Você está na página 1de 8

DESENCONTRO DE PESSOAS: Um breve estudo sobre

pronominalização
Silas Gutierrez*

RESUMO: Este artigo aborda, brevemente, algumas reflexões sobre o uso do pronome
em revistas para adolescentes. Para isto, serão utilizados os estudos realizados por
Thompson (1998), Antunes (2002) e Ostermann (1994).
Palavras-Chave: pronomes - revistas - leitura

ABSTRACT: This article discusses briefly some thoughts on the use of the pronoun in
magazines for teenagers. For this, we used the studies by Thompson (1998), Antunes
(2002) and Ostermann (1994).
KEYWORDS: pronouns - magazines - reading

Ao longo da história, o poder de seduzir abriu portas, conquistou reinos e foi


responsável por boa parte do sucesso de carreiras como a de Cleópatra, que tornou-se
rainha do Egito, foi amante de dois generais romanos e é considerada um clássico
exemplo do que o poder de sedução é capaz de conquistar. Atualmente, seguimos
vivendo a “era da sedução”, desta vez, pela popularização dos meios de comunicação.
Muitas vezes, não nos damos conta de que determinadas estratégias permeiam certos
discursos, vendendo não apenas produtos, mas idéias.

A comercialização de idéias é feita por meio da linguagem, quase sempre,


mascarada por construções que mobilizam o sentido do texto em prol de uma
determinada interpretação esperada pelo produtor. Com base nesta afirmação,
apontamos a importância de exercícios sobre a desconstrução de padrões ideológicos
presentes, principalmente, nos textos midiáticos em uma aula de língua portuguesa,

*
Coordenador / Professor do Curso de Letras da Faculdade Interação Americana e Mestre em Língua Portuguesa
PUC/SP – frenazo@ig.com.br
desconsiderando os exercícios de interpretação de texto propostos por alguns livros
didáticos que, em muitos casos, apenas reforçam e propagam a prática da leitura
passiva e superficial.

Ao fazermos uso de diferentes gêneros textuais, como os textos da mídia, em


sala de aula, acompanhado de uma análise crítica discursiva, estaremos despertando
em nossos alunos uma postura social, política e, formando alunos capazes de,
principalmente, identificar como o comportamento do leitor pode ser moldado pelos
meios de comunicação. Enfim, estaremos criando cidadãos críticos capazes de se
protegerem das verdades criadas e lançadas pela mídia.

Escolhemos como corpus para este trabalho, a seção Amor de uma revista
feminina para adolescentes intitulada Todateen, por ser um veículo de informação
bastante difundido atualmente entre as meninas de classe média em todo o Brasil e
cujos textos selecionados atendem as necessidades de nossa pesquisa.

A Seção Amor traz dicas de como conquistar, seduzir, sentir prazer sexual e
reagir diante de situações amorosas. É vendida em bancas de jornais de todo o país, é
consumida apenas por adolescentes femininas e sua tiragem mensal é de 200 mil
exemplares

Por meio de uma leitura atenta observamos que a revista promove a crença que
para se conquistar um menino é necessário que todas as garotas aprendam regras. A
Todateen universaliza determinadas situações, para que a mesma seja útil não a uma
menina mas a todas. Isto é comprovado, em grande parte das orações, com o uso de
determinadas expressões como: muitas vezes, é comum, a maioria, todas as meninas,
todos os meninos, os homens não gostam, etc.

Segundo Thompson (1998), um poder dominante pode legitimar-se promovendo


crenças e valores; naturalizando e universalizando tais crenças de modo a torná-las
óbvias e aparentemente inevitáveis, denegrindo idéias que possam desafiá-las;
excluindo formas rivais de pensamento, mediante talvez alguma lógica não declarada
mas sistemática e obscurecendo a realidade social de modo a favorecê-lo.

Vejamos os exemplos† :

1- Muita gente fica com várias pulgas atrás da orelha e deixa o ciúme aflorar só
de imaginar a pessoa com quem se relaciona andando sozinha por aí
independente.
(Gatinho Adesivo – revista nº 91)

Analisando o exemplo 1, podemos afirmar que por meio de uma leitura crítica,
percebemos que o uso do pronome indefinido muita expressando quantidade
universaliza e consequentemente naturaliza a condição de sentir ciúme. Quando a
revista universaliza uma condição por meio de um pronome ou advérbio disposto na
frase, ela, em realidade, está justificando as regras que posteriormente serão lançadas
e que deverão ser cumpridas.

2- Todo ano é a mesma coisa: quando chega no final do semestre, você começa
a sofrer, pois vai ficar as férias inteiras sem ver o gatinho no colégio.
(Férias! O gato viajou... revista nº 85)

No exemplo 2, mais uma vez, apontamos o uso do pronome indefinido todo e do


pronome desmonstrativo mesma realçando a naturalidade do fato. Aqui, fica bastante
evidente a autoridade da instituição em relação a identidade da leitora, que demonstra
entender muito bem não apenas seus problemas mas as conseqüências à todas as
garotas.

É interessante, ainda, observar a freqüência com que o pronome pessoal você


aparece explícita e implicitamente na revista. No texto, A Minha Amiga está


Em todos os exemplos os grifos são nossos
Namorando, o uso do você explícito apareceu vinte e duas vezes e seu uso implícito
apareceu vinte vezes, em uma matéria de duas páginas. Um outro aspecto observado,
foi sua repetição na mesma frase, vejamos os exemplos:

3-Mas você precisa ter consciência de que agora ela não vai mais ficar grudada
em você.
(linha 15 – segunda coluna - pág. 70)

4-Já nas situações de alegria você pode achar que ela não precise mais de você.

(linha 29 – segunda coluna - pág. 70)

5- Agora que você já sabe que o sentimento da sua amiga não vai mudar se
você também não mudar com ela, é hora de se preocupar com você.
(linha 3 – segunda coluna - pág. 71)

O uso dos pronomes, neste caso, é usado como uma estratégia de interação
entre sentido e poder. Aqui, podemos incluir a análise da unificação proposta por
Thompson (id).

A unificação é um dos modos pelos quais a ideologia pode operar unindo todos
os indivíduos em um mesmo plano, tentando, a partir disso, construir uma identidade
coletiva.
No caso, a revista faz uso não apenas do pronome você, mas de outros como:
ele, dele, ela, dela de forma muito peculiar. Ao analisarmos esses exemplos em nosso
corpus, percebemos que o uso desses pronomes leva a um padrão de comportamento,
excluindo, possivelmente, qualquer outra alternativa de expressão.

Observemos os exemplos a seguir:

6- Não deixe que ele faça isso com você. Um mês é mais do que suficiente para
que decida se está ou não a fim de manter o namoro. Agora, durante um tempo, não
vale correr atrás dele e pressioná-lo para decidir antes da hora, ok?
(Ele Pediu um Tempo! - revista nº 85)

7- Converse francamente e, se ele dificultar muito as coisas, dê o ultimato: ou ele


confia em você e dá um espaço para que possa respirar, ou é melhor ele procurar
alguém que aceite tanta pressão e excesso de possessividade.
(Gatinho Adesivo - revista nº 91)

É importante ressaltar como a revista atribui características relacionadas ao


amadurecimento emocional e prevê determinadas reações a qualquer que seja esse
ele. Segundo Thompson (id), a simbolização da unidade pode servir, em circunstâncias
particulares, para estabelecer e sustentar relações de dominação. Essa estratégia está
interligada com o processo de narração, à medida que símbolos de unidade podem ser
uma parte integrante da narrativa das origens que conta uma história compartilhada e
projeta um destino coletivo.

Isso é muito comum não apenas no caso de organizações sociais de grande


porte, mas também, no caso de pequenas organizações e grupos sociais que são
mantidos e agrupados, em parte, por um processo contínuo de unificação simbólica, por
meio da qual uma identidade coletiva é criada e continuamente reafirmada. Ao unir
indivíduos de uma maneira que supri as diferenças e divisões, a simbolização da
unidade pode servir, em circunstâncias particulares, para estabelecer relações de
poder.

Segundo Antunes (2002), qualquer unidade lingüística que figura na linearidade


sintagmática de nossas enunciações corresponde a uma escolha do enunciador;
escolha que é, irremediavelmente, carregada de historicidade, impregnada de visões de
mundo, pois está inserida numa determinada prática discursiva, a qual, por sua vez, é
parte de um momento cultural. Tudo isso, porque não se pode desfazer o liame entre
linguagem e os esquemas ideológicos de cada comunidade.

A língua não existe fora dos grupos sociais, desvinculada das situações de
interação. Desconsiderar esse aspecto é, na verdade, desresponsabilizar o sujeito da
linguagem da criação e manutenção daqueles esquemas ideológicos. Como se
pudesse existir independentemente da ação humana e das atuações verbais que se
empreendem socialmente. Como se, pela linguagem, nada se criasse, nada se
reafirmasse, apenas se emitissem palavras, que podem ser divididas em sílabas, em
morfemas, que têm funções sintáticas. Mas sem causar nenhum efeito, nenhum
impacto, sem deixar nenhum rastro, na mais radical neutralidade. Sem se poder,
portanto, enxergar nenhum responsável pelas coisas que são ditas, na forma em que
são ditas.

A autora segue afirmando que o ato da linguagem com o qual nos referimos às
entidades do mundo, da experiência e de todos os universos possíveis representa mais
que a simples “explicitação léxica” exigida pelo núcleo verbal da oração; ilustra mais
que a escolha da forma sintática de anunciar, de dizer. Representa, sim, um lugar de
onde se fala, numa posição de onde se descortinam aquelas unidades, enfim, o ângulo
de onde nós as vemos.
Concluímos com Thompson (id) que as estratégias de construções simbólicas
são instrumentos capazes de criar e sustentar relações de dominação. São
instrumentos simbólicos, por assim dizer, que facilitam a mobilização do sentido. Mas,
se as formas simbólicas, assim produzidas, são utilizadas para sustentar relações de
dominação ou para subvertê-las, se servem para promover indivíduos e grupos
poderosos ou para miná-los, é uma questão que apenas pode ser resolvida
examinando como essas formas simbólicas operam em circunstâncias sócio-históricas
particulares, como são usadas e entendidas pelas pessoas que as produzem e
recebem nos contextos socialmente estruturados da vida cotidiana.
REFERÊNCIAS

ANTUNES, I C Particularidades sintático-semânticas da categoria de sujeito em


gêneros textuais de comunicação pública formal. In Gêneros Textuais, Edusc, 2002.
OSTERMANN, A C. Bonita de Doer: análise crítica do discurso em revistas femininas
The especialist, 15, p. 151 – 62, 1994.
SUPLICY, M. De mariazinha a maria. Petrópolis: Vozes, 1986.
THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna. Editora Vozes. 2º edição, 1998.

Você também pode gostar