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Comichão
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dentalmente, mas não fizera nada para incentivá-la. Ela sabia das
consequências e nunca arriscaria algo tão importante. Freya podia
sentir Ingrid tentando sondá-la entre as camadas interiores, para dar
uma espiada em seu futuro e achar uma resposta para seu desânimo
atual, mas era um exercício inútil. Freya sabia como manter a linha
da vida protegida. A última coisa que precisava era de uma irmã mais
velha que pudesse prever as consequências de suas ações impulsivas.
— Tem certeza de que não quer conversar? — Ingrid perguntou
com delicadeza. — Afinal, as coisas aconteceram tão rapidamente.
Por um instante, Freya pensou em falar tudo, mas decidiu que
não. Era difícil demais para explicar. Mesmo que os presságios negros
estivessem no ar: os uivos dos cães, os “acidentes”, o aroma de flores
18 queimadas que inexplicavelmente enchiam a sala — nada acontece-
ria. Ela amava Bran. De verdade. Não era mentira, não era nem um
pouco como uma daquelas mentiras que ela se dizia o tempo todo:
esta é a última bebida da noite ou eu não vou botar fogo na casa daquela
vadia. O amor dela por Bran era algo que ela sentia no âmago do seu
ser; havia algo nele que a fazia sentir como se estivesse em casa, era
como se afundar numa poltrona e dormir: plenamente seguro.
Não. Ela não podia contar a Ingrid o que a incomodava. Não
desta vez. As duas eram próximas. Elas não eram apenas irmãs e
ocasionais rivais, mas melhores amigas. Mesmo assim, Ingrid não
entenderia. Ela ficaria horrorizada, e Freya não precisava das repri-
mendas da irmã mais velha bem agora.
— Vá embora, Ingrid, você está assustando meus amigos novos
— reclamou ela enquanto aceitava os cumprimentos falsos de mais
um grupo de mulheres que veio lhe desejar boa sorte.
homem mais meigo que tinha conhecido. Ela sentia que a gentileza
parecia emanar dele, como o brilho de um vaga-lume. A forma como
ele ficou todo preocupado com ela, seu constrangimento, seu jeito de
gaguejar — e quando se recuperou, ele trouxe uma bebida para ela e
não a abandonou a noite toda, rodeando-a para protegê-la.
Lá estava ele agora, alto, de cabelos escuros, usando um blazer que
lhe caía mal, andando pela festa e aceitando os bons votos de seus
amigos com o sorriso tímido habitual. Bran Gardiner não era char-
moso nem erudito nem espirituoso nem mundano como os homens
de seu meio, que adoravam zunir seus carros esportivos italianos nas
ruas sem pavimento. Na verdade, para um herdeiro, ele era estranho
e desajeitado, meio tipo Talentoso Sr. Ripley — como se fosse um
24 forasteiro de um círculo de elite e não o próprio centro do círculo.
— Achei você. — Ele sorriu enquanto Freya tentava endireitar a
gravata-borboleta dele. Ela percebeu que as mangas da camisa esta-
vam puídas e, quando ele colocou o braço nos ombros dela, ela sen-
tiu ligeiramente o cheiro de suor dele. Pobrezinho, ela sabia que ele
estava com um pouco de medo desta festa. Ele não ficava à vontade
com a multidão. — Achei que tinha perdido você. Você está bem?
Quer uma bebida?
— Estou ótima — respondeu ela, sorrindo para ele e sentindo o
frio no estômago se dissipar.
— Muito bem. — Ele beijou-lhe a testa, e seus lábios eram ma-
cios e cálidos na pele dela. — Vou sentir a sua falta. — Ele mexeu
nervosamente no anel de monograma que usava na mão direita. Era
um de seus pequenos tiques, e Freya deu-lhe um aperto na mão. Bran
viajaria para Copenhague amanhã, em nome da Fundação Gardiner,
o empreendimento familiar sem fins lucrativos, dedicado à promo-
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Espécie de roedor. (N.E.)
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