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TEMAS LIVRES FREE THEMES


O fazer educação alimentar e nutricional:
algumas contribuições para reflexão

Practical food and nutrition education: some points for reflection

Ligia Amparo da Silva Santos 1

Abstract This article reflects on the practices of Resumo O presente artigo reflete sobre as práti-
existing food and nutrition education in the cur- cas de educação alimentar e nutricional vigentes
rent context. Practices in public policy in food and no contexto atual. São discutidas no âmbito das
nutrition are discussed starting from an analysis políticas públicas de alimentação e nutrição par-
of government actions undertaken and their ac- tindo de uma análise sobre as ações governamen-
tions at the local level, particularly in outpatient tais empreendidas e de suas ações no âmbito local,
clinical nutrition and/or attention to specific particularmente na nutrição clínica ambulato-
groups, seeking to identify theoretical and meth- rial e/ou na atenção a grupos específicos, buscan-
odological trends guiding educational practices. It do identificar as tendências teóricas e metodoló-
is considered that the food and nutrition educa- gicas que norteiam as práticas educativas. Consi-
tion has been the subject of debate in seeking to dera-se que a educação alimentar e nutricional
construe it as government action. However, de- tem sido alvo de debates na busca de concebê-la
spite their achievements, one perceives the exist- como uma ação governamental. Entretanto, em
ence of a gap between the formulation of policies que pese seus avanços, se reconhece a existência
and actions developed at the local level. There is de um hiato entre as formulações das políticas e as
also a gap between rhetoric and practice in terms ações desenvolvidas no âmbito local. Permanece
of educational activities. The conclusion reached também um hiato entre discursos e as práticas em
is that food and nutrition education is less an in- seu torno das ações educativas. Conclui-se que a
strument than a measure for joint actions that educação alimentar e nutricional é menos um
must involve different sectors and disciplines, how- instrumento do que um dispositivo de ações con-
ever, it calls for investment in vocational training jugadas que devem envolver diferentes setores e
and production of knowledge in the field. disciplinas, entretanto, demanda investimentos
Key words Food and nutrition education, Health na formação profissional e na produção de co-
education, Nutrition, Nutritionist nhecimento no campo.
Palavras-chave Educação alimentar e nutricio-
1
Departamento das Ciências
nal, Educação em saúde, Nutrição, Nutricionista
da Nutrição, Escola de
Nutrição, Universidade
Federal da Bahia.
Rua Araújo Pinho 32,
Canela. 40110-150
Salvador BA.
amparo@ufba.br
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Santos LAS

Introdução A educação alimentar e nutricional


no âmbito da formulação
A importância da educação alimentar e nutricio- das políticas públicas
nal nos campos da saúde, alimentação e nutri-
ção, bem como o seu percurso histórico, têm sido Santos5 observou a crescente importância
discutida por diferentes autores1-5. Santos5 des- dada à educação alimentar e nutricional nos do-
taca que seu papel nos anos 1990 e 2000, em par- cumentos que elaboram as políticas públicas no
ticular, esteve mais vinculado à produção de in- campo da alimentação e nutrição no Brasil. Par-
formações que serviam como subsídios para tiu da análise da formulação da Política Nacional
auxiliar a tomada de decisões dos indivíduos que de Alimentação e Nutrição, do Sistema Nacional
outrora foram culpabilizados pela sua ignorân- de Segurança Alimentar, da Estratégia Fome Zero,
cia (1940-60), sendo posteriormente vítimas da assim como da Estratégia Global para a Promo-
organização social capitalista (1970-90), e que se ção da Alimentação Saudável, Atividade Física e
tornaram agora providos de direitos e convoca- Saúde. Em seguida, o Ministério da Saúde lançou
dos a ampliar o seu poder de escolha e decisão a Política Nacional de Promoção da Saúde e o
(1990-2010). Programa de Saúde Escolar, em 2006 e 2008, res-
Destaca ainda que a crescente importância da pectivamente, ao quais, por sua vez, têm tam-
educação alimentar e nutricional no contexto da bém suscitado discussões sobre o tema.
promoção da saúde e da alimentação saudável, Partindo destas políticas, analisam-se as ações
vista como uma estratégia fundamental para en- governamentais empreendidas no campo da edu-
frentar os novos desafios nos campos da saúde, cação alimentar e nutricional nos Ministério do
alimentação e nutrição. Entretanto, enfatiza que Desenvolvimento Social (MDS) e de Combate à
há poucas referências sobre o arcabouço teórico, Pobreza, do Ministério da Saúde (MS) e do Mi-
metodológico e operacional, tanto na literatura nistério da Educação (MEC), órgãos que têm
acadêmica como nos documentos de referência formulado tais políticas. Considera-se ainda que,
que norteiam as políticas públicas no campo. Ou a partir de 2006, a educação alimentar e nutricio-
seja, paradoxalmente, a “educação alimentar e nal foi alvo de reflexão e debate ocorrendo even-
nutricional está em todos os lugares e, ao mesmo tos específicos para tal fim.
tempo, em lugar nenhum”5. No âmbito do MDS, Oliveira e Oliveira7 des-
Parece também haver consenso que os reco- tacam a educação alimentar e nutricional enquan-
nhecidos avanços nos discursos sobre o tema não to ação governamental, prevista como uma “ação
têm refletido na mesma medida em avanços nas estruturante” na Estratégia Fome Zero, desempe-
práticas cotidianas desenvolvidas pelos profissi- nhando uma função estratégica para a promo-
onais no campo da educação alimentar e nutrici- ção da segurança alimentar e nutricional em to-
onal. Lembrando a frase de Paulo Freire, do livro das as suas dimensões, percorrendo desde a pro-
Pedagogia da Autonomia, “de nada adianta o dis- dução até o consumo dos alimentos, consideran-
curso competente se a ação pedagógica é imper- do aspectos éticos, culturais, socioeconômicos e
meável a mudanças”6, este é um desafio que nos regionais, entre outros, na promoção de hábitos
impõe a pensar. alimentares adequados e saudáveis. A partir de
Partindo destas considerações, o presente en- 2006, as ações de educação alimentar e nutricio-
saio busca refletir sobre as práticas de educação nal do MDS ficaram sob responsabilidade da
alimentar e nutricional vigentes no contexto con- Coordenação Geral de Educação Alimentar e
temporâneo. Buscar-se-á discutir estas práticas Nutricional (CGEAN), vinculada ao Departamen-
no âmbito das políticas públicas de alimentação e to de Apoio a Projetos Especiais na Secretaria
nutrição, partindo de uma análise sobre as ações Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
governamentais empreendidas no campo, como Deste modo, a CGEAN visa “promover a edu-
ainda as ações desenvolvidas no âmbito local, cação alimentar e nutricional visando à alimen-
particularmente na nutrição clínica ambulatorial tação adequada e saudável no sentido de prazer
e/ou na atenção a grupos específicos, procurando cotidiano, de modo a estimular a autonomia do
identificar as tendências teóricas e metodológicas indivíduo e a mobilização social, valorizar e res-
que norteiam tais ações educativas. peitar as especificidades culturais e regionais dos
diferentes grupos sociais e etnias na perspectiva
da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e
da garantia do Direito Humano à Alimentação
Adequada – DHAA”7.
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Oliveira e Oliveira7 ainda destacam os diver- Humano à Alimentação Adequada. O primeiro
sos projetos educativos desenvolvidos e apoia- teve como objetivo discutir o tema da Educação
dos pela CGEAN, dentre eles os projetos Educa- Alimentar Nutricional “como processo e ferra-
ção a Mesa, Criança Saudável, Educação Dez, menta fundamental para a Promoção da Saúde”
Cozinha Brasil, Alimentação Inteligente e Eu enquanto que o segundo, “as atuais práticas de
aprendi. Além disso, ocorreram em 2006 duas educação em saúde e o uso de métodos e técnicas
oficinas que objetivaram debater sobre diversos de educação alimentar e nutricional como estra-
aspectos que envolvem a discussões sobre o tema tégia de promoção da alimentação saudável, saú-
educação, o alimento e o ato alimentar no âmbi- de e constituição da cidadania dos sujeitos, con-
to das ações de educação alimentar e nutricional, tribuindo para o seu empoderamento no cuida-
assim como o impacto das já realizadas, e quais do com a própria saúde”9.
caminhos a percorrer para fortalecê-las enquan- Enquanto estratégia de educação em saúde,
to política de Estado. os fóruns, em suma, tiveram o propósito de
No que tange à abordagem teórico-metodo- ampliar e de aprofundar o papel da educação
lógica pensada para ações, marca-se um discur- alimentar e nutricional na promoção de práticas
so em torno da educação alimentar e nutricional alimentares saudáveis e na estratégia da promo-
“transformadora” e dialógica, assumindo uma ção da saúde. Chama a atenção na programação
perspectiva “problematizadora”, com vistas a ul- destes a importância dos relatos de experiências
trapassar uma visão puramente instrumental e como forma de mobilizar a discussão e sociali-
instrucional da educação, e passar a considerá-la zar tais experiências. Além disso, o evento tam-
como uma forma de realização da pessoa7. Des- bém teve o propósito de discutir o Programa
taca ainda a importância de que as ações educa- Saúde na Escola (PSE), lançado pelo Ministério
tivas sejam desenvolvidas no sentido de promo- da Saúde, através do Decreto nº 6.286/2007, no
ver a autonomia dos indivíduos, baseadas na qual um dos objetivos refere-se à promoção de
interdisciplinaridade e na transdisciplinaridade, práticas alimentares saudáveis nesse ambiente,
respeitando as culturas, valorizando a história e tema já oportunizado na Portaria Interministe-
a diversidade regional, ao mesmo tempo em que rial MS/ MEC nº 1.010/ 2006.
reconheçam os saberes populares e fomentem a A CGPAN tem ainda realizado inúmeros even-
biodiversidade local. Assume-se no cerne destas tos que envolvem mostras e oficinas cuja temáti-
políticas um compromisso com a sustentabili- ca central perpassa pela promoção da alimenta-
dade ambiental. ção saudável, sejam elas para formular políticas
Já na esfera do Ministério da Saúde, a Coor- ou ainda para avaliar as experiências desenvolvi-
denação-Geral da Política de Alimentação e Nu- das em diferentes partes do país. Além disso, a
trição (CGPAN), alocada no Departamento de CGPAN dispõe de um conjunto de publicações,
Atenção Básica da Secretaria de Atenção à Saúde, dentre manuais técnicos e educativos, dando des-
tem também, por sua vez, ampliado as discus- taque a um bloco especifico sobre o tema da ali-
sões em torno do tema. No bojo da Política Na- mentação saudável. Dentre eles se destaca o Guia
cional de Alimentação e Nutrição e da Política Alimentar para a População Brasileira, lançado
Nacional e da Promoção da Saúde do Ministério em 2005, sendo este considerado o primeiro do-
da Saúde, a CGPAN prioriza as ações de Promo- cumento oficial que define as diretrizes alimenta-
ção da Alimentação Saudável no qual a educação res para orientar escolhas mais saudáveis de ali-
alimentar e nutricional aparece como estratégica mentos pela população brasileira a partir de dois
no seu campo de atuação. Salienta-se que estão anos de idade.
ainda fundamentadas ou articuladas com ou- No âmbito do Ministério da Educação, vale
tras ações e políticas tais como a Estratégia Fome lembrar que a escola tem sido um dos espaços
Zero e a Promoção da Segurança Alimentar e mais focados pelas políticas públicas de alimen-
Nutricional, a Estratégia Global para a Promo- tação e nutrição com a promoção da alimentação
ção da Alimentação Saudável, Atividade Física e saudável, reconhecida como o lócus prioritário
Saúde, a Atenção Básica e a Estratégia da Saúde de formação de hábitos e escolhas. Um exemplo
da Família8. disso é a publicação da já supracitada Portaria
A relevância da educação alimentar e nutricio- Interministerial no 1.010, de 8 de maio de 2006
nal pode ser constatada no âmbito das ações da destinada para tal fim, que institui as diretrizes
CGPAN, por ocasião da realização, em 2006 e para a promoção da alimentação saudável nas
2008, dos I e II Fórum de Educação Alimentar e escolas de educação infantil, fundamental e de ní-
Nutricional para a Promoção da Saúde e Direito vel médio das redes públicas e privadas, em âm-
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bito nacional, em que as ações de educação ali- cas para o campo. Parece estar em curso uma
mentar e nutricional é um dos eixos prioritários. estruturação em torno da educação alimentar e
O histórico Programa Nacional de Alimenta- nutricional enquanto uma ação governamental
ção Escolar (PNAE), desenvolvido pelo Fundo (ou até como uma política de Estado conforme
Nacional de Desenvolvimento da Educação referido em um dos documentos), com vistas à
(FNDE), do Ministério da Educação, tem sofrido promoção da alimentação saudável sob a pers-
inúmeras alterações no seu aparato legal propici- pectiva de diferentes políticas relacionadas ao
ando cada vez mais a incorporação da promoção tema: seja a Promoção da Saúde ou da Seguran-
da alimentação saudável no ambiente escolar ça Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à
como uma importante meta. Inúmeros projetos Alimentação Adequada sendo, a depender do
em parceria com outros órgãos focalizam esta órgão formulador da política, a ênfase é maior
ação e, juntamente a ela, a educação alimentar e em um campo ou outro.
nutricional a exemplo: “Dez Passos para Alimen- Marca-se ainda a busca da intersetorialidade
tação Saudável na Escola”, em parceria com o e da integridade entre as instâncias governamen-
Ministério da Saúde, “Projeto Criança Saudável tais em torno das ações propostas como ainda
Educação Dez” com o Ministério do Desenvolvi- verifica-se também as parcerias com outras or-
mento Social, “Projeto Alimentação Saudável nas ganizações privadas e não governamentais. As
Escolas” com a Agência Nacional de Vigilância ações conjugadas destes órgãos, além da organi-
Sanitária, Projeto Educando com a Horta Esco- zação dos eventos concebidos como espaços im-
lar, juntamente com a Organização das Nações portantes para a formulação das políticas, dis-
Unidas para a Agricultura e Alimentação – FAO9. cussões estratégicas e espaços de diálogo sobre
É também uma meta desejada a incorporação experiências empreendidas; encontra-se a pro-
do tema alimentação saudável no projeto político dução de materiais educativos – tais como guias,
pedagógico da escola, perpassando por todas as cartilhas e pirâmides alimentares -, a realização
áreas de estudo e propiciando experiências no coti- de oficinas culinárias e de dietética cada vez mais
diano das atividades escolares, o que foi previsto com enfoque regional, assim como programas
nos documentos que regem o Programa. voltados para o treinamento de multiplicadores.
Com o intuito de formar uma rede de dis- Evidencia-se também a crescente preocupa-
cussão sobre o Direito Humano à Alimentação ção com as bases teórico-metodológicas que re-
Adequada no Contexto da Educação Alimentar e gem as ações educativas em alimentação e nutri-
Nutricional entre os profissionais de saúde e edu- ção. Reconhece-se que há uma ênfase maior na
cação, foi realizado I Fórum Sobre Direito à Ali- informação, admitindo que a educação alimen-
mentação Adequada no Contexto da Educação tar e nutricional é mais do que informação; que
Alimentar e Nutricional, em 2009, promovido seu papel não está ainda claramente definido, ha-
pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da vendo a existência de uma lacuna entre o discur-
Educação (FNDE) e pelo Centro Colaborador so e prática, com um enfoque predominantemente
em Alimentação e Nutrição do Escolar da Uni- biológico no qual são tratadas as práticas ali-
versidade de Brasília (CECANE – UnB). mentares. Assume-se a cultura como aspecto de
O evento objetivou discutir os atuais méto- relevância com destaque à importância dos há-
dos, técnicas e práticas de educação alimentar e bitos alimentares regionais, e que as práticas ali-
nutricional como estratégia de promoção da ali- mentares é um resultado de escolhas, conscien-
mentação saudável no contexto do Direito Hu- tes ou não.
mano à Alimentação Adequada; apresentar ex- Do ponto de vista teórico-metodológico, a
periências de projetos de educação nutricional e educação alimentar e nutricional está direciona-
alimentar em diferentes setores; buscar o forta- da nos documentos para assumir uma perspec-
lecimento e o crescimento das discussões, e aná- tiva da educação popular cunhada no pensamen-
lises relativas à educação nutricional e alimentar to de Paulo Freire, com ênfase na dialogicidade e
em diferentes contextos, com vistas ao aprimo- na autonomia do sujeito. Nesta direção, ainda
ramento das atividades do Programa Nacional mescla-se algumas contribuições da pedagogia
de Alimentação e Nutrição Escolar (PNAE)10. construtivista. Assim, os discursos recorrem ao
Ao partir das ações descritas acima na área enfoque da problematização contrapondo aos
de educação alimentar e nutricional, tomando métodos tradicionais baseados nas técnicas ex-
em particular os eventos ocorridos entre 2006 e positivas, a fim de promover uma prática refle-
2009, pode-se constatar a interesse dos órgãos xiva dos sujeitos sobre si e sobre as questões per-
referidos em formular políticas e ações específi- tinentes às suas práticas alimentares.
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Retomando os eventos organizados, pode-se zações e serviços, mas também esteve presente
reconhecer uma estratégia de trabalho voltada no âmbito acadêmico, marcado pela ausência de
para, a partir das experiências vivenciadas a nível pesquisas e estudos nesta área11.
local, promover uma reflexão sobre as práticas, Na tentativa de refletir sobre como a educa-
os métodos e as técnicas de educação alimentar e ção alimentar e nutricional se configura no âm-
nutricional que vêm sendo utilizadas. Tais expe- bito local, particularmente nos setores supraci-
riências tomam um caráter ilustrativo de algo tados, recorreu-se à análise de publicações naci-
que pode dar certo contrapondo às práticas he- onais selecionadas do banco de dados da Bire-
gemônicas tradicionais. É o que se convencionou me, utilizando o descritor “educação alimentar e
a chamar de “experiências exitosas”. nutricional” e “educação nutricional”. O intuito
Entretanto, em que pese os avanços da dis- foi identificar algumas tendências do ponto de
cussão sobre o tema no âmbito das políticas na- vista teórico-metodológico que norteiam ações
cionais, esta não se faz devidamente representati- no campo em estudo. Vale destacar que não foi
va nos âmbitos estaduais e municipais. A sua não realizada uma pesquisa bibliográfica sobre o
estruturação nestas duas últimas esferas certa- tema, buscou-se apenas a aproximação de al-
mente contribui para um distanciamento em re- guns estudos para ilustrar tal dimensão e as di-
lação à esfera central. Vale lembrar que a imple- reções apontadas para o campo.
mentação da Política Nacional de Alimentação e Primeiramente é importante ressaltar que a
Nutrição, tema de avaliação durante um seminá- grande maioria das publicações estudadas desti-
rio nacional no SUS, promovido pela CGPAN/ na-se menos as elaborações teórico-metodoló-
MS, completou 10 anos em 2010. É nesta ocasião gicas do que aos relatos de experiências de pro-
que nos seminários municipais e estaduais, que grama educativos e/ ou avaliação de interven-
precederam tal evento, iniciaram a formulação de ções nutricionais educativas.
proposições de políticas locais, após os constan- Destaque ainda deve ser dado aos estudos de
tes investimentos na capacitação de recursos hu- avaliação de intervenções, desenvolvidos com
manos para operar estas questões. pacientes atendidos a nível ambulatorial, ou em
grupos específicos, como ainda com escolares e,
A educação alimentar e nutricional em menor escala, trabalhadores. Neste grupo
no âmbito das práticas locais predominam os estudos quantitativos, com de-
de atenção nutricional senhos quase experimentais, que se propõem a
apresentar uma avaliação de um programa edu-
As práticas de educação alimentar e nutricio- cativo desenvolvido a partir de dados mensurá-
nal desenvolvidas no âmbito local, em especial, veis, seja de mudanças comportamentais, inqué-
no campo da nutrição clínica ambulatorial ou ritos de consumo, os efeitos na própria compo-
na atenção a grupos específicos se concebem em sição corporal a partir dos parâmetros antropo-
um complexo contexto da atenção à saúde. Atu- métricos, bioquímicos e/ou clínicos, por exem-
almente, busca-se a organização de serviços e plo. Há também outros estudos que buscam uma
práticas voltados para a atenção primária à saú- abordagem metodológica qualitativa que, atra-
de com ênfase nas políticas de reestruturação da vés de entrevistas e/ou questionários, procuram
atenção básica no âmbito do Sistema Único de identificar a percepção dos sujeitos sobre a ali-
Saúde. Os novos cenários da atenção à saúde, mentação saudável.
tendo a Estratégia da Saúde da Família como Os modelos de intervenção educativa utiliza-
expoente destas políticas, certamente impacta na dos nestes estudos são variados tendo, todavia,
prática clinico nutricional. Entretanto, é notório a predominância de palestras e cursos com mé-
que este contexto que se revela nem sempre é de- todos expositivos. Estes últimos se situam em
vidamente considerado no âmbito das ações e tendências metodológicas clássicas agregadas às
das práticas cotidianas. terminologias “exposições dialogadas” ou “expo-
Vale relembrar que Boog11 destacou o silên- sições dinamizadas”, e ainda o uso de recursos
cio em que permaneceram as práticas educativas como as dramatizações e os vídeos, dentre ou-
em alimentação e nutrição durante quase vinte tros. Em linhas gerais, tais técnicas procuram “fa-
anos a partir da década de 1970, sobretudo na cilitar” o diálogo em torno do conteúdo estabe-
área de nutrição clínica e dietoterapia. A autora lecido. Por outro lado, encontram-se interven-
ainda destaca o ressurgimento, ainda que tími- ções baseadas no modelo do aconselhamento
do, da educação nutricional após este “exílio” de dietético, assim como oficinas culinárias, e na
quase vinte anos que ocorreu não só nas organi- perspectiva da educação ambiental, com hortas
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escolares. Em sua maioria, as intervenções não da possibilidade de incorporação do pensamento


são descritas em detalhes, apenas citados aspec- de educadores identificados com as questões so-
tos quanto ao período, os conteúdos abordados ciais e éticas da educação em saúde, trazendo o
e as técnicas utilizadas. exemplo de Edgard Morin e de Paulo Freire. Re-
Chama igualmente atenção os termos utili- conhecem o aconselhamento dietético como uma
zados no campo da educação alimentar e nutri- modalidade de intervenção em educação nutrici-
cional em que a educação é permutada por ori- onal e o recomendam, considerando a necessida-
entação, aconselhamento e reeducação, por exem- de de uma junção de conhecimentos específicos
plo. Boog1 propôs uma diferenciação entre ori- de nutrição, de educação nutricional e de conheci-
entação nutricional e educação nutricional, bas- mentos advindos das ciências humanas, especial-
tante pertinente, onde a primeira estaria vincula- mente da antropologia da alimentação.
da ao adestramento enquanto a segunda estaria A análise das publicações neste campo evi-
vinculada a uma aprendizagem mais ativa, pro- dencia que a psicologia é a área das ciências hu-
funda e transformadora. manas que mais contribui para a revisão do
Recentemente, o termo reeducação tem sido modelo biomédico vigente, predominante na
muito utilizado no campo profissional e acadê- prática clínica nutricional. Reconhece-se que há
mico. Contudo, não se tem muito claro as bases avanços na busca da integralidade do sujeito na
teóricas da utilização deste termo pouco localiza- sua dimensão bio-psico-social. Entretanto, a sua
do na literatura científica. Santos12, ao analisar as perspectiva ainda é marcada por uma fragmen-
estratégias educativas utilizadas por programas tação entre os conhecimentos da área biomédica
de emagrecimento ofertados pela internet, obser- e das ciências humanas – com a hegemonia da
vou a recorrência do uso do termo reeducação psicologia conforme aludido anteriormente – que
alimentar contrapondo o “fazer dieta”. A primei- lembra a concepção “estratigráfica” das relações
ra propõe um processo de aprendizagem perma- entre os fatores biológico, psicológico, social e
nente, valorizando o prazer em comer e contra- cultural na vida humana referida por Geertz15,
pondo às privações, aos sacrifícios e à monotonia em que a análise do homem é realizada retirando
que marcam a noção do “fazer dieta”. as camadas diferentes entre elas e cada uma irre-
Em relação ao termo aconselhamento, parece dutível em si mesma.
haver algumas elaborações mais consistentes. “Retiram-se variadas formas de cultura e se
Filgueiras e Deslandes13 apontam o aconselha- encontram as regularidades estruturais e funcio-
mento como uma prática capaz de trabalhar con- nais da organização social. Descascam-se estas,
teúdos culturais e intersubjetivos, com ações cen- por sua vez, e se encontram debaixo os fatores
tradas na pessoa, buscando torná-la sujeito da psicológicos – ‘as necessidades básicas’ ou o-que-
promoção e do cuidado de si própria. Trazem a tem-você – que as suportam e as tornam possí-
definição do aconselhamento como: “[...] escuta veis. Retiram-se os fatores psicológicos e surgem
ativa, individualizado e centrado no cliente. Pres- então os fundamentos biológicos – anatômicos,
supõe a capacidade de estabelecer uma relação fisiológicos, neurológicos – de todo o edifício da
de confiança entre os interlocutores, visando ao vida humana”15.
resgate dos recursos internos da pessoa atendida Desta maneira, identifica-se um modelo agre-
para que ela mesma tenha possibilidade de reco- gador de novos fatores que não dialogam e coe-
nhecer-se como sujeito de sua própria saúde e xistem com os já reconhecidos e sedimentados do
transformação”13. No entanto, os autores de- modelo tradicional. Além disso, não se observa
monstraram uma preocupação como estas prá- com clareza as perspectivas culturais, oriundas
ticas de aconselhamento que não se efetivavam particularmente da socioantropologia, conforme
plenamente nas ações dos serviços de saúde, exis- as apresentadas na formulação das políticas e ações
tindo assim uma confusão com outras práticas para o campo a nível central. Enquanto neste últi-
educativas. Para tanto, exemplifica a ideia de “con- mo trata a intervenção educacional como via para
selho” como “normatizador de condutas”13. promover mudanças nas práticas alimentares com
Na área de nutrição, Rodrigues et al.14 bus- vistas à promoção da alimentação saudável, den-
cam resgatar o conceito e os fundamentos teóri- tro do paradigma da promoção da saúde e da
cos do aconselhamento com vistas a propor uma segurança alimentar e nutricional; no âmbito lo-
referência teórica para a atividade de atendimen- cal, particularmente na atenção clínico nutricio-
to nutricional que envolve a educação e a orienta- nal, há uma hegemonia de intervenções que visam
ção nutricional. Revela a influência e a contribui- mudanças no comportamento alimentar a fim de
ção relativa de várias correntes da psicologia, além ampliar a adesão ao tratamento dietoterápico.
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A noção de “adesão” é bastante recorrente nas explícita ou implicitamente a uma tarefa, intera-
publicações que precisa ser investigada. Alguns tuando para isto em uma rede de papéis, com o
estudos sinalizam diferentes perspectivas que vão estabelecimento de vínculos entre si”19.
desde a oriunda da epidemiologia clássica mais Algumas experiências aliam os grupos ope-
próxima de um resultado de comportamentos/ rativos às concepções da educação popular em
atitudes, reduzidos a um comportamento singu- saúde. Destarte, espera-se que, com a técnica de
lar, até as perspectivas que buscam identificar grupo operativo, sejam trabalhadas as trocas de
potências para o sucesso do tratamento que con- experiências vivenciadas no âmbito do processo
sideram a concepção de saúde e doença dos su- saúde-doença-cuidado, valores de pertença, co-
jeitos enfermos, o lugar social que ocupam estes operação, legitimação de significados e saberes a
sujeitos, assim como o processo de produção de partir das narrativas dos sujeitos, possibilitando
saúde16. Reiners et al.17 também assinalam que as contrapondo ao modelo biomédico.
pesquisas de adesão/ não adesão têm sido base-
adas nas ideias dos profissionais de saúde, que O fazer educação alimentar e nutricional:
entendem ser dos pacientes a maior responsabi- refletindo sobre os hiatos
lidade pelo problema e que os profissionais fa- entre os discursos e as práticas
lham em promover uma compreensão mais pro-
funda sobre o tema. A reflexão desenvolvida ao longo deste texto
Contudo, observam-se também publicações confirma o que já vem sendo exaustivamente re-
que tratam de experiências de educação alimen- gistrado em estudos: a existência de um hiato
tar e nutricional na atenção básica em saúde, vin- entre as formulações das políticas públicas e as
culadas a programas como, por exemplo, Estra- ações que são desenvolvidas no âmbito local da
tégia Saúde da Família ou ainda no campo da atenção à saúde, alimentação e nutrição. Ou seja,
promoção da alimentação saudável em ambien- os avanços nos discursos em torno da educação
te escolar. Tais publicações, prioritariamente sob alimentar e nutricional não têm sido acompa-
forma de relato de experiências, se aproximam nhados ao mesmo passo no âmbito das ações
mais do discurso da promoção da saúde em uma locais. Um segundo hiato também marcante é a
perspectiva de contrapor o modelo biomédico distância entre os discursos e as práticas em tor-
vigente. no da educação alimentar e nutricional.
Neste curso, evidencia-se nos discursos o re- Tal constatação coaduna com o estudo de
ferencial teórico da educação popular da verten- Alzate Yepes20. A autora procurou identificar os
te freiriana, reelaborados também por autores referenciais pedagógicos em 45 experiências de
como Victor Valla e Edmar Vasconcelos no cam- intervenções educativas em saúde e nutrição pu-
po da educação popular em saúde. Dentre os inú- blicadas em revistas científicas. Concluiu que a
meros aspectos da educação popular em saúde, grande maioria destas experiências não explicita-
enquanto uma Estratégia de Reorientação da va os referenciais pedagógicos utilizados. Dentre
Política de Saúde, pode-se destacar a contraposi- aquelas que explicitavam, algumas apresentavam
ção às práticas educativas voltadas apenas para incoerências no desenvolvimento da estratégia
a imposição de normas e de comportamentos educativa, cuja teoria não correspondia à prática
adequados, com a reprodução de ações educati- proposta. Identifica ainda a coexistência de peda-
vas normatizadoras e centradas apenas na incul- gogias críticas, com base em modelos cognitivos
cação de hábitos individuais considerados sau- de aprendizagem psicossocial e contextual, com o
dáveis. Marca-se, entretanto, que este tradicio- oposto, tradicional, de base comportamental.
nal modelo autoritário e normativo de educação Em seu turno, Franco e Boog21, ao analisar
em saúde mantém-se dominante, em que pesem as diversas concepções que professores da disci-
os discursos aparentemente progressistas18. plina educação nutricional em Instituições de
Nesta esteira, aparecem em textos que traba- Ensino Superior do Estado de São Paulo têm de
lham com grupos específicos, o conceito de gru- atividade prática e como entendem a relação teo-
pos operativos. Afonso et al.19 revelam que a teo- ria-prática, constataram que há uma hipervalo-
ria de grupo operativo foi formulada por Pichon- rização da prática em detrimento da teoria. Al-
Rivière (1907-1977), psicólogo social e psicana- gumas docentes ainda consideraram que as ati-
lista argentino, no final da década de 1940, que vidades práticas são suficientes para a formação
define grupo como “um conjunto de pessoas, li- do aluno e não buscam fundamentação teórica
gadas no tempo e espaço, articuladas por sua em ciências humanas e sociais, o que implica em
mútua representação interna, que se propõem uma relação teoria e prática não articulada.
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As autoras ainda sinalizaram a recorrência que o nutricionista assume frente a tais políticas.
de temas que remetem a Paulo Freire, assim como No que tange ao papel do nutricionista, Ferreira
das mensagens “ir a campo”, “visão crítica dos e Magalhães22 desenvolvem esta análise ao arti-
alunos”, “colocar na realidade”, “prática e refle- cular o tema da nutrição no debate contemporâ-
xão dos alunos”, “trabalho é permeado”, “quan- neo da promoção da saúde. Na discussão em-
do a gente faz é que realmente entende”, “viver preendida, as autoras destacam o papel funda-
uma ação” e “grupos reais”. Todavia, o estudo mental que a educação nutricional assume para
indicou haver uma restrita discussão acerca do o exercício e fortalecimento da cidadania alimen-
núcleo central das ideias freireanas, tão aludidas tar, promovendo mudanças nos hábitos alimen-
também nas diferentes publicações aqui discuti- tares dos indivíduos e de suas famílias. Dora-
das. Por fim, constataram ainda que há pouca vante, mesmo considerando que não foi objeto
atividade prática presente nas disciplinas e, quan- de análise das publicações a formação acadêmi-
do presente, era entendida como a elaboração de co-profissional dos seus autores, pôde-se obser-
instrumentos de apoio, sendo realizada de for- var que esta formação é bastante diversa no
ma pontual, em sala de aula, e não relacionada a âmbito dos profissionais de saúde.
outras atividades. No que tange às ações e estratégias de educa-
Observou-se na maioria das publicações es- ção alimentar e nutricional no campo da pro-
tudadas que há a introdução de técnicas que vi- moção da saúde, mesmo reconhecendo substan-
sam possibilitar a ampliação da participação dos ciais avanços, que se concebem mais no plano da
sujeitos, particularmente através das falas sobre formulação teórica do que na prática em si, nota-
sua própria experiência com o processo de ado- se que ainda estão distantes da perspectiva da
ecimento e/ou com a alimentação. Todavia, as promoção. As ações e estratégias vigentes ainda
informações sobre as condutas alimentares sau- estão próximas da lógica da prevenção, cujas in-
dáveis e apropriadas são socializadas de acordo tervenções são orientadas para evitar o surgimen-
com as recomendações vigentes, restando aos to de doenças específicas, reduzindo sua incidên-
sujeitos segui-las. A participação destes últimos cia e prevalência nas populações, no qual a base
nas soluções dos problemas é menor uma vez do discurso preventivo é o conhecimento epide-
que o estatuto da ciência não é frequentemente miológico23.
colocado em questão. Aos participantes, as ativi- Corrobora com esta observação a recorrên-
dades educativas nesta fase são hegemonicamente cia nas estruturas de organização dos textos tan-
centradas em dirimir as dúvidas que porventura to dos documentos de formulação de políticas
tenham. como nas publicações científicas: iniciam com o
Nota-se, deste modo, o uso de um conjunto problema de saúde e/ou alimentar e nutricional
de técnicas que procuram “facilitar” a compre- do ponto de vista epidemiológico como o princi-
ensão destas condutas sem necessariamente mo- pal argumento que irá justificar a intervenção
dificar o modelo baseado na transmissão. Ainda educativa.
neste aspecto, observou-se no âmbito central a Deste modo, tem-se uma estrutura educativa
recorrência da formulação de material educati- baseada na divulgação de informações científi-
vo. Sem questionar a relevância que tem a pro- cas no intuito de convencer os sujeitos a aderi-
dução e utilização destes materiais, faz-se tam- rem ao projeto dietoterápico preconizado, mar-
bém necessário acentuar o incentivo à produção cando a relação da dieta inadequada ao adoeci-
descentralizada dos mesmos. Marca-se ainda mento e morte, produzindo assim estruturas dis-
neste processo de construção a necessidade da cursivas normativas de mudança de hábitos. A
participação dos atores envolvidos bem como promoção, por sua vez, não está direcionada a
valorização e respeito às características locais não uma determinada doença, trata-se de uma estra-
só na delimitação dos problemas, mas também tégia para potencializar a saúde e o bem estar,
de proposição local de soluções a serem empre- assim como a qualidade de vida, termos que en-
endidas. Além disso, cabe ressaltar que um ma- traram no cenário da saúde, e ainda confusos
terial qualificado pode não ser bem utilizado se para a operacionalização que ainda é clássica. Para
não houver formação educativa apropriada dos a promoção, segundo Czeresnia e Freitas23 “bus-
sujeitos que o utilizam. car saúde não é uma questão de sobrevivência,
Neste processo reflexivo, cabe ainda trazer mas de qualificação da existência”, seria algo que
questões em relação a quem são os agentes da remete à dimensão social, existencial e ética, bem
educação alimentar e nutricional e qual o papel mais além da dimensão técnica e normativa.
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Considerações finais em muitas publicações as alusões a autores como
Paulo Freire e à educação popular em saúde como
O presente texto buscou traçar o panorama atu- referências teóricas são frequentes. Entretanto,
al da educação alimentar e nutricional no bojo alguns estudos indicaram uma distância entre o
das políticas públicas em alimentação e nutrição que é dito e o que é feito na prática cotidiana.
no Brasil e das ações desenvolvidas a nível local Por fim, destaca-se a urgência para a cons-
com o intuito também de identificar algumas ten- trução de novas perspectivas para as práticas de
dências teórico-metodológicas que norteiam as educação alimentar e nutricional. Na linha de
práticas educativas no campo da alimentação e Restrepo Mesa24, considera-se a educação alimen-
nutrição. Observou-se que a educação alimentar tar e nutricional como um dispositivo de ações
e nutricional tem sido alvo de debates na busca coordenadas, sendo mais que um instrumento,
de concebê-la como uma ação governamental. que requer o envolvimento de diferentes setores
Entretanto, em que pese os avanços na formula- e disciplinas a exemplo das ciências biológicas e
ção das políticas, registrou-se os hiatos existen- das ciências sociais e humanas. O aprofunda-
tes entre estas e as ações empreendidas a nível mento das discussões em torno das dimensões
local. Estas últimas permanecem mais próximas teórico-epistemológicas que inter-relacionem os
ao modelo biomédico tradicional, com ações e fundamentos do saber científico na interface da
estratégias ainda voltadas para a lógica da pre- saúde, educação e nutrição, abordando temas
venção e da recuperação da saúde, do que ao como a racionalidade biomédica que marca a
enfoque da promoção da saúde, ou ainda da se- hegemonia do biológico na constituição das sub-
gurança alimentar e nutricional. jetividades, assim como dos alicerces científicos
Evidencia-se também que, embora haja uma das práticas pedagógicas culturais que balizam a
preocupação crescente em relação às bases teóri- relação dos sujeitos e suas práticas alimentares
co-metodológicas que regem as ações educativas são exemplos de questões emergentes a tratar.
em alimentação e nutrição, as mesmas também Deste modo, há muito por fazer nesta direção na
se situam em modelos tradicionais baseados na busca do fortalecimento do processo de forma-
transmissão de informações com a hegemonia de ção profissional como ainda no investimento na
técnicas como palestras, produção de materiais produção de conhecimento no campo.
informativos, dentre outros. Vale ressaltar que
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Santos LAS

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