Introdução células/mm e aquelas assintomáticas,
independentemente da contagem de células T
A transmissão do HIV de uma mulher
CD4+ ou da CV devem iniciar TARV combinada.
infectada (sintomática ou assintomática) para o
O HIV é excretado no leite de mulheres
seu filho é o mecanismo epidemiológico mais
infectadas pelo HIV por um período de até 18
importante de aquisição do vírus entre
meses após o parto e existe a possibilidade de
crianças. Essa transmissão pode ocorrer
penetração do vírus contido no leite através da
durante três períodos distintos: pré-natal,
mucosa nasofaríngea e gastrointestinal do
intraparto e pós-natal. As evidências clínicas,
recém-nascido. A transmissão do HIV pelo leite
sorológicas e virológicas demonstram que a
materno (LM) pode ocorrer em qualquer fase da
transmissão do vírus da mãe para o concepto
infecção materna, durante toda a lactação e é
ocorre, principalmente, próximo e durante o
maior quando a mãe tem CD4 diminuído, maior
parto.
carga viral plasmática do HIV e doença mais
A partir de 1994, a publicação dos dados
avançada.
do protocolo PACTG 076, conduzido por Estados
O HIV pode ser encontrado livre no LM
Unidos e França, tornou evidente a
ou no interior das células; tanto o número de
possibilidade de reduzir significativamente
células do LM infectadas pelo HIV quanto a
(próximo de 70%) a transmissão do HIV de mães
carga viral do HIV no LM têm relevância na
infectadas para seus bebês, com a
transmissão. O aumento de dez vezes na carga
administração de AZT para as mães durante a
viral materna relaciona-se com um aumento de
gestação e o parto, e para o recém-nascido
duas vezes na transmissão do vírus.
durante seis semanas. . As taxas de transmissão
Com base nos estudos publicados, o
vertical do HIV, que até 1994 variavam de 12 a
risco adicional de transmissão pelo LM (sobre a
42%7,8, caíram para 4 a 6% nos países que, além
transmissão intra-útero e no canal de parto) é
de incorporar esse regime, passaram a
de 14%, enquanto nas mulheres que adquiriram
aumentar o aconselhamento e a oferta do teste
o HIV no período pós-natal, o risco estimado de
para o HIV no pré-natal.
transmissão é de 29%.
O uso de terapia anti-retroviral potente
(HAART) para as gestantes, com a finalidade de
obter controle da replicação viral no momento Recém-nascido exposto ao HIV
do parto, permite atingir taxas de transmissão
tão baixas quanto 1,2%.
O consenso brasileiro sobre o uso de Manejo na maternidade
terapia antirretroviral (TARV) para diminuir a Logo ao nascer, as vias aéreas do
transmissão vertical do HIV recomenda que recém-nascido devem ser aspiradas
mulheres assintomáticas, sem uso de TARV delicadamente, se necessário, evitando
combinada como profilaxia (AZT, 3TC, traumatismos em mucosas. Lava-se o RN
Nevirapina); AZT como monoterapia é permitido imediatamente após o parto, com água morna e
se a carga viral (CV) for < 1.000 cópias/mL, mas sabão, para evitar o contato prolongado com o
nessa condição, a cesariana eletiva deverá ser a sangue e secreções maternas.
via de parto. Mulheres com CD4 < 200 Mesmo que a mãe não tenha recebido
anti-retrovirais, deve ser iniciada a
quimioprofilaxia do recém-nascido de puérpera trimetoprim, conforme mencionado
portadora de HIV com a Zidovudina (AZT) anteriormente, na dose de 750 mg de
imediatamente após o nascimento (ainda na sulfametoxazol/m2 /dia, em 2 doses, 3 vezes por
sala de parto ou nas duas primeiras horas de semana ou em dias consecutivos. Esta profilaxia
vida), podendo ser iniciada dentro das deve ser suspensa assim que o diagnóstico da
primeiras oito horas de vida, caso a parturiente infecção pelo HIV for afastado ou, em caso de
tenha recebido este medicamento durante o infecção comprovada, dependendo dos níveis de
trabalho de parto. Não há comprovação de linfócitos T CD4+, suspendendo-se com CD4
benefícios do início da quimioprofilaxia com a igual ou superior a 500 células/mm3 em
zidovudina após 48 horas do nascimento. crianças entre 1 e 5 anos de idade e igual ou
A dose recomendada é de 2 mg/kg/dose superior a 200 células/mm3 em crianças entre 6
de AZT (0,2 ml/kg/ dose), VO, de seis em seis e 12 anos de idade
horas durante seis semanas (42 dias). Caso a
criança não tenha condições de receber o Manifestações Clínicas e Classificação
medicamento por via oral, utiliza-se o AZT
Inicialmente assintomática, a infecção
injetável, na dose de 1,5mg/kg IV de 6/6 horas.
pelo HIV em crianças evolui com enorme
Em crianças prematuras com menos de 34
amplitude de apresentações clínicas, variando
semanas de gestação utiliza-se a seguinte dose
de ausência total de manifestações até
do AZT (em estudos): 1,5 mg/kg, VO ou IV, 12/12
apresentação completa da síndrome. Em
horas, nas primeiras duas semanas e 2 mg/kg
conseqüência desse grande espectro de
8/8 horas, por mais quatro semanas, se a
manifestações clínicas decorrentes da infecção
criança nasceu com mais de 30 semanas de
pelo HIV na criança, o CDC propôs, em 1987, um
gestação.
sistema de classificação, que foi revisado e
É importante solicitar um hemograma
modificado em 1994. Esta classificação utiliza
de controle ao nascimento, devido à
um sistema alfanumérico e baseia-se na
possibilidade de anemia pelo uso da Zidovudina.
intensidade das manifestações clínicas
Além do hemograma, solicitar também provas
associadas às alterações imunológicas. No
de função hepática (AST, ALT, GGT, FA),
Brasil, foi adaptada pelo Ministério da Saúde,
sorologias para toxoplasmose, rubéola,
constituindo o “critério CDC adaptado” para
citomegalovírus, herpes simples, sífilis, HBV e
crianças menores de 13 anos de idade. (Tabelas
HCV. A sorologia para o HIV somente deve ser
8.1, 8.2, 8.3, Tratado de Pediatria, L1, pp 1224-1225
solicitada caso haja dúvidas quanto à PDF)
soropositividade da mãe. As manifestações clínicas da doença já
A amamentação é contra-indicada e a instalada são principalmente decorrentes da
criança deve ficar em alojamento conjunto com imunodeficiência secundária à infecção pelo
sua mãe, sendo alimentada com fórmula HIV. Na criança, as manifestações iniciais são
infantil. inespecíficas e incluem dificuldade para ganhar
O esquema de vacinação deve ser peso, adenomegalia, hepatoesplenomegalia,
iniciado na maternidade, com a aplicação da febre, diarréia prolongada, anormalidades
vacina contra hepatite B nas primeiras 12 horas neurológicas, candidíase oral de difícil controle
de vida. O BCG pode ser aplicado caso a criança e infecções bacterianas de repetição.
seja assintomática, considerando-se que cerca Os sinais e sintomas iniciais da doença
de 30% dos adultos portadores Aids podem ter podem acontecer durante o primeiro ano de
tuberculose. vida, mas em geral ocorrem a partir do segundo
Ao ser suspensa a profilaxia da ano. As infecções bacterianas recorrentes, que
transmissão vertical com AZT, com 6 semanas podem ser a primeira manifestação da doença
de vida, inicia-se a profilaxia de infecção por na criança, incluem desde quadros pouco
Pneumocystis jiroveci, com sulfametoxazol +
graves, como otite média crônica, sinusite, Alterações hematológicas são muito
infecções cutâneas e do trato urinário, que se comuns, principalmente nos estágios mais
caracterizam pela elevada freqüência, até avançados da doença. Anemia, leucopenia,
infecções graves como pneumonias, abscessos neutropenia e plaquetopenia podem ocorrer
de órgãos profundos, osteomielite, artrite tanto pela ação direta do vírus, quanto pela
séptica, sepse ou bacteremia e meningites. Os ação das drogas anti-retrovirais.
agentes etiológicos isolados são aqueles Doenças diarréicas constituem causa
comumente encontrados na infância, em importante de morbidade e mortalidade em
crianças sem imunodeficiência, como crianças infectadas pelo HIV, determinando
Streptococcus pneumoniae, Haemophilus desnutrição e retardo do crescimento.
influenzae, Staphylococcus aureus e Neisseria Bactérias, vírus, fungos e parasitas podem
meningitidis, porém, outras vezes, bactérias determinar doenças do trato gastrintestinal.
menos freqüentes, como Salmonella, Agentes etiológicos responsáveis por doença em
Pseudomonas aeruginosa, Citrobacter, crianças com Aids incluem: Campylobacter,
Acinetobacter, e outros agentes, podem ser Salmonella, Shigella, cândida, Cryptosporidium,
isoladas. CMV, vírus do herpes simples (HSV),
Nas crianças com Aids, ao contrário de Histoplasma, Isospora e micobactérias atípicas.
outras síndromes de imunodeficiência, as A micobacteriose atípica, causada,
infecções acompanham-se de sinais clínicos principalmente, por micobactérias do complexo
bastantes característicos e sinais localizatórios, MAC (Mycobacterium avium complex), era
embora um alto grau de suspeição por parte do doença rara antes do advento da Aids. A
pediatra seja necessário para o diagnóstico infecção por MAC raramente é localizada e a
precoce e o sucesso no tratamento. forma disseminada foi uma das primeiras e
As infecções de trato respiratório alto mais comuns infecções oportunistas descritas
são muito comuns e precoces, mas as infecções em crianças com Aids. Ocorre, sobretudo, entre
de trato respiratório baixo são responsáveis por as crianças com imunodeficiência grave e
significativa morbidade e mortalidade, visto manifesta-se, em geral, por sinais e sintomas
que muitas dessas crianças desenvolvem inespecíficos, tais como febre prolongada, perda
doença pulmonar crônica. A freqüência e os de peso, hepatoesplenomegalia, anemia grave e
agentes etiológicos da otite média aguda até os neutropenia; algumas vezes as manifestações
2 anos de idade são similares às encontradas gastrintestinais da doença incluem diarréia
entre crianças imunocompetentes, mas a crônica, dor abdominal, colite,
recorrência é maior; as sinusites também são hepatoesplenomegalia e síndrome de
comuns, provavelmente em decorrência da má-absorção.
mucosite, a qual predispõe à obstrução dos As infecções virais podem ter curso
óstios dos seios. mais grave ou ser recorrentes em crianças
As infecções oportunistas na criança infectadas pelo HIV. Os vírus do grupo herpes
costumam ocorrer nos estágios avançados da (CMV, varicela-zóster, herpes simples e Epstein
doença; mais raramente, a doença pode Barr) são freqüentes e podem causar desde
iniciar-se subitamente com uma infecção lesões em pele e mucosas, até doença pulmonar,
oportunista. A pneumonia por P neumocystis ocular, de trato gastrintestinal e de sistema
carinii ( agora chamado P neumocystis jiroveci) nervoso central (SNC). Episódios prolongados e
é a infecção oportunista mais comum; lactentes recorrentes de gengivoestomatite herpética,
e crianças jovens têm maior risco para varicela de evolução prolongada ou crônica,
desenvolver essa complicação, mesmo com CD4 herpes zóster de repetição ou disseminado são
normal, o que justifica a introdução precoce de algumas das doenças virais comuns nessas
profilaxia. crianças. O vírus V-Z (varicela zóster),
particularmente, determina quadros
persistentes ou recorrentes de varicela clássica criptococose são menos freqüentes na criança
ou herpes-zóster. Infecções virais do sistema que no adulto, ocorrendo, em geral, naquelas
respiratório podem determinar quadros graves, que apresentam maior comprometimento
além de predispor às infecções bacterianas. imunológico.
Os fungos são patógenos importantes
nas crianças infectadas pelo HIV. Candidíase Diagnóstico
oral de difícil controle costuma ser a infecção
Recomenda-se a realização do primeiro
fúngica mais precoce e a mais comum. A
teste virológico na primeira visita da criança ao
Candida spp é o agente fúngico mais freqüente,
pediatra capacitado para o atendimento desses
mas outras espécies de Candida estão
pacientes, geralmente entre 6 a 8 semanas após
aumentando, além de Aspergillus, Cryptococcus
o nascimento. Os testes virológicos como PCR
e Histoplasma. Esofagite por Candida ocorre
para as crianças que adquirem a infecção por
mais em crianças maiores e com maior
transmissão vertical apresentam uma
comprometimento da resposta imune;
sensibilidade de aproximadamente 98% por
manifesta-se por dor retroesternal, odinofagia e
volta de 4 semanas de vida.
disfagia.
A criança exposta verticalmente ao HIV
Além das infecções bacterianas e virais
será considerada como provavelmente
do trato respiratório, a pneumonia intersticial
não-infectada, caso apresente dois testes que
linfóide (PIL) tem sido descrita em crianças com
pesquisem antígenos negativos, pelo menos um
Aids. É mais comum em crianças com mais de 1
deles realizado com 4 meses de idade ou mais.
ano de idade e manifesta-se como doença
Caso se obtenha uma avaliação da
pulmonar de evolução crônica, freqüentemente
carga viral de 10.000 cópias/mL ou inferior,
acompanhada de aumento de tecido linfóide em
deve-se repeti-la devido à possibilidade de
outros sítios como linfonodos e parótida.
falso-positiva, ocorrendo, por exemplo, em caso
Taquipnéia, tosse, cianose, dedos em baqueta de
de não-limpeza adequada do aparelho após a
tambor e insuficiência cardíaca direita são
realização de um exame em paciente infectado.
comuns. A etiologia dessa pneumonia não é bem
Esses critérios diagnósticos têm
conhecida, podendo ser conseqüência de
validade caso a criança não esteja sendo
hiper-reatividade imune ou infecção primária
amamentada ao seio. Para as crianças que o
pulmonar pelo próprio HIV, vírus Epstein-Barr
estão, o primeiro teste virológico deve ser
ou ambos.
realizado pelo menos seis semanas ou mais após
A encefalopatia é uma das
a completa interrupção do aleitamento
manifestações mais graves e características da
materno.
infecção pelo HIV na criança. O envolvimento do
Em crianças com idade igual ou
SNC relaciona-se com o estágio da doença, a
superior a 18 meses, o diagnóstico será
idade do início dos sintomas da Aids e sua
confirmado quando uma amostra de soro for
progressão. A introdução de terapia
reativa em dois testes de triagem e um
anti-retroviral potente (HAART) retardou o
confirmatório para pesquisa de anticorpos
aparecimento e diminuiu a prevalência da
anti-HIV.
encefalopatia determinada pelo HIV. Retardo no
A realização de testes sorológicos entre
desenvolvimento, comprometimento cognitivo,
12 e 18 meses de idade tem por objetivo
perda de marcos do desenvolvimento e
confirmar o desaparecimento dos anticorpos
comprometimento motor podem ocorrer. As
maternos transferidos da mãe para o bebê.
infecções oportunistas, como toxoplasmose,
tuberculose, infecção disseminada por
Mycobacterium avium-intracellulare, Quando iniciar o tratamento Anti-retroviral
citomegalovírus ou vírus do herpes simples, O início da terapia anti-retroviral deve
esofagite por Candida, criptosporidiose e ser criterioso e está indicado somente quando o
risco de progressão da doença for significante, OU
embora a definição exata do que seja Critérios laboratoriais: CD4: < 20% ou < 750
significante ainda não esteja completamente céls/mm3 -- tratar
clara. Utilizam-se como parâmetros para o Carga viral: > 250.000 cópias/mm3 -- considerar
início do tratamento principalmente os critérios tratamento
clínicos e imunológicos, já havendo algumas
indicações dos critérios virológicos. Em → 36-59 meses:
qualquer situação, deve-se dispor de pelo menos Critérios Clínicos: Categoria C -- tratar
duas avaliações. OU
A porcentagem de linfócitos T CD4+ e a Critérios laboratoriais: CD4: < 15% ou < 350
carga viral do HIV têm valor preditivo positivo céls/mm3 -- tratar
(VPP) independente para progressão clínica, Carga viral: > 250.000 cópias/mm3 -- considerar
com maior VPP para os linfócitos T CD4+. tratamento
A decisão para o início do tratamento
deve ser discutida com a família e com a → ≤ 5 anos:
criança, caso esta tenha idade para participar Critérios Clínicos: Categoria C -- tratar
da discussão, enfatizando-se sempre a OU
importância da adesão. Para a escolha do Critérios laboratoriais: CD4: < 15% ou < 200
esquema terapêutico, deve-se considerar as céls/mm3 -- tratar
apresentações disponíveis dos medicamentos, a Carga viral: > 250.000 cópias/mm3 -- considerar
palatabilidade, as interações com alimentação e tratamento.
com outros medicamentos, os efeitos adversos,
a presença de comorbidades etc. Os efeitos adversos dos anti-retrovirais
Os grupos de consenso para tratamento podem ser específicos a cada medicamento,
anti-retroviral em pediatria são unânimes em relacionados a algumas classes e decorrentes
concordar com o início do tratamento para as da ação da própria infecção pelo HIV. As
crianças que apresentem manifestações crianças são mais vulneráveis aos efeitos
clínicas e/ou imunológicas graves. metabólicos, devido ao potencial impacto no seu
O Guia de Tratamento Clínico da crescimento.
Infecção pelo HIV em Crianças, do Ministério da Os efeitos adversos mais
Saúde de 2007 estipula os seguintes parâmetros freqüentemente observados incluem
para o início do tratamento: intolerância gastrintestinal com vômitos e
diarréia, anemia, reações cutâneas, toxicidade
→ ≤11 meses: hepática, pancreatite e neuropatia periférica.
Critérios Clínicos: categoria B ( exceto Mais raramente, podem ocorrer toxicidade
Pneumonia Intersticial Linfocitária [LIP], mitocondrial, dislipidemias, lipodistrofia,
plaquetopenia, tuberculose pulmonar, febre acidose lática, osteopenia etc.
persistente, pneumonia - único episódio) ou O manuseio desses efeitos adversos nem
categoria C -- tratar sempre é tarefa fácil, devendo-se analisar
OU cuidadosamente os riscos e os benefícios do
Critérios Laboratoriais: CD4<25% ou <1.500 tratamento e discutir com a família e com o
céls/mm³ -- tratar paciente a melhor decisão a ser tomada.
→ 12-35 meses:
Critérios Clínicos: Categoria B (exceto LIP,
plaquetopenia, tuberculose pulmonar, febre
persistente, pneumonia - único episódio) ou
Categoria C-- tratar