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BRASILEIRA
3
Estou ancorado na leitura de uma série de artigos que constam do livro DEMIER, Felipe e HOEVELER,
Rejane. (Org.) A onda conservadora: ensaios sobre os atuais tempos sombrios no Brasil. Rio de Janeiro:
Mauad X, 2016.
4
DEMIER, Felipe. Depois do golpe: a dialética da democracia blindada no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad
X, 2017.
lulistas de conciliação de classes. Diante de um quadro no qual as frações burguesas
veem seus lucros diminuídos, a saída para a crise tem sido pelo lado direito da História,
fazendo-se ajuste fiscal e desmontando direitos sociais historicamente conquistados pela
classe trabalhadora. Na mesa da política foi posta a agenda das contrarreformas exigidas
pela classe dominante. Setores da burguesia que tinham se beneficiado e apoiado os
governos de conciliação de classes, passaram a enxergar neles, entraves para a
efetivação, rápida e segura, de um projeto de desmonte dos direitos trabalhistas. Ao
mesmo tempo, o rompimento da aliança se deu diante da crise de consenso em função
de o lulismo não mais conseguir impedir o aumento da luta de classes com greves que
vinha num crescente e explodiram com mais força no ano de 2013 5. Desse modo, no
cálculo político do grande capital, era preciso trocar de governo, colocando, no Palácio
do Planalto, o vice-presidente Michel Temer e, posteriormente, trazendo os tucanos de
volta com apoio do DEM e dos partidos do chamado centrão nas eleições de 2018.
Contudo, o enredo não saiu como previamente elaborado. Tinha um Jair Bolsonaro e
um bolsonarismo no meio do caminho; o caminho pelo qual a classe dominante teve que
marchar, mesmo não sendo sua aposta política inicial. Temer assumiu o poder mediante
o golpe de 2016 e Bolsonaro, após as eleições de 2018. O primeiro começou a cumprir a
agenda burguesa que havia sido colocada sobre sua mesa e para qual ele fora colocado
nas hostes palacianas. Em pouco mais de dois anos aprovou a contrarreforma
trabalhista, a Emenda Constitucional 95, a terceirização irrestrita, a contrarreforma do
Ensino Médio, deixando para o sucessor a tarefa de completar o desmonte com a
aprovação da contrarreforma da previdência e os demais desmontes da res-pública em
curso no Brasil.
É nessa conjuntura que a extrema direita saiu do armário direto para as ruas.
Continuaram marchando com “Deus acima de tudo e de todos”, mas acrescentaram aos
rosários que ostentavam nas marchas de 1964, outros símbolos emblemáticos
carregados nas passeatas domingueiras de 2015: as panelas barulhentas de setores
insatisfeitos da classe média e da pequena-burguesia e os patos amarelos da FIESP
vestidos com a camisa da CBF. Embora as apropriações do suposto “marxismo cultural”
gramsciano pela extrema-direita já possa ser notado em 1994 com o livro de Olavo de
Carvalho, A Nova Era e a Revolução Cultural, a intensificação dos ataques,
5
Sobre o assunto, conferir texto de Rui Braga, Terra em transe: o fim do lulismo e o retorno da luta de
classes, no livro As contradições do lulismo, organizado por André Singer e Isabel Loureiro.
desqualificações e leituras simplificadas e equivocadas dos Cadernos do Cárcere tem
ocorrido com maior força nesse contexto de crises econômica e política.
Dito isso, passo ao objetivo central desse artigo: o mesmo se propõe a analisar as
apropriações político-ideológicas da teoria marxista de Gramsci, realizadas pela extrema
direita brasileira, por eles denominada de “gramscismo cultural”.
6
CARVALHO, Olavo de. A nova era e a Revolução Cultural: Frijof Capra & Antonio Gramsci. 4 ed.
São Paulo: Vide Editorial, 2014.
Gramsci que o prove as afirmações olavistas. Aliás, boa parte dessa edição é formada
por “Apêndices” que, subtraídos, juntamente com o primeiro capítulo sobre Fritjof
Capra, resumem-se a apenas 41 páginas para Carvalho dissecar a respeito da teoria da
“revolução cultural” em Gramsci.
Sem espaço nesse artigo para analisar o mesmo com densidade, cumpre destacar
que este livro de Carvalho vai balizar as publicações dos neofascistas nas redes sociais,
conforme veremos no tópico seguinte.
Fonte:https://medium.com/@Arierbos/a-ascens%C3%A3o-e-queda-das-esquerdas-653d28452202.
Nesse quadro podemos observar, além dos principais títulos das matérias
publicadas, também a temporalidade recorrente dessa manifestação neofascista a partir
de 2014, bem como os meios de comunicação digitias por eles utilizados e o vínculo de
classe social por eles assinados nas publicações. Além de Rodrigo Constantino que
estaria mais para um inteelctual orgânico burguês da direita clássica neoliberal,
podemos notar que os demais comungam neoliberalismo e neofascismo sem
incompatibilidades. A título de exemplo temos o atual presidente da República, Jair
Bolsonaro, que fez mal uso de Gramsci, em 2014, quando ocupava o cargo de deputado
federal. (VEJA IMAGEM A SEGUIR)
http://familiabolsonaro.blogspot.com/2014/02/gramscismo-o-novo-metodo-aplicado-para.html.
Além dele e filhos, frequentadores assíduos das redes sociais, os demais autores
assinam suas nas matérias a partir de um lugar da tradicional classe média
conservadora: padres, jornalistas, professores, estudante de direito e monarquista. Seu
anticomunismo exacerbado estimula o ódio a sindicalistas, militantes de partidos
politicos e movimentos sociais, religiões fora do centro cristão, diversidades de gênero e
raça, além, é claro, das instituições da democracia burguesa, tantas vezes ameaçadas por
mensagens antidemocráticas. Portanto, se lhes faz jus aplicarmos a eles teoria de
Antonio Gramsci, certamente o velho marxista sardo concordaria com a tese de que eles
são os agentes ideológicos que atuam em defesa das classes e grupos dominantes,
aqueles que procuram aniqular as forças sociais dos grupos e classes subalternos para
procurar inculcar, em mentes e corações, valores ideológicos fascistizantes de “Deus,
Pátria e Família” e/ou “Brasil acima de tudo, Deus a cima de todos”, fazendo jorrar a
violência sobre os corpos daqueles que não se enquadrem em tal perfil ideológico.
Entretanto, são eles que têm usado e abusado da guerra de posição com o pensamento
progressista e de esquerda, procurando jogar o legado de Paulo Freire no lixo da
História e defendendo projetos como o “Escola sem Partido”, disputando os aparelhos
de hegemonia a fim de monopolizá-los em proveito do discurso único fascistizante. Nas
igrejas evangélicas e em nichos da velha mídia brasileira encontram-se outros tantos
intelectuais orgânicos do partido do capital, da família heteronormativa, da elite branca
dos tempos da casa grande e dos fiéis seguidores da teoria da propespidade
neopentecostal. Desse modo, se eles entenderam alguma coisa das palavras
gramscianas, certamente as palavras do marxista do inicio do século XX lhes caíram
como uma carapuça, pois Gramsci teorizou justamente sobre o Estado ampliado, os
aparelhos privados de hegemonia e os intelectuais orgânicos para demonstrar os
processos de dominação burguesa sob a égide do capital. É claro que o marxista sardo
compreendia e defendia a necessidade revolucionária da contra-hegemonia nas
sociedades ocidentais e o papel a ser desempenhado por intelectuais organicamente
vinculados às classes e grupos subalternos no combate ao capitalismo e ao fascismo.
Lição essa que a esquerda socialista do século XXI não pode esquecer, pois fascismo se
procura combater, como fez o grande pensador italiano assasinado lentamente no
cárcere do regime liderado por Mussolini. O conjunto da esquerda brasileira tem uma
tarefa histórica e um grande desafio pela frente, para isso, precisa articular uma frente
única antifascista e botar o “gramscismo cultural” para voar como os galinhas verdes
em 1934 na Praça da Sé.
Fonte:https://medium.com/@Arierbos/a-ascens%C3%A3o-e-queda-das-esquerdas-
653d28452202.
Quanto ao PT, cumpre destacar que a quantidade de livros publicados nos últimos
tempos, muitas dos quais resultantes de teses de doutoramento e dissertações de
mestrado, igualmente torna inaceitável a tese de Olavo e dos olavistas/bolsonaristas de
que o Partido dos Trabalhadores e os governos por ele hegemonizados tenham
apresentado na prática uma ideologia comunista ou socialista 8. Entretanto, no caso
específico do PT, é preciso discutir mais um pouco a questão. Vamos ao que dizem os
intelectuais antipetistas à extrema direita:
O fragmento acima, escrito por Olavo de Carvalho, em 1994, revela uma completa
ignorância a respeito do conceito de revolução passiva10 elaborado por Antônio
Gramsci. Também erra feio em relação à análise do Partido dos Trabalhadores, pois é
justamente nesse momento em que ele vê comunismo é que o PT está passando por um
processo de transformismo. Portanto, se ele quisesse fazer uso mais adequado do
repertório categorial gramsciano, certamente esse conceito estaria mais ajustado às
evidências apontadas pelo inicio de um processo de moderação e giro à direita realizado
pela corrente majoritária no interior do partido.
Um blog neofascista seguindo a linha olavista e puxado, principalmente, pelo
antipetismo faz o coro da negação dos partidos:
8
Recomendo as leituras de IASI, Mauro Luís. As metamorfoses da consciência de classe: o PT entre a
negação e o consentimento. 2 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.
9
CARVALHO, Olavo de. A nova era e a Revolução Cultural: Frijof Capra & Antonio Gramsci. 4 ed.
São Paulo: Vide Editorial, 2014, p86/87.
10
Revolução passiva para Gramsci é uma forma de revolução burguesa pelo alto e sem participação
popular e não uma revolução socialista ou comunista como pensa de forma deturpada Olavo de Carvalho.
portanto, são comunistas, ou socialistas ou de esquerda. Ou seja: logo, todos
são o lixo do marxismo11. (grifo meu)
Nessa parte de seu artigo podemos perceber a forte ojeriza aos movimentos
sociais e a intensa preocupação com as universidades federais, tidas como instituições
por excelência da “doutrinação ideológica marxista” e, portanto, espaços no interior do
qual os intelectuais orgânicos petistas estariam fazendo a “revolução cultural”. Ora,
quem de fato conhece a universidade pública por dentro sabe muito bem o quanto elas
já são em grande medida privatizadas e o quanto seguem uma linha ideológica em
grande medida a serviço do mercado capitalista, cuja grande parte dos intelectuais
produz pesquisa para alimentar a reprodução do capitalismo com fim último na logica
do lucro sobre todas as coisas. Sigamos com o texto do ex-ministro:
11
http://averdadequeamidianaomostra.blogspot.com/2014/05/gramscismo-porta-do-inferno.html.
12
http://www.ecsbdefesa.com.br/defesa/fts/GLA.pdf
13
http://www.ecsbdefesa.com.br/defesa/fts/GLA.pdf
O fragmento acima expressa uma ideia recorrente aos que tentam encontrar algum
tipo de socialismo nos governos hegemonizados pelo Partido dos Trabalhadores. Para a
extrema direita brasileira basta que as relações geopolíticas sejam estabelecidas para
além da orbita do quintal estadunidense para que os mesmos comecem a repetir a
cantilena do seu anticomunismo anacrônico. O fato de o governo brasileiro ter se aliado
aos países latino americanos, inimigos dos EUA, e formado uma parceria com China e
Rússia, por meio dos BRICS, é um perfeito indicativo, para eles, de uma “aliança
comunista internacional” rumo à revolução, por meio cultural e sob as bênçãos do
materialista Antônio Gramsci. Talvez fosse cobrar demais de intelectuais neofascistas a
leitura de uma bibliografia que demonstre empiricamente as aberturas política e
econômica para a democracia burguesa, a economia de mercado e o neoliberalismo,
hoje encontradas em países outrora socialistas, incluindo China, Cuba e Rússia.
Devolvamos a palavra a Vélez Rodríguez para falar de política econômica nos
governos petistas:
14
http://www.ecsbdefesa.com.br/defesa/fts/GLA.pdf
poder do consenso hegemônico- (ao menos até o segundo governo Dilma)- resultante da
política de aliança e conciliação com setores da classe trabalhadora brasileira,
incorporada no projeto hegemônico burguês mediante concessões assistencialistas e
expresso em um programa político denominado pelo historiador Valério Arcary15 de um
“reformismo quase sem reformas”. Portanto, fazendo uma utilização melhor das
categorias gramscianas para compreender os governos lulistas, mais aplicáveis
certamente seria a de transformismo e hegemonia, porque explicam o giro à direita
realizado pelo PT a partir dos anos 1990 e a construção de um projeto dirigido pela
burguesia, porém aliado a setores da classe trabalhadora que consentiam mediante
algumas concessões materiais e simbólicas. Contando, evidentemente, com uma
conjuntura internacional bastante favorável até 2010 quando a economia capitalista
global dava sinais de crescimento e a China empurrava o PIB brasileiro para cima.
Por fim, voltemos às palavras daquele que seria o primeiro ministro da educação
do governo Bolsonaro e que já antecipava muito do que agora se tornou uma realidade
trágica:
No campo das políticas educacionais, prevalece o norte das decisões
ideológicas tomadas à luz do gramscismo tupiniquim. Correntes com os
preconceitos de Gramsci em face da escola particular e da pluralidade de
iniciativas nesse terreno, os novos planejadores fecham fileiras em torno à
ideia do modelo único de sistema educacional, costurado ao redor das
instituições públicas, desconhecendo o fato de que a maior parcela dos nossos
universitários têm vaga assegurada nas Universidades privadas, que atendem,
hoje, a 75 por cento da demanda. É clara a pretensão do governo para acabar
com as Universidades particulares, que passarão a ser geridas, segundo a
nova proposta, por colegiados em que os proprietários têm voz minoritária,
em face da representação sindical, majoritária, denominada “comunitária” 16.
15
ARCARY, Valério. Um reformismo quase sem reformas: uma critica marxista do governo Lula em
defesa da revolução brasileira. São Paulo: Sundermann, 2014.
16
http://www.ecsbdefesa.com.br/defesa/fts/GLA.pdf.
de escola única que rompesse com a segmentação de currículos humanistas para os
filhos da classe dirigente e currículos técnicos para formar operários a serem explorados
nas fábricas. Também não agradaria a Gramsci o modelo de escola de tempo integral
dos tempos lulistas, pois conforme escrevera no volume 2 dos Cadernos dos Cárcere,
quando trata da escola e dos intelectuais, uma escola de tempo integral requer um
modelo de escola unitária, com professores qualificados e valorizados em suas carreiras
e com uma vasta infraestrutura escolar. Não é isso que vemos nos estados e municípios
brasileiros, a começar de uma carreira única no magistério, nunca conseguida apesar da
luta incansável do movimento docente.
Outra referência expressiva da ideologia neofascista brasileira do tempo presente
pode ser vista nas imagens do blog “A verdade que a mídia não mostra”, sobretudo, no
texto intitulado “Gramscismo, a porta do inferno”, conforme ilustrações que segue:
http://averdadequeamidianaomostra.blogspot.com/2014/05/gramscismo-porta-do-inferno.html.
A História tem sido uma das ciências/campo disciplinar mais vigiada e controlada
no decurso de séculos. No Brasil, desde o século XIX, as classes dominantes têm
buscado instrumentalizar o ensino e a pesquisa sobre o passado enquanto substrato
ideológico dos projetos de dominação classista do presente. Assim ocorreu durante o
Império escravista, a República oligárquica e as ditaduras varguista e militar. Não à toa,
o marxismo foi a teoria mais combatida e impedida de fundamentar reformas
curriculares durante o século XX, uma vez que o positivismo rankeano foi a escola
teórica hegemônica nos currículos de História na longa duração.
Não seria diferente nos dias atuais, quando o avanço da extrema direita procura
articular um projeto de poder no presente histórico buscando raízes no passado como
forma de justificativa ideológica. Transitando entre os tempos, o crescente movimento
neofascista brasileiro tem trazido aos holofotes, afirmativas, peremptoriamente,
negacionistas e/ou revisionistas, lamentavelmente, algumas delas alimentadas por
historiadores universitários de grande prestígio no campo da pesquisa e do ensino18.
Um passeio pelas redes sociais da extrema direita nos faz defrontar com uma
grande quantidade de sites, blogs, vídeos, imagens, artigos, aulas, etc, assumidamente,
anticomunistas e pretensamente defensores de uma concepção de História neutra e
imparcial. Nesses veículos aparecem vários jargões arrotados por bocas fascistizantes,
ora negando o holocausto ou afirmando que o nazismo era de esquerda, ora afirmando
que não houve ditadura no Brasil, mas uma “revolução que salvou o país do
comunismo”.
17
http://averdadequeamidianaomostra.blogspot.com/2014/05/gramscismo-porta-do-inferno.html.
18
Consultar Carlos Zacarias de Sena Júnior: Os ardis da memória: o debate público sobre o golpe e a
ditadura no Brasil em tempos de revisionismo histórico e ofensiva conservadora.
http://www.niepmarx.blog.br/MM2019/Trabalhos%20aprovados/MC24/MC241.pdf.
Na linha do Movimento “Escola sem Partido”, iniciado em 2004, pelas mãos do
advogado Miguel Nagibe, além do igualmente reacionário movimento de combate à
“ideologia de gênero” nas escolas, vem ocorrendo uma verdadeira censura ao material
didático e uma intensa vigilância sobre os professores no tocante aos conteúdos por eles
apresentados no decorrer de sua atuação pedagógica.
http://movimentodireitajovem.epizy.com/2017/12/25/gramscismo-o-que-e-e-quais-as-suas-
19
consequencias/.
20
www.direitasja.com.br.
ideologia, a primeira seria “a verdadeira História” enquanto a segunda seria a versão
“falseadora” da realidade e, portanto, meramente ideologizante e panfletária. É de se
estranhar que um movimento monarquista acuse os professores de esquerda de narrarem
uma versão comunista da História e, ao mesmo tempo, de defenderem a objetividade
absoluta do conhecimento histórico, quando eles mesmos defendem as tradições da
Casa de Bragança contra a república e o comunismo.
Fonte:http://intervencaomilitarja.com.br/06-o-que-e-o-marxismo-cultural/.
.
Em primeiro lugar, percebe-se que os principais temas históricos que os
neofascistas se apropriam e manipulam são o nazi-fascismo, o socialismo real
(stalinista, maoísta ou castrista) e a ditadura militar brasileira. No primeiro caso para, ou
negar sua existência, ou igualar ao stalinismo; no segundo, para confundir com toda
concepção de comunismo e/ou socialismo, desde Marx até nós, fazendo uma
generalização caricata de que comunismo se trata de uma “ditadura”; e no terceiro, para
negar ou revisitar brandamente a ditadura brasileira, retirando-lhe as caracterizações
autoritárias e construindo uma significação em torno de que se tratou de “tempos de
ordem e progresso” que “salvou o país do comunismo” e só reprimiu algum “terrorista”
da esquerda armada. Impressiona o fato de que eles silenciam a ditadura varguista do
Estado Novo para focar no regime militar cuja ferida história ainda está aberta e mais
próxima da nossa geração.
Observando atentamente essa questão, vemos a intensificação da disputa de
narrativa em torno da ditadura militar. O mais lamentável disso é saber que ela vem
acompanhada da existência de movimentos políticos de extrema direita que levantam a
bandeira da volta daquele sombrio regime político como se ele fosse o antídoto ideal
para tratar da crise atual. O exemplo do que aqui se afirma pode ser provado
empiricamente com a grande quantidade de faixas e cartazes que se apresentaram às
ruas desse país, fortemente, desde 2015.
As imagens anteriores igualmente testemunham essa narrativa conservadora sobre
1964, ambas publicadas no blog “Intervenção militar Já!”. Nele, constam, sete artigos
sobre o dia 31 de março de 1964, seis documentários, trinta e dois estudos, um sobre
guerrilha brasileira e duas notícias. Entre os artigos, dois nos interessam mais de perto
analisar, intitulados, respectivamente, de “O que é gramscismo?” e “O que é marxismo
cultural?”, ambos publicados em 16 de agosto de 2017. O primeiro texto tem dezoito
linhas para falar do “gramscismo”, já o segundo é um pouco maior e traz alguns
elementos constitutivos do que consideram “marxismo cultural”, a saber: “novela e
futebol” (para alienar as pessoas que vão ser “sujeitos passivos da revolução”);
“destruir a educação” (escolas e universidades como lugares de “doutrinação
marxista” e analfabetos funcionais “mais fáceis de serem enganados”); “destruir a
cultura” (“a mídia, as rádios valorizam o lixo, o que há de pior, músicas de baixo nível
moral, putaria, promiscuidade, gayzismo, violência… eles querem destruir nossa
sociedade para construir a sociedade marxista”); “destruir a saúde” (“uma população
doente é ótima para os comunistas. Doentes não conseguem lutar, não conseguem
resistir, e mortos não oferecem perigo para os ditadores. Josef Stalin, ditador comunista,
planejou o Genocídio de Holodomor , justamente porque a população da Ucrânia queria
se libertar da dominação soviética”); “engenharia social” (“você provavelmente já
ouviu falar em mensagens subliminares, ocultas e imperceptíveis, capazes de influenciar
as pessoas. Pois esta é apenas uma de muitas técnicas dissimuladas, capazes de
manipular a população. Yuri Bezmenov, russo desertor da KGB, denunciou as
estratégias subversivas secretas dos comunistas. Pesquise you tube.”); “feminismo” (“a
arma mais poderosa do Marxismo Cultural para destruir a sociedade. A ideologia
feminista está tão arraigada depois de 50 anos de doutrinação, suas ideias absurdas se
tornaram tão comuns que as mulheres de hoje contrariam seu próprio instinto. O
feminismo está destruindo a natureza feminina, destruindo os relacionamentos entre
homens e mulheres… e como consequência, destruindo a família e destruindo a
sociedade”); Comunismo é pior que Nazismo: “você sabia que o povo alemão abraçou
o Nazismo para se salvar do Comunismo? Eles testemunharam o genocídio de
Holodomor, quando 7 milhões de ucranianos morreram de fome, antes de Hitler chegar
ao poder na Alemanha. Os alemães conheciam o terror do Comunismo e preferiram o
Nazismo. Enquanto o Nazismo matou 6 milhões de pessoas, os regimes comunistas já
mataram de 100 a 120 milhões no mundo, e continuam matando”.
Segundo Iná Camargo Costa21, os marxistas contemporâneos têm um desafio de
apresentar a verdade sobre o que vem se convencionando chamar de “marxismo
cultural”. A primeira verdade é histórica, pois se trata de buscar as suas raízes lá nos
tempos do nazismo, enquanto a segunda verdade é um desafio para que possamos
transformar aquilo que é tido como incriminação em arma de luta nos termos da nossa
própria pauta e apresentando as vítimas históricas do fantasma em suas primeiras
aparições. De acordo com o que nos apresenta a autora citada, a obra Mein Kampf
(1925) é a certidão de nascimento do “marxismo cultural” e se trata de “uma
declaração de guerra ao marxismo e à sua expressão cultural máxima que seria o
bolchevismo”. Representado como simbiose do judaísmo, ambos eram considerados os
“males” que precisariam ser extirpados da face da terra. E combateram a ambos
brutalmente.
21
Sobre o assunto, sugiro a leitura de COSTA, Iná Camargo. Marxismo cultural, um fantasma que
ronda a História. In: https://outraspalavras.net/historia-e-memoria/marxismo-cultural-um-fantasma-que-
ronda-a-historia/.Marxismo cultural, hora de um resgate.
https://outraspalavras.net/outrapolitica/marxismo-cultural-hora-de-um-resgate/.
A segunda aparição do fantasma “marxismo cultural” ocorreu na década de 1990
nos Estados Unidos, embora naquele país também possa ser encontrada a raiz do
anticomunismo e da perseguição ao movimento de luta da classe trabalhadora a partir da
Revolução Russa de 1917 e, posteriormente, entre as décadas de 1930 a 1960 durante o
macarthismo e a perseguição à esfera cultural daquele país. Enfim, nos anos 1990
aparece nos EUA a expressão “marxismo cultural” cujos primeiros usuários, segundo
Iná Camargo Costa
(...) são cristãos fundamentalistas, ultraconservadores, supremacistas – enfim,
a extrema-direita estadunidense. Uma das mais eloquentes manifestações da
tendência é o movimento Dark Enlightenment (que não se perca pelo nome)–
antítese assumida do iluminismo, que prega a moral vitoriana do século XIX,
uma ordem tradicionalista e teocrática, declara guerra aberta a todo
conhecimento científico e, em primeiro lugar, ao marxismo cultural. Os
objetos mais imediatos de sua fúria conservadora são o feminismo, a ação
afirmativa, a liberação sexual, a igualdade racial, o multiculturalismo, os
direitos LGBTQ e o ambientalismo 22.
22
COSTA, Iná Camargo. O Marxismo cultural e a paranoia americana.
https://outraspalavras.net/historia-e-memoria/o-marxismo-cultural-e-a-paranoia-americana.
23
SECCO, Lincoln. Gramscismo: uma ideologia de extrema-direita.
https://blogdaboitempo.com.br/2019/05/08/gramscismo-uma-ideologia-da-extrema-direita/.
O marco fundador teria sido a 17ª Conferência dos Exércitos Americanos,
realizada em 1987 em Mar Del Plata, na Argentina. Naquela ocasião foi redigido o texto
“Síntese da situação da subversão no Brasil”, documento da delegação militar brasileira
no qual 30% dos constituintes brasileiros eram considerados subversivos. De acordo
com o que atesta Lincoln Secco, os 15 Exércitos do continente americano participantes
daquela conferência assinaram um acordo que “ações nos demais campos do poder”,
para além do especificamente militar, a fim de manter “a segurança e defesa do
continente americano contra o Movimento Comunista Internacional”. Durante a
conferência foi dado um informe do setor de inteligência no qual Antônio Gramsci era
apresentado como “ideólogo do novo movimento Comunista Internacional”. Secco
destaca em seu artigo um trecho do relatório da estratégia intitulada “amerocomunista”
que fazia uma leitura gramsciana nos seguintes termos: