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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Escola de Música
Licenciatura em Música

TALES RAFAEL LIMA DE LUNA

O ENSINO DA FLAUTA DOCE NA PRÁTICA DO ESTÁGIO


SUPERVISIONADO: um relato de experiência

Natal/RN
2016
TALES RAFAEL LIMA DE LUNA

O ENSINO DA FLAUTA DOCE NA PRÁTICA DO ESTÁGIO


SUPERVISIONADO: um relato de experiência

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


à Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, realizado na área de Educação Musical,
como requisito para obtenção do título de
licenciado em Música.

Orientadora:
Prof.ª Esp. Camila Larissa Firmino de Luna

Natal/RN
2016
Catalogação da Publicação na Fonte
Biblioteca Setorial da Escola de Música

L961eLuna, Tales Rafael Lima de.


O ensino da flauta doce na prática do estágio supervisionado: um relato de
experiência/ Tales Rafael Lima de Luna. – Natal, 2016.
47f.: il.; 30 cm.

Orientadora: Camila Larissa Firmino de Luna.

Monografia (graduação) – Escola de Música, Universidade Federal do


Rio Grande do Norte, 2016.

1. Flauta doce - Instrução e estudo -Monografia. 2. Música -


Instrução e estudo-Monografia. 3. Ensino fundamental -
Monografia.I.Luna, Camila Larissa Firmino de. II. Título.

RN/BS/EMUFRN CDU 788.52:37


TALES RAFAEL LIMA DE LUNA

O ENSINO DA FLAUTA DOCE NA PRÁTICA DO ESTÁGIO


SUPERVISIONADO: um relato de experiência

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


à Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, realizado na área de Educação Musical,
como requisito para obtenção do título de
licenciado em Música.

Aprovado em: / /

BANCA EXAMINADORA

PROF.ª ESP. CAMILA LARISSA FIRMINO DE LUNA


UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
ORIENTADORA

PROF.ª MS. HEATHER DEA JENNINGS


UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
MEMBRO DA BANCA

PROF.ª MS. PRISCILA GOMES DE SOUZA


INSTITUTO FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
MEMBRO DA BANCA
Dedico este trabalho inteiramente ao
Senhor Jesus Cristo, merecedor de toda
minha gratidão, que por Sua infinita graça
fez-me alcançar mais esta conquista.
AGRADECIMENTOS

Em especial, à querida professora e prima Camila Luna, minha orientadora


que me conduziu a saberes, antes não idealizados, mas alcançados; perseverando
pacientemente para o êxito deste trabalho.
Aos caros professores do curso de Licenciatura em Música da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) que, ao longo da graduação, contribuíram
para a formação deste trabalho. Ao professor e grande amigo Rodrigo Silva de
Amorim, professor de música da instituição escolhida para o desempenho do estágio
e intermediador do processo de ação-formação que gerou este trabalho.
Minha gratidão também aos responsáveis por meu suporte emocional e
desenvolvimento pessoal: à minha família (pais, irmão, avós e tios). Grato também
aos amigos, que no decorrer dos anos me auxiliaram na realização das atividades
acadêmicas, mas, sobretudo, me incentivando a perseverar nos momentos de
dificuldade.
Por fim, agradeço ao meu Deus por ter me sustentado e dado forças durante
esses 5 anos e meio de graduação, sem Ele a conclusão dessa etapa tão importante
de minha vida não seria possivel. E a todos que fizeram parte do meu
desenvolvimento musical, desde minha infância até o presente momento. Essa
conquista também pertence a cada um de vocês. Obrigado.
“Mestre não é quem sempre ensina,
mas quem de repente aprende”.

Rosa (1994, p. 436)


RESUMO

O presente trabalho apresenta um relato de experiência, a qual foi realizada frente a


uma turma de crianças do 4º ano do Ensino Fundamental I de uma escola da rede
privada de ensino em Natal, durante o primeiro semestre do ano de 2015, como
requisito obrigatório para o cumprimento da disciplina Estágio Supervisionado III.
Tem por objetivo refletir sobre a importância da flauta doce como recurso facilitador
para o desenvolvimento musical dos alunos da escola básica e relatar minha
experiência em sala de aula como professor em formação, fazendo uso desse
instrumento musical. Além disso, apresenta reflexões importantes sobre a atuação
do educador musical em sala de aula perante à obrigatoriedade da música, partindo
da vivência do estágio e da revisão bibliográfica, que tem como foco o ensino de
música na educação básica, as peculiaridades do público referente ao Ensino
Fundamental, e por fim, a ênfase no uso da flauta doce – seu perfil acessível e
didático.

Palavras chave: Educação Musical; Flauta Doce; Estágio Supervisionado; Ensino


Fundamental.
ABSTRACT

This research is a case study carried out with a class of 4th grade students at local
private elementary school in the city of Natal. It was realized during the first semester
of 2015, as a requisite of the Supervised Intern III class. It aims to reflect about the
importance of the recorder as an auxiliary resource to aid in the musical development
of elementary students. I also describe my experience in the classroom as a
professor in training, making use of this musical instrument. I also reflect on
important issues about the role of the music educator in the classroom, faced with
mandatory music classes in the schools. I do this through the experience I gained as
intern, as well as via bibliographical review. The focus in the bibliographical review
was on music teaching at the elementary school level, and finally, with an emphasis
on the use of the recorder with its accessible and didactic profile.

Keywords: Music education, Recorder, Supervised Intern, Elementary School.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CEPE – Clube dos Empregados da Petrobrás


DOU – Diário Oficial da União
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PNE – Plano Nacional de Educação
PPP – Projeto Político Pedagógico
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................. 10

2 O CONTEXTO DO ENSINO FUNDAMENTAL E A MÚSICA COMO


CONTEÚDO OBRIGATÓRIO EM SUA ESTRUTURA CURRICULAR............... 13

2.1 Características e especificidades do Ensino Fundamental..................... 13

2.2 A educação musical no contexto do Ensino Fundamental...................... 15

3 A FLAUTA DOCE NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM


MUSICAL............................................................................................................. 19

3.1 Aspectos históricos da flauta doce............................................................ 19

3.2 A flauta e sua dupla função: aspectos pedagógicos e musicais............ 20

3.3 A flauta doce enquanto ferramenta para a musicalização no ensino


fundamental....................................................................................................... 22

4 RELATO DE EXPERIÊNCIA SOBRE O ENSINO E APRENDIZAGEM DA


FLAUTA DOCE.................................................................................................... 26

4.1 O contexto de ensino.................................................................................. 26

4.2 Aulas............................................................................................................. 28

4.2.1 Aulas observadas........................................................................................ 28

4.2.2 Aulas ministradas........................................................................................ 31

5 COMENTÁRIOS CONCLUSIVOS.................................................................... 35

REFERÊNCIAS................................................................................................ 36

ANEXO A – Ficha de Frequência do Estágio Supervisionado................... 39

ANEXO B – Ficha de Avaliação do Estagiário............................................. 40

ANEXO C – Autorização do Professor Supervisor...................................... 43

APÊNDICE A – Plano de aula......................................................................... 45

APÊNDICE B – Registro fotográfico do momento da regência.................. 47


10

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo geral discutir sobre a relevância da flauta
doce como recurso facilitador do ensino e aprendizagem musical no contexto da
escola básica, através da reflexão sobre as ações e metodologias desenvolvidas
durante a disciplina de Estágio Supervisionado III, do curso de Licenciatura em
Música da UFRN. Estágio esse que teve como finalidade a prática docente em uma
turma de Ensino Fundamental, que na ocasião foi realizado por mim em uma escola1
da rede privada de ensino, na cidade do Natal, Rio Grande do Norte, no período
compreendido entre março a junho de 2015.
A escolha desse tema se deu principalmente pela afinidade com o
instrumento, visto que possuo experência com o mesmo desde o início da minha
trajetória musical, quando aos 12 anos, enquanto aluno do ensino fundamental na
escola Ágape Colégio e Curso, tive o meu primeiro contato com a música através da
flauta doce, chegando a participar de uma pequena orquestra da escola que tinha
como nome Orquestra Filarmônica Juvenil Ágape (OFJA). Posso ressaltar essa
vivência musical como um divisor de águas em minha vida, pois na época possuía
uma dificuldade enorme de concentração, e a música, através da prática com a
flauta doce, me proporcionou uma melhoria considerável nesse aspecto,
possibilitando um melhor rendimento nos estudos de forma significativa. Depois da
flauta doce veio o desejo pela flauta transversal, e em seguida o saxofone, que hoje
é o instrumento com o qual atuo com mais frequência.
Com relação ao Estágio Supervisionado – prática essa que deu origem à
experiência empírica utilizada como base para tal relato de experiência –, posso aqui
considerar de fundamental importância no desenvolvimento da prática docente dos
estudantes dos cursos de licenciaturas, pois favorece, não apenas a compreensão
das teorias estudadas durante a graduação, mas também sua aplicabilidade e a
reflexão sobre a prática que se inicia neste momento, instrumentalizando o professor
em formação para a transformação da sociedade e a contribuição para a construção
da cidadania pelos seus estudantes. Scalabrin (2013) ressalta a importância do
estágio supervisionado dizendo que

1 O nome não será divulgado por determinação do regimento interno da instituição.


11

O estágio supervisionado proporciona ao licenciado o domínio de instrumentos


teóricos e práticos imprescindíveis à execução de suas funções e visa
beneficiar a experiência e promover o desenvolvimento, no campo profissional,
dos conhecimentos teóricos e práticos adquiridos durante o curso nas
instituições de ensino superior, além de favorecer, por meio de diversos
espaços educacionais, a ampliação do universo cultural dos futuros
professores (SCALABRIN, 2013, p 1).

Na Escola de Música da UFRN, especificamente no curso de Licenciatura em


Música, os estágios são divididos em Estágio Supervisionado I, II, III e IV, com uma
área de atuação específica para cada um, direcionados especificamentes à
experiência docente em Educação Infantil, Escola Especializada em Música, Ensino
Fundamental I e II, e Ensino Médio, respectivamente.
Os pontos que abordarei no decorrer da escrita tem como objetivos
específicos refletir sobre as características e especificades do Ensino Fundamental,
analisar o ensino da música como disciplina inserida no currículo da escola básica2,
apresentar a flauta doce enquanto instrumento musical de fácil acesso aos alunos, e
relatar de forma detalhada cada etapa da prática docente durante o Estágio
Supervisionado, assim como ressaltar pontos relevantes para a discussão da
temática central aqui levantada. Tendo como base os documentos oficiais,
legislação, e o diálogo com outros autores da área como Cláudia de Oliveira
Fernandes e Carlos da Fonseca Brandão, os quais possuem trabalhos pertinentes
ao tema discutido.
No capítulo a seguir, analisarei o ensino da música como disciplina inserida
no currículo da escola básica, espeficamente no ensino fundamental, seus
conteúdos e orientações metodológicas, bem como o papel e a formação do
professor de Música frente aos desafios enfrentados com esse nível de ensino,
fundamentando-se nos Parâmetros Curriculares Nacioais (PCN) e nas Leis de
Diretrizes e Bases (LDB).
No terceiro capítulo apresentarei a flauta doce enquanto instrumento musical
de fácil acesso aos alunos; sua história, características, variedade de timbres, sons
e suas diversas possibilidades metodológicas para o fazer musical em sala de aula.
No quarto capítulo relatarei de forma detalhada cada etapa da prática docente
durante o estágio supervisionado, expondo as características do público e da escola,
e enaltecendo as experiências vivenciadas na prática docente musical em uma
turma do ensino fundamental. Discutirei e apresentarei os desafios enfrentados,

2 Especificamente no Ensino Fundamental.


12

destacando os pontos positivos e negativos, e registrando esse aprendizado para


utilizá-lo como ferramenta para meu crescimento profissional e de outros futuros
professores de musica.
Por fim, discorro algumas palavras sobre o tamanho significado que a
experiência desse estágio me proporcinou como educador musical em formação,
pois pude enfrentar desafios que, através das metodologias utilizadas, pude vencê-
los, alcançando uma prática significativa tanto pra mim, quanto para as crianças
envolvidas.
13

2 O CONTEXTO DO ENSINO FUNDAMENTAL E A MÚSICA COMO


CONTEÚDO OBRIGATÓRIO EM SUA ESTRUTURA CURRICULAR

2.1 Características e especificidades do Ensino Fundamental

A legislação educacional brasileira define o ensino fundamental com duração


de nove anos em sua totalidade, de frequência obrigatória e ofertado gratuitamente
nas instituições públicas de ensino, como está descrito no Art. 32 da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº. 9394/96). Por meio da Lei nº.
11.274/06 houve uma reformulação no sistema educacional brasileiro, tendo como
principais mudanças o acréscimo de um ano no Ensino Fundamental – o qual era
constituído de oito anos, anteriormente – e o ingresso obrigatório na educação
básica a partir dos seis anos de idade – tal obrigação se dava apenas a partir dos
sete anos. Conforme o Plano Nacional de Educação (PNE), a determinação legal de
implantar o Ensino Fundamental de nove anos através da inclusão das crianças de
seis anos de idade nesse contexto, tem como intenção oferecer maiores
oportunidades de aprendizagem no período da escolarização obrigatória e assegurar
que as crianças alcancem maior nível de escolaridade, prosseguindo nos estudos.
Com relação à organização, cada um dos nove anos possui 200 dias letivos
distribuídos em 40 semanas anuais. Porém, a LDB defende que o ensino
fundamental deve se organizar em concordância com a flexibilidade, deixando a
cargo dos diversos sistemas de ensino, incluindo as redes municipais, estaduais e
particulares, a opção pelas diversas formas de organização.

A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos


semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-
seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por
forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de
aprendizagem assim o recomendar (BRASIL, 1996, p. 1).

Além disso, o ensino fundamental é subdividido em dois níveis: Ensino


Fundamental I (1º ao 5º ano) e Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano), onde os cinco
anos iniciais são unidocentes, com um mesmo professor desenvolvendo os
conteúdos referentes às diversas disciplinas pertencentes ao currículo, e a partir do
6º ano o trabalho é desenvolvido por professores especialistas das diferentes áreas
de ensino.
14

Quanto ao objetivo geral desse contexto, a legislação define que o ensino


fundamental enfoca a formação básica do cidadão, mediante o desenvolvimento da
capacidade de aprendizagem, tendo em vista a obtenção de conhecimentos e
habilidades para a construção de atitudes e valores intrínsecos à conduta de um
indivíduo. Segundo Brandão (2004),

A compreensão por parte do aluno, dos ambientes natural e social, do


sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se
fundamenta a sociedade também deve se constituir em objetivos a serem
atingidos pelo ensino fundamental na sua tarefa de formar o cidadão. Nessa
mesma linha de argumentação, o desenvolvimento da capacidade de
aprendizagem, objetivando a aquisição de conhecimentos e habilidades e a
formação de atitudes e valores, também se constitui em função a ser
desempenhada pelo Ensino Fundamental no sentido de formar o cidadão (o
aluno) (BRANDÃO, 2004, p 57).

Dentre os seus objetivos específicos, além dos já citados por Brandão (2004)
podemos destacar o aprimoramento da capacidade de aprender, tendo como meios
básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo, e o fortalecimento dos
vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em
que se assenta a vida social (LDB 9394/96, Art. 32). Nesse contexto, é necessário
que o currículo seja favorável para que o aluno tenha total domínio das diferentes
linguagens (verbal, matemática, gráfica, plástica e corporal), para produzir,
expressar e comunicar suas idéias, saber utilizar diferentes fontes de informação e
recursos tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos. Sobre currículo,
Saviani (2000) argumenta que

Currículo é entendido comumente como a relação das disciplinas que


compõem um curso ou a relação dos assuntos que constituem uma
disciplina, no que ele coincide com o termo programa. Entretanto, no âmbito
dos especialistas nessa matéria tem prevalecido a tendência a se
considerar o currículo como sendo o conjunto das atividades (incluído o
material físico e humano a elas destinado) que se cumprem com vistas a
determinado fim. Este pode ser considerado o conceito ampliado de
currículo, pois, no que toca à escola, abrange todos os elementos a ela
relacionados. Poderíamos dizer que, assim como o método procura
responder à pergunta: como se deve fazer para atingir determinado objetivo,
o currículo procura responder à pergunta: o que se deve fazer para atingir
determinado objetivo? Diz respeito, pois, ao conteúdo da educação e sua
distribuição no tempo e espaço que lhes são destinados (SAVIANI, 2000,
p.33).

Nesse contexto, o ensino fundamental integra-se a uma base nacional comum


que, de acordo com a LDB, deve ser adotada por todos os sistemas de ensino,
15

contendo uma parte diversificada que contemple características regionais e locais,


relacionando-se à sociedade, cultura, economia e clientela. Segundo a legislação, os
conteúdos curriculares a serem desenvolvidos nos nove anos do ensino fundamental
devem ter como princípio a disseminação de valores indispensáveis ao interesse
social, aos direitos e deveres dos cidadãos, considerando as condições de
escolaridade dos alunos em cada estabelecimento.

2.2 A educação musical no contexto do Ensino Fundamental

Ao longo dos anos o ensino de arte tem enfrentado alguns desafios, dentre
eles, tornar-se uma disciplina reconhecida por alunos e professores dos outros
componentes curriculares, já que a mesma recebe, ainda, o estigma de apêndice
para as outras disciplinas na Educação Básica. Os documentos oficiais apontam a
arte como área de conhecimento, assim como as demais áreas do currículo escolar,
e nos esclarecem que aprender Arte envolve apreciar e situar a produção social de
várias épocas e culturas, além de desenvolver atividades artísticas no contexto
escolar e a educação estética do indivíduo.
Segundo Duarte Júnior (1991) o ensino das artes possibilita que o indivíduo
reconheça e eduque o seu próprio processo de sentir, que fora perdido numa
concepção de mundo onde a “primazia da razão”, a “primazia do trabalho” e “a
natureza infinita” orientam o comportamento e pensamento do mundo ocidental
(DUARTE JUNIOR, 1991, p. 63-77). Observando por esse prisma, o ensino das
artes contribuiria para que houvesse o resgate da capacidade do homem de criar um
sentido pessoal que oriente sua ação no mundo, como podemos observar em suas
palavras:

Encontrando nas formas artísticas Simbolizações para os seus sentimentos,


os indivíduos ampliam o seu conhecimento de si próprios através da
descoberta dos padrões e da natureza de seu sentir. Por outro lado, a arte
não possibilita apenas um meio de acesso ao mundo dos sentimentos, mas
também o seu desenvolvimento, a sua educação. Como, então, podem ser
educados e desenvolvidos os sentimentos? Da mesma forma que o
pensamento lógico, racional, se aprimora com a utilização constante de
símbolos lógicos (linguísticos, matemáticos, etc.), os sentimentos se refinam
pela convivência com os Símbolos da arte. [...] Conhecer as próprias
emoções e ver nelas os fundamentos de nosso próprio “eu” é a tarefa
básica que toda escola deveria propor […] (DUARTE JUNIOR, 1991, p. 66-
67).
16

No âmbito das Artes encontramos a música, que durante muito tempo esteve
associada ao contexto escolar apenas como um aspecto cultural das regiões do
país, sendo utilizada como práticas de recreação e interação entre crianças e
adultos. Tal fato se deve principalmente pelo reconhecimento “tardio“ da música
como disciplinia a ser explorada na escola regular, em virtude de uma tradição
erraigada ao longo do tempo, onde se privilegia disciplinas como português,
matemática, historia, geografia, etc, sob a justificativa muitas vezes de que são
disciplinas cobradas no ingresso ao ensino superior, e por isso devem ser tratadas
com maior prioridade. Segundo Loureiro (2001)

Entendemos que o ensino das Artes, e da Música, em especial, deve ser


considerado na educação escolar da mesma forma que outras áreas do
conhecimento como a Matemática, a Língua Portuguesa, a História, etc.
Porém, por oferecer uma forma de conhecimento específico, deve ser
encarado de modo organizado, coerente, que o situa entre vivência,
expressão e compreensão. (LOUREIRO, 2001, p. 139-140)

É bem verdade que a música está presente nas práticas habituais no dia a dia
dos alunos, visto que, atividades musicais que envolvam dançar, cantar, movimentar
e improvisar são ações frequentes no cotidiano das crianças e jovens, seja em um
ambiente familiar ou fora dele. Porém, elas podem e devem ser inseridas de forma
organizada, sistematizada e contextualizada no processo de ensino e aprendizagem
do aluno em sua educação básica, pois são demonstrações de grande valor e
dignas de ser consideradas fundamentais na formação cultural e educativa dos
alunos, e dessa maneira, com reais possibilidades de estabelecer uma tendência
fundamental do ensino de forma que se iguale às demais disciplinas do currículo
escolar. Além disso Couto (2009) expõe que “a inexistência de uma tradição em se
ensinar música na escola regular no Brasil pode levar a diferentes ideias da
sociedade a respeito dos conteúdos, objetivos e funções dessa disciplina” (p. 111).
Nesse contexto, segundo a interpretaçao de Latour (1994), pode-se afirmar
que a arte, em particular, a música, tem perseguido um conhecimento utilitarista, a
técnica pela técnica, se afastando aos poucos de suas qualidades mais essenciais:
audácia, criatividade, relação mais afinada com a natureza, incerteza e ousadia.
Por isso, reitera-se a necessidade de problematizar o papel das instituições
educacionais, pois estas não devem permanecer como fábricas de técnicos que se
inserem no mundo da repetição mecânica, reproduzido por Charles Chaplin no filme
17

“Tempos Modernos”. A educação deve ser uma escola da vida, o lugar do


aprendizado da condição humana, na qual se aprende as diversas formas de ver e
atuar no mundo.
Apesar de toda essa discussão que também emerge nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), estamos vivendo uma transição, e por que não dizer
um grande progresso “semi conquistado”? Levanto essa questão baseando-me na
mudança que ocorreu na LDB, com a aprovação da Lei 11.769, publicada no Diário
Oficial da União (D.O.U.) em 19 de agosto de 2008, que institui a obrigatoriedade do
ensino de música nas escolas brasileiras. Com essa lei, a música passa a ser um
conteúdo obrigatório – mas não exclusivo – dentro do componente curricular Arte. O
objetivo não é formar músicos, mas desenvolver a criatividade, a sensibilidade e a
integração dos alunos, possuindo como professional responsável o professor com
formação específica em música. Além disso, cada escola tem autonomia para
decidir como incluir esse conteúdo de acordo com seu projeto politico pedagógico.
Vivendo então essa nova realidade que emerge cada dia mais no campo das
escolas de educação básica, a música gradativamente tem ganhado espaço no
currículo do ensino regular e obrigatório. Enquanto componente escolar, a música
atrelada à arte possibilita o estudo de saberes presentes na cultura e articulados
pela linguagem verbal e não verbal, tendo como objeto específico o conhecimento
estético. Entre os principais pontos positivos do ensino musical está a aceitação da
diversidade, sugerindo a utilização da música de forma indiscriminada, a
contextualização das aulas de música com a realidade da escola, o incentivo da
música e dos produtos culturais locais, e a consideração dos elementos
pertencentes ao cotidiano dos alunos. Segundo os PCN

Qualquer proposta de ensino que considere essa diversidade precisa abrir


espaço para o aluno trazer música para a sala de aula, acolhendo-a,
contextualizando-a e oferecendo acesso a obras que possam ser
significativas para o seu desenvolvimento pessoal em atividades de
apreciação e produção. A diversidade permite ao aluno a construção de
hipóteses sobre o lugar de cada obra no patrimônio musical da humanidade,
aprimorando sua condição de avaliar a qualidade das próprias produções e
as dos outros. (BRASIL, Artes/Música, 1997, p 53)

Composição, improvisação e interpretação são produtos da música, segundo


os PCN. Portanto, para que a aprendizagem musical seja fundamental na formação
de cidadãos, é necessário que a participação seja coletiva, de forma que todos
18

tenham a oportunidade de participar ativamente como ouvintes, intérpretes,


compositores e improvisadores, dentro e fora do ambiente escolar. Promovendo
encontros e interações com os grupos musicais e artísticos das localidades, a escola
pode contribuir para que os alunos se tornem ouvintes sensíveis, amadores
talentosos ou músicos profissionais. Essa prática pode proporcionar condições para
uma apreciação rica e ampla onde o aluno aprenda a valorizar os momentos
importantes em que a música se inscreve no tempo e na história.
Além disso, Loureiro (2001) em seu trabalho levanta a questão da música
como elemento funcional do desenvolvimento humano, atrelando-se e entrando em
acordo com os objetivos gerais do PCN para o ensino fundamental.

Consideramos a importância da educação musical na sociedade


contemporânea justificada pela função de promover o desenvolvimento do
ser humano, não através do adestramento e da alienação, mas através da
conscientização da interdependência entre o corpo e a mente, entre a razão
e a sensibilidade, entre a ciência e a estética. É o caso de abrirmos espaço
para a liberdade da criação e a recriação do discurso musical, por meio da
ação própria do sujeito sobre o material sonoro. (LOUREIRO, 2001, p. 138-
139)

Sob esta perspectiva e com a finalidade de alcançar o principal objetivo para


o ensino fundamental – aprender as diversas formas de ver e atuar no mundo –, a
Educação Musical se apresenta como a área que oportuniza ao indivíduo o acesso à
música enquanto arte, linguagem, conhecimento e elemento para a formação
humana.
19

3 A FLAUTA DOCE NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM


MUSICAL

3.1 Aspectos históricos da flauta doce

Segundo o The New Grove Dictionary Of Music & Musicians (1980), a flauta
doce provavelmente teve sua origem como instrumento artistico na Itália, durante o
século XIV, com o primeiro método publicado em Veneza3. Hunt (1977) nos traz uma
informação relevante sobre o surgimento desse instrumento: “Uma coisa é certa, a
flauta doce não foi criada de repente, mas desenvolvida gradualmente a partir de
instrumentos folclóricos da família dos sopros” (p. 7). Então, no século XV a flauta se
desenvolveu e passou a ser chamada como a “flauta da renascença” que alcançou
seu apogeu em meados do século XVI. Durante o século XVII, ganhou destaque se
apresentando em forma de solos, duos, concertos virtuosísticos, sonatas e trio
sonatas com oboé, violino, traverso, viola, viola da gamba e fagote.
Antes era composta de uma ou duas partes, quando na segunda metade do
século XVII, a família Hoteterre aperfeiçoou os instrumentos de sopros – oboé, flauta
e flauta doce. A partir daí, ela foi dividida em três partes e recebeu furos duplos nos
dois últimos orifícios. Segundo Hunt (1977), as mudanças de Hoteterre permitiram
uma padronização da construção da flauta doce, e foi então que no período barroco
grandes músicos passaram a compor obras especialmente para serem executadas
nesse instrumento.
Com o nascimento da orquestra clássica, os compositores começaram a
procurar instrumentos com maiores recursos dinâmicos, e assim começou o declínio
da flauta doce perante à transversa. Por volta de 1750, a flauta doce praticamente
desapareceu do repertório dos compositores (HUNT, 1977, p. 57). Somente no final
do século XIX que alguns músicos começaram a ter contato com esse instrumento
novamente, através de pesquisa de músicas antigas e literaturas musicais existentes
em museus. Lander (2000) nos afirma que o ressurgimento da flauta doce
aconteceu no fim do século XIX, quando foram reunidas coleções de instrumentos
musicais antigos de grandes museus, e através do interesse crescente na música
pré-clássica, ajudando a produzir um clima no qual a flauta doce pôde florescer

3
Em 1535.
20

novamente.
Entre os envolvidos no ressurgimento da flauta doce destacou-se o inglês
Arnold Dolmetsch (1858-1940), que concluiu que a flauta doce só renasceria se sua
reconstrução recebesse o mesmo tratamento dos demais instrumentos. O fruto de
suas pesquisas lhe permitiu construir um quarteto de flautas e tocá-las com sua
família em um concerto histórico no Festival Haslemere, em 1926. Essas flautas
feitas por Arnold Dolmetsch, foram copiadas e produzidas em série na Alemanha,
onde se tornaram muito populares.
Em 1935, Edgar Hunt introduziu o ensino de flauta doce nas escolas
primárias inglesas, possibilitando o ressurgimento gradual desse instrumento e
provocando novamente o interesse dos compositores, que voltaram a escrever
especificamente para a flauta doce. Com o aumento do número de grandes
intérpretes, a flauta se tornou um instrumento de pesquisa e técnicas alternativas de
execução. Hoje em dia ela possui um som mais suave do que as flautas do século
XVIII, e também temos a produção em série de flautas de resina a partir de cópias
de originais como, por exemplo, as japonesas Yamaha, Aulus e Zen-on, além de
uma série de edições modernas e antigas, e manuscritos editados na Europa. Os
tipos atuais de Flauta Doce são os seguintes: fife, sopranino, soprano, contralto,
tenor, baixo e grande baixo.

3.2 A flauta e sua dupla função: aspectos pedagógicos e musicais

Com base nessa análise histórica, é possível perceber que, com o decorrer
dos anos, a flauta doce passou a desempenhar duas funções no âmbito da música,
dividindo-se entre a característica artistica, na qual se dá a sua função original, e o
aparecimento da sua segunda função no campo da educação, como instrumento de
iniciação musical a partir do século XX. Devido ao seu baixo custo e sua fácil e
rápida emissão sonora, esse instrumento é frequentemente considerado como um
recurso facilitador para a iniciação musical. Porém, na maioria das escolas, a flauta
doce não é apresentada como um instrumento artístico, de forma que, geralmente,
os alunos não sentem vontade de continuar se dedicando ao seu estudo.
É bem verdade que vários fatores contribuíram para que a flauta doce não
tivesse hoje o reconhecimento que merece, enquanto instrumento musical. O fato de
ser um instrumento de fácil acesso, de mecanismo simples e costumeiramente
21

utilizado por crianças, evidenciam a opinião de que tocar flauta doce é algo
relativamente fácil. No entanto, é necessário reconhecer que o estudo aprofundado
desse instrumento envolve técnicas mais rebuscadas, e assim como qualquer outro,
possui suas dificuldades específicas que exigem um estudo mais intenso. Inclusive,
hoje podemos encontrar cursos técnicos profissionalizantes específicos em flauta
doce, como é o caso do curso existente na própria UFRN.
Baseado em sua experiência, para que haja um aprendizado de qualidade da
flauta doce, Santos (2012) recomenda que

É importante que os alunos tenham contato com instrumentos de qualidade,


com profissionais que estejam atuando e trabalhando para que a flauta doce
continue sendo um instrumento de excelência. Escutar gravações, assistir a
vídeos, manipular flautas de diferentes tamanhos e receber visitas valorizam
o trabalho e fortalecem o desenvolvimento musical, aguçando o senso
crítico dos alunos. Dessa forma, eles saberão que aprender a tocar flauta
doce não é simplesmente ‘um primeiro degrau’ para o instrumento que
pretendem tocar futuramente e sim uma aprendizagem que prepara o
caminho para uma excelência musical em performance! (SANTOS, 2012, p.
38)

Na música conteporânea já é possível a utilização de outros recursos para a


interpretação, como o vibrato de sopro, o uso de frulato, efeitos com voz e
percussão de língua. Santos (2012), a respeito da técnica da flauta aliada à
educação musical, afirma que

A técnica da flauta doce implica o desenvolvimento de três habilidades


diferenciadas. A primeira é a habilidade de coordenação dos dedos
(dedilhado); esta é de todas a mais fácil de aprender e ensinar. As outras
duas, a habilidade de controlar o ar-sopro e a da articulação (da língua), são
mais complicadas de ensinar e aprender, uma vez que são invisíveis. O
trabalho de conhecer o bocal e fazer com que a lingua obedeça aos
movimentos necessários para uma boa articulação pode ser realizado de
forma lúdica e prazerosa, utilizando-se a própria flauta ou objetos e
materiais alternativos e criativos. A articulação inicial é o trabalho com a
sílaba “TU” staccato e, no decorrer do processo, outras articulações vão
sendo aprendidas por meio de experimentações, estudos e comparações
(SANTOS, 2012, p. 39).

Tendo como base nesses aspectos levantados, percebe-se a necessidade


que emerge dentro da Educação Musical de uma abordagem ampla e engajada
sobre a capacidade da flauta doce como instrumento musical, conectando seus
valores didáticos e artísticos, e potencializando seu estudo dentro das universidades
de música.
22

3.3 A flauta doce enquanto ferramenta para a musicalização no ensino


fundamental

A discussão sobre a importância da flauta doce na educação básica


configura-se um tema de extrema relevância nesse atual contexto, onde a música é
considerada como conteúdo obrigatório no currículo escolar. Atualmente, a flauta
doce é um dos instrumentos que mais tem sido utilizado para facilitar a implantação
da Lei n.º 11.769/08, visando o alcance do público em questão e tendo como
objetivo oferecer aos alunos uma experiência positiva e relevante de aprendizagem
musical. Tal instrumento pode promover a prática musical por meio de atividades de
composição, execução e apreciação, proporcionando o desenvolvimento criativo em
um processo contínuo de aprendizagem do instrumento, e ainda possibilita a
compreensão e vivência dos parâmetros do som (timbre, intensidade, altura e
duração) e dos princípios básicos de leitura e escrita musical convencional e não
convencional.
No entanto, faz-se necessário refletir a respeito de um dos maiores desafios
enfrentados pelos professores hoje na maioria das escolas: a falta de estrutura.
Dificilmente existem salas específicas para as aulas de música, com estantes e
condições acústicas para a execução do instrumento. Essa deficiência frenquente
em nossa realidade prejudica a iniciação musical dos alunos, visto que, devido à
falta de estrutura, eles acabam tocando com os cotovelos apoiados nas mesas,
muitas vezes com a postura inadequada e com a flauta na posição horizontal.
Porém, apesar dos desafios a serem enfrentados, é importante reconhecer que a
utilização da flauta doce como ferramenta de trabalho foi um divisor de águas para a
musicalização, sendo bastante eficiente quando bem manipulada pelo professor.
Segundo Paoliello (2007)

A utilização da flauta doce nas aulas de iniciação musical pode ser muito
eficiente quando bem orientada, por proporcionar uma experiência com um
instrumento melódico, contato com a leitura musical, estimular a criatividade
– com atividades de criação – além de auxiliar o desenvolvimento
psicomotor das crianças e trabalhar a lateralidade (com o uso da mão
esquerda e da mão direita). Possibilita ainda a criação de conjuntos,
ajudando a despertar e desenvolver a musicalidade infantil e o gosto pela
música, melhorando a capacidade de memorização e atenção e exercitando
o físico, o racional e o emocional das crianças (PAOLIELLO, 2007, p. 32).
23

Por isso, a utilização desse instrumento em sala se torna relevante,


principalmente por se tratar de um instrumento melódico de fácil acesso que
possibilita aos alunos a aprendizagem de um instrumento musical, geralmente
através de um repertório popular, utilizando cantigas conhecidas. Segundo Marques
(2012), é possível oferecer conhecimentos básicos de música através do ensino da
flauta doce por meio de aulas coletivas e audições musicais, bem como a aplicação
de técnicas, favorecendo o domínio desse instrumento.
Um dos argumentos que incentivaram a discussão sobre a volta da educação
musical às escolas foi a sua importância no contexto pedagógico. Há muito tempo
educadores musicais e pesquisadores discorrem sobre a relevância da educação
musical na educação básica. Entre o que se sabe pode-se destacar que a presença
das disciplinas artísticas no currículo escolar justifica-se tanto para uma dimensão
da cultura, como uma dimensão da estrutura psíquica do indivíduo. Sendo assim, o
significado social da experiência artística na escola vai além da dimensão sensorial
e motora, há de se garantir uma experiência vivida. Além disso, a música
desempenha um papel significativo, tanto pessoal, individual, quanto social.

O desenvolvimento humano não se faz apenas cultural, social e


intelectualmente e sim, por meio da emotividade, a sensibilidade, a
capacidade de improvisação e da criatividade. A música possibilita uma
experiência humana que propicia a educação e o desenvolvimento global da
criança, do jovem e do adulto. A música, assim, é uma forma de representar
o mundo, de relacionar-se com ele, de fazer compreender a imensa
diversidade musical existente, que, de uma forma direta ou indireta, interfere
na vida da humanidade (PARANÁ, 2009, p. 75).

Tendo em vista esses aspectos, a prática de conjunto utilizando a flauta doce


pode proporcionar aos alunos uma experiência estética e artística siginificativa,
ocasionando uma sensação de prazer pelo produto musical que é produzido,
contando com um aperfeiçoamento gradativo da qualidade da emissão sonora à
medida que o senso crítico do aluno sobre sua própria prática vai sendo aguçado.
A proposta de musicalização através da flauta doce surgiu no intuito de se
realizar uma experiência de educação musical onde os alunos pudessem ser
inseridos em um contexto musical interessante e atrativo, no qual, além de tocar,
eles pudessem produzir, interpretar, entender e ouvir música. Segundo Beineke,
apud Wiese
24

[...] o ensino de flauta doce na escola regular baseada nos princípios de


educação musical contemporânea, fundamentados em Swanwick, propõe
diretrizes para o ensino de instrumento nesse contexto, esclarecendo que o
que diferencia o trabalho com a flauta doce na escola é que a aula de
música é o centro da proposta, um conceito mais amplo que o de ‘aula de
flauta’. Assim, a autora discute algumas diretrizes para o ensino deste
instrumento que são: a valorização das práticas musicais dos alunos e da
fluência musical, a visão de criatividade perante as práticas musicais, a
realidade do aluno em relação à motivação para aprender, o compromisso
com a diversidade e dinâmicas de grupo na sala de aula (BEINEKE apud
WIESE, 2010, p.55).

O grande desafio de se ministrar aulas de musicalização com flauta no ensino


fundamental é conseguir ter domínio da turma, visto que muitas vezes é necessário
desempenhar o trabalho com um grupo grande de crianças, o que exige do
educador um grande esforço, como também, organização e disciplina tanto por parte
dele, como dos alunos, para que assim as aulas aconteçam de um modo que todos
tenham seus objetivos alcançados. No entanto, “a flauta doce é um instrumento que
tem uma vocação natural para a musicalização. Seu som é suave e de fácil emissão.
A digitação segue uma lógica simples e natural proporcionando resultado
consistente num curto período” (MARQUES, 2012, p.2), o que, de certa forma,
facilita o trabalho do professor, pois esse resultado rápido acaba gerando na maioria
dos alunos uma maior motivação, fazendo com que eles sintam-se instigados pela
descoberta de um novo fazer musical.
Talvez a flauta doce seja o instrumento de iniciação musical mais adequado
em se tratando de prática instrumental. É possível se trabalhar melodia, ritmo, leitura
musical, criatividade e formação de grupos. Segundo Joly (1997), “o trabalho em
grupo auxilia o desenvolvimento da personalidade, o respeito com o próximo, o
desenvolvimento da organização, disciplina, pontualidade, sensibilidade e
criatividade” (Joly, 1997, p. 10). Contudo, é importante que tenhamos professores
engajados à questão, empenhados na busca de materiais técnicos e informações
pertinentes ao ensino nas escolas.
Partindo desses pontos que foram levantados até então, reflito a seguir sobre
a minha prática de ensino musical utilizando a flauta doce como recurso facilitador
para uma aprendizagem eficaz e significativa, durante o periodo em que cumpri a
atividade de Estágio Supervisionado. De acordo com Pimenta e Lima (2004), “a
aplicação teórica e prática, são objetivos do estágio”, e sabe-se que teoria e pratica
não podem ser separadas. Portanto, essa experiência me permitiu integrar aspectos
teóricos e pedagógicos vistos no contexto acadêmico da universidade à minha
25

prática como instrumentista, tendo a flauta doce como meu instrumento inicial.
Sabendo dos aspectos positivos dessa prática, investi nesse recurso didático afim
de obter resultados positivos. Tal experiência relatarei a seguir.
26

4 RELATO DE EXPERIÊNCIA SOBRE O ENSINO E APRENDIZAGEM


DA FLAUTA DOCE

4.1 O contexto de ensino

A instituição4 escolhida para o desenvolvimento do estágio é uma escola


pertencente à rede privada de ensino, a qual foi fundada em 1995 e fica situada no
Conjunto Pirangi, Neópolis, Natal/RN. O local é de fácil acesso, com ruas calçadas e
passagem de transporte público a menos de cinquenta metros. O conjunto Pirangi
tem moradores de classe social média e baixa, porém, a clientela da escola
caracteriza-se por alunos de classe média, os quais têm condições sócio-
econômicas de arcar com a devida mensalidade.

Atualmente a escola oferece a educação infantil e o Ensino Fundamental,


atendendo uma clientela de 200 alunos matriculados e distribuídos nos dois
turnos de funcionamento: matutino e vespertino, oferecendo também o
tempo integral, de livre escolha para os pais. Essa clientela é composta em
sua maioria por crianças na faixa estaria de 01 a 10 anos (Projeto Político
5
Pedagógico , 2008, p. 4)

O prédio possui 3 (três) andares, os quais são divididos em 4 (quatro) salas


destinadas ao Ensino Fundamental, 6 (seis) salas para a Educação Infantil, 1 (uma)
sala para os professores, 1 (uma) recepção, 1 (uma) secretaria, 1 (uma) sala de
direção, 1 (uma) brinquedoteca, 1 (uma) sala de leitura, 1 (uma) sala de estimulação
psicomotora, 1 (uma) cozinha, 1 (um) refeitório, 1 (um) parque e 1 (um) pátio/salão
para recreação. Além disso, 1 (uma) quadra e 1 (uma) piscina para atividades
esportivas como, educação física, karatê, ballet e natação.
A escola tem ao todo 17 (dezessete) professores em seu corpo docente, nos
quais 11 (onze) são graduados em Pedagogia – com especializações diversas na
grande maioria –, 1 (um) professor de karatê, 1 (um) professor de educação física, 1
(um) professor de natação, 1 (uma) professora de ballet e 2 (dois) professores de
música, sendo 1 (um) formado pelo curso de licenciatura em música da UFRN, e o
outro em processo de conclusão desse mesmo curso. Esses 17 (dezessete)
professores são assessorados por uma equipe técnica de 2 (duas) secretárias na

4
Reitero aqui que a escola não permitiu sua identificação neste trabalho.
5
O Projeto Político Pedagógico (PPP) foi disponibilizado pela direção da instituição, afim de colaborar
com este trabalho.
27

parte administrativa, 2 (duas) na gestão da escola, 1 (uma) psicóloga, 1 (uma)


coordenadora, 1 (uma) cozinheira e 3 (três) pessoas na assistência dos serviços
gerais, totalizando 27 (vinte e sete) profissionais que atuam diretamente ou
indiretamente da educação dos alunos com idade de 1 a 10 anos, os quais fazem
parte do Ensino Infantil e Fundamental. O índice de evasão e repetência desses
alunos é irrisório e insignificativo.
Os 2 (dois) turnos de funcionamento correspondem à manhã (das 7h00min às
11h00min) e à tarde (das 13h00min às 17h00min), nos Níveis I, II, III, IV e V da
Educação Infantil, e 1º, 2º, 3º e 4º ano do Ensino Fundamental. Cada turma tem uma
média de 20 (vinte) alunos, totalizando 200 (duzentos) alunos no período da manhã,
e 180 (cento e oitenta) no período da tarde. Por turno, há uma turma para cada
nível, com exceção do 3º ano do Ensino Fundamental que tem duas séries no turno
da manhã.
Segundo o Projeto Político Pedagógico da escola, o currículo

é norteado de acordo com a nova concepção de educação, tendo em vista a


importância do papel do professor ao exercer sua tarefa docente, enquanto
agente mediador do conhecimento em relação ao aluno procurando
reconhece-lo como ser essencial do ensino aprendizagem (Projeto Político
Pedagógico, 2008, p. 11).

Em relação à estrutura curricular, o PPP da escola afirma o seguinte:

Na constituição desta proposta curricular, tomamos como referência às


orientações, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, as
orientações para inclusão das crianças de seis anos de idade e os
Parâmetros Curriculares Nacionais do Ministério da Educação. Daí
delimitamos os conteúdos para cada área de conhecimento a ser trabalhada
na educação infantil e nos primeiros anos do fundamental. Os conteúdos
delimitados garantem o estudo articulado das Ciências Sociais, das
Ciências Naturais, da Noções Lógico- matemáticas e das linguagens
(Projeto Político Pedagógico, 2008, p. 12).

Quanto à dinâmica sócio-cultural da escola, percebi que existiam boas


relações tanto entre professores e coordenação, como entre professores e alunos no
ambiente escolar, essa observação se tornou bastante relevante pra mim, pois
acredito que esse é o primeiro passo para que as aulas se tornem produtivas e
interessantes aos alunos, facilitando assim o desenvolvimento nas atividades e na
construção dos conhecimentos, bem como contribuindo para um bom ambiente de
trabalho.
28

De acordo com as diretrizes da escola, os planejamentos pedagógicos são


realizados quinzenalmente, tendo como base as datas comemorativas da cultura
regional e nacional e o dia a dia dos alunos, visando o aprendizado geral e tendo
como prioridade o desenvolvimento cultural, social, cognitivo e intelectual.
Escolhi essa escola para desepenhar meu estagio principalmente pela
localização; bem próxima a minha casa, e pela afinidade que tenho com os
professores de música da mesma. Além disso, já conhecia a dinâmica e
funcionamento das aulas de música, pois já havia lecionado la há alguns meses
atrás.

4.2 Aulas

O estágio supervisionado teve como orientadora a professora Ms. Catarina


Aracelle Porto do Nascimento6, que nos disponibilizou um modelo de cronograma de
estágio o qual preencheríamos e administraríamos conforme a nossa realidade na
escola, tendo como meta o cumprimento de 4 (quatro) aulas observadas e 6 (seis)
aulas ministradas, totalizando 10 encontros. Não foi possível cumprir o cronograma
de observações integralmente em virtude de algumas intempéries que ocorreram
durante esse período; por isso, em acordo com a professora orientadora, decidimos
reduzir o número de observações, levando-me a concluir as regências a tempo de
não comprometer o prazo de entrega do relatório final de estágio, levando-me a
observar apenas 2 (duas) aulas. No entanto, já havia ministrado aulas nessa turma
anteriormente, quando por motivos de trabalho um dos professores precisou de
substituição e solicitou que eu o substitui-se durante dois dias. Portando, as crianças
de certa forma já me conheciam, levando-me a acreditar que mais aulas observadas
não fariam grande diferença para o período de regência.

4.2.1 Aulas observadas

As observações ocorreram na turma do 4º ano no turno matutino, sendo uma


aula por semana – nas segundas-feiras – durante o 4º horário (das 10h15min às
11h00min), sob a supervisão do professor Rodrigo Silva Amorim, concluinte do

6
Estava atuando como professora substituta da UFRN durante o período de realização do estágio.
29

curso de licenciatura em música da UFRN. Foram observadas duas aulas, uma no


dia 13 de abril de 2015 e outra no dia 27 de abril do mesmo ano. Não foi possível
observar a aula no dia 20/04 em virtude do feriado do dia 21/04, no qual a escola
resolveu suspender as aulas devido ao feriado prolongado. Durante as aulas,
percebi uma boa aceitação dos alunos com relação à minha presença na sala, bem
como certa ansiedade por parte de alguns em saber que um novo professor iria
ministrar as aulas de música durante um tempo. Isso gerou, sem dúvida, um
conforto maior quanto ao meu relacionamento com os alunos, me deixando mais a
vontade para desempenhar minha prática docente.
Durante a primeira observação já pude perceber que as atividades propostas
pelo professor de música eram bastante prazerosas para as crianças, pois sempre
proporcionavam ludicidade e possibilitavam processos criativos enriquecedores;
apesar do aspecto lúdico, as brincadeiras, atividades e dinâmicas nunca se
desvinculavam do devido aprendizado. No decorrer da primeira aula, o professor fez
uma breve discussão sobre os instrumentos percussivos, explicando alguns
exemplos desses instrumentos e diferenciando-os dos outros tipos de instrumentos.
Na ocasião o mesmo explicou que podemos, inclusive, fazer música com o nosso
corpo, e em seguida, fez uma roda com os alunos pedindo para eles repetirem
divisões rítmicas que criava, batendo as mãos e os pés, e produzindo sons com a
voz, utilizando as sílabas “Tum-pá Tum tum-pá). Ao encerrar essa atividade, o
professor chamou os alunos individualmente para que eles tocassem uma música na
flauta doce que ele havia passado para casa na aula anterior. Após concluir o
atendimento individual aos alunos, o professor pegou o violão e pediu para que eles
escolhecem uma música que todos pudessem cantar. A grande maioria optou pela
canção “Raridade”, de Anderson Freire, e o professor encerrou a aula com essa
canção.
No decorrer da primeira observação, constatei que o nível musical das
crianças era bastante motivador para o desempenho de um trabalho de
musicalização com a flauta doce, e esse foi um dos motivos que me instigou a dar
continuidade ao trabalho do professor supervisor, enfatizando a prática com esse
instrumento, pois era perceptível que a maioria gostava muito de tocar e se
dedicavam em aprender as notas das canções.
Na segunda aula observada, o professor iniciou com algumas canções de
integração e boas-vindas, e em seguida, trabalhou a escala de Dó maior ascendente
30

e descendente, utilizando a flauta doce. Repetiu esse excercicio inúmeras vezes, até
perceber que todos os alunos estavam conseguindo desempenhá-lo de forma
satisfatória. Em seguida, ensinou um trecho da música “Asa Branca”, do compositor
Luiz Gonzaga, e pediu que as crianças repetissem apenas as duas primeiras frases.
Essa atividade perdurou até o final da aula.
As crianças tinham o auxilio do caderno para ler o nome das notas, pois o
professor havia escrito por extenso no quadro durante a aula anterior. De modo
geral, as crianças tinham prazer em tocar flauta. Era notório o empenho da maioria
para conserguir tocar a música proposta, e por isso, julguei o nível musical da turma
consideralvelmente bom, pois todas conheciam as posições das notas e conseguiam
execultar a escala de Dó maior com facilidade, dentro de uma pulsação estabelecida
pelo professor.
Em relação à disciplina comportamental da turma, o professor exercia certo
domínio sobre os alunos, que em sua grande maioria respeitava e atendia
prontamente os pedidos do professor. Porém, percebia-se que a inquietação das
crianças é o maior desafio do docente, pois existia uma grande vontade de tocar e
cantar por parte dos alunos em momentos não indicados. Contudo, o professor
conseguia controlar essa situação chamando à atenção dos alunos com atividades
práticas, utilizando instrumentos, e realizando conversas informais que
conscientizavam as crianças de que aquele momento era único e especial, e para
que todos pudessem aproveitá-lo, era preciso maior concentração. Os alunos em
grande parte cumpriam as atividades, e a relação entre alunos e professor era
equilibrada o suficiente para que o respeito e a disciplina não fossem
desvalorizados, sendo esse mesmo relacionamento válido para todos os discentes
em relação aos profissionais do âmbito escolar.
Em termos de rendimento, a turma em geral assimilava bem os temas
abordados em sala, e os conteúdos sempre foram trabalhados de forma eficaz
apesar do tempo curto da aula. Exercícios musicais que trabalhavam o próprio corpo
foram muito bem aceitos pelas crianças, pois sentiam e expressavam fisicamente o
que aprendiam. Alguns exemplos são: marchar ao som do tambor, acompanhar o
movimento do som com as mãos, práticas diversas de percussão corporal, entre
outros. Como a maioria das crianças, adoravam aprender canções, principalmente
se estivessem inseridas no contexto social de suas vidas. Havia um diálogo durante
as aulas que tendia a ser instigado pelo professor, já que os alunos, em sua grande
31

parte, encontravam-se tímidos e passivos por diversas vezes. A pergunta era um


recurso que o professor valorizava bastante, fazendo com que a percepção cognitiva
dos alunos se desenvolvesse eficazmente. Em relação ao cronograma executado,
trabalhou-se uma variedade de conteúdos como: elementos fundamentais da
música, canções, percepção, instrumentos musicais, entre outros.
Dentre os desafios enfrentados pelo professor, posso destacar como
principal, o de fazer com que os conteúdos das aulas fossem trabalhados de forma
mais lúdica, espontânea e prazerosa. A abordagem pedagógica tradicional por si só
não se fazia suficiente para o contexto social em que as crianças viviam, de forma
que foi preciso buscar outros elementos que a complementasse, como atividades
ativas que favoreciam a reflexão e a ação, fazendo com que a aula tivesse uma boa
condução, mantendo o interesse contínuo de seus alunos.
Diante dessa primeira experiência com a turma através da observação das
aulas, pude perceber que, antes de dar início ao processo de ensino, um bom
professor deve conquistar à atenção e o respeito do aluno para
que, em seguida, leve para a sala de aula as diferentes metodologias e estratégias
pedagógicas, gerando então um vínculo afetivo e social com sua turma, para depois
produzir frutos de conhecimento em seus alunos. Para isso, o docente deve estar
sempre buscando se aperfeiçoar e adquirir as ferramentas necessárias, utilizando-as
a seu favor dentro de uma sala de aula. Portanto, é interessante que o professor
esteja preparado com diferentes alternativas como atividades, dinâmicas, jogos,
dentre outros, que estejam relacionados com a aula para os momentos inesperados
que venham a surgir e assim o objetivo da aula ser alcançado com êxito.

4.2.2 Aulas ministradas

O momento da atuação pedagógica no estágio supervisionado é algo muito


importante para o professor em formação. Segundo Penna (2011)

[...] é através do modo de ensinar que podemos selecionar e organizar os


conteúdos de acordo com a capacidade cognitiva e os interesses de nossos
alunos, planejar atividades que motivem a turma e, ao mesmo tempo,
permita o desenvolvimento de suas habilidades/capacidades; empregar os
recursos disponíveis, mesmo que limitados, em função do processo
educativo etc. (PENNA, 2001, p. 14).
32

No contexto já apresentado, as aulas foram ministradas nos dias 04, 11, 18 e


25 de Maio e 01 e 08 de Junho de 2015, totalizando assim 6 (seis) aulas
ministradas, tendo como proposta escolhida por mim a vivência musical através da
performance com a flauta doce, onde foram trabalhadas algumas canções com o
tema junino, bem conhecidas no repertório da música popular regional e brasileira.
Essa proposta surgiu a partir da informação de que haveria uma festa junina
programada no calendário escolar para o dia 30 de junho. A partir disso, surgiu a
ideia de trabalhar um repertório que possibilitasse a realização de uma breve
apresentação. Dessa forma, pesquisei juntamente com o professor supervisor três
canções simples, com letras que falassem sobre o São João ou remetessem a
alguns símbolos tradicionais desse período, a saber: “Asa Branca”, de Luis
Gonzaga; “Capelinha de Melão”, de Mario Zane “Cai Cai Balão”, de Assis Valente.
Durante as aulas foram utilizadas basicamente a voz, a flauta doce e o violão
como principais recursos de trabalho. As aulas foram ministradas em um espaço
onde geralmente são realizadas as aulas de ballet e karatê – esse espaço era um
pouco maior que as salas de aula, onde as crianças puderam ficar mais à vontade
para cantar e tocar, sem atrapalhar as outras turmas. A ideia de deslocar os alunos
para o espaço surgiu do professor supervisor. O objetivo principal desse trabalho foi
desenvolver habilidades em um instrumento, bem como despertar o interesse dos
alunos pela prática musical através da performance.
Sabendo que todos os alunos da turma não tinham conhecimento de teoria
musical – portanto, não saberiam ler a partitura convencional –, decidi me adaptar à
realidade deles utilizando como base os aspectos pedagógico-musicais do educador
Edgar Willems, afim de facilitar a aprendizagem e agilizar o processo de assimilação
das músicas trabalhadas. Utilizei como metodologia a escrita do nome das notas das
músicas no quadro, associando-as a gráficos sonoros que serviram como sinais
para facilitar a compreensão sobre a duração de algumas notas. Posteriormente
disponibilizei um tempo para as crianças anotarem as músicas no caderno, afim de
que estudassem em casa e visualizassem melhor durante as aulas.
É bem verdade que essa forma de leitura musical é um tanto limitada, pois
quem lê à primeira vista não consegue identificar a duração precisa de cada nota;
por isso, aliado a essa metodologia de escrita e leitura musical, também utilizei como
procedimento ensinar a letra da canção e cantar com todos antes de tocar na flauta,
ainda aliado à metodologia Willems, onde o mesmo defende que a música precisa
33

ser vivenciada pelo indivíduo antes tocá-la tecnicamente em seu instrumento


(PAREJO, 2011). Também alio essa prática à filosofia do Shinichi Suzuki, outro
grande renomado educador musical da primeira geração de pedagogos, o qual
defende que a audição tem papel fundamental no desenvolvimento musical, pois o
aluno tende a imitar o que ouviu (ILARI, 2011). Percebi que essa metodologia foi
bastante eficaz, pois após cantar a música conseguiram identificar naturalmente a
duração das notas através da assimilação com a letra que havíamos cantado
anteriormente. Com essa sistemática consegui ensinar três músicas durante seis
aulas ministradas, utilizando duas aulas para cada música.
A apresentação aconteceu no dia 30 de junho de 2015, no Clube dos
Empregados da Petrobrás (CEPE). Infelizmente nesse dia não pude comparecer por
motivo de trabalho. No entando, o professor Rodrigo me relatou que a apresentação
foi um “sucesso“, pois as crianças apresentaram todas as canções ensaiadas
demasiadamente bem e caracterizadas com roupas juninas. Segundo o professor
supervisor, esse foi um momento ímpar, onde pais e professores participaram
cantando e aplaudindo a apresentação.
O planejamento foi feito em acordo com o professor supervisor, e de certa
forma utilizei basicamente o mesmo modelo de plano de aula7 para todos os
encontros, mudando apenas a música a ser ensaiada, mas fazendo uso da mesma
metodologia já comentada. Acredito que os procedimentos metodológicos utilizados
aliados ao bom comportamento da turma, favoreceram o excelente rendimento dos
alunos – salvo as exceções de dois alunos que nunca levavam a flauta e por isso
tiveram o rendimento afetado, além de muitas vezes atrapalhar o rendimento dos
demais – e o cumprimento do meu planejamento. Com a ajuda do professor
supervisor, consegui conter a turma nos momentos necessários, e realizar minhas
atividades tranquilamente, sem que nada pudesse atrapalhar ou chegar ao ponto de
precisar adverter alguma criança. No geral, a turma se mostrou muito tranquila e
bastante participativa.
Avalio as aulas também de forma positiva, pois além de executar o
planejamento na íntegra, mantive um bom relacionamento com os alunos, de forma
que todos nós ficamos satisfeitos com o trabalho desempenhado, levando a crer que

7
Apêndice A.
34

desenvolvi um bom trabalho enquanto estagiário docente, atingindo as metas


traçadas de forma satisfatória.
Conseguir cumprir todos os objetivos estabelecidos com certeza é bastante
gratificante. No entanto seria injusto não relatar nenhuma falha ou ponto em que
preciso melhorar. Ao refletir sobre minha prática docente, percebi inicialmente que
preciso desenvolver algumas atividades de integração com as crianças ao iniciar as
aulas, pois observei que essa estratégia é favorável para que a participação da
turma seja mais facilitada, e a concentração dos alunos seja melhor explorada.
Penso que toda estratégia que se possa utilizar para deixar a aula ainda mais
dinâmica e atrativa é valida para um melhor rendimento das atividades propostas.
Além disso, acredito que deveria ter realizado alguns exercícios de respiração e
alongamentos antes de começar a performance do instrumento, pois percebi que
alguns alunos se sentavam inadequadamente, com a postura incorreta para tocar,
apesar de em sua maioria articularem bem as notas e memorizarem com certa
facilidade a digitação da flauta, visto que o professor Rodrigo já vinha trabalhando
isso desde o bimestre anterior. Porém, dar uma maior atenção à postura correta
para se tocar seria algo que, além de influenciar a performance, exercitaria a
disciplina das crianças.
35

5 COMENTÁRIOS CONCLUSIVOS

Hodiernamente, mais do que nunca, vejo a importância da prática em sala de


aula no período de estágio, pois a cada dia que passa, a sociedade exige mais de
nós professores em busca de uma educação de qualidade. Sabendo disso, faz-se
necessário que haja, além de uma busca incessante por metodologias que facilitem
o fazer pedagógico musical, uma troca de experiências entre os educadores
musicais em formação, com aqueles que já atuam ativamente no campo.
Este trabalho foi estruturado com base nas experiências vividas durante o
período de estágio, tratando-se de um relato de experiência que foi motivado,
principalmente, pela necessidade eminente de compartilhar essa experiência
pedagógica com outros profissionais da área, na busca de melhores resultados no
ensino da música, onde a flauta doce é usada como instrumento básico. O objetivo
também é de contribuir com os colegas que estão chegando ao mercado de
trabalho, alertando-os para possíveis ocorrências que costumeiramente acontecem
no dia a dia das instituições de ensino. Acredito que podemos, a partir de saberes
vivenciados por cada um de nós, também galgar mais qualidade no ensino de
música na sociedade de modo geral.
Por fim, considero importante sempre questionar minha ação frente à turma
pensando se o que foi planejado vai funcionar e se, de fato, está adequado para
eles, pois a música deve permitir a construção de uma prática pedagógica
diferenciada que prime pela produção do conhecimento e a aquisição de uma
aprendizagem significativa. Para mim, enquanto educador, o estágio foi o
possibilitador de uma rica experiência profissional, pois através dele tive a
oportunidade de colocar em prática tudo aquilo que vivenciei no contexto da
universidade enquanto docente em formação. Encaro o trabalho com a turma de
flauta doce como uma preciosa “bagagem pedagógica”, indispensável para as
próximas oportunidades que o mercado de trabalho tem a me oferecer.
36

REFERÊNCIAS
BRANDÃO, CARLOS DA FONSECA. Estrutura e Funcionamento do Ensino. São
Paulo: Avecamp, 2004

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Nacional. Brasília: MEC, 1996.

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Nome real não divulgado.
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38

ANEXOS
39

ANEXO A – Ficha de frequência do Estágio Supervisionado.


40

ANEXO B – Ficha de avaliação do estagiário.


41
42
43

ANEXO C – Autorização do professor supervisor.


44

APÊNDICES
45

APÊNDICE A – Plano de aula

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE


ESCOLA DE MÚSICA
CURSO DE LICENCIATURA EM MÚSICA
Disciplina: Estágio Supervisionado III – Turma: 4º ano
Orientador (a): Catarina Aracelle

PLANO DE AULA Nº 01

IDENTIFICAÇÃO
Tema: Canção Asa Branca
Duração: 45 min.
Estagiário(s): Tales Rafael Lima de Luna
Escola: Espaço Integrado de Educação (EIE)
Turma: 4º ano.
Turno: Matutino.
Disciplina: Musica
Supervisor (a): Rodrigo Silva Amorim

1. OBJETIVOS
• Despertar o interesse das crianças pelo fazer musical
• Desenvolver o interesse pela performance musical,
• Apreciar a música nordestina.

2. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO:
• Cantar e tocar com a flauta doce a música Asa Branca para a
apresentação do dia 30 de junho.
• Desenvolver o interesse delas pela música.
• Despertar o interesse por aprender a tocar um instrumento musical.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS:
1º momento
Escrita das notas e letra da musica no quadro.
2º momento
Cantar a musica com o auxilio do violão
3º momento
Passar de mesa em mesa pedindo para tocar a musica na flauta doce, e
depois passar com a turma inteira.
46

4. RECURSOS DIDÁTICOS
• Quadro branco, piloto e apagador, violão e flauta doce.
• Repertorio: Asa Branca.

5. AVALIAÇÃO
5.1 Aspectos a serem avaliados:
Comportamento e participação.

5.2 Instrumentos de avaliação:


Flauta doce e a escrita das notas no caderno.

6. REFERÊNCIAS

Cifras e Musicas. Cantigas Populares: Data da publicação. Disponível em <


http://cifrasemusicas.com/flauta-doce/asa-branca-luiz-gonzaga/ >. Acesso em:
03 maio 2015.

OBS: TODOS OS PLANOS FORAM EXTAMENTE IGUAIS A ESSE, MUDEI


APENAS A MÚSICA A SER TRABALIHADA.
47

APÊNDICE B – Registro fotográfico do momento da regência.

Fonte: o autor.
Esta versão foi revisada e aprovada pelo(a) orientador(a), sendo aceite, pela
Coordenação de Graduação em Música, como versão final válida para depósito
no Repositório de Monografias da UFRN.

Valéria Lazaro de Carvalho


Coordenadora dos Cursos de Graduação

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