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Abstract This article reflects on the practices of Resumo O presente artigo reflete sobre as práti-
existing food and nutrition education in the cur- cas de educação alimentar e nutricional vigentes
rent context. Practices in public policy in food and no contexto atual. São discutidas no âmbito das
nutrition are discussed starting from an analysis políticas públicas de alimentação e nutrição par-
of government actions undertaken and their ac- tindo de uma análise sobre as ações governamen-
tions at the local level, particularly in outpatient tais empreendidas e de suas ações no âmbito local,
clinical nutrition and/or attention to specific particularmente na nutrição clínica ambulato-
groups, seeking to identify theoretical and meth- rial e/ou na atenção a grupos específicos, buscan-
odological trends guiding educational practices. It do identificar as tendências teóricas e metodoló-
is considered that the food and nutrition educa- gicas que norteiam as práticas educativas. Consi-
tion has been the subject of debate in seeking to dera-se que a educação alimentar e nutricional
construe it as government action. However, de- tem sido alvo de debates na busca de concebê-la
spite their achievements, one perceives the exist- como uma ação governamental. Entretanto, em
ence of a gap between the formulation of policies que pese seus avanços, se reconhece a existência
and actions developed at the local level. There is de um hiato entre as formulações das políticas e as
also a gap between rhetoric and practice in terms ações desenvolvidas no âmbito local. Permanece
of educational activities. The conclusion reached também um hiato entre discursos e as práticas em
is that food and nutrition education is less an in- seu torno das ações educativas. Conclui-se que a
strument than a measure for joint actions that educação alimentar e nutricional é menos um
must involve different sectors and disciplines, how- instrumento do que um dispositivo de ações con-
ever, it calls for investment in vocational training jugadas que devem envolver diferentes setores e
and production of knowledge in the field. disciplinas, entretanto, demanda investimentos
Key words Food and nutrition education, Health na formação profissional e na produção de co-
education, Nutrition, Nutritionist nhecimento no campo.
Palavras-chave Educação alimentar e nutricio-
1
Departamento das Ciências
nal, Educação em saúde, Nutrição, Nutricionista
da Nutrição, Escola de
Nutrição, Universidade
Federal da Bahia.
Rua Araújo Pinho 32,
Canela. 40110-150
Salvador BA.
amparo@ufba.br
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Santos LAS
bito nacional, em que as ações de educação ali- cas para o campo. Parece estar em curso uma
mentar e nutricional é um dos eixos prioritários. estruturação em torno da educação alimentar e
O histórico Programa Nacional de Alimenta- nutricional enquanto uma ação governamental
ção Escolar (PNAE), desenvolvido pelo Fundo (ou até como uma política de Estado conforme
Nacional de Desenvolvimento da Educação referido em um dos documentos), com vistas à
(FNDE), do Ministério da Educação, tem sofrido promoção da alimentação saudável sob a pers-
inúmeras alterações no seu aparato legal propici- pectiva de diferentes políticas relacionadas ao
ando cada vez mais a incorporação da promoção tema: seja a Promoção da Saúde ou da Seguran-
da alimentação saudável no ambiente escolar ça Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à
como uma importante meta. Inúmeros projetos Alimentação Adequada sendo, a depender do
em parceria com outros órgãos focalizam esta órgão formulador da política, a ênfase é maior
ação e, juntamente a ela, a educação alimentar e em um campo ou outro.
nutricional a exemplo: “Dez Passos para Alimen- Marca-se ainda a busca da intersetorialidade
tação Saudável na Escola”, em parceria com o e da integridade entre as instâncias governamen-
Ministério da Saúde, “Projeto Criança Saudável tais em torno das ações propostas como ainda
Educação Dez” com o Ministério do Desenvolvi- verifica-se também as parcerias com outras or-
mento Social, “Projeto Alimentação Saudável nas ganizações privadas e não governamentais. As
Escolas” com a Agência Nacional de Vigilância ações conjugadas destes órgãos, além da organi-
Sanitária, Projeto Educando com a Horta Esco- zação dos eventos concebidos como espaços im-
lar, juntamente com a Organização das Nações portantes para a formulação das políticas, dis-
Unidas para a Agricultura e Alimentação – FAO9. cussões estratégicas e espaços de diálogo sobre
É também uma meta desejada a incorporação experiências empreendidas; encontra-se a pro-
do tema alimentação saudável no projeto político dução de materiais educativos – tais como guias,
pedagógico da escola, perpassando por todas as cartilhas e pirâmides alimentares -, a realização
áreas de estudo e propiciando experiências no coti- de oficinas culinárias e de dietética cada vez mais
diano das atividades escolares, o que foi previsto com enfoque regional, assim como programas
nos documentos que regem o Programa. voltados para o treinamento de multiplicadores.
Com o intuito de formar uma rede de dis- Evidencia-se também a crescente preocupa-
cussão sobre o Direito Humano à Alimentação ção com as bases teórico-metodológicas que re-
Adequada no Contexto da Educação Alimentar e gem as ações educativas em alimentação e nutri-
Nutricional entre os profissionais de saúde e edu- ção. Reconhece-se que há uma ênfase maior na
cação, foi realizado I Fórum Sobre Direito à Ali- informação, admitindo que a educação alimen-
mentação Adequada no Contexto da Educação tar e nutricional é mais do que informação; que
Alimentar e Nutricional, em 2009, promovido seu papel não está ainda claramente definido, ha-
pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da vendo a existência de uma lacuna entre o discur-
Educação (FNDE) e pelo Centro Colaborador so e prática, com um enfoque predominantemente
em Alimentação e Nutrição do Escolar da Uni- biológico no qual são tratadas as práticas ali-
versidade de Brasília (CECANE – UnB). mentares. Assume-se a cultura como aspecto de
O evento objetivou discutir os atuais méto- relevância com destaque à importância dos há-
dos, técnicas e práticas de educação alimentar e bitos alimentares regionais, e que as práticas ali-
nutricional como estratégia de promoção da ali- mentares é um resultado de escolhas, conscien-
mentação saudável no contexto do Direito Hu- tes ou não.
mano à Alimentação Adequada; apresentar ex- Do ponto de vista teórico-metodológico, a
periências de projetos de educação nutricional e educação alimentar e nutricional está direciona-
alimentar em diferentes setores; buscar o forta- da nos documentos para assumir uma perspec-
lecimento e o crescimento das discussões, e aná- tiva da educação popular cunhada no pensamen-
lises relativas à educação nutricional e alimentar to de Paulo Freire, com ênfase na dialogicidade e
em diferentes contextos, com vistas ao aprimo- na autonomia do sujeito. Nesta direção, ainda
ramento das atividades do Programa Nacional mescla-se algumas contribuições da pedagogia
de Alimentação e Nutrição Escolar (PNAE)10. construtivista. Assim, os discursos recorrem ao
Ao partir das ações descritas acima na área enfoque da problematização contrapondo aos
de educação alimentar e nutricional, tomando métodos tradicionais baseados nas técnicas ex-
em particular os eventos ocorridos entre 2006 e positivas, a fim de promover uma prática refle-
2009, pode-se constatar a interesse dos órgãos xiva dos sujeitos sobre si e sobre as questões per-
referidos em formular políticas e ações específi- tinentes às suas práticas alimentares.
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As autoras ainda sinalizaram a recorrência que o nutricionista assume frente a tais políticas.
de temas que remetem a Paulo Freire, assim como No que tange ao papel do nutricionista, Ferreira
das mensagens “ir a campo”, “visão crítica dos e Magalhães22 desenvolvem esta análise ao arti-
alunos”, “colocar na realidade”, “prática e refle- cular o tema da nutrição no debate contemporâ-
xão dos alunos”, “trabalho é permeado”, “quan- neo da promoção da saúde. Na discussão em-
do a gente faz é que realmente entende”, “viver preendida, as autoras destacam o papel funda-
uma ação” e “grupos reais”. Todavia, o estudo mental que a educação nutricional assume para
indicou haver uma restrita discussão acerca do o exercício e fortalecimento da cidadania alimen-
núcleo central das ideias freireanas, tão aludidas tar, promovendo mudanças nos hábitos alimen-
também nas diferentes publicações aqui discuti- tares dos indivíduos e de suas famílias. Dora-
das. Por fim, constataram ainda que há pouca vante, mesmo considerando que não foi objeto
atividade prática presente nas disciplinas e, quan- de análise das publicações a formação acadêmi-
do presente, era entendida como a elaboração de co-profissional dos seus autores, pôde-se obser-
instrumentos de apoio, sendo realizada de for- var que esta formação é bastante diversa no
ma pontual, em sala de aula, e não relacionada a âmbito dos profissionais de saúde.
outras atividades. No que tange às ações e estratégias de educa-
Observou-se na maioria das publicações es- ção alimentar e nutricional no campo da pro-
tudadas que há a introdução de técnicas que vi- moção da saúde, mesmo reconhecendo substan-
sam possibilitar a ampliação da participação dos ciais avanços, que se concebem mais no plano da
sujeitos, particularmente através das falas sobre formulação teórica do que na prática em si, nota-
sua própria experiência com o processo de ado- se que ainda estão distantes da perspectiva da
ecimento e/ou com a alimentação. Todavia, as promoção. As ações e estratégias vigentes ainda
informações sobre as condutas alimentares sau- estão próximas da lógica da prevenção, cujas in-
dáveis e apropriadas são socializadas de acordo tervenções são orientadas para evitar o surgimen-
com as recomendações vigentes, restando aos to de doenças específicas, reduzindo sua incidên-
sujeitos segui-las. A participação destes últimos cia e prevalência nas populações, no qual a base
nas soluções dos problemas é menor uma vez do discurso preventivo é o conhecimento epide-
que o estatuto da ciência não é frequentemente miológico23.
colocado em questão. Aos participantes, as ativi- Corrobora com esta observação a recorrên-
dades educativas nesta fase são hegemonicamente cia nas estruturas de organização dos textos tan-
centradas em dirimir as dúvidas que porventura to dos documentos de formulação de políticas
tenham. como nas publicações científicas: iniciam com o
Nota-se, deste modo, o uso de um conjunto problema de saúde e/ou alimentar e nutricional
de técnicas que procuram “facilitar” a compre- do ponto de vista epidemiológico como o princi-
ensão destas condutas sem necessariamente mo- pal argumento que irá justificar a intervenção
dificar o modelo baseado na transmissão. Ainda educativa.
neste aspecto, observou-se no âmbito central a Deste modo, tem-se uma estrutura educativa
recorrência da formulação de material educati- baseada na divulgação de informações científi-
vo. Sem questionar a relevância que tem a pro- cas no intuito de convencer os sujeitos a aderi-
dução e utilização destes materiais, faz-se tam- rem ao projeto dietoterápico preconizado, mar-
bém necessário acentuar o incentivo à produção cando a relação da dieta inadequada ao adoeci-
descentralizada dos mesmos. Marca-se ainda mento e morte, produzindo assim estruturas dis-
neste processo de construção a necessidade da cursivas normativas de mudança de hábitos. A
participação dos atores envolvidos bem como promoção, por sua vez, não está direcionada a
valorização e respeito às características locais não uma determinada doença, trata-se de uma estra-
só na delimitação dos problemas, mas também tégia para potencializar a saúde e o bem estar,
de proposição local de soluções a serem empre- assim como a qualidade de vida, termos que en-
endidas. Além disso, cabe ressaltar que um ma- traram no cenário da saúde, e ainda confusos
terial qualificado pode não ser bem utilizado se para a operacionalização que ainda é clássica. Para
não houver formação educativa apropriada dos a promoção, segundo Czeresnia e Freitas23 “bus-
sujeitos que o utilizam. car saúde não é uma questão de sobrevivência,
Neste processo reflexivo, cabe ainda trazer mas de qualificação da existência”, seria algo que
questões em relação a quem são os agentes da remete à dimensão social, existencial e ética, bem
educação alimentar e nutricional e qual o papel mais além da dimensão técnica e normativa.
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