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em favor de RAFAEL BRAGA VIEIRA, brasileiro, solteiro, auxiliar de serviços gerais, portador da
cédula de identidade nº 24.859.453-3, expedida pelo IFP, residente e domiciliado na Rua
Ministro Moreira de Abreu, número 602, Fundos, Olaria, nesta comarca, apontando-se como
autoridade coatora, para fins de direito, o Juízo da 39a Vara Criminal da Comarca da Capital do
Rio de Janeiro, em razão dos fatos e fundamentos a seguir expostos.
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a) Síntese Processual
O paciente foi denunciado pela alegada prática dos crimes tipificados nos arts. 33,
caput, e 35, caput, da Lei federal nº 11.343/2006.
Não se desconhece que a via estreita do writ não comporta maior dilação acerca da
veracidade dos fatos e da qualificação jurídica a eles atribuída, no entanto, o caso em análise
requer que alguns elementos sejam pontuados a fim de se aferir a inexistência de fundamento
cautelar para a subsistência da prisão do paciente.
iii) A despeito de ter sido condenado pela prática de associação para o tráfico, o
paciente foi preso sozinho.
Essa assertiva é extraída da narrativa que os próprios policiais responsáveis por sua
prisão-captura fizeram constar em seus termos de declaração na Delegacia de Polícia. Disseram
os milicianos:
Ainda que, em audiência, os militares tenham alterado sua versão e afirmado que
viram um grupo correndo e que o paciente foi o único que permaneceu parado é importante,
em juízo de cognição sumária, que se considere a contradição entre as narrativas dos policiais.
iv) O paciente foi preso sem portar quaisquer armas e não ofereceu nenhuma
resistência à ação policial.
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Não há nos autos qualquer indicação de que o paciente portasse armas ou tenha
praticado qualquer conduta com violência ou grave ameaça contra a pessoa.
Evelyn Barbara Pinto Silva relatou em juízo que presenciou a abordagem policial
sofrida pelo paciente, quando pode constar que o mesmo estava com os braços soltos e não
carregava qualquer saco plástico em suas mãos que pudesse conter o material ilícito cuja posse
lhe foi atribuída.
vii) Inexiste qualquer investigação que afirme com quem o paciente seria associado,
por quanto tempo e de que forma.
Com a devida vênia ao juízo de piso, a condenação do paciente pelo crime do art. 35
da Lei 11.343/2006 se deu exclusivamente através de um questionável raciocínio dedutivo.
Primeiro se afirmou a ocorrência do crime de tráfico, apesar da declaração da testemunha
defensiva, das contradições nos depoimentos dos policiais e da reduzida quantidade de drogas
ilícitas cuja posse é atribuída ao paciente. Na sequência, considerando que a localidade onde o
paciente reside (e onde ocorreu sua prisão) é “dominada” por uma facção criminosa que realiza
comércio de drogas ilícitas, se conclui que necessariamente ele estaria associado de forma
estável e permanente com pessoas não identificadas para prática reiterada do crime de tráfico
de drogas.
Nesse sentido, a defesa insiste que não quer antecipar o julgamento de mérito, mas
que traz tais elementos para que os eminentes desembargadores possam aferir, em cognição
sumária, pela inexistência de especial gravidade na conduta imputada ao paciente ou de
qualquer outro elemento do caso concreto que recomende seu encarceramento provisório.
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Ser presumido inocente até o esgotamento das vias recursais é conquista histórica da
cidadania que deflui diretamente do texto constitucional (art. 5º, LVII da CRFB/88). Não se pode
admitir que sem fundamentação idônea, em nome dos valores da “segurança” e “ordem
pública”, sejam afastados direitos individuais conquistados em séculos de luta democrática.
Faz-se tão somente referência à decisão que impôs, de início, a medida constritiva,
sem que se explicite quais são estes fundamentos e por que eles permanecem hígidos. Ainda
que se entenda como válida a remissão a anterior decreto de prisão preventiva, no caso em
tela, há dois problemas a serem enfrentados.
Nesse sentido, não basta argumentar que o “réu passou toda a instrução preso”
para se que torne lícita a manutenção de sua prisão, eis que esta, mesmo com a condenação
em primeiro grau, tem natureza meramente cautelar e não pode se prestar a funcionar como
antecipação de pena.
(b) A prisão do paciente é igualmente ilegal, eis que inexiste perigo da liberdade do
paciente. Não só isso: ainda que tal perigo existisse, poderia ser mitigado com a adoção de
medidas cautelares não-prisionais.
Entretanto, não existe o periculum in libertatis, eis que o paciente não oferece
qualquer risco ao julgamento do recurso, bem como à sociedade em geral. Como já afirmado:
foi preso sozinho, sem portar armas, supostamente na posse de pequena quantidade de drogas
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ilícitas, além de possuir atividade laborativa lícita e residência fixa comprovadas nos autos do
processo em epígrafe.
Dito de outro modo, a jurisprudência da mais alta corte de justiça do país reconhece,
com absoluta razão, que pessoas pertencentes a poderosos grupos políticos ou econômicos,
acusadas do cometimento de infrações penais “econômicas” que teriam lesado o patrimônio
público na ordem de milhões, mesmo quando reincidentes, devem ser presumidas inocentes e
ter resguardado o direito constitucional de recorrer em liberdade.
Sendo assim, por qual razão, o paciente, pobre, semianalfabeto, morador de favela,
acusado de praticar, sem violência, o comércio de uma quantidade pequena de drogas ilícitas
deve ser privado de sua liberdade antes da formação definitiva de culpa?
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HC 137728/PR, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Dias Toffoli, julgamento em 02 de maio de
2017.
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apresenta fundamentação insuficiente, mas que, em uma análise rigorosa dos elementos de
informação, se impõe a conclusão da inexistência de perigo na liberdade do paciente.
“(...) Não se pode perder de vista que a infração tratada neste processo é grave,
equiparada a infração hedionda, na forma da Lei nº 8.072/90, insuscetível de
liberdade provisória, como estabelece a Lei nº 11.343/06. A descrição fática do delito
imputado ao indiciado, bem como a gravidade do crime, denotam que as demais
medidas cautelares diversas da prisão se revelam inadequadas ou insuficientes. Tanto
é assim que a prisão em flagrante foi convertida em prisão preventiva. Sendo assim,
INDEFIRO o pedido formulado pela douta Defesa, às fls. 35/49.” (grifamos)
Nesse ponto, é importante salientar que embora conste da decisão atacada que ”a
decisão contida na sentença não se baseou no art. 59 da lei repressiva, tida pela nobre defesa
de inconstitucional, mas sim na necessidade de manutenção da custódia pela persistência dos
motivos que a ensejaram”, tal fundamento foi expressamente utilizado pelo juízo coator ao
rejeitar o pleito defensivo em 02 de fevereiro de 2016, conforme já demonstrado acima.
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EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. DECISÃO MONOCRÁTICA DE MINISTRO DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA COM FUNDAMENTO NA SÚMULA 691/STF. TRÁFICO DE DROGAS. ILICITUDE DO
MEIO DE PROVA. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. DUPLA SUPRESSÃO DE
INSTÂNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. MANIFESTA ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA.
(...) 3. Segundo o art. 312 do Código de Processo Penal, a preventiva poderá ser decretada quando houver
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Superior Tribunal de Justiça. Tais elementos não autorizam em hipótese alguma a decretação
da prisão preventiva, sendo absolutamente indispensável a existência de fatos do caso
concreto que reivindiquem a utilização da medida estatal mais gravosa contra a liberdade
individual.
Ou seja, não basta alegar que o delito de tráfico é grave, atormenta a sociedade e
gera abalo na ordem pública. É preciso explicitar como a conduta imputada ao acusado se
reveste de especial gravidade ante seu modus operandi. Nessa toada, grande quantidade de
drogas ilícitas apreendidas, o emprego de violência armada, a demonstração de uma enorme
cadeia de comércio ilegal são exemplos de elementos que eventualmente podem servir para
configurar a gravidade concreta.
Ter sido condenado criminalmente não suprime do indivíduo seu status constitucional
de inocente sobre futuras acusações que lhe sejam feitas. Mais do que isso: se um dos objetivos
declarados da pena privativa de liberdade é a ressocialização, não se pode estigmatizar um
egresso do sistema prisional lhe impondo um tratamento diferenciado e discriminatório em
razão de sanção criminal anteriormente imposta.
Nesse particular, embora se trate de matéria extra autos, a defesa pugna pela
consideração da situação concreta em julgamento. Por evidente, não se pretendente usar essa
via estreita do habeas corpus para discutir fatos que serão objeto de revisão criminal. Contudo,
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1. AÇÂO PENAL. Prisão preventiva. Réu citado por edital. Revelia. Decreto ilegal. Não ocorrência de
nenhuma das causas do art. 312 do CPP. Constrangimento ilegal caracterizado. HC concedido. Inteligência
do art. 366 do CPP. A só revelia do acusado citado por edital não lhe autoriza decreto de prisão preventiva.
2. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado em conveniência da instrução criminal.
Encerramento desta. Desnecessidade daquela. Constrangimento ilegal caracterizado. Precedentes.
Inteligência do art. 312 do CPP. Se a custódia cautelar foi decretada com fundamento na conveniência da
instrução criminal, o encerramento desta torna desnecessária aquela. 3. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva.
Réu já condenado pela prática de igual delito. Reincidência ou periculosidade presumida do agente.
Decreto ilegal. Constrangimento ilegal caracterizado. Ofensa à garantia da presunção de inocência. Art.
5º, LVII, da Constituição Federal. O fato de o réu já ter sido condenado pela a prática do mesmo delito
não lhe autoriza decreto de prisão preventiva. (STF - HC: 86140 SP, Relator: Min. CEZAR PELUSO, Data de
Julgamento: 03/04/2007, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-032 DIVULG 06-06-2007 PUBLIC 08-
06-2007 DJ 08-06-2007 PP-00046 EMENT VOL-02279-02 PP-00277 RMDPPP v. 3, n. 18, 2007, p. 115-121)
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Nesse sentido há reportagem da “Al Jazeera”. Disponível em:
<http://www.aljazeera.com/indepth/opinion/2017/05/justice-poor-brazil-170511102159339.html>
acesso em: 19 de maio de 2017.
Da gigante inglesa, BBC. Disponível em: <http://www.bbc.com/news/world-latin-america-35578395>
acesso em 19 de maio de 2017
Do “El País”: <http://brasil.elpais.com/brasil/2013/12/05/politica/1386204702_079082.html> acesso
em: 19 de maio de 2017.
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Por fim, o último argumento trazido pela r. decisão que se impugna, sugere que a
manutenção da prisão durante a instrução justificaria a negativa do direito a recorrer em
liberdade, posto que não haveria alteração na situação fática.
Em princípio, é preciso dizer que esta é a primeira vez que a defesa traz ao
conhecimento da Câmara a ilegalidade do encarceramento provisório do paciente. Deste
liberdade antes de sentença penal condenatória irrecorrível. Neste cenário, tal requisito ganha
especial relevo, devendo ser estritamente observado pela autoridade judiciária.
Por tudo que foi exposto, está perfeitamente demonstrada a verossimilhança das
alegações trazidas pelos impetrantes. Vale dizer, a decisão que mantém a custódia do paciente
apresenta fundamentação insuficiente, inexiste perigo em sua liberdade e, por fim, outras
medidas cautelares diversas da prisão se mostram adequadas ao presente caso.
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Basta citar o terrível surto de tuberculose que assola a população carcerária nacional. Disponível
em:<https://nacoesunidas.org/tuberculose-nos-presidios-brasileiros-e-emergencia-de-saude-e-de-
direitos-humanos-dizem-especialistas/ >. Acesso em 01 de junho de 2017.
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Especificamente sobre saúde mental, há inúmeras pesquisas realizadas nos EUA, por todos, citamos
“James, D. J., & Glaze, L. E. (2006, December 14). Mental health problems of prison and jail inmates.
Washington, D.C.: U.S. Department of Justice Bureau of Justice Statistics”. Disponível em: <
https://www.bjs.gov/content/pub/pdf/mhppji.pdf> Acesso em 01 de junho de 2017.
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Não se pode deixar de frisar que o cenário acima descrito vai ao encontro do Estado
de coisas inconstitucional do sistema prisional nacional – assim reconhecido pelo Supremo
Tribunal Federal no bojo de medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito
Agride-se, também, o estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como
regras mínimas para o tratamento de presos (“Regras de Mandela”). O documento firma os
padrões necessários para garantir o cumprimento de pena, sem a ocorrência de violações de
direitos humanos. Cite-se, por exemplo, a regra de número 13 que determina que “todos os
ambientes de uso dos presos e, em particular, todos os quartos, celas e dormitórios, devem
satisfazer as exigências de higiene e saúde, levando‑se em conta as condições climáticas e,
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Não por acaso foi criado um comitê estadual de emergência para lidar com o problema. “O sistema
penitenciário fluminense possui, atualmente, de acordo com dados do Instituto de Segurança Pública
(ISP) e da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP), cerca de 51 mil encarcerados
ocupando as 43 unidades prisionais do estado, 23.871 presos a mais do que o sistema comporta (27.242
vagas oficiais). Dessas 43, 33 estão superlotadas e 13 operam com mais de 100% de excesso de presos,
ou seja, têm mais de dois presos por vaga. Seis delas estão no Complexo Penitenciário de Gericinó, em
Bangu, na Zona Oeste”. Disponível em <http://www.mprj.mp.br/home/-/detalhe-
noticia/visualizar/901>. Acesso em: 01 de junho de 2017.
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Que inclusive corre risco de interrupção devido ao não pagamento de fornecedores pelo governo do
Estado. Disponível em <https://oglobo.globo.com/rio/mp-pede-liminar-para-garantir-alimentacao-de-
presos-no-rio-21297970>. Acesso em: 01 de junho de 2017.
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Tanto é verdade que, segundo dados levantados pela Defensoria Pública, apenas esse ano, quase 100
(cem) detentos morreram no sistema prisional do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2017-05-31/quase-cem-detentos-morreram-em-presidios-do-rio-
em-2017.html>. Acesso em: 01 de junho de 2017.
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Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665>.
Acesso em: 01 de junho de 2017.
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Pelo exposto, o paciente requer à Vossa Excelência que lhe seja concedida
liminarmente a presente ordem de Habeas Corpus a fim de que ocorra a revogação de sua prisão
preventiva com base nos arts. 5º, LXVI, da CRFB/88, e 312, 313, I, 321, 325, § 1º, I, e 350, caput,
do CPP.
Concedidas quaisquer das medidas aqui postuladas pelo paciente, o mesmo requer a
imediata expedição de seu alvará de soltura e a confirmação da ordem quando do julgamento
de mérito.
P. Deferimento.
Rio de Janeiro, 06 de junho de 2017.
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<http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/05/39ae8bd2085fdbc4a1b02fa6e3944ba2.pdf>.
Acesso em: 01 de junho de 2017