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Pode-se, assim, iniciar o debate com a visão jusracionalista do Direito. Nesse ponto,
faz-se pertinente que não se trata do jusnaturalismo tradicional, mas de um direito natural
constituído em “uma disciplina submetida a regras de valor necessário e objetivo na qual há,
portanto, verdade e falsidade e não apenas opiniões ou volições”. (HESPANHA, 2012, p. 328).
Do mesmo modo, Hans Kelsen, embora fosse crítico ferrenho do pensamento jusnaturalista,
defendia também a existência de uma Ciência Jurídica, ao postular sua Teoria Pura do Direito.
Kelsen defendia a separação da Ciência do Direito, da Política do Direito, afastado aquela da
subjetividade e da moral. Embora haja dissenso2, Kelsen é tido como o maior expoente do
Positivismo Jurídico, e um dos mais fortes defensores da ideia de existência de uma Ciência
Jurídica (KELSEN, 1991, p. 1, 79). Somente com Dworkin, essa visão científica do Direito se
enfraquece, na medida em que esse autor o coloca como uma “Prática Social Interpretativa”, o
que obviamente afasta o caráter científico da disciplina (DWORKIN, 2007, p. 11-19). Nessa
linha de pensamento, o Theodor Viehweg defendeu que o direito “não se desenvolve a maneira
do modelo moderno de ciência, mas sim à maneira tópica: no âmbito jurídico o estilo de trabalho
1
Marcos Vinícius Pinheiro Dib Filho – 17/0150739 – é aluno da 127ª Turma do Curso de Direito da Universidade
de Brasília - UnB
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O pensamento de Hans Kelsen se difere em muito do pensamento dos positivistas anteriores, principalmente dos
integrantes da Escola da Exegese, a quem, inclusive, Kelsen criticava. A teoria de Kelsen, construída sobre o
conceito de “Norma”, é confundida por seus principais opositores como uma teoria da “Norma Positivada”. É
patente que, para o austríaco, esses conceitos não se confundem, demonstrado inclusive pelo fato de que a Norma
Fundamental Hipotética careceria de qualquer positivação. Por esse motivo, alguns autores preferem considerar
Kelsen como um “neo-positivista”, ou, ainda, completamente dissociado dessa corrente. A opinião deste autor é
que o próprio conceito de Positivismo Jurídico deve ser revisto ou ampliado, para que pudesse abarcar o
pensamento de Kelsen. Desse modo, não se crê possível entender Kelsen com a limitada visão positivista
estereotipada, entendendo que, se Kelsen é de fato um positivista, é no mínimo de uma espécie distinta desta
corrente.
que predomina orienta-se por problemas e procura resolvê-los buscando apoio em pontos de
partida compartilhados, os topoi”3 (ROESLER, 2009, p.1).
2. Da Imagem de Ciência-como-método
Lakatos toma os pressupostos de Popper como base para sua teoria, no entanto,
reconhece o caráter excessivamente formalista de sua teoria. Nesse ponto, Lakatos defende que
as hipóteses e teorias são radicalmente transformadas ao longo do programa de pesquisa,
mantendo-se apenas o seu referencial4. Nesse mesmo sentido, Lakatos nega a distinção entre a
postulação de uma teoria e o relatório de uma observação, visto que a observação relatada é a
própria sustentação da teoria postulada (HACKING, 2012, p. 113). Dessa forma, as teorias são
testadas por hipóteses auxiliares de modo que um resultado anômalo não refuta,
necessariamente, a teoria como um todo, mas abre margem à revisão das hipóteses auxiliares à
teoria (HACKING, 2012, p. 115). Lakatos, ainda, afirma que uma teoria é melhor que outra, se
3
O autor deste artigo é, particularmente, simpatizante da visão do Direito como tópica, no sentido de aproximar
o Direito à técnica argumentativa, baseada em pontos comuns, permeados pelos valores sociais.
4
Ver HACKING, I. Referência In. Representar e Intervir. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2012
ela consegue se adiantar às evidências e realizar mais previsões que a anterior. Com efeito, para
Lakatos, uma teoria não deve ser abandonada, a não ser que haja outra teoria melhor, i. e., que
consiga realizar mais previsões (HACKING, 2012, p. 115).
Em relação às teorias de Kuhn, às quais se refere como “psicologia das massas”, Lakatos
a considera uma filosofia reducionista, sem espaço para os valores científicos de verdade,
objetividade, racionalidade e razão, de modo que o método científico desaparece como métrica
de progresso do conhecimento, ainda que se possa explicar uma “mudança de paradigma”
(HACKING, 2012, p. 112).
Pode-se descartar, de pronto, a visão dworkiana do Direito como uma Prática Social
Interpretativa, bem como a Visão de Viehweg, do Direito como Tópica, pois essas visões sequer
possuem pretensão de serem científicas. Não obstante, a discussão acerca da progressão
empírica do Direito, conforme Dworking e a progressão teórica do Direito de Viehweg
poderiam suscitar discussões interessantes e surpreendentes, as quais, infelizmente, não são
cabem no escopo deste ensaio. Descarta-se essas visões, assim, alegando-se que o Direito
dworkiano não progride teoricamente, pois não oferece qualquer previsibilidade, tampouco tem
a pretensão de oferecer. Da mesma forma, o Direito de Viehweg não produz tecnologia,
independente da semântica empregada nesse termo.
Foquemos, então, nas correntes de pensamento jurídicos que tem a pretensão de serem
científicas. Pensemos, primeiramente, nas ideias jusracionalistas. Para elas, o Direito é único,
proveniente da Natureza, ou da Razão. O direito positivo é válido ou inválido, a medida em que
reflete esse direito natural. Desse modo, aceita-se que o direito pode ser positivado
invalidamente, e não se garante que esse direito se conformará aos moldes do Direito Natural.
Não há, assim, qualquer grau de previsibilidade, no pensamento jusracionalista. Por outro lado,
se o Direito Natural é único e imutável, como se pode falar em produção de “novas
tecnologias”? O Direito jusracionalista constitui-se, assim, de uma atividade de organização de
conceitos, finita, que perde seu propósito quando o Direito é positivado num código único e
consistente que reflete completamente esse Direito Natural. O Direito jusraconalista tem,
assim, a pretensão de resolver todos os seus problemas internos, momento em que ela não
ultrapassa mais suas próprias evidências e se fecha para outras teorias, ainda não descobertas,
momento em que, necessariamente, se torna um Programa de Pesquisa Degenerativo, de modo
que não pertença ao Sistema d Ciência e seja, para Lakatos, “ironicamente” relegada à
irracionalidade. (Podemos falar em jusirracioalismo?)
Pode-se, ainda, avaliar outras correntes de pensamento jurídico, como o realismo que
alega necessário buscar a previsibilidade das decisões judiciais. Ainda que essas teorias possam
ser facilmente afastadas do Sistema da Ciência, por não apresentar progresso empírico, é da
opinião deste autor que a tal previsibilidade que essa corrente busca é inalcançável, e que,
acreditar que uma decisão judicial pode ser determinada a partir de fatores exógenos se insere
na “Natureza Mágica”, conforme nos explica Lenoble5.
5
Ver LENOBLE, Robert. A natureza mágica. In: _____. História da ideia de natureza. Lisboa: Edições 70,
1990.
5. Da opinião pessoal do autor
Uma breve análise histórico-silogística pode nos revelar muito. Pensemos na ciência
como aquela baseada em Descartes, ou Bacon. Faz sentido imaginar que antes destes filósofos,
não havia direito? Ou quem sabe imaginar que o Direito era irracional, antes do surgimento de
suas ideias? Ainda que fôssemos mais além, definindo ciência de modo amplo, pressupondo
que ela já se fazia com Sócrates, Platão, ou Aristóteles, ou quem sabe com Thales ou Pitágoras.
Pode-se falar que antes do “Milagre Grego”7 não havia direito? Ou faria sentido falar de ciência
em um mundo de natureza mítica, ou mágica? Acredito que as respostas a essas perguntas sejam
pertinentes a reflexão de cada autor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRANTES, P., Método e ciência: uma abordagem filosófica. Belo Horizonte: Fino Traço,
2013.
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 2 ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2007. Título original: Law´s empire.
HACKING, I. Um substituto para a verdade In. Representar e Intervir. Rio de Janeiro: Ed.
UERJ, 2012
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 3. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1991.
6
Ver CHRÉTIEN, Claude. Contra a idolatria cientificista. In: _____. A ciência em ação: Mitos e limites.
Campinas: Papirus, 1994
7
Ver MIROSLAV, M. Política e Metafísica. São Paulo: Editora Max Limonad, 2017