unidas e esta nova ideia de dolarização.
Cammy e Bubba atenciosamente fizeram algumas anotações.
— O objetivo das Nações Unidas para promover a paz acabou de
ser oficializado. Parece que eles querem colocar suas tropas em solo
americano. Vamos realizar uma pesquisa para descobrir a reação das
pessoas sobre esta questão. Parece que esta ideia pode virar nossa
constituição de pernas para o ar. Vamos preparar uma matéria incluindo
a opinião de um advogado local sobre a questão de tropas estrangeiras
em nosso território. Saberemos ao certo se temos opiniões conflitantes de
modo que poderemos ver as divergências sobre a questão.
— Quais são as últimas estatísticas sobre o índice de desemprego
em St. Louis? — perguntou Stephen.
Cammy examinou suas anotações e balançou a cabeça,
desesperada.
— Chega a outro número inteiro. Agora está em 24%.
Stephen ficou triste.
— Em vez de apresentarmos os novos números, vamos preparar
algo mais detalhado, com histórias pessoais descrevendo os efeitos
verídicos de se perder o ganha-pão. Devemos fazer uma série de uma
semana destacando uma pessoa desempregada por dia. Podemos discutir
o motivo pelo qual esta pessoa perdeu o emprego, que efeitos a crise
econômica e a guerra civil tiveram em sua demissão, quais são seus
planos para o futuro e o que ela está sentindo. Uma série de interesse hu-
mano com uma pitada de política funcionaria perfeitamente.
Cammy e Bubba estavam impressionados. Stephen levantou-se
dando a entender que a reunião estava encerrada.
— Obrigado pela presença de vocês e pela valiosa contribuição.
Não deixem de manter contato no que se refere a essas matérias.
Cammy e Bubba voltaram rapidamente para suas mesas na sala de
redação. Stephen sentou-se e tirou da gaveta um bloco de anotações.
"Prezada Sally, minha esposa e eu gostaríamos de convidar você e
Ken para um jantar esta noite. Que tal lá pelas sete, logo depois do
noticiário? Por gentileza, responda o mais rápido possível. Obrigado!"

O Corvette vermelho cortava caminho ao atravessar o tráfego da


hora do rush, provocando o destino a cada oportunidade.
Dentro dele estava Ken Action, confortavelmente sentado ao
volante de seu mais novo brinquedo.
— Ken Action, é melhor reduzir a velocidade e dirigir como uma
pessoa normal! — gritou Sally enquanto afundava o salto do sapato no
carpete escuro.
Ken ignorou sua observação, lançando um sorriso na direção dela.
— Veja isto, doçura — gabou-se Ken quando colocou a terceira
marcha.
O carro passou dos 110 para os 150 quilômetros por hora em
menos de três segundos. O tráfego nas pistas ao redor do Corvette
parecia parado.
— Sinta a força. É como se a máquina e eu fôssemos um! Ah!
— Para mim, você tem duas opções: reduzir a velocidade deste
carro e agir como um adulto ou parar na rua mais próxima e me deixar
sair! — ameaçou Sally.
Ken espertamente tirou o pé do acelerador e pisou no freio. —
Sinto muito, querida. Só estava me divertindo um pouco.
— Tenho algo para lhe dizer: cresça! Eu sei que você estava
tentando se divertir, mas não ponha nossa vida em perigo. — Sally
abaixou a voz. — Tenho a intenção de passar o resto da minha vida com
você. Talvez seja preciso mais tempo para eu endireitá-lo.
Ken concordou balançando a cabeça.
Se alguém pode fazer isso, esse alguém certamente é você. — Ken
foi para a pista da direita e começou a dirigir devagar. — Eu não estou
com vontade de ir a esse jantar. Stephen me dá arrepios. Ele é um
encrenqueiro metido a espertalhão que quer as coisas do seu jeito, do
contrário, sem chance.
Ken, ele é seu chefe. Será que preciso lembrado que ele tem
autoridade para demiti-lo?
Ken riu tanto que quase perdeu o controle do carro.
— Eles não vão demitir Ken Action. Sou quem as pessoas
procuram quando buscam notícias reais. Sou o rosto mais conhecido
desta região. Se não fosse por mim, a estação estaria em terceiro lugar e a
caminho da falência!
Sally ignorou a arrogância de Ken como já havia feito centenas de
vezes. Sabia que a vaidade dele não passava de uma leve capa disfarçada.
A insegurança de Ken fazia com que ela o amasse ainda mais.
Assim que viraram a esquina, Ken assumiu um comportamento
desagradável.
— Não quero ir a este jantar. Prometo que vou ser repugnante seja
o que acontecer. Eu...
— Cale a boca, Ken! Se me ama, terá de ser atencioso com Stephen
e sua esposa.
— Vou me comportar, a menos que ele continue com aquele papo
de religião de novo.
Ken cuidadosamente parou na entrada da casa de Stephen.
— Falei sério. Comporte-se — advertiu Sally.
Enquanto se dirigiam à porta, deram-se as mãos em silêncio. A
casa de Stephen era uma modesta casa de fazenda feita de tijolos que fi-
cava na periferia. Um arranjo repleto de flores acompanhava a calçada.
Enquanto Ken seguia Sally pela calçada, Stephen abriu a porta e
cumprimentou seus convidados com entusiasmo. Ficou surpreso em ver
Ken. Queria saber o que Sally havia feito para convencê-lo a ir.
— Bom... olá, Sally.
Stephen graciosamente apertou a mão de Sally, que sorriu sem
dizer uma palavra. Stephen logo olhou para Ken.
— Ken, não tenho palavras para expressar o quanto é importante
para nós que você tenha reservado um tempo em sua agenda lotada para
vir jantar conosco.
Stephen ficou entusiasmado em ver Ken, mas o entusiasmo logo
perdeu o brilho.
— Obrigado pelo convite. Sally me disse que sua esposa coloca
muitos chefes de cozinha no bolso — respondeu Ken.
Sabrina, a esposa de Stephen, ouviu sem querer o elogio enquanto
saía da cozinha.
— Bom... obrigada pelo voto de confiança — disse Sabrina
enquanto cumprimentava seus convidados. — Ken e Sally, é um prazer
conhecê-los. Gosto de verdade de assistir vocês dois no noticiário da
noite.
Sally ficou vermelha.
— Obrigada pelas palavras de carinho.
Sally acompanhou Sabrina até a cozinha. Sabrina levantou a voz
assim que virou o corredor da sala de estar.
— Vocês, rapazes, ficam aqui e se acomodem. O jantar estará
pronto em cinco minutos. Por isso, não toquem naquela sobremesa que
está na mesa!
As duas logo desapareceram pela porta da cozinha. Ken olhou
para Stephen, que imediatamente tentou quebrar o gelo. — Sente-se, por
favor — disse Stephen.
Ken foi sentar-se na cadeira de reclinar de Stephen e afundou em
suas almofadas macias. Ignorando Stephen, puxou a alavanca que ficava
no lado da cadeira, que logo ficou na posição de reclinar. Ken estendeu os
músculos e olhou para o teto. Esperava irritar Stephen. Para sua
decepção, Stephen ficou mais amigável, sentando-se no sofá e tentando
relaxar.
— Essa cadeira é uma beleza, meu amigo. Ela literalmente abre os
braços e abraça você. Eu me esparramo nela todas as noites. É a segunda
melhor coisa depois do céu.
Ken forçou um sorriso. A gelada não impediu Stephen de
continuar a falar.
— Quando era criança, você já fazia planos de ser âncora? —
perguntou Stephen.
Que isso! Queria ser piloto de avião de combate. Queria usar meus
talentos superiores para salvar o universo. Tinha costume de assistir
àqueles filmes de Guerras nas Estrelas várias vezes, fingindo ser Luke
Skywalker. Quando descobri o quanto os empregos na área de pilotagem
eram escassos, formei-me em Comunicação com o sonho de ser uma
estrela do noticiário.
— Por que... — Stephen foi interrompido no mesmo instante.
— Meu primeiro trabalho na televisão foi em Montana — o estado
onde o ar é frio, mas as mulheres são quentes.
Ken ria consigo mesmo. Stephen sorriu para ser educado.
Tentou dizer algo, mas Ken continuou a se gabar.
— Depois de Montana, recebi uma proposta de emprego em
Birmingham, no Alabama. É óbvio que fui um sucesso imediato.
Stephen decidiu sentar-se e relaxar. Aguentaria firme esse show
de petulância.
— Ah, deixe-me lhe contar como são as mulheres do sul. Elas
falam como rainhas vindas do céu. São doces, sedutoras, mas espertas.
Esta é a razão pela qual vou me casar com Sally. Ela...
— Por acaso ouvi meu nome, Ken? Você não está inventando
histórias a meu respeito, não é? Stephen é esperto demais para acreditar
nessas suas histórias.
Todos riram, menos Ken.
— O jantar está na mesa — anunciou Sabrina.
Stephen e Ken correram para a mesa. Ken alegremente passou por
Stephen e foi o primeiro a sentar-se. Pegou uma colher e estendeu a mão
para servir-se da lasanha que pegava fogo.
— Você se importa se fizermos uma oração primeiro? —
perguntou Stephen.
Sally deu um tapa na mão de Ken.
Onde estão seus modos, rapaz? No sul, sempre fazemos uma
oração antes da refeição.
Desculpa, pessoal. Por favor, vá em frente com a oração
desculpou-se Ken.
Stephen orou.
— Senhor Jesus, agradecemos-Te pelas bênçãos da vida. Obrigado
pela presença de Ken e Sally aqui esta noite. Pedimos que o Senhor toque
na nossa vida. Nutra nosso corpo com o alimento e nosso espírito com
Tua presença. E no Teu nome que oramos. Amém.
Stephen rapidamente abriu os olhos e pegou a colher que estava
perto da mão de Ken. Sem hesitação, Stephen enfiou-a na comida.
— Vejam os reflexos — riu Sally.
— Veja só, sou um cavalheiro. Estas senhoras distintas e aplicadas
devem ser servidas primeiro — disse Ken com um sorriso.
Ken pegou as cenouras e colocou os legumes no prato de Sally,
ignorando o seu prato.
— Obrigada, Ken. Eu sabia que você tinha modos; só não sei
quando ou onde eles dão o ar da graça — brincou Sally.
O jantar continuou sem qualquer ataque verbal. Terminado,
Stephen não hesitou em ajudar as senhoras com os pratos. Ken, relutan-
te, seguiu seu exemplo.
— Vocês gostariam de um café? — perguntou Sabrina. Ken foi o
primeiro a responder.
— Pode apostar. Com bastante creme e açúcar, e uma dose extra
de cafeína, por favor.
Sabrina olhou para Sally.
— Sim, obrigada. Seria muito bom. Sabrina voltou para a sala de
estar com uma bandeja de café nas mãos. Seus olhos brilhantes e alegres
iluminaram a sala. Colocou a bandeja na mesa de centro.
— Espero que gostem. É uma mistura de café com algumas
especiarias. Vai cacau, noz-moscada e um pouquinho de hortelã da
Irlanda.
Sally bateu palmas em silêncio.
— Adoro chocolate. Sonho com chocolate. Vivo de chocolate! Na
verdade, preferiria me encher de chocolate a ficar perdida em uma linda
ilha deserta por uma semana.
Todos riram, inclusive Ken. Era visível que ele estava se divertindo
muito, ainda que sua arrogância nunca permitisse que ele o admitisse.
Olhou para seu relógio de ouro e cutucou sua noiva.
— Vamos ter de ir logo — disse Ken enquanto batia com o dedo
em seu Rolex.
Sally apenas olhou para seu relógio.
— Oh, fique quieto, seu desmancha-prazeres. Temos mais uma
hora para desfrutar da companhia deles.
Olhou para Stephen para ver se ele aprovava o que disse.
— Cammy é excelente. Ela pode redigir grande parte do
programa. Sentem-se e relaxem — ordenou Stephen despreocupado.
Ken afundou onde estava sentado.
— Vocês frequentam alguma igreja aqui da região? — perguntou
Sabrina.
Ken ignorou a pergunta. Sally sorriu enquanto encolhia os
ombros.
— Na verdade, não. Não me entenda mal. Acredito em Deus e sei
que deveria estar indo à igreja. Nunca mais fui a uma igreja desde que
mudei para cá no ano passado.
Sabrina sorriu.
— Vocês deveriam ir conosco neste domingo. Nossa igreja é uma
igreja cristã e não está afiliada a nenhuma denominação. É formada
apenas por pessoas que crêem na Bíblia e se reúnem para ouvir a Palavra
de Deus — disse Sabrina de forma delicada e sem um tom ameaçador.
Ken deu um pulo, vindo parar na beira da cadeira.
— Sinto muito, gente. De minha parte, não estou interessado. Se
vocês gostam desse papo de religião, melhor para vocês, mas não me for-
cem a aceitá-lo.
— Tenho a impressão de que levar Ken à igreja seria como mandar
um porco para o matadouro. Ele só vai saber espernear e guinchar —
provocou Sally.
— Sally, você está convidada para ir conosco — disse Sabrina.
Sally olhou para Ken, perscrutando seus sentimentos sobre a
questão.
— Obrigada pelo convite, mas acho melhor não.
A consciência de Sally estava deixando-a muito nervosa.
— Sinto-me como se fosse uma cristã. Você sabe, uma pessoa não
precisa ir à igreja para ser chamada de cristã.
Sabrina sentou-se depressa na beira da cadeira.
— Deixe-me lhe fazer uma pergunta, Sally. O que torna uma
pessoa cristã?
Ken girou os olhos e voltou a encostar-se em seu assento. Sally
ficou pensando na pergunta.
— Bem, acho que ela deve ser o melhor que puder. Amar as
pessoas e fazer o que é certo. Obedecer aos Dez Mandamentos. — Sally
gaguejava enquanto formava ideias do que ainda restava. — Ela deve crer
em Deus!
Sabrina sorriu para Sally e apertou-lhe a mão. Stephen podia
sentir a temperatura de Ken subindo. Sem que ninguém percebesse,
Stephen orou em silêncio ao Senhor.
"Senhor Jesus, eu Te peço apenas um favor. Não quero riqueza,
fama, nem mesmo saúde. Só quero sabedoria para falar da verdade de
Tua salvação com paciência e amor. Por favor, Senhor, ajuda Sally e Ken
a enxergarem que o Senhor morreu na cruz para libertar as pessoas do
pecado. Abra o coração deles para que tenham um relacionamento
pessoal Contigo. Amém."

A sala de redação no Canal 5 estava quase vazia. Praticamente


todos estavam fazendo o horário do jantar. Timothy e Daniel, os soldados
espirituais do Deus Todo-Poderoso, estavam sentados na beira do
telhado da estação de TV. Balançavam os pés lá no telhado. Timothy es-
tava ensinando a Daniel os principais pontos da guerra dos anjos.
— Quando um daqueles demônios fedorentos e grosseiros tentar
violar seu espaço aéreo, use este artifício uma, duas, três vezes bem na
cara feia dele.
Timothy pulou e flexionou os músculos. Aos poucos foi
contorcendo seu corpo angelical. Só para fazer uma demonstração, ele
gritou com toda a força de seus pulmões. Girou como um redemoinho
desenfreado. Seus braços e pernas giravam freneticamente, como uma
serra de arco pronta para derrubar uma árvore.
— Uau! — exclamou Daniel. — Foi o melhor golpe que já vi.
Timothy tentou permanecer humilde.
— Veja, é preciso anos de treinamento intenso e... — Timothy
ficou em silêncio, olhando para o céu.
Daniel não tinha a menor idéia do que estava acontecendo.
— O que está acontecendo? Você está ouvindo alguma coisa?
Timothy continuou em silêncio.
— Por que não consigo ouvir o que você está ouvindo?
Timothy se concentrava nas ordens que estava recebendo.
— É o nosso santo. Ele está pedindo orientação e poder do
Espírito Santo. Ele quer que o Senhor converta não-cristãos a Cristo. Eles
irão precisar de apoio para vencer esta perigosa operação!
Timothy tentou cobrir todas as suas bases enquanto analisava esta
delicada situação.
— Daniel, fique em sua estação. Proteja nosso posto com todos os
recursos de que dispõe. A batalha na casa de Stephen pode vir parar aqui.
— Timothy colocou a mão tremendo no ombro de Daniel. — Pratique
aqueles movimentos que lhe mostrei. Fique bem atento aos movimentos
das tropas do inimigo!
Timothy bradou para o céu e dirigiu-se para a casa de Stephen.
Daniel esticou os músculos e procurou o horizonte. Esperava ter momen-
tos de paz, mas se preparava para a guerra.
— Você acertou na mosca do ponto de vista exterior com sua
definição de cristão — disse Sabrina.
— O que você quer dizer? — perguntou Sally.
Sabrina olhou para Stephen que, por sua vez, fez-lhe um sinal para
que continuasse a conversa. Ele achava que Ken poderia estar mais
aberto à Sabrina do que para ele.
No campo espiritual, uma infinidade de demônios sabia como
lidar com Ken e Sally.
O coração de Sabrina estava partido com a falta de interesse de
Ken por Deus. Ken sentou-se, olhando pela janela.
— A melhor parte do cristianismo não são as leis, mas o
relacionamento — disse ela a Sally.
— Ah, sim. Amizades são muito importantes.
Ouvindo a resposta de Sally, Sabrina teve certeza de que ela era
cega em relação a Deus. As mentiras do Maligno estavam formando um
imenso obstáculo na vida dela, que apenas Deus poderia arrancar.
Enquanto os demônios continuavam a atacar Sally e Ken sem
piedade, um vigia entrou na sala correndo em estado de total histeria.
Fez continência para seu comandante, que estava controlando o
movimento.
— O exército da salvação está se aproximando rapidamente do
norte. O tempo estimado para sua chegada é de dois segundos!
Damien, comandante da ação demoníaca, mal teve tempo de
engolir.
— Defenda suas posições, principalmente ao redor de Ken Action.
Precisamos dele para nossos planos futuros.
Antes mesmo de poder soltar outra ordem, o capitão do exército
da salvação chutou-lhe bem no traseiro. Ele saiu voando pelo ar, indo pa-
rar no fogão da cozinha. Sete anjos altamente treinados atacaram de
tocaia a sala. Os guerreiros vindos do céu estavam nitidamente em
número maior, mas não estavam sem prática. Os demônios agarraram-se
a Sally, mantendo suas posições.
Eles falavam aos seus ouvidos:
— Você é uma boa pessoa. Pessoas boas vão para o céu. Nunca
seja uma fanática por Jesus.
Seus avisos satânicos estavam incomodando a jovem da região sul.
Dois sargentos angelicais fortemente armados atacaram as posições dos
demônios. Suas espadas de ouro resplandeciam enquanto derrotavam
seus adversários. Um rápido movimento expulsou as pestes que
infestavam Sally. Sem hesitação, os demônios apavorados deram no pé.
Damien saiu voando da cozinha, onde acabara de ser forçado a pedir
desculpas. Percebeu que o plano de guerra tinha de ser modificado antes
que fosse tarde demais. Perder esta batalha significaria perder a alma de
Sally e de Ken, o que provocaria a ira de seus superiores. Preferiu
sacrificar o destino eterno de Sally em troca de Ken.
— Demônios, todos no chão! — gritou Damien.
Os demônios rapidamente se amontoaram no canto da sala. —
Cerquem Ken Action. Deixem Sally para lá. Quero quatro demônios ao
redor dele, um de cada lado. Outros quatro reforcem suas posições do ar.
O restante realize manobras ofensivas para distrair o inimigo. Vocês
devem manter o inimigo ocupado e longe de Ken Action. Nossa
reputação está em jogo. Lutem até morrer!
A hoste de demônios assumiu suas posições. Enquanto
preparavam suas linhas de defesa, Timothy entrou feito uma explosão na
sala à procura de ação. Pulou no mastro da chaminé e esperou por
ordens.
Titus, o tenente da guarda, prudentemente revisou seu plano de
guerra.
— Anjos, quero cobertura ao redor de Sally. Ela tem de ser
protegida contra as investidas do Diabo.
Titus perscrutou a sala e localizou Timothy.
— Timothy, quero que você e Demétrius acabem com o exército
de demônios que está atormentando Ken Action. Dêem o máximo de si!
Timothy foi o primeiro a mergulhar no anel de fogo, executando
de modo brilhante sua manobra de movimentos giratórios e suas
pancadas. O demônio que vigiava a posição norte de Ken foi lançado para
o teto. No mesmo instante, foi substituído por um demônio que, sem
mostrar misericórdia, deu um golpe na cabeça de Timothy com uma
manopla. Timothy caiu desmaiado no chão.
Stephen, Sabrina, Ken e Sally não sabiam da violenta guerra que
os cercava. Sabrina demonstrava amor, bondade e paciência enquanto
continuava a compartilhar o Evangelho.
— O relacionamento do qual estou falando é o relacionamento
com o próprio Deus. Jesus Cristo tem primazia sobre todas as relações
que existem na terra.
Sally estava espantada com a nova luz de verdade que estava
brilhando em seu caminho. Estava confusa, mas aberta à mensagem de
Sabrina.
— Como alguém pode ter um relacionamento com Deus? Ele está
no céu e nós, na terra. Não faz sentido para mim — admitiu Sally.
Ken interrompeu.
— Vou lhe dizer como! Você vai a uma igreja que prega ódio todos
os domingos, pula para cima e para baixo nos corredores deixando que o
Espírito a conduza, conversa com as paredes mostrando uma fé cega,
grita para os céus em diferentes línguas e declara que todos que não
partilham de sua fé irão queimar para sempre no inferno!
Os demônios que vigiavam Ken dançavam de alegria. Tudo que
haviam despejado nele estava jorrando de sua boca. Stephen entrou na
conversa.
— Deixe-me dar-lhe um exemplo. Sabrina e eu temos um
relacionamento. A maneira pela qual nutrimos essa relação é chamada de
comunicação.
Sally corou enquanto Stephen e Sabrina se olhavam nos olhos.
Sentiu inveja do compromisso nítido que devotavam um ao outro. Os
demônios estavam ficando enjoados. Na mente pervertida desses
demônios, o amor, fruto de renúncias, era lamentavelmente inocente e
sincero. Eles queriam saber como alguém podia aproveitar a vida sem
fazê-lo do jeito deles.
Sabrina continuou a explicar com seu jeito delicado.
— Os relacionamentos são regados pela comunicação. É assim
que mantemos nosso relacionamento com Deus. Você não percebe?
Conversamos com Deus por meio de nossas orações. Ele fala conosco por
meio de Sua Palavra, a Bíblia. Se não nos comunicássemos com Deus,
nosso relacionamento com Ele sofreria as consequências. Pense no que
aconteceria se você e Ken não conversassem. Você poderia esperar um
casamento duradouro? É claro que não!
Sally permaneceu em silêncio, tentando absorver tudo que ouvia.
Ken intencionalmente interrompeu seus pensamentos.
— Sally, por favor, não se deixe levar pelas palavras vazias dela.
Não posso suportar a idéia de me casar com uma fanática nascida de
novo!
Os demônios de Damien continuaram com seu ataque implacável
sobre Ken. Eles estavam infetando o espírito de Ken em um transe de
transformar a mente.
— O Deus deles não é real. É uma ilusão criada pelos oprimidos.
Todos os cristãos são fanáticos. Eles não têm direito de falar sobre seu
Deus detestável, inexistente e impotente. Se Sally se tornar uma deles,
você irá perdê-la para sempre — diziam os demônios.
— Como temos esse relacionamento? — perguntou Sally.
Ken Action ficou horrorizado em ouvir aquelas palavras vindo da
boca de Sally. Pensou no próximo passo. Até ele, com todos os seus
defeitos morais, reconhecia os limites de seu comportamento atrevido.
Sally era uma mulher de mente independente que não conseguia se
deixar humilhar. Ken não tinha ação.
Stephen abriu a Bíblia sobre a mesa de centro. Passou os olhos de
relance nas páginas e parou no livro de João.
— Antes de ler este texto, quero explicar a importância deste
Livro. Ele é a mente de Deus. E a carta deixada por Deus para a
humanidade. Literalmente falando, quando lemos a Bíblia, estamos
ouvindo Deus falar conosco. — Stephen citou a Palavra do Senhor: —
"Seca-se a erva, e cai a sua flor, mas a palavra de nosso Deus permanece
eternamente".
— Oh, eu creio no que a Bíblia diz — respondeu Sally. — Sempre
cri. Só não tenho reservado um tempo para lê-la. Sempre pensei que ela
dizia que você deveria ser uma pessoa boa e, então, Deus iria deixá-lo
entrar no céu.
Damien ria em silêncio enquanto seus demônios vigiavam Ken.
A barreira espiritual era intransponível para Timothy e para seus
dois companheiros angelicais. A guerra estava empatada.
Sabrina pegou a Bíblia do colo de Stephen.
— A Palavra de Deus mudará sua vida para sempre — disse
Sabrina. — Você sabe, é como se fôssemos computadores. A Bíblia é um
tipo de disquete. Nós tiramos o disquete velho, com todos os seus erros, e
inserimos um disquete novo e perfeito dentro de nós. Com essas infor-
mações novas e cristãs no seu interior, você se torna uma nova criatura!
Ela olhou para a Bíblia e leu João 3.3.
— "Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de
novo, não pode ver o reino de Deus".
Sabrina colocou a Bíblia na mesa.
— Essas são palavras de Jesus. Ele estava falando com um
homem profundamente religioso chamado Nicodemos. Jesus estava
dizendo a um líder religioso como entrar no céu. Veja, Sally, a religião
não promete para você a entrada no reino dos céus. Um relacionamento
pessoal com Jesus Cristo lhe dá as chaves.
Ken parecia ter formigas nas calças. Entretanto, os outros
ignoravam sua encenação.
— Ninguém nunca descreveu o cristianismo para mim desta forma
— confessou Sally, enquanto colocava sua xícara de café na mesa. — Se
não é preciso ser uma pessoa boa para entrar no céu, então, você pode
fazer o que bem entender? Isso não faz muito sentido para mim! —
admitiu Sally.
— É claro que faz! — interveio Ken com tom de sarcasmo. Esses
cristãos saem por aí e matam médicos que praticam aborto o tempo todo,
e fazem tudo isso em nome da sua religião! Tenho certeza que este Livro
fala que os homicidas não entrarão no céu!
Um silêncio assustador encheu a sala. Sabrina olhou para
Stephen, que assumiu o controle da situação.
— A Bíblia ordena que não cometamos homicídios sob quaisquer
circunstâncias. Essas pessoas que assassinaram aqueles que cometiam
abortos terão de responder pelos seus crimes. Eu realmente duvido da
salvação dessas pessoas violentas e irresponsáveis. Você sabe, só porque
carregam o nome de cristãos não significa necessariamente que o sejam.
Deus será o Supremo Juiz! — esfregou as mãos, liberando um pouco o
nervosismo. — A Bíblia tem uma resposta para sua pergunta. Aqui está.
Abriu em Romanos 3.28 e leu: — "Concluímos, pois, que o homem é jus-
tificado pela fé, independentemente das obras da lei."
Ken inclinou-se sobre o ombro de Stephen para ele mesmo dar
uma olhada nas palavras que Stephen lia.
— Isso parece mais uma salada de termos jurídicos. Afinal de
contas, que considerações você está fazendo? — cuspia Ken enquanto en-
durecia o coração.
Stephen ignorava Ken enquanto avançava algumas páginas de sua
Bíblia.
— O capítulo 8, versículos 1 a 3, explica nos mínimos detalhes.
"Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Je-
sus. Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do
pecado e da morte. Porquanto o que fora impossível à lei, no que estava
enferma pela carne, isso fez Deus enviando o Seu próprio Filho em
semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito,
condenou Deus, na carne, o pecado."
Stephen gentilmente fechou a Bíblia e sorriu para Sally.
— O cristianismo é muito mais do que uma simples religião. É um
relacionamento com o Deus que criou o mundo. Ele quer que
conversemos com Ele e quer conversar conosco. Somente os que são
perdoados entram no céu!
— Esse povo é louco! — murmurou Ken enquanto se dirigia para o
carro. — Você tem cinco minutos, Sally, ou vai ter de pegar um táxi para
ir para casa!
Sally estava visivelmente abalada; contudo, de uma forma
milagrosa, sua mente estava começando a ser transformada depois de
anos de crenças equivocadas.
— Você é perdoada quando faz a oração de reconhecimento de
seus pecados; no entanto, você deve sentir o que diz. Sua oração deve vir
do coração — instruiu Stephen.
— O que devo dizer? — perguntou Sally.
— Apenas diga para Deus que você é uma pecadora, uma pessoa
que nem sempre faz o que é certo. Diga a Ele, do fundo do coração, que
você precisa Dele em sua vida para guiá-la, para falar com você, para ser
seu Senhor e Salvador — orientou Sabrina.
Sally baixou a cabeça.
— Senhor Jesus, sou pecadora. Quero ir para o céu para estar
Contigo. — Lágrimas brotavam nos olhos de Sally. — Por favor, salva-me
dos meus pecados. Vem para a minha vida. Ajuda-me a tornar-me a
melhor cristã que puder. — Lágrimas escorriam por seu rosto. — Perdoa-
me por não ter feito isso antes. Amém.
Sally abraçou Stephen e Sabrina. — Muito obrigada!
— Nós amamos você — expressou Sabrina.
O exército da salvação pulou de alegria. Sua missão estava
completa. Os céus estavam em festa. A alegria do líder se transformou em
agonia, e uma expressão triste cobriu seu rosto.
— O que há de errado? — perguntou um dos anjos.
— É maravilhoso saber que Sally está salva agora. Contudo, não é
tão maravilhoso o fato de que ela irá se casar com Ken Action.

Continua no volume 2: A Profecia Verdadeira

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