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..AJEJOAO PAULO D


JOÃO PAULO l1 (Karo/ Josef Wojtyla, dito) revelado bastante comumcutivo, fala ''ários idiomas, ado­
Sumo Pontífiu católico. Nasceu em /8 de maio de 1920, em tando um estilo descontrafdo e natural. Tem como lema a
Wadowice, PolíJma Seus genitores eram humildes. Para defesa dos direitos humanos e a ••olorizaçâo do homem. o
sua manuunção, como seu pai, Karol foi operário de uma que lhe tem conferido grande popularidade entre os fiéis de
fábrica de produtos qmmicos. todo mundo, demonstrada em suas aparições na Praça São
Aos 22 anos mgressou no Seminário Maior de Cracó­ Pedro, no Vaticano ou em suas ••iagens internacionais que
•·io. DuranJe a ocupação alemã, o seminário foi fechado. vem empreendendo.
Às ocultas prosseguiu com seus estudos religiosos e ao Dentre as 1•iagens papais ou "peregrinações", uma
mesmo tempo trabalha1•a como mineiro. delas fo;_ao Brasil. Iniciou sua visita em 30 de junho de
1980, pôr Brasflia e percorreu em 12 dias ma is I 1 cidades
Ordenandore padre aos 26 anos, dirigiu-se para Roma
do pafs.. Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo,
onde frequtmnu os cursos de Teologia do Pontifício Ateneu
Aparecida do Norte (SP). Porto Alegre, Curitiba, Salvador.
Angélico Retomou à Polônia em 1948. Nessa época as
Recife, Fortaleza, Belém e Manaus. Foram JO.OOOquilôme­
portas da Faculdade de Teologia da Universidade de
lros de er curso nos quais o povo brasileiro o recebeu­
CracÓI'La foram cerradas, ocasião em que se transferiu B.
paro o Uni1a1idade Católica de Lubliana.
sempre l1t braços abertos e com muito emoção.
ém maio de 1981, sofreu um atentado, na Praça São
Sagrou-ft b1spo aos 44 anos e Cardeal aos 47. Assume Pedro, sendo gravemenu ferido a tiros. Porém, conseguiu
o lrono papal em 1978. h o 265" sucessor de São Pedro. recuperar-se, graças à sua grande energia física e espiri­
Joãn Paulo 11. durante o seu pontificado tem-se tual.
Idealização: \
,
I

RAUL MAIA

Roteiro e Legendas:
D ÉCIO GONÇALVES RIBEIRO GUIMARÃ ES

Supervisão Editorial:
ELIANA MAIA LISTA

Produção e Artes
GUIDO C. ARRICHI

Past-Up

JOSÉ CARLOS ROSSI

Composição:
ARTESTILO

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TODOS OS DLREITOS RE�ERVADOS
À

DIFUSAO CULTURAL DO LIVRO LTOA.


Rua Fortaleza, 53 - Fone: 37-9123
Bela Vista - São Paulo - Brasil
.
CEP. 01325
ROTE1RO DA VISITA DE JOAO PAULO 11 AO BRASIL
1980

BRAS ILIA
Chegada· 30·6, segunda, às 12h8m
Partida: 1·7, terça, às 9h30m

BELO HORIZONTE
Chegada: 1-7. terQa, às 10h25m
Partida: 1-7, terça, às 16h

RIO OE JANEIRO
Ch!!,gada� H. lerça, às 16h40m
Partida: 3-7. quinta, às âha<lm

SÂO PAULO
Chegada: 3-7, quinta, às 9h20m
Partida 4·7, sexta, às 811

APARECIDA
Chegada: 4-7. sexta, (Is 9h
Parltda 4-7, sexta, às 15h
TERESINA
PORTO ALEGRE Chegada: 8·7, terça, às 9h40m
Chegada 4-7, sexta, às 17h Partida: 8·7 terça, 1lh15m
Paruda 5·7, sábado. às 15h30m
SELEM
CUAITIBA Chegada: 8·7, terça, às 12h2Sm
Chegada 5·7. sâbado, às 16h Partidrr. 9·7, quarta, às 8h
Partida. 6-7 domingo, às 11h
FORTAlEZA • \
SALVADOR Cnegada: s-7. quUta, àS 9h30m
Chegada 6·7, domingo, à.s 13h20m Partida: 10·7, quinta, 6s 16h
Partida. 7·7 segunda, as 14h30m
MANAUS
Chegada:10-7 qui nta, às 18h30m
1·7 segunda, às 15h30m Partida I 1
8-7. terça. às aht5m 1l·7, sexta, às 17h
O beijo de João Paulo 11 no solo tem
um significado muito grande
O Papa João Paulo 11 tem uma im­
portância muito grande para a Humani­
dade.
Um o/leia!
Ele sabe o valor da terra para os da aeronáutica
povos que nela vivem ou que ar pos­ Indica o local
onde Sua
suem suas rafzes. Beijando a terra, ele Santidade
beija todos os habitantes do pais. OSCU/OU

� um ato altamente simbólico. Dar o a terra


brasiletra.
interesse de marcar o local em que ele
depositou o seu beijo.
Em todos os encontros com o povo,
João Paulo 11 tem se mostrado simples
e humilde. Demonstra seu interesse pe­
las classes pc;>bres e pelos problemas
que envolvem a sociedade. João Paulo 11 na catedral de Brasilia

Ele é despido de formalidades. É um O papa permaneceu por 25 .minutos


homem simples, de grande coração, e na catedral de Brasllia, e ouviu a apre­
profundamente preocupado com a paz sentação de um coral.
de todos os países do mundo. Ao fim ·da cerimônia, Sua Santidade
E sabe transmitir com espontaneida­ �começou a cantar o Credo em latim,
de o que pensa. Por isso, o povo se com o acompanhamento dos religiosos.
emociona com sua presença, pois vê Ao tomar a direção da sacristia, abra­
nele um sincero defensor dos direitos ... çou o padre polonês Alexandre Tschets­
da Humanidade. ch�tkin, que estava em Goiãnia des­
Esse grande afeto pelo ser humano é de 1949, e contava então 74 anos de
em grande parte revelado pelo ósculo na Idade.
terra, sem re sagrada, em que pisa.

8 João Paulo 11 em Brasília, juntamente com o Presidente Fígu,eiredo,


Primeira comunhão a cria nças O papa no Palácio do Planalto
brasileiras
Durante sua visita de aproximada­
A missa foi assistida por aproxima­ mente duas horas ao Palácio do Pla­
damente oitocentas mil pessoas, na Es­ nalto, o papa manteve uma conversa
planada dos Ministérios, constituindo a reservada com o Presidente Figueiredo,
maior concentração popular já ocorrida tendo sido apresentado à sua famflia.
em Brasflia. Pronunciou um demorado discurso a
Um grupo de crianças entregou ao cerca de seiscentas pessoas, não tendo
papa a chave da cidade, após o que apresentado, em nenhum instante, sinais
João Paulo 11 acenou para a multidão de cansaço.
e subiu a escada, beijando em seguida
Sua chegada ao Palácio do Planalto
o altar.
deu-se exatamente às 17 horas e 30
Depois do Evangelho, o papa realizou
minutos, como constava do programa.
um sermão de aproximadamente trinta
minutos, no qual advertiu religiosos e O Presidente João Baptista Figueire­
leigos de que sua ação pastoral deve do tinha-se postado à porta do palácio,
ser pautada pela consciência de que a cinco minutos antes, para receber Sua
missão da Igreja não pode ser repre­ Santidade.
sentada apenas pelo aspecto sócio-po­ duando João Paulo 11 e o Presidente
Htico, pois sua essência é revelar o que Joãb Baptista Figueiredo se encontra­
Deus anunciou sobre si mesmo e sobre vam na rampa, pronunciaram seus dis­
o destino da Humanidade. cur9 os e trocaram presentes (um qua­
João Paulo 11 ministrou, num aconte­ dro da Primeira Missa, de Glauco Ro­
cimento comovente, a comunhão a 96 drigues, para o papa; e Cristo sobre
meninos, que representavam todas as uma placa de mármore, para o Presi­
comunidades católicas de Brasília. dente Figueiredo).
lO
o papa abençoa o povo
mineiro na concentração
caractertzsds por
impressionante fervor
religioso.
Dois momentos
tmporrantes da visita
do papa ao Rto de
Janeiro. Maracani a
Aterro da Glória.
O Inesperado descanso do papa na favela do Vldlgaf

Detalhas do altar no Aterro da Glória.

16
Sua Santidade na concentração do MorumbJ. A m1ssa no Campo de Marre.

... .

Em um trecho da sua homilía, diz o


Santo Padre:
''O Bem-aventurado Anchieta chegou
aqui, a esta parte de vossa grande
Nação, o Brasil, em 1554. A cidade
ainda não existia: havia apenas alguns
aglomerados de aborígenes. Chegou
aos 24 de janeiro, vigíría da festa da
Conversão de São Páulo. A primeira
Missa aqui celebrada, portanto, foi exa­
tamente em honra do Apóstolo dos
Gentios, e a ele foi dedicada a vila que
devia surgir ao redor da pequena chou­
pana- a "Igrejinha"- que seria o seu
coração. Daí o nome desta vossa cidade
de São Paulo, hoje sem dúvida a maior
do Brasil."
E termina:
"Queira Deus, por intercessão do
Beato José de Anchieta, dar-vos a gra­
ça de viver como ele en�is;lou, como nos
convida com o exemplo. de sua exis­
tência."

1!!
O Papa no Gtnásio de Esportes Glgantlnho em Porto Alegre

Na capital gaúcha. o Papa conheceu o


tradicional chimarrão.

..

Porto Alegre

11Vim para conhecer-vos melhor,


para escutar-vos, para
entrar em diélogo convosco."

Porto Alegre também, como não po­ terpelados e desejam alguém que lhes
deria deixar de ser, dispensou o maior indique as metas e o caminho para
entusiasmo à recepção ao papa, e ele responder com acerto à pergunta: para
se referiu à grande responsábilidade of\lie vais? E vós, não sois ou quereis
da capital gaúcha quanto ao futuro da ser.esse alguém?"
Igreja no Brasil:
"Efetivamente, de vós depende, em Disse João Paulo 11 que a vocação
boa medida, o futuro da Igreja nesta sacprdotal de cada um "se funde até
grande, bela e promissora nação bra­ certo ponto com o seu próprio ser: po­
sileira. Nela, o povo de Deus peregrino de-se dizer que vocação e pessoa se
e os homens em geral se Sentem in- tornam uma coisa só."
20
Chegada do papa a Salvador Nos Alagados, uma das reg1ões ma1s pobres de
Salvador, um enconrro nco de emoç6es entre Sua
Santidade e uma cnança
..

Salvador
11
··e preciso tirar do passado as riÇÕes para o futuro.

E João Paulo 11 pisou as terras da tirar do passado as lições para o futu­


Bahia. onde o Brasil nasceu, onde Frei ro. É preciso promover o verdadeiro
Henrique de Coimbra celebrou a Pr.imei­ progresso, processo de desenvolvimen­
ra Missa do Brasil. Ninguém mais do to integral, salvando a todo custo os
que a Bahia para tirar lições do seu sagrados valores da fé, da moral e da
passado para aplicá-las com aproveita­ família. Esse é, queridos filhos e filhas,
mento, não só no seu futuro, como no o .�rande desafio que deveis enfrentar.
futuro da Pátria. Essa é a vossa tarefa, irmãos no epis­
copado, sacerdotes, reiigiosas e I eigos
Referindo-se às muitas provas da católicos. Esforçai-vos por não desme­
grande religiosidade dos brasileiros, reqer as esperanças que o papa depo­
disse Sua Santidade: Sita em vós. Sede dignos dos missio­
"Entretanto, é preciso olhar mais nários que vos evangelizaram, dignos
para a frente que para trás. t: preciso dos cristãos que vos precederam na fé.''
22
• \,
I

Em Teres/na. detalhes de multidão saudando o papa, �ue


corresponde carinhosamente ao povo

Teresina
,.Eu sei, o papa é piauiense . ,.

Tantas vezes João Paulo 1 1 ouviu a "Gostaria de ficar convosco um tem­


frase: "O papa nos pertence, o papa é po mais longo, mas se encontra um
piauiense'', que acabou, num gesto sim­ programa que o papa deve obedecer.''
pático, por concordar: "Eu sei, o papa �iante da chuva que João Paulo li

é piauiense.'' hàVia enfrentado na Bahia, em contras­


E sua emoção chegou a tal ponto, qúe te com o tempo I impido reinante no
disse: Piªui, ele não pôde deixar de dizer:
"Não apenas o povo abraça o papa, f'Ontem. choveu muito na Bahia. Eu
mas também o papa abraça o povo." seria contente se essa chuva caísse no
Mais adiante, não pôde deixar de con­ vosso país." Trocando a palavra Estado
fessar: pela palavra italiana paese.
24
Em Fortaleza, a grande
exaltação ao papa

..

Fortaleza
'*Coragem, innãos e innãs, coragem sempre.''

Uma das qualidades inegáveis de E sabendo disso, ele conclamou com


João Paulo 11, que o tornam um líder exatidão: "Coragem, irmãos e irmãs,
mundral, é o conhecimento exato das coragem sempre." E aludiu à importân­
condições em que vive cada povo, tão cia do X Congresso Eucarrstico Nacio­
exato, que dá a impressão de haver Sua na�'-em Fortaleza, concluindo: HQueri­
Santidade convivido com cada povo a do�irmãos e irmãs, no sinal do pão da
que se refere. vida, que é Cristo, e na expectativa da
missa da abertura do Congresso Euca­
Ele conhece bem as agruras que en­ rrsN o, renovo minha saudação cordial
frentam as pessoas pobres do Ceará, e amiga e vos dou a minha bênção:
onde mesmo a terra parece colaborar Em nome do Pai, do Filho e do Espírito
oara o agravo de seu sofrimento. Santo."
26
}
I

P RINCIPAIS
HOMILIAS E MENSAGENS
DE SUA SANTIDADE
AOS BRASILEIROS

... .
homens, seus irmãos. Todos deixaram sulcos profun­ Territórios, ir a todas as comunidades eclesiais desta
dos na alma e na civilização brasileiras. O Papa quer, grande e amada Nação. E quantos me convidaram
com esta rápida alusão, render um preito de gratidão, insistentemente a fazê-lo!
em nome da Igreja, a todos eles. Compreendeis certamente que isto não me será
. possível. Por isso, ao pisar este solo brasileiro pela
Assun tão intimamente Ligada à história pátria, a
p�meira vez, meu pensamento e minha amtzade
história da Igreja no Brasil apresenta-se marcada
djfigem-se, através dos que aqui estão, àqueles que
sobretudo pela fidelidade a Cristo e à sua Igreja.
não estão e desejartam estar; a tantos que se acham
6. Espero, desejo e peço a Deus que a minha
irJlpedidos de participar dos encontros com o Papa,
visita sirva de estímulo a uma crescente consolidação
por deveres de família, de trabalho, de ministério e
da Igreja, comunidade de salvação no meio de vós,
apostolado, ou por razões de pobreza, de doença ou
em benefício de todos os brasileiros e da Igreja
de idade. O Papa pensa em cada um. Ele ama a todo11
universal!
e a todos envia um cumprimento bem brasileiro: "um
E com o meu itinerário de fé quer ser também abraço!".
peregrinação ao encontro do homem, das pessoas Com este gesto de amizade. recebei os meu
humanas, abraç.o neste momento - ao menos em votos de felicidades: Deus abençoe o vosso Brasil.
espírito - cada pessoa que vive nesta pátria brasilei­ Deus abençoe a todos vós, brasileiros. com a paz e a
ra. Gostaria de poder encontrar-me e falar com todos prosperidade, a serena concórdia na compreensão c
e com cada um de vós, amados filhos do Brasil. oa fraternidade. Sob o olhar materno e a proteção de
Visitar cada família, conhecer todos os Estados e Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil I

.�

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Vocês estão resolvidos a construir uma sociedade mação bastante radical para ser apreciada por um
justa, livre e próspera, onde rodos e cada um possam JOvem. Germe e princípio da úruca revolução que não
gozar dos benefícios do progresso. trai o homem. Só o amor verdadeiro constrói.
4. Eu vivi, na minha juventude, estas mesmas convic­ 6. Se o jovem que eu fui, chamado a viver a
ções. Eu as proclamei, jovem estudante, pela voz da juventude em um momento crucial da história, pode
literatura e pela voz da arte. Deus quis que elas iizer algo aos jovens que vocês são, penso que lhes
rec�bessem sua têmpera ao fogo de uma guerra, cuja diria: Não se deixem instrumentalizar!
atrocidade não poupou o meu lar. Vi conculcadas, de Procurem estar bem conscientes do que vocês
muitas maneiras, essas convicções. Temi por elas, pretendem e do que faze01. Mas vejo que isso mesmo
vendo-as expostas à tempestade. Um dia, decidi lhes disseram os Bispos da América Latina, reunidos
confrontá-las com Jesus Cristo: penset que era o em Puebla no ano passado: "Formar-se-á no jovem o
único a revelar-me o verdadeiro conteúdo e valor sentido critico frente aos contravalores culrurais que
delas e de protegê-Las contra não sei que inevitáveis as diversas ideologias tentam transmitir-lhe'' (Puebla,
desgastes. 1197), especialmente as ideologias de caráter matena·
Tudo isso, essa tremenda e valiosa experiência lista. para que não seja por elas manipulado. E o
me ensinou que a justiça social só é verdadeira, se Concílio Vaticano li: "É preciso construir incessan­
baseada nos direitos do indivíduo E que esses temente a ordem social, tendo por base a verdade
direitos só serão realmente reconhecidos, se for construída na justiça e animada pelo amor, e encon­
reconhecic;ia a dimensão transcendente do homem, trar, na liberdade, um equilíbrio sempre mais huma­
criado à imagem e semelhança de Deus, chamado a no·' (Gaudium et Spes, 26).
ser seu filho e irmão dos outros homens, e destinado Um grande predecessor meu, o Papa Pio XII,
a uma vida eterna. Negar esta transcendência é adotou como lema: ''Construir a paz na justiça''.
reduzir o homem a instrumento de domínio, cuja Penso que é um lema e sobretudo um compromisso
sorte está sujeita ao egoísmo e ambição de outros digno de vocês, de vocês jovens brasileiros!
homens. ou à onipotência do Estado totalitário, 7. Receio que muitos bons desejos de construir uma
erigido em valor supremo. �ociedade justa naufraguem na inautenticidade e se
No próprio movimento interior que me levou à esvaziem como bolha de sabão por faltar-lhes o
descoberta de Jesus Cristo e me arrastou irresistivel­ sustento de um sério empenho de austeridade e
mente a ele, percebi algo que bem mais tarde o frugalidade. Em outras palavras, é indispensável
Concílio Vaticano II exprimiu claramente. Percebi saber vencer a tentação da chamada "sociedade de
que "o Evangelho de Cristo anuncia e proclama : cottsumo' ', da ambição de 1er sempre mais, em vez de
liberdade dos filhos de Deus e rejeita toda escravi­ procurar ser se mpre mais, da ambição de ter sempre
dão, derivada, em última análise, do pecado, respeita mais, enquanto outros têm sempre menos. Penso que
integralmente a dignidade da consciência e a sua aqui, na vida de cada jovem, ganha sentido e força
decisão livre; adverte incansavelmente que todos os concretos e atuais a bem-aventurança à pobreza em
talentos humanos devem ser desenvolvidos, para c espírito: no jovem rico para que aprenda que o seu
serviço de Deus e o bem dos homens; e, finalmente. supérfluo é quase sempre o que falta a outros e para
recomenda a todos à caridade de todos. Isto corres­ que não se retire rriste (cf Mt 19,22), quando
ponde à lei fundamental da proposta cristã (Gaudium perceber. no fundo da consciêncta, um apelo do
et Spes, 41). Senhor a um desapego mais pleno: no jovem que vive
5. Aprendi que um jovem cristão deixa de ser jovem, a dura contingeocia da incerteza quanto ao dia de
e há muito não é cristão, quando se deixa seduzir por amanhã, talvez ate na Come, para que, buscando a
douoinas ou ideologias que pregam o ódio e a legítima melhoria de condições para si e para os seus,
violência. Pois não se constrói uma sociedade justa seja atraído pela dignidade humana, mas não pela
sobre a injustiça. Não se constrói uma sociedade que ambição, pela ganância, pelo fascínio do supérfluo.
mereça o título de humana, desrespeitando e, pior Meus amigos, vocês são também responsãvets
ainda, destruindo a liberdade humana, negando aos pela conservação dos verdadeiros valores que sempre
indivíduos as liberdades fnais fundamentais. honraram o povo brasileiro. Não se deixem levar pela
Partilhando, como sacerdote, bispo e cardeaJ, a
exasperação do sexo, que abala a autenticidade do
amor humano e conduz à desagregação da família.
vida de inúmeros jovens na Universidade, nos grupos
"Não sabeis que vosso corpo é um templo, e o
juvenis, nas excursões de montanhas, nos círculos de
Espírito Santo habita em vós?", escrevia São Paulo
reflexão e oração, aprendi que um jovem começa
no texto que escutamos.
perigosamente a envelhecer, quando se deixa enganar
pelo princípio, fácil e cômodo, de que "o fim jus
' tifica Que as moças procurem encontrar o verdadeiro
os meios", quando passa a acreditar que a única feminismo, a autêntica realização da mulher como
esperança para melhorar a sociedade está em promo­ Pf.ssoa humana, como parte integrante da família, e
ver a luta e o ódio entre grupos sociais, na utopia de como parte da sociedade, numa participação cons­
uma sociedade sem classes, que se pode revelar bem dente, segundo as suas características.
cedo na criação de novas classes. Convenci-me de 8. Retomo, ao terminar, as palavras-chaves que
que só o amor aproxima o que é diferente e realiza a recolhemos das leituras desta Missa:
urtião na diversidade. As palavras de Cristo: "Eu vos 1 cumprir o dever e praticar a justiça;
dou um novo mandamento, que vos amei uns aos - não construir sobre outro fundamento que nãc
outros como eu vos amei" Oo 15,12), apareceram-me seja Jesus Cristo;
então, para além de sua inigualável profundidade - ter uma resposta a dar ao SenhOI quando eh
teológica, como germe e princípio da única transfor- pergunta: "Para você, quem sou eu?".
Mensagem às Crianças
.

São Paulo, 3 de julho de 1980

Queridos meninos e meninas: o papa está muito isso, Ele pensa sempre em cada um de vocês. Sabem
contente por estar aqui no meio de vocês, porque por quê? Para o mundo dos homens se tornar melhor
gosta muito das crianças. Deus Nosso Senhor e Jesus e não haver tantos meninos e meninas assim 'lofren­
também gosta, por isso, em nome de Jesus, um do. Vamos ser todos bons, rezar e fazer o que Deus
abraço a cada um de vocês. Estão contentes? quer de nós: numa palavra, vamos amar a Deu� sobre
Vocês já repararam, ou ouviram dizer que hâ todas as coisas e amar as pessoas todas como
muitas crianças, até mesmo no Brasil, que não tem gostaríamo1. que nos façam a nós. Vamo� passar a
comida que chegue, que não podem ir à escola por vida toda fazendo o bem, como Jesus, e Deus ficará
não ter roupas nem livros, que estão doentes sem contente. Assim como lhes ensinam as pessoas
ninguém para as tratar, que andam pela rua por não grandes. Para esta casa, para o� padres e todos da
ter casas, que estão sozinhas e são maltratadas por famOia de vocês, seu� pais, suas mães e paru todos
não ter quem as ajude. O que vamos fazer? que lhes fazem bem, vão minhas bênçãos com votos
Eu quero dizer para vocês que Deus os ama, está de felicidades. Antes vamos pedir a Nossa Senhora,
com todos e todos são importantes para Ele. Por mãe do Céu e de Jesus, que lhe diga muito obrigado.

..

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\"
I

Homilia proferida duranrt a Missa do Rio de Janeiro,


1" de julho de 1980
I Meu lrmio multo c:aro, Arcebtspo de Sio Sebastião
do Rlo de Janeiro e seus Bispos Auxiliares;
Queridos Ulbos habitantes desta Cidade maravilhosa;
Queridos fllbos vindos de outros pontos do BruU para
este encontro:

J. Muitos dos que nesta hora participam desta Euca­ membros. Santo Agostinho pensava em tudo isto
ristia estarão evocando na memória do coração quando chamava a Eucaristia: "sacramentum pieta­
outras Missas celebradas neste mesmo lugar. em tis, signum unitatis, vinculum caritatis" (ln Joannis
julho de 1955. Realizava-se o J.So Congresso Eucarís­ Evang. Tract. XXVI, cap. 6 no 13; PL 3S. 1611).
tico Internacional; e, sobre uma faixa de terra con­ Ao celebrar esta Eucaristia volto os olhos espiri­
quistada ao mar, mãos de artistas haviam elevado o tualmente para todos os quadrantes deste imenso
altar-monumento, sobre o qual o Legado Pontifício Pait;, tento abraçar com um só olhar os cento e vmte
abrira e encerrara o grande acontecimento. A voz de milhões de brasileiros e rezo pela imensa família
meu imortal Predecessor, Pio XII, aqui ressoou com constituída por todos os filhos desta Pafria e pelos
uma mensagem de pai para um milhão de pessoas que aqui encontraram um novo lar
congregadas neste lugar. J. POSJO fazer-vos uma confidência? A primeira vez
Não posso deixar de relembrar, eu próprio, este que me falaram do Brasil, quando eu sabia bem
25• aniversário, felz
i por poder fazê-lo convosco e no pouco deste País, não foi para cantar suas belezas
meio de vós, no momento em que preparais o já naturais, que são maravilhosas, nem para exaltar as
imjnente IQo Congresso Eucarístico Nacional de For­ riquezas do seu solo e subsolo, que são inesgotáveis;
taleza. Queira Deus que esses enventos recordados, nem para ressaltar os feitos deste ou daquele brasilei­
vividos, esperados, renovem a vossa ação de araças ro notãvel Quem me falava - e era um grande
ao Senhor; e que saibais exprimi-la na ação de graças conhecedor do Brasil - me dizia apenas que esLa era
por definição e por excelência, que é a Eucaristia, em uma grande Nação, malgrado todos os seus eventuais
cuja devoção Eles vos faça crescer. 'problemas, porque aqui se encontram todas as raças,
gent� vinda de todos os horizontes do mundo, reuni­
O dom da Eucaristia das.num só povo, sem preconceitos e sem discrimina­
2. Um sacerdote- seja ele o Papa, um bispo ou um ção ou segreg ação, numa clara fusão de espírito e
pároco do interior - ao celebrar a Eucaristia, um corações. "É uma famt1ia", djzia, encantado, meu
cristão ao participar da Missa e receber o Corpo e o interlocutor.
Sangue de Cristo não podem deixar de abismar-se nas Rezo para que não venha jamais a dibilitar-se ou a
maravilhas deste Sacramento. São tantas as dimen­ perecer este espírito de famOia. Para que ela e
sões que nele se podem considerar: é o sacrifício de prevaleça sobre qualquer germe de discórida ou
Cristo, que misteriosamente se renova; são o pão e o divisão, sobre qualquer ameaça de ruptura ou separa­
vinho transformados, transubstanciados no Corpo e ção. Rezo para que, havendo cada vez menos düe­
Sangue do Senhor; é a Graça que se comunica por renças entre os brasileiros no que se refere ao
este alimento espiritual à alma do cristão ... Quero, .Progresso e ao bem-estar, às oportunidades diante
nesta ocasião, fixar-me em um aspecto não menos dos bens da cultura e da civilização e às possibilida­
significativo: a Eucaristia é uma reunião de família, des de encontrar trabalho digno, ter saúde e instru­
da grande familia dos cristãos. ção, educar os filhos, se tome sempre mais realidade
O Senhor Jesus quis instituir este grande sacra­ a "grande famOia" de brasileiros de que Calava
mento por ocasião de um importante encontro fami­ aquel l(. meu primeiro professor de Brasil. Rezo ainda
liar: a Ceia pascal, e naquela ocasião sua fanúlia para • lJue a um mundo freqüentemente dominado
foram os Doze, que com Ele viviam há três anos. Por pelas tontendas entre povos e raças, o Brasil possa
muito tempo, nos inícios da Igreja, era em casas de dar - sem ostentação- antes com a espontaneidade
famflia que outras famílias se reuniam para a ''!ração e a naturalidade que caracterizam a sua gente - uma
do pão". Cada altar será sempre uma mesa, em tomo lição essencial, a da verdadeira integração: de como
da qual se congrega mais ou menos numerosa uma podem viver como uma só famüia, dentro de um
famOia de irmãos. A Eucaristia ao mesmo tempo país-continente, pessoas vindas dos mais diversos
reúne esta fanúlia, manifesta-a aos olhos de todos, recantos do mundo. E rezo, enfim, pelos membros
estreita os laços que unem aos outros os seus desta "grande famOia", que repousam sob este

36
Ninguém tem o direito de trair esta expectativa ou brasileira. Partilhar a felicidade das famílias felizes e
decepcionar este reclamo, disfarçando por timidez, com elas render graças ao Senhor. Estar junto das
insegurança ou falso respeito os verdadeiros critérios famflias que choram, por algum sofrimento escondi­
ou oferecendo critérios duvidosos, quando não aber­ do ou visível, para dar, se possível, algum conforto.
tamente desviados do ensinamento de Jesus Cristo Falar às famílias onde nada falta, para convidá-las a
transmitido pela Igreja. · di�tribuir o que lhes sobra e que pertence a quem não
8. Irmãos e filhos caríssimos, ao termo desta refle­ tem. Sentar-se à mesa das famílias pobres, onde o
xão, voltemos a atenção para os textos do Novo pão é escasso, para ajudá-las, não a tornar-se ricas no
Testamento, que tivemos a alegria de escutar nesta sentido em que o Evangelho condena a riqueza, mas a
Liturgia. ciAquistar aquilo que é necessário para uma vida
Um deles, o do Evangelho de São Judas, retoma o diena.
ensinamento de Jesus na Sinagoga de Cafarnaum
sobre o Pão da Vida: este pão, segundo assegura o Se este é um desejo impossível, quero ao menos,
Senhor, é sua própria carne que, feita alimento dos tomando em minhas mãos daqui a pouco o Corpo de
seus discípuJos, lhes dá uma vida que começa aqui na Jesus e seu Sangue precioso, fazer um voto e uma
terra e desabrocha na eternidade. A promessa feita oração: que esta Eucaristia celebrada neste templo
em Cafarnaum se realiza plenamente na última Ceia e sem fronteiras sob a cúpula deste céu do Rio de
no mistério da Eucaristia. Este é o pão que se faz Janeiro, bem mais vasta e grandiosa do que a de
Corpo de Cristo para dar a vida aos homens. Minguei Ângelo, se torne iom.'! de verdadeira vida
O desejo mais íntimo e mais vivo do Papa nesta para o povo brasileiro para que ele seja uma veroadei­
hora seria o de poder, por algum milagre, penetrar em ra família e para cada família brasileira para que seja
cada lar do Brasil, ser hóspede de cada família célula formadora deste povo.

... •

38
ser a Igreja dos pobres, isto é, quer e>�trair toda a Que esta verdade os inquiete!
verdade contida nas bem-aventuranças de Cristo e Seja parà eles uma admoestação contínua e um
sobretudo nesta primeira: "Bem-aventurados os po­ desafio!
bres em espírito...". Quer ensinar esta verdade e Não lhes permita, nem ao menos por um minuto,
quer pô-la em prática, assim como Jesus veio fazer e . tornarem-se cegos pelo egoísmo e pela satisfação dos
ensinar. pr� prios desejos.
A Igreja deseja, pois, extrair do ensinamento '
das oito bem-aventuranças tudo aquilo que nelas se Se tens muito, se tens tanto, recorda-te que deves
dar muito, que há tanto que dar. E deves pensar
refere a cada homem àquele que é pobre, que viver
como dar- como organizar toda a vida socio-econô­
na miséria, àquele que vive em abundância e bem-es­
mica e cada um dos seus setores, a fim de que esta
t.ar e, enfim, àquele que possui excessivamente e que
tem de sobra. A mesma verdade da primeira bem­ vida tenda à igualdade entre os homens e não a um
aventurança refere-se a cada um de modo diverso. abismo entre eles.
Aos pobres - àqueles que vivem na miséria­ Se conheces muito e estás colocado no alto da
ela diz que estão particularmente próximos de Deus e hierarquia social, não te deves esquecer, nem sequer
de seu reino. Mas, ao mesmo tempo, diz que não lhes por um segundo, de que, quanto mais alto alguém
é permitido - como não é permitido a ninguém - está, mais deve servir!
reduzirem-se arbitrariamente à miseria a si próprios e Servir aos outros. De outra forma, encontrar-te­
às suas famílias: é necessário fazer tudo aquilo que é ás em perigo de afastar a ti e tua vida do campo das
lícito para assegurar a si e aos seus tudo aquilo que é bem-aventuranças e em particular da primeira delas:
necessário à vida e à manutenção. Na pobreza é "Bem-aventurados os pobres em espírito'·. São "po­
necessário conservar sobretudo a dignidade humana bres em espírito" também os "ricos" que, é medida
e também aquela magnanimidade, aquela abertura do da própria riqueza, não cessam de "dar-se a si
coração para com os outros, a disponibilidade pela mesmos" e de "servir os outros".
qual se distinguem exatamente os pobres -os pobres S. Assim, pois, a Igreja dos pobres fa1a primeiro e
em espírito. acima de tudo ao homem. A cada homem e por isto a
Àqueles que vivem na abundllncia ou, ao tod2s os bomens. � a Igreja universal. A Igreja do
menos, em um relativo bem-estar, para a qual têm o Mistério da Encarnação. Não é a Igreja de uma classe
necessário (ainda que talvez não lhes sobre grande ou de uma só casta. E falam em nome da própria
coisa!), a Igreja, que quer ser a Igreja dos pobres, diz: verdade. Esta verdade é realista. Tenhamos em conta
"Usufruí os úutos do vosso trabalho e de uma lícita cada realidade humana, cada injustiça, cada tensão,
industriosidade, mas, em nome das palavras de .. cada lata. A Igreja dos pobres não quer servir aquilo
Cristo , em nome da fraternidade humana e da solida­ que causa as tensões e faz explodir a luta entre os
riedade social, não vos fecheis em vós mesmos! homens. A única luta, a única batalha a que a Igreja
Pensai nos mais pobres! Pensai naqueles que não têm quer servir é a nobre luta pela verdade e pela justiça e
.o sufjciente, que vivem na miséria crônica, que a batalha pelo bem verdadeiro, a batalha na qual a \
sofrem fome! E partilhai com eles! Partilhai de modo Igreja é solidária com cada homem. Nesta estrada, a
programático e sistemático. A abundância material Igreja luta com a ''espada da palavra··, não poupando
não vos prive dos frutos espirituais do Sermão da os encorajamentos, mas também as admoestações, às
Montanha, não vos separe das bem-aventuranças dos vezes muito severas (tal como Cristo o fez). Muitas
pobres em espírito. veze� até ameaçando e demonstrando as conseqüên­
E a Igreja dos pobres diz o mesmo, com maior cias da falsidade e do mal. Nesta sua luta evangélica,
força, àqueles que têm de sobra que vivem na a I�eja dos pobres não quer servir a fins imediatos
abundância, que vivem no luxo. Diz-lhes: "Olhai um politicas, as lutas pelo poder, e, ao mesmo tempo,
pouco ao redor! Não vos dói o coração? Não sentis procura com grande diligência que suas palavras e
remorso na consciência por causa da vossa riqueza e ações não sejam usadas para taJ fim, que sejam
abundância? Se não - se quereis somente "ter" ''instrumentalizadas'·.
sempre mais, se o vosso ídolo são o lucro e o prazer A Igreja dos pobres fala, pois, ao "homem": a
- recordai que o valor do homem não é medido cada homem e a todos. A o mesmo tempo fala às
segundo aquilo que ele ·'tem'·, mas segundo aquilo , sociedades, às sociedades na sua globalidade e às
que ele i Portanto, aquele que acumulou muito, e
" ".
diversas camadas sociais, aos grupos e profissões
acha que tudo se resume nisto, lembre-se de que pode diversas. Fala igualmente aos sistemas e às estruturas
va1er (no seu fntimo e aos olhos de Deus) muito sociais, sócio-económicas e sócio-políticas. Pala a
menos do que alguns daqueles pobres e desconheci­ língua do Evangelho, explicando-o também à luz do
dos - que talvez possa "ser muito menos homem" progresso da ciência humana, mas sem introduzir
do que ele. elementos estranhos, heterodoxos, contrários ao seu
A medida das riquezas, do dinheiro e do luxo não espírit2_. Fala a todos em nome de Cristo e fala
é equivalente à medida da ver�deira dignidade do tambólft em nome do homem (panicularmente àque­
homem. les aoSo quais o nome de Cristo não diz tudo, não
Portanto, aqueles que têm em superambundãncia exprime toda a verdade sobre o homem que este
eviiem o fechar-se em si mesmos, o apego à própria nome contém).
riqueza, a cegueira espiritual. Evitem tudo isto com � Igreja dos pobres fala, pois, assim: Fa.z.ei tu
todas as forças. Não cesse de acompanhá-los toda a do,vós,,anicuJarmente , que tendes poder de decisão,
verdade do Evangelho e sobretudo a verdade contida vós dos quais depende a situação do mundo, fazei
nestas palavras: "Bem-aventurados os pobres em tudo para qut a vida de cada homem, na vossa terra,
espírito, porque deles é o reino dos céus .. . '' (Mt 5,3). se tome "mais humana", mais digna do homem!
40
lI

Encontro EcUmênico ...

Porto Alegre, 4 de julho de 1980


Caríssimos Irmãos no Senhor

''Oh! como é bom e agradável os irmãos reuni­ Cristo, para que as exigências dessa mesma fé, fonte
dos'' (SI !Jl,l). de caridade e de justiça, se traduzam na vida concre­
l. É este o sentimento que me domina a alma ao ta, particular e pública, de vossa nação.
compartilhar com os senhores, representantes de
Não posso, por isso, deixar de mencionar aqui o
muitas comunidades evangélicas no Brasil, este mo­
mento espiritual de oração de encontro no Senhor. É que se fez., no âmbito de colaboração entre cristãos,
em favor dos direitos humanos c de sua plena
Ele, com efeiLo, quem nos une com sua graça. c
vigência. E, ao dizer isto, refiro-me não só a certas e
quem, por seu Santo Espfito, nos dá, a uns e outros,
importantes iniciativas no plano da apresentação e
a força para proclamarmos diante do mundo e "pu­
fundamentação evangélica de tais direitos, mas taro·
blicamente, a Jesus Cri sto como Deus e Senhor e
bém ao trabalho cotidiano, em tantos Jugares e
único Mediador entre Deus e os homens, parn glória
cirkunstâncias tão diveTSas, peta defesa e promoção
do único Deus, Pai , Filho e Espírito Santo" (Unitatis
de homens e mulheres, especialmente dos mais
Redintegratio, 20).
pobres e esquecidos, que a sociedade atual tende
Se muitas coisas ainda nos separam, no plano da
freqüentemente a abandonar a si próprios e a margi­
fé e do agir cristão, isso, longe de deixar-nos indife­
nalizar, como se não existissem ou como se sua
rentes ou, ainda pior, de fechar-nos em nós mesmos,
-. existência não contasse. O caminho da Igreja, na
"

deverá levar-nos, e de fato já nos leva, a procurar


verdade, o homem", como pretendi expUcar em
mais intensa e mais fielmente a união plena, através
minha primeira Encíclica, "Redemptor Homínis"
de conversações e encontros, através do diálogo
(14). Desta forma, põem-se também em prática diver­
sincero e leal, através do testemunho comum dado
sas orientações fundamentais do Documento de Pue­ '
em favor do Senhor de todos e, sobretudo, através da
bla, recolhidas no capítulo sobre o diálogo e em
oração constante. A Semana da Unidade, que de há
outros textos.
alguns anos se tornou usual em nossas Igrejas, é um
momento inclusive de compartilhar esta oração. Não 3. Não desejo concluir este encontro fraterno
foi em vão que disse o Senhor: "Onde se acham dois sem recordar que, há poucos dias, celebrou-se o
ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio quarto centenário da publicação da assim chamada
deles" (Mt 18,20). Confissão de Ausburgo. Conheço bem a importância
2. Sabemos que, em muitos cristãos do Brasil, existe deste texto para muüas comunidades eclesiais, nasci­
também esta consciência dos elementos de união já das da Reforma, e são para mim motivo de sincera
existentes, e esta vontade ardente de chegar à união satisfação o interesse e a ressonância que esta
que ainda esperamos. Graças a isso foi possível celebração encontrou na Igreja Católica. O Senhor
estabelecer aqui, entre algumas gr
i ejas e a Conferên­ faça que isto contribua ainda mais para aclarar os
cia Nacional dos Bispos do Brasil, um projeto crian­ caminhos para a união, de que falávamos no começo.
do um conselho nacional das igrejas, com a finalidade Caríssimos irmãos, nossa responsabilidade co­
de manter um quadro estável para o diálogo e a mo cristãos é muito grande, diante de nosso comum
colaboração, sempre com o intuito de um incessante Senhor, diante dos homens concretos, com os quais
trabalho à procura da união entre os cristãos. temos que tratar, e diante de nós mesmos. Não a
Congratulo-me por esta realização, que pode ser podemos g i norar nem, menos ainda, ser-lhe n
i fiéis.
prelúdio de outras iniciativas na mesma direção. Peçamos juntos a Nosso Senhor a graça de sermos,
Podem, assim, os cristãos dar, juntos, um renovado também nós, "testemunhas fiéis e verdadeiras" (cf.
testemunho de sua fé no Senhor e de sua comum Ap I ,5; 3,14), para que o possamos ser plenamente,
esperança, enquanto se esforçam também em co­ um dj._ na união perfeita, à imagem da Trindade
mum, segundo a vocação específica dos discípulos de divina .cf. Jn 17,22-23) e para sua glória.

42
história urna noção um tanto opaca. Mas isto não Pátria. Muitos deles abandonaram-na por necessida­
muda o fato de que de Já descendem alguns já de, porque já não encontravam nela pão suficiente.
procedentes de muitas gerações. Mas, lá estão as Procuraram neste imenso Pais uma terra, a qual lhes
raízes. Isto representa urna ligação, uma dentre podia dar o necessário. Mas sabemos muito bem
muitas, mas, no entanto, válidas como um mistério ao como era difícil e pesada a vida em terra estranha.
vosso coração. Isto é uma prova pessoal que não · p
A andonavam o seu País com as mãos vazias e na
somente diz sobre o milenar passado, mas também m�oria das vezes até com fome mas, no entanto,
sobre o que está em vós e que vos forma o que de COtn fé profunda, transmitida por ReUR pais, COm a
alguma maneira decide que sois e não outros, mas cruz - sinal de salvação -profundamente enraizada
também é o vosso dever ser o que sois. errl seus corações e isto era a sua força e vitória.
O que precisa crescer e demarcar a linha de vossa .. É sabido que quando aqui vieram, as terras
vida, esta mais profunda realidade, está inscrita em melhores já estavam ocupados por outros. Sediavam­
vosso coração e é mistério da cruz de Cristo. se pois, em grande parte, no Interior, adentrando no
Estou aqui diante de vós como um conterrâneo. País onde recebiam mais terra, no Paraná, Rio
Mas estou também como sucessor de São Pedro e Grande do Sul e Santa Catarina. Era preciso primei­
Pastor da Igreja Universal. Estou, pois, como espe­ ramente desbravar as matas; algumas terras eram
cial testemunha de Cristo e sua cruz. pouco férteis, pedregosas e montanhosas. Ainda
O mistério da cruz e ressurreição gravou-se pro­ mais, não tinham preparo para trabalhar na lavoura
fundamente na história de nossa Pátria. Sabemos, num clima de condições novas. Trabalhavam penosa­
pois, pela maravilhosa Providência Divina. que entra­ mente as terras recebidas, vivendo esparramados na
mos como nação na arena da história do mundo grande superfície. Com o próprio suor e sangue
justamente pelo santo Batismo, que insere cada orvalhavam a terra, esta terra sobre a qual aaora vós
pessoa em Cristo, em sua morte. Por este batismo, viveis. E somente o rumor dos pinheiros lembrava­
ficamos justamente com Cristo sepultados em sua lhes o pinho pá
trio e despertava neles a saudade pela
morte. E este sepultamento não é destruição, mas sim terra que delxaram. Mas, esta Polôn.ia, que trouxe­
vida. Quem deste modo se insere em Cristo torna-se ram no coração, era para eles a força e a inspiração.
livre do pecado e assume uma nova vida, assim como Conservaram a língua, a fé, os rítos e costumes. Jã
Cristo ressurgiu dos mortos, graças à glória do Pai. qulndo erguiam suas casas, construíam igrejas ou
Nesta morte o homem une-se a Cristo e torna-se um capelas no lugar mais conveniente para as determina­
com Ele, participa de sua ressurreição. Assim, pois, das colônias. E faziam isto não poupando sacrifícios,
os acontecimentos na Nossa Nação são ricos e Consrruíam soZinhos, oferecendo seu trabalho e
difíceis porque nasceram do batismo e no batismo � ... materá,.l para que Cristo pudesse morar entre eles.
teve origem a nossa Nação. Nos seus sentimentos e Haviam poucos sacerdotes, trabalhavam com doa­
nos fundamentos de sua história estava a cruz sobre a ção, moravam perto de uma das colónias e visitavam
qual se morre para viver, para viver em Deus e com as outras. Entre as colônias chegavam-se, às vezes, a
Deus, para viver na verdade, liberdade de amor, e lutas para decidir onde deveria morar o sacerdote. E
para assim viver eternamente. isto era expressão da necessidade do seu coração.
Somente mais tarde, no decHnio do século, vieram
Desde o início, os acontecimentos passageiros da
vossa Pátria e Nação teceram-se com a história da aqui os padres missionários, em seguida os da Con­
salvação e esta é a chave desta história e do coração gregação de Cristo.
humano que compôs esta história e continua a As primeiras irmãs, religiosas da Sagrada Fan1ílla,
compor. Isto é também a chave para os nossos chegãram aqui em 1909, vieram depois as irmãs
Vicentinas a pedido dos padres missionârios. Nos
corações que, embora vivendo tão Jonge, mesmo
últimos anos vieram as irmãs Ursulinas, Felicianas e
assim, às margens do Vístola e Oder está a vossa
Servas.
gleba, da qual procedeis. Lá estão as vossas raízes de
origem. Para estas raLzes e para esta origem, que A outros, jogaram aqui os destinos da última
Guerra Mundial. Estes moram, principalmente, no
nasceu do batismo e do sangue de Santo Alberto e de
Rio de Janeiro, São Paulo e também em Curitfba. A
Santo Estanislau, é preciso retornar constantemente
Força Expedicionária Brasileira lutou, quase no fim
para compreender cada vez melhor a si próprio e aos
da guerra, na ItãJia. A todas estas pessoas, vossos
outros. Nesta luz, construir melhor o dia de hoje ou
de amanhã, aqui, neste longínquo país, o Brasil , no avós e bisavós, os quais vos ensinaram as orações.
qual, por desígnio da providência de Deus, coube a falaram de Deus, Cristo na Cruz. da salvação do
homem, a todos os sacerdotes e irmãs religiosas e a
vós viver, agir, criar sua história contemporânea, a
vós todos e a cada um em particular que viveis aqui
história da salvação.
boje, desejo, como vosso conterrâneo e bispo de
A cruz de Cristo é o sinal no qual se imprimiu uma Roma, dar-vos neste incomum momento um testemu­
vez para sempre o amor de Deus Pai e a impressio­ nho partiuclar. Numa das praças de Curitiba está a
nante união do Filho de Deus com os filhos dos estát��do Semeador, o qual simbolizou e relembrou
homens, sinaJ no quaJ o Espírito Santo tornou-se o a coláooração que a imigração polonesa. ao lado de
sopro vivificante do homem - está presente na outrasbações, deu e continua a dar na construção de
história das nações, das comunidades, soberanias e seu imenso e jovem Pafs, contribuição em sua civili­
continentes, através de cada coraçãQ humano no qual zação, cultura e fé.
está enxertado. Esta cruz estava profundamente Nãq cesseis de olhar a cruz de Cristo e nela
enxertada no coração dos vossos antepassados, avós, reencodtrai a si próprios, vosso dia de hoje e de
pais e mães, dos quais vós sois os herdeiros e os quais amanhã.
ainda hoje atuam em vós. Com especial e caloroso apelo dirijo-me à geração
Há I 50 anos começaram eles a abandonar a jovem, a vós crianças e jovens. Conservai esta
44
}
Religiosidade Brasileira ,

Homilia proferida durante a missa em Sal"·ador, 7 de


ju/Tío de 1980

Senhor Cardeal Arcebispo Avelar Brandão VOela.


Meus lrmios no Epl<reopado e no Sacerd6clo ministe­
rial, Amados Irmãos f. Irmãs, reUgiosos e leigos:

1 . Há quase 480 anos, cercado pelo grupo dos a maioria dos povos vieram a conhecer a Cristo e ao
descobridores e talvez pela indiada aturdida e curio­ Evangelho depo1s de séculob de sua história. as
sa, Frei Henrique de Coimbra celebrava a Santa nações do continente latino-americano. e. entre elas,
Missa sobre as areias da praia, logo batizada como de modo' especial o Brasil, nasceram cristãs. A�
Porto Seguro. Hoje, quisestes que o Sacrüício Euca­ caravelas, que em abril de !SOO aportavam a Baía de
rístico, celebrado pelo Papa aqui em Salvador, fosse Porto Seguro. rraz1am, também, os primeiros missio
uma rememoração daquela primeira Missa no Brasil. nários e evangelizadores, os filhos de São Franc1sco.
Isto confere ao presente rito um caráter singular e Desembarcados Pedro Álvares Cabral e os primeiros
uma dimensão nova. São as raízes históricas do coiQnizadores, foi erguida uma Cruz e rezada a
Brasil que nesta celebração se deixam ver. Primeira Missa, a que jâ estiveram presentes, admira­
Neste contexto, as leituras que ouvimos procla­ dos, alguns indígenas Deu-se às novall terras o nome
mar, trazem uma mensagem e pedem a nossa medi­ de Terra de Santa Cruz. Esses fatos, na aurora do
tação. Brasil , haveriam de marcar, profundamente, a histó-
O texto de São Mateus retrata um instante decisi­ .. ria, já 1gora cinco vezes secular, da nova nação que
vo da Igreja. � o momento em que o Ressusicitado, nascia para o Ocidente.
ao termo de sua vida terrena, deve voltar ao Pai. Idêntico fenômeno verificou-se por toda a Améri­
Ficam os Apóstolos e fica a Igreja, nascida do poder ca Latina. como se lê nas conclusões de Puebla ·

dado ao Verbo encarnado e por ele transmitido aos "A América Launa conslitUJ o espayo h1stónco \

Apóstlos. Qual a missão dela e deles? "De todos os em que se dá o encontro de Lrês universos culturais: o
povos fazei discípulos" - ordena o Senhor Jesus ­ indjgena, o branco e o africano, que foram enriqueci­
ensinai a viver segundo o Evangelho. Batizai em dos, posteriormente, por diversas correntes migrató­
nome do Deus Uno e Trino. Sabei que eu me vou, rias. Aí �e dá, ao mesmo tempo, uma convergência de
mas pe rmaneço convosco até o fim (cf. Mt 28, 18-20). maneirall diferentes de ver o mundo, o homem c
O Apóstolo Paulo reflete sobre esta missão, tendo Deus, e de reagir frente a el�s. Forjou-se uma espécie
diante dos olhos a vida concreta de uma Igreja entre de mestiçagem latino-americano. . . " (Doe. de Puebla,
outras. Ele as vê una e múltipla. Múltipla na diversi­ 307).
dade dos carismas, dos ministérios e atividades - O cena é que apóstolos. como o Padre José de
una no único Espírito que suscita a diversidade. Anchieta, que tive a alegria de incluir no catalogo dos
Múltipla na variedade de raças, de condições sociais, Beatos da Igreja, no passado dia 22 de junho.
de proveniência dos que são chamados a compô-la ­ colocaram-se decididamente ao lado das populações
una porque um só o Batismo que a todos introduz na indígenab, aprendendo-lhes a lfngua. assimilando-lhes
Igreja. Múltipla como múltiplos são os membros - os gostos, adaptando-se à sua mentalidade, defcmJcn­
una à imagem da unidade do corpo. do-lhes a vida e, camultaneamentc, anunciando-lhes a
A Igreja vem meditando estes textos e esta� verdade c;alvífica de Jesus Cristo. convertendo-os
mensagens desde os seus albores, mas tem consciên­ para o Evangelho. batizando-os e Integrando-os na
cia de que ainda não os aprofundou como desejaria (e Igreja.
será que os aprofundará algum dia?). Em diferente� 3. Surge, assim, o catolicismo brasileiro, resulta­
situações concretas ela relê esses textos e perscruta do, como o próprio Brasil, de um dos caldeamentob
esta mensagem no desejo de êfescobrir neles uma mais it)portantes da história humana. Aqui se mes­
aplicação nova. Tomamos contacto com eles mais clara"\ durante três séculos, o índio. o europeu e o
uma vez nesta expressiva celebração eucarística. africano e, a partir do século passado, a eles vieram
Quisestes que a Missa do Papa em sua passagem somar-se o sangue e as culturas dos árabes, como os
por esta cidade seja uma rememoração de outra cristãos maronitas, dos migrantes japoneses asiáti­
Missa: aquela que foi a primeira celebrada na terra cos, IK1J
e constituindo uma grande comunidade. pre­
apenas descoberta. Que vos dizer, então? dorrunantemente católica. Neste sentido. o Brasil
2. A pnmeira observação a fazer é que, enquanto oferece um testemunho altamente positivo. Aqu1 vaí
-

povos". Será um esforço de pedagogia pastoral, em pode levar à convivência bamoniosa e construtiva do
que o catolicismo popular seja assumido, purificado, futuro os mais diferentes povos. Estais demonstran­
completado e dinamizado pelo Evangelho. Isso impli­ do como a força de vontade, aliada à Fé cristã, pode
ca, na prática, reencetar o diálogo pedagógico, a construir uma democracia marcada de humanismo e
partir dos últimos elos que os evangelizadores de de fraternidade.
outrora deixaram no coração de nosso povo. Para
• De vossas raízes históricas se pode dizer, portan­
tanto requer-se conhecer os símbolos, a linguagem
tb, que elas nos transmitem duas Uções: a de uma
silenciosa, não verbal, do povo, com fim de conse­
cultura impregnada, desde o primeiro momento de
guir, num diálogo vital, comunicar a Boa Nova
sua existência, pelos valores da Fé e da capacidade
mediante um processo de reinformação catequética''
(Documento de Puebla, 457) que tem esta Fé para integrar raças e etnias us mais
diversas. Não sem razão dizem os estudiosos do
6. Visitando o Estado da Bahia e a vossa bela Brasil que, juntamente com a língua, é a fé católica da
cidade de Salvador, berço da nação brasileira e ponto
maioria do vosso povo um eminente fator dessa
de partida da evangelização do vosso grande País.
integração que desafia o obstáculo das enormes
saúdo, de todo coração, aos vários grupos étnicos
distâncias, das düíceis comunicações, das diversida­
que aqui se encontram e fundiram: os indígenas, os
des climáticas.
homens de cor, os europeus de Portugal e de outras
nações, os orientais e os asiáticos. Perseverai, com Queira Deus que a diversidade na unidade, evoca­
grande constância, na estrada percorrida até hoje. da pelos textos desta Missa, se realiz.e com a possível
Sede fiéis à vossa missão histórica na América Latina perfeição em todos os níveis de vossa comunidade
e no Mundo. Estais demonstrando com êxito como a nacional. Para tanto, o Senhor vos cubra com suas
Lei fundamental do cristianismo, a fraternidade. bênçãos. Amém.

48
Discurso aos lndios e Camponeses em Cuilapan - As iniciativas que eles tomam. no tocante ao
México, 29. 1. 1979). Assim no uso dos bens possuí­ setor agrícola, devem ser iniciadas em favor do
dos, a destinação geral que Deus lhes deu e as homem, seja no plano legislativo, seja no dorrunio
exigências do bem comum prevalecem sobre vanta­ judiciãrio, seja ainda no plano da salvaguarda dos
gens, comodidades e, por vezes, mesmo necessida­ direitos dos cidadãos. Uma situação na qual a popula­
des não primárias de origem privada. Isto é verdade � o, também a da zona rural, vê que sua dignidade
wnbém - como tive oportunidade já de dizê-lo - hÇimana é desrespeitada, leva à ruina, pois deixa o
quando se fala do mundo rural e do cultivo da terra, campo aberto a outras iniciativas, inspiradas estas
pois a terra foi posta por Deus à disposição do p�lo ódio e pela violência.
homem. No primeiro capítulo do Gênesis (texto que 5. Os trabalhadores da terra, como os trabalhadores
acabamos de escutar) Deus diz: "Tomai posse da de. qualquer outro ramo da produção, são e devem
terra... eu vos dou as plantas... e as árvores que permanecer sempre, aos próprios olhos e aos olhos
trazem sementes... Isto será vosso alimento" (Gn dos outros, no plano dos conceitos e na ordem
1,29). A terra é do homem porque ao homem Deus a prática, antes de tudo pessoas humanas: devem ter
confiou e, por seu trabalho ele a domina (cf. Gn 1 ,28). possibilidades de realizar as virtulidades contidas em
Não é pois admissível que, no desenvolvimento geral seu ser, as possibilidades de"ser mltis" homem, e, ao
de uma sociedade, fiquem excluídos do verdadeiro mesmo tempo, ser tratado de acordo com a sua
progresso digno do homem precisamente os homens e dignidade humana. Sendo "o trabalho para o homem,
mulheres que vivem em zona rural, aqueles que estão e não o homem para o trabalho", é exigência funda­
prontos a tomar a terra produtiva graças ao trabalho mental e plenamente respeitosa da sua dignidade, que
de suas mãos, e que têm necessidade da terra para ele possa ti!ar do mesmo trabalho os meios necessá­
alimentar a família. rios e suficientes para fazer frente, com decência, às
Há quinze anos, o Concílio Vaticano ll - a Igreja próprias responsabilidades familiares e sociais
tomando consciência de si mesma e do mundo - Jamais o homem é mero "instrumento" de pro­
proclamava, referindo-se exatamente à questão que dução.
nos interessa: "Em muitas regiões, dadas as peculia­ Assim no seio de uma mesma comunidade política
res dificuJdades no setor agríc.ola: . . importa ajudar os bem ordenada, justiça e humanidade "não se coadu­
que se dedicam à agricultura, para que não fiquem nam nem se c.onclliam com um certo abuso da
reduzidos à condição. de cidadãos de segunda ordem'' liberdade por parte de alguns, abuso ligado precisa­
(Cons. Gaudfum et Spes, 66). E não é impensáveJ que mente a um modo de comportar-se consumístico não
se vejam reduzidos a condições ainda bem menos controlado pela ética, enquanto isso limita simulta-
nobres. � neamente a liberdade dos outros, isto é, daqueles que
Não basta efetivamente dispor de terras em sofrem notórias carências e se vêem empurrados para
abundância como sucede aqui no vosso querido condições de ulterior mjséria e indigência" (Enc.
Brasil. É preciso uma legislação justa em matéria Redemptor Homlnts, 16). numa versão gigantesca dn
agrária para se poder dizer que temos uma sociedade parábola bíblica do rico e do pobre Lázaro (cf. Lc 16,
a corresponder à vontade de Deus quanto à terra e às 19-3 1)
exigências da djgnidade da pessoa humana, de todas Nesta parábola, Cristo não condena o rico porque
as pessoas humanas que a habitam. É preciso que a é rico, ou porque veste luxuosamente. Ele condena
legislação seja ar.uada eficazmente e sirva ao bem de fonemente o rico que não leva em consideração a
ttodos os homens e não apenas a interesses de situação de penúria do pobre Lázaro, que deseja
minorias ou individuais. Também aqui à abundância tão-S"'omente alimentar-se das migalhas quecaem da
de terras e a uma legislação adequada há de juntar-se mesa do festim. Cristo não condena a simples posse
mais do que boa vontade, uma sincera conversão do de bens· matoriltis. Mas as suas palavras mais duras
homem ao homem na sua plenitude e transcendência. dirigem-se para aqueles que usam sua riqueza de
O homem do campo identifica-se com seu traba­ maneira egoísta, sem se preocupar com o próxilno, a
lho e com o chão do qual faz brotar o sustento de quem falta o necessário.
tantos, também das grandes cidades. Aí lança raízes Com estas palavras, Cristo coloca-se do lado da
profundas que marcam indelevelmente o seu ser dignidade humana, do lado daqueles cuja dignidade
Arrancá-lo do chão rural, empurrando-o para o êxodo não é respeitada, do lado dos pobres. "Bem­
incerto em direção das grandes metrópoles ou não aventurados os pobres em espírito, porque deles é o
assegurar os seus direitos à legítima posse da terra é Reino dos céus" (Mt 5,3). Sim, bem-aventurados os
desrespeitar seus direitos de homem e de filho de pobres, os pobres de bens materiais que conservam,
Deus. E produzir um perigoso desequilíbrio na socie­ no entanto, sua dignidade de homem. Bem-aventura­
dade. Além do mais, um integral desenvolvimento dos os pobres, aqueles que, por causa de Cristo, têm
acertado e humano saberá garantir igualdade de uma especial sensibilidade por seu irmão ou sua irmã
condições tanto no crescimento técnico e industrial que padece necessidade; por seu próximo que é
de uma nação, como uma atenção prioritária nas �
vítim e injustiças; por seu vizinho que sofre tantas
questões agrícolas tão indispensáveis em nossos dias priva"çoes, inclusive a fome, a falta de emprego ou a
no quadro de uma sociedade independente, harmo­ imp �
o bilidade de educar dignamente seus filhos.
niosa e justa. Bem-aventurados os pobres, os que sabem se desape­
No pensamento da Igreja, considerar que a orga­ gar de suas posses e de seu poder, para colocá-tos a
nização social está a serviço do homem e não ao serviçq dos necessitados, para se comprometer na
contrário é um princípio fundamental. Este princípio busca de uma ordem social justa, para promover as
vale para todos e sempre. Vale principalmente para mudanças de atitudes necessárias a fim de que os
aqueles que são mandados pela sociedade para garan­ marginalizados possam encontrar lugar à mesa da
tir o bem de todos. fa.nu1ia humana.
�o
homem do campo, para ajudá-lo. Nisto, quem tem tudo o que é legítimo na corvivência civil, o amor à
mais, mais de deve sentir obrigado a cooperar. boa harmonia e à paz, a confiança em Deus e a
abertura para o sobrenatural, a devoção a Nossa
Somos, a famflia dos filhos de Deus. Como irmão Senhora, etc. Por Ela, por Nossa Senhora aqui,
quero dizer-lhes amados camponeses do Brasil, que diante de uma igreja que lhe é dedicada, sob um título
vocês valem muito. Conservem as suas riquezas pttra mim tão querido - Nossa Senhora do Carmo ­
humanas e religiosas: o amor da família, o sentido da péço a Deus que a todos assista, conforte e ajude.
amizade e da lealdade, a solidariedade com os mais
necessitados entre vocês, o respeito pela leis e por , Com a minha Bênção Apostólica!

52
modo especial pelo Papa, assim como os ama e todos quantos têm uma parcela de responsabilidade
estima o próprio Jesus, Filho de Deus, o qual, ao político-social a ir ao encontro dos que necessitam de
estabelecer as bases do seu reino neste mundo, não ajuda. Esta solidariedade, valiosa já no plano huma­
hesitou em proclamar "Bem-aventurados" os que no, cresce no plano cristão ao considerar que todos
têm um coração de pobre (cf. Mt 5,3). os homens são iguais aos olhos de Deus: filhos deste
Mas também uma palavra de esperança: não se Jleus (Jo 3,2) a quem chamam de Pai (01 4,6) e
deixem abater ou destruir pelas condições atuais, mas pÓrtanlo irmãos uns dos outros (Mt 23,8), Deus os
conservem sempre acesa a esperança de um amanhã ama tanto que não recusou entregar seu Filho único
melhor. E sobretudo uma palavra de estímulo; certos para que não pereçam. mas tenham a vida eterna (Jo
da ajuda de muitos irmãos, mas sem abdicar das 3, 16).
próprias capacidades, façam tudo para superar a má
pobreza e seu cortejo de malignidades, não para 9. Queridos filhos e r
i mãos, vós sois estes filhos de
aspkar à riqueza da iniqüidade, mas à dignidade de Deus por ele amados com amor sem Limites. Encora­
filhos de Deus. jados por este amor, ponde em ação todas as energias
6. E agora meus votos para vós, querido Piauí e em vista do vosso próprio crescimento, sem ódio,
piauienses: Sim, esta manhã o Papa é piauiense. Que sem inúteis e estéries ressentimentos, sem a violência
desponte bem depressa para vós a aurora do desen­ que não constrói, mas com audácia e generosidade.
volvimento integral que de certo modo já se anuncia. Estou certo de que podeis contar, neste sentido, com
Que venha o progresso, não o que ameaça sufocar o a leal colaboração desta Igreja da qual fazeis parte
homem, mas o que eleva e dignifica este homem. Não ativa vós mesmos.
o que corre o risco de aumentar as injustiças, mas o
Piauí, homens do estado do Piauí, ao serviço de
que instaura e consolida a justiça. Que, superada toda
quem se acham as várias estruturas, a diversos
forma de isolamento, vossa terra venha a inserir-se
níveis. nas quais vos inseris. Conservai um coração
nos benefícios de uma comunidade política, social e
de pobre para acolher todo o auxílio que, estou certo,
economicamente bem qualificada. Que, eliminados
todo o Brasil, todos os Estados do Brasil, todos os
os desequilíbrios, gozeis dos frutos da eqüidade.
h�ens do Brasil, convosco unidos numa única
7. Com vossa têmpera forte e caráter provado, sei nação. não vos deixarão de dar. O Senhor Jesus, o
que não vos iludis pensando que a luta contra as mesmo que proclamou bem-aventurados os pobres
inclemências do clima e das condições sociais seja em espírito, dizia sempre: vós sois todos irmãos.
fácil: é árdua e por vezes ingrata. Os menos aguerri­ 10. Agora, devo prosseguir minha peregrinação para
dos perdem o ânimo. Desejo e espero que o esforço.. ... encofttrar outros Irmãos vossos. Gostei e gostarei
convergente de muitos vos ajude a vencer os obstácu­ sempre do Piauí. Desejaria estar . . ficar convosco urn
.

los. � para vós de uma forma ao mesmo tempo tempo mais longo. Mas há um programa. . . um
patética, desafiadora e estimulante, a palavra do programa e o Papa deve obedecer ao programa feito
Senhor: "Dominai a terra" (cf. Gn J ,28). antes.
8. Vossa fé e piedade sejam um novo impulso no Uma saudação particular ao Estado do Maranhão
vosso esforço em vista de um pleno desenvolvimen­ e aos muitos maranbenses aquj presentes. Muito
to. Esta fé nos diz que não é vontade de Deus que obrigado pela vossa presença. Levo comigo a sauda­
seus filhos vivam uma vida subumana. Vontade de de deste encontro e a lembrança de todos vós. E,
Deus é que cada homem atinja o melhor possível sua exortando-vos a viver como homens e como cristãos
plena estatura humana. Voltai-vos pois para Ele, pai na prática do bem (cf. lPd 2,15) sob o olhar de Deus e
bom e providente (cf. Mt 6,25 e 7,11), para buscar a proteção da Maria Santíssima, nossa Mãe, deixo­
nele não um álibi à inércia e à passividade, mas a vos a minha benção. Nã.o somente o povo abraça o
coragem para continuar vossos esforços. Aquele que Papa. O Papa abraça o povo também. De volta a
na sua Providência faz crescer a erva do campo e vossos lares aqui em Teresina, no interior do Piauí,
alimenta as aves do céu (cf. Mt 6,26 ss) não dispensa no Maranhão e, quem sabe em outros Estados, levai
as providências do homem e seu trablaho, antes, os esta benção do Papa para todas as vossas famfiias,
associa constantemente ao mistério da criação. É especialmente aos anciãos, às crianças, aos doentes,
dever do homem recorrer a medidas concretas e os que estão na afliçãos, a todos, a todos.
eficazes para a promoção e o desenvolvimento soli­ ''Nosso Senhor Jesus Cristo e Deus, nosso Pai,
dário de todos. A solidariedade que deve cada vez ( ...) consolem os vossos corações e vos tornem
mais substituir as ideologias do egoísmo, da prepo­ firmes em toda sorte de boas obras" . Amém (cf. 2Ts
tência e do interesse de pessoas e grupos, levará 2, 16ss).

.�

54
a paternidade, a providência, a presença amorosa, a não se interrompa, e exaltamos cm Vós o que de mats
misericórdia, etc. luminoso a humanidade oferece a Deus, a criatura
4. A par da religião do povo, é corrente também humana na sua perfeição, de novo criada em justiça e
nos centros de culto mariano e nos santuários muito santidade. na beleza sem para que chamamos "a
concorridos. verificar-se por um motivo ou por outro, Imaculada" ou a "cheia de graça".
a presença de pessoas que, ou não pertencem ao - Mãe, Vós sois "a nova Eva". A Igreja de
grémio da Igreja, ou então nem sempre permanece­ vqsso Filho, consciente de que só com ·'homens
ram fiéis aos compromissos e à prática da vida cristã, novos" se pode evangelizar, isto é, levar a Boa Nova
ou ainda que vêm guiadas por uma visão incompleta aq mundo para fazer uma "nova humanidade", vos
da fé que professam. suplica que, por vosso meio, não falte nela jamais a
Ora, tudo isto exige uma pastoral atenta e adequa­ nGvidade do Evangelho, germe de santidade e de
da e, principalmente, muito pura e desinteressada, a fecundidade.
qual vá de uma Liturgia viva e fiel, à pregação
assídua e segura, à catequese sistemática e ocasional, - Senhora, adoramos o Pai pelas prerrogativas
particularmente na administração dos sacramentos; que brilham em Vós, mas o adoramos também porque
entre estes, em tais lugares de grande afluência de sois sempre para nós a "ancilla Domini", pequena
fiéis, ocupará sempre um lugar primordial o sacra­ criatura. Porque fostes capaz de dizer: "fiat", Vos
mento da Penintência, momento privilegiado de en­ tornastes Esposa do Espírito Santo e Mãe do Filho de
contro com Deus, principalmente quando a isso ajuda Deus.
a disponível caridade dos ministros do Confessio­ - Mãe, que apareceis nas páginas do Evangelho
nário. mostrando Cristo aos pastores e aos mAgos, fazei qut
Por conseguinte, não se perca nenhuma ocasião cada evangelizador, bispo, sacerdote, religioso, reli­
para esclarecer, purificar e robustecer a fé do povo giosa, pai ou mãe de família, jovem ou criança - seja
fiel, mesmo quando de cunho nitidamente popular. O possuído por Cristo para ser capaz de revelá-lo aos
fato de nela ocupar lugar proeminente Nossa Senho­ oulros.
ra, como aliás sucede na totalidade da fé cristã, não - Senhora, escondida na multidão enquanto o
exclui, nem sequer ofusca a mediação universal e v�so Filho realize os sinais miraculosos do nasci­
insubstituível de Cristo, o qual permanece sempre o mento do Reino de Deus, e que só falais para mandar
caminho por excelência para o encontro com Deus, fazer tudo o que Ele disser (cf. Jo 2,5), ajudat os
como ensina o Concílio Vaticano n (Const. Lumen evangelizadores a pregar sempre, não a si próprios,
Gentium, 11" 60) mas a Jesus Cristo.
5. Aqui reunidos como Irmãos. em reunião de .. -Mãe, envolvida pelo mistériQ de Vosso Filho,
famflia que a vida mantém fisicamente afastados uns muitas vezes incapaz de entender, mas capaz de
dos outros, neste dia de festa junto da Mãe, vamos recolher tudo e meditar no coração (Le 2,19 e 51),
voltar-nos todos agora para Ela, para Nossa Senhora. fazei que nós evangelizadores compreendamos sem­
Não é verdade que, em reuniões familiares, ocasio­ pre que para além das técnicas e estratégias, da '
nais, junto da mãe, todos os irmãos se sentem mais preparação e dos planos. evangelizar é mergulhar no
dispostos à bondade, à reconciliação. à unidade e ao mistério de Cristo e tentar comunicar algo dele ao�
reencontro no afeto fraterno? Depois, em tai s encon­ imtãos.
tros é imperativo da piedade e do amor fWal deixar a - Senhora da humildade na verdade, que nos
Mãe a última palavra. E é o momento das efusões de ensioastes em cântico profético que .. Deus sempre
afeto e dos bons propósitos tranqüilizadores do exalta os humildes" (cf. Lc I ,52), ajudai sempre os
coração materno. "simples e os pobres" que vos procuram com a sua
Chegamos a esse momento. Como Mãe bondosa, religiosidade popular; ajudai os pastores a conduzi­
a Virgem Santíssima não cessa de convidar todos os los à luz da verdade e a ser fortes e compreensivos ao
seus filhos, os membros do Corpo místico, a cultiva­ mesmo tempo, quando devem banir elementos dege­
rem entre si a bondade, a reconcilição e a unidade. nerados e purificar manifestaçõs de piedade do povo.
Seja-me permitido, nesta hora, à maneira de irmão - Mãe, pedimos por vossa intercessão, como os
mais velho, recolher e interpretar o que estácerta­ discípulos no Cenáculo, uma continua assistência e
mente no coração de todos e depositá-lo no Coração dócil acolhimento do Espírito Santo na Igreja: para os
Imaculado da Mãe de Jesus e Mãe nossa. Convido a que procuram a verdade de Deus e para os que devem
todos a acompanhar, em oração sHenciosa, a prece servi-la e vivê-la. Que seja sempre Cristo "a luz do
que faço em nome de todos. mundo" (cf. Jo 8,12); e que o mundo nos·reconheça
- Senhora, Vós dissestes sob o sopro do Espírito seus discípulos porque permanecemos na sua Palavra
que as gerações vos chamariam bom-aventurada. Nós e conhecemos a verdade que nos faz livres, com a
retomamos o canto das gerações passadas para que liberdade dos filhos de Deus (cf. Jo 8,32). Assim seja !

56
desta aspiração só se pode encontrar em Deus, a CUJa Eucaristia não só significa esta realidade, mas a
imagem o homem foi criado (cf. Gn I ,27). "Fizeste­ promove eficazmente. São Paulo tem uma frase
nos para Vós, e nosso coração está inquieto enquanto extremamente clara a este respeito: "Nós - observa
não descansa em Vós" (Confiss., I , 1). Quando ele - somos um só corpo: participamos todos de um
Agostinho, de volta de uma tortuosa e inútil procura só pão'' (I Cor 10, 17). O alimento eucarístico,
da felicidade em toda espécie de prazer e de vaidade, faz�ndo-nos "consangüíneos" de Cristo, faz-nos ir­
escrevia na primeira página de suas ''Confissões'' mãÓS e irmãs entre nós. São João Crisóstomo sinteti­
estas famosas palavras, não fazia senão dar expres­ za assim, com estilo incisivo, os efeitos da participa­
são à exigência essencial que emerge do mais profun­ ção .da Eucaristia: "Nós somos aquele mesmo corpo.
do de nosso ser. Que coisa é na realidade o pão? O Corpo de Cristo.
3. É uma exigência que não está fadada à decepção e Que-se tornam os que comungam? O Corpo de Cristo
à frustração: a fé nos assegura que Deus veio ao De fato. como o pão resulta de muitos grãos. embora
encontro do homem na pessoa de Cristo, no qual permaneçam eles mesmos, contudo nao aparece a sua
"habita toda a plenitude da divindade" (CI 2,9). Se, distinção, por causa da !>ua união, assim também nos,
pois, o homem deseja encontrar satisfação para a nos unimos mutuamente com Cristo. Não se alimenta
este de um e aquele de outro corpo diferente, mu�
sede de felicidade que lhe abrasa o coração, é para
Cristo que deve orientar os seus passos. Cristo não todos do mesmo corpo" (Comentário à J • Carta aos
está longe dele. Nossa vida aqui na terra é, na Coríntios).
realidade, um contínuo suceder-se de encontros com A comunhão eucarística constitui, pois, o sinal da
Cristo: com Cristo presente na Sagrada Escritura, reunião de todos os fiéis. Sinal verdadeiramente
como Palavra de Deus; com Cristo presenle nos seus sugestivo, porque à saarada mesa desaparece toda
ministros, como Mestre, Sacerdote e Pastor; com diferença de raça ou de classe social, permanecendo
Cristo presente no próximo, especialmente nos po­ somente a participação de todos dos mesmo alimento
bres, nos enfermos, nos marginalizados, que consti­ sagrado. Esta participação, idêntica em todos, sipifi­
tuem os seus membros sofredores; com Cristo pre­ ca e realiza a supressão de tudo o que divide os
sente nos Sacramentos, que são os canais de sua ação homens e efetua o encontro de todos a um nível
salvadora; com Cristo, h6spede silencioso dos nossos superior, onde toda oposição fica eliminada. A Eu�­
corações, onde habita comunicando sua vida divina. ristia torna-se assim o grande instrumento de aproxi­
Todo encontro com Cristo deixa marcas profun­ mação dos homens entre si. Toda vez que os fiéis dela
das, sejam eles encontros durante a noite, como o de participam com coração sincero, não rodem deixar
Nicodemos; encontros casuais, como o da Samarita­ de receber um novo impulso para um melhor relacio-
na, encontros procurados, como o da pecadora arre­ ...namento entre si com o reconheci mento recíproco
pendida; encontros suplicantes, como o do cego às dos próprios direitos. e também dos correspondentes
portas de Jericó; ou enctros de intimidade, como os deveres. Desta forma, facilita-se o cumprimento das
de Zaqueu; ou també encontros por curiosidade, exigências pedidas pela justiça, devido precisamente
como os dos Apóstolos, chamados para segui-lo; ao clima particular de relações interpessoais que a \

encontros fulgurantes, como o de Paulo a caminho de caridade fraterna vai criando dentro da própria comu­
Damasco. nidade.
Mas, o encontro mais íntimo e transformador, É instrutivo lembrar, a este respeito, o que
para o qual se ordenam todos os outros encontros, acontecia entre os cristãos dos primeiros tempos, que
é o encontro à "mesa do mistério eucarístico, isto é, à os At<1s dos Apóstolos nos decrevem "assíduos ... na
mesa do paõ do Senhor" (João Paulo II, Carta a fração do pão" (At 2,42). Deles se dizia que ''esta­
todos os Bispos da Igreja sobre o Mistério e Culto da vam unidos e tinham rudo em comum; vendiam as
Sanrlssima Eucaristia, n. 1 1). Aqui é rCisto em suas propriedades e seus bens e distribuíam o preço
pessoa quem acolhe o homem, maltratado pelas entre todos, segundo a necessidade de cada um"
asperezas do caminho, e o conforta com o calor de (lbid. vv. 44-45). Com taJ procedimento, os primeiros
sua compreensão e do seu amor. É na Eucaristia que cristãos punham em prática espontaneamente "o
encontram sua plena atuação as dulcíssimas palavras. princípio, segundo o qual os bens deste mundo estão
''Vinde a mim todos os que estais fatigados e destinados pelo Criador para atender às necessidades
oprimidos e eu vos aliviarei" (Mt I I , 28). Aquele de todos, sem exceção" (cf. Paulo VI, Mensagem
alivio pessoal e profundo, que constitui a razão para Quaresma, 1978). A caridade, alimentada na
última de toda a nossa canseira pelas estradas do comum "fração do pão", expressava-se com natural
mundo, nós o podemos encontrar - ao menos como prosseguimento na alegria de gozar juntos dos bens
antecipação e pregustação - naquele pão divino, que que Deus generosamente tinha posto à disposição de
Cristo nos oferece na mesa eucarística. todos. Da Eucaristia brota, como atitude cristã fun­
4. Uma mesa. Não foi por acaso que, desejando damental, a partilha fraterna.
dar-se todo a nós, o Senhor escolheu a forma da S. �ste ponto e sob esta luz vêm-me espontanea­
comida em famnia. O encontro ao redor de uma mesa mente � espírito a difícil condição daqueles que, por
diz relacionamento interpessoal e possibilidade de razões diversas, devem abandonar sua terra de ori­
conhecimento recíproco, de trocas mútuas, de diálo­ gem e transferir-se para outras regiões: os migrantes.
go enriquecedor. O convite eucarístico se toma assim A pergunta: "Para onde vais?" adquire no seu caso
sinal expressivo de comunhão, de perdão e de amor. uma � ensão particularmente realista: a dimensão
Não são estas as realidades, das quais o nosso do mal-estar e da solidão, não raro, a dimensão da
coração � reKCino se sente necessitado? É impen­ incompreensão e da rejeição.
sável felictd
ade humana autantica, fora deste contex­ O quadro da mobilidade humana, neste vosso país
to de conciliação e de amizade sincera. Pois bem, a é amplo e complexo. Amplo, porque envolve milhões
58
lI

Despedida db Brasil •

Ma naus, I 1 de julho de 1980

Queridos Amigos Brasileiros,


Meus irmãos e irmãs no Senhor Jesus Cristo:

I . Chegou , com muita pena para mim, a hora de dizer sirvo" (cf. 2Tm J ,3) pelas muitas alegrias e consola­
adeus. ções que a sua infinita bondade me quis proporcionar,
Antes de deixar o solo brasileiro, quero exprimir ao longo desta viagem pastoral.
a minha gratidão profunda a rodos: a Sua Excelência 3. Levo nos olhos e no coração tantas imagens de vida
o Senhor Presidente da República, ao Episcopado do e beleza que me impressionaram neste dinâmico e
Brasil, aos membros do governo, ao Ministro aqui promissor País, e as últimas e mais impressionantes
presente e às demais autoridades e responsáveis serão as imagens portentosas destes rios e florestas
pelos destinos desta grande Nação. do Amazonas. Contudo, mais ainda do que as ima­
Impossível citar. mesmo genericamente, todas as gens das inúmeras maravilhas, quer naturais quer
pessoas e grupos com quem tive contato nestes dias, crialtas pelo homem, é a imagem deste homem
abençoados e, por outro lado, não quisera esquecer brasileiro que levo comigo. Do homem concreto e
ninguém. Chegue o meu agradecimento sentido a histórico que é, neste momento, protagonista de uma
lodo o povo deste país e a cada um dos brasileiros : hora importante para o País.
aos fiéis católicos e aos não-católicos; a todos os ... Qutmdo, no dia 22 de outubro de 1978, dei início
homens e mulheres, nascidos ou radicados nesta
solene ao meu ministério na Sé de São Pedro,
terra, seja quaJ for a sua origem étnica, dos primitivo�
dlrigj-me a todos com uma calorosa exortação: Abri
habitantes da "Terra de Santa Cruz", os índios do
••

as portas a Cristo, abri amplamente os corações a


Brasil, aos últimos estabelecidos nesta pátria hospita­
CrisLo, escancarai as portas a Cristo".
leira; enfim, a todos aqueles a quem tive o prazer de \

ver e cumprimentar pessoalmente, bem como àqueles Quando hoje, depois dos 12 dias de meu peregri­
que nestes dias me acompanharam, graças à maravi­ nar em terras brasileiras, chegou a hora de despedir­
lha dos meios audiovisivos. A todos, muito obrigado! me de vós, meu coração está cheio de gratidão,
Desejaria que este muüo obrigado chegasse par­ exatamente porque vós abristes as portas àquele que.
como ..sucessor de São Pedro, veio de Roma para
ticularmente a todos que participaram, de maneira
ativa, na preparação e no desenrolar desta minha realizar no meio de vós o seu ministério: o serviço do
Evangelho. Que Deus vos recompense a vós todos
visita pastoral. E dou-me conta de quanto esta tarefa
foi grande e quanto este trabalho foi exigente. Não que havei s acolhido meu ministério, o Evangelho e a
tenho outro modo para expdmir toda gratidão senão palavra da verdade. Se é certo que esta palavra nos
mediante a lembrança nas minhas orações, pedindo coloca diante de exigências, recordai-vos que tais
que Deus recompense a todos e a cada um: a todos, exigências são sempre ditadas pelo amor para com o
sem exceção - quer aos representantes da autorida­ homem. Elas são ditadas por motivo do bem para o
de e da administração, quer as instituições da Igreja, mesmo homem.
quer, ainda, a toda a comunidade da nação brasileira. Todo serviço ou ministério na Igreja tem sempre
2. Minha estada no Brasil permitiu-me enriquecer em vista contribuir para que a vida humana também
meu conhecimento da língua portuguesa com algumas aqui, sobre a terra, se tome sempre mais digna do
palavras e expressões. Aprendi, por exemplo, que homem. É por isso que a palavra do Evangelho tem
"quem parte leva saudades". Devo confessar que já sempre como finalidade o bem de todas as sociedades
estou sentindo o que significa este ditado . Mas, com a e de todas as nações.
saudade do Brasil, levo também no coração uma Oh! quanto eu desejaria que o meu serviço
imensa alegria e a mais grata satisfação, por tudo apostólio em Lerras brasileiras contribuísse para o
aquilo que me foi dado ver, comungar e viver bem dê toda a vossa grande sociedade nacional, que
convosco, nestes dias da minha permanência entre ele a rl!rorçasse e a tornasse sempre mais Pátria
vós. comum de todos aqueles homens que habitam aqui,
Permanência breve, mas suficiente para uma por gerações sempre sucessivas desde os inícios e de
intensa e marcante experiência humana e religiosa, todos aq
ueles que, no decorrer dos tempos, aqui
que ficará como cimento de uma profunda amizade. 'r
encontra am as condições de vida, de existência.
Deus seja louvado por tudo e por todos! E já que Praza a Deus que nesta Pátria se constitua uma
"toda a dádiva e todo o dom perfeito vem do alto" grande comunidade, na qual reine a fraternidade, o
(Tg 1 , 17), quero adorar e "dar graças a Deus. a quem amor, a justiça e a paz.
60

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