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A ORALIDADE NA AULA DE PLE: APRESENTAÇÃO DE UMA SEQUÊNCIA

DIDÁTICA PARA TRABALHAR OS PARES MÍNIMOS COM BASE NO CONTO


MARCELO, MARMELO, MARTELO

Bernardino Valente Calossa


Assistente Estagiário
Escola Superior Politécnica da Lunda Sul – Universidade Lueji A’Nkonde – Angola
Mail : dino.calossa@gmail.com

RESUMO

Neste artigo, apresenta-se uma proposta de sequência didática para se trabalhar a questão
da oralidade dos alunos numa aula. Trata-se de um domínio que, apesar de ser muito
importante na aprendizagem de uma língua, tem sido normalmente menos trabalhado em
contextos de ensino-aprendizagem de Português Língua Estrangeira comparativamente à
outros. Assim, na primeira parte apresenta-se uma brevíssima contextualização teórica
sobre o tema em abordagem, em que também procuramos perceber como esta temática é
tratada nos documentos orientadores e, em seguida, explica-se de que forma se articulam
os elementos que constituem a sequência didática. A proposta como tal, assim como o
texto escolhido, aparecem na parte final deste artigo.

Palavras-chave: sequência didática, oralidade, estratégias, competência

ABSTRACT

In this article we present a proposal of a didactic sequence to work the orality of students
in class. It is an area that, although it is very important in the learning of a language, has
usually been less worked in teaching-learning contexts of Portuguese Foreign Language
compared to others. Thus, the first part presents a very brief theoretical context on the
topic in approach, where we also try to understand how this theme is addressed in the
guidance documents and then explains how the elements that make up the sequence are
articulated didactic The proposal as such, as well as the text chosen, appear at the end of
this article.
Keywords: didactic sequence, orality, strategies, competence

Introdução

No processo de desenvolvimento das competências necessárias à aprendizagem de uma


língua não materna, um conjunto de metodologias e meios de ensino são necessários,
tendo sempre em conta as caraterísticas dos alunos, bem como a necessidade de se olhar,
sempre que possível, para os fins da aprendizagem. Neste artigo apresenta-se uma
sequência didática em que se trabalha sobretudo a produção, perceção a interação oral
dos alunos, mais concretamente os chamados pares mínimos que, por serem muito
próximos uns dos outros, são frequentemente confundidos pelos aprendentes da língua,
dificultando, desta forma, a sua rápida aprendizagem.

Assim, a sequência representa uma sugestão metodológica (concebida e aplicada no


âmbito da Unidade Curricular de Avaliação e Conceção de Materiais Didáticos em
Português Língua Não Materna do Mestrado em Português Língua Não Materna da
Universidade do Minho) para que se facilite a aprendizagem dos sons da língua, pois
dependendo da língua materna de quem aprende o Português, alguns segmentos, por
serem muito difíceis de serem articulados, são considerados de aquisição lenta e tardia.
Tal proposta está constituída por três momentos, i. a compreensão do sentido global do
texto, ii. reconstrução do sentido do texto e iii. conhecimento e distinção dos sons da
língua, ao longo dos quais o professor deverá orientar e/ou desenvolver um conjunto de
atividades que farão com que o aluno encontre nos exercícios apresentados, a o
esclarecimento das suas dificuldades.

Relativamente ao texto, enquanto um meio comprovadamente eficaz para o


desenvolvimento de competências linguísticas, se bem selecionado e bem trabalhado em
contextos de sala de aulas, escolheu-se Marcelo, Marmelo e Martelo1 que, pensamos nós,
apresenta-se como um bom instrumento para trabalhar a oralidade, uma vez que nele se
conta a história de um menino que, achando que as coisas deveriam ter nomes mais
apropriados, decide usar a língua à sua maneira.

1
Ruth Rocha, Marcelo, Marmelo, Martelo e outras histórias, 27ª edição, Rio de Janeiro: Salamandra,
1976, pp. 1-21.
A perceção, produção e interação oral nas aulas de Português língua estrangeira

Ao ensinar uma língua é um processo que deve estar direcionado de acordo com os fins
de aprendizagem dos aprendentes, isto é, pode-se enfatizar mais o domínio da
compreensão (oral e escrita) em relação à produção (interação e expressão oral e escrita)
e vice-versa, associados aos aspetos qualitativos de uso, como o âmbito, a correção, a
fluência, interação e a coerência, além de outros aspetos de carácter extralinguísticos,
igualmente importantes. Entretanto, apesar de ser muito importante, «o ensino da
pronúncia é frequentemente ignorado pelos professores, que se limitam a corrigir, por
vezes, os alunos, sem um trabalho metódico e consistente»2.

Ao depreciar a componente oral, em detrimento das outras no processo de ensino de uma


língua, o professor cria um desequilíbrio que, em muitos casos, dificulta o alcance dos
objetivos dos alunos, sobretudo aqueles cujo fim da sua aprendizagem é, por exemplo,
viajar para um país onde se fala essa língua.

Tendo-se apercebido desta situação, vários trabalhos têm surgido para colmatar esta
insuficiência. Destacam-se, por exemplo, os trabalhos de Pinto3 que apresenta um leque
de atividades, com grau crescente de dificuldades, tendo em vista a desenvolver a
oralidade em aulas de português para hispanofalantes. Este autor destaca a leitura em voz
alta, o poema cantado, a exposição oral formal, a entrevista formal e informal, o debate,
a interação ficcionada e a interação espontânea, como estratégias que podem ser utilizadas
numa aula de português língua estrangeira. Bagão4, por sua vez, elaborou uma série de
textos autênticos e respetivas propostas de abordagem em contextos de aprendizagem que
qualquer outro investigador ou professor pode utilizar para comprovar a sua eficácia.
Duarte de Carvalho5 trabalharam igualmente nessa perspectiva; no seu relatório de
estágio descrevem uma experiência baseada na conversação informal (contato com outras
pessoas em contexto de imersão), enquanto uma estratégia para aperfeiçoar a oralidade
em português língua estrangeira. Os resultados mostraram que os aprendentes realizaram

2
Luísa Coelho e Carla Oliveira, Manual de Pronúncia e Prosódia, Lisboa: Lidel Edições, 2014, p. 7.
3
Paulo Feytor Pinto, A oralidade na aula de português para hispanofallantes. In Limite, nº 4, 2000, pp.
141-151.
4
Maria Teresa Sousa Bagão, Compreensão oral em aulas de PLE: contributos para atividades no nível
C. Dissertação de mestrado. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2014.
5
Isabel Duarte e Ângela Carvalho, Treino da oralidade na aula de PLE: uma experiência com conversas
orais informais no nível A. In Studia Universitatis Babes-Bolyai nº 2, 2018.
esta atividade de forma colaborativa e satisfatória, porém em alguns casos houve
desistências face as dificuldades encontradas.

No que respeita à distinção de pares mínimos, estudos como o de Ferreira6, Yang et al7.
e de Macedo8, por exemplo, já têm demostrado que esta é uma área problemática para em
que os aprendentes de português língua estrangeira, em maior ou menor escala, a
depender das diferenças ou semelhanças das suas línguas maternas.

Tendo em conta que «trabalhar o domínio da compreensão oral progride deste a


identificação de palavras isoladas, até à mestria de estruturas complexas»9, é importante
referir que investigadores da área da aquisição da linguagem apresentam como sugestão
uma metodologia baseada na construção de um modelo de aprendizagem linguística,
segundo a qual a atenção deve estar direcionada para qualquer evidência que seja
relevante para um domínio de aprendizagem particular. Isso quer dizer que

a atenção deve ser especificamente focada e não somente global. A fim de adquirir
fonologia, deve-se atentar aos sons do input da língua-alvo, especialmente àqueles
que são contrastivos nessa língua, e se o objetivo do aprendiz é soar como um falante
nativo, ele deve atender a detalhes subfonémicos também. A fim de adquirir
vocabulário, o aprendiz deve atender tanto à forma das palavras bem como a
quaisquer informações que estão disponíveis no input que podem levar à
identificação dos seus significados. A fim de adquirir pragmática, o aprendiz deve
atender tanto à forma linguística dos enunciados bem como aos traços contextuais e
sociais relevantes com os quais estão associados. A fim de adquirir morfologia, deve
atender às formas dos morfemas e a seus significados, e a fim de adquirir sintaxe,
deve atender à ordem das palavras e aos significados aos quais essas estão
associadas10.

Isto não quer dizer que os outros domínios não sejam trabalhados ao longo de uma aula;
podem aparecer ao longo do desenvolvimento das atividades desde que não se perca o
foco de progressão da sequência didática.

6
Joana Ferreira, Competência fonológica de alunos de português língua não materna que frequentam o
ensino regular português. Dissertação de mestrado. Lisboa: Universidade Católica, 2014.
7
Shu Yang; Anabela Rato; Cristina Flores, Perceção das consoantes oclusivas de português de PL2 sob
influencia do Mandarim L1. In Diacrítica, 29 (1), 61-94.
8
António Macedo, Estudo da perceção (problemática) de vogais e de ditongos orais de alunos de PLNM
falantes de Mandarim. Dissertação de mestrado. Braga: ILCH – Universidade do Minho.
9
Coelho e Oliveira, Op. Cit.
10
Ingrid Finger e Elena Ortiz Preuss, «Atenção ao Input e Aprendizagem: o papel da instrução explícita na
aquisição do Espanhol como L2» in Letras de Hoje, 44 (3), 2009, p. 80.
Deste modo, entre as muitas estratégias que podem ser desenvolvidas para o domínio da
expressão e perceção oral especificamente podem ser usadas as seguintes:

i. Ensinar métodos articulatórios;


ii. Trabalhar pares-mínimos;
iii. Fazer exercícios de audição e repetição;
iv. Ensinar a entoação;
v. Fazer uma análise contrastiva entre a língua materna e a língua estrangeira
(perceber o que pode facilitar ou dificultar);
vi. Correspondência imagem – som/palavra;
vii. Correspondência som/palavra – imagem;
viii. A interação controlada (incitação à resposta e a comportamentos);

Quanto à ordem, cada professor pode escolher uma sequência de trabalho em termos da
organização dos conteúdos em função das necessidades dos alunos e tendo em conta a
língua materna dos mesmos, mas as autoras sugerem que se comece com as vogais,
progredindo para os ditongos, seguindo para as consoantes – contraste entre consoante
vozeada e não vozeadas, ponto de articulação, grupos consonânticos – ensinar a
acentuação, a divisão silábica e, por fim, a entoação.

A perceção, produção e interação oral segundo os documentos orientadores do


ensino do Português Língua Estrangeira

Em contextos naturais de aquisição de uma língua, as competências de perceção,


produção e interação oral são as primeiras a serem adquiridas, uma vez que há
necessidade dos falantes se comunicarem entre si no meio em que estiverem inseridos,
independentemente de se saberem ler ou não.

Por isso, ao ensinar Português como língua estrangeira, o professor deve encarar todo o
processo de uma forma especial, visto que os alunos já possuem uma experiencia
comunicativa na sua língua materna e o seu aparelho fonador não está preparado, em
alguns casos, para produzir certos sons da língua alvo.

De modo a sistematizar a atividade dos professores e categorizar as competências


necessárias a aprendizagem de cada nível nos diferentes domínios da língua, surgiu o
Quadro Europeu Comum de Referência das Língua (QECRL), elaborado pelo concelho
da Europa, «um instrumento linguístico essencial para a harmonização do ensino e da
aprendizagem das línguas vivas na grande Europa»11.

A primeira referência relacionada com os domínios da produção, perceção e interação


oral no QECRL encontra-se na grelha para a autoavaliação das competências linguísticas,
tendo em conta descritores de uso da língua. Assim, as capacidades, divididas em
compreensão (ao nível da oralidade) e expressão (interação oral e produção oral), são
apresentadas do nível de iniciação A1, ao nível mais avançado C2, de modo a que os
professores não só consigam identificar através delas o estágio de desenvolvimento
linguístico (neste caso oral) dos que aprendem uma língua12, mas também identificar as
insuficiências que estes apresentam para, com base nelas, efetivar o processo de ensino
da língua.

Relativamente a interação oral, o QECRL salienta a necessidade de se desenvolverem


estratégias por meio das quais o «utilizador da língua desempenha alternadamente o papel
de falante e o de ouvinte com um ou mais interlocutores, de modo a construir
conjuntamente um discurso conversacional através da negociação de sentido e seguindo
o princípio da cooperação»13. E, como sugestão, o documento orienta a realização de
conversas informais, discussões informais, debates, entrevistas, negociações, o
planeamento conjunto e cooperações práticas com vista a fins específicos.

Tendo como base o QECRL e os resultados de formações contínuas de professores


efetuadas de 2002 a 2007, em diferentes contextos de Ensino Português no Estrangeiro,
surgiu o Quadro de Referência para o Ensino do Português no Estrangeiro (QuaREPE),
um documento que estabelece diretrizes especificamente viradas ao Ensino do Português
fora de Portugal.

Relativamente à produção, perceção e interação oral, o documento reproduz as


competências, níveis de proficiência e os temas apresentados pelo QECRL com ligeiras
adaptações aos países de língua portuguesa e diversas experiências de ensino. Destaca-
se, de todas as orientações, «a necessidade de privilegiar a prática comunicativa e a
reflexão sobre a língua, adotando uma abordagem orientada para a ação em que o público

11
Conselho da Europa. Quadro Europeu Comum de Referência para as línguas: aprendizagem, ensino e
avaliação. Porto: Edições ASA, 2001, p. 7.
12
Cf. Conselho da Europa, Op. Cit. pp 53-54.
13
Idem, p. 112.
aprendente será sobretudo ator social e utilizador da língua»14. Para isso, os
conhecimentos devem ser vinculados através de suportes vários e os tipos de textos15
podem incluir, para o caso da oralidade, instruções orais diversas, anúncios públicos,
conversas em presença, noticiário na rádio e na televisão, conversas telefónicas,
espetáculos, teatro, leituras públicas, canções, comentários desportivos entre outros
documentos autênticos.

De modo a facilitar a integração de alunos que não têm o Português como língua materna
no sistema de ensino português, a Direção Geral de Investigação e Desenvolvimento
Curricular do Ministério da Educação de Portugal elaborou as Orientações
Programáticas de Português Língua Não Materna - Ensino Secundário (OPPLNM), um
documento igualmente importante, sobretudo porque as suas diretrizes têm em conta, de
forma mais contextualizada, a diversidade linguístico-cultural em sala de aulas.

Desta forma, as OPPLNM, ao abordar a proficiência, faz a distribuição da competência


oral (através dos conteúdos a serem abordados) por níveis, nas suas três vertentes
(produção, compreensão e interação), apelando a uma seleção cuidadosa dos temas, dos
materiais e das estratégias, tendo sempre em conta as caraterísticas dos alunos16.

Outros aspetos que este documento apresenta, no que respeita às orientações


metodológicas, e que merece referência, estão relacionados ao erro e à necessidade de
recurso à metalinguagem. Quanto ao erro, orienta-se que mesmo «(oral ou escrito) não
deve ser tomado exaustivamente como um dado indicador de um desempenho limitado,
mas também como evidência reveladora de estratégia de aprendizagem»17 e quanto à
metalinguagem, orienta-se «a introdução paulatina e cautelosa de termos metalinguísticos
do domínio da fonética, da morfologia e da sintaxe, da semântica, do léxico, do texto e
da pragmática, bem como termos metaliterários relativos à figuração estética do discurso
e aos géneros literários»18, para que, desta forma, o aluno possa aprender implicitamente
outras competências igualmente importantes.

14
Maria José dos Reis Grosso (Coord.), Quadro de Referência para o Ensino Português no Estrangeiro:
documento orientador. Lisboa: Ministério da Educação, 2011, p. 17
15
Entende-se aqui por texto qualquer documento oral ou escrito, objeto de perceção, produção ou troca
(Idem, p. 17).
16
Leiria, Isabel (coord.), Orientações Programáticas de Português Língua Não Materna – Ensino
Secundário. Lisboa: DGIDC /ME, 2008, p. 17-18.
17
Idem, p. 14.
18
Idem, p. 15.
A sequência didática (em anexo)

Uma sequência didática tem sido definida normalmente como sendo o «conjunto de
atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos
educacionais, que têm um princípio e um fim conhecidos tanto pelos professores como
pelos alunos»19.

Independentemente da estrutura que se tenha de escolher, as atividades devem sempre ser


diversificadas, apresentadas de forma progressiva, articuladas entre si e devem concorrer
para o alcance dos objetivos previamente elaborados.

Conteúdo

- A produção, perceção e interação oral;

Nível: A2 (conforme o QECRL)

Conforme o QECRL, e tendo em conta o texto escolhido, é nos níveis A 2.1 e A2.2 que
o aluno deve ser capaz de compreender, diferenciar e produzir expressões e vocabulários
de uso mais frequente relacionados com aspetos de interesse, ao nível da perceção,
produção e interação oral no processo comunicativo20.

Articulação objetivos, conteúdos e estratégias

A grande preocupação ao elaborar a sequência didática em anexo foi a de estabelecer uma


articulação entre os objetivos, conteúdos e as estratégias, tendo em conta a necessidade
de harmonizar as diferentes partes que a constituem. Por isso, ao formular um objetivo
geral como «melhorar a comunicação oral dos alunos»21, tivemos o cuidado de formular
objetivos específicos que, se atingidos, concorrem para o alcance simultâneo do objetivo
geral, como i. «discutir oralmente o sentido global do texto», ii. «ensinar métodos
articulatórios dos sons da fala» (tendo em conta as caraterísticas dos alunos e das suas
línguas maternas), iii. «distinguir os pares mínimos dos sons em palavras semelhantes» e
iv. «resolver exercícios com base na audição e repetição dos sons da fala».

São os objetivos específicos que, por sua vez, ajudaram a selecionar as estratégias a serem
desenvolvidas ao longo da aula e os recursos de ensino necessários. Assim sendo,

19
Zabala, Antoni, A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998, p. 18
20
Conselho da Europa, Op. Cit., p. 53-54
21
Observar a proposta de Sequência Didática
conforme o objetivo geral e os específicos acima, optamos por atividades como i.
«discussão oral do sentido global do texto» (independentemente da pertinência do texto,
o professor pode estimular e moderar a discussão através de perguntas previamente
elaboradas), ii. «repetição de palavras pronunciadas pelo professor, por falantes nativos
e/ou gravadas», iii. «resolução do teste dos pares mínimos» iv. «correspondência imagem
– palavra/som» e v. «correspondência palavra/som – imagem».

Competências a desenvolver

 Competências linguísticas: podem ser adquiridas através da exploração vocabular


e semântica do texto, na abordagem fonético-fonológica dos sons que constituem
as palavras, ao mesmo tempo que, implicitamente, se podem aperfeiçoar os outros
domínios;
 Competências de leitura e de escrita: podem ser adquiridas ao longo da leitura,
quer a expressiva, quer a silenciosa, do texto e no momento da resolução dos
exercícios de produção escrita.
 Competências discursivas: podem ser adquiridas através da compreensão dos
sentidos que as palavras ou frases têm no texto, em comparação com outros que
as mesmas possam ter em outros contextos de comunicação.
 Competências socioculturais: o texto escolhido constitui uma representação do
modo de vida da população brasileira e portuguesa e pode ser usado como
exemplo quando se trata de relações socioculturais e familiares.
 Competências de literacia: espera-se que os alunos obtenham da leitura e análise
do texto escolhido, bem como das atividades de perceção e produção oral,
conhecimentos que lhes sirvam para desenvolver as suas potencialidades e, desta
forma, participar ativamente da sociedade.

O texto Escolhido

Marcelo, Marmelo e Marmelo é um conto de Ruth Rocha, uma escritora brasileira de


livros infantojuvenis. Conta a história de um menino que, achando que as coisas deveriam
ter nomes mais apropriados, começa a utilizar a língua à sua maneira. O texto torna-se
apropriado ao conteúdo escolhido porque muitas palavras que o mesmo apresenta
diferenciam-se por pares mínimos, ou seja, por «palavras que apenas num som se
distinguem e que têm significados diferentes»22.

Assim, além de ser muito benéfico para estimular uma reflexão básica, à medida das
capacidades dos alunos, sobre a utilização da língua e questões de arbitrariedade e a
criatividade linguística, o mesmo é um excelente instrumento no qual se pode fazer um
levantamento de todas as vogais e de todas as consoantes da língua (em posição inicial,
medial ou final) que, se trocadas por outras muito próximas em termos de articulação, o
significado altera e, desta forma, desenvolver os exercícios propostos, ao mesmo tempo
que se desenvolve outras competências.

Considerações finais

Ao ensinar de uma língua, é importante sempre que se organize estruturalmente todas as


atividades programadas para o efeito, de modo a desenvolver todas as estratégias
seguindo um plano que, tendo em conta as circunstâncias, possa ser adaptado às
necessidades educativas dos aprendentes da língua. A insuficiência de conhecimentos
linguísticos de uma parte significativa dos professores de línguas estrangeiras deve ser
também uma componente que deve ser acautelada/trabalhada pelas organizações
responsáveis pelo ensino do português língua estrangeira, pois esta tem sido igualmente
apontada como uma das causas para que haja esse desequilíbrio, uma vez que a produção
e perceção oral carecem de uma abordagem cuidadosa que passa pela identificação de
todas as fases dos referidos processos, isto é, a produção da cadeia sonora de acordo com
as regras articulatórias do sistema linguístico do português, a perceção da fala, enquanto
primeira etapa da compreensão, e a segmentação dos sons com base em unidades com
significados, enquanto segunda etapa, de formas a decifrar a mensagem ouvida .

Uma boa sequência didática é, assim, o primeiro passo para o sucesso de todo o processo
e a aplicação requer do professor um cauteloso controlo do tempo, o domínio dos assuntos
a serem abordados, bem como a capacidade para redirecionar as abordagens em caso de
necessidade. Para o caso da produção, perceção e interação oral, é preciso servir-se de
todos os meios que possam facilitar, desde os recomendados pelos documentos

22
Martins, Ana Maria, «Conceito de par mínimo», in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Respostas. 2008,
p. 1, acessível em «https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/a-definicao-do-conceito-de-par-
minimo/25303», acedido em 7 de Maio de 2018.
orientadores, a outros igualmente necessários para o sucesso do processo de ensino-
aprendizagem do português enquanto língua estrangeira.

A sequência didática apresentada como proposta pode ser adaptada de acordo com as
necessidades pontuais do contexto de aprendizagem e dos alunos, substituindo, por
exemplo, o texto utilizado por um outro que seja do interesse do aluno, que permita
trabalhar os pares mínimos e que, desta forma, contribue para a o calce das competências
orais em português língua estrangeira.

Bibliografia

António Macedo, Estudo da perceção (problemática) de vogais e de ditongos orais de


alunos de PLNM falantes de Mandarim. Braga: ILCH – Universidade do Minho.
Bagão, Maria Teresa Sousa, Compreensão oral em aulas de PLE: contributos para
atividades no nível C. Dissertação de mestrado. Porto: Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, 2014.
Coelho, L. & Oliveira, C., Manual de Pronúncia e Prosódia. Lisboa: Lidel Edições, 2014.
Conselho da Europa, Quadro Europeu Comum de Referência para as línguas:
aprendizagem, ensino e avaliação. Porto: Edições ASA, 2001.
Duarte, I. M. e Carvalho, A., Treino da oralidade na aula de PLE: uma experiência com
conversas orais informais no nível A. In Studia Universitatis Babes-Bolyai nº 2,
2018.
Finger, I. & Preuss, E., Atenção ao Input e Aprendizagem: o papel da instrução explícita
na aquisição do Espanhol como L2. In Letras de Hoje, 44 (3), 78-85, 2009.
Disponível online em: «http://hdl.handle.net/10183/169733». Acessado em 7 de
Maio de 2018.
Grosso, M. J. (Coord.), Quadro de Referência para o Ensino Português no Estrangeiro:
documento orientador. Lisboa: Ministério da Educação, 2011.
Joana Ferreira, Competência fonológica de alunos de português língua não materna que
frequentam o ensino regular português. Dissertação de mestrado. Lisboa:
Universidade Católica, 2014.
Leiria, I (coord.), Orientações Programáticas de Português Língua Não Materna –
Ensino Secundário. Lisboa: DGIDC /ME, 2008.
Martins, A., A definição do conceito de par mínimo. In Ciberdúvidas da Língua
Portuguesa. Respostas, 2008. Acessível em «https://ciberduvidas.iscte-
iul.pt/consultorio/perguntas/a-definicao-do-conceito-de-par-minimo/25303».
Acessado em 7 de Maio de 2018.
Pinto, P. F., A oralidade na aula de português para hispanofallantes. In Limite, nº 4, 2000,
pp. 141-151.
Rocha, R., Marcelo, Marmelo, Martelo e outras histórias (27ª edição). Rio de Janeiro:
Salamandra, 1976.
Shu Yang; Anabela Rato; Cristina Flores, Perceção das consoantes oclusivas de
português de PL2 sob influencia do Mandarim L1. In Diacrítica, 29 (1), 61-94.
Zabala, Antoni, A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998, p. 18

ANEXO I – SEQUÊNCIA DIDÁDICA


Centro de Línguas da Universidade do Minho
Disciplina: Português Língua Estrangeira
Tema: A produção, perceção e interação oral: os pares mínimos
Nível: A2.1 (A2.2)
Professor:
Duração da Aula: 2 horas
Data:

Unidade didática:
- Compreensão, produção e interação oral (Conforme o Programa de PLE, nível A2
do Instituto Camões).
Conteúdos:
- Leitura e compreensão do texto;
- Breve reflexão oral sobre o carácter convencional e arbitrário da língua e a
criatividade linguística (com base no texto);
- Exercícios de releitura e produção escrita;
- Caracterização de alguns sons da fala do português europeu;
- Métodos articulatórios dos sons da fala;
- Exercícios de articulação e perceção dos sons da fala.
Objetivos
Objetivos gerais: Objetivos específicos:
- Compreender o sentido global de um - Ler expressivamente um texto;
texto; - Ler silenciosamente um texto;
- Aperfeiçoar as competências de - Explorar, ao longo da leitura do texto, o
escrita dos alunos; vocabulário, através da consulta de
- Melhorar a comunicação oral dos significados no dicionário;
alunos; - Resolver os exercícios com base numa
releitura do texto;
- Melhorar a escrita através da resolução
dos exercícios de produção escrita;
- Ensinar os métodos articulatórios dos sons
da fala;
- Distinguir os pares mínimos dos sons em
palavras semelhantes;
- Fazer exercícios de audição e repetição
dos sons da fala;
- Direcionar a atenção do aluno aos sons
inexistentes na sua língua materna.
Recursos /Materiais:
Texto, imagens ou retroprojetor, quadro, canetas, além de todo o material diário dos
alunos
Competências a desenvolver:
- Competências linguísticas;
- Competências de leitura e de escrita;
- Competências discursivas;
- Competências socioculturais;
- Competências de literacia;
Atividades/ Estratégias

Atividade 1: Leitura e discussão oral: exploração vocabular e discussão do sentido global


do texto, bem como sobre o carácter convencional e arbitrário da língua e a criatividade
linguística com base no texto.

Depois de uma leitura silenciosa, cada aluno, indicado pelo professor ou de forma
voluntária, lê em voz alta um parágrafo enquanto os outros colegas acompanham. Nos
intervalos, o professor pergunta à turma se há, no parágrafo lido, alguma palavra ou frase
cujo sentido alguém não tenha percebido.

A seguir à leitura do texto, o professor começa uma discussão oral para a compressão do
sentido global do texto. Alguns exemplos de perguntas que podem ser feitas aos alunos
são:

1. Qual é o tema principal do texto?


2. Com quem Marcelo vive?
3. Por que razão Marcelo começou a usar uma linguagem diferente da do resto da
família?
4. Qual foi a consequência desta atitude de Marcelo?
5. O que aconteceu no fim da história? Marcelo mudou de comportamento?

Atividade 2 – Reconstrução do sentido do texto através de um exercício de produção


escrita.

Após a discussão oral, o professor pede para que os alunos se organizem em grupos de
três ou quatro elementos para que em conjunto possam responder às seguintes perguntas:

a. Rescreva as seguintes frases, substituindo as palavras destacadas por outras,


conforme o sentido que elas têm no texto.
1. Mamã, queres passar-me o mexedor?
2. Papá, dás-me o suco de vaca?
3. Bom solário para todos.
4. Sabem o que eu vi na rua? Um puxadeiro a puxar uma carregadeira.
5. O possuidor ficou danado.
6. Bom lunário.
7. Papá, embrasou a moradeira do Latildo!
8. Está uma branqueira danada!
b. Com a ajuda dos seus colegas, tente perceber por que razão usou as palavras
solário, lunário, moradeira, embrasou e latildo, ao invés de palavras conhecidas
por todos.

Atividade 3 – Explicar aos alunos que em Português, tal como em outras línguas, existem
sons muito parecidos e que, se trocados, podem consequentemente alterar o significado
da palavra. A explicação será feita usando a seguinte tabela:

Vogais bala – bela – bila – bola – bula


Ditongos pai vs pau / Rui vs rua
Oclusivas polo – bolo tia – dia cola – gola
Oclusivas nasais minho – ninho
Fricativas faca – vaca soar – zoar chá – já

Laterais falar – falhar – mal


Vibrantes carro – caro – mar

3.a – Teste dos pares mínimos:

Neste exercício, os alunos devem completar as frases abaixo com uma das palavras entre
parênteses:

1. A irmã do pai do Marcelo é _____(tia/dia) do Marcelo.


2. Marcelo precisava de uma_______(vaca/faca) para cortar o pão.
3. A pessoas têm que chamar as coisas ______(belo/pelo) mesmo nome.
4. Na ______(casa /caça) de Marcelo ninguém o entendia.
5. Marcelo ______ (orou/olhou) toda a noite de joelhos pelo seu cachorro.
6. Marcelo estava a ______(falhar/falar) uma língua diferente.
7. Marcelo precisava da colher para misturar o açúcar no____(já/chá).
8. Alguém passava na _______(lua/rua) e atirou uma ponta de cigarro.
9. A mãe do Marcelo______(pecou/pegou) na colher e deu ao Marcelo.
10. O cachorro________ (era/erra) o melhor amigo de Marcelo.
11. A forma de falar de Marcelo faria com que ele tirasse má _____(nota/mota) na
escola.
3.b – Correspondência imagem – som e som – imagem

Este exercício está dividido em duas partes: na primeira o professor pronuncia uma
palavra e o aluno vai ao quadro, onde estarão projetadas duas imagens, e escolhe a que
corresponde o som que ele ouviu; e na segunda parte faz-se um exercício inverso, isto é,
o professor mostra as imagens e o aluno vai pronunciando o som correspondente a
imagem que ele estiver a visualizar.

A.
B
Bola vs Bolo
Queixo vs Queijo

C D.
Selo vs Gelo Fila vs Filha

E. F.
Martelo vs Marmelo Fala vs Vala

G. H.
Pai vs Pau Beijo vs Beiço

Tarefa

- Procurar 10 pares de palavras parecidas em Português, bem como a diferença entre elas.

Avaliação

Observação do desempenho dos alunos (através da ficha de avaliação) ao longo:


- Da leitura e interação oral acerca do texto;
- Da realização dos exercícios de produção escrita;
- Da participação do trabalho em grupo;
- Da Perceção, distinção e produção dos sons nos exercícios propostos;

Ficha de Avaliação

A ficha de avaliação será preenchida com uma menção qualitativa do desempenho dos
alunos, expressa na seguinte escala: Mau (0 a 5), para os alunos que não reconheçam os
pares mínimos ou não articulem corretamente os sons em português na leitura,;
Insuficiente (6 a 9), para os alunos que apesar de articularem ligeiramente bem as palavras
ao longo da leitura, não seja suficiente para a compreensão do que leem e apresentem
muita insegurança na distinção dos pares mínimos; Suficiente (10 a 13), para os alunos
que, apesar das dificuldades, conseguem fazer-se perceber na leitura em voz alta e
manifestem uma média aceitável de acerto da distinção dos pares mínimos; Bom (14 e
15), para os alunos que, numa escala de ascensão apresentem uma leitura quase fluente e
distinguem os pares mínimos em, pelo menos 70%; Muito bom (16 e 17), para os alunos
que leem e distinguem os parem mínimos fluentemente, errando num ou noutro caso; e
Excelente (18 a 20), para os alunos que não cometem, nenhum erro na leitura em voz alta
e na distinção dos pares mínimos.

Nome do aluno Leitura Escrita Produção oral Perceção oral Interação oral
Aluno A Bom Suficiente Suficiente Insuficiente Suficiente
Aluno B
Aluno C
Aluno D

ANEXO 2 – TEXTO
MARCELO, MARMELO, MARTELO
(Todas as Coisas Têm Nome)

Marcelo vivia a fazer perguntas a toda a gente:


— Papá, por que é que a chuva cai?
— Mamã, por que é que o mar não derrama?
— Vovó, por que é que o cachorro tem quatro pernas?
As pessoas grandes às vezes respondiam. Outras vezes não sabiam como responder.
— Ah, Marcelo, sei lá...
Uma vez, Marcelo cismou com o nome das coisas:
— Mamã, por que é que eu me chamo Marcelo?
— Ora, Marcelo foi o nome que eu e teu pai escolhemos.
— E por que é que não escolheram martelo?
— Ah, meu filho, martelo não é nome de gente! É nome de ferramenta...
— E por que é que não escolheram marmelo?
— Porque marmelo é nome de fruta, menino!
— E a fruta não se podia chamar Marcelo, e eu chamar-me marmelo?
No dia seguinte, lá vinha ele outra vez:
— Papá, porque é que mesa chama mesa?
— Ah, Marcelo, vem do latim.
— Puxa, papá, do latim?! E latim é língua de cachorro?
— Não, Marcelo, latim é uma língua muito antiga.
— E por que é que esse tal latim não pôs à mesa nome de cadeira, à cadeira o nome de
parede e à parede nome de bacalhau?
— Ai, meu Deus, este menino deixa-me louco!
Daí a alguns dias, Marcelo estava a jogar futebol com o pai:
— Sabe, papá, eu acho que o tal latim pôs nomes errados nas coisas. Por exemplo: por
que é que bola se chama bola?
— Não sei, Marcelo, acho que bola lembra uma coisa redonda, não lembra?
— Lembra, sim, mas... e bolo?
— Bolo também é redondo, não é?
— Ah…, não! A mamã faz sempre bolo quadrado...
O pai do Marcelo ficou atrapalhado. E Marcelo continuou a pensar:
"Pois é, está tudo errado! Bola é bola, porque é redonda. Mas bolo nem sempre é redondo.
E por que será que a bola não é a mulher do bolo? E bule? E belo? E bala? Eu acho que
as coisas deviam ter nomes mais apropriados. Cadeira, por exemplo. Devia chamar-se
sentador e não cadeira, que não quer dizer nada. E travesseiro? Devia chamar-se
cabeceiro, lógico! Também, agora, eu só vou falar Assim”.
Logo de manhã, Marcelo começou a falar a sua nova língua:
— Mamã, queres passar-me o mexedor?
— Mexedor? Que é isso?
— Mexedorzinho, de mexer café.
— Ah... colherinha, queres tu dizer.
— Papá, dás-me o suco de vaca?
— Que é isso, menino!
— Suco de vaca, ora! Que está no suco do vaqueiro.
— Isso é leite, Marcelo. Quem é que entende este menino?!
O pai do Marcelo resolveu conversar com ele:
— Marcelo, todas as coisas têm um nome. E toda a gente tem que chamar as coisas pelo
mesmo nome porque, senão, ninguém se entende...
— Não acho, papá. Por que é que eu não posso inventar o nome das coisas?
O pai do Marcelo suspirou:
— Vai brincar, filho, tenho muito o que fazer...
Mas Marcelo continuava a não entender a história dos nomes. E resolveu continuar a falar
à sua moda. Chegava em casa e dizia:
— Bom solário pra todos...
O pai e a mãe de Marcelo olhavam-se e não diziam nada. E Marcelo continuava a
inventar:
— Sabem o que eu vi na rua? Um puxadeiro a puxar uma carregadeira. Depois, o
puxadeiro fugiu e o possuidor ficou danado.
A mãe do Marcelo já estava a ficar preocupada. Conversou com o pai:
— Sabes, João, eu estou muito preocupada com o Marcelo, com essa mania de inventar
nomes para as coisas... Já pensaste quando começarem as aulas? Esse menino vai dar
trabalho...
— Não, Laura! Isso é uma fase que passa. Coisas de criança...
Mas estava a custar a passar... Quando vinham visitas, era um caso sério. Marcelo só
cumprimentava dizendo:
— Bom solário, bom lunário... — que era como ele chamava o dia e a noite.
E os pais de Marcelo morriam de vergonha das visitas.
Até que um dia...
O cachorro do Marcelo, o Godofredo, tinha uma linda casinha de madeira que o senhor
João tinha feito para ele. E Marcelo só chamava a casinha de moradeira e o cachorro de
Latildo.
E aconteceu que a casa do Godofredo pegou fogo. Alguém atirou uma ponta de cigarro
pela grade e foi aquele desastre!
Marcelo entrou em casa a correr:
— Papá, papá, embrasou a moradeira do Latildo!
— O quê, menino? Não estou a entender nada!
— A moradeira, papá, embrasou...
— Eu não sei o que é isso, Marcelo. Fala direito!
— Embrasou tudo, papá, está uma branqueira danada!
O senhor João percebia a aflição do filho, mas não entendia nada... Quando o senhor João
chegou a entender o que Marcelo estava a dizer, já era tarde. A casinha estava toda
queimada. Era um montão de brasas. O Godofredo gania baixinho... E Marcelo,
desapontadíssimo, disse para o pai:
— Gente grande não entende nada mesmo!
Então a mãe do Marcelo olhou para pai do Marcelo. E o pai do Marcelo olhou pra mãe
do Marcelo. E o pai do Marcelo falou:
— Não fiques triste, meu filho. A gente faz uma moradeira nova para o Latildo.
E a mãe do Marcelo disse:
— É sim! Toda branquinha, com a entradeira na frente e um cobridor bem vermelhinho...
E agora, naquela família, toda a gente se entende muito bem. O pai e a mãe do Marcelo
não aprenderam a falar como ele, mas fazem um esforço para entender o que ele diz. E
nem se incomodam com o que as visitas pensam...

Ruth Rocha (Adaptado) in Marcelo, Marmelo, Martelo e Outras Histórias

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