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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA


CURSO “VÍCIOS E COMPULSÕES
DO DIA A DIA”
COM PROFESSOR BRUNO LAMOGLIA
#2
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AULA 02 - SINOPSE

Os vícios não são aleatórios. Manifestam-se a partir de uma causa e

apresentam um processo de desenvolvimento. Da mesma forma,

abandoná-los exige que trilhemos um certo caminho. A importân-

cia desses tópicos no combate aos vícios e compulsões do cotidia-


no os transformam no assunto desta aula.

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Ao final desta aula, espera-se que você saiba: quais as fases e as

características dos vícios; as fases da vida humana de acordo com

Freud; a terceira fase da vida humana de acordo com Bion; por que a

compreensão de vício como um problema moral ajuda a enfrentá-


lo; qual o processo para tratarmos de um vício; as duas mãos dos

pais e as neuroses correspondentes; como lidar com a sensação

de despertencimento; o que é a personalidade anancástica; o

momento da humanidade hoje.

BONS ESTUDOS!
INTRODUÇÃO

Nesta segunda aula, abordaremos alguns elementos psicológicos

e algumas fases dos vícios. Além disso, vamos nos aprofundar nas causas

destes.

2. O PROCESSO DO VÍCIO
É interessante conhecer as fases de um vício para compreender

como ele acontece e qual é o processo que ocorre na nossa mente.

2.1. AS FASES DO VÍCIO

Geralmente, o vício começa com uma desadaptação, com um

problema, com uma falta, algo que está em desacordo com o que era

esperado. Essa desadaptação pode ser uma insatisfação, uma dor que

se expressa como um problema, como um déficit na vida da pessoa.

Esse déficit pode ser percebido conscientemente ou não. Normalmente,

crianças e adolescentes não se dão conta, não sabem o que acontece.

Então, primeiro surge um problema, acerca do qual a pessoa

pode ou não ter conhecimento. Diante desse problema, essa pessoa

cria mecanismos de adaptação no meio. Esses mecanismos se tornam

um hábito. Depois, esse hábito ou esse comportamento compulsivo,

repetitivo, vai progressivamente se configurando como um vício. Neste

momento, a pessoa passa a fazer a manutenção desses vícios.

Vamos exemplificar esse processo para ficar mais claro. Como

uma pessoa se torna viciada em cigarro? A pessoa começa a fazer uso do

cigarro e identifica que há momentos no dia em que é mais propensa à

ansiedade. Então, cria o mecanismo de comprar um maço de cigarro e

deixá-lo próximo de si nesses períodos. Tais mecanismos vão sendo aper-

feiçoados e a pessoa começa a adquirir trejeitos ao fumar. Assim, incorpora

isso na sua personalidade. Com o tempo, esses mecanismos vão se tornando

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cada vez mais complexos e automáticos até chegar ao ponto de a pessoa

não querer pegar um voo porque não poderá fumar.

O uso do cigarro impõe limitações à sua vida, no entanto, a pessoa

não está pronta para mudar. E toda a dor e a insatisfação se expressam de

forma ainda mais proeminentes quando esses mecanismos falham. Ou seja,

quando estas falhas ocorrem, a pessoa percebe que está viciada. É o caso

do voo. Quando a pessoa está num voo e não pode fumar, consegue se dar

conta da extensão da sua dependência. Dependendo do vício, os gatilhos

de percepção podem ser diferentes. É isso que acontece quando a pessoa

está fazendo tratamento com antibiótico e não pode beber, ou quando

vai passar uma semana em uma fazenda sem internet. O poder do vício

é testado quando falham os mecanismos que foram implementados.

Nesse nível, o vício, a compulsão trazem consequências e limitações para

a pessoa. Aqueles que estão ao seu redor começam inclusive a reclamar.

As limitações são tantas que a pessoa entende que precisa aceitar que tem

um vício. A partir do momento em que aceita que tem um vício, a pessoa

tem um estalo que a leva a decidir se vai enfrentar ou vai ceder a esse vício.

Aí, tem início a jornada para sair desse poço profundo.

2.2. A FASE DO PRAZER E A FASE DA REALIDADE

Freud tem uma explicação muito interessante. Ele divide o ser

humano em duas fases: a fase do prazer e a fase da realidade. Na fase do

prazer, o ser humano ainda está completamente presa à necessidade

de estímulos. É uma fase imatura, inicial.

Essa pessoa está vivendo em um centro de personalidade muito

primitivo e ainda não conseguiu assimilar o fundo de uma segunda forma.

Segundo Freud, a pessoa deveria migrar para essa segunda forma de

assimilação, que é o mundo da realidade.

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O viciado está mais preso ao mundo dos prazeres do que ao mundo

da realidade. A realidade, como Freud a explica, é ver a vida tal como ela

é, percebendo que tudo envolve esforço, que tudo envolve um trabalho,

que você precisa fazer coisas que não estão ligadas à primazia dessas

sensações. Ver a vida tal como ela é, é perceber que você deve se sacrificar,

que você deve ter um trabalho, exercer um papel social e entender que as

pessoas esperam determinados comportamentos e atitudes de você.

Freud coloca essas duas forças ambivalentes em confronto e afirma

que a pessoa deve ir do mundo do prazer, que é prazer e dor, para o mundo

da realidade. Essa migração é natural do ser humano. Freud afirma que

esse movimento é esperado do ser humano conforme vai amadurecendo.

2.3. A BUSCA DA VERDADE

Bion, que é um outro psi-

canalista brilhante, aponta que

há um terceiro movimento. Bion

confirma a existência das duas

fases propostas por Freud, do

mundo do prazer e do mundo

da realidade, e afirma que o

indivíduo deve se colocar no

mundo da realidade. Para ele,

porém, também existe um

instinto natural do ser humano:

a busca da verdade.

Nós falamos sobre isso no curso anterior. A busca da verdade está

presente a partir da oitava camada da personalidade, a qual engloba o

mundo da sabedoria.

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Essa busca da verdade transcende os funcionamentos sociais

e todas as nossas necessidades como seres humanos sociais e config-

uram necessidades do ser humano espiritual, em busca da identidade,

em busca de ver as coisas tais como são, antes mesmo de fragmentá-las

com a mente racional.

O ser humano que está buscando sensações é primitivo e infantil.

Depois dessa fase, há o ser humano que consegue assumir responsabil-

idades, mesmo que seja pelo dever. Esse indivíduo já entende que apre-

senta um papel social e, embora ainda tenha prazer, não é o mesmo prazer

tão evanescente e pontual. Freud parou neste ponto. Bion complementou

essas duas fases com uma terceira, em que está presente uma busca pela

verdade. Nesta terceira fase, há uma vida superior, uma vida que vai além.

Neste caso, a pessoa busca ou até mesmo consegue ver o mundo sem que

haja fragmentos da razão. Claro que isso é algo muito mais elevado e difícil,

mas Bion afirma que esse movimento também é natural, que chega um

determinado momento da vida humana que nem os prazeres e nem os

funcionamentos sociais são suficientes. Existe algo além, existe algo que

importa mais, existe algo que possui mais significado e substância. Tem

algo mais profundo nisso. E, segundo Bion, essa busca é natural. Com isso,

começamos a entender que existe uma escada de ascensão, em que o

viciado ainda se encontra na casa dos prazeres e das dores.

2.4. A NECESSIDADE DE ELEMENTOS FIXOS

Como a busca da verdade, desse elemento mais elevado, é feita com

a mente racional, que é tudo que nós temos? Nós percebemos o mundo

através da mente racional. Por isso, a mente racional vai precisar de ele-

mentos de apoio, fixos. Neste ponto, complica. O que é um elemento de

apoio fixo? Se percebemos o mundo de acordo com esses fragmentos

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racionais, quais são os elementos de apoio fixos que precisamos para

montar uma alavanca a fim de buscarmos a verdade? Estabelecer esses

elementos de apoio fixos é muito difícil. A busca da verdade é muito difícil

e está muito relacionada ao ser essencial e à sabedoria.

Para atingir isso, antes de mais nada, a pessoa precisa diminuir os

julgamentos que emite para que consiga entender como um todo. Além

de um julgamento racional, é um sentimento do que é certo e do que é

errado. Nisso, caímos muito para a ética atemporal. O que é certo é certo,

não importa o que digam. Isso é dificílimo de fazer e abre espaço para uma

quantidade enorme de erros. No entanto, existe um elemento fixo na vida

humana. Para isso, começamos a olhar para as coisas que também são fixas.

Nós começamos a olhar para o céu, tal como os gregos fizeram. Amanhã,

ainda haverá Lua, Sol, Júpiter e Vênus. Além disso, começamos a olhar para

as virtudes ou para os valores espirituais também como elementos fixos na

vida. A justiça, a fraternidade, a prudência são elementos que não mudam

muito. É evidente que existem debates filosóficos, mas a ética atemporal,

o elemento espiritual, os astros, ou, se você quiser, os líderes religiosos,

que vieram e declararam uma verdade, podem ser usados como ele-

mentos fixos, uma vez que, com a mente fragmentada que ainda não

consegue tocar na essência, é o melhor que conseguimos. Trata-se de um

olhar superior além do intelecto que todo homem que está nessa busca

de desenvolvimento pessoal precisa procurar.

Enquanto busca fazer ou faz isso, o indivíduo reflete sobre esses ele-

mentos de cognição e de informação. Neste processo, tenta fazer com que

as experiências de grandes homens e as suas próprias tenham algum tipo

de significado. Assim, ele tenta aprender com o mundo, em vez de sim-

plesmente consumir informações. Esse indivíduo reflete sobre o que pode

aprender com acontecimentos que se apresentam de uma forma negativa.

Para fazer isso, utiliza elementos mais relacionados a sentimentos. Não são

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emoções, mas é algo que sente como correto. Com essa finalidade, busca

elementos fixos no mundo.

Sem isso, não consegue nem conceber a ideia de busca da verdade.

Até então, está sob a mente da razão, instalando-se na realidade o tempo

inteiro. Sabemos que, para adquirir uma comida, precisamos gastar algum

tipo de energia. Para ter um prazer, precisamos ter algum tipo de habili-

dade, algum tipo de esforço. E o ser humano não quer fazer isso. A nossa

tendência é poupar energia, é diminuir os gastos energéticos com aquilo

que julgamos não ter grande importância.

Vou dar um exemplo. Qual é a importância de comer? É toda e nen-

huma ao mesmo tempo. Se o que importa na vida é a busca espiritual, a

comida não é tão importante. Por outro lado, se estamos falando sobre

permanência no mundo, a comida tem total importância. Precisamos

saber que existem graus de importância e que estes variam. Para o corpo, a

comida é de suma importância, para o espírito, nem tanto.

Diminuir a importância do corpo físico faz com que essa pessoa con-

siga progredir nessa escala. Isso é muito do que os estoicos fazem. Inclusive,

uma das críticas que sofrem é exatamente de que exageravam a busca de

controle sobre o corpo. Entretanto, já sabemos que esses elementos podem

atrapalhar essa busca superior.

2.5. O VÍCIO COMO UMA FALSIDADE NO SER

Portanto, o viciado é um sujeito que está desadaptado de alguma

forma no mundo e que tem algum tipo de dor, algum tipo de defeito, que

sofre. Um jeito dele lidar com isso é criando uma personalidade. Como está

muito longe de viver na essência, cria uma mentira, seja ela qual for.

Por exemplo: os viciados em trabalho criam a mentira de que o tra-

balho dignifica o homem. Essa pessoa acredita que quanto mais trabalhar,

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mais digna será. Quanto mais trabalhar, mais vai poder servir. Quanto mais

trabalhar, mais vai poder ajudar sua família. Isso é verdade ou mentira?

Depende. Isso é verdade até determinado ponto, quando começa a se

tornar um aspecto da personalidade que evita centros da pessoa.

Vamos exemplificar de uma outra forma. Existem indivíduos que

precisam sempre estar rodeados de pessoas, que não conseguem ficar soz-

inhos. Isso seria uma mentira, uma fuga, uma adaptação que evita a solidão,

quando, na verdade, a resposta está justamente no que a solidão quer dizer.

Qual é a voz daquela solidão?

Isso se aplica para qualquer vício. Por exemplo, o vício do cigarro. Pode

ser que o viciado em cigarro seja uma pessoa mais constrangida que, com o

cigarro, cria um comportamento que funciona como uma armadura, o qual

transmite uma ideia que, sozinha, essa pessoa não conseguiria transmitir.

Enfim, os mecanismos são os mais variados. É fundamental saber que o

vício é um comportamento adaptado, é algo que está compensando, é

uma falsidade dentro do seu ser.

Qual é o problema disso? Eu conseguiria viver numa mentira se

fosse o caso. Então, qual é o problema disso? O problema é que, em deter-

minado ponto, a mentira causa uma neurose. Neurose aqui não é uma

preocupação excessiva, mas sim um tipo de esquema, um tipo de verdade,

um tipo de pensamento fixo na cabeça daquela pessoa. Na terapia, no

momento de cura, esse paciente vai precisar pensar o quanto consegue

enfrentar essa criação própria. A pessoa cria uma figura para poder lidar

melhor com o seu sofrimento.

Um exemplo típico é a pessoa que bebe por ser tímida, por não ter

uma boa desenvoltura. Essa pessoa acredita que só vai funcionar se estiver

bebendo. Isto funciona até o momento em que a pessoa se dá conta que

isso está lhe causando algum sofrimento ou que quer se livrar daquilo,

porque tem a busca da verdade e quer ver o mundo através disso. A pessoa

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não necessariamente se tornou alcoólatra, mas quer saber como seria sem

esse vício. Então, vai enfrentar essa neurose, uma decisão que, muitas vezes,

é feita na terapia. Quando você tem que eliminar um traço da sua personal-

idade, isso pode acontecer através de uma crise existencial profunda. Uma

falsa personalidade, um personagem, uma roupa que você mostra para o

mundo e que precisa ser eliminada.

2.6. O NÃO-JULGAMENTO DO VICIADO

É muito fácil percebermos o viciado como uma pessoa fraca e irre-

sponsável, que não enfrentou o vício. Eu gosto de debater essa visão, porque

deveríamos pensar de uma forma menos fragmentada e percebermos esse

viciado como uma vítima. Como mencionei na aula anterior, existe uma

predisposição genética. Vou dar um exemplo para que isso fique mais claro.

Certa vez, eu conheci um rapaz que era viciado em drogas. Em

um primeiro momento, por ser um viciado, automaticamente pensamos

se tratar de alguém que não deve ser levado a sério. A mãe desse rapaz

faleceu no seu primeiro mês de vida devido a complicações do HIV. O pai

dele, altamente viciado em cocaína, a ponto de dever dinheiro ao tráfico de

drogas, entregou-o quando bebê aos traficantes, que se compadeceram e

o criaram no meio do tráfico de drogas.

É fácil julgar o outro e dizer: “Eu não sou viciado em drogas, que se

ferre. Ele fez uma escolha”. Realmente, ele fez uma escolha, mas imagina

essa pessoa que não teve um elemento fixo na vida, que não teve aquela

verdade, acerca da qual conversamos, nem vinda dos pais. Quando somos

crianças, nossos pais se apresentam como deuses para nós, donos da própria

verdade. Os pais são o nosso primeiro elemento fixo. E quando nossos

pais nos amam, sempre existem duas mãos. Existe a mão do amor e

do acolhimento e a mão da punição. Se uma das mãos fica maior do

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que a outra, pode ter certeza que essa pessoa vai criar algum tipo de

desequilíbrio. Se há punição demais, a pessoa se torna um neurótico.

Se acolhe demais, a pessoa se torna extremamente permissiva. Nesses

dois lados, estamos falando sobre o nascimento de problemas naquela

pessoa. Como vocês já sabem, o vício é um tipo de compensação, é um

tipo de atenuação. Portanto, essa pessoa é muito mais propensa a criar

um vício.

Então, percebam a situação desse rapaz. Ele não teve pais para

exercer nenhuma das duas mãos, nem o acolhimento, nem a punição. Ele

foi criado com pessoas de índole altamente duvidosa e, além disso, não teve

alguém para lhe ensinar que consumir drogas é algo errado. A droga estava

presente no seu dia a dia e ele podia fazer o que bem entendesse. Não

houve um julgamento prévio e ele não tinha sabedoria para poder olhar

aquilo como um todo. É evidente que também existia uma genética. Tanto

o pai quanto a mãe, que morreu de HIV, eram viciados. Assim, a genética

inclinava-o à predisposição. Esse rapaz se tornou um viciado e teve a vida

completamente destruída. Incrivelmente, conseguiu se manter vivo até

longa idade.

É interessante que vejamos sem tanto julgamento, porque este é

feito a partir da nossa perspectiva. No entanto, nem sempre ocorre isso com

o viciado e nem sempre ocorre isso com nós mesmos. Muitas vezes, nossos

vícios não acusam grande desvantagem na vida. Esse é o caso do tra-

balho, por exemplo. O trabalho é muito bem aceito. Quanto mais trabalhar,

provavelmente, mais serei bem-aceito na sociedade. Até que a pessoa se

pergunta: “será que esse é o principal elemento da minha vida? Será que

é assim que vou expressar o amor?”. Se a resposta for sim, o trabalho dela

é o caminho. Não há problema nenhum. Pelo contrário, é uma ótima fer-

ramenta. Contudo, geralmente, o trabalho para os workaholics é uma

fuga do elemento central de sua vida. O trabalho mantém essa pessoa

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na periferia de si mesma, porque ela não consegue entender qual é o

elemento central da sua vida. Então, mantém-se trabalhando porque não

pode, por exemplo, parar e refletir sobre si mesma.

2.7. VÍCIO: UM PROBLEMA MORAL?

Percebemos, principalmente com esse exemplo do rapaz viciado

em drogas, que podemos observar essa situação sem tanto julgamento. No

entanto, precisamos ser sinceros e admitir que existe um julgamento moral

de todo e qualquer viciado.

O primeiro ponto é que, ao olharmos para um viciado, enxergarmos

uma pessoa que não tem controle de si própria. Essa é a primeira coisa que

eu penso e isso é um pouco assustador, pois aquela pessoa não tem con-

trole sobre si. Isso gera insegurança, isso gera um pouco de apreensão. Por

isso, tendemos a não confiar naquela pessoa. Não é só isso. Muitas vezes,

o viciado tem vergonha e esconde seus atos. Com isso, há um segundo

elemento social que visa a uma lesão moral. Então, além de você não con-

fiar em si mesmo, ainda está me escondendo essas coisas. Terceiro ponto:

você não consegue brigar contra a sua própria vontade. Você age como um

animal. Mais do que descontrolada, essa pessoa não tem resiliência. Isso

pode gerar um julgamento moral que faz com que nos sintamos comple-

tamente avessos aos viciados.

Neste ponto, interpõe-se um debate: o vício é um problema moral?

Será que o viciado teve um cenário externo tão forte quanto o do rapaz

que comentei? Será que em algum momento cedeu aos prazeres? Será

que não amadureceu? Será que estamos falando de uma plena imaturi-

dade? Essas perguntas brotam e começamos a olhar para os viciados com

uma visão ambivalente, dupla. Olhamos com carinho e julgamento. Não

sabemos muito bem o que esperar deles e os olhamos com pena. É um

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paradigma. Isso acontece principalmente quando esses vícios não são tão

expressivos, como é o caso do café, do cigarro, do trabalho, da corrida. Às

vezes, a pessoa tem um vício relacionado à gula. Às vezes, a pessoa tem um

comportamento escuso. Aquilo é estranho, é misterioso para nós.

2.8. A IDENTIFICAÇÃO

Um outro fenômeno que ocorre é o da identificação. O viciado

começa a associar o vício à sua própria identidade. Ele se identifica

com o vício. Assim, incorpora uma série de símbolos e trejeitos, os quais

comunica para o mundo.

Por exemplo: “eu sou o cara que fuma”, “eu sou o cara que bebe”, “eu

sou o cara que só trabalha, essa é a minha identidade”. Nós sabemos que

a real identidade é além de ego. Por isso, para compreendê-la, é preciso

ir além do ego. Precisamos criar um senso de assentamento dos pensa-

mentos, das emoções, dos trejeitos, dos prazeres físicos, para começar

uma tentativa de olhar a essência, a identidade. Esse viciado está tão

arraigado nesses mecanismos que não consegue ver como seria sua

vida sem aquele vício.

Há um tempo, eu vi um post com a pergunta “Você conseguiria ficar

uma semana nesta casa no campo sem internet?” e havia um monte de

gente respondendo jamais, dizendo que não conseguiria ficar sem internet.

Eles estão viciados. Para você saber se uma pessoa é viciada, basta ques-

tionar se ela conseguiria ficar uma semana, um mês sem aquilo. É sim-

ples assim. Saber se consegue ficar sem e se teria o domínio sobre seus

atos ou não.

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2.9. PARA QUE SERVE A MENTE?

Essa mente com a qual percebemos o mundo apresenta a função

de estabelecer as conexões neuronais, apresenta a química, apresenta a

disposição genética, mas será que é ela quem manda nas coisas? Ou será

que ela nos serve? Vocês já pararam para pensar?

No mesmo momento em que pensamos sobre essa mente mais

sábia, essa busca da verdade, que está um patamar acima, percebemos :

“Tudo que eu vivia, acreditava e achava, eu achava que era minha própria

razão que estava determinando.”. A pessoa nem se deu conta de que eram

até mesmo os prazeres que determinavam a vida.

Eu conheço muitos jovens e adolescentes que determinam seu

caminho baseados no bom e no ruim. Se é bom, seguem esse caminho,

se é ruim, evitam-no. Em um ponto mais avançado, essa pessoa deixa

de basear suas decisões no prazer e na dor. Ela consegue enxergar um

pouco além e abrir mão de certos prazeres para obter benefícios. Então,

a pessoa aceita trabalhar mais tempo para ganhar mais dinheiro. Nessa

circunstância, está vivendo a busca da realidade.

Eu pergunto: a mente é determinante da sua pessoa, da sua essência,

de quem você é, como você deve viver a vida ou ela te serve? Essa é uma

pergunta dificílima. Para os psicólogos da Teoria Cognitivo-Comporta-

mental, o pensa-

mento manda em

tudo, é soberano.

Para Platão, dizer

isso é afirmar que

a rédea é soberana

sobre os cavalos.

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E não é, temos algo que vai além disso. É o que Bion falou sobre a

busca da verdade através de um eixo absoluto. Isso é difícil, é contem-

plativo, precisa de reflexão e demanda uma série de meditações, não

só daquele ponto de vista transcendental, mas acerca das lições que

você pode extrair do mundo, das suas experiências. Você realiza essas

reflexões para conseguir fazer com que essa mente seja sua serva e não

produto de pensamentos. Sabemos, como naquele exemplo sobre o aceno

na rua, que essa mente também pode produzir mentiras. Pode produzir

pensamentos enviesados.

2.10. A BATALHA MORAL

Essa batalha de ascensão, em que existem os prazeres físicos, mostra

como, para a maioria das pessoas, o elemento espiritual é inexistente,

é invisível, é fraco. Isso faz dessa uma batalha amplamente perdida. No

entanto, se compreendemos o vício como um problema moral - tal como

é -, percebemos que resistir a ele constitui uma batalha moral. Isso torna

esse empreendimento interessante. Agora, trata-se de uma batalha que tem

dois lados. Antigamente, não tinha. Afinal, quantos de vocês não ouviram

que a vida se trata somente de buscar prazeres e evitar dores? Quantos de

vocês não pensaram: “se faz bem, faça”. Aliás, a psicologia moderna passou

por uma fase de forte apoio a essa ideia e até hoje vejo psicólogos que sus-

tentam essa perspectiva. Há a noção de que se algo te dá boas sensações,

você pode fazer. Essa é a verdade. Com isso, você tem uma legião de pes-

soas que não conceberam a ideia de que possa existir uma batalha entre

os bens elevados, espirituais, sensações mais duradouras, e as sensações

oriundas do próprio físico.

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2.11. AS FERIDAS E O VÍCIO

Só assim você começa a ver que você tem feridas. Feridas emocio-

nais, feridas históricas, feridas psicológicas, feridas na sua própria biografia.

É só assim você consegue conceber qual é a origem dessas feridas.

Será que foi por uma expectativa frustrada? Perceba que lidamos

com o mundo de acordo com as expectativas que temos perante ele. Então,

a pessoa não sofre porque falhou na prova, sofre porque achou que tivesse

que passar em todas as provas. Alguém falou isso para ela ou ela mesma

criou essa sensação. Ela olhou para o mundo e falou: “As outras pessoas

estão passando nas provas, é natural que eu também passe”. Mas não é

bem assim.

Outro exemplo: “Eu me dou muito mal com as mulheres. Eu não

sou um cara namorador, não sou uma pessoa que sabe seduzir”. Essa visão

começa com uma expectativa, pois quem disse a este homem que deve ser

bom sedutor? Provavelmente, foi ele mesmo em um meio de comparação

social.

Então, é só olhando para o seu vício, olhando para sua dor, para sua

ferida e perguntando da onde esta vem, que você começará a entender

qual é a origem dela e se existem mecanismos mais complexos e mais

profundos envolvidos.

Através de artigos, sabemos que muitos dos viciados, muitos dos

dependentes, muitos dos compulsivos, tiveram histórico de abuso, seja

sexual, seja emocional, ou vivenciaram algum tipo de violência física na

infância. O motivo disso é a o uso excessivo da mão punitiva, restritiva,

o excesso da mão bruta, fazendo com que o mecanismo de defesa do

mundo daquela pessoa seja uma adaptação a esse tipo de sofrimento.

Essa pessoa olha para o mundo e pensa: “Isso aqui é amargo demais

para eu viver, vou criar algum tipo de prazer ou evitação de dor”. Para

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criar isso, pode buscar algum tipo de vício.

Neste momento, o abuso ou a violência infantil constitui uma dese-

struturação das crenças daquela criança acerca do mundo. Como resposta,

ela simplesmente não consegue conceber um meio de vida pleno, pacífico.

Isso pode vir a criar mecanismos inclusive de patologias mentais. Sabemos

muito bem que o abuso e a violência podem ser demasiados para uma

criança, mesmo que para o adulto não sejam. Ambos podem ser mal-inter-

pretados pela criança. Então, quando o abuso é crônico ou cruel demais,

a criança tem uma predisposição maior a fazer vícios. Já entendemos

muito bem que se trata de uma compensação de uma lesão e uma

adaptação ao mundo.

Muitos dos vícios são por outros tipos de dores. Uma dor que acho

interessante é aquela que não tem relação com algo que aconteceu,

com algo que a pessoa sofreu, mas sim com a falta de sentido. A pessoa

ainda não tem um objetivo real e ainda acredita no mundo dos prazeres.

Portanto, se não tem os prazeres, a vida dói muito. Uma coisa é a pessoa

que busca prazeres e pertence à classe mais abastada dos Estados Unidos

e outra é a pessoa que busca prazeres e está na última classe do Brasil. Esta

última não vai ter acesso àqueles determinados prazeres. Evidentemente,

a chance dela se desestruturar dentro do seu próprio psiquismo e criar

cenários de dor e de sofrimento e compensação vai ser muito maior.

Eu também vejo um total desconhecimento do que é valor humano,

do que é ser um ser humano. A maioria das pessoas ainda vive com os valores

animalescos, dentre os quais estão a expansão de território, aumento da

cópula, aumento de parceiras, aumento da expressão social. Isso faz com

que a pessoa, principalmente aquela que não conhece a filosofia e que

não parou para refletir sobre o que há além do que podemos ver, exper-

imente, mais do que um vazio existencial, a ausência de um norte para

se guiar. Eventualmente, essa pessoa pode se sentir tão entediada no

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mundo que busca conforto nos vícios.

Ao abordar essa batalha de ascensão, a luta do Arjuna, a ambiv-

alência desses sentimentos em nós, eu lembro muito dos pais. Conforme já

mencionei, os pais têm as duas mãos, as quais precisam estar em equilíbrio.

Quanto a essas duas mãos, o nosso sentimento perante nossos pais também

é ambivalente. Principalmente no início da vida, prepondera o amor, o

acolhimento na relação com os nosso pais. Devagarzinho, começamos a

adotar o nosso individualismo, comportamentos próprios e, com o excesso

de energia, fazemos algumas besteiras. Assim, nossos pais começam a nos

mostrar a outra mão, a mão pesada e que vai impor um pouco de limite no

mundo. Passamos, então, a ter um olhar um pouco mais amargo em relação

a eles. E esse olhar é natural. Na circunstância atual da humanidade, a mão

mais dura, a mão da imposição, a mão responsável por mostrar os limites,

foi enfraquecida. Esse enfraquecimento e o correspondente excesso de

permissividade apresentam um custo. O custo é a diluição do sentimento

ambíguo em relação aos nossos pais. Passamos a enxergá-los só como uma

fonte de amor, como nossos amiguinhos.

Isso faz com que haja: 1) maior dificuldade de adaptar-se às difi-

culdades da vida humana. Vemos os acontecimentos com um amargor

desmedido; 2) maior dificuldade de perceber e respeitar as hierarquias; 3)

de uma certa forma, há um sentimento de não-pertencimento ao mundo,

exatamente o oposto do que foi desejado pelos pais. Os pais, amorosos,

exerceram um acolhimento profuso e deram ao filho tudo do bom e do

melhor. Com isso, na verdade, estavam enfraquecendo aquela criança, pois

não a criaram para o mundo, mas sim para seu próprio bem-estar. Uma

parcela considerável de nós foi criada assim. Mais do que isso: não vivenci-

amos tantas adversidades e, se as vivenciamos, por vezes foram resolvidas

por outras pessoas. De uma certa forma, é como se, por falta de uso, atro-

fiássemos a nossa resiliência, a nossa resistência aos sofrimentos inerentes

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à vida humana. A criança, portanto, não teve um bom preparo na infância

sobre os naturais dilemas da vida, que necessariamente envolvem a frus-

tração. Ou seja, os filhos não foram suficientemente frustrados pelos pais

para entenderem que existe uma dor para cada coisa que precisam realizar.

A pessoa acaba necessitando de certos vícios para lidar com a vida.

Além disso, a sua razão e os seus pensamentos perante o mundo são

deformados. Então, sequer consegue atingir a esfera da realidade, porque

entra no jogo da vida com um olhar amargo demais. Há dois mundos, por-

tanto. Você pode entrar na vida com o seguinte olhar “as pessoas são tão

ruins, porque, na verdade, eu sou tão sensível, eu fui criado assim”. Ou, o

contrário, você pode ver o mundo com um olhar tão experiente, amargo e

ressentido que vê o mundo pior do que realmente é. É claro que isso gera

tendências para algum tipo de vício.

Lembrando que, neste contexto, vício não significa somente o uso

de alguma substância, mas pode ser algo comportamental. Na terceira

aula, abordaremos esse tema, que são os vícios ligados às inclinações e

aos defeitos. E todos os vícios, mesmo aqueles relacionados a substâncias,

nascem através de certos comportamentos ou pecados capitais.

Todos esses vícios vão ter também nascimentos tanto na genética

quanto em cenários e contextos sociais que podem fazer com que uma

pessoa busque um vício específico, relacionado ao elemento circunstancial.

O vício depende da história de cada civilização, de cada momento, de cada

possibilidade e do senso comum que vigora nessa sociedade.

3. O VÍCIO E A REALIDADE

Os vícios, conforme Freud menciona, têm esse papel de afastar

da realidade. Quando você se afasta da realidade, você se torna um

neurótico. Esse comportamento é retroalimentável. Por quê? Porque

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA
quando você se alivia saindo da realidade, você cria uma nova realidade

que, na verdade, é uma ilusão. E quanto mais você vive na ilusão, mais

está afastado do que precisa para se livrar do vício ou do comporta-

mento. Esse vício apresenta uma face negra muito importante que leva

você para cada vez mais longe da cura e de você mesmo, da sua própria

essência. Você cria cenários, ilusões, mecanismos e comportamentos com

os quais se satisfaz momentaneamente. Com isso, além de experimentar

as dores da perda, ou seja, da tolerância do prazer, você também perde a

sensação de autossuficiência, começa a diminuir sua auto-confiança, pois

você está deliberadamente falindo. E quanto mais você se afasta dessa

essência, menos você sabe como se livrar desse vício. Você vai se aproxi-

mando daquela identidade falsa, da personalidade falsa do viciado.

Aristóteles orientava que deveríamos sair dos defeitos através de

uma virtude. A virtude é um valor atemporal que serve como alavanca fixa,

que serve como ponto fixo para você poder se movimentar a favor dessa

ascensão espiritual. Você vai se manter na esfera do prazer até sucumbir, ou

seja, até ter um sofrimento muito grande, ou até que você acorde, desperte.

Isso pode acontecer dependendo da base e do contexto social.

Já que estávamos falando sobre debates éticos e sobre as virtudes, há

um elemento que acho interessante abordarmos. Muitos pacientes meus

desenvolveram o vício no álcool e nas drogas, que é uma desadaptação à

realidade, depois de terem o vício do trabalho. Esses pacientes começaram

a trabalhar para lidar com uma não-aceitação de algo que precisavam ver

na família. Como o trabalho era muito doloroso, acabaram desenvolvendo

o vício no álcool e nas drogas. Ou seja, um vício leva ao outro. Eles estão

sempre ligados.

Um paciente específico trabalhava em um banco e era vendedor.

Ele precisava vender para determinado público e, para fazer isso, criava

mecanismos que eram contrários aos seus valores pessoais. Quando estava

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA
trabalhando, aquilo fazia sentido. Ele pensava: “Eu preciso vender, eu sou

viciado em trabalho, eu preciso do meu dinheiro, eu preciso estar fora da

minha família”. No entanto, quando o trabalho começou a ferir os seus

princípios, esse paciente começou a fazer uso de drogas, simplesmente

porque não conseguia lidar com a própria consciência. Neste caso, estamos

falando de consciência leve ou pesada, o elemento culpa. Entra-se, então,

num mecanismo autocompensatório de sentir a ferida de estar indo contra

os próprios valores ao enganar as pessoas. Foi isso que fez com que ele

chegasse na terapia, o sofrimento de estar fazendo algo que estava muito

além dos seus valores morais. Ou seja, ele precisou chegar na esfera do vício

espiritual para combater um vício de esferas inferiores.

Portanto, os mecanismos também podem ser os mais variados. Esse

paciente precisou achar a causa. No caso dele, era o fato de vender seguro

para idosos em que certas cláusulas presentes nas entrelinhas, desconhe-

cidas, eram quase como um roubo. Meu paciente tinha um ganho com

isso e a mente racional só entende isso. Para mente racional, se você tem

um ganho, está ótimo. É somente depois, em esferas mais elevadas, que a

pessoa concebe os valores morais.

3.1. OS ANANCÁSTICOS

Na nossa sociedade, há um traço da personalidade que é muito cob-

rado. Muitas vezes, ouvimos que só teremos valor se entregarmos muito, se

tivermos grande desenvoltura profissional e intelectual. Num certo grau,

isso é algo bom, mas existe o que chamamos de personalidade anancástica.

Os anancásticos são muito parecidos com os obsessivos-compul-

sivos, ou seja, parecem viciados e muitas vezes apresentam os elementos

de repetição. Os anancásticos não fecham diagnóstico para TOC, pois não

completam todos os critérios. Eles são excessivamente preocupados com

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA
sua performance. Então, tem uma atenção sobre todos os elementos de

uma extrema ansiedade, uma preocupação e atenção sobre si mesmos,

sobre sua própria personalidade, sobre a sua desenvoltura que beira uma

neurose. As pessoas que têm esse traço de personalidade anancástico

não podem errar de jeito nenhum. Se vão fazer um teste, se vão fazer uma

entrevista de emprego, se vão para um encontro, entram em pânico. A per-

formance delas é sempre muito avaliada e elas criam certos mecanismos

para poder entregar mais para aquelas pessoas que as estariam cobrando,

embora, muitas vezes, não haja ninguém as cobrando.

Isso pode ter início com os pais. Às vezes, os pais olham para esse

comportamento e entendem que a criança está indo bem, está estudando

bem, veem o filho como alguém responsável e relaxam. No entanto, a cri-

ança nunca mais relaxa. Ela permanece nesse estado de cobrança exces-

siva altamente punitivo. Assim, está sempre se pressionando e oscila

entre a punição e a culpa por não ter conseguido fazer algo. Esse traço

de personalidade, esse tipo de pessoa, também inclina bastante para os

vícios. É um tipo de personalidade muito sofredor. Um anancástico é uma

pessoa altamente tensa e nervosa com a sua performance. Muitas vezes,

dependendo do seu sistema, considera que falhou mesmo quando está

acima da média. Estar acima da média não é suficiente, porque o que faz a

primazia, a essência desse ser é o próprio senso de autocobrança, que não

é oriundo somente dos pais. Então, esse tipo de pessoa oscila entre culpa e

punição.

Imaginem a dor e o sofrimento dessa pessoa. Ela não precisa de uma

genética que vá levar à dependência química ou à dependência de algum

tipo de comportamento. Ela mesma já se viciou em um tipo de compor-

tamento, uma cobrança excessiva, que conhecemos muito bem na nossa

sociedade. Muitas vezes, esse comportamento é até presenteado, recom-

pensado.

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA
3.2. O DESPERTENCIMENTO

Como falamos sobre maturidade, moral, ética, é natural que as nossas

inclinações aos vícios também comecem com o tempo, com a maturidade,

com as experiências e nossos ensinamentos, a se diluir, a se dissolver. Pen-

semos, por exemplo, sobre uma dor pela falta de conexão social, uma falta

por ter a necessidade de pertencer à sociedade e ter um papel social impor-

tante. Normalmente, esse sentimento está ligado ao não-pertencimento à

família. Esse pertencimento também precisa ser trabalhado em terapia.

Geralmente, quando a pessoa tem dificuldade com os pais, tem

uma grande crítica aos pais, às vezes por estes terem exercido as duas

mãos com excessos, cria um senso de desconexão. Esse senso de descon-

exão perdura para o resto da vida e a pessoa se sente eternamente

desconectada do mundo. Ela quer sair do país, quer mudar de emprego,

está sempre insatisfeita, não pertence a um grupo, migra de grupo toda

hora, migra de amizades, nada adianta. Ela não se sente pertencente a ela

mesma. Não toca na essência e começa a criar esse comportamento de

pertencimento, essa sensação de pertencimento, quando para, reflete

e muda a postura e o sentimento que tem em relação aos pais. E ele

não é ligado a julgamento. Então, os seus pais podem ser os piores pais

do mundo, podem até estar mortos. Não tem problema nenhum. O senti-

mento de gratidão e de aceitação que você vai ter que criar é o que mudaria

esse senso de despertencimento ao mundo.

Eu quero que quem está ouvindo nesse momento consiga contem-

plar a ideia de que uma das dores mais profundas da humanidade é esse

senso de despertencimento e que, geralmente, conseguimos combatê-lo

com a mudança da percepção que temos de nossos pais.

Podemos ser adictos a absolutamente qualquer tema. Há pessoas

viciadas em aplausos, em futebol, em música clássica, em café, em álcool,

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA
em curtidas no facebook, em algum tipo de imagem, esportes. Os vícios

não são configurados pelo objeto, mas sim pela necessidade, pela

dependência e pelo tempo. Não trabalhamos tanto com o objeto dos

vícios, mas como e por que estão acontecendo.

Por exemplo, eu tive um paciente que era viciado em brigar na

internet. Ele não conseguia desligar a internet e ir viver sua vida. Ele pre-

cisava colocar um argumento em cima do outro. Ele precisava ganhar a

discussão. Estamos falando sobre vício de internet? Não, estamos falando

sobre algo do ego, sobre algo em que precisa se impor.

Muitas vezes, aquele senso de desconexão se manifesta nessa

pessoa que jamais se aceita, nessa pessoa que está sempre tentando se

impor. Ela vai tentar ganhar valor na sociedade através de todos os custos,

tudo que puder fazer. Muitas vezes, de maneira escusa. Quando o desejo

é muito grande, pode buscar sua ascensão social através, por exemplo, do

tráfico de drogas, porque sabe que ali irão respeitá-la. Na verdade, falta essa

conexão prévia e inerente à vida humana de olhar para o universo paterno

e materno e aceitar que seu universo foi forjado por aqueles outros dois.

Isso deveria gerar um sentimento de profunda gratidão, isso deveria gerar

um sentimento de contemplação, respeito, muitas vezes, de olhar para eles

e pensar “eu vim ao mundo e eu pertenço a isso”. Isso não tem qualquer

relação com educação, com formação, com da onde você veio, qual é o seu

país, qual é a sua língua.

Isso só serve, evidentemente, com os pais biológicos. Não é bem

assim a história de que pai é quem cria. Para essa vertente, não é bem

assim. Que bom que aquela pessoa está lá, sua vida melhora muito com

a presença daquele criador. O padrasto pode te ajudar muito e vai ser a

figura masculina. No entanto, é o pai biológico e a mãe biológica que têm

esse poder de você simplesmente pertencer, de fazer você se sentir perten-

cente. E é você que deve contemplar essa sensação. No nosso mundo atual,

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA
é extremamente difícil.

3.3. A FALTA DE FORMAÇÃO

Um ponto que precisamos debater é até que ponto é justo, é

certo, é ético, é correto, usar medicações para melhorar algo que estava

doendo muito pouco. Até que ponto é válido eu me olhar, conhecer minhas

limitações e decidir usar uma substância ou adotar determinado compor-

tamento para que isso me alivie no mundo, para que isso crie uma persona

que me apresente melhor na sociedade? Por exemplo, uma pessoa é fraca

e decide usar testosterona pura. Qual é o problema disso se é legalizado?

Ou, ainda, em outro caso, qual o problema de uma pessoa usar antidepres-

sivos para aumentar sua expressão social? Qual o problema de uma pessoa

tímida beber todos os dias da sua vida para poder se adequar melhor? Esse

debate da papoula, da possibilidade de se tornar uma pessoa desumana

simplesmente por injetar uma morfina e jamais sentir as dores do mundo.

Eu poderia tentar me manter no eterno prazer?

Se assim o fosse, desvalidaríamos o sofrimento como motor de

ascensão pessoal. A pessoa que está satisfeita, plena, alegre, tranquila,

em paz, caso não esteja pautada em algum tipo de desconforto, seja

ele qual for, não anda. Ela não se movimenta. Precisamos entender as

lições dos sofrimentos. E, quando usamos um elemento externo, o corpo

simplesmente para de produzir. Então, se eu tomo testosterona, meu testí-

culo cessa sua produção, atrofia-se. Se eu uso somente pernas mecânicas,

tal como alguns militares estão fazendo, porque lhe dão mais agilidade e

mais força, minhas pernas físicas vão atrofiar. Isso também pode acontecer

na mente. Os aprendizados antigos eram refletidos. Sabíamos quem era

o sábio da tribo e íamos até ele fazer perguntas. Com isso, já estávamos

praticando o elemento social, já estávamos conversando, já sabíamos o que

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA
poderia vir a extrair. Existia uma interação. Dentro da sabedoria, o sábio nos

instruía. Agora, não. Temos a internet e uma explosão de informação.

O momento da humanidade é de uma enxurrada de informações e

uma pobreza absurda de formação. Não formamos mais seres humanos,

simplesmente depositados informações. Conhecimento separado da sabe-

doria. Não paramos para refletir sobre as experiências de cada informação

que estamos consumindo. Podemos ler todos os filósofos do mundo e não

aprendermos absolutamente nada, porque travamos na hora de colocar

na prática. Você se torna um mero intelectual, na melhor das conjunturas.

Você não sabe praticar aquilo.

Nesse momento, existe uma desconexão. Todo mundo que vende vai

tentar explorar aquela área central das recompensas e dos prazeres. Todo

bom marketeiro vai fazer com que você sinta necessidade de compra, que

você sinta o prazer. E quando você abstrai o seu controle sobre si mesmo,

quando você não tem a consciência, o centro de si, você acaba se man-

tendo nessa busca eterna de prazer, desconecta-se do mundo natural,

desconecta-se do mundo social, real, busca as informações em qualquer

área e faz essa busca sem que haja um filtro. Você vai buscar as sensações

porque elas são muito maiores nesses mundos já preparados. Assim como

a máquina de cassino: as imagens muito mais coloridas, os desenhos ani-

mados, os sons.

Isso vai fazer com que você se alimente o mais rápido possível,

porque, para você, é um valor falso, que você cria uma personalidade dotada

de informações. Isso tem um certo valor hoje, mesmo que você não saiba

absolutamente nada sobre essas informações. Você não soube validá-las na

prática, na sabedoria, você não refletiu sobre elas. Você simplesmente tem

dados, você age como um computador.

Quando queremos medir o sucesso desses elementos que ali estão,

sobre os vícios que ali estão, sobre todas as possibilidades que de possamos

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA
usufruir, perguntamos o seguinte: “eu estou ficando mais feliz? A humani-

dade está mais feliz?”. Agora tem sexo totalmente liberado, drogas altamente

liberadas e cada vez mais você tem a possibilidade de ser viciado em jogos,

em pornografia. Hoje, podemos ser hedonistas muito mais facilmente. O

mundo do Dionísio seria uma pessoa completamente pautada pelo prazer.

Ainda assim, estamos mais felizes? Parece que é um ambiente de mais

paz e sabedoria? Você olha para as pessoas e acha que estão mais plenas

ou você olha aquilo com uma certa desconfiança? Quando essas pessoas

buscam a todo custo aprovação alheia, quando buscam gritar. O momento

atual da humanidade é de grito, todo mundo quer uma expressão, ninguém

parou para refletir sobre o que estão gritando, mas todo mundo busca. E a

rede social, um dos maiores vícios da atualidade, deixa isso escancarado.

Vemos as pessoas gritando por uma aparição. Uma aparição que é virtual.

A pessoa precisa criar um personagem virtual e precisa alimentar esse per-

sonagem, torná-lo grande, torná-lo amplo e difuso. E tudo que ganham em

troca são aqueles momentos de prazer, de curtição, de contato. Claro que

nem sempre é assim. Existe a parte positiva das redes sociais, da internet,

dos jogos, o próprio sexo, sabemos que é necessário. Mas percebam que,

quando falamos sobre o vício, estamos falando totalmente sobre o descon-

trole de si mesmo.

4. PERGUNTAS:

1) Tu comentou sobre a importância dos elementos fixos para o

processo de ascensão. Eu posso entender os mitos como um elemento

fixo?

Com certeza absoluta. O Jung vê os mitos como figuras arquetípicas,

como símbolos complexos que estão habitando na essência e na mente de

todos os seres humanos, mesmo que você não tenha se deparado com eles.

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA
Isso é algo interessante que ele explica pela teoria do inconsciente coletivo.

Jung afirma que tudo que está mais profundo e arraigado na minha mente,

está na mente de todo mundo.

O tema da aula é sobre os vícios do cotidiano, mas existem vícios

extremamente antigos e a ideia de vício, de erro, de defeito, de perda de

controle, de inclinações, é tão antiga quanto a própria humanidade. Todo

mundo já teve os mesmos erros em determinado momento da vida. E os

mitos são histórias em que os personagens têm características próprias e

tais personagens habitam algum momento da nossa vida. Nos mitos, você

é múltiplos personagens. Claro que, às vezes, você se identifica mais, às

vezes, menos, mas os mitos são histórias poderosíssimas.

É interessante mencionar que os mitos acabam pautando a nossa

civilização. Eles acabam perdendo importância, mas não deveriam, porque

são as histórias mais complexas que podemos conceber, com as maiores e

mais diversas tramas e dificuldades. Eu não tenho dúvida de que, se você

souber se identificar bem dentro do mito, sua vida evolui a passos largos.

Funciona muito bem, é um bom guia, inclusive de julgamento próprio e do

mundo.

2) O contato com o interior é algo muito subjetivo e complexo.

Existem sinais de quando tenho uma falsa personalidade?

Sim. São olhares que estarão em diversos patamares do ser. Quando

você tem uma desapropriação sobre si mesmo, quando você começa a criar

personagens - e fazemos isso de uma forma saudável - para lidar com o

mundo e com as suas dificuldades, você precisa de uma roupa. Você não é

o mesmo perante sua mãe, seu marido, perante uma criança de cinco anos

e perante um assassino. Você vai adotar certos trejeitos da personalidade,

você criar personagens, mas é interessante que você não se identifique de

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA
uma forma plena com cada um deles a ponto de perder sua essência, se

afastar da sua essência, que é o que acontece com a falsa personalidade.

A falsa personalidade é uma personalidade demasiadamente dotada de

certos caracteres que você mesmo não aguenta.

Por exemplo: eu crio o cara durão, super-ultra-resistente. Eu vou para

guerra, vejo uma morte e volto com o transtorno de estresse pós-traumático.

Sem querer, inconscientemente, eu montei uma personalidade que não

estava preparada para aquele tipo de estímulo.

Como você sente isso? É realmente difícil. Não é algo que qualquer

um consiga fazer. A maioria das pessoas não consegue, tanto é que estão

no modo automático, tanto é que estão ligados a comportamentos incon-

scientes, espontâneos. A impressão que dá é que, conforme você vai con-

hecendo o mundo da realidade e, depois, o mundo da verdade, você vai

trazendo chaves, problemas do seu inconsciente para o seu centro psíquico

consciente. Você começa a se dar conta do mundo a partir do momento que

você tem algum tipo de preparo emocional para isso. No final das contas,

é um sentimento mesmo, é algo que parece correto, principalmente nas

esferas mais altas da sabedoria. Parece que aquilo vem chamando a sua

atenção e as outras coisas lá embaixo vão perdendo a importância, vão

deixando de ser periféricas e vão se tornando centrais na sua vida.

Por exemplo, brincar de boneco é algo que foi perdendo a importância

e se você tentar brincar hoje, vai pensar que isso não te diz nada. No entanto,

o trabalho e o estudo têm importância. Passado um tempo, você percebe

que tem algo mais, a sua mente começa a buscar elementos superiores.

É óbvio que, nesse momento, é interessante que você tenha um guia, que

você tenha um tutor, mas o que fazemos com nossos tutores? Nós os ridic-

ularizamos. Hoje, falamos que os velhos não sabem nada e que quem sabe

mesmo são os jovens. Assim, acabamos ficando mais tempo em cada fase e

não temos as fases que são necessárias e que estão ligadas a uma sabedoria.

Geralmente, é uma crise existencial. Muitas vezes, começa mesmo como

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA
uma dor quando você tem que fazer uma passagem da vida, passando do

que é periférico para o elemento central. São sentimentos, são forças que

são de difícil leitura. E fica cada vez mais difícil. Hoje, com a enxurrada de

informações e com a internet, você não tem mais contato nem com você

mesmo, nem com a sua solidão, nem com o mundo natural, então você

perdeu a leitura do mundo natural e você vive em grandes centros em

grandes cidades, e é claro que isso tudo tem o lado bom, mas estamos atro-

fiando a capacidade mental de ler exatamente isso que você está falando,

de como perceber essas nuances da vida.

No outro curso, eu falei que temos a personalidade, que é o ego, que

é extremamente importante, que é sobre o que temos controle, é o que

temos que definir, é o que a gente tem que equilibrar. Se estiver desequil-

ibrada, acontece tudo isso que estamos falando. No entanto, acima desse

ego, temos a identidade, que é o ser espiritual de que os sábios falam.

Tocamos, às vezes, embora seja raro, esse ser espiritual e começamos a abrir

mão disso. O quanto que sou vítima desse meio? Por quê? Porque você

pode nascer num ambiente extremamente conturbado, seus pais podem

ser totalmente viciados e você não ser. Alguma coisa em você mostrou que

não era esse o caminho. Alguma coisa, não importa o que. E, apesar das

suas inclinações, você decidiu não ser determinado por isso.

Na história, há pessoas que poderiam ter relaxado a cabeça e feito

o que a maioria fazia, mas que decidiram enfrentar a todo custo, mesmo

com a própria vida. Muitos pagaram com a própria vida para manter o que

achavam que era correto. Esse acho é muito complicado. Você tem isso em

algumas artistas. Pessoas que morreram sem nenhum pingo de dignidade

ou vida financeira saudável, mas simplesmente precisavam fazer aquilo e

deixaram grandes obras. Filósofos. Os líderes religiosos. É um sentimento.

Para uns é mais claro, para outros, é menos. Tem a ver com sentido de

vida, tem a ver com o senso de propósito, de missão, quando descobrimos

o que viemos fazer e por quê. Isso muda nossa vida. Temos que ter uma

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA
percepção um pouco maior. Raramente tocamos. E quanto mais silêncio

tiver a sua mente, mais em paz, e quanto mais a sua personalidade estiver

alinhada, ou seja, as suas emoções, o que você sente, o que você fala, o que

você faz, o que você pensa - pensamento-sentimento-fala-ação -, quanto

mais alinhado isso estiver, mais você está dando chance de dar pequenos

pulos para essa outra mente, que sabemos que existe.

Uma pessoa mais atenta consegue fazer isso com uma clareza. Nós

ainda estamos dando pequenos pulos. Precisamos muitas vezes acalmar

nossa mente, precisamos meditar, precisamos observar, refletir, ficar soz-

inhos, falar com nós mesmos, precisamos escrever. Só que entramos no

automatismo e isso está acontecendo cada vez mais. E agora surgiram os

automatismos travestidos de bons hábitos. Então é liberado. Tudo isso te

afasta da real consciência que é a única chance de você chegar nesse ser

mais profundo.

Aluna: os vícios, via de regra, são tão latentes que é impossível pas-

sarem despercebidos por muito tempo. Por exemplo, eu sou viciada em

álcool, sou viciada em drogas. Isso acaba consumindo muito da vida e fica

latente. No entanto, quando tratamos de características da personalidade

como, por exemplo, ser muito permissivo, não reconhecer o mal em si

mesmo, é algo que você pode passar a vida inteira atuando dessa forma e

nunca perceber que aquilo não é quem tu é.

A amplitude dos vícios pode ser algo claro, como café e álcool, mas

pode estar relacionada aos vícios da personalidade e aí temos que ficar

atentos. Você sofreu três críticas iguais? É melhor se atentar a isso. Ou,

se você sente um vazio, buscar como outras pessoas resolveram isso. Eu

tenho um vício em pornografia. Eu vejo pornografia durante quatro horas

seguidas. O primeiro passo é se perguntar se isso é normal. Se não for

normal, o segundo passo é procurar descobrir como aquelas pessoas que

estiveram nessa mesma circunstância expressavam os sofrimentos e como

conseguiram sanar o problema. Muitas vezes, é a forma de linguagem que a

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA
pessoa não tem, ela não consegue nem expressar aquele sofrimento, então

tem que buscar organizar esse centro antes de mais nada, senão, sequer

sabe quem está combatendo. Ficaria, assim, com os vícios da personalidade.

Seria se tornar a definição de vício, que é um defeito. É complicado mesmo.

Isso aí podemos passar uma vida sem saber. E o sábio seria o ser raro que

é capaz de combater esses defeitos. Demanda toda atenção e energia do

mundo para isso.

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E-BOOK BP VÍCIOS E COMPULSÕES DO DIA A DIA

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