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Ora, exaltar aquilo que é leve e flutua – bolhas de sabão e borboletas – e dizer
que só poderia crer num deus que soubesse dançar.. Nietzsche claramente – ou
não tão claramente assim – está defendendo a ideia da vida leve, da vida que
não é pesada, da vida que não possui fardos a serem carregados.
“É preciso ter o caos dentro de si para dar à luz uma estrela dançante..” Assim
Falou Zarathustra
“E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que
não podiam escutar a música.”
Naquela noite, demorou os três acordes da última música para que os dois fixassem os
olhares de uma maneira que, sabiam, seria única. Fagulhas, centelhas, as agruras das
velhas canções de amor. Estavam no mesmo lugar, na mesma hora, no mesmo
compasso. No entanto, malogravam em cruzar os passos. Seguiam diagramas mentais,
nas quais marcas de sapato indicavam direções. Dançarinos solitários, completamente
descompassados por uma ordinária perda de tempo. Ele num canto, ela no outro, ambos
descontentes. Enquanto cruzavam o salão, em plena rota de colisão, fez-se silêncio.
Ainda assim, sem música, dançavam, os dois. Cada qual desejando um recital inteiro.
Os olhos também se mexiam, querendo ver de perto uns os outros. Bailavam uma
sinfonia inteira que mal cabia na partitura de suas vidas, uma composição com abertura
e elegia. Os pés exasperados, as pernas soltas, os quadris exagerados e quase trôpegos
para chegar ao outro o mais breve possível.
Quando ele estendeu o braço para amparar a cintura dela, foi surpreendido por um
rodopio que ganhou velocidade e, em frações de suspiros, a afastou para outro flanco.
Ela virou a cabeça antes do dorso para enxergá-lo melhor. De novo, os olhares à
procura. Evoluiu desairosamente em meio ao silêncio e, quando seus ombros esperavam
ser laçados, os joelhos dele comandaram uma mudança de direção.