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Resumo: o presente ensaio aborda a ordem dos processos nos tribunais, a uniformização de
jurisprudência e outros institutos correlatos previstos no novo Código de Processo Civil, destacando a
importância prática do tema, além de realizar um comparativo com o diploma processual revogado.
Nesse cenário, foi possível verificar que inúmeras práticas do dia-a-dia forense foram incorporadas
pela nova Codificação, a exemplo da possibilidade de modificação de voto até o pronunciamento do
resultado do julgamento, bem como a permissão para realização de sustentação oral por
videoconferência, dentre outras. Aprofundou-se a análise sobre os principais incidentes processuais,
tais como a assunção de competência (que sucedeu a uniformização de jurisprudência), a arguição de
inconstitucionalidade e o incidente de resolução de demandas repetitivas.
Abstract: this essay discusses the order of the court cases, the uniformity of case law and other
related institutions foreseen in the new Civil Procedure Code, highlighting the practical importance of
the issue, and perform a comparison with the procedural law repealed. In this scenario, we observed
that numerous practical day-to-day forensics were merged into the new encoding, such as the
possibility of voting modification to the announcement of the outcome of the trial, as well as
permission to perform oral statement by videoconference, among others. Deepened the analysis of the
main procedural steps, such as the assumption of jurisdiction (which succeeded the standardization of
case law), the complaint of unconstitutionality and the resolution incident repetitive demands.
Keywords: order of court cases. Standardization of case law. Procedural issues. New CPC.
Sumário: Introdução – 2. Protocolo, registro e distribuição – 3. Poderes do relator. 4. Julgamento – 5.
Incidentes em julgamento de tribunal: 5.1 Da uniformização de jurisprudência; 5.2 Incidente de
assunção de competência; 5.3 Incidente de arguição de inconstitucionalidade; 5.4 Incidente resolução
de demandas repetitivas – Considerações finais – Referências.
Introdução
Enquanto os juízes de primeiro grau são órgãos singulares, o tribunal funciona coletivamente, sendo a
decisão proferida resultado de uma conjugação de vontades dos seus integrantes (acórdãos).
Entretanto, os tribunais nem sempre decidem pela totalidade de seus integrantes, havendo uma
divisão de trabalho e de tarefas entre seus membros que se organizam em Câmaras Cíveis e
Criminais, sem prejuízo das matérias sujeitas a apreciação do Tribunal Pleno ou do Órgão Especial
(THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 2318).
“Em geral, o procedimento no tribunal tem duas fases distintas: uma perante o relator, a quem se
atribui a função de praticar todos os atos até a sessão de julgamento, e a outra, de competência do
colegiado, que tem por finalidade o debate e o julgamento do caso” (DIDIER JR.; BRAGA;
OLIVEIRA, 2014, p. 561).
Tal fato, por si só, exige a normatização de diversos aspectos a fim de assegurar o eficiente
funcionamento dos órgãos jurisdicionais de segunda instância, seja quando julgam causas originárias,
sejam quando apreciam os recursos interpostos contra as decisões de grau inferior.
As referidas regras constam do Código de Processo Civil (CPC), das leis de organização judiciária e
dos regimentos internos dos tribunais. Frise-se, no entanto, que, a teor do art. 96, inciso I, alínea “a”,
da Constituição Federal (CF ou CF de 1988), ao regimento interno reserva-se tão somente a
regulamentação da distribuição da competência do tribunal internamente, cabendo à legislação dispor
sobre a competência material e funcional dos tribunais.
Nesse cenário, o novo CPC (NCPC ou CPC de 2015), nos arts. 929 a 946, constantes do Capítulo II
do Livro III, normatiza os aspectos procedimentais inerentes aos processos que tramitam perante os
tribunais, tais como o protocolo, registro e distribuição, os poderes do relator, a sustentação oral, o
julgamento e seus consectários. Dessa forma, com o presente estudo objetivou-se aprofundar a análise
dos referidos institutos, sem esgotar o tema, sempre com uma visão crítica e comparativa em relação
ao Código de Processo Civil de 1973 (CPC de 1973).
1. Protocolo, registro e distribuição
Aportando os autos no tribunal, seja em razão do encerramento da atuação dos órgãos jurisdicionais
inferiores, seja por força de competência originária, serão registrados no protocolo do dia de sua
entrada, cabendo à secretaria ordená-los, com imediata distribuição (art. 929, caput do NCPC). O
dispositivo mencionado aperfeiçoou a redação do art. 547 do CPC vigente e, por conseguinte, acolheu
as críticas de Fredie Didier Jr., para quem “o registro e a distribuição devem ser feitos não apenas
nesses casos, aplicando-se também a ações originárias, a incidentes e a simples petições dirigidas ao
tribunal” (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2014, p. 563).
O parágrafo único do art. 929 repetiu a regra do parágrafo único do art. 547, a qual foi incluída no
CPC de 1973 com o advento da Lei 10.352, de 26 de dezembro de 2001, segundo a qual os serviços
de protocolo poderão ser descentralizados, a critério do tribunal, mediante delegação a ofícios de
justiça de primeiro grau. Com idêntica finalidade, a nova Codificação permite que o agravo de
instrumento, que é recurso interposto diretamente no tribunal, seja protocolado na própria comarca,
seção ou subseção judiciárias (art. 1.017, § 2º, inciso II, NCPC).
Trata-se de medida que tende a garantir o mais amplo acesso aos órgãos jurisdicionais de segundo
grau, na medida em que os órgãos de primeiro grau de jurisdição ficam autorizados a receber
mediante protocolo os recursos e petições endereçados ao tribunal.
2. Poderes do relator
Nos tribunais, a tutela jurisdicional é prestada por meio de decisão coletiva, que é fruto de uma
conjugação de vontades de seus membros, sendo exceção as decisões unipessoais proferidas pelos
relatores (princípio da colegialidade). Não obstante, incumbe ao relator preparar o processo para
julgamento pelo órgão colegiado, proferindo as decisões interlocutórias necessárias. O art. 931, nesse
sentido, estabelece que “distribuídos, os autos serão imediatamente conclusos ao relator, que, em 30
(trinta) dias, depois de elaborar o voto, restituí-los-á, com relatório, à secretária”.
O referido comando normativo visa assegurar concretude ao mandamento constitucional do inciso
XV do art. 93 da Constituição Federal, incluído no texto constitucional por força do advento da
Emenda Constitucional 45, de 2004, segundo o qual “a distribuição de processos será imediata, em
todos os graus de jurisdição”.
Em relação aos poderes do relator, importa registrar que o art. 932 do CPC de 2015 ampliou suas
competências, esclarecendo que incumbe ao relator dirigir e ordenar o processo no tribunal, inclusive
em relação à produção de provas, bem como homologar autocomposição das partes, quando for o
caso; determinar a intimação do Ministério Público, quando for o caso; decidir o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica, quando este for instaurado originariamente perante o
tribunal, além de exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal (art. 932,
incisos I, VI, VII e VIII).
Dessa forma, deparando-se o relator com recurso manifestamente improcedente por veicular
pretensão contrária à Súmula do STF, do STJ ou do próprio tribunal; à acórdão proferido pelo STF ou
STJ em julgamento de recursos repetitivos ou à entendimento firmado em incidente de resolução de
demandas repetitivas ou assunção de competência, poderá negar provimento monocraticamente (art.
932, inciso IV, alíneas “a” a “c” do NCPC).
Nas mesmas circunstâncias, poderá o relator, depois de facultada a apresentação das contrarrazões
recursais, dar provimento ao recurso que impugnar decisão contrária aos sobreditos entendimentos
jurisprudenciais (art. 932, inciso V, alíneas “a” a “c” do NCPC).
Tiago de Figueiredo Gonçalves, a propósito dos poderes do relator, assevera que “ao autorizar que o
relator, enquanto órgão singular, decida sozinho o recurso distribuído para si e para o órgão colegiado
que integra, o legislador cria uma espécie de competência simultânea ou concorrente entre o relator
(órgão singular) e o colegiado (órgão coletivo)” (GONÇALVES, 2014, p. 748).
De outro lado, a nova Codificação limitou os poderes do relator para inadmissão de recurso por
deficiência nos requisitos de admissibilidade, impondo que seja previamente concedido ao recorrente
prazo de cinco dias para sanar o vício ou complementar a documentação faltante (art. 932, parágrafo
único, NCPC), somente declarando-se inadmissível o recurso caso persista o vício.
No mesmo sentido, Luiz Alves Pereira, comentando o dispositivo (antes de sua aprovação), assevera:
“Da leitura da nova regra se extrai, em resumo, o seguinte conceito: em sede recursal, independente
de qual seja o recurso – se a norma está inserida nas regrais [sic] gerais recursais deve ser aplicada a
qualquer espécie de recurso – caso o Relator observe algum vício, ou por exemplo, a ausência de
algum documento indispensável para análise do caso concreto, deverá, antes de considerar o recurso
inamissível, intimar a parte para sanar a irregularidade no prazo de 05 (cinco) dias. Somente se, após
tal intimação, a parte permanecer inerte, é que o recurso será conhecido” (PEREIRA, 2014, p. 255).
Segundo Cássio Scarpinella Bueno, a regra em comento evitará a proliferação de “[…] entendimentos
radicais (e errados, mesmo à luz do CPC atual) como os da Súmula 115 do STJ, que não permite a
emenda ou a correção de atos processuais no âmbito dos Tribunais não subsistirão ao novo CPC,
destarte” (BUENO, 2015, p. 581).
3. Julgamento
O novo diploma processual civil aboliu a figura do revisor, prevendo que após a apresentação do
relatório, os autos serão encaminhados ao presidente, a quem caberá designar data para julgamento e
proceder à publicação da pauta no diário oficial (art. 934). A opção legislativa justifica-se porquanto
no regime do CPC de 1973 a ausência da figura do revisor nos casos em que obrigatória sua
atuação[1] ensejava nulidade absoluta do julgamento[2].
Designada a data para julgamento, far-se-á a publicação da pauta de julgamento na imprensa oficial,
devendo a sessão de julgamento ocorrer depois de decorrido, pelo menos, cinco dias da referida
publicação, incluindo-se em nova pauta os processos que não tenham sido julgados, salvo aqueles
cujo julgamento houver sido expressamente adiado para a primeira sessão seguinte (art. 935, caput).
Nesse interregno (entre a publicação da pauta e a sessão de julgamento), as partes terão vista dos
autos em cartório (§ 1º).
Comparando a nova disposição ao comando correspondente no CPC 1973 (art. 552, § § 1º, 2º e 3º),
verifica-se que houve uma ampliação no prazo, que era de 48 (quarenta e oito) horas e passou para 5
(cinco) dias. Luis Alves Pereira, em comentários ao projeto que originou o NCPC, enaltece a referida
modificação, in verbis:
“[…] Este prazo [48 horas, previsto no CPC vigente] se mostra demasiadamente curso para o fim a
que se destina, de modo que a ampliação deste prazo para 05 (cinco) dias, como prevê a redação do §
1º do art. 948 [convertido no § 1º do art. 935] do projeto de Novo CPC constitui-se em medida que
efetivamente resultará em justificada melhora para o jurisdicionado que, assim, terá tempo hábil para
apresentação de memoriais e preparação de sustentação oral, que muitas vezes, dependendo
evidentemente das peculiaridades de cada caso concreto, têm grande relevância para a demonstração
do direito perseguido pela parte através do direito de petição” (PEREIRA, 2014, p. 261).
Por conseguinte, tendo a norma modificado tão somente o prazo e mantido o espírito que norteou o
legislador originário, não houve a superação da Súmula 117 do STJ[3], que deve ser lida à luz da
nova sistemática, de modo que a inobservância do prazo de cinco dias entre a publicação da pauta e o
julgamento sem a presença das partes, importa em nulidade.
Interessante inovação, a propósito da sustentação oral, constou do § 4º do art. 937 do CPC de 2015,
segundo o qual “é permitido ao advogado com domicílio profissional em cidade diversa daquela onde
está sediado o tribunal realizar sustentação oral por meio de videoconferência ou outro recurso
tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que o requeira até o dia anterior
ao da sessão”.
Importa registrar, ainda, que nem o CPC de 1973 e tampouco o CPC de 2015 exigem que o advogado
realize previamente a sua inscrição para realizar sustentação oral, razão pela qual, nas situações
descritas no art. 937, caput, o presidente, obrigatoriamente, concederá a palavra ao recorrente e ao
recorrido. Mesmo porque, no referido comando legal, o legislador se utilizou de comando impositivo
(“dará a palavra”). Não por outra razão que o conselheiro do CNJ Jorge Hélio Chaves, em decisão
liminar (datada de 08 de fevereiro de 2013) proferida nos autos do procedimento de controle
administrativo nº 0000284-81.2013.2.00.0000, instaurado por iniciativa do Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil em face do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a suspensão dos
efeitos do art. 170 do Regimento Interno e art. 1º da Resolução 129, de 2012, ambos do TRF da 4ª
Região, garantindo que a sustentação oral no âmbito daquele Tribunal seja realizada
independentemente de agendamento prévio no prazo de vinte e quatro horas do dia do julgamento.
Caso seja constatada no transcorrer do julgamento a existência de vício sanável, incluindo aqueles
cognoscíveis de ofício, o relator determinará a realização ou a renovação do ato processual, no
próprio tribunal ou em primeiro grau de jurisdição, intimando as partes (art. 938, § 1º, NCPC).
Exemplificativamente, considera-se vício sanável, que autoriza a aplicação da regra em comento, a
apresentação de procuração e de guia de custas ou depósito recursal em cópia, cumprindo ao relator
assinalar prazo para a parte renovar o ato processo com a juntada dos originais (Enunciado 332 do
Fórum Permanente de Processualistas Civis).
Outra circunstância que enseja a interrupção do julgamento é o pedido de vista de qualquer membro
da Câmara, Órgão Especial ou Pleno do Tribunal, que não se considere habilitado a proferir
imediatamente seu voto, limitado ao prazo máximo de 10 (dez) dias, após o que o recurso (ou ação
originária) será reincluído em pauta para julgamento na sessão seguinte à data da devolução (art. 940,
caput, NCPC). No entanto, “não é qualquer juiz do tribunal, ou mesmo do órgão que está em sessão
de julgamento, que tem o poder de vista dos autos, mas apenas aqueles que compõem o órgão no
momento do julgamento do feito e, na mesma ocasião, não se consideram aptos a votar”
(THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 2328).
Adverte Fredie Didier Jr. que “o relator não pode pedir vista, pois ele já viu os autos; a prática,
porém, é frequente no foro, pois muitos relatores não vêem os autos, confiando em seus assessores.
Rigorosamente, em situações como essas, configura-se hipótese de pedido de retirada de pauta, feito
pelo próprio relator” (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2014, p. 600).
Outra inovação consta do § 3º do mesmo dispositivo legal, segundo o qual o voto vencido será
necessariamente declarado e integrará o acórdão para todos os fins legais, inclusive de pré-
questionamento. Cássio Scarpinella Bueno, em comentários ao art. 941, faz uma análise histórica do
projeto que culminou com a aprovação do NCPC e afirma:
“Havia um § 4º no Projeto da Câmara (art. 954) que enaltecia a importância da motivação completa e
adequada das decisões como fator indispensável para a construção de uma verdadeira teoria dos
precedentes em terras brasileiras. Era o seguinte o seu conteúdo: “Para adequada observância do
procedente judicial na forma do art. 521, as questões relevantes do caso em análise devem ser
indicadas de modo claro no acórdão”. A regra, a despeito de não ter sido aprovada pelo Senado
Federal na última etapa do processo legislativo, subsiste por força das diretrizes do § 1º do art. 489,
aplicáveis por força do § 1º do art. 927” (BUENO, 2015, p. 581).
Dessa forma, resta superada a Súmula 320 do STJ, a qual dispõe que “a questão federal somente
ventilada no voto vencido não atende ao requisito do prequestionamento”.
Não raras vezes, no julgamento dos feitos de competência do tribunal (originária ou recursal),
emergem questões específicas que ensejam o deslocamento da competência funcional para outro
órgão do tribunal, caracterizando verdadeiros incidentes processuais, cujos principais exemplos são
os incidentes de arguição de inconstitucionalidade, assunção de competência e resolução de
demandas repetitivas. Nesse caso, uma vez admitido o incidente, cinge-se a competência, ficando um
órgão julgador incumbido de apreciar a questão incidente, sem prejuízo da apreciação da questão
principal por outro órgão.
Consoante autorizado magistério, tais incidentes “não são recurso, nem ação autônoma de
impugnação nem outro meio de impugnação atípico de decisão judicial, pois, ao contrário, servem
como etapa no processo de criação da decisão, e não da sua impugnação” (DIDIER JR.; BRAGA;
OLIVEIRA, 2014, p. 609). Com esse espírito, o CPC de 2015 disciplina a partir do Capítulo III do
Título I do Livro III o incidente de assunção de competência, o incidente de arguição de
inconstitucionalidade, o conflito de competência, a homologação de decisão estrangeira e a concessão
do exequatur à carta rogatória, bem como a ação rescisória, a reclamação e o novel incidente de
resolução de demandas repetitivas.
O CPC de 1973 substituiu a revista pelo incidente de uniformização de jurisprudência (arts. 476-479),
conferindo-lhe a configuração de “incidente verificável nos julgamentos dos tribunais, por
provocação interna dos juízes ou por iniciativa da parte” (THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 2057). Por
sua vez, o CPC de 2015, no art. 926, prescreveu que “os tribunais devem uniformizar sua
jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.
A assunção de competência, prevista no art. 947 do CPC de 2015[5], é incidente processual que
permite a avocação, pelo órgão jurisdicional competente para realizar a uniformização de
jurisprudência (indicado pelo regimento interno do respectivo tribunal), do julgamento do recurso,
remessa necessária ou outro processo de competência originária do tribunal, quando tenha por objeto
relevante de direito, com repercussão social, sem repetição em múltiplos processos (art. 947, caput).
A expressão “sem repetição em múltiplos processos” constante da parte final do caput do art. 947
esclarece que não há possibilidade de coexistirem simultaneamente os incidentes de assunção de
competência e de resolução de demandas repetitivas. Em outras palavras, não cabe o incidente de
assunção de competência quando couber julgamento de casos repetitivos.[6].
O incidente pode ser proposto de ofício pelo relator ou a requerimento da parte, do Ministério Público
ou da Defensoria Pública, hipótese em que, caso acolhido (art. 947, § 2º), haverá o deslocamento da
competência originária para outro órgão jurisdicional coletivo indicado pelo regimento interno do
tribunal como competente para a uniformização de jurisprudência.
Nos juízos singulares, a aplicação da mencionada sistemática é simples e não demanda maiores
dificuldades. De outro lado, tratando-se de juízos coletivos (tribunais), eventual inconstitucionalidade
incidental não pode ser objeto de deliberação do órgão fracionário (Câmara ou Turma), exigindo a
manifestação do Tribunal Pleno ou do Órgão Especial, por meio de quorum qualificado de votação.
Cuida-se da denominada cláusula de reserva de plenário (ou regra da full bech), consagrada no art.
97 da CF, segundo o qual “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros
do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo do Poder Público”.
Insta esclarecer que ao órgão fracionário incumbe julgar o cabimento do incidente, admitindo-o ou
não (art. 949, caput, incisos I e II, NCPC), mas não lhe é lícito adentrar ao mérito da postulação
declarando a inconstitucionalidade do ato questionado, que é de competência privativa do Tribunal
Pleno ou Órgão Especial. Igualmente, não pode o órgão fracionário, a despeito de não declarar
expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afastar a sua
incidência, no todo ou em parte, por força da Súmula Vinculante 10.
De resto, o art. 950 do NCPC, reproduzindo as disposições do art. 482 do CPC vigente, assegura a
participação de diversos entes no procedimento, tais como as pessoas jurídicas de direito público
responsáveis pela edição do ato questionado (§ 1º), as partes legitimadas a deflagrar o controle
concentrado de constitucionalidade (§ 2º) e o amicus curiae (§ 3º).
Trata-se de inovação do NCPC (arts. 976-987, NCPC) tendente a assegurar a efetividade do sistema
de precedentes vinculante, evitando decisões contraditórias (segurança jurídica) e primando pela
igualdade das partes. Segundo reza o art. 976, caput, o incidente terá lugar quando preenchidos,
simultaneamente, os seguintes requisitos: I. efetiva repetição de processos que contenham
controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e II. risco de ofensa à isonomia e à
segurança jurídica. Implícito no primeiro requisito está o fato de que “a instauração do incidente
pressupõe a existência de processo pendente no respectivo tribunal” (Enunciado 345 do Fórum
Permanente de Processualistas Civis).
Todavia, a teor do § 4º do art. 976, não existe a possibilidade de tramitarem ambos os institutos
concomitantemente, pois “é incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um
dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para
definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva”.
Não satisfeitos os pressupostos de sua admissibilidade, delineados nos incisos I e II do art. 976 do
CPC de 2015, o incidente de resolução de demandas repetitivas será inadmitido. Tal decisão não
impede a repropositura do incidente quando satisfeito posteriormente o requisito faltante, podendo-se
afirmar, portanto, que a inadmissão é regida pela cláusula rebus sic stantibus, ou seja, enquanto não
sobrevier situação nova que perfectibilize os pressupostos ausentes no momento da inadmissão o
incidente não terá cabimento.
O incidente pode ser instaurado por iniciativa do juiz ou relator, por ofício, e das partes, por petição,
bem como do Ministério Público ou da Defensoria Pública, por petição, devendo o pedido ser
endereçado ao presidente do tribunal (art. 977, incisos I, II e III). O Ministério Público, quando não
requerer o incidente, nele intervirá obrigatoriamente, devendo assumir sua titularidade em caso de
desistência ou abandono (art. 976, § 1º).
Sobre a legitimidade do Ministério Público e da Defensoria Pública, Cássio Scarpinella Bueno lembra
que “[…] a legitimidade daqueles órgãos dá-se tanto quando atuam como parte (em processos
coletivos, portanto) como também quando o Ministério Público atuar na qualidade de fiscal da ordem
jurídica e a Defensoria Pública estiver na representação de hipossuficiente ou, de forma mais ampla,
desempenhando seu papel institucional em processos individuais” (BUENO, 2015, p. 616).
Importante frisar que, na proposta legislativa aprovada pela Câmara dos Deputados, a legitimidade
para provocar o incidente era mais ampla abrangendo pessoas jurídicas de direito público e
associações civis cuja finalidade institucional incluísse a defesa do interesse ou direito objeto do
incidente (redação originária do inciso III do § 3º do art. 988 do Substitutivo da Câmara dos
Deputados)[7].
Apresentado o incidente, este será distribuído ao órgão colegiado competente, a quem caberá realizar
o juízo de sua admissibilidade, oportunidade em que serão verificados os pressupostos dispostos no
art. 976 do CPC de 2015 (art. 981). A admissibilidade do incidente, portanto, é de competência do
órgão colegiado, não podendo ser aferida monocraticamente pelo relator, a quem são reservadas as
atribuições constam do art. 982, o qual não a contempla[8].
Instaurado o incidente, caberá ao órgão indicado pelo regimento interno do tribunal como responsável
pela uniformização de jurisprudência proceder ao seu julgamento no prazo de um ano (art. 980,
NCPC[9]), fixando a tese jurídica, bem como julgar o recurso, a remessa necessária ou o processo de
competência originária de onde se originou o incidente (art. 978, NCPC).
A propósito, Cássio Scarpinella Bueno entende inconstitucional o parágrafo único do art. 978, que
atribui ao órgão coletivo a competência para, além de fixar a tese jurídica, julgar o recurso, a remessa
necessário ou o processo de competência originária, pois “[…] não cabe à lei federal definir a
competência dos órgãos dos Tribunais Regionais Federais nem dos Tribunais de Justiça dos Estados.
A iniciativa viola, a um só tempo, os arts. 108 e 125, § 1º, da CF […]”.
Considerações finais
O NCPC manteve a mesma sistemática e disciplinou a ordem dos processos nos tribunais e os
incidentes correlatos, valorizando o contraditório e o modelo cooperativo que motivaram a sua
edição. Tanto que os poderes do relator foram remodelados, exigindo que, nas situações em que
cabível o julgamento monocrático, seja garantida a prévia manifestação das partes. Nesse novo
cenário, não pode o relator negar seguimento a recurso por deficiência nos pressupostos de
admissibilidade sem antes conceder ao recorrente a oportunidade de sanar a irregularidade.
De outro lado, a nova Codificação rompeu definitivamente com o modelo de civil Law, valorizando
os precedentes vinculantes, razão pela qual atribuiu aos tribunais à tarefa de manter a jurisprudência
estável, íntegra e coerente. Para o atingimento de tal desiderato, o CPC de 2015 consagrou como um
ônus do tribunal realizar a uniformização de sua jurisprudência, colocando a disposição a sua
disposição o incidente de assunção de competência e o incidente de resolução de demandas
repetitivas.
Referências
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Min. Paulo Gallotti. Diário de Justiça. Brasília 13 ago. 2001, p. 95.
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DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito
Processual Civil. Vol. 03: Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. 12ª
ed. Salvador: Juspodivm, 2014.
GONÇALVES, Tiago Figueiredo. Poderes do Relator e Agravo Interno no Projeto 8046/2010. In
Novas Tendências do Processo Civil. Estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Vol.
III. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 747-768.
OLIVEIRA, Guilherme Peres de. Incidente de demandas repetitivas – uma proposta de interpretação
de seu procedimento. In Novas Tendências do Processo Civil. Estudos sobre o Projeto do Novo
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MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de
Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Método,
2011.
PEREIRA, Luis Alves. Uma nova ordem dos processos nos tribunais. In Novas Tendências do
Processo Civil. Estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Vol. III. Salvador:
Juspodivm, 2014, p. 255-265.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I: Teoria Geral do Direito
Processual Civil e Processo de Conhecimento. 55ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da
Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil:
Artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
Notas:
[1] Na forma do art. 551, é obrigatória a intervenção do revisor no julgamento de apelação, embargos
infringentes e ação rescisória.
[2] Nesse sentido: STJ, REsp 250.106/DF, 2ª T., rel. Min. Eliana Calmon, rel. p/ acórdão Paulo
Gallotti, j. 20.02.2001, DJ de 13.08.2001, p. 95.
[3] Súmula 117, STJ: “A inobservância do prazo de 48 horas, entre a publicação de pauta e o
julgamento sem a presença das partes, acarreta nulidade”.
[4] O projeto previa, ainda, que seria cabível sustentação oral “no agravo interno originário de recurso
de apelação, de recurso ordinário, de recurso especial ou de recurso extraordinário”. Contudo, o
inciso VII do art. 937 foi vetado pelo Chefe do Poder Executivo, sob a justificativa de que a
sustentação oral em tais situações resultaria em prejuízo à celeridade processual almejada pela nova
Codificação. Cássio Scarpinella Bueno, criticando as razões do veto, lembra que “[…] a tão
propalada ‘celeridade processual’ deve ser sempre pensada em termos de eficiência e não de rapidez,
diferentemente do que consta expressamente das razões transcritas” (BUENO, 2015, p. 586).
[5] Não se trata de inovação da nova Codificação, embora seja inédita a denominação e alguns
aspectos do instituto. Isso porque, com outra roupagem, o art. 555, caput e § 1º do CPC vigente cuida
do mesmo assunto:
“Art. 555. No julgamento de apelação ou de agravo, a decisão será tomada, na câmara ou turma, pelo
voto de 3 (três) juízes.
§ 1o Ocorrendo relevante questão de direito, que faça conveniente prevenir ou compor divergência
entre câmaras ou turmas do tribunal, poderá o relator propor seja o recurso julgado pelo órgão
colegiado que o regimento indicar; reconhecendo o interesse público na assunção de competência,
esse órgão colegiado julgará o recurso”.
[6] Nesse sentido dispõe o Enunciado 334 do Fórum Permanente de Processualistas Civis que “por
força da expressão ‘sem repetição em múltiplos processos’, não cabe o incidente de assunção de
competência quando coube julgamento de casos repetitivos”.
[7] Cássio Scarpinella Bueno ressalta que as referidas entidades foram suprimidas quando da revisão
final do texto, não compreendendo, portanto, modificação meramente redacional, o que macula a
alteração de vício de inconstitucionalidade formal.
[8] Nesse sentido dispõe o Enunciado 91 do Fórum Permanente de Processualistas Civis que “cabe ao
órgão colegiado realizar o juízo de admissibilidade do incidente de resolução de demandas
repetitivas, sendo vedada a decisão monocrática”.
[9] “Art. 980. O incidente será julgado no prazo de 1 (um) ano e terá preferência sobre os demais
feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.
Parágrafo único. Superado o prazo previsto no caput, cessa a suspensão dos processos prevista no art.
982, salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário”.
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito
Civil e Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor Tutor do
curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil da Estácio/CERS. Professor Universitário.
Procurador Jurídico da Câmara Municipal de Bragança Paulista. Advogado
Direito Processual Civil Revista 149
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