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Intelectuais, pensamento católico e radicalização política no Brasil: Os diálogos entre

Jonathas Serrano e Fidelino de Figueiredo na década de 1930

Ana Paula Barcelos Ribeiro da Silva1

Resumo: Neste trabalho analisamos o contexto de radicalização política no Brasil na década


de 1930 e as tensões e ambivalências por ele geradas nos intelectuais ligados ao pensamento
católico. Para isto, partimos da interpretação da correspondência enviada por Jonathas Serrano
ao historiador e crítico literário português Fidelino de Figueiredo como forma de perceber os
reflexos deste conflito na formação da subjetividade destes intelectuais. Observamos um
sentimento de perplexidade que os envolveu neste período e influenciou suas visões da
história e da própria conjuntura em que viviam. As fontes trabalhadas são as cartas de Serrano
a Fidelino datadas das décadas de 1920 e 1930.
Palavras-chave: Intelectuais, pensamento católico e radicalização política.

Abstract: In this paper we analyze the context of politics radicalization in Brazil in the 1930s
and the tensions and ambivalences generated by it on the intellectuals related to the Catholic
thought. For this, we start from the interpretation of the correspondence sent by Jonathas
Serrano to the Portuguese historian and literary critic Fidelino de Figueiredo as a way of
understanding the reflexes of this conflict in the formation of the subjectivity of these
intellectuals. We observe a feeling of perplexity that involved them in this period and
influenced their views of history and of the conjuncture in which they lived. The sources
analyzed are the letters from Serrano to Fidelino in the 1920s and 1930s.
Keywords: Intellectuals, Catholic thought, politics radicalization.

Jonathas Serrano e Fidelino de Figueiredo se corresponderam entre as décadas de 1920


e 1930. São apenas 5 as cartas disponíveis, mas a partir delas é possível observar os conflitos
destes historiadores ligados a uma rede de sociabilidade católica diante da radicalização
política no Brasil. Serrano, morto em 1944, foi formado em direito, membro do IHGB,
professor do Colégio Pedro II e autor de manuais de ensino de história nos quais relacionava
história nacional e universal e procurava uma versão da história favorável à Igreja Católica.

1
Doutoranda em História Social pela UFF. Bolsista CAPES.
1
Em seu livro Epitome de História Universal (1912), Serrano conjuga o ensino da história aos
princípios católicos, pauta fortalecida na década de 1930 quando concilia estes mesmos
princípios à pedagogia da Escola Nova2 – marcada pela defesa do ensino público, obrigatório,
laico e gratuito. Em prefácio ao livro, Escragnolle Doria se refere a Serrano como “profunda e
sinceramente católico”3 (SERRANO, 1950:7) e diz que ele “mantém sempre a fé católica
patente, cortês, profunda e apostolar”4 (SERRANO, 1950:8). Isto num contexto de laicização
do ensino e de ruptura entre o Estado e a Igreja, após a proclamação da República.
Adotado, ainda na década de 1950, em vários estabelecimentos de ensino do Rio de
Janeiro, o livro representa a tentativa de um historiador ligado à Igreja, na conjuntura
republicana positivista, de adaptar-se sem deixar de impor seu pensamento. É possível dizer
que se processou em Serrano uma espécie de acomodação de ideias em meio às
transformações políticas e históricas então vividas. Diante da impossibilidade de recusa das
ideias em ascensão, era preciso impor outras que enfatizassem o papel da Igreja na história e
os valores morais oriundos do passado. Ao tratar da história, Serrano retoma uma visão de
história mestra da vida ainda da Antiguidade para defender o valor pedagógico e moral nela
presente. Buscando a relação entre diferentes povos a fim de escrever uma história universal
que ensinasse os alunos, o autor percorre um largo período da humanidade. Parte da
Antiguidade; percorre as Idades Média e Moderna, nas quais enfatiza o papel da Igreja na
Europa e na formação da Ibero-América, e chega à História Contemporânea. Embora adote
esta divisão, Serrano afirma que a história poderia ser dividida em apenas Antiga e Moderna,
sendo o marco de transição entre elas o nascimento de Cristo, pois não haveria maior
transformação que o cristianismo. Afirmação significativa no contexto da década de 1910, já
que ele reivindica para a Igreja um papel político e social do qual vinha sendo destituída pelas
autoridades republicanas.
Vinculado à leitura de história de Bossuet, condicionada pela providência divina,
Serrano confere a Deus e à Igreja a responsabilidade pelos rumos da história. Daí a ênfase no
papel do cristianismo e a defesa da história universal. Lembramos que Bossuet, refutado pelo
racionalismo de Voltaire, foi também o autor que inspirou Joaquim Nabuco e outros
intelectuais católicos no final do século XIX no Brasil. O teólogo e bispo francês do século

2
Sobre as relações de Serrano com a Escola Nova, cf: SCHMIDT, M. A. História com Pedagogia: a contribuição
de Jonathas Serrano na construção do código disciplinar da História no Brasil. In: RBH, v. 24, n. 48, 2003. p.
189-211.
3
SERRANO, J. Epitome de História Universal. 23ª ed. RJ: F. Alves, 1950. Prefácio de E. Doria, p. 7.
4
Ibidem, p. 8.
2
XVII defendia o poder como oriundo de Deus, contribuindo para fundamentar as teorias
absolutistas. Portanto, para combater a força do positivismo no poder político e no ensino da
história caberia bem ao contexto republicano a sua releitura e apropriação. Em Epitome de
História Universal, Serrano ainda apresenta uma ideia de progresso distinta da constante e
sem recuos defendida pelos positivistas. Para ele, o movimento seria progressivo, mas com
repetições e oscilações. Ao combater o progresso linear positivista, se posiciona teórica,
ideológica e politicamente no contexto conflituado da década de 1910.
No mesmo período, o crítico literário e historiador português Fidelino de Figueiredo
tornava-se ministro da Instrução Pública em Portugal, cargo que exerceu entre 1914 e 1915,
anos iniciais da República portuguesa. No cargo, Fidelino revisa o ensino da história no país e
um dos principais aspectos de sua reforma é o ensino da história universal. Embora esta fosse
sua fase mais nacionalista, o nacional só poderia ser visto como parte de um todo universal.
Posicionamento aprofundado na década de 1920 em sua fase cosmopolita. Pensar e unir este
todo, sem apagar suas especificidades, torna-se um problema para ele neste período. Pauta
presente também nos estudos de Serrano sobre a história do Brasil. Em nota explicativa do
seu Epitome de História do Brasil (1933), ele adverte “que nunca se ha de isolar a História
Pátria da História da Civilização Humana”5 (SERRANO, 1939:7). O pensamento de Fidelino
caracterizou-se ainda pela ruptura com o positivismo anticlerical de Teófilo Braga que
preocupou intelectuais ligados ao pensamento católico. Seu nacionalismo objetivava impedir
que os valores republicanos positivistas apagassem o passado monárquico português. Fidelino
defendia uma identidade portuguesa baseada em aspectos mais emocionais e espirituais e
menos racionalistas. Portanto, ligados ao pensamento católico, defensores da história
universal, combatentes do positivismo e relacionados à pedagogia ou ao ensino, Fidelino e
Serrano possuem interessantes características em comum.
É neste contexto, e com estes pontos de afinidade, que em 1921 Serrano escreve pela
primeira vez a Fidelino. Pelo que demonstra a carta, eles se conheceram em 1920 quando
Fidelino visitou o Brasil e, então, passaram a se corresponder. Em junho de 1921, Serrano
pede desculpas a Fidelino por não ter respondido a sua carta do dia 13 de março por razões
pessoais e profissionais. Em resposta à pergunta de Fidelino sobre se voltariam a se ver, diz
acreditar que, na Europa ou no Brasil, voltariam sim a se encontrar pessoalmente, mas,
enquanto isto não ocorresse, poderiam manter contato por correspondências. Serrano diz

5
SERRANO, J. Epitome de História do Brasil. 2ª ed. RJ: Briguiet, 1939. p. 7.
3
ainda ser ele “o unico a lucrar neste cambio de ideas”6 (SERRANO, 1921) com Fidelino.
Afirma aguardar com interesse os trabalhos que o intelectual português lhe oferece em sua
carta, incluindo-se o volume I da Revista de História, editada por Fidelino, único que faltaria
em sua coleção.
Somente encontramos outra carta de Serrano a Fidelino em 1936. É possível que
algumas cartas talvez trocadas neste período tenham se perdido com o tempo ou não foram
conservadas pelo destinatário. O fato é que somente se encontram registradas em sua
correspondência passiva 5 cartas com Serrano, sendo que a segunda delas data de 15 anos
após a primeira. De todo modo, as 4 cartas situadas na segunda metade da década de 1930 são
particularmente interessantes para a relação entre pensamento católico e radicalização política
que propomos. Nelas os intelectuais falam de amizade, trabalho e se referem ao contexto
conflituado que viviam. Em julho de 1936, Serrano fala do prazer de ter recebido carta de
Fidelino datada de 16 de junho, o que sugere que eles se corresponderam ao longo dos 15
anos de ausência de cartas. Aqui Serrano agradece o envio por seu remetente de um estudo
sobre a obra de Lope da Vega e se refere a Fidelino como um “mestre da crítica literária”7
(SERRANO, 1936). Pergunta a ele quando o terá no Brasil e qual dos seus livros interessaria
à Biblioteca Pública em Portugal para que os enviasse.
Em 1938, Serrano escreve para agradecer a Fidelino os comentários que teria feito
sobre seus livros. Refere-se aos “caminhos de Deus” e aos “prodígios da sua graça”8
(SERRANO, 1938). Num tom nostálgico e conservador, defende a necessidade de se
“restabelecer o sentido aristocrático da vida”9 (SERRANO,1938). Reforça ainda o convite
para que viesse ao Rio de Janeiro. Um ano depois, Fidelino já vivia no Brasil e Serrano lhe
escreve em resposta ao pedido para que possibilitasse sua pesquisa na biblioteca do Mosteiro
de São Bento. Serrano diz ter recebido resposta favorável do abade do mosteiro e afirma que
lá poderia “o historiador e crítico, amante de bons livros antigos, encontrar ou talvez só rever,
mas em todo caso reencontrar com prazer algumas obras raras e interessantes”10 (SERRANO,
1939). Avisa que quando ele chegasse ao Rio, poderia se encontrar diretamente com o prior
dos beneditinos, D. Vicente. Por fim, em 1940, Fidelino recebe carta de Serrano em elogio a

6
Carta de J. Serrano a F. de Figueiredo. RJ, 16/06/1921.
7
Carta de J. Serrano a F. de Figueiredo. RJ, 12/07/1936.
8
Carta de J. Serrano a F. de Figueiredo. RJ, 02/09/1938.
9
Ibidem.
10
Carta de J. Serrano a F. de Figueiredo. RJ, 02/11/1939.
4
seu artigo publicado em O Jornal e pergunta quando irá revê-lo “para uma boa prosa, nesta
hora triste do mundo”11 (SERRANO, 1940), referindo-se à conjuntura da 2ª guerra.
Embora sejam poucas as cartas disponíveis enviadas por Serrano a Fidelino, podemos
dizer que, mesmo que indiretamente, revelam alguns problemas que afetaram estes
intelectuais durante a década de 1930. Contexto conflituado, tanto no Brasil quanto em
Portugal, e que representou a radicalização política em diferentes direções – de um lado se
apresentavam reivindicações progressistas, de outro reações conservadoras e reacionárias.
Lembramos que desde a década de 1920 no Brasil foi realizada a Semana de Arte Moderna,
fundado o Partido Comunista e, ao mesmo tempo, o Centro Dom Vital por Jackson de
Figueiredo. Assim, se de um lado valorizava-se a modernidade na política, na arte e na
literatura, de outro organizava-se uma forma de reação a ela pautada em valores católicos
tradicionais. Sugerimos que o diálogo entre Fidelino e Serrano permite uma ponte de reflexão
dos conflitos que atingiram intelectuais ligados ao pensamento católico no período de
radicalização política entre as décadas de 1920 e 1930. Assim, pensando o que os aproxima
em termos de perfil intelectual, propomos uma breve análise sobre a perplexidade neles
gerada por esta conjuntura. Percebemos como estes sentimentos podem levar à integração
entre intelectuais diferentes, mas com perfis semelhantes. Nas cartas de Serrano a Fidelino, o
sentimento de retomada de valores aristocráticos do passado, a ligação com os beneditinos
que favoreceu as pesquisas de Fidelino e a reclamação diante do momento “triste” que viviam
sugerem a preocupação, as dúvidas e a hesitação sentidas diante das transformações políticas,
ideológicas e sociais.
Desde a proclamação da República (no Brasil em 1889 e em Portugal em 1910), a
Igreja Católica se encontrava defensiva diante do laicismo crescente e da ruptura entre Estado
e Igreja. Nos anos 1930, buscava recuperar a força perdida desde o fim do Império. Neste
contexto, em 1934, assina concordata com Vargas, por intermédio do ministro Capanema,
através da qual, dentre outras conquistas, instaura o ensino religioso nas escolas públicas. A
radicalização política surge neste período de revitalização da Igreja. Ela se dá em frentes
opostas e torna o cenário da década de 1930 particularmente relevante para se pensar os
efeitos que estas tensões políticas e ideológicas acarretaram para intelectuais não
necessariamente autoritários, mas ligados ao pensamento católico. Efeitos que podem ser

11
Carta de J. Serrano a F. de Figueiredo. RJ, 09/06/1940.
5
percebidos como hesitações em torno de qual caminho seguir, em especial após o abalo das
oligarquias que governaram durante a República Velha.
Analisando a radicalização política na década de 1930, José Nilo Tavares12 aponta a
Ação Integralista Brasileira e a Aliança Nacional Libertadora como os maiores movimentos
de massa já surgidos no Brasil. Movimentos que representam a polarização política e
ideológica a qual nos referimos, contrapõe valores conservadores e progressistas e reflete as
ambivalências daquela sociedade em transformação. O pensamento do líder integralista Plínio
Salgado envolveu muitos intelectuais católicos, dentre eles Alceu Amoroso Lima, e contou
com a simpatia da Liga Eleitoral Católica. Por outro lado, a partir de 1934, setores da classe
média e do proletariado se reuniram para fazerem frente ao seu avanço. Assim, comunistas,
socialistas, anarquistas, liberais democráticos, dentre outros, formam a ANL com orientação
democrática e oposta ao fascismo de Salgado e ao autoritarismo de Vargas. Os intelectuais
nestes anos se viram envolvidos pelos conflitos que caracterizavam a sociedade brasileira.
Alguns deles vincularam-se ao integralismo ou à Aliança. Outros, com posicionamento
político mais ambíguo, talvez tenham sido tomados de assombro, perplexidade e hesitação
diante das mudanças e das possibilidades apresentadas. Acreditamos que Fidelino e Serrano
tenham se situado dentre estes últimos. Serrano esteve ligado a Amoroso Lima, participou do
Centro Dom Vital, publicou em A Ordem e foi considerado um dos principais líderes
católicos do período. Fidelino também fez parte desta rede de sociabilidade e todos os indícios
o apontam como católico. Assim, não podemos considerá-lo alheio a princípios que
motivaram os integralistas e o grupo católico do qual fazia parte, apesar de ter vindo para o
Brasil em 1938 fugindo da ditadura salazarista e do nazifascismo na Europa.
Fidelino e Serrano apresentaram, como vemos, características em comum que os
aproximam política e ideologicamente. Ambos simpatizavam com uma perspectiva
conservadora de sociedade que no início dos anos 1930 era defendida tanto pelos grupos
católicos quanto integralistas. Simultaneamente, defendiam valores democráticos, como
demonstra Fidelino na oposição ao salazarismo e Serrano ao apontar “a tendência mais a mais
acentuada para a organização democrática das coletividades”13 (SERRANO, 1950:428).
Ambivalências presentes em seus pensamentos que podem ter possibilitado uma integração
entre estes intelectuais distintos, mas com afinidades que os aproximam. Afinidades que
inspiraram o diálogo e a troca de correspondências entre eles. Quando em 1940 Serrano diz a
12
Cf. TAVARES, J. N. Conciliação e radicalização política no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1982.
13
SERRANO, op. cit, 1950. p. 428.
6
Fidelino que gostaria de vê-lo para conversarem “nesta hora triste do mundo”, Fidelino já se
encontrava exilado no Brasil, onde vigorava o Estado Novo, e o nazifascismo e a 2ª guerra
marcavam a Europa. A “hora triste” a qual Serrano se refere tem a ver com este contexto
autoritário e violento, mas também com as incertezas, hesitações e angústias que ele provoca
nesta geração.
Desenvolvemos a hipótese que, diante da radicalização política, alguns intelectuais
ligados ao pensamento católico permanecem sem saber que caminho seguir, qual
posicionamento político e ideológico adotar. Surgem aqui diferentes sentimentos, refletidos
nas práticas políticas, que correspondem à forma como estes intelectuais foram,
conscientemente ou não, afetados pelos acontecimentos que movimentaram sua geração.
Alguns termos nos auxiliam a expressar estes sentimentos. Talvez estes intelectuais tenham
ficado desorientados, desnorteados, indecisos, vacilantes, hesitantes, angustiados, aflitos,
perplexos, admirados e atônitos com as possibilidades de transformação então desenhadas.
Estes sentimentos caracterizam, portanto, a busca de opções destes indivíduos quando suas
certezas são abaladas; quando os valores aristocráticos, reivindicados por Serrano em 1938,
haviam se perdido com as rupturas provocadas pela modernidade e com os movimentos que
abalaram a velha estrutura oligárquica na década de 1930.
A princípio negativos, estes sentimentos podem ter produzido efeitos integracionistas,
contribuindo para a aproximação entre intelectuais distintos, porém semelhantes, como
Serrano e Fidelino. Assim, interesses em comum e pontos de afinidade conjugam-se a formas
não apenas de pensar, mas de sentir a conjuntura que viviam. Vacilantes e angustiados, eles se
corresponderam repartindo suas dúvidas e reclamações. Aquilo que pode ser visto como
negativo gera, ao contrário, reflexão e integração. Neste caso, a integração entre dois
intelectuais ilustra ainda a relação entre Brasil e Portugal no início do século XX. Falamos,
então, de integração micro e macropolítica, de elos de ligação históricos e culturais que são
por eles retomados num momento em que governos ditatoriais se estabeleciam em ambos os
países. O contexto conflituado, a radicalização política e a reação católica coincidem
historicamente no Brasil e em Portugal, o que nos leva a acreditar que a perplexidade, a
hesitação e a indecisão também coincidam entre estes indivíduos. Fidelino chegou a escrever
sobre suas “angústias” na década de 1950. Um coleccionador de angústias (1953) traduz os
sentimentos aos quais nos referimos. Não a dúvida e a hesitação, mas sim a decepção num
contexto posterior ao salazarismo, à segunda guerra e ao nazifascismo. O medo e as incertezas

7
de sua trajetória trariam, já nos anos 1950, a angústia que ele procura definir no livro. A
personagem trabalhada, uma representação de si mesmo, colecionava angústias; reunia “a
angústia, o aperto do coração, o medo da própria vida e a humilhação que ela sempre inflige
em quem a interpreta e a julga”14 (FIGUEIREDO, 1953:15).
Em suma, o processo de radicalização política do qual tratamos parece ter gerado uma
espécie de “integração forçada” entre as ideias católicas e monárquicas destes intelectuais e os
valores republicanos e positivistas que até então haviam ganhado cada vez mais espaço. Com
ideias mais tradicionais, estes indivíduos se viram diante de um contexto no qual adaptações
eram necessárias para que se mantivessem em atividade nos campos político e intelectual. É
possível falar numa “acomodação” entre valores distintos, o que fortalecia as ambivalências e
a hesitação entre eles. Afinal, para se adaptar, eles conjugavam o moderno e o tradicional e
criavam condições para se estabelecerem em meio aos avanços do positivismo, no final do
século XIX e início do XX, e da radicalização na década de 1930. Este processo de
“acomodação” ou “integração forçada” favorece, muitas vezes, a indecisão, a hesitação e a
angústia. Isto porque, como os rumos não estão definidos, surgem as incertezas que, por um
lado, favorecem a criatividade, e por outro, geram o medo diante de uma realidade a qual nem
sempre é fácil se adaptar, por não aceitá-la ou não ser aceito por ela.

Fontes e Bibliografia:
Cartas de J. Serrano a F. de Figueiredo (16/06/1921; 12/07/1936; 02/09/1938; 02/11/1939;
09/06/1940).
FIGUEIREDO, F. Um coleccionador de angústias. Lisboa: Guimarães, 1953.
SCHMIDT, M. A. História com Pedagogia: a contribuição de Jonathas Serrano na construção
do código disciplinar da História no Brasil. In: RBH, v. 24, n. 48, 2003.
SERRANO, J. Epitome de História do Brasil. 2ª ed. RJ: Briguiet, 1939.
______. Epitome de História Universal. 23ª ed. RJ: F. Alves, 1950.
TAVARES, J. N. Conciliação e radicalização política no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1982

14
FIGUEIREDO, F. Um coleccionador de angústias. Lisboa: Guimarães, 1953. p. 15.
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