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Durante o período compreendido entre 1990 e 1999, a economia


brasileira sofreu importantes alterações em sua estrutura econômica e
produtiva.
O parque industrial brasileiro que, até então era predominantemente
estatal nos setores considerados estratégicos da economia, abriu as portas
para o capital estrangeiro e para a iniciativa privada, com o preceito da
globalização e da abertura competitiva.
Esse movimento quebrou as barreiras de entrada ao capital estrangeiro
e marcou a queda do monopólio do Estado nesses setores, abrindo caminho
para uma nova tendência concentracionista do mercado, caracterizado pela
verticalização estrutural impulsionada pela busca do poder de mercado, ganhos
de escala na produção, diversificação da cadeia produtiva e criação de valor
para a empresa. Nesse contexto, a indústria brasileira conheceu uma grande
expansão no que diz respeito às operações de Fusões e Aquisições na década
de 90.
Essas operações possibilitam a formação de alianças estratégicas, com
controle total ou parcial de uma empresa por outra, seja ela nacional ou
estrangeira, e que de alguma forma tenham interesse em se consolidar no
mercado em que atuam, juntando seu capital e seu aparato produtivo.
Diante do cenário apresentado acima, e, dado que os investimentos
diretos em crescimento orgânico, diversificação e/ou diferenciação de produtos
representam boas estratégias para o crescimento da firma, quais são as
causas do crescimento acelerado das operações de fusões e aquisições no
Brasil a partir de 1990?
O objetivo do presente trabalho é identificar os principais motivos que
levam uma companhia a optar pelo crescimento através de fusões/aquisições
ao invés de investirem no crescimento físico e orgânico, apresentando as
principais causas e impa ctos dessas operações para a cadeia produtiva
brasileira no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso (1994 -1998) a partir
de um estudo de caso do setor de telecomunicações.
Ò                
  

3.1 ± CONTEXTO ECONÔMICO DO PERÍODO

O início da década de 90 foi marcado por mudanças significativas no


contexto econômico em que o Brasil até então se encontrava inserido. As
quatro décadas precedentes a 1990 revelaram um país com parque industrial
predominantemente estatizado, em que só eram admitidas empresas
estrangeiras em segmentos considerados com baixa tecnologia nacional , e
que, cuja maior preocupação era a manutenção da soberania e segurança
nacional através da imagem da construção de uma potência mundi al auto-
suficiente. Para tal o governo era o principal agente promotor da expansão do
setor privado através de incentivos e subsídios, criando monopólios de
atuação, evitando assim a abertura ao capital estrangeiro. (Rosseti, 2001)
Aliado a esse cenário, durante os primeiros anos da década de 90, o
país passava por profundas dificuldades econômicas e uma grave instabilidade
política, principalmente no que tange aos altos índices inflacionários , ao Risco-
Brasil elevado e as incertezas que pairavam até então sobre o futuro
econômico do Brasil.

O quadro veio a se estabilizar somente a partir de meados da década,


especificamente em 1994 quando da posse do então presidente Fernando
Henrique Cardoso e a implantação do Plano Real, que proporcionou a
estabilização da moeda nacional, e a liberalização econômica, impactando no
retorno dos fluxos de investimentos estrangeiros diretos que possibilitaram ao
país uma revisão estratégica de sua competitividade.

Esse contexto, somado ao amplo programa de privatizações que o país


atravessava na época, decorrente da pressão imposta pelos avanços
tecnológicos da indústria internacional e pela modernização da estrutura
nacional, possibilitou a retomada dos investimentos estruturais na economia
brasileira, principalmente em setores de infra-estrutura, como o de
telecomunicações e companhias energéticas.
O Brasil, para enfrentar a competição internacional e modernizar sua
estrutura produtiva, viu-se obrigado a adotar políticas econômicas mais
flexíveis e a abrir suas portas para o mercado estrangeiro, privatizando ,
conforme definiu Rosseti (2001) os núcleos corporativistas mais resistentes do
Estado produtor.

3.2 - PROCESSOS DE FUSÕES E AQUISIÇÕES

3.2.1 ± HISTÓRICO DAS F&A NO PERÍODO

Para ROSSETTI (2001), a intensificação das operações de fusões e


aquisições no Brasil está diretamente associada às mudanças de estratégia
adotadas pela economia brasileira. O país abriu as portas para o mercado
externo com o intuito de uma inserção global competitiva, rompendo com o
velho modelo onde o Estado era visto como o maior empresário, passando
esse a ter um papel regulador na economia. (ROSSETTI, J.P., 2001, p.67).

Essa queda de barreiras impulsionou o fluxo de investimentos para


fusões e aquisições, movimento esse bastante comum em países emergentes
que optam pela liberalização econômica.

Segundo dados da KPMG, no período entre 1994 a 1997 o país


observou 1.087 operações de fusões e aquisições, frente às 867 negociações
observadas no período de 1990 a 1994 ± um aumento de aproximadamente
25%. A TABELA 1 evidencia o movimento das operações no primeiro governo
FHC:

TABELA 1 ± NÚMERO DE OPERAÇÕES POR ORIGEM DO CAPITAL DA


ADQUIRENTE

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FONTE: KPMG - PUBLICAÇÃO DE FUSÕES E AQUISIÇÕES DO 3


TRIMESTRE DE 2002
Conforme ilustrado na tabela acima, as operações de F&A apresentaram
contínuo e acelerado crescimento no período assinalado, alcançando seu pico
no ano de 1997, quando foram registradas 372 operações. Do total de
operações do quadriênio, 54,7% foram resultantes de investimentos
estrangeiros na estrutura produt iva brasileira, movimento diretamente
proporcional aos investimentos estrangeiros diretos no Brasil, que no mesmo
período, segundo a UNCTAD, alcançaram 36,3 bilhões de dólares, valor 667%
maior que o apresentado no quadriênio imediatamente anterior, quando a
economia brasileira recebeu aproximadamente 5,4 bilhões de dólares em
investimentos estrangeiros.
A tabela seguinte irá decompor as operações por setor na década de 90:

TABELA 2 - NÚMERO E VALOR DAS TRANSAÇÕES DE F&A NO BRASIL


POR SETOR DE ATIVIDADE DA EMPRESA ADQUIRIDA 1990-1999

Valor (US$ milhões) N mero de Transações
  
 ." 6/ ".
Telecomunicações 36.925,3 31,5% 79 6,9%
Energia Elétrica, Gás e Água 25.746, 21,9% 57 5,0%
Financeiro 14.561,9 12,4% 210 1,3%
Metalurgia e Siderurgia 6.37,6 5,% 5 7,4%
Alimentar 4.254,6 3,6%  7,7%
Químico 4.109,1 3,5% 74 6,4%

Mineraç o 4.067,9 3,5% 23 2,0%

Comércio Vare ista 3.040,5 2,6% 61 5,3%
Serviços de Transporte 2.764,1 2,4% 46 4,0%

Minerais N o-Metálicos 2.41,5 2,1% 27 2,3%
Serviços Diversos 2.153,4 1,% 32 2,%
Petroquímico 1.46,0 1,3% 21 1,%
Farmac., Higiene e Limp. 1.407,6 1,2% 22 1,9%
Papel e Celulose 1.373,6 1,2% 23 2,0%
Maquinaria 1.115,4 1,0% 44 3,%
Comércio Atacadista 1.024, 0,9% 39 3,4%
Automobilística e Autopeças 52,9 0,7% 54 4,7%
Prod. Em Borracha e Plástico 569,2 0,5% 1 1,6%
Têxtil 561,0 0,5% 15 1,3%
Agricultura e Pesca 520,4 0,4% 20 1,7%
Eletroeletrnico 4, 0,4% 27 2,3%
Edit. E Gráfico e Publicidade 200,9 0,2% 33 2,9%

Construç o Civil 171,6 0,1% 5 0,4%
Holdings 157,0 0,1% 1 0,1%
Serviços de Engenharia 136,2 0,1% 6 0,5%
Móveis e Prod. Em Madeira 113,3 0,1% 4 0,3%

Aeroespacial e Aviaç o 96,7 0,1% 4 0,3%
Informática 64,6 0,1% 13 1,1%
Outros Manufaturados 59,7 0,1% 15 1,3%
Fumo 50,0 0,0% 2 0,2%
Couro e Artigos de Couro ND ND 1 0,1%
 
 78  2 

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FONTE: FERRAZ AP UD (2000) A PARTIR DA THOMSON FINANCIAL


SECURITIES DATA
Conforme observado na TABELA 2, as fusões e aquisições no seto r de
infra-estrutura (Telecomunicações; Energia Elétri ca, Gás e Água e Mineração)
representaram 56,5% do total de operações realizadas no período, podendo
destacar a privatização do setor de telecomunicações que sozinho respondeu
por 31,5% do valor investido em fusões e aquisições.
Os programas de privatização e reestruturação criaram oportunidades
para que muitas empresas estrangeiras e brasileiras adquirissem g randes
operações nos setores de energia, de telecomunicações e bancário . De acordo
com a UNCTAD, durante o período de 1990 -1998, três quartos das
privatizações brasileiras envolveram compradores estrangeiros. (Banco
Mundial, 2000)
Deve-se ressaltar ainda as F&As no setor de Alimentos e Metalurgia e
Siderurgia - setores empresariais mais dinâmicos, fora do eixo de infra -
estrutura - que representaram juntos a 9,5% do valor total das operações,
distribuídos em 88 negociações para o setor Alimentar e 85 acordos para o
setor de Metalurgia e Siderurgia no período de 1990 a 1999.
Segundo MIRANDA (2000), devem ser feitas algumas observações
acerca da distribuição setorial, como a importância do processo de privatização
das empresas estatais em setores intensivos em capital, que explica os valores
mais elevados dos setores de energia, telecomunicações, siderurgia e
petroquímica; a liberalização dos controles sobre inversões estrangeiras no
setor financeiro e a necessidade de sua consolidação, após o plano de
estabilização, respondem pelo elevado número de transações de aquisições de
empresas financeiras (bancos comerciais e de investimentos e seguradoras); a
compra, a partir de 1996, de empresas nacionais competitivas no setor de
autopeças por empresas estrangeiras pode indicar, caso sua produção seja
mantida e ampliada, intensificação da substituição de importações no setor; a
redefinição do market share dos principais players internacionais no Brasil nos
setores de alimentos e bebidas e eletroeletrônicos de consumo reflete o
acirramento da concorrência nesses setores em plano internacional.
Devido à grande relevância do setor de telecomunicações para as
fusões e aquisições, o quarto capitulo desse trabalho apresentará um estudo
de caso sobre esse setor. Segundo a UNCTAD, a partir de dados da Thomsom
Financial Securities, somente a privatização da Telebrás em 1998, respondeu
por 10,3 bilhões de dólares e figura entre as 50 maiores operações mundiais
entre 1987 e 1999.

3.2.2 ± CAUSAS/MOTIVAÇÕES DAS OPERAÇÕES

As tentativas de se encontrar as verdadeiras causas para as operações


de fusões e aquisições encontram sustentação na linha teórica denominada
teoria do crescimento da firma, enunciada principalmente nas obras de
PENROSE (2006), GUIMARÃES (1987) e KUPFER (2002), que procuram
enfocar o crescimento das empresas através desse tipo de operação como
uma alternativa rápida para o crescimento e internacionalização de empresas,
diversificação, a compra de ativos mais baratos, ganhos de sinergia, expansão
para novos mercados e modernização de sua base.
Existem duas maneiras para a expansão de uma firma: a primeira
consiste em construir um novo estabelecimento e criar novos mercados para si,
e na segunda alternativa, a empresa poderá optar por adquirir o
estabelecimento e os mercados de uma firma já existente. Se a expansão, por
qualquer uma dessas duas alternativas, for considerada lucrativa, a empresa
então irá optar pela aquisição se essa for considerada menos custosa do que
uma expansão interna. Penrose (2006 - pág 239)
Para KUPFER (2002), o processo tem sido estimulado pela possibilidade
que representa em termos de penetração em novos mercados, em curto
período de tempo e da exploração de novas oportunidades de investimento, em
função da privatização de empresas estatais e da desregulamentação dos
mercados, bem como pela possibilidade de obtenção de sinergias de natureza
tecnológica, financeira, mercadológica e organizacional. (KUPFER, 2002 ± pág.
337-338)
Em seu estudo acerca das fusões e aquisições no Brasil, ROSSETTI
(2001) afirma que o propósito de se efetuar esses tipos de operação pode ser
sintetizado em três principais: (i) ganho de efetiva fatia do mercado (Market-
Share), (ii) Aumento da abrangência geográfica de atuação , dada as
dimensões territoriais do país; (iii) Ganhos com ampliação de escalas
operacionais, com redução estratégica de custos de produção . Segundo o
autor, as operações com esse propósito corresponderam a 50% do total da
década de 90.
O gráfico abaixo ilustra os principais objetivos das F& A no Brasil:

GRÁFICO 1 - PRINCIPAIS RAZÕES PARA A REALIZAÇÃO DE F&A




] 

 
 
  
 
 

¦    



 


  


   

 

FONTE: ROSSETTI, 2001

Além do crescimento, segundo Rosseti (2001) o mercado de F&A


alimentou-se também de objetivos ligados à competitividade , traduzidos pelo
fortalecimento das empresas para enfrentar a concorrência global ou interna.
Segundo o autor foram importantes também os objetivos ligados à
diversificação, tanto de produtos quanto de negócios, e ao acréscimo de
tecnologia e de verticalização, ou seja, a integração de elos da cadei a
produtiva.

3.2.3 ± CONSEQUÊNCIAS PARA A ECONOMIA

Se por um lado as F&A representam estratégias de crescimento


vantajosas para as empresas, por outro, elas podem ter fortes impactos na
economia nacional, resultando na concentração do mercado, que por si só
representa uma limitante à entrada de novas empresas em setores
pulverizados e dominados por grandes conglomerados, além de impactar em
alterações nos preços gerados pelas empresas cujo poder de mercado
possibilita uma formação de preços com acréscimo v ia mark-up.
Além disso, a entrada em massa de empresas estrangeiras no país pode
desestimular o desenvolvimento de empresas e tecnologias nacionais,
oprimidas pelo privilégio e consolidação de mercado desses grupos
internacionais, resultando em perda da soberania econômica nacional.

Para Penrose (2006), Ao nível setorial, a realização desse tipo de


operação resulta numa tendência à elevação do grau de concentração nas
respectivas indústrias, não só devido aos possíveis impactos diretos em termos
de integração de ativos, mas também em razão dos efeitos indiretos sobre as
condições concretas da concorrência naqueles mercados, a qual tende a se
acirrar, impondo uma revisão de estratégias das demais empresas, o que pode
representar um estímulo adicional à contin uidade daquelas operações .
PENROSE (2006, p.255-256).

³Há toda uma variedade de ativos produtivos que, estando sob controle
das firmas existentes, são capazes de impedir efetivamente a expansão
lucrativa de concorrentes em atividade, assim como o ingresso de novos
concorrentes. Eles incluem, por exemplo, uma forte proteção de patentes a
certos produtos, equipamentos ou processos produtivos; os nomes e marcas
comerciais diferenciadores de produtos similares, e que garantem a fidelidade
dos consumidores (...).

Para Kupfer (2002, p.341), é importante ressaltar os impactos


decorrentes dessas operações; ³Por fim, é importante considerar possíveis
impactos desse tipo de operação. Por um lado, as operações de fusões e
aquisições de caráter ³diversificante´ permitem às empresas contornarem
eventuais barreiras à entrada nos mercado que são seu objeto de interesse, na
medida em que as mesmas passam a dispor de uma fatia do mercado
previamente ocupada. Por outro lado, uma vez consumado esse tipo de
operação, as empresas envolvidas podem empreender um esforço calcado na
recomposição de ativos e na adoção de diversas práticas concorrenciais
(subsídios cruzados entre atividades, por exemplo), que resulta não só na
desestabilização da concorrência naqueles mercados, mas tamb ém na
elevação das barreiras á entrada a eles associadas ´.

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