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Paulo Roberto de Almeida

CODEX DIPLOMATICUS
BRASILIENSIS
LIVROS DE DIPLOMATAS BRASILEIROS

Hartford
Edição do Autor
2014
Codex Diplomaticus Brasiliensis
Livros de Diplomatas Brasileiros
...................................

Codex Diplomaticus Brasiliensis


Livros de Diplomatas Brasileiros

Paulo Roberto de Almeida


Doutor em ciências sociais.
Mestre em economia internacional.
Diplomata.

Edição do Autor - 2014


Direitos de publicação reservados:
Paulo Roberto de Almeida
2014

_______________________________________________________

ALMEIDA, Paulo Roberto.


Codex Diplomaticus Brasiliensis: livros de diplomatas brasileiros;
Hartford: Edição do Autor, 2014.
326 p.

1. Relações internacionais. 2. Política Externa. 3. História.


4. Diplomacia brasileira. 5. Brasil. 6. Resenhas de livros.
7. Título.

_______________________________________________________

Informação sobre a capa: composição do autor sobre ilustração do Google Images

Contato com o autor:


www.pralmeida.org
pralmeida@me.com
(1.860) 989-3284

Esta versão: 02/11/2014

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“Todos os homens, pela sua própria natureza, aspiram a conhecer.”
Aristóteles

“Eu sou um cidadão do mundo.”


Diógenes

“As leis morais devem valer para todos os seres racionais.”


Emanuel Kant
...........................................
Sumário

Apresentação
pág. 11

Índice Geral
pág. 17

Primeira Parte, 21
A diplomacia brasileira na História

Segunda Parte, 141


O Brasil e o multilateralismo

Terceira Parte, 179


Política externa regional e integração

Quarta Parte, 243


Pensamento Político e Econômico

Quinta Parte, 293


Literatura

Apêndices, 303
Complemento de informação sobre outros trabalhos do autor
(A) Ensaios sobre relações internacionais e sobre política externa do Brasil
(B) Livros publicados pelo autor
(C) Nota sobre o autor
..............................................................
Apresentação

Codex Diplomaticus era o título em latim que muitas chancelarias de antiga tradição
usavam para designar a sua coleção, ou códice, de atos internacionais: tratados solenes,
acordos de cooperação, convenções setoriais ou simples memorandos de entendimentos,
assinados com potências estrangeiras e, de modo geral, mais entre soberanos que trocavam
embaixadas ad hoc, do que entre dois Estados nacionais. Esses grossos volumes, que na Idade
Média tardia eram feitos em pergaminho, e muitos deles encadernados com madeira e couro,
passaram também a conter, na era do papel, atos multilaterais assinados ao cabo de alguma
conferência diplomática reunindo diversas dessas potências, geralmente na sequência de
grandes conflitos militares, como foi o caso dos tratados de Westfália (1648). Foi a partir
desse doloroso despertar da era moderna que se deu início ao costume de repertoriar os
documentos que faziam parte dos tratados de aliança e de convivência entre Estados
nacionais, quando o latim ainda era a língua por excelência das relações internacionais e
consolidava, como tal, o registro dos atos mais importantes da política externa dos seus
soberanos.
O Brasil, obviamente, não é parte original dessa tradição: não esteve na conferência
que restabeleceu a paz europeia, depois da guerra de Trinta Anos, nem jamais usou o latim
como sua língua diplomática. Na primeira grande conferência em que esteve representado –
mas indiretamente, como Reino Unido, em Viena –, a língua usada já era o francês, que
continuou muito em voga na diplomacia brasileira até depois do final da Segunda Guerra
Mundial. Mas, à diferença do suporte dialetal e diplomático que presidiu ao final do último
grande conflito militar da era napoleônica, a Primeira Guerra Mundial, e ao tratado de
Versalhes, o inglês suplantou rapidamente o francês como a língua de trabalho e de referência
das conferências multilaterais e dos grandes atos internacionais, provavelmente desde a
primeira “declaração das nações unidas,” de 1942, ainda com os Estados Unidos e a Grã-
Bretanha unicamente. Nem se mencione o latim, que o próprio Vaticano pensa abandonar
como língua oficial de seus documentos mais importantes; parece que nem nos seminários se
estuda latim convenientemente.
Pode parecer estranho, assim, alguém pretender apresentar um simulacro de Codex
Diplomaticus Brasiliensis, que sequer é assemelhado a um repertório dos atos internacionais
do país, que devem estar devidamente registrados na sua chancelaria diplomática. Não seja

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por isso: eu estava tentando achar um nome para esta minha segunda coleção especializada de
resenhas de livros ligados às relações internacionais e à política externa do Brasil e como o
nome me era simpático, e estava disponível, resolvi me apropriar dele, sem pedir licença a
ninguém. Sem falsas analogias, portanto, segue aqui um dos derivativos do meu primeiro
“códice” de leituras diplomáticas, que veio a lume com o título mais ou menos nobiliárquico
de Prata da Casa. A despeito de ser enorme, esse livro ainda está disponível aos curiosos na
plataforma Academia.edu, mas ele vem sendo esquartejado aos poucos em volumes mais
modestos.
Separei, em primeiro lugar, a verdadeira “prata da casa”, que eram as centenas de
mini-resenhas de livros de diplomatas que publiquei nos últimos dez anos no boletim da
Associação dos Diplomatas Brasileiros, a ADB; ele já se encontra disponível na mesma
plataforma (e vem sendo regularmente acessado, como posso constatar). Faço agora o mesmo
com as resenhas mais longas dos livros escritos e publicados por colegas de carreira. Mas
também pretendo fazer o mesmo com os de não diplomatas.
Comparecem, portanto, aqui mais de 40 autores identificados nominalmente, com a
particularidade de que existem livros com mais de dois autores, mas também obras coletivas,
com muitos autores, alguns deles diplomatas, São quase seis dezenas de livros, embora alguns
títulos se repitam devido ao fato de terem sido objeto de novas edições, como é o caso de
alguns do próprio autor desta coleção. Se ela é o equivalente de um Codex, ou códice, eu não
sei, mas ela certamente comporta os mais importantes, ainda que não todos, os títulos
produzidos dentro da carreira nas duas últimas décadas. Como se pode constatar, os
diplomatas também escrevem e publicam, o que é um sinal de que a Casa não está fechada
sobre si mesma, como muitos querem fazer acreditar.
Que os diplomatas escrevam, isso é um truísmo pleonástico, se me permitem a
redundância. Entre telegramas e outros atos de ofício, os diplomatas passam a vida na palavra
escrita, o que é complementado pela oralidade das conferências multilaterais e das muitas
reuniões bilaterais ou regionais, sem mencionar os encontros informais, que constituem,
provavelmente, o essencial da carreira: prepara-se tudo de antemão, se possível com
entendimentos preliminares em torno de algum acordo geral ou setorial, e depois se passa à
finalização, sob a forma de algum acordo ou tratado internacional. Tudo isso fazia – deve
ainda fazer – objeto de notas detalhadas que vão parar nos arquivos da nossa diplomacia,
embora eu mantenha fundadas suspeitas de que alguns episódios recentes não tenham
recebido o mesmo tratamento meticuloso.

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Mas eu não quero me referir aqui aos expedientes oficiais, geralmente redigidos num
diplomatês insosso que nunca me agradou particularmente. Aliás, os poucos diplomatas que
se distinguiram na vida pública do país, o fizeram como artistas ou intelectuais, não
especificamente como diplomatas, e os que o fizeram possuíam uma escrita elegante e
refinada, não necessariamente conforme aos cânones da diplomacia. Desafio qualquer um de
meus colegas a me apontar um burocrata que tenha entrado para a história – do país ou
mesmo de sua diplomacia – apenas porfiando o diplomatês que somos obrigados a usar na
chancelaria: talvez o Visconde de Cabo Frio, mas ele não seria um candidato à Academia
Brasileira de Letras, não é mesmo? Quem o fez, por exemplo, foram Oliveira Lima e o Barão
do Rio Branco, nessa sequência, e não precisamente por seus escritos “diplomáticos”, e sim
pela pesquisa histórica ou os artigos de atualidade internacional que produziram no contexto
da atuação política do Brasil no cenário internacional. Todos os demais contemplados ao
longo de mais de um século se distinguiram nas letras e no labor das diversas áreas das
humanidades.
Mas, ainda que muitos não acreditem, diplomatas também escrevem coisas diferentes
dos telegramas e ofícios de chancelaria, e isso merece registro e comentários. Pois foi
exatamente essa virtude que me motivou a sempre buscar resenhar as obras de colegas
contemporâneos – e alguns de tempos outros também – não apenas como mero registro
burocrático, o que seria o dever e a obrigação de algum encarregado de códices de sua
chancelaria, mas por simples empatia com essas obras, que me foram dadas conhecer através
de uma leitura atenta, mas não por isso menos crítica. Não sou adepto do elogio hipócrita,
nem dos adjetivos grandiloquentes: o que tenho a dizer, eu escrevo, tout simplement. Talvez
seja por isso que algumas das minhas mini-resenhas ficaram naquele espaço que a própria
Igreja extinguiu, e que antigamente se chamava limbo.
Estão aqui organizados, portanto, segundo uma estruturação temática mais conforme o
caráter geral de cada obra, todos os livros que integravam a segunda parte do Prata da Casa,
ou seja, as resenhas mais longas de livros de diplomatas. Ficaram ainda de fora todas as
demais obras que também pertencem ao mesmo universo, ou seja, às relações internacionais,
em geral, e à política externa do Brasil, em particular, mas que foram escritas por “paisanos”,
ou autores não diplomatas, alguns até estrangeiros. A esses dedicarei um terceiro volume,
provavelmente agregando à coleção alguns livros de caráter geral, mas que interessam à
cultura diplomática em seu sentido amplo.
Como parece inevitável numa Casa que tem o seu “santo protetor”, o Barão
comparece aqui diversas vezes e, como não poderia deixar de ser, na primeira parte da
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coletânea, voltada para o cenário histórico da diplomacia brasileira. Talvez seja uma
deformação acadêmica desde resenhista, que sequer é historiador de formação, mas o fato é
que quase a metade das obras resenhadas foram inseridas nessa categoria, embora muitas
delas também o pudessem ser na de multilateralismo ou na de regionalismo. A decisão por
dividir as resenhas nessas cinco grandes seções, me deixa na incômoda posição de exibir
apenas duas humildes resenhas para obras puramente literárias, embora muitas outras tenham
sido objeto de mini-resenhas no volume Polindo a Prata da Casa. Numa outra encarnação,
quem sabe?, eu possa voltar como um grande leitor de novelas, romances e poesia, mas, nesta
aqui, a deformação já parece incontornável: sou um incurável viciado em literatura
especializada nas humanidades e nas ciências sociais aplicadas (e com incompetência
manifesta em várias delas).
Como já disse em outra ocasião, artigos de resenhas, ou review-articles, ao estilo da
New York Review of Books – e a maior parte dos textos aqui inseridos se enquadra nessa
categoria –, têm mais a virtude de destacar mais as preferências e as inclinações intelectuais
do próprio resenhista do que, talvez, o espírito da obra e as motivações de seus autores, mas
não vejo nisso um problema maior na confecção e publicação destes textos de “bibliomania”.
Afinal de contas, todos têm o direito de exibir, a qualquer título, suas afinidades eletivas e
seus gostos pessoais em matéria de artes, culinária e intelecto. As minhas estão claramente
expressas nas revisões críticas que elaborei a respeito das obras que busquei ler de forma
atenta e anotada.
Desde já esclareço que estas resenhas não são, nem de longe, as de todas as obras de
diplomatas que me chegaram às mãos e que integram a minha biblioteca. Como poderão
constatar, poucas das obras que aqui comparecem foram publicadas pelo próprio Itamaraty, e
as que o foram não fazem parte daquilo que se poderia chamar de “corveia diplomática”, ou
seja, os trabalhos de final de curso, na etapa inicial do Rio Branco, ou naquela intermediária
do Curso de Altos Estudos. Talvez apenas três ou quatro, dentre as quase 60 obras lidas e
resenhadas, pertencem a essa categoria dos trabalhos “oficialmente encomendados”, mas as
dessa vertente que eu escolhi resenhar se situavam, de certa forma, num outro terreno que não
o do “longo memorando” interno à carreira, que geralmente são aqueles trabalhos que ficam
marcados pela adesão à, e pelo conformismo com a doutrina do momento. Não que eu tenha
qualquer hostilidade contra obras “de carreira” – tanto porque quase todas elas foram objeto
de leitura e de uma mini-resenha de minha parte – mas é que elas não expressam, por assim
dizer, aquela característica que é inerente ao artista ou ao verdadeiro intelectual, que é a
liberdade de pensamento.
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Creio já ter dito que o Itamaraty é uma espécie de Vaticano da diplomacia, que tem a
sua própria, por sinal uma das melhores do mundo; é que ele também cultiva esses valores
essenciais ao seu funcionamento, que são a hierarquia, a disciplina e a adesão ao dogma do
momento. Tudo isso combina mal com essa qualidade que eu tanto prezo, que é a capacidade
de dizer o que se pensa, no mais puro exercício dessa faculdade humana que é o livre arbítrio,
sem mestre, sem patrão, sem verdades reveladas. Nunca fui adepto do conformismo ambiente,
e por isso mesmo preciso terminar e publicar o meu Dicionário dos Disparates Diplomáticos
que pretende, à la Bouvard e Pécuchet, compilar as mais belas pérolas destes tempos não
convencionais.
Enquanto ele não vem, permito-me oferecer aos curiosos, aos necessitados, aos que
praticam o hábito saudável da leitura – sem contra indicações, a não ser a de despertar o
ceticismo sadio em quem aprecia um mundo de certezas – esta coletânea de leituras já feitas,
em torno de um pequeno universo que é tão diverso quanto o próprio, com a vantagem de não
necessitar buscar em bibliotecas ou em sebos aquele livro de que se tinha ouvido falar mas
não estava ao alcance da mão, ou da tela de e-reader ou de computador. Se eu reunisse todas
as resenhas feitas ao longo de uma vida dedicada aos livros, construída por eles e na
companhia desses singelos objetos de prazer intelectual, elas provavelmente ocupariam vários
volumes, centenas de páginas e teriam aquele aspecto de gabinete de curiosidades que
também caracteriza a busca incessante dos dois personagens de Flaubert.
Livros, pelo menos os impressos, apresentam esse incômodo de natureza material de
ocuparem muito espaço e de demandarem certa organização, sob o risco de não encontrar
algum específico, depois de certo tempo (o que já me levou, algumas vezes, a comprar duas
vezes a mesma obra, ou ir buscar em bibliotecas o que eu já não mais encontrava no
patrimônio privado), e de acabar descobrindo para sua surpresa que a biblioteca particular já
se converteu num labirinto à la Borges, relido por Eco, ou num cemitério dos livros
esquecidos, à la Carlos Ruiz Zafón. Depois das resenhas dos que estão aqui presentes, ainda
penso reproduzir num volume adicional aqueles que integravam a Terceira Parte do Prata da
Casa, com uma nova organização e, provavelmente, mais algumas adições.
Os leitores deste volume não precisam ser necessariamente os pesquisadores de temas
da diplomacia brasileira ou jovens candidatos à carreira. Qualquer um que encontre prazer na
leitura terá, nas páginas que se seguem, a curiosidade de consultar, ou até de comprar os
próprios, pelo menos assim espero. Quanto aos diplomatas autores que ficaram “esquecidos”
na minha seleção de leituras, apresento minhas humildes desculpas pela discriminação
involuntária, que foi unicamente motivada por falta de oportunidade, ou, mais
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frequentemente, de tempo. Como também já disse em outras ocasiões, vou necessitar de mais
ou menos 150 anos adicionais para conseguir ler os livros que me esperam em minha
biblioteca, nas que frequento habitualmente, em todas as livrarias que percorro, e agora nas
ofertas digitais que pululam todos os dias na minha tela ou se oferecem nos book-reviews que
leio regularmente.
Na verdade, meu projeto secreto é o de ler e resenhar tudo o que de mais importante,
na minha área, se publicou 150 anos para trás, aproximadamente, o que oferece, como se pode
ver, um bom pedaço de história da cultura contemporânea, mas que seja intelectualmente
relevante. Entre essas leituras, certamente aparecerão vários livros de colegas diplomatas, do
Brasil atual e do passado, o que justificaria, talvez, o início de um outro projeto, um de
“Leituras Diplomáticas”, se a nossa Casa fosse racional em suas loucuras. Mas isso é
conversa para uma outra oportunidade. Por enquanto, fiquem com a meia centena de livros
que se oferecem a todos os que aqui adentrarem.

Paulo Roberto de Almeida


(o mesmo bibliomaníaco incurável, sempre...)
Hartford, 2 de novembro de 2014

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..............................................................
Índice Geral

Primeira Parte, 21
A diplomacia brasileira na História

José Vicente Pimentel (org.): Pensamento Diplomático Brasileiro, 1750-1964


Paulo Roberto de Almeida: O estudo das relações internacionais do Brasil
Paulo Roberto de Almeida: O estudo das relações internacionais do Brasil (2a. edição)
José Manoel Cardoso de Oliveira: Atos Diplomáticos do Brasil, 1492-1912
Paulo Roberto de Almeida, Katia de Queiroz Mattoso: Une Histoire du Brésil
Luís Valente de Oliveira e Rubens Ricupero (orgs.): A Abertura dos Portos
Evaldo Cabral de Mello: A outra Independência
Paulo Roberto de Almeida: Formação da diplomacia econômica no Brasil
Paulo Roberto de Almeida: Formação da diplomacia econômica no Brasil (2a. edição)
Luís Cláudio Villafañe Gomes Santos, O Império e as repúblicas do Pacífico
Manoel de Oliveira Lima: Nos Estados Unidos, Impressões políticas e sociais
Álvaro da Costa Franco (org.): Visconde do Rio Branco: A política exterior no Parlamento
Secretaria dos Estrangeiros: O Conselho de Estado e a política externa do Império, 1858-62
J. A. Pimenta Bueno: Consultores do Ministério dos Negócios Estrangeiros, 1859-1864
Suely Braga da Silva: Paulo Nogueira Batista: o diplomata através de seu arquivo
Carlos Henrique Cardim: A Raiz das Coisas: Rui Barbosa, o Brasil no Mundo
Marcelo Raffaelli: As relações entre Brasil e Estados Unidos durante o Império
R. Ricupero; João H. Pereira de Araújo (org.): Rio Branco: Biografia Fotográfica,1845-1995
Manoel Gomes Pereira (ed.): Obras do Barão do Rio Branco
Manoel Gomes Pereira (org.). Barão do Rio Branco: 100 Anos de Memória
Luís Cláudio Villafañe Gomes Santos (curador): Rio Branco: 100 anos de memória
Ângela Porto (organizadora): Barão do Rio Branco e a caricatura
Fernando de Mello Barreto Filho: Sucessores do Barão: relações exteriores, 1912-1964
Fernando de Mello Barreto: Sucessores do Barão, 2: relações exteriores, 1964-1985
Eugênio Vargas Garcia: Entre América e Europa: a política externa na década de 1920
Valdemar Carneiro Leão: A Crise da Imigração Japonesa no Brasil (1930 - 1934)
Carlos Alberto Leite Barbosa: Desafio Inacabado: a política externa de Jânio Quadros
Paulo Almeida, Rubens Barbosa e Francisco Rogido (orgs.): Guia dos Arquivos Americanos

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Segunda Parte, 141
O Brasil e o multilateralismo

Luiz Felipe de Seixas Corrêa: A Palavra do Brasil nas Nações Unidas: 1946-1995
Paulo Roberto de Almeida: O Brasil e o multilateralismo econômico
Demétrio Magnoli e Carlos Serapião: Comércio exterior e negociações internacionais
Paulo R. de Almeida: Os primeiros anos do século XXI: o Brasil e as relações internacionais
Paulo Roberto de Almeida: Relações Internacionais e Política Externa do Brasil
Paulo R. de Almeida: Relações internacionais e política externa do Brasil (2a. edição)
Paulo R. de Almeida: Relações internacionais e política externa do Brasil (3a. edição)

Terceira Parte, 179


Política externa regional e integração

Rubens Antonio Barbosa: América Latina em Perspectiva: a integração regional


Paulo Roberto de Almeida: O Mercosul no contexto regional e internacional
Sérgio Abreu e Lima Florêncio e Ernesto Henrique Fraga Araújo: Mercosul Hoje
Paulo Roberto de Almeida: Mercosul: Fundamentos e Perspectivas
Paulo R. de Almeida e Yves Chaloult (orgs.): Mercosul, Nafta, Alca: a dimensão social
Paulo Roberto de Almeida: Le Mercosud: un marché commun pour l’Amérique du Sud
Renato L. R. Marques: Mercosul 1989-1999: depoimentos de um negociador
Leonardo Carneiro Enge: A Convergência Macroeconômica Brasil-Argentina
Otávio Augusto Drummond Cançado Trindade: O Mercosul no Direito Brasileiro
Rubens Antônio Barbosa (org.). Mercosul quinze anos
Paulo R. de Almeida; Rubens Antonio Barbosa (eds.): Relações Brasil-Estados Unidos
Paulo Roberto de Almeida: Integração Regional: uma introdução

Quarta Parte, 243


Pensamento Político e Econômico

Sérgio Bath: Maquiavelismo: A prática política segundo Nicolau - Maquiavel


Paulo Roberto de Almeida: Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização

18
Rubens A. Barbosa, Marshall C. Eakin, Paulo R. Almeida (orgs.): O Brasil dos brasilianistas
Paulo R. de Almeida: A Grande Mudança: consequências econômicas da transição política
Marshall C. Eakin, Paulo R. Almeida (eds.): Guide to Brazilian Studies in the United States
Brazílio Itiberê da Cunha, Expansão Econômica Mundial
Paulo Roberto de Almeida: O Moderno Príncipe (Maquiavel revisitado)
Paulo Roberto de Almeida: Globalizando, ensaios sobre a globalização e a antiglobalização
Rubens Antonio Barbosa: revista Interesse Nacional
Paulo Roberto de Almeida: Nunca Antes na Diplomacia...

Quinta Parte, 293


Literatura

Geraldo Holanda Cavalcanti: Encontro em Ouro Preto: contos fantásticos


Edgard Telles Ribeiro: O Punho e a Renda

Apêndices, 303
Complemento de informação sobre outros trabalhos do autor
(A) Ensaios sobre relações internacionais e sobre política externa do Brasil, 303
(B) Livros publicados pelo autor, 321
(C) Nota sobre o autor, 325

19
Primeira Parte
A diplomacia brasileira na História
Pensamento diplomático brasileiro: introdução metodológica às ideias
e ações de alguns dos seus representantes

Capítulo introdutório a
José Vicente Pimentel (organizador):
Pensamento Diplomático Brasileiro: Formuladores e Agentes da Política Externa
(1750-1964)
(Brasília: Funag, 2013, 3 vols.; ISBN 978-85-7631-462-2; vol. 1, p. 15-38; obra
completa disponível em formato zipado no site da Funag:
http://funag.gov.br/loja/download/pensamento_diplomatico_brasileiro.zip; vol. 1,
disponível no link:
https://www.researchgate.net/publication/258498953_Pensamento_Diplomtico_Bra
sileiro_Parte_1).

Não parece haver dúvidas que a diplomacia brasileira dispõe, historicamente, de


ideias, ou de um pensamento, a sustentar-lhe as ações. Uma adesão inquestionável ao
direito internacional, o não recurso à força para a resolução de disputas entre Estados, o
respeito a não-ingerência e à não intervenção nos assuntos internos de outros países, a
observância dos direitos humanos e de um conjunto de valores próprios ao nosso
patrimônio civilizatório, são todos elementos constitutivos da ação diplomática
brasileira, ainda que não se possa dizer que eles sejam exclusivamente ou
essencialmente brasileiros, na forma e mesmo no conteúdo.
Não obstante, ao longo de sua história, o Brasil teve de apelar para todos os
recursos do direito internacional, para as suas capacidades próprias e, algumas vezes,
até para a força das suas armas, para fazer valer a sua integridade territorial, sua
soberania nacional, a honra e a defesa da pátria, quando ameaçadas por algum
contendor regional ou extra-atlântico. Para tanto apoiou-se naquelas ideias, naquele
conjunto de valores e princípios, eventualmente adaptados às suas necessidades
específicas e às circunstâncias que presidiram a cada tomada de decisão em relação ao
desafio em causa. Os desafios estiveram geralmente ligados à definição dos limites do
“corpo da pátria” – sempre pelas negociações, desde a independência –, ao equilíbrio de
poderes e à liberdade de acesso nas fronteiras platinas, às relações com as grandes
potências europeias e, depois, com o grande poder hemisférico, à abertura de mercados
para os seus produtos e o acesso às fontes de financiamento para o seu
desenvolvimento, à participação, em bases equitativas, nas grandes definições relativas
à ordem mundial, sua manutenção e funcionamento em bases adequadas à cooperação
multilateral.
23
As ideias e as ações foram as de seus líderes políticos, seus dirigentes estatais,
seu corpo de profissionais da diplomacia, seus intelectuais e os membros da elite, de
forma geral. Essas ideias e essas ações não existem, portanto, em abstrato, mas sim
conectadas a pessoas que a elas aderem e que as fazem movimentar-se, em função de
seu próprio substrato intelectual, de seu envolvimento com os assuntos públicos, de sua
iniciativa e mobilização numa causa que ultrapassa a dimensão específica das vidas
privadas e das atividades profissionais: as pessoas passam a encarnar os interesses do
Estado.

Estudos de história intelectual, aplicada à suas relações exteriores, constituem


uma reconhecida lacuna na bibliografia especializada do Brasil e o presente livro
representa um passo modesto mas importante no sentido de preenchê-la. Trata-se,
provavelmente, da primeira tentativa neste gênero, um campo ainda a ser explorado
mais detidamente, uma espécie de precursor de futuros estudos monográficos mais
elaborados, ou de sínteses gerais na mesma categoria historiográfica. O gênero interessa
de perto os profissionais da diplomacia e todos aqueles que gravitam em torno da
formulação e da execução das relações exteriores do Brasil, mas também os acadêmicos
que modelizam cenários para as relações internacionais, como os cientistas políticos, ou
aqueles que tratam de sua interpretação a posteriori, como é o caso dos historiadores.
Examinemos, nesta introdução geral, os fundamentos conceituais desta iniciativa
da Fundação Alexandre de Gusmão. O projeto, uma simples proposta na sua formulação
original, foi bem acolhido e passou imediatamente a ser concretizado pelo presidente da
Funag, a quem cabe o mérito de ter conseguido levá-lo adiante, mesmo enfrentando as
conhecidas restrições orçamentárias que sempre atingem projetos eminentemente
culturais, em momentos econômicos difíceis, como os que podem sobrevir
conjunturalmente.
Vejamos, portanto, o que justificaria a conjugação de três conceitos
independentes – um substantivo e dois adjetivos – numa mesma obra, cuja principal
unidade intelectual provém da tentativa de descobrir alguma identidade de propósitos
num longo continuum de ideias e de ações voltadas, ambas, para a diplomacia e para a
política internacional do Brasil ao longo de mais de dois séculos? O substantivo é,
obviamente, o “pensamento”, e os “adjetivos” são os dois qualificativos que lhe
seguem, e todos eles requerem alguma explicação.
São eles apropriados, coerentes entre si, justificados e adequados aos objetivos
24
pretendidos pelos organizadores, o pequeno coletivo de acadêmicos e diplomatas que
discutiu os primeiros rascunhos do projeto e decidiu levá-lo adiante, a um ritmo inédito
para os padrões normalmente encontrados nesse tipo de empreendimento? Examinemos,
primeiro, cada um dos componentes do título desta obra coletiva, para debruçarmo-nos,
complementarmente, sobre as ideias e ações a eles associadas.

Pensamento
O que representa o conceito, no contexto dos estudos de história das ideias ou
dos ensaios de historiografia intelectual? Trata-se de uma categoria abstrata, algo como
um ajuntamento de contribuições voluntárias para algum clube metafísico, ou um
conjunto preciso de estudos sobre propostas concretas de ação que, ao longo do tempo,
guiaram a condução da diplomacia nacional? Seria ele mais apropriado a uma
monografia acadêmica, ou poderia ele contentar-se com uma compilação de ensaios
individuais, seguindo estilos e metodologias diversos como os aqui apresentados?
O campo da história das ideias tem sido pouco trabalhado no Brasil. Existem,
obviamente, alguns bons exemplos de histórias setoriais, algumas por sinal excelentes;
podem ser aqui registrados, ainda que de maneira perfunctória, ensaios sintéticos de
ideias políticas (Nelson Saldanha, João de Scantimburgo, Nelson Barreto, por exemplo),
filosóficas (magnificamente sintetizadas por Antonio Paim e Ricardo Velez-Rodriguez,
depois do esforço pioneiro de João Cruz Costa), ou até mesmo econômicas (ainda que
sob a forma sumária de entrevistas e coletâneas de trabalhos de alguns mestres). Mas
são reconhecidamente parcos os esforços de síntese desde uma perspectiva global e
comparativa, embora não tenham faltado tentativas meritórias nesse sentido.
O exemplo que mais se aproxima do conceito aqui privilegiado é a obra em
vários volumes do crítico literário Wilson Martins, que, numa série em sete tomos –
História da Inteligência Brasileira – abordou o crescimento da produção intelectual
brasileira desde o início da nacionalidade até meados do século 20. O pensamento
nacional encontra-se ali representado por escolas e figuras luminares de nossa cultura,
que Martins correlaciona com as ideias dominantes em cada época, buscando enfatizar,
com seu estilo elegante e refinado de análise, a contribuição de cada uma delas para
aquilo que ele chamou de construção da inteligência nacional.
O livro que aqui se apresenta não tem esse tipo de pretensão totalizante. Por um
lado, trata-se de obra coletiva, sujeita, portanto, a diferentes enfoques historiográficos e
a metodologias de análises também diversas, sobre cada um dos personagens
25
selecionados. Uma outra limitação é que ele não cobre o universo completo daqueles
que contribuíram, com seus escritos, palavras e ações, para a construção do que foi aqui
chamado, com certa liberdade conceitual, de pensamento diplomático brasileiro.
Muitos outros representantes do pensamento e ação vinculados, de uma forma
ou de outra, às relações internacionais do Brasil desde a conformação do Estado
independente, ainda que não comparecendo nesta compilação de estudos biográfico-
intelectuais, trilharam o percurso aqui percorrido pelos personagens escolhidos para
integrar este projeto de estudos que se pretende inicial e precursor de novas tentativas e
complementos neste mesmo terreno. Entretanto, são poucos os personagens
selecionados que já foram objeto de monografias analisando seu pensamento, no terreno
aqui privilegiado para enfoque mais detalhado. Não figuram nesta obra todos os atores
suscetíveis de consideração inclusiva, mas os que nela figuram tiveram impacto efetivo
e influência real na política externa do país, o que pode ser avaliado por sua presença
continuada nos registros históricos, na literatura especializada, na memória coletiva,
tanto quanto nas referências preservadas por atores ou pensadores ulteriores, que
souberam reconhecer alguma dívida intelectual para com seus antecessores de cátedra
ou de gabinete.
O livro ora publicado se aproxima, assim, de uma “história das ideias
diplomáticas brasileiras”, congregando um conjunto de ensaios sobre personagens da
história brasileira que influenciaram, ou até conduziram, sua política internacional, ou
as relações exteriores do país, em campos ou setores determinados. Ele constitui,
portanto, uma promessa feliz de que este tipo de lacuna possa estar sendo parcialmente
sanada. Ele representará, ao menos, uma coletânea de estudos focados sobre a
contribuição dos personagens selecionados para a construção de uma inteligência
nacional no terreno da diplomacia.
A iniciativa talvez fosse sentida há mais tempo, mas não tinha sido ainda objeto
de um projeto de trabalho como este agora formulado e conduzido pela Fundação
Alexandre de Gusmão, que constitui, justamente, o braço intelectual e um promissor
“tanque de ideias” do corpo diplomático brasileiro. A Funag, pelo imenso volume de
publicações já realizadas, vem, justamente, preenchendo esse tanque com mais ideias, e
a organização, pelo seu presidente, deste projeto inédito nos seus anais editoriais reforça
significativamente o segundo conceito, o qual, aliás, na formulação original em língua
inglesa, vem em primeiro lugar.

26
O fato de um livro como este estar sendo publicado agora indica, certamente,
amadurecimento intelectual por parte da diplomacia profissional, mas também revela o
crescimento da comunidade acadêmica nesse terreno especializado das humanidades, o
estudo das relações internacionais do Brasil. A tarefa não era simples, além e acima da
conformação simplesmente biográfica de cada um dos personagens. Ela implicava o
estabelecimento de relações bem definidas entre os personagens e suas ações e reflexões
nos campos das relações exteriores e da diplomacia, a análise de seus aportes
específicos nesses mesmos campos, bem como alguma qualificação dessas
contribuições no contexto histórico – institucional e intelectual – no qual eles estiveram
imersos.
A intenção não foi tanto a de oferecer biografias resumidas de personagens que
tiveram impacto na diplomacia brasileira – pelas suas ideias ou ações – mas a de
oferecer uma moldura conceitual e humana à construção da já referida inteligência
diplomática pelo exame dos escritos, dos trabalhos e das ações de pensadores e
operadores brasileiros no campo internacional. Independentemente de constituir, ou
não, uma primeira referência nessa área de estudos, o livro pretende ser, justamente, a
semente de um projeto mais abrangente de análise sistemática das contribuições de
gerações de pensadores e executores práticos que foram acrescentando seus tijolos
conceituais e pragmáticos a um edifício – a diplomacia brasileira – que passa por ser,
com razões legítimas para tal aspiração, uma das mais eficientes e bem preparadas no
campo das burocracias estatais voltadas para as relações internacionais dos Estados
nacionais contemporâneos.

Diplomático
Metodologicamente, não existem dúvidas quanto ao termo, em sua acepção
política ou funcional. A diplomacia é, justamente, a arte das palavras e toda ela é feita
em torno de ideias, de conceitos, de argumentos, que depois vão se materializar em
acordos bilaterais, em tratados multilaterais, em declarações universais, que se
pretendem guias para a ação dos Estados no plano externo e para as relações de
cooperação, ou até de conflito, entre eles. O argumento central desta obra aponta,
entretanto, para o embasamento ou a vinculação da diplomacia com algum tipo de
pensamento que possa ser considerado como especificamente brasileiro.
A questão envolve muitos matizes, e não é possível respondê-la em abstrato. O
caráter de ser, ou do ser diplomático, se refere aos atores ou aos atos, em si? Em outros
27
termos, ele deriva da qualidade dos agentes, ou da natureza da ação? E sendo ação, seria
ela diplomática, ou apenas estatal, aplicada às relações exteriores, ou à política
internacional? Esta não é, exatamente, uma dúvida hegeliana, mas de sentido prático,
mais na linha do empirismo inglês do que na da filosofia alemã. Para evitar um inútil
debate terminológico, sem muita relevância para os propósitos desta obra, digamos que
o caráter diplomático do pensamento, se ele existe de fato, se refere mais ao contexto
desse tipo de formulação ideal-típica, enquanto guia para a ação de homens públicos, do
que uma reflexão teórica, ou puramente especulativa, destacada de seu contexto
histórico ou de suas aplicações concretas. Ou seja, estamos falando de contribuições de
pensadores – pelos seus escritos e palavras – e de homens práticos – pelas suas ações e
cargos desempenhados no Estado – que impactaram, de modos diversos, a maneira pela
qual a ação externa desse Estado se manifestou, ao longo do período histórico aqui
coberto.
Alguns dos personagens aqui presentes não puderam, por circunstâncias
diversas, deixar um corpo articulado de propostas em torno de uma política externa
“ideal” para o país, mas todos eles, teóricos ou praticantes dessa atividade especializada,
souberam guiar-se por valores, princípios e por interesses concretos do país com vistas a
responder a desafios externos ou fazer o país afirmar-se na ordem internacional. Ainda
que o pensamento fosse embrionário – como na fase de construção do Estado brasileiro
e do “corpo da pátria” – a decisão por alguma opção política, no contexto regional ou
mais amplo, era sempre diplomática.
Por exemplo: preservar, ou não, o tráfico e a escravidão podia ser uma condição
essencial da manutenção do tipo de formação econômica e social que caracterizava o
Brasil agrário-exportador do início do século 19, mas fazê-lo, no contexto do
abolicionismo montante desde o início daquele século exigia uma ação diplomática que
envolveu a maior parte dos homens públicos do Primeiro e do Segundo Reinado, assim
como da Regência. Não havia necessidade absoluta de fazê-lo, como já havia tentado
sugerir, sem sucesso, José Bonifácio; contudo, uma vez que se adotou essa opção, coube
aos diplomatas do Império defender a causa frente à prepotência do hegemon da época,
o império britânico (como, aliás, descobriu, desde cedo, o jovem Tomaz do Amaral, o
futuro Visconde de Cabo Frio). Eles o fizeram até que Paulino, sabiamente, resolveu
encerrar esse triste episódio defensivo da diplomacia brasileira.
Dois exemplos, entre muitos outros, de decisões diplomáticas tomadas por não
diplomatas: participar, ou não de uma guerra externa, que não fosse a defesa estrita do
28
território nacional, como cabe a qualquer Estado detentor de soberania plena e como
incumbe aos militares profissionais? Aliar-se, ou não, aos inimigos de Rosas, para
derrubar o ditador de Buenos Aires? Decidir, ou não, pelo envio de tropas às frentes de
batalha da Segunda Guerra Mundial, contra as forças do nazi-fascismo? Os homens que
estiveram por trás, ou à frente, dessas decisões – Honório Hermeto e Paulino, num caso,
Oswaldo Aranha e Vargas, no outro – podem não ter elaborado alguma explicação
substantiva, de tipo diplomático, para justificar tais decisões, sobre como ou porque elas
foram tomadas, mas eles tinham plena consciência de quais interesses nacionais
relevantes estavam envolvidos em cada um dos casos.
Um outro exemplo do caráter especificamente diplomático de um tipo de
pensamento que deve ser considerado original e ousado, em relação ao padrão habitual
das negociações diplomáticas: resolver a questão do Acre pela arbitragem, como parecia
ser o hábito no contexto da passagem do século 19, e como autorizavam os diversos
tratados de arbitragem já assinados ou em negociação, ou optar pela negociação direta,
inclusive pela oferta de dinheiro como compensação, como preferiu o Barão do Rio
Branco? É sabido, por exemplo, que Ruy Barbosa, considerado um dos pensadores das
relações internacionais do Brasil, refugou ante a solução do Barão apresentada à
Bolívia, tendo se afastado da delegação negociadora sobretudo por esse motivo. No
entanto, Rio Branco, que dominava como poucos o pensamento e a ação dos
diplomatas, sobretudo europeus, soube inovar, onde Cabo Frio tinha, até então,
administrado um dossiê explosivo nos moldes tradicionais a que estava acostumado
desde o início do Segundo Império. O Barão certamente foi um grande pensador da
diplomacia brasileira, ainda que tenha escrito pouco sobre ela, de modo generalista; mas
ele foi, sobretudo, um grande formulador diplomático, seus escritos foram quase todos
de circunstâncias e eminentemente práticos, e foi isso que o distinguiu da maioria de
seus colegas e de seus admiradores fora da carreira (à qual, aliás, ele veio a pertencer
tardiamente).
Oswaldo Aranha, por sua vez, que pode ser considerado uma espécie de
seguidor espiritual e prático do Barão, não era diplomata de carreira, mas, antes mesmo
de assumir encargos e funções na diplomacia brasileira, já era, justamente, o mais
diplomático dos políticos brasileiros, vindo de uma longa trajetória de negociações
pragmáticas, envolvendo políticos e militares, para atingir objetivos com os quais se
identificava plenamente. A derrubada da “República carcomida” foi um deles, e ele
exerceu muita “diplomacia negocial”, com mineiros e conterrâneos gaúchos, antes de se
29
lançar na revolução que derrocou Washington Luís; da mesma forma, ele considerou
que o envio de tropas para o teatro da guerra europeia era a mais diplomática das
decisões que o ditador deveria tomar, de molde a assegurar um lugar para o Brasil na
construção da ordem internacional do pós-guerra.
Por aí se vê que, mesmo quando o “pensamento” apresenta-se como algo difuso,
seu caráter especificamente diplomático salta imediatamente aos olhos, o que é
evidenciado pelas ideias e ações dos personagens selecionados para integrar este
volume, tenham sido eles políticos profissionais, diplomatas “improvisados”, ou até
militares que se exerceram mais pela pluma e pela palavra do que pelo sabre. Se, como
queria Clausewitz, a guerra é a continuação da política por outros meios, a diplomacia é
justamente a tentativa de preservação da palavra quando o sabre está pronto para ser
desembainhado. Todos os pensadores e agentes acima mencionados souberam combinar
as virtudes dos soldados e dos diplomatas para atingir objetivos que tinham sido
definidos como correspondendo aos interesses nacionais permanentes, e nisso eles
foram diplomatas que se alçaram à condição de estadistas.

Brasileiro
Finalmente, o termo qualificativo de naturalidade ou de nacionalidade. Uma vez
que o substantivo e o seu primeiro adjetivo, diplomático, são seguidos do aditivo
“brasileiro”, significaria isto que o pensamento diplomático é especificamente do
Brasil? Certamente, para os agentes, ou atores, não exatamente para o pensamento.
Todos concordam, por exemplo, que a diplomacia brasileira sempre se guiou por certo
valores e princípios desde longo tempo presentes nos discursos e tomadas de posição
oficiais: respeito absoluto às normas do direito internacional, solução pacífica de
controvérsias, não ingerência nos assuntos internos dos demais países, defesa
intransigente da soberania nacional, cooperação bilateral e multilateral em prol do
desenvolvimento harmônico de todos os povos, mas o que haveria de exclusivamente
brasileiro em todos esses elementos, comumente partilhados por tantos Estados?
Alexandre de Gusmão, quem dá início a esta série de personagens, era um
agente diplomático da Coroa portuguesa atuando em defesa dos interesses da metrópole,
num contexto em que os territórios que ele brilhantemente incorporou ao “corpo da
pátria” eram “pedaços” de uma América portuguesa que começou relativamente
reduzida a uma faixa da costa, mas que, pela ação dos bandeirantes “brasilienses” e dos
exploradores lusitanos, se expandiu muito além da linha de Tordesilhas. Ele foi,
30
justamente, um súdito português que Hipólito da Costa – ao refletir sobre o título que
daria ao seu “pasquim” do exílio britânico – designaria como “brasiliense”, para
distinguir os coloniais nascidos no Vice-Reino daqueles “brasileiros” que,
etimologicamente, seriam, segundo a sua explicação, profissionais do comércio de pau-
brasil.
O Brasil, como entidade “homogênea” só surge algum tempo depois da
independência, como já argumentou o historiador-diplomata Evaldo Cabral de Melo.
Não se trata apenas da “invenção” da nacionalidade ou da identidade nacional – como
argumentado em obras do historiador e diplomata Luís Cláudio Villafañe Gomes Santos
– mas basicamente do acabamento da unidade nacional nos planos administrativo,
político e econômico, ou ainda da obra de conexão “telegráfica” do país através de
terras incógnitas e indevassadas até bem entrado o século 20: no vasto interior do país,
ou até próximos de suas costas, como constataram Euclides da Cunha e Rondon, havia
brasileiros que sequer se sabiam brasileiros.
Nem todos os personagens aqui estudados em sua contribuição intelectual ou
prática para a diplomacia brasileira eram nascidos no Brasil, mas todos eles foram, ou
se tornaram, “brasileiros” pela sua identidade profunda com a nação, com o território, o
Estado reconhecido geopoliticamente como sendo o Brasil contemporâneo (ou seja,
pós-Reino Unido). Todos eles serviram ao Brasil, em devir (no caso de Gusmão, ou
mesmo de José Bonifácio) ou ao Brasil que estava sendo efetivado em seu tempo de
vida, pelas vias da diplomacia, ou seja, instruindo ou cumprindo instruções vinculadas a
uma Secretaria de Estado, seja a dos negócios estrangeiros, fosse já a das relações
exteriores. Foi o caso, por exemplo, de Duarte da Ponte Ribeiro, de Paulino, ou do
próprio Honório Hermeto Carneiro Leão, o Marquês do Paraná: eles participaram da
construção da nação, depois de terem herdado um Estado embrionário, algumas vezes
sob ameaça de fragmentação regional, mas ainda profundamente marcado pelas boas
tradições diplomáticas portuguesas, das quais, aliás, ele tardou em se separar.
Isso quanto aos personagens; mas e quanto ao pensamento? Haveria um
pensamento diplomático que possa ser identificado como essencialmente brasileiro,
distinto, por exemplo, do caldeamento de doutrinas, princípios de direito, concepções
políticas ou econômicas, que também estavam sendo feitas em outras nações em
formação nas Américas e alhures?
A meu ver não. Não identifico “jabuticabas” imperiais ou republicanas que
tenham sido criadas e desenvolvidas pelos nossos estadistas ou pensadores, e que
31
representem um aporte original, ou exclusivo, ao estoque de conhecimentos práticos
aplicados na diplomacia imperial ou republicana. O uti possidetis, intensa e
extensivamente usado como um dos princípios negociadores ao longo do século 19 e
início do 20 para consolidar as fronteiras nacionais, era um antigo recurso do direito
romano para regular ocupações fundiárias. No campo das relações assimétricas, por
exemplo, tão bem estudadas por Ricupero no seu texto sobre o Barão do Rio Branco, os
juristas e diplomatas da Argentina souberam inovar no campo do direito internacional,
com a cláusula Calvo, sobre o esgotamento dos recursos internos, seguida da doutrina
Drago, que buscou aplicar o monroísmo unilateralista contra as intervenções
estrangeiras nas Américas, até mesmo contra a própria pátria de Monroe; tal tipo de
“nacionalismo legal”, apresentado como mecanismo de defesa da jurisdição nacional
em face de interesses estrangeiros, acrescido da fórmula defensiva ulterior, contra o
arbítrio dos poderosos, não foi cogitada pelos conselheiros do Império, inclusive porque
este era um bom pagador de todos os seus débitos externos.
Os políticos, os professores, os tratadistas brasileiros, os membros do Conselho
do Império e os tribunos da República, todos eles eram homens versados na melhor
literatura disponível em suas épocas respectivas, figurões que tinham lido tanto os
filósofos iluministas quanto os teóricos do Estado e da administração pública, homens
que, como Paulino, aplicaram princípios do direito administrativo (então nascente) e do
direito das gentes às necessidades específicas brasileiras. Acredito, entretanto, que não
se pode dizer que tenham criado doutrinas ou um pensamento brasileiro dotado de
validade geral ou de permanência teórica, de molde a justificar um qualificativo
exclusivo de origem. Ruy Barbosa talvez tenha sido o mais teórico dos formuladores de
um pensamento brasileiro em política internacional, mas no meu entender suas “lições”
de diplomacia não se afastam do tronco central do direito internacional; o que ele
demonstra, cabalmente, é que o direito admite uma única interpretação, a da igualdade
soberana entre todas as nações, não a desigualdade de fato que as nações poderosas
pretendiam ver formalmente consagrada. Este tipo de questão continuou a frequentar os
discursos e pronunciamentos da diplomacia brasileira, seja na Liga das Nações, como
evidenciado na ação de Afrânio de Melo Franco, seja no momento da criação da ONU –
especialmente na definição do papel do seu Conselho de Segurança – seja ainda hoje,
quando se debate a democratização dessas estruturas envelhecidas.
Todos os personagens selecionados para este volume, brasileiros de raiz ou
brasileiros por opção, pensaram e trabalharam com base no estoque de conhecimentos e
32
de experiências práticas disponíveis aos cidadãos educados de suas épocas respectivas:
eles formularam sugestões, ou guias para a ação, a partir de seus estudos, suas leituras,
suas observações feitas a partir dos livros, das lições aprendidas nas faculdades, no
convívio com homens de Estado, magistrados, professores, diplomatas ou militares com
os quais podiam confrontar opiniões e propostas de ação que melhor servissem ao Brasil
no contexto de suas relações regionais e internacionais. Nesse campo das iniciativas e
ações de Estado existe ampla margem para o exercício do livre arbítrio, mas o mais
provável é que eles o tenham feito com base numa reflexão ponderada sobre os
melhores caminhos a serem adotados em face de desafios concretos, não de
considerações abstratas.
Seria, então, o qualificativo “brasileiro” um mero acidente geográfico, no quadro
de um conjunto de ideias e ações dotadas de validade geral, podendo ser aplicadas
indistintamente ao Brasil, aos vizinhos da América hispânica, aos Estados nacionais já
consolidados na Europa ou na Ásia? De certa forma sim, já que o título deste livro
poderia ser, igualmente, “pensamento diplomático no Brasil”, antes que “do Brasil”. É
meu entendimento que o País não inovou de maneira inédita em “lições” de diplomacia
ou de política internacional, mas o conjunto de “soluções” aplicadas aos seus desafios
externos, regionais e internacionais, podem, eventualmente, servir de base a alguma
síntese aplicada às suas relações exteriores.
Não existe um “jeitinho” brasileiro de fazer diplomacia, embora possa haver
algumas peculiaridades pouco recomendáveis no plano do direito internacional, ainda
que reduzidas em número e felizmente não persistentes. Por exemplo: a legislação sobre
o tráfico de escravos, de 1831, decorrente de um dos primeiros tratados bilaterais
assinados pelo novo Estado independente – a convenção para a abolição do tráfico,
firmada pelo Brasil e pela Grã-Bretanha, em novembro de 1826 – ficou consagrada na
literatura, como sendo “para inglês ver”, uma expressão ainda hoje frequentemente
usada, ainda que poucos saibam de sua origem numa peculiaridade da política brasileira
daquela época.
Se, por um lado, o Brasil nem sempre inovou na forma ou nos procedimentos,
por outro, os seus dirigentes buscaram invariavelmente escolher as melhores soluções
diplomáticas para os desafios históricos do país. Foi assim nos conflitos do Prata, foi
assim nos dois conflitos mundiais do século 20. O país sempre procurou pautar-se, no
campo de suas relações exteriores, pelos mesmos princípios que guiavam as chamadas
“nações civilizadas” nas quais ele buscava se guiar: de certa forma, ele queria ser como
33
a Europa, ter maneiras francesas (ainda que sustentadas pelo dinheiro britânico), mesmo
quando exibia um parlamentarismo de fachada e escondia um escravismo renitente.
Ainda assim, conseguiu manter um Estado relativamente funcional e certo sentido de
unidade nacional, enquanto as nações vizinhas se desmembravam no caudilhismo e nas
guerras civis. O Império se pretendia avançado: o direito, grosso modo, prevalecia, o
que permitiu a um dirigente estrangeiro, o presidente da Venezuela, designar o Brasil
imperial, no momento de sua derrocada, como tendo sido a única república no
continente.
De fato, fazendo, ao final da primeira República, uma síntese da evolução
política e diplomática do Império, dizia Pandiá Calógeras num livro de feitura didática:
Grande e nobre fora a tarefa cumprida pelo Império. Estava o Brasil sob a
ameaça de desintegração por fatores múltiplos e, entretanto, se manteve unido. . . .
Quanto às relações exteriores, a mesma marcha ascensional era notada. . . . A
hostilidade generalizada contra o Império por parte das Repúblicas sul-americanas
. . . ia aos poucos cedendo, e vinha substituída por um ambiente de confiança
mútua. Da Europa como da Norte América, provas idênticas de crédito político e
internacional afluíam ao Brasil. . . . Nenhuma dúvida pairava sobre a posição
eminente do Império na América do Sul e novas demonstrações de tal sentimento
eram prodigalizadas no Congresso de Montevidéu sobre o Direito Internacional
Privado e na Primeira Conferência Pan-Americana de Washington, em 1889.
(Formação Histórica do Brasil, 1930)

Outra não era a opinião de um grande diplomata e acadêmico desse período,


Oliveira Lima, em livro, também de síntese, sobre o império brasileiro.
Essa posição eminente, refletida no texto de Calógeras, era em grande parte
devida ao trabalho competente da diplomacia imperial, que nessa época já atuava em
bases profissionais, ainda que segundo critérios próprios aos valores da monarquia. A
República, pelo menos na diplomacia, e em geral no papel, buscou preservar – nem
sempre com pleno sucesso – o sentido da lei, do respeito às normas mais avançadas do
direito internacional, a não intervenção nos assuntos internos de outros povos, a
convivência pacífica entre as nações e o respeito à igualdade soberana entre elas, tal
como expresso por Ruy na segunda conferência da Haia (1907).
Ainda que tal modo de ser, herdado do Império, e tal tipo de comportamento, no
plano externo, fossem tachados, mais tarde, de “bacharelescos”, esses princípios e
valores foram incorporados pelo corpo diplomático profissional e pelos bacharéis que
guiaram a política externa nacional nos anos e décadas seguintes, o que certamente
contribuiu para atribuir à diplomacia brasileira essas marcas de qualidade, de respeito e
de seriedade que permaneceram seus atributos reconhecidos durante todo o período
34
coberto por esta obra. Eles estão de tal modo identificados com o Brasil, no exercício de
suas relações exteriores, que foram, no segundo pós-guerra, integrados plenamente ao
processo de formação dos diplomatas brasileiros, daí em diante monopolizado pelo
Instituto Rio Branco. Eminentes intelectuais, professores respeitados, tribunos de escol
e grandes personalidades públicas não apenas formaram gerações de diplomatas como
também serviram, ocasionalmente, em embaixadas ou em delegações enviadas a
conferências internacionais, contribuindo para essas demonstrações de ecletismo e de
profissionalismo que passaram a caracterizar a diplomacia brasileira.

Ideias e ações ao longo do tempo, mas sobretudo pensadores e atores


Ideias e ações não existem num vácuo, como resultado de algum “espírito
hegeliano” que pairasse como a coruja de Minerva sobre as chancelarias; elas não
podem simplesmente se manifestar sem o suporte daqueles que formulam propostas e
dos que implementam decisões de política externa, num determinado contexto histórico
e nas circunstâncias que são oferecidas pelo ambiente externo, regional ou mais amplo,
com todos os constrangimentos que tais variáveis independentes impõem ao Estado e a
seus agentes. A opção pela minibiografia dos personagens e a recomendação para que
cada colaborador convidado oferecesse uma síntese sobre a contribuição de cada um
deles ao pensamento coletivo ou a ação prática da diplomacia brasileira impôs-se,
assim, como a metodologia mais adequada para abordar qualitativamente a construção
dessa ferramenta ao longo do tempo.
A expressão “ pensamento diplomático brasileiro”, por meio de seus principais
personagens, encontra-se, assim, justificada e legitimada por uma cultura coletiva
específica dos diplomatas, o alto grau de socialização obtido no treinamento dos
iniciantes, sua adesão a certo esprit de corps (mesmo dos que apenas temporariamente
são “diplomatas”), sem negligenciar, por fim, a famosa continuidade na mudança, mais
alegada do que realmente provada. Esta, ou o seu exato espelho, a mudança na
continuidade, vem sendo, justamente, repetida por levas sucessivas de autoridades que
assumiram a direção do serviço exterior brasileiro, desde que Rio Branco abrilhantou a
carreira, e o serviço, com seu espírito pragmático na condução da agenda, seu domínio
seguro sobre os dossiês de trabalho, fundamentado em vasta cultura histórica e política
e na rigorosa observância das normas e princípios do direito internacional.
Certos personagens aqui presentes foram bem mais práticos do que teóricos, ou
mais empreendedores do que reflexivos: é o caso, por exemplo, de Duarte da Ponte
35
Ribeiro, um diplomata “a cavalo”, e pode ter sido, também, o de Oswaldo Aranha, um
político-diplomata que gostava de cavalos, mas que tinha uma certa ideia do Barão e de
seus ensinamentos de política internacional; ele também foi influenciado, e tinha o
maior respeito, por Afrânio de Melo Franco, um grande negociador e conhecedor do
direito internacional. O Barão foi um dos mais distinguidos dentre os muitos homens de
pensamento e ação que construíram uma ferramenta diplomática da mais alta qualidade
ao longo de mais de duzentos anos de esforços e dedicação por parte dos funcionários
permanentes e daqueles que foram chamados, ocasional e regularmente, a se
desempenhar no serviço exterior da nação. O primeiro deles, chamado justamente de
patriarca da diplomacia brasileira, foi José Bonifácio, que tentou oferecer uma agenda
completa de mudança da própria estrutura econômica e social da nação recém
independente, mas foi frustrado em seus intentos mais ousados. O Marquês de Paraná, o
Visconde do Uruguai e o Visconde do Rio Branco foram mais bem sucedidos nas suas
manobras para reequilibrar as relações de força nas fronteiras platinas, ainda que ao
custo de terem de apelar para a força das armas, quando a do direito falhou.
Outros personagens foram mais eloquentes do que práticos: talvez tenha sido o
caso de Ruy Barbosa e de Joaquim Nabuco. Vários foram exclusivamente diplomatas,
como Cabo Frio, Freitas-Valle, Edmundo Barbosa da Silva e Araújo Castro; outros
essencialmente pragmáticos, como Domício da Gama, Macedo Soares ou o Almirante
Álvaro Alberto; alguns foram profissionais eminentes em suas áreas, como os
historiadores Varnhagen, Oliveira Lima (também diplomata) e José Honório Rodrigues,
e os juristas Afrânio de Melo Franco e San Tiago Dantas; outros pareciam visionários,
talvez até ideólogos (no bom sentido da palavra), como Euclides da Cunha, Augusto
Frederico Schmidt e Hélio Jaguaribe. Enfim, a gama aqui representada constitui um
leque abrangente de homens de pensamento e de ação, cujo impacto na diplomacia do
seu tempo, e em seus efeitos duradouros, pode ser medida, justamente, pela existência
de um lastro respeitável no plano documental e bibliográfico, e pela disponibilidade de
trabalhos de autores-colaboradores que já se tinham feito conhecer por pesquisas sólidas
nas áreas e nos personagens selecionados, com publicações neles focados ou cobrindo
as épocas e temas em que eles se tinham distinguido.

Marcos cronológicos e divisão estrutural da obra


Uma das primeiras definições a serem discutidas ao início do projeto referia-se à
cronologia, ou à extensão histórica do projeto. Este, obviamente, deveria começar pela
36
formação do Estado brasileiro – e a inauguração de uma diplomacia efetivamente
nacional – e terminar em algum momento da era contemporânea: optou-se pelo ano de
1964, no momento da ruptura autoritária com a República de 1946.
O ponto de partida, na verdade, antecede o ano de 1822, já que não se poderia
excluir de uma obra de referência como a que se pretendia elaborar a contribuição do
chamado “avô da diplomacia brasileira”, o personagem que aliás dá o nome à Fundação
que se responsabilizou pelo projeto: Alexandre de Gusmão. Ele foi, justamente, o foco
do primeiro capítulo substantivo do livro, na parte que tratou das concepções
fundadoras da diplomacia brasileira. Essa parte ainda abriga alguns dos “pais
fundadores” da nação e do Estado brasileiro, assim como da própria diplomacia: José
Bonifácio, seguido de Paulino Soares de Souza, Duarte da Ponte Ribeiro, Francisco
Varnhagen, Honório Hermeto Carneiro Leão, o Visconde do Rio Branco e o “mais
longo” secretário geral da história do ministério, Cabo Frio.
A segunda parte, voltada para a política internacional da Primeira República,
tratou de alguns grandes nomes que vieram do Império, mas que engrandeceram a
diplomacia republicana, começando por Joaquim Nabuco. O Barão do Rio Branco
ocupa papel de destaque nessa fase, mas também seus amigos, e eventuais auxiliares,
Ruy Barbosa e Euclides da Cunha, que também cumpriram missões diplomáticas sem
serem profissionais do serviço exterior. Dois outros diplomatas, Manoel de Oliveira
Lima, também historiador e articulista, e Domício da Gama, completam esse primeiro
ciclo republicano. Aqui entrou também o jurista Afrânio de Melo Franco, que iniciou
uma carreira diplomática, foi para a política, exerceu diversas missões diplomáticas
durante a República Velha – entre elas a frustrada missão de colocar o Brasil no
conselho da Liga das Nações – mas que também foi o primeiro chanceler do novo
regime, em 1930, na verdade da junta militar que negociou com os revolucionários, e
que continuou sob o governo provisório de Getúlio Vargas.
A terceira e última parte cobre toda a era Vargas e a República de 1946,
começando pela própria reforma do Estado e a modernização da diplomacia, iniciada
sob Afrânio de Melo Franco e continuada por Oswaldo Aranha, o homem que terminou
de unificar as carreiras do ministério, e que não só liderou a revolução de 1930, como
também manteve firmemente o Brasil no campo democrático durante os tempos
sombrios da ascensão do nazi-fascismo e do Estado Novo no Brasil. O nome que
primeiro representou a diplomacia multilateral do Brasil foi o de Cyro de Freitas Valle,
que teve em sua vertente econômica a importante contribuição de Edmundo Penna
37
Barbosa da Silva, ambos relativamente desconhecidos, hoje, dos mais jovens. Outros
nomes que ilustraram tanto a era Vargas quanto o período democrático ulterior foram os
do empresário e político José Carlos de Macedo Soares (chanceler nos dois regimes) e o
de um militar, o Almirante Álvaro Alberto, bastante identificado tanto com o CNPq
quanto com o primeiro programa nuclear brasileiro.
O final do período, cobrindo a fase otimista da presidência JK e os anos
turbulentos dos governos Jânio Quadros e João Goulart, foram representados pelas
figuras do sociólogo Hélio Jaguaribe, do historiador José Honório Rodrigues, pelo poeta
Augusto Frederico Schmidt, e pelos juristas e políticos Afonso Arinos e San Tiago
Dantas. Finalmente, encerra o exame das grandes personalidades, o nome do
embaixador Araújo Castro, o último ministro de Goulart e uma das cabeças que
continuou a moldar a política externa brasileira nos anos à frente, influente até nossos
dias. Vários nomes ficaram de fora, não por exclusão deliberada, mas por dificuldades
práticas do próprio projeto, já de si bastante amplo e talvez ambicioso demais; entre
estes poderíamos citar Raul Fernandes, um jurista que vem do tratado de Versalhes e da
criação da primeira Corte Internacional de Justiça – dita de Arbitragem, à qual seu nome
está associado pela chamada “cláusula facultativa de arbitragem obrigatória” – e João
Neves da Fontoura, colega de Vargas e de Oswaldo Aranha na revolução de 1930 e
duas vezes chanceler sob a república de 1946.
A opção pelo corte ao início do regime militar deveu-se a considerações de
ordem prática: alguns dos personagens que atuaram na fase recente continuam
presentes, de certa forma, no desenho ou na execução da diplomacia. Um projeto para a
fase contemporânea, quase de “história imediata”, teria de balizar-se por outras
exigências metodológicas.

O sentido do empreendimento intelectual


Esta obra afirma-se, ao meu ver, como um dos mais sérios projetos de natureza
intelectual implementados pelo Itamaraty. Não apenas uma coleção de biografias
sintéticas, com muitas considerações analíticas sobre as ideias e ações dos personagens
selecionados, este empreendimento pode ser visto como um exemplo de história
intelectual, mesmo se alguns personagens tenham atuado mais pela prática dos
telegramas, dos memoranda, e dos discursos, do que sob a forma de escritos
sistemáticos (mas mesmo eles tinham uma concepção precisa do como deveria ser a
diplomacia brasileira à qual serviam). Todos eles produziram narrativas sobre como
38
viam e sobre como deveria ser a política externa, nos expedientes de serviço ou nas
obras e memórias produzidas. Foram estadistas, na concepção lata da palavra, no
sentido em que uma certa ideia do Brasil, geralmente grandiosa, estava sempre presente
nesses escritos, a guiar-lhes os passos nas decisões mais relevantes.
Foi essa tradição que o projeto pretendeu resgatar e expor. Com as eventuais
limitações que ela possa conter, este livro constitui um esforço pioneiro de identificação
e de apresentação das ideias e dos conceitos que balizaram, orientaram ou guiaram a
formulação e a execução prática das relações exteriores do Brasil, desde seu alvorecer,
enquanto Estado autônomo, até quase o final do segundo terço do século 20; espera-se
que ela possa servir de inspiração para outros empreendimentos do gênero ou para a
continuidade do mesmo projeto.

Hartford: 16/08/2013; revisão final: 14/10/2013

39
O estudo das relações internacionais do Brasil

Introdução a
Paulo Roberto de Almeida:
O estudo das relações internacionais do Brasil
(São Paulo: Editora da Universidade São Marcos, 1999, 300 p.; ISBN: 85-86022-23-3;
sumário disponível neste link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/31EstudoRelaIntBr1999.html )

All written history is a compound


of past and present.
C. V. Wedgwood

Os estudiosos da política externa e os especialistas das relações internacionais


do Brasil – professores da área, pesquisadores acadêmicos e os muitos alunos dos
diversos cursos de graduação e de pós-graduação hoje existentes nas esferas pública e
privada do ensino universitário – há muito se ressentem da falta de um manual didático
ou de uma obra de referência suscetível de comportar, num único volume, um conjunto
disperso de análises e de informações hoje constantes de livros de história diplomática,
de manuais de direito internacional, de monografias sobre temas da política externa, de
ensaios de política internacional, de diretórios sobre organizações internacionais ou de
compêndios bibliográficos.
Parece claro, contudo, que tendo em vista uma tal diversidade de objetivos
finalistas e tal variedade de públicos a que supostamente se dirigiria um instrumento
analítico e bibliográfico do tipo do acima apontado, qualquer obra que pretendesse
cumprir fiel e integralmente com metas tão ambiciosas apresentaria, inevitavelmente,
características editoriais – substantivas e formais – que a aproximariam, pelo volume e
pela densidade de conteúdo, de uma verdadeira enciclopédia das relações internacionais
do Brasil.
Esta obra não aspira, obviamente, preencher uma tal lacuna. Ela pretende, ao
menos, apresentar-se como um manual prático, introdutório ao estudo das relações
exteriores do Brasil, numa perspectiva essencialmente didática. Ela o faz compilando
não apenas informações cronológicas e fatuais, mas também indicações bibliográficas e,
sobretudo, efetuando um balanço da produção acadêmica e propriamente profissional
(isto é, “diplomática”) elaborada ao longo das últimas décadas sobre os temas mais
relevantes da inserção internacional do Brasil. A ênfase, refletindo vários anos de
pesquisa orientada em fontes de arquivos e em torno da documentação bibliográfica
40
especializada, recaiu sobre as relações econômicas internacionais do Brasil. Essas
relações são vistas numa perspectiva histórica de largo prazo, refletindo uma velha
preocupação deste autor com o locus próprio do Brasil no sistema econômico regional e
internacional.
Por que, poder-se-ia indagar, um direcionamento do objeto próprio desta obra
nas relações econômicas internacionais do Brasil, e não, de forma mais direta, nas
relações exteriores ou, simplesmente, na política externa do País? A pretensão do autor,
com efeito, foi a de oferecer uma introdução didática que transcendesse claramente o
mero escopo de um estudo sobre a diplomacia brasileira ou o de um volume de
referência sobre as relações exteriores do Brasil, para abarcar a diversidade conceitual e
a abrangência temática de uma disciplina, as relações econômicas internacionais, que do
ponto de vista propriamente metodológico, se apresenta como um objeto claramente
multidisciplinar, envolvendo tanto a politologia e a historiografia acadêmicas, como o
direito internacional e a ciência econômica.
Com efeito, a academia costuma separar, zelosamente, os métodos e objetos
próprios à teoria política das relações internacionais e à abordagem histórica daqueles
que enquadram uma visão jurídica ou econômica dessa mesma problemática. São
compreensíveis as muitas razões que militam para uma delimitação estrita entre esses
campos disciplinares, ainda que o bridge-building conceitual e mesmo substantivo entre
eles seja constante na moderna teoria social. Mas tal demarcação de fronteiras
metodológicas não apresenta maior significado para os objetivos perseguidos por esta
obra, que percorre indistintamente os mais diferentes campos de interesse acadêmico e
os mais diversos setores de interesse da diplomacia propriamente profissional. História
econômica, ciência política, direito econômico internacional, história narrativa e
sociologia do desenvolvimento devem poder combinar-se em favor de uma visão
integrada da inserção internacional do Brasil nos quase dois séculos de emergência
enquanto nação independente.
Estabelecidas algumas premissas que motivaram a elaboração desta obra — que
poderia ser vista como uma espécie de introdução metodológica, ou mesmo como
incitação, à preparação de um verdadeiro manual das relações internacionais do Brasil
— vejamos, embora com brevidade, como ela foi construída, que questões principais ela
busca abordar e a que objetivos didáticos ela responde. Antes de mais nada, pode-se
dizer que o volume é do tipo self-containing, isto é, ele se basta a si mesmo em suas
dimensões e objetivos próprios, mas pode também ser visto como uma introdução à
41
pesquisa mais ampla em torno dos elementos fatuais e analíticos que ele contém, seja
por meio de uma consulta às obras especializadas provocada pela leitura das entradas
constantes de sua cronologia, seja através da avaliação da produção brasileira nessa
área, referida criteriosamente na bibliografia geral.
A montagem desta obra sobre foi guiada por uma preocupação do autor em
responder às cinco questões clássicas que todo aprendiz de jornalista maneja na
introdução a seu ofício — o que, quem, quando, onde, como? —, acrescidas de uma
pergunta substantiva que poderia ser feita a um estudioso criterioso das relações
internacionais do Brasil: por que? Esse método requer uma explicação e uma
justificação. Não sendo uma enciclopédia, esta obra não pretende, obviamente, esgotar
cada um dos temas que nela constam, mas tão simplesmente fornecer uma abordagem
acadêmica, embora sumária, dos problemas em foco e remeter às obras especializadas
disponíveis, indicadas na bibliografia. Daí o enfoque sintético adotado em cada um dos
capítulos, o que, está claro, não impede a existência de explicações por vezes mais
detalhadas em relação a um determinado problema — como, por exemplo, o da
estrutura constitucional das relações internacionais do Brasil — ou, paralelamente,
digressões históricas que poderiam parecer deslocadas, mas que encontram justificativa
na busca de uma perspectiva brasileira aos problemas do sistema econômico mundial.
A primeira questão é, portanto, evidenciar o que aconteceu que motive sua
inscrição num registro documentado sobre as relações exteriores do País. Trata-se,
portanto, de cobrir não todos os eventos vinculados à história diplomática brasileira,
mas essencialmente os processos ou os grandes temas das relações econômicas externas
do Brasil, que enquadraram sua inserção econômica internacional e sua experiência
histórica específica de relações exteriores. O primeiro capítulo responde a essa
preocupação de inserir o Brasil no contexto econômico mundial, ao examinar seu
desempenho econômico no longo prazo, numa perspectiva comparada à de outros
países, fornecendo a moldura histórica para o tratamento acadêmico das relações
econômicas internacionais do País.
Essa perspectiva ampla é seguida, no segundo capítulo, de um esforço de
periodização das relações econômicas internacionais do Brasil. A ênfase está mais
claramente voltada para a origem dos fatos ou problemas que enquadram as relações
econômicas internacionais do Brasil, do que propriamente para a ação dos atores
responsáveis pela sua condução ou que tiveram influência nessas relações, entendendo-
se igualmente como atores entidades coletivas ou grupos sociais. Esse ensaio de
42
periodização não comporta, mesmo a despeito de determinadas passagens “descritivas”,
uma abordagem do tipo fatual: ele trata mais de políticas do que de homens, e a análise
se detém mais nos processos do que nos eventos, mais nas tendências do que nas ações
dos “personagens” (raramente mencionados). A abordagem se deu, portanto, pelo lado
das ações coletivas, mais do que pelo das iniciativas individuais, pela descrição geral de
processos, mais do que pela reconstituição dos eventos significativos, mais pelo geral
do que pelo particular. Esse segundo capítulo deve ser lido em conexão com o último,
que busca traçar uma cronologia abrangente dessas relações internacionais,
especialmente em sua vertente econômica.
A questão do quem remete, não a personagens, mas à comunidade de estudiosos
de relações internacionais do Brasil. Ela foi exaustivamente tratada no longo ensaio
sobre a produção brasileira nessa área. Estão devidamente catalogados e analisados
nesse capítulo quarto não apenas os estudos de acadêmicos reconhecidos das disciplinas
envolvidas nesse campo (historiografia, ciência política, economia, direito etc.), como
também os trabalhos de profissionais da diplomacia e as instituições e instrumentos
(revistas especializadas e outras de caráter geral) que contribuíram para a constituição,
nas últimas duas décadas, de uma comunidade já importante de interessados no avanço
desses estudos no Brasil. Esse capítulo é provavelmente o de maior escopo analítico dos
trabalhos incluídos neste livro, representando uma verdadeira “cartografia” da produção
brasileira relevante nesse campo.
As questões do quando e onde não suscitam, presumivelmente, maiores
indagações, uma vez que se trata de matérias de fato. Com efeito, não é difícil precisar
quando e onde o Brasil assumiu um determinado compromisso externo ou esteve
envolvido em alguma questão internacional: entrada em guerra, assinatura de acordo,
entrada em organismo multilateral, conflito comercial, bastando examinar uma simples
relação cronológica de eventos e processos, aliás presente no capítulo final deste
volume. Mas, ambos os conceitos também têm a ver com o contexto histórico e
geográfico no qual se desenvolveram tais eventos ou processos e com o caráter
propriamente elusivo destes últimos. Quando, por exemplo, tem início a integração
regional: com os primeiros projetos bolivarianos?; com as tentativas da ALALC-
ALADI nos anos 60-80?; com os esforços bilaterais Brasil-Argentina ou, finalmente,
com o Tratado de Assunção e o Mercosul? Como delimitar geograficamente seu âmbito,
em face de projetos continentais ou hemisféricos que ameaçam diluir a especificidade
própria da integração política e econômica — e não simplesmente comercial — em que
43
se encontra presentemente engajado o Brasil no formato de uma união aduaneira?
Quando, em outra vertente, o Brasil deixou de ser uma nação “periférica” e marginal
para as relações internacionais contemporâneas e tornou-se, presumivelmente, uma
“potência emergente”, candidato natural a um assento permanente no Conselho de
Segurança das Nações Unidas? São questões importantes que tornam por vezes difícil
responder aos requisitos objetivos de um quando e de um onde tais como delimitados
pelo trabalho historiográfico. Em outros termos, determinados eventos ou processos
ainda estão sujeitos a debate, quando não a controvérsias entre especialistas.
O como e o por que de tais eventos ou processos, finalmente, são, sem dúvida
alguma, as questões mais difíceis de responder ou de tratar num volume sintético e
introdutório como este. Ademais do caráter confidencial ainda subjacente a
determinados eventos ou processos contemporâneos — o que configura uma prática
corrente e normal das chancelarias —, essas questões envolvem, necessariamente, um
certo grau de subjetividade quanto aos limites da explicação histórica e uma certa dose
de “ideologia” no que se refere à abrangência da generalização de tipo sociológico que
caberia imprimir a uma determinada questão em particular. Abordando, por exemplo, a
questão do protecionismo tarifário e não-tarifário, como enquadrar as diferentes fases da
política econômica externa do Brasil e, mais especificamente, de sua política comercial,
em face das exigências por vezes contraditórias em termos de necessidades fiscais ou de
objetivos industrializantes que possam ter motivado a ação dos dirigentes políticos e dos
responsáveis econômicos por determinadas ações tomadas ao longo de nossa história
econômica? Como separar, por outro lado, ações internas das pressões externas em
relação a determinadas questões das relações internacionais do Brasil, na problemática
do meio ambiente, por exemplo, ou naquela ainda mais difícil da chamada “cláusula
social”, cujo precedente histórico mais óbvio é a questão do tráfico no século XIX?
Essas questões não podem obviamente receber uma resposta simples, mas seu
debate escaparia aos limites deste volume, que procura restringir seu conteúdo a uma
explicação tanto quanto possível sintética, remetendo em seguida o leitor a outras obras
especializadas sobre um determinado assunto ou processo. A história, como lembra a
frase de Colingwood na epígrafe, é sempre uma história que mistura recordações do
passado com elementos do tempo presente, querendo ele com isso dizer que os homens
inevitavelmente refletem suas preocupações momentâneas ou não deixam de imprimir
interpretações indiscutivelmente contemporâneas ao lançarem-se na abordagem dos

44
problemas do passado. Como afirmou, aliás, o novelista William Faulkner, “the past is
never dead; it is not even past”.
O autor não tem a pretensão de subtrair-se a esses limites da “recuperação”
histórica e a tais condicionantes da explicação sociológica, mas, ao oferecer a presente
obra ao público interessado, ele pretende modestamente enfatizar seu comprometimento
com uma interpretação a mais possível objetiva e imparcial do processo histórico das
relações internacionais do Brasil. Ele buscou, assim, enquadrar o conceito de como
através de uma descrição sumária sobre as formas de desenvolvimento histórico de um
determinado evento ou processo, assim como o de por que tentando definir as razões e
os condicionantes de cada evento ou processo selecionado no contexto mais global das
relações internacionais do Brasil.
Não se pode contudo dizer que tais problemáticas tenham sido equacionadas ou
sequer esgotadas nesta obra, tanto porque elas transcendem os esforços individuais de
um pesquisador ou estudioso individual. Os problemas metodológicos vinculados ao
estudo das relações internacionais do Brasil, bem como algumas das principais
contribuições historiográficas para o entendimento das grandes questões do passado das
relações exteriores do País já foram abordados por este autor em ensaios específicos,
divulgados anteriormente em revistas especializadas ou em livros. 1 Da mesma forma, a
discussão dos problemas mais importantes vinculados à presença internacional do
Brasil, assim como a descrição sistemática dos atos diplomáticos que enquadraram,
historicamente, sua inserção internacional vem sendo feita numa série de trabalhos de
pesquisa cuja referência pode ser útil para o detalhamento de determinadas questões
aqui abordadas de forma sumária. 2

1
Entre outros trabalhos do autor, podem ser citados: “Sete teses idealistas sobre a inserção
internacional do Brasil” (1996), “A economia da política externa: a ordem internacional e o
progresso da Nação” (1996) e “Estrutura institucional das relações econômicas internacionais
do Brasil: acordos e organizações multilaterais de 1815 a 1997”, (1997), coletados no livro
Relações internacionais e política externa do Brasil (1998); sobre a diplomacia econômica no
imediato pós-Segunda Guerra, ver “Os limites do alinhamento: liberalismo econômico e
interesse nacional, 1944-1951” (1993c) e “A diplomacia do liberalismo econômico” (1996);
consultar a bibliografia geral ao final desta obra.
2
Ver, a esse propósito, o ensaio “A democratização da sociedade internacional e o Brasil:
ensaio sobre uma mutação histórica de longo prazo (1815-1997)” (1997), cujos argumentos
foram desenvolvidos no livro O Brasil e o multilateralismo econômico (1999b); “OCDE,
UNCTAD e OMC: uma perspectiva comparada sobre a macroestrutura política das relações
econômicas internacionais” (1998); “Os anos 1980: da nova Guerra Fria ao fim da
bipolaridade” (1997). Sobre as origens da diplomacia econômica brasileira, o autor apresentou
tese ao Curso de Altos Estudos do Itamaraty, Formação da Diplomacia Econômica no Brasil:
45
Uma dessas questões, por exemplo, é a da “estrutura institucional” das relações
internacionais no Brasil. O capítulo terceiro oferece, nesse sentido, uma discussão sobre
o relacionamento Executivo-Legislativo na área da política externa e sobre a implicação
de determinados dispositivos “internacionais” da Carta promulgada em 5 de Outubro de
1988 para a política externa governamental. Releve-se a preservação da distribuição
tradicional de competências entre os poderes, contrabalançada pelo reforço do papel do
Congresso na apreciação e na aprovação dos atos internacionais. A ênfase atribuída
pelos constituintes à soberania do País e à afirmação dos interesses nacionais no campo
econômico refletiu-se diretamente na administração das relações econômicas externas,
não sem um certo constrangimento do Executivo e um intenso debate sobre as melhores
formas de inserir o País no sistema econômico internacional. Muitos desses dispositivos
“nacionalistas” foram, como se sabe, objeto de revisão substantiva na fase recente.
Mas, outras questões permanecem latentes em qualquer empreendimento ou
esforço que se pretenda abrangente e sistemático a propósito das relações internacionais
do Brasil, como por exemplo o dos objetivos nacionais permanentes, temática sempre
presente nos estudos de relações internacionais do Brasil. Esses objetivos não deixam de
corresponder, de certo modo, aos grandes temas da política externa brasileira, que são,
como tais, historicamente recorrentes: afirmação e preservação da independência
nacional, integridade territorial e manutenção da paz e da segurança militar,
desenvolvimento econômico e social, elevação do status do País como ator de relevo no
plano mundial, plena inserção internacional e afirmação renovada dos valores da
nacionalidade: cooperação internacional, democracia e direitos humanos. Estas também
são as grandes questões das relações internacionais do Brasil que, por estarem implícitas
ao modo particular de afirmação do País no mundo, comparecem de um modo ou de
outro na maior parte dos argumentos que compõem este livro.

Brasília, 10 de fevereiro de 1999

as relações econômicas internacionais no Império (1997), cuja versão completa encontra-se


em curso de publicação.
46
O estudo das relações internacionais do Brasil entre a história e a
diplomacia

Prefácio a
Paulo Roberto de Almeida:
O estudo das relações internacionais do Brasil: um diálogo entre a diplomacia e a
academia
a
(2 . edição: Brasília: LGE Editora, 2006, 385 p.; ISBN: 85-7238-271-2; sumário,
prefácio, introdução, quadros analíticos e bibliografia disponíveis neste link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/93EstudoRelaIntBr2006.html)

Os historiadores, em geral, mas sobretudo os de tradição francesa, conhecem


bem a distinção entre história factual, ou événementielle, e história analítica, ou
interpretativa. A primeira derivava seus métodos da boa cepa Rankeana – aquela do wie
es eigentlich gewesen, ou seja, contar a história como ela tinha se passado, realmente –,
ao passo que a segunda, que recusou certa legitimidade à primeira com o
desenvolvimento da chamada école des Annales, tomou impulso sobretudo a partir das
influências antropológicas, sociológicas e propriamente marxistas, ou seja,
relativamente economicistas, sobre os novos modos de racconter l’histoire. Essas
influências se tornaram determinantes, e talvez mesmo “ditatorialmente” dominantes
nas últimas décadas, nas técnicas de pesquisa, nos métodos de coleta dos dados
elementares do devir histórico e, à mais forte razão, nas formas de interpretação da
“matéria bruta” dessa nova história, que é constituída pelos documentos, por certo, mas
também pela própria tradição oral dos homens, pelas suas “pegadas” no lodo do tempo,
pelos vestígios das civilizações materiais hoje desaparecidas. As novas formas de contar
a história se afirmaram, com maior ênfase, na interpretação e nas construções analíticas
em torno dos processos de longa duração – tão caros a Fernand Braudel –, distinguindo-
os das conjunturas históricas de transformação – de que falava Ernest Labrousse – e,
sobretudo, dos eventos circunstanciais e fortuitos da vida dos homens, ou mesmo
determinados pelos grandes heróis da história, como ainda se compraziam, depois de
Carlyle, tantos historiadores factualistas do século XIX e do início do século XX.
Hoje em dia, com a integração dessas várias abordagens, essas distinções
perderam muito do seu ar de novidade ou de rebeldia em relação a “velhos métodos” do
passado, ao passo que a história factual ganhou, em contrapartida, novos ares de
nobreza, com o essor das formas mais ou menos biográficas ou de micro-abordagem
adotadas por muitos “novos” historiadores. Ressente-se, sobretudo, uma perda
47
indefensável nos “saberes” acumulados pelos mais jovens, representada pela repetição
quase mecânica desses “modos de produção” e desses “processos de transformação
estrutural” que correspondem a uma vulgata deformada do conhecimento clássico
possuído pelos antigos defensores da história social, já que poucos jovens, atualmente,
conhecem os fatos básicos da história, o encadeamento dos eventos, a sucessão de
batalhas, reuniões diplomáticas e tratados que compõem, afinal de contas, o cerne
mesmo de determinados processos históricos de transformação.
Este livro foi construído mentalmente ao longo de muitos anos de contato do
autor com os dados básicos da vida econômica e material, com os documentos
históricos típicos das chancelarias – os tratados internacionais – e na leitura atenta dos
episódios políticos por eles descritos, pensando, justamente, na matéria prima da
história, nos fatos básicos, nos eventos elementares, nos processos materiais que dão
sentido à evolução do mundo contemporâneo. É por esse motivo que a temporalidade e
a cronologia assumem nele uma parte considerável da informação apresentada, a ponto
de se poder dizer que as cronologias, e a própria bibliografia, que reúne o material de
referência aqui utilizado, constituem suas partes mais importantes, ou pelo menos
aquelas que sustentam os desenvolvimentos analíticos dos primeiros capítulos.
Procedi, nesta segunda edição, a uma inversão relevante na ordem da primeira
edição, composta em 1998, publicada no ano seguinte e, ao que parece, rapidamente
esgotada nos dois ou três anos que se seguiram. O antigo capítulo quarto, relativo à
produção brasileira em relações internacionais, tornou-se agora o capítulo inaugural, et
pour cause: é ele que dá sentido ao título original, aliás preservado – com a adição de
um subtítulo que informa sobre as motivações do autor – e é ele que consolida o
essencial de uma “acumulação” muito pouco “primitiva” de leituras e de consultas aos
próprios autores aqui apresentados, uma vez que ele pretende, e talvez consiga, reunir o
essencial da “manufatura” brasileira nesse campo relativamente novo de estudos
multidisciplinares. Ele vem em primeiro lugar porque pode facilmente sustentar a
pergunta básica: “o que se deve ler para conhecer essa área?”
Creio ter realizado, nesse primeiro capítulo, assim como nas cronologias e na
própria bibliografia, um racconto storico eminentemente factual e linear sobre aquilo
que de mais importante se deveria conhecer, tanto em termos de fatos como de autores e
obras, ademais de uma avaliação qualitativa a propósito das relações internacionais do
Brasil. Tanto essas seções, como os demais capítulos analíticos e interpretativos,
condensam muitos anos – talvez algumas décadas – de pesquisa, de estudo e de redação
48
paciente e cuidadosa de trabalhos diversos sobre a história diplomática, sobre as
relações exteriores, atuais, do Brasil, e sobre as relações econômicas internacionais de
modo geral. O contato, não só com os arquivos, mas também com a documentação de
uso corrente e, mais importante, a presença em muitos foros de discussão e negociação
de alguns desses eventos e processos interessando às relações internacionais do Brasil –
quer seja pelo lado da integração, do sistema multilateral de comércio ou ainda das
finanças internacionais – me permitiram um conhecimento de primeira mão, se ouso
dizer, de alguns dos episódios ou processos aqui descritos com alguma brevidade.
Por isso mesmo hão de perdoar-me os colegas de profissão que também se
dedicam às lides acadêmicas e os muitos pesquisadores profissionais – aqui
nominalmente arrolados nas dezenas de páginas da bibliografia –, se a compilação de
meus trabalhos, in fine, contempla um volume exponencialmente maior do que o
número forçosamente seletivo que eu tive de fazer dos seus trabalhos: tratava-se, por
um lado e numa atitude pro domo, de compilar, justamente, o que de mais importante
fui acumulando nessas últimas duas décadas de produção exclusivamente
“internacionalista” – e este livro era uma oportunidade única de fazê-lo – e, por outro
lado, de oferecer uma espécie de balanço intelectual de minha própria produção que, de
resto, é muito pouco analisada no capítulo pertinente: encore, et pour cause: on n’est
jamais un bon critique de soi même!
O que se vai ler, portanto, é uma versão inteiramente revista, em alguns casos
remanejada, em outros simplesmente atualizada, do livro preparado algo rapidamente
oito anos atrás, quando sequer tive oportunidade de lançá-lo adequadamente no Brasil,
uma vez que estava me preparando para partir para minha mais recente missão no
exterior. Ao longo desses anos enveredei por alguns outros caminhos – como a análise
do sistema financeiro e monetário internacional, por exemplo, ou ainda um balanço da
contribuição dos brasilianistas para as ciências sociais do Brasil –, mas jamais deixei de
acumular leituras, dados, análises e interpretações sobre os aspectos mais relevantes das
relações internacionais do Brasil. Essa é a matéria prima de minhas pesquisas e
reflexões nas últimas duas décadas e creio que este livro oferece, justamente, uma
síntese do conhecimento acumulado desde então.
Não que ele contenha toda a produção elaborada nesse terreno ao longo do
período coberto, longe disso. Mas ele tem a pretensão de oferecer, pelo menos, uma
informação sobre o que se afigura essencial para se apreender os elementos cruciais de
nossa interface externa ao longo da história, fornecendo pistas, indicações e roteiros
49
para pesquisas ulteriores nesse campo e para o aprofundamento do conhecimento em
todas as áreas porventura aqui tocadas.
Creio, sinceramente, que se trata de uma contribuição honesta, e o mais das
vezes objetiva, para a apreensão deste panorama complexo que são as relações
internacionais de um país tão contraditório como é o Brasil: um gigante industrial e, ao
mesmo tempo, um anão tecnológico; uma grande potência econômica pela sua produção
bruta, mas com os pés de barro em virtude de uma população singularmente deseducada
e socialmente marcada por terríveis iniquidades distributivas; um grande fornecedor
mundial de muitas matérias primas essenciais para o funcionamento, a todo vapor, das
“fornalhas do capitalismo” e um pretenso global trader conspicuamente ausente dos
setores mais dinâmicos do comércio mundial.
O Brasil é tudo isso e ainda é um país que desarma as interpretações fáceis.
Quão errado estava Mário de Andrade ao saudar alegremente, nos anos vinte do século
passado, o desenvolvimento da sociologia entre nós, dizendo que ela era a “arte de
salvar rapidamente o Brasil” (salvá-lo de si mesmo, talvez, mais do que de qualquer
“ameaça internacional”, como acreditam alguns, equivocadamente). Nossos principais
problemas, longe de serem o resultado de uma hipotética “exploração externa” – aos
quase duzentos anos de autonomia, isto seria, de toda forma, uma demonstração cabal
de incompetência –, são mais exatamente “tupiniquins”, como queriam os modernistas
de cem anos atrás, ou seja, eles são propriamente made in Brazil, como a jabuticaba e o
jeitinho.
Este livro, portanto, não se destina a “salvar” o Brasil de nenhuma ameaça
externa, por mais sociológicas e “internacionalistas” que sejam as análises aqui contidas
(até por deformação acadêmica e profissional). Em todo caso, ele busca, honestamente,
informar os brasileiros – e talvez até alguns estudiosos estrangeiros – sobre algumas das
características e alguns dos componentes de nossa evolução histórica no terreno da
política externa e das relações internacionais, com ênfase em seus aspectos econômicos
e institucionais. Espero ter colaborado, ao melhor de minhas capacidades, para o avanço
desse campo ainda relativamente recente de estudo e de pesquisa no Brasil, cujos
progressos foram suficientemente notáveis, desde a primeira edição desta obra, para
justificar um incremento significativo na bibliografia registrada e na informação que
tinha sido processada e analisada até o final da década anterior.
Não poderia concluir sem deixar meu registro de agradecimento a todos aqueles
que comigo colaboraram, nas diversas etapas deste trabalho de levantamento e
50
avaliação da produção brasileira em relações internacionais. Muitos colegas de trabalho,
tanto na diplomacia quanto na academia, os quais me eximo de citar para não cometer
injustiças, foram especialmente solícitos em fornecer-me bibliografias atualizadas.
Alguns também me passaram cópias de seus próprios trabalhos, o que facilitou a revisão
da produção acumulada desde a primeira edição desta obra e justificou, inclusive, o
acréscimo de um subtítulo a esta nova edição, correspondendo inteiramente ao seu
espírito e motivação.
Meus familiares, finalmente – ou antes, e certamente acima, de tudo –, Carmen
Lícia, Pedro Paulo e Maíra, foram extremamente compreensivos com uma dedicação
exagerada aos trabalhos de redação e de revisão deste livro, por dias e dias seguidos,
mas a quem devo, sobretudo, a felicidade de poder desfrutar de um ambiente saudável e
condizente com as melhores práticas do trabalho intelectual: a eles, junto com um
humilde pedido de desculpas pelas muitas ausências, todo o meu amor, carinho e o
sincero reconhecimento.
Concluo, à la Cervantes, como o quixotesco personagem de um escritor tão
nômade e aventureiro quanto sempre foram os diplomatas: Vale!

Brasília, 3 de setembro de 2006.

51
Um roteiro de quatro séculos das relações internacionais do Brasil

Trechos selecionados da introdução


por Paulo Roberto de Almeida
à edição fac-similar de
José Manoel Cardoso de Oliveira:
Atos Diplomáticos do Brasil: tratados do período colonial e vários documentos desde
1492
(Brasília: Senado Federal, 1997; coleção Memória Brasileira; Introdução: tomo I, pp.
iii-xxxix; disponível em versão completa no link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/19ActosDiplomaticos.html;
Addendum: “Relação dos principais instrumentos multilaterais vinculando o Brasil
a partir de 1912”, tomo II, p. i-lv)

Edição original:
Actos Diplomaticos do Brasil: tratados do periodo colonial e varios documentos desde
1492; Coordenados e anotados por J. M. C. de O., Enviado Extraordinario e
Ministro Plenipotenciario, socio correspondente do Instituto Historico e
Geographico Brasileiro e do Instituto Geographico e Historico da Bahia (Rio de
Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, de Rodrigues & C., 1912; 2 volumes; tomo
I: 1493 a 1870; tomo II: 1871 a 1912).

Esta obra, como indica o autor no preâmbulo, tem sua origem numa compilação
pré-existente bem mais vasta e grandiosa: a monumental coleção dos “tratados,
convenções, accordos, ajustes e protocollos” que, sob a denominação de Pactos
Internacionais do Brasil, o diplomata José Manoel Cardoso de Oliveira tinha
organizado, por expressa orientação do Chanceler Rio Branco, entre 1908 e 1911. Ao
permanecer inédita essa coletânea extraordinária de mais de 6 mil páginas — cobrindo,
aliás, apenas os atos internacionais contraídos depois de 1808 —, o sucessor do Barão,
Ministro Lauro Müller, decidiu, em 1912, ordenar a publicação de uma edição mais
modesta.
Cardoso de Oliveira procedeu então a uma revisão-abreviada de seu enorme
trabalho de prospecção e garimpagem de todos os atos internacionais do Brasil desde a
abertura dos portos – dos quais passou a transcrever apenas a ficha resumida e não mais
o texto de cada um – retrocedendo, porém, sua minuciosa e cuidadosa pesquisa até as
próprias origens do País, uma vez que ele dá a partida de sua coletânea pela Bulla
Intercœtera de 1493. Vem assim a público, ainda no próprio ano da morte do Barão,
este Actos Diplomaticos do Brasil, que permaneceu sem reedição desde então.

52
Por que esta nova edição de uma obra, na verdade uma coletânea de
instrumentos diplomáticos, editada há 85 anos? Como se justificaria sua relevância, nos
dias que correm, em face dos avanços acumulados no período recente pela historiografia
e pela politologia das relações internacionais do Brasil? Parece evidente, antes de mais
nada, que a obra constitui, ainda hoje, instrumento bastante útil, enquanto referência
documental, a várias categorias de pesquisadores ou aos simples leitores interessados no
conhecimento dos instrumentos que balizaram, entre o final do século XV e princípios
do XX, as relações internacionais do Brasil: ao diplomata contemporâneo como ao
historiador das fronteiras, ao jurista motivado pela “etymología” de algumas das
obrigações internacionais do Brasil como ao geógrafo curioso da formação progressiva
do território, ao “guardião”, responsável na chancelaria nacional, do registro, ratificação
e manutenção dos atos diplomáticos do passado colonial ou monárquico como aos
legisladores encarregados constitucionalmente de sua aprovação no Congresso, em
suma, a consulta é esclarecedora tanto aos “garimpeiros” do passado como aos
“planejadores” do futuro. A obra de Cardoso de Oliveira oferece, a todos esses leitores,
uma visão verdadeiramente panorâmica, no sentido instrumental da palavra, do
conjunto dos instrumentos constitutivos das relações internacionais do País, antes
mesmo que o Estado brasileiro pudesse adquirir autonomia nacional e passasse a firmar,
pelas mãos de seus próprios dirigentes e representantes diplomáticos, os atos e
compromissos que deveriam moldar e pautar sua conduta no campo das relações
exteriores e da política internacional.
A obra sintetiza, por assim dizer, um “cartório” diplomático – num contexto
relacional extremamente dinâmico de superposições e de anulações sucessivas – das
políticas exteriores portuguesa e brasileira, nos seus mínimos atos e manifestações
respectivas: figuram aqui, além, é óbvio, das convenções de paz e dos tratados de
amizade, comércio e navegação, cartas de escribas, notas de chancelaria, assim como,
por exemplo, declarações unilaterais de dirigentes políticos. A leitura sequencial ou ao
acaso desses atos permite ao pesquisador orientado confirmar – e ao observador
minimamente desatento constatar – a extrema densidade política e a grande variedade
geográfica das relações externas de duas nações, Portugal e Brasil, que foram, ao longo
dos séculos, basicamente periféricas do ponto de vista da política internacional – a
Machtpolitik, como gostava dizer Raymond Aron – e, afinal de contas, essencialmente
marginais do ponto de vista da Weltwirtschaft.

53
Ao colocar em perspectiva histórica, e segundo uma linearidade diacrônica,
essas perspectiva “instrumental” das relações diplomáticas do Brasil – cuja própria
política internacional ocupa, finalmente, apenas um terço do período, mas, de fato, oito
décimos do volume de atos coberto por esta compilação – Cardoso de Oliveira realizou
uma obra de grande valia em benefício de todos aqueles que necessitam “enquadrar” as
relações exteriores do Brasil num sistema mais vasto, juridicamente reconhecido, de
atos bilaterais, plurilaterais ou “multilaterais” (para empregar um conceito alheio à sua
própria época) que conformaram o universo geográfico, econômico e político do
relacionamento externo da Nação, inclusive na sua fase pré-independente. Seu trabalho
de compilação também é indicativo de um certo “estado de espírito” de uma etapa
específica da diplomacia brasileira – a “era do Barão” – que marcou a historiografia
brasileira assim como a própria história e a geografia do País. Tratou-se de uma fase de
brilhantes conquistas, por negociação direta ou arbitramento, todas apontadas para a
consolidação do território e das fronteiras da Pátria, empreendimento realizado pelo
próprio Barão – ajudado eventualmente por jovens diplomatas como Cardoso de
Oliveira – com base numa recapitulação histórica meticulosa, fruto de anos de pesquisa
ingente, de todos os tratados, acordos e atos bilaterais – alguns plurilaterais – que
gradualmente presidiram à formação da nacionalidade brasileira. A obra do “discípulo”
e colega Cardoso de Oliveira, ao levantar a miríade de atos demarcatórios de limites (e
retificadores de Tordesilhas), de tratados de “alliança”, de convenções de “paz
perpetua” e de acordos bilaterais de “amizade, commercio e navegação” contraídos pela
diplomacia portuguesa ao longo dos séculos, ilustra amplamente a complexidade da
obra do Barão, ao tecer argumento sobre argumento em torno da justeza das
reivindicações lindeiras do território nacional. (...)
Em fevereiro de 1907, Cardoso de Oliveira, então com 42 anos, é promovido a
Conselheiro da Legação em Londres, mas, chamado a serviço ao Rio de Janeiro em
maio desse ano, ele viaja em julho para o Brasil, para não mais retornar à capital
britânica. Os registros não revelam em que consistiu, inicialmente, esse trabalho em
comissão, mas o fato é que nesse mesmo ano ele redigiu, “por ordem do Ministro Rio-
Branco”, uma Noticia pormenorisada sobre a reunião e trabalhos do 3° Congresso
Scientifico Latino-Americano, realizado no Rio de Janeiro em agosto de 1905. É de se
presumir que o chanceler Rio Branco, conhecedor de seu trabalho anterior, publicado no
Relatório de 1895, em torno das consultas do Conselho de Estado e dos pareceres dos
Consultores jurídicos – em temas relevantes da nacionalidade, nos quais tinha atuado
54
intensamente seu pai, o Visconde – buscasse aproveitar-se de sua reconhecida
capacidade como compilador e sistematizador dos diversos instrumentos jurídicos e dos
atos internacionais das relações exteriores do Brasil.
De fato, ele permaneceria em comissão na capital da República de julho de 1907
a julho de 1912, quando é removido para o México. No longo intervalo que se seguiu
entre seus postos no exterior, ele seria promovido e designado, primeiramente, Ministro
residente na Colômbia (dezembro de 1907) e, depois, Enviado Extraordinário e Ministro
Plenipotenciário na Bolívia (janeiro de 1909), mas não chegou a assumir nenhum desses
postos, permanecendo à disposição da Secretaria de Estado no Rio de Janeiro e
ocasionalmente em Petrópolis (onde o Barão tinha casa e onde se refugiavam muitos
diplomatas estrangeiros, amedrontados com os flagelos da febre amarela na capital da
República. Suas merecidas promoções e honrosas designações parecem ter a ver,
justamente, não tanto com sua “extensa” folha de serviços diplomáticos (finalmente
reduzida a três postos relativamente pacatos), mas com o trabalho de natureza
intelectual que ele passou a desempenhar para o Barão, amante dos velhos papéis, dos
antigos tratados e dos atos internacionais que, desde a era colonial e mesmo de forma
indireta, conformaram as relações internacionais do Brasil.
Tem aí origem a magnífica coleção dos tratados e convenções a partir de 1808
que ele pacientemente organizou, a pedido do Barão, entre 1908 e 1911, assim como
esta obra mais ampla cronologicamente, mas ao mesmo tempo mais sintética
substantivamente. Atendendo igualmente a um pedido do chanceler Rio Branco, sempre
cioso do bom funcionamento de uma Casa na qual seu pai tinha servido quatro vezes,
Cardoso de Oliveira prepara, em 1911, uma monografia tratando da Remodelação dos
Quadros do Corpo Consular Brasileiro (Petrópolis, 1911), serviço pelo qual ele tinha
iniciado seu périplo internacional vinte anos antes. (...)
Depois da morte do Barão, sua carreira, bastante nômade, é feita essencialmente
no exterior, a começar pelo México, onde pode seguir alguns dos lances mais
importantes da Revolução que agitou o País durante longos anos. Removido para lá em
julho de 1912, a partir de abril do ano seguinte e até 1915 teve a seu cargo os interesses
dos Estados Unidos no México. Encerrando sua missão em agosto desse ano, partiu a
convite do governo norte-americano em visita oficial aos Estados Unidos, onde
permaneceu até setembro. Novamente em comissão no Rio de Janeiro, é designado, em
31 de maio de 1916, Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário junto ao
Império da Áustria-Hungria, mas não chegou a partir para Viena, presumivelmente em
55
virtude do estado de guerra e do próximo torpedeamento de embarcações brasileiras por
navios alemães nas próprias costas atlânticas. (...)
A rationale do compêndio parece ser a das relações internacionais do Brasil no
sentido lato, muito embora sua interpretação seja restrita. Não são incluídos, por
exemplo, os inúmeros contratos de empréstimos externos, pela simples e compreensível
razão de que se tratava de atos contraídos com particulares – os famosos banqueiros
ingleses da Casa Rothschild –, quando o critério de inclusividade retido por Cardoso de
Oliveira é o das relações entre Estados soberanos. Os contratos passados com
companhias de colonização, para facilitar a entrada e instalação no Brasil de imigrantes
estrangeiros, ou aqueles estabelecendo concessões públicas para a exploração de
determinados serviços gerais (iluminação), de transportes ou de comunicações também
ficam de fora do compêndio, o que reduz mais uma vez alguns outros aspectos
essenciais das relações internacionais do País, aqui em sua vertente econômica, no
século XIX. O Brasil da época de Cardoso de Oliveira ainda era um grande importador
de braços, capitais e serviços especializados estrangeiros, mas isso quase não
transparece, ou emerge de forma muito tênue, de seu compêndio. (...)
Paradoxalmente, entretanto, uma simples consulta aos atos listados no segundo
volume da obra de Cardoso de Oliveira e sua comparação com a relação dos atos
multilaterais contraídos na mesma época por todos os demais países relevantes do
sistema de relações internacionais, inclusive suas principais potências econômicas,
também ofereceria um testemunho sobre a universalidade e a precocidade das relações
econômicas externas do Brasil, um dos poucos países ditos periféricos a ter estado
presente na criação das mais importantes instituições internacionais de cooperação
econômica desde a emergência efetiva desse tipo de instrumento multilateral. (...)
A listagem realizada por Cardoso de Oliveira em princípios deste século, tal
como reproduzida em sua forma original nesta reedição fac-similar do compêndio de
1912, constitui, assim, o início indispensável de uma análise de larga perspectiva, que
deveria nos fazer ver o itinerário histórico do Brasil como o desenrolar de um longo
processo de esforços constantes em busca de sua autonomia política e de seu
desenvolvimento econômico. O compêndio de Cardoso de Oliveira deveria, idealmente,
no que respeita os últimos 85 anos de relações internacionais, ser complementado por
uma listagem contemporânea de atos diplomáticos, suscetível de contribuir para o
conhecimento atualizado da vida internacional de um país, o Brasil, hoje plenamente
inserido no sistema mundial. Tal obra, num cenário de facilidades informáticas e de
56
conexões em rede como o atual, aguarda apenas a iniciativa de seus dignos sucessores
na Casa de Rio Branco: que publicada, em nova versão, ela possa prestar uma singela
homenagem ao trabalho pioneiro de José Manoel Cardoso de Oliveira.

Brasília, 19 de novembro de 1996.


Excertos da introdução ao livro publicado pelo Senado Federal
(introdução disponível em versão completa no link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/19ActosDiplomaticos.html).

57
Aux origines du Brésil contemporain

Préface à:
Paulo Roberto de Almeida, Katia de Queiroz Mattoso:
Une Histoire du Brésil: pour comprendre le Brésil contemporain
(Paris: Editions L’Harmattan, 2002, 142 p.; collection: Recherches et Documents Amériques
latines, série Brésil; ISBN: 2-7475-1453-6; couverture de Maíra Palazzo de Almeida ;
sommaire disponible:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/48HistoireBresil2002.html)

Édition originale:
Paulo Roberto de Almeida (org.), Katia de Queirós Mattoso et Antonio Fernando Guerreiro
de Freitas:
Brésil: Cinq Siècles d’Histoire
(Paris: Ambassade du Brésil, 1995, 52 p.; Paulo Roberto de Almeida: “Le Brésil de 1984 à
1995: Consolidation du régime démocratique et tentatives de stabilisation économiques”,
p. 27-47; sommaire disponible:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/11Bresil5Siecles1995.html).

Ce livre a été conçu et élaboré pour la première fois en 1994, par le service culturel de
l’Ambassade du Brésil en tant qu’information destinée aux étudiants. Révisé et élargi pour
cette nouvelle édition, il vise maintenant le public en général. Les opinions qui sont ici
exposées n’engagent que les auteurs et ne représentent pas les positions du Gouvernement
brésilien ni de son ministère des Relations Extérieures.
Cet ouvrage a été à l’origine un texte (première partie de ce volume) déjà publié
auparavant, écrit en 1989 par Katia de Queirós Mattoso, avec l’assistance de Antônio
Fernando Guerreiro de Freitas, suivi d’un texte inédit, préparé spécialement pour la
publication par celui qui signe ces lignes, alors exerçant des fonctions de Conseiller à
l’Ambassade du Brésil à Paris.
Le travail des professeurs Mattoso et Freitas, historiens professionnels, avait été publié
originalement dans la revue Géopolitique (Hiver 1989-1990) et l’autorisation de le reproduire
dans une brochure de l’Ambassade du Brésil avait été aimablement accordée par Mme Marie-
France Garaud, Présidente de l’Institut International de Géopolitique, remerciée ici pour sa
bienveillance.
Ce qui était une simple brochure d’histoire du Brésil avait été conçue, en premier lieu, en
vue de répondre aux besoins des étudiants des collèges et lycées français désirant une
information concise sur le développement historique du Brésil. Elle n’avait donc d’autre
objectif que celui d’être essentiellement didactique.

58
Pour la présente édition, le texte écrit à quatre mains par les professeurs Mattoso et
Freitas a été maintenu tel quel, mais celui que je signe a été grandement remanié, non
seulement pour le mettre à jour en ce qui concerne l’“histoire événementielle” récente, mais
aussi pour tenir compte des profondes transformations que le Brésil a connu au cours des sept
ans qui se sont écoulés depuis la première édition.

Washington, Janvier 2002

59
Abrir os portos, foi só o começo...

Resenha de:
Luís Valente de Oliveira e Rubens Ricupero (organizadores):
A Abertura dos Portos
(São Paulo: Editora Senac-São Paulo, 2007, 352 p.; ISBN: 978-85-7359-651-9; sumário
completo disponível no link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/98AberturaPortos.html)

Duzentos anos de administração do Brasil a partir do Brasil, depois de trezentos


anos de colonização pela metrópole portuguesa, são sempre motivo de comemorações, o
que as editoras não deixarão obviamente de aproveitar. A Planeta saiu na frente, ainda
em 2007, com o ensaio de leve leitura (mas muito bem pesquisado) de Laurentino
Gomes, 1808. A Senac-SP veio logo em seguida, com a organização, também em 2007,
de um seminário do qual resultou este livro binacional, organizado a quatro mãos por
um engenheiro civil português e um embaixador brasileiro, contendo doze estudos de
alta densidade histórica por parte de um coletivo de especialistas na história portuguesa
e brasileira. Mas A Abertura dos Portos vai muito além de seu título reducionista.
Trata-se de uma balança equilibrada: seis autores portugueses e seis brasileiros.
O organizador português lembra, já de partida, que dizer que a abertura dos portos visou
ao comércio com as nações amigas é uma formulação muito ampla: “O que ela, de fato,
autorizou foram as relações comerciais com a Inglaterra.” É o que confirma o
organizador brasileiro, num denso texto que aborda o contexto diplomático da decisão
da abertura dos portos no que se refere às complicadas relações com a Inglaterra, com a
França, os Estados Unidos e outras potências, não só em relação aos antecedentes
imediatos da medida, mas igualmente no que tange à negociação dos tratados de 1810.
Ricupero finaliza evidenciando o que ele considera serem os pontos de contato entre
esses tratados e o projeto da Alca, proposta pelos Estados Unidos: um deles seria o
“liberalismo enganoso”, discriminando contra outros parceiros; outro é a falta de
reciprocidade, com a exclusão de produtos competitivos brasileiros do mercado da parte
mais forte; o terceiro seria o tratamento especial reservado aos investidores estrangeiros
em caso de disputas comerciais.
Carlos Guilherme Mota comparece logo em seguida, com uma revisão do ciclo
que vai da era pombalina até o final do Primeiro Império (1750-1831): dos diversos
“Brasis” do antigo Império colonial português, ao Império brasileiro unificado, é um
60
percurso que vê o Brasil figurar pela primeira vez no concerto das nações. O português
Valentim Alexandre retoma a análise do alvará de abertura dos portos e dos tratados de
1810, confirmando sua total assimetria e os problemas fiscais deles derivados, em
ambos aspectos totalmente desfavoráveis a Portugal e ao Brasil. As imigrações para o
Brasil são o tema da portuguesa Ângela Domingues, que retraça as iniciativas joaninas
para o estabelecimento de um fluxo migratório sueco (em Sorocaba, mas temporário) e
de um suíço (em Nova Friburgo), que se estabeleceu de forma mais consolidada.
O brasileiro Francisco Alambert examina o período do ponto de vista das artes e
da cultura, com foco na chegada da Missão Artística Francesa, em 1816. Se o poder
econômico estava indiscutivelmente com a Inglaterra, o Brasil sempre respirou cultura
pelo lado francês, numa importação direta, cuja figura principal é Debret. O português
José Luiz Cardoso refaz a evolução das ideias econômicas na época, com a absorção
entusiasta das de Adam Smith, em particular através de José Maria Lisboa, cuja obra em
defesa da liberalização do comércio, Observações sobre o comércio franco no Brasil (a
primeira a ser impressa no Brasil, pela Imprensa Régia, ainda em 1808), é examinada
com lucidez.
O uspiano Lincoln Secco segue o percurso das ideias liberais, no Brasil e na
península ibérica, no meio século até 1851: ele considera que houve uma revolução
burguesa “incompleta” em Portugal, ao velho estilo que ainda vigora: “fazer reformas
para evitar revoluções”. O português Eugénio dos Santos segue a carreira acadêmica,
científica e militar do nosso “Patriarca da Independência”, José Bonifácio, aspectos que
em geral ficaram em segundo plano na historiografia tradicional. Ele tinha de se dividir
entre seus cursos na Universidade de Coimbra, uma assessoria na Casa da Moeda em
Lisboa e prospecções minerais em todo o país: considerava os seus colegas de Coimbra
“enfatuados, vaidosos e possuidores de um saber apenas livresco e oco de significado”.
Na invasão francesa, ele tomou armas, primeiro como sargento nos “Voluntários
Acadêmicos”, depois como major no Corpo Acadêmico. Quando parte ao Brasil, em
1819, já com 56 anos, era um estadista experiente.
Este que aqui escreve assina um artigo autoexplicativo, chamado “A formação
econômica brasileira a caminho da autonomia política: uma análise estrutural e
conjuntural do período pré-independência”, uma análise do contexto econômico
colonial e da gradual emergência de uma economia voltada para a acumulação interna,
no contexto das relações econômicas internacionais e dos processos de transformação
do sistema econômico no início do século XIX. A pernambucana Maria Leda Oliveira
61
da Silva, em “Aquele imenso Portugal: a transferência da corte para o Brasil (séculos
XVII-XVIII)”, lembra que frei Vicente do Salvador já tinha defendido, em 1630, a ideia
da transferência da corte para o Brasil. A transferência da corte, em 1808, responde,
ademais, a projetos políticos antigos, anteriores à restauração (1640): D. João VI,
quando estabelece o Reino Unido (1816), retoma a esfera armilar, símbolo da expansão
ultramarina dos tempos de D. Manuel, no sonho de transformar a América num imenso
Portugal.
O português Jorge Couto, já conhecido entre nós por sua tese da descoberta do
Brasil em 1498, por Duarte Pacheco Pereira, trata da delimitação das fronteiras do
Brasil, de D. Manuel I a D. João VI, ou seja, da descoberta até a união dos reinos, com
destaque para o Tratado de Madri, que alargou nossas fronteiras. Finalmente, os
“santistas” José Rodrigues e José Pascoal Vaz acompanham 200 anos de transformação
socioeconômica dos portos brasileiros, seu crescimento e problemas atuais, sobretudo
no que se refere à mão-de-obra.
Em suma, trata-se de vasta obra coletiva que vai muito além da simples abertura
dos portos, em 1808. Uma rica iconografia ilustra este livro, que fica como um marco
comemorativo destes dois séculos desde o alvará “libertador do comércio”. Tempo de
retomar o processo, seguramente...

Brasília, 15 de fevereiro de 2008.


Publicado em formato reduzido na revista Desafios do Desenvolvimento
(Brasília: IPEA; ano 5; n. 40, fevereiro de 2008, p. 63)

62
História quase virtual do Brasil

Resenha de
Evaldo Cabral de Mello:
A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824
(São Paulo: Editora 34, 2004, 260 p.; ISBN: 85-7326-314-8)

Estamos tão habituados à versão tradicional da independência do Brasil, de cunho


unitário e quase que “naturalmente monarquista”, que negligenciamos outros modos possíveis
de desenvolvimento da nação ou de formação do Estado. Já não falo de uma história
declaradamente virtual, que poria em confronto “o que efetivamente se passou”, segundo a
visão Rankeana, com possibilidades inesperadas ou puramente hipotéticas, como uma
separação holandesa do Nordeste, em caráter permanente, ou um movimento inconfidente
bem sucedido nas Gerais, de caráter republicano, ou ainda uma divisão de fato entre as várias
províncias do norte e do sul no processo de independência, o que teria conformado um
arquipélago de nações lusófonas na América do Sul (a exemplo da fragmentação hispano-
americana na vertente andina).
Este novo livro do diplomata-historiador (ou vice-versa) Evaldo Cabral de Mello
explora justamente essa última possibilidade, a de uma outra independência possível, não
como hipótese virtual, mas como realização efetiva, tal como tentada nas cidades e nos
campos da Bahia e de Pernambuco, entre a insurreição precoce de 1817 e a Confederação do
Equador em 1824. Esses movimentos, junto com outros do Sul, ficaram agrupados sob o
amálgama enganador de “separatismo”, ao passo que os construtores do Império, a partir do
Rio de Janeiro, passaram para a história com o beau rôle de unitários e de nacionalistas. Essa
é, porém, uma perspectiva equivocada, uma vez que, no momento da independência, o Brasil
era tudo menos Brasil, e sim um ajuntamento de províncias que se relacionavam mais com a
metrópole (ou com a África, por exemplo) do que entre si. Luiz Felipe Alencastro já tinha
alertado para esse arquipélago de sistemas desvinculados entre si, sem unidade econômica
real.
Este livro conta a história desse “destino não manifesto”, traduzido no desejo de
algumas elites regionais, no caso as do Nordeste, de recuperar o poder local perdido quando
da vinda da família real e a centralização operada em favor do Rio de Janeiro. O federalismo,
segundo Evaldo, era uma possibilidade real, se alguns destes processos não tivessem ocorrido:
a manutenção da dinastia bragantina no Rio, um tratamento mais conforme às aspirações das

63
elites regionais pelas Cortes de Lisboa e a determinação da “administração” da Corte no Rio
em preservar sua posição hegemônica. Mas foi uma luta bárbara, na qual a força foi mais
importante do que a persuasão. A historiografia ulterior alimentou o “Rio-centrismo”,
descurando ou desvalorizando os “separatismos” regionais, uniformemente agrupados na
rubrica contrária à unidade nacional, quando o que eles pretendiam, na verdade, era uma
forma diferente de organização do Estado (e do equilíbrio entre as províncias), provavelmente
mais conforme ao modelo proposto nos Estados Unidos poucas décadas antes.
A Bahia, como se sabe, ficou sob ocupação portuguesa no episódio da separação,
razão pela qual coube eminentemente a Pernambuco a liderança federalista, quando na
verdade ambas as províncias tinham condições econômicas para sustentar um modelo
diferente, singularmente autonomista, e de construir um Estado não centralizado, ainda que
passavelmente unitário, sob a égide da monarquia (mesmo se muitos liberais fossem
declaradamente republicanos). Longe de obedecerem a impulsos regionais anárquicos e
antipatrióticos, como a propaganda fluminense quis fazer acreditar (dando os exemplos
caóticos dos estados hispano-americanos), os patriotas do Nordeste queriam a verdadeira
liberdade e a igualdade, num regime de poderes compartilhados.
José Bonifácio foi, neste caso, menos sábio do que o habitualmente afirmado, pois
que, partindo da ideia de uma “peça majestosa e inteiriça desde o Prata até o Amazonas”,
denegriu o projeto federalista, assimilando-o ao republicanismo e acusando seus líderes de
pretenderem um “governo monstruoso”, para serem nas províncias “chefes absolutos,
corcundas despóticos”. Os “bispos sem papa”, no dizer de Bonifácio, foram esmagados e
assim o Brasil continua a ser até hoje, a despeito da ironia de carregar no nome o adjetivo
federalista, a mais unitária das repúblicas americanas.

Brasília, 20 de março de 2005.


Revista Desafios do Desenvolvimento
(Brasília: IPEA-PNUD, ano I, n. 9, abril 2005);
republicada na revista Plenarium
(Brasília: Câmara dos Deputados, Ano II, n. 2, novembro de 2005, p. 343-344).

64
A diplomacia econômica do Brasil em perspectiva histórica

Apresentação a
Paulo Roberto de Almeida:
Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no
Império
(São Paulo-Brasília: Editora Senac-SP/Funag, 2001, 680 p., ISBN: 85-7359-210-9; índice
geral e prefácio do Embaixador Alberto da Costa e Silva disponíveis no link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/44FDESenac2001.html)

A diplomacia brasileira é geralmente conhecida pela excelência de seus quadros e pela


notável constância de suas posições políticas. A ela são creditados ganhos políticos
importantes, tanto num passado distante, em termos de conformação do território pátrio, por
exemplo, como no presente, sob a forma da boa convivência regional, do continuado respeito
que o País ostenta aos princípios do direito internacional, da própria credibilidade política de
sua diplomacia, como, por vezes, do apoio (moderado) que o Brasil tem emprestado a missões
de manutenção da paz conduzidas multilateralmente.
Mas, como avaliar o desempenho de longo prazo dessa diplomacia num setor que toca
diretamente aos interesses maiores da Nação: os resultados na frente econômica, em primeiro
lugar no sentido de impulsionar o desenvolvimento nacional? Terá sido essa diplomacia
funcional e instrumental do ponto de vista desse objetivo, isto é, adequada aos requisitos de
progresso econômico e de bem estar social? Soube ela captar recursos externos e angariar
apoio material para a aceleração das taxas de crescimento econômico e do processo de
modernização tecnológica do País? Em uma palavra, qual foi a contribuição da diplomacia ao
desenvolvimento da Nação?
Uma avaliação ponderada desse tipo de questão passa, antes de mais nada, pelo exame
das relações econômicas externas do Brasil, considerando tratar-se de um país periférico,
dispondo de poucos excedentes de poder político e econômico e de reduzida capacidade de
projeção externa. A natureza dessas relações foi também tributária da estrutura econômica e
social do País, cuja história econômica se confunde, até há poucas décadas com a sucessão de
ciclos dominantes de algum produto de exportação. Na terminologia da economia política, as
relações econômicas internacionais do Brasil passam, entre o início do século XIX e meados
deste, de uma diplomacia do primário, comprometida com a promoção de alguns poucos
produtos de base integrando sua pauta de exportação, para a crescente afirmação de uma
diplomacia do secundário, voltada essencialmente para a grande tarefa da industrialização

65
substitutiva e da capacitação tecnológica nacionais, antes de adentrar, no período recente, na
diversidade de temas e de interesses econômicos que poderão conformar, no presente e no
futuro, uma diplomacia do terciário, isto é, da era dos serviços, a qual parece caracterizar o
mundo atual e o sistema contemporâneo de relações econômicas internacionais.
Uma avaliação desse desempenho no longo prazo da diplomacia brasileira, cuja
metodologia poderia ser identificada a um ensaio de “interpretação econômica” de sua
história diplomática, deve partir das etapas formadoras da diplomacia econômica no Brasil,
retraçando o itinerário das relações econômicas internacionais da Nação durante o século
XIX, desde a transferência da Corte em 1808 e constituição do Estado nacional, até a era
contemporânea, ou seja cobrindo tanto o período monárquico como a era republicana. Uma
visão de largo prazo como a que aqui se propõe tem necessariamente de ser apresentada de
forma sintética, mas a produção acadêmica já acumulada no campo da historiografia
econômica, bem como a excelente documentação de base disponível – em primeiro lugar os
primorosos e completos relatórios da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros, sob o
Império, e do Ministério das Relações Exteriores sob a velha República – permitem um tal
empreendimento analítico.
Qual seria, em primeiro lugar, a “matéria-prima” dessa avaliação? Dentre as questões
mais relevantes para o exame da “formação” da diplomacia econômica no Brasil no século
XIX estão as seguintes: os tratados de comércio e a política tarifária, o constante recurso aos
empréstimos externos, o ingresso de investimentos estrangeiros diretos, o contencioso com a
Grã-Bretanha sobre o tráfico escravo e os problemas encontrados pelo Estado monárquico
para garantir um fluxo regular de imigrantes livres (em face da política dos fazendeiros de
manutenção do trabalho escravo ou da simples “importação de braços para a lavoura”, ainda
que colonos europeus), bem como a precoce presença do Brasil em incipientes foros
“multilaterais” (União Geral dos Correios, União Telegráfica Universal e União de Paris
sobre propriedade industrial, no último terço do século XIX). Para a primeira metade do
século XX, por sua vez, a análise certamente cobriria os problemas seguintes: tímidos
esforços de “promoção comercial” do produto de maior competitividade na economia
brasileira, o café (uma vez que a borracha, temporariamente importante no começo do século,
mais era objeto de compra do que propriamente vendida), seletividade criteriosa dos
compromissos comerciais externos (uso limitado da cláusula de nação-mais-favorecida nos
acordos bilaterais de comércio), contratação de empréstimos para fins de valorização do café
e de sustentação da moeda, política migratória orientada por critérios raciais e crescentemente
restritiva, preocupação constante com o aggiornamento tecnológico para fins de
66
desenvolvimento industrial, participação moderada nas principais conferências econômicas do
período e restrições crescentes à interdependência econômica (prática instintiva de um
protecionismo comercial que, de fiscal, se converte em instrumento de política industrial).
Não se deve ver nesse tipo de trabalho analítico uma versão economicista da já
abundante historiografia sobre a política externa brasileira, nem uma tentativa de se
reinterpretar a história diplomática do Brasil segundo uma “concepção materialista”. Com
efeito, o itinerário da política internacional do País não poderia ser descrito unicamente com
base nas relações econômicas internacionais do País, nem as relações exteriores do Estado
monárquico e as dos governos republicanos que lhe sucederam poderiam ser construídas
como se constituíssem uma espécie de sobredeterminação da ordem econômica mundial na
qual elas estariam inseridas. Mas, pode-se concordar com um eminente historiador não
marxista no sentido em que “tudo parte da história econômica”. Com efeito, como diz Pierre
Chaunu, “é à História econômica que cabe o privilégio de mudar a História, de dar
progressivamente origem a uma forma de História, a que chamamos serial, que sobrepõe suas
próprias exigências, próximas das Ciências Sociais, às exigências sempre válidas da História
tradicional”.1
Assim, mesmo ostentando uma “opção preferencial” pela história econômica da
diplomacia brasileira, uma avaliação como a do tipo proposto neste ensaio deve precaver-se
contra qualquer determinismo econômico ou desvio historiográfico: se a economia é
inegavelmente o mais importante fator na vida de uma nação, os eventos, a escolha das
políticas adotadas em casos concretos, as motivações e orientações gerais das relações
internacionais do Brasil, bem como os traços peculiares de sua política externa “efetiva” não
foram, majoritariamente ou predominantemente, determinados ou moldados pela base
material ou pelas relações econômicas internacionais do País. As grandes questões da política
externa brasileira, inclusive as de política econômica externa, sempre foram políticas e, como
tal, receberam um tratamento essencialmente político.
Um ensaio histórico sobre a formação da diplomacia econômica no Brasil deve tratar,
assim, de aspectos pouco abordados nos velhos manuais de história diplomática (Delgado de
Carvalho, Hélio Vianna 2) ou mesmo nos clássicos trabalhos de história econômica (Caio

1
Cf. Pierre Chaunu, A História como Ciência Social: a duração, o espaço e o homem na época
moderna. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976, p. 69.
2
Cf. Delgado de Carvalho, [Carlos]. História Diplomática do Brasil. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1959; Hélio Vianna, “História Diplomática do Brasil” in História da República-História
Diplomática do Brasil. 2ª ed.; São Paulo: Melhoramentos, s.d. [1962?], pp. 89-285 (1ª ed.; São
Paulo: Melhoramentos, 1958).
67
Prado, Celso Furtado 3): a diplomacia comercial, a diplomacia financeira (inclusive a do
Brasil enquanto credor dos países platinos), a diplomacia dos investimentos (aqui incluído o
problema da tecnologia proprietária, isto é, das patentes industriais), aquilo que
eufemisticamente se poderia chamar de “diplomacia da mão-de-obra” (continuidade,
enquanto tanto se pôde fazer, do tráfico escravo, e atração de imigrantes europeus), bem como
a emergente diplomacia “multilateral” (a exemplo daquelas primeiras “uniões” técnicas
dedicadas aos correios, à telegrafia e à patentes). Não se poderia esquecer da própria
conformação institucional do “instrumento diplomático” brasileiro no século XIX, isto é, dos
aspectos organizacionais envolvidos na formulação e execução da diplomacia econômica.
Todos esse campos oferecem interesse ao observador contemporâneo que deseje
colocar em perspectiva histórica questões ainda relevantes do relacionamento econômico
externo do País. Não é preciso, por exemplo, sublinhar a importância continuada, e mesmo
crucial, da diplomacia comercial e financeira na história do desenvolvimento brasileiro, bem
como para uma exitosa inserção econômica internacional do Brasil contemporâneo. Da
mesma forma, ninguém disputaria o papel estratégico desempenhado pelos investimentos
estrangeiros e por aportes de tecnologia avançada no aggiornamento da economia nacional. A
diplomacia da força-de-trabalho constitui o que se chamaria atualmente de “política de
recursos humanos”: se hoje o Brasil deixou de ser o grande “importador” de imigrantes que
foi até meados do século XX – tornando-se, ao contrário, um “exportador” moderado de mão-
de-obra – ele ainda necessita do concurso do trabalho especializado vindo de centros mais
avançados, assim como ele envia, regularmente, estudantes e técnicos para formação no
exterior.
No que se refere, por sua vez, à diplomacia multilateral, parece óbvio que, em sua
vertente econômica, ela vem constituindo-se no campo de trabalho por excelência de uma
política externa que deve operar cada vez mais nos limites, condicionalidades e desafios dos
processos de globalização e de regionalização: se a política externa bilateral ainda não
esgotou suas possibilidades de atuação, ela já não mais configura — salvo as exceções de
praxe — o eixo preferencial ou exclusivo da atuação diplomática do Brasil no plano global e
mesmo regional.
Um trabalho analítico desse tipo, centrado nas diferentes formas de atuação da
diplomacia econômica e enfocando o conjunto das relações econômicas internacionais do

3
Caio Prado Jr., Formação do Brasil Contemporâneo, Colônia. 14ª ed.; São Paulo: Brasiliense, 1976;
História Econômica do Brasil. 2ª ed., São Paulo: Brasiliense, 1949; Celso Furtado, Formação
Econômica do Brasil. 14ª ed., São Paulo: Nacional, 1976.
68
Brasil no século XIX, pode, portanto, contribuir para um conhecimento mais acurado das
linhas básicas do desenvolvimento brasileiro nos dois últimos séculos. A seção seguinte
oferece, com a ajuda visual de um quadro analítico, um panorama geral dessas relações
econômicas e da atuação da diplomacia nos campos selecionados para análise: comércio
exterior e política comercial, finanças (empréstimos e créditos), investimentos diretos
estrangeiros (e a questão das patentes), mão-de-obra (isto é, tráfico e imigração) e, por fim,
organizações emergentes no campo técnico-econômico (multilateralismo incipiente).
As principais características da estrutura do relacionamento econômico externo
durante o Império, ou seja, as especificidades do modo de inserção econômica internacional
do Brasil no século XIX, os processos negociadores e o relacionamento econômico externo do
País poderiam ser assim sumariados:
a) uma política comercial “instintiva”, mais empírica do que doutrinal, marcada por
uma “diplomacia evolutiva”, desde o livre-comércio obrigatório, encontrado em sua “pia
batismal”, a uma espécie de protecionismo oportunista ou ocasional, menos motivado por
preocupações industrializantes do que de fato impulsionado pela precariedade da base fiscal
do governo;
b) na área financeira externa, uma “diplomacia dos empréstimos” que se desenvolveu
ao longo de todo o período, derivada em grande medida da irresponsabilidade do Estado na
frente orçamentária, com a dependência consequente de capitais estrangeiros; a “diplomacia
dos créditos externos” é, por sua vez, excessivamente restrita, em termos geográficos (apenas
países platinos) e em volume de recursos mobilizados, para justificar sua inscrição como
categoria específica da diplomacia econômica do Brasil;
c) uma dupla “diplomacia da mão-de-obra”, resultante da atestada incapacidade das
elites em reestruturar radicalmente a organização social da produção, e que combinou
tergiversações na questão do tráfico escravo e uma tímida política de atração de colonos
europeus;
d) a prática empírica de uma “diplomacia dos investimentos”, refletida no atento
acompanhamento dos progressos tecnológicos em curso na Europa e nos Estados Unidos e
numa prática ativa de atração de capitais produtivos e de novos inventos para o País; ela é, no
entanto, mais reativa do que proativa;
e) uma estrutura funcional-burocrática bastante eficiente na defesa de seus interesses
econômicos externos, com uma profissionalização precoce do pessoal diplomático e um
processo decisório amplamente interativo com os interesses da elite dirigente, por força do

69
regime parlamentarista em vigor e da presença constante, aliás exclusiva, de representantes da
classe política na chefia da Secretaria de Estado;
f) a busca, finalmente, de uma forte presença diplomática em todos os países
importantes e em foros internacionais relevantes, de molde a colocar o Brasil no mesmo plano
das demais “potências” do concerto internacional, conformando um exemplo de precoce
diplomacia do multilateralismo econômico, certamente singular na periferia.

O itinerário passado das relações econômicas internacionais e das instituições


intergovernamentais de cooperação que delas derivam, bem como suas tendências evolutivas
neste século e meio de construção de uma “ordem econômica internacional”, tal como vistos
pelo ângulo da experiência histórica da diplomacia econômica do Brasil, ensinam talvez que o
processo de desenvolvimento deve ser, cada vez mais, pensado em escala global e que
nenhum país pode continuar a conceber suas políticas setoriais e macroeconômicas numa
perspectiva puramente nacional. O mundo do futuro pertence tanto aos Estados nacionais
quanto às organizações internacionais: como evoluirão as relações entre esses dois tipos de
entidades é uma questão ainda em aberto, inclusive para o Brasil, que participa de um
processo de integração, o Mercosul, que poderá, em última instância, influenciar de maneira
decisiva sua maneira de se relacionar com a comunidade internacional.

Brasília, 21 de março de 1999


Publicado na revista Lua Nova, revista de cultura e política
(São Paulo: CEDEC, nº 46, 1999, p. 169-195).

70
“Velho” livro, novo sentimento, mesmo pensamento.

Prefácio à segunda edição do livro


Paulo Roberto de Almeida:
Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no
Império
(2ª edição; São Paulo: Editora Senac, 2005, 680 p., ISBN: 85-7359-210-9; índice geral e
prefácio do Embaixador Alberto da Costa e Silva disponíveis neste link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/80FDESenac2005.html)

Quando, em outubro de 2004, recebi uma mensagem eletrônica da Senac-SP


solicitando-me preparar a segunda edição deste livro, quase não acreditei no que li, e cheguei
mesmo a me perguntar: como é possível que um “grosso tijolo” de quase setecentas páginas,
voltado essencialmente para a pesquisa histórica sobre a diplomacia econômica do século
XIX, chegue à sua segunda edição dois anos depois de lançada a primeira? De fato, ao cabo
de tão curto período, não deixa de surpreender-me o itinerário editorial do livro mais
“pesado” que fiz em uma década de produção livresca, tanto pela sua receptividade junto à
comunidade mais restrita de pesquisadores, como pelo interesse igualmente despertado junto
aos muitos estudantes dos cursos de relações internacionais existentes no Brasil, segundo ecos
recolhidos dos próprios interessados.
Esse succès d’estime não deixa de ser gratificante, na medida em que este livro tinha
tudo para conhecer um itinerário discreto. Desejo registrar, neste momento, que ele condensa
o esforço de vários anos de pesquisa solitária, de leituras acumuladas ao longo de uma dupla
carreira de diplomata e acadêmico, de muitos e muitos meses de paciente organização dos
materiais primários, de noites inteiras de cansativa dedicação aos labores de redação e
revisão, seguidas de tratativas difíceis para lograr-se sua publicação no momento em que sua
primeira versão ficou pronta (1997). Ele precisou esperar ainda mais de três anos – tempo no
qual foi “engordado” um pouco mais – até chegar-se à fórmula da coedição, que agora se
repete, entre a Senac-São Paulo, na pessoa de Alberto Parahyba Quartim de Moraes, e a
Funag, do Ministério das Relações Exteriores, na pessoa de seu então presidente, Embaixador
Álvaro da Costa Franco. Aos dois sou grato pelo apoio e confiança demonstrados em relação
a um livro que se apresentava como singularmente difícil num mercado editorial
aparentemente dominado por obras mais “leves” e geralmente voltadas para o grande público.
Este livro, manifestamente, passa ao largo desses critérios de mercado e tampouco se
aproxima daquilo que os franceses chamariam de haute vulgarisation, estando obviamente
mais próximo do que se poderia classificar de obra erudita ou de pesquisa universitária.
71
A renovada confiança da Senac-SP, assim como a pronta disposição da Funag, agora
na pessoa de sua presidente, Embaixadora Thereza Maria Machado Quintella, em associar-se
a este empreendimento editorial, permitem agora que o livro seja entregue aos leitores numa
segunda edição basicamente similar à primeira. Com efeito, eu acredito que livros sejam
como garrafas atiradas ao mar: eles levam a mensagem de um determinado momento a praias
e enseadas distantes e devem poder se sustentar no formato original, sem novas interferências
do autor no texto inicialmente concebido.
Foram corrigidos pequenos erros de digitação, revistas e atualizadas as notas de
rodapé, com adição da nova bibliografia disponível e, sempre que possível, estendidas até
2004 as informações constantes das tabelas e dos quadros analíticos relativos ao período
contemporâneo (nos capítulos finais). No mais, este grosso volume permanece igual ao
original preparado para edição no final de 2001, e sua nova publicação me incita, mais do que
nunca, a tentar concluir um segundo volume – que espero menos volumoso – sobre a
diplomacia econômica brasileira na primeira metade do século XX – grosso modo, de 1889
até a conferência de Bretton Woods, em 1944 – e quem sabe até avançar num terceiro
volume, trazendo a análise das relações econômicas internacionais do Brasil até os nossos
dias.
A concepção, preparação, elaboração e acabamento deste livro apenas foram possíveis
devido à ajuda, leniência e compreensão de Carmen Lícia, Pedro Paulo e Maíra, que
suportaram pacientemente este membro não convidado da família durante longos meses e
mesmo anos. Que eles possam me perdoar as muitas horas, dias, noites e meses roubados, em
uma espécie de furor legendi dotado de pouco planejamento. A eles é dedicado este livro,
com todo o amor e carinho.
Devo, finalmente, deixar registro de que tenho conseguido ser feliz (pelo menos, creio
que tenho sido “bafejado” pela fortuna) na combinação de atividades profissionais
normalmente exigentes, como podem ser as da carreira diplomática – mormente em postos
bastante ativos, como a delegação em Genebra ou as embaixadas em Paris e Washington,
ademais da Secretaria de Estado, em Brasília –, e ocupações docentes igualmente intensas,
ainda que assumidas voluntariamente, seguindo uma dedicação puramente acadêmica. Essa
dupla condição exigiu, obviamente, a compreensão de alguns de meus superiores, de meus
entes queridos, ademais da disposição pessoal em sacrificar horas de lazer, de simples
descanso noturno ou de convivência familiar – o que confesso com um certo remorso – em
prol do exercício constante da pesquisa, da escrita e da divulgação, características que
compõem esse outro lado da virtù, que nem sempre é reconhecida em sua dimensão própria.
72
Este é um livro de um autodidata assumido que espera continuar assim: pesquisador
independente, livre de pensamento, sem qualquer tipo de restrição intelectual na sua
capacidade de análise e de avaliação e, acredito, responsável na ação. Trata-se de uma
odisseia de uma nova espécie, que não deve necessariamente ser concluída algum dia…

Brasília, novembro de 2004.

73
A Política exterior do Império para as repúblicas do Pacífico

Prefácio ao livro de
Luís Cláudio Villafañe Gomes Santos:
O Império e as repúblicas do Pacífico: as relações do Brasil com o Chile, Bolívia, Peru,
Equador e Colômbia, 1822-1889
(Curitiba: Editora da UFPR, 2002, 178 pp; ISBN: 85-7355-100-4; , p. 7-11; disponível no
link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/72VillafaneBook.html)

De forma similar ao conceito empregado, até o final do século XIX, nos mapas dos
colonizadores ocidentais para descrever territórios desconhecidos no interior da África ou da
América do Sul, este livro penetra em terras incógnitas para a historiografia brasileira. Com
efeito, o jovem historiador Luís Cláudio Villafañe Gomes Santos decidiu explorar terras e
povos que não costumam frequentar o cenário da produção histórica brasileira, ou pelo menos
não, com tal grau de detalhe, o cahier de route de nossa história diplomática do Oitocentos.
Ao que eu saiba, trata-se do primeiro estudo abrangente, sistemático e de longa duração, sobre
como, porquê e sob quais condições a diplomacia imperial formulou e executou uma política
externa especificamente desenhada para as repúblicas americanas do Pacífico, em estreita
simbiose com aquela que era posta em marcha no Prata e levando em consideração as ações e
motivações das grandes potências na região (em primeiro lugar, os imperialismos europeus,
mas crescentemente também a grande república do Norte).
Um tal desconhecimento histórico surpreenderia, entretanto, nossos diplomatas do
Império que, depois obviamente das principais potências europeias e das “repúblicas” do
Prata (concedamos a eles este epíteto por vezes pouco adequado para a primeira metade do
século), atribuíam grande importância ao relacionamento da monarquia bragantina com esse
conjunto heteróclito de países unidos pelo mesmo movimento independentista (de inspiração
bolivariana), mas separados pela geografia e por uma história de pequenas querelas intestinas
e muitas tendências ao caudilhismo.
Essas repúblicas tinham relevância não tanto pelo que pudessem representar como
oportunidades de comércio ou de intercâmbios humanos – de fato muito poucas, pois vastas
florestas, pântanos pestilentos e escarpas íngremes as separavam do Brasil – mas pela
potencial ameaça política e ideológica que poderia representar para a única monarquia do
hemisfério (aliás unida por laços familiares e de identidade cultural a casas reinantes, e
reivindicantes, da velha Europa) um grupo de Estados de certa forma animados pelo fervor
revolucionário e pelos ideais republicanos que os tinham visto nascer. Não por acaso, o

74
grande historiador José Honório Rodrigues insistia em enfatizar, nas aulas de história
diplomática dadas em meados dos anos 1950 no Instituto Rio Branco, o que lhe parecia ser os
três grandes princípios de nossa política exterior desde 1822: a) a preservação de nossas
fronteiras contra as pretensões de nossos vizinhos e a política do status quo territorial; b) a
defesa da estabilidade política contra o espírito revolucionário, interna (revoltas e secessões) e
externamente (caudilhos do Prata) e, c) a defesa contra a formação de um possível grupo
hostil hispano-americano e uma política de aproximação com os Estados Unidos. 1
Como relata Villafañe, o Brasil, “por suas instituições monárquicas e por sua origem
lusa, em contraposição às repúblicas hispânicas, era visto com desconfiança”, mas o próprio
Bolívar reconhecia, contudo, que o regime monárquico tinha livrado o Brasil da guerra civil e
da anarquia, o que não era o caso dos demais países da região. A diplomacia imperial,
liberada nas regências das aventuras cisplatinas e das lutas pelo trono português que tinham
paralisado por quase dez anos as iniciativas diplomáticas do Primeiro Reinado, passa a deitar
os olhos sobre os vizinhos americanos. O Império, preocupado com as fronteiras e a
navegação fluvial, sente a necessidade de um trabalho persistente e tenaz de desarme dos
espíritos e de busca de uma política de “boa vizinhança”, ainda que em face de uma escassez
notória de quadros e de recursos financeiros. É na região que seriam testados princípios de
política externa – como a doutrina do uti possidetis – que seriam incorporados ao patrimônio
diplomático republicano.
Essa orientação americana da política externa imperial se faz desde a minoridade. No
primeiro relatório apresentado pelo titular da Repartição dos Negócios Estrangeiros à
Assembleia Legislativa em 1831, o Secretário de Estado Francisco Carneiro de Campos
declarava o seguinte: “O Governo, de ora em diante mais franco e livre em suas deliberações
e arbítrios, conta poder fazer ainda algumas outras economias nas Missões europeias, para
melhor estabelecer e dotar as da América. Estou convencido que conquanto nós tenhamos tido
até agora, e talvez por muito tempo ainda devamos continuar a ter, as maiores relações com o
antigo mundo, convém todavia principiar desde já a estabelecer e apertar com preferência os
vínculos, que no porvir devem ligar muito estreitamente o sistema político das associações do
hemisfério americano, partes componentes deste grande todo, aonde a natureza tudo fez
grande, tudo estupendo; só poderemos ser pequenos, débeis e pouco respeitados, enquanto
divididos. Talvez uma nova era se aproxima, em que as potências da América, pejando-se de

1
Cf. José Honório Rodrigues e Ricardo A. S. Seitenfus: Uma História Diplomática do Brasil (1531-
1945), organização e explicação de Lêda Boechat Rodrigues; Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1995, p. 60.
75
suas divisões intestinas à vista do exemplo de concórdia, que nós lhes oferecemos, formem
uma extensa família, e saibam com o vigor próprio da liga robusta de tantos povos livres
repelir com toda dignidade o orgulho, e pretensões injustas das mais infatuadas nações
estranhas. O continente imenso, que banhado pelos dois grandes mares, quase toca ambos os
polos, oferece na grande variedade das suas latitudes e climas, distintíssimos produtos, que
dando sempre o necessário à vida, podem ainda fornecer matéria e alimento ao mais extenso
comércio: a colocação de cônsules inteligentes nos lugares apropriados animará a concepção e
desenvolvimento das mais acertadas especulações mercantis”.2
As “especulações mercantis” continuaram modestíssimas por muitos anos ainda, mas
o intercâmbio de diplomatas, pelo menos, começou a se fazer de maneira mais frequente. Em
algumas épocas, porém, o despacho de missões diplomáticas mais se assemelhava ao das
“embaixadas renascentistas” – isto é, o envio com uma certa pompa de uma delegação que
passava meses viajando de um lado a outro, sem dispor de uma chancelaria fixa, como
ocorreu com Duarte da Ponte Ribeiro – do que propriamente à designação formal de um
residente permanente em cada uma das capitais dessas repúblicas bolivarianas. A comparação
era inclusive destacada pela própria diplomacia imperial, como lembra ainda Villafañe a
partir do historiador Amado Cervo: “Considera-se a diplomacia americana simples, porém
eficiente, características que a distanciam do fausto e da inutilidade da escola europeia. As
relações com os jovens Estados americanos seriam menos onerosas e trariam mais dividendos
ao Brasil”. 3
No contexto da ordem internacional da primeira metade do século XIX, ademais dos
tratados de “amizade, comércio, navegação e limites”, que mais prometiam do que cumpriam,
o Império necessitava de capitais e de braços para a lavoura (escravos ou de colonos
europeus), dois elementos fundamentais ao progresso da nação brasileira que eram ainda mais
escassos nos vizinhos sul-americanos. De fato, as jovens repúblicas americanas, da mesma
forma como os Estados Unidos dessa época, não tinham condições de fornecer os produtos ou
os capitais de que necessitava o Brasil. Daí a persistência da hegemonia europeia (em
primeiro lugar da supremacia inglesa) em matéria de manufaturas importadas, de capitais de
risco ou de empréstimo, assim como nossa dependência absoluta dos mercados europeus, até
que a ascensão do café deslocasse o eixo do intercâmbio comercial para os Estados Unidos. A
baixa incidência das repúblicas do Pacífico nas trocas externas do Brasil não impedia, porém,

2
Cf. Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros, de 1831, p. 5-6.
3
Cf. Amado Luiz Cervo, O Parlamento Brasileiro e as Relações Exteriores (1826-1889). Brasília:
Editora da UnB, 1981, pág. 39.
76
um atento seguimento por parte da diplomacia imperial de sua política interna e, sobretudo, de
suas relações regionais (o poderio chileno logo desponta com toda força) e internacionais,
como evidenciado pela análise atenta e pela reconstituição histórica cuidadosa de Villafañe.
Quando Luís Cláudio defendeu esta obra como dissertação de mestrado na UnB, lá se
vão praticamente mais de dez anos, reconhecendo imediatamente o valor do trabalho (que em
muito transcendia as modestas dimensões da monografia que normalmente se exige de um
candidato a mestre), eu lhe disse de chofre: “Mas isto é praticamente uma tese de
doutorado!”, o que lhe arrancou um sorriso de satisfação. Talvez por isso ele me tenha dado
agora o prazer de prefaciar um estudo original que merece, tanto quanto outras teses de
doutoramento porventura laborando em terreno virgem, figurar entre as obras de referência
fundamentais de nossa parca historiografia diplomática sobre as relações regionais.
A tese de doutoramento viria mais tarde, estando hoje consolidada num importante
trabalho sobre o Império e o interamericanismo, cobrindo o período que se estende do
congresso do Panamá, em 1826, até a primeira conferência americana de Washington, em
1889-1890 (na qual o Brasil entrou como monarquia e saiu como república). Dotada de igual
profundidade analítica e recorrendo a uma documentação primária que já lhe era familiar
desde meados dos anos 80, essa nova obra, sob o título de A Invenção do Brasil, promete
consagrar Luís Cláudio Villafañe Gomes Santos como o grande historiador de nossa
diplomacia para a América do Sul. Num momento em que o Brasil pretende criar um novo
sistema de relações regionais que supere o difuso conceito de América Latina em favor da
noção bem mais concreta de América do Sul, os estudos históricos de Luis Cláudio dão a base
indispensável a partir da qual analisar nossos interesses permanentes numa vasta região que
constituiu, nas palavras de Celso Lafer, nossa circunstância geográfica incontornável. Espero
que dentro em breve, com a possível publicação dessa nova obra em edição comercial, os
estudiosos dessa problemática possam ter a satisfação de ler a continuidade deste excelente
trabalho de pesquisa histórica que agora tive o privilégio de prefaciar.

Washington, 30 de outubro de 2001.

77
O império em ascensão (por um de seus espectadores)

Excertos do capítulo introdutório (p. 9-39) do livro


Manoel de Oliveira Lima:
Nos Estados Unidos, Impressões políticas e sociais
(Brasília: Senado Federal, 2009; 424 p.; edição original: 1899; texto completo disponível
neste link: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/1876OliveiraLimaNosEUABook.pdf)

Atenção: este livro contém cenas explícitas de racismo, registra manifestações de


apoio ao colonialismo europeu e demonstra simpatia, quando não conivência, com o
imperialismo americano. Mas não se assuste, caro leitor: não estou condenando o livro ab
initio. Estou apenas registrando o que poderia escrever a respeito desta obra algum acadêmico
progressista, adepto do estilo “politicamente correto” que passou a infestar as universidades
do mundo inteiro a partir de sua matriz americana. A esse título, algumas das “impressões” de
Oliveira Lima sobre o país que conheceu quando serviu como secretário da legação em
Washington, na última década do século XIX, são altamente incorretas, pelo menos nas
passagens que têm a ver com a questão racial, com o colonialismo europeu e com a expansão
da “nova Roma” imperial.
O livro apresenta conceitos “chocantes” a propósito dos negros americanos, ao mesmo
tempo em que o autor se mostra complacente em relação à crescente projeção imperial dos
EUA. No entanto, seria propriamente anacrônico selecionar frases de Oliveira Lima para um
“julgamento” contemporâneo, uma vez que toda obra desse gênero deve ser avaliada no
contexto histórico e ideológico que a viu nascer. Desse ponto de vista, este livro de ensaios
sobre a emergência econômica e geopolítica dos EUA representa um retrato fiel da potência
em construção. Em outros termos: o livro é inteiramente compatível com o Zeitgeist de
quando foram escritos os ensaios que o compõem, mais de um século atrás. Ele recolhe as
“impressões político-sociais”, mas também o perfil histórico e o itinerário econômico do
então nascente “império”, observações recolhidas ao longo dos anos nos quais serviu em
Washington o historiador pernambucano – de formação portuguesa – e iniciante na
diplomacia.
As afirmações de Oliveira Lima de apoio implícito à projeção imperial dos EUA, sua
complacência com o colonialismo ocidental na Ásia, na África e em partes do próprio
hemisfério americano e mesmo as frases de indisfarçável tolerância para com o racismo são o
“imposto” a pagar pelo fato de terem sido feitas numa época em que tais manifestações do
pensamento não apareciam como especialmente chocantes, e sim como expressões quase
78
“normais” da mentalidade de seu tempo. A ideologia dominante na época se caracterizava
pelo evolucionismo à la Herbert Spencer, pelo darwinismo social – que, obviamente, distorcia
completamente o sentido original da teoria da seleção natural, convertida em “sobrevivência
dos mais fortes” –, pela ideia de que as civilizações mais avançadas tinham de imprimir a
marca do “progresso” naquelas que ainda não tinham conseguido chegar à era industrial.
Doutrinas, enfim, que afirmavam a superioridade natural da raça branca sobre os povos
primitivos e as sociedades atrasadas. Os povos anglo-saxões tinham o dever moral de
contribuir para a elevação espiritual dos países periféricos, trazendo-os para o coração da
civilização industrial.
Este livro, que aproveita escritos de 1896 a 1899, publicados originalmente na Revista
Brasileira e no Jornal do Comércio (e que vem datado de Washington, em 11 de maio de
1899, embora impresso originalmente nesse mesmo ano, em Leipzig), constitui um apanhado
de comentários sociológicos (alguns deles impressionistas) sobre as razões do progresso
americano, no confronto com o atraso brasileiro. De fato, ao escrever sobre os Estados
Unidos, Oliveira Lima estava, na verdade, pensando no Brasil, como ele mesmo revela já na
introdução: “No Brasil fala-se ou muito bem ou muito mal dos Estados Unidos. Apontam-nos
os seus admiradores como o único modelo a seguir..., o melhor figurino a copiar nos mais
ligeiros pormenores, sem cogitarem da diferença dos meios, das respectivas tradições
nacionais e dos costumes de cada povo. Os seus detratores culpam-nos de todos os crimes,
desde a ambição devoradora de terras e de nacionalidades, até a corrupção política e social
mais desbragada.” O próprio Oliveira Lima não escondia sua opinião: “À parte os exageros
do fanatismo, a verdade está incomparavelmente mais com os primeiros.” Ele confessava,
talvez com pouco senso crítico, que pretendia ver o Brasil seguir o exemplo do “grande país
americano... no ingente progresso material, (...) no seu discernimento dos males da
demagogia, na tolerância, na paixão pelo estudo, na energia individual, na vontade
perseverante de atingir a perfeição.”
Foi Oliveira Lima quem deu início aos exercícios comparativos da longa série de
reflexões críticas que os intelectuais brasileiros do século XX efetuariam sobre as causas do
baixo desenvolvimento nacional, no confronto com a pujança dos EUA. Corrente, esta, que
seria continuada por figuras como Monteiro Lobato e que encontraria em Bandeirantes e
Pioneiros, de Vianna Moog, sua mais perfeita expressão weberiana. Ele o fez a partir de sua
atenta observação das realidades americanas, colocando-as inclusive em comparação com o
que já conhecia do velho continente: “Na América do Norte apoderou-se de mim, e a breve
trecho converteu-se numa quase obsessão, uma forte impressão do nosso atraso, que na
79
Europa eu nunca havia experimentado, acostumados como justamente andamos a considerá-la
um antiquíssimo campo de experiências e de progressos. Do outro lado do Atlântico, porém,
num país de civilização tão moderna quanto o Brasil, a comparação impõe-se
irresistivelmente, em nosso grave desabono...”.
Oliveira Lima oferece, portanto, sua interpretação dos Estados Unidos. Mas a sua
visão é a do intelectual preocupado primariamente com o Brasil: “eu apenas olhei para os
Estados Unidos com olhos de brasileiro, a saber, constantemente buscando o que de
aproveitável para nós poderia a meu ver resultar do exame e da confrontação”. Ele registra
sua “impressão de melancolia pelo muito que os Estados Unidos têm alcançado, e pelo pouco
que nós temos relativamente feito.” O rotundo diplomata – que mais tarde seria chamado de
Dom Quixote Gordo por Gilberto Freyre – poderia, legitimamente, ser considerado como o
primeiro, ou mesmo como “o” founding father dos americanistas brasileiros, não fosse pela
precedência histórica do chamado “pai da imprensa brasileira”.
Com efeito, um século à frente de Oliveira Lima, Hipólito José da Costa (antes de se
estabelecer na Inglaterra, fugindo da Inquisição portuguesa, e de ali editar seu Correio
Braziliense) viajou pela costa leste dos Estados Unidos a serviço do futuro Conde de
Linhares, tendo produzido um relatório sobre suas observações agrícolas, industriais e
botânicas naquele país. O jovem (24 anos) português nascido na Colônia do Sacramento e
criado em Rio Grande, escreveu também um Diário de Minha Viagem para Filadélfia, 1798-
1799, que não pode ser propriamente considerado um estudo de especialista, mas que é
certamente a primeira obra sobre os Estados Unidos escrita do ponto de vista de um
observador do Brasil, preocupado em trazer para a colônia lusitana as espécies vegetais e
animais e os melhoramentos técnicos que julgava poder contribuírem para o engrandecimento
de sua pátria de fato.
Exatamente um século depois de Hipólito da Costa, como resultado de mais de três
anos de suas próprias observações e andanças, Oliveira Lima fixava nos ensaios recolhidos
neste livro suas impressões políticas e sociais a respeito da extraordinária expansão então
experimentada pela já poderosa nação do Norte. Ao elaborar uma visão própria sobre a
pujança da potência norte-americana, ainda nos tempos de Cleveland e McKinley, o
historiador consolidou mais tarde sua análise das razões do “sucesso” americano,
comparativamente ao “fracasso” das ex-colônias ibéricas, em outros escritos sociológicos, a
partir de visitas aos EUA, numa era de triunfalismo rooseveltiano e wilsoniano. Assim foi
que, uma década e meia após seu primeiro exercício americanista, Oliveira Lima coletou a
série de lectures que ele proferiu em universidades dos Estados Unidos no volume The
80
Evolution of Brazil Compared with that of Spain and Anglo-Saxon America (1914), publicado
no Brasil como América Latina e América Inglesa: a evolução Brasileira comparada com a
Anglo-Americana. Tratou-se, neste caso, de uma abordagem essencialmente histórica, na qual
ele não deixou de consignar comentários de caráter sociológico sobre as diferentes vias de
desenvolvimento político, social e econômico seguidas nas diversas partes do hemisfério, com
a inevitável deferência às teorias racialistas então em voga.
Em suas memórias, Oliveira Lima lembraria que aprendeu bem mais sobre os EUA
durante os meses como lecturer em doze universidades americanas, em 1912, e nos seis
meses nos quais ele foi professor em Harvard, em 1915 e 1916, do que nos três anos
anteriores em Washington como Secretário de Legação. Na então rarefeita bibliografia
americana sobre o Brasil e também brasileira sobre os Estados Unidos, Oliveira Lima aparece
como uma ponte intelectual entre os dois países, exemplo, aliás, pouco replicado no decorrer
do século XX. Ele continuaria, mais tarde, suas reflexões histórico-sociológicas, ao colaborar,
desde a sua fundação, em 1918, com a Hispanic American Historical Review, criada por
historiadores da American Historical Association dedicados ao estudo da América Latina.
(...)
Nas suas primeiras “impressões” dos EUA, Oliveira Lima oferece análises pessoais
sobre diferentes aspectos da vida americana e da política externa daquele país; mas os ensaios
vêm sempre sustentados na bibliografia disponível em sua época e em materiais oficiais do
país. Os problemas selecionados são os que ele acredita possam apresentar relevância para o
Brasil, como ele próprio explica na introdução: “busco nos diferentes capítulos em que se
divide o volume – o problema negro, a imigração, a política externa, as virtudes nacionais, a
influencia feminina, o catolicismo americano, o figurino político – senão tratar, pelo menos
apresentar as questões que mais diretamente nos interessam ou nos dizem respeito, e cuja
solução ou aspecto nos Estados Unidos é capaz de oferecer-nos ensinamento.” (...)
No plano mais específico das comparações que poderiam ser feitas com o caso do
Brasil, a recomendação a ser feita é que este livro seja lido em paralelo com as lectures feitas
por Oliveira Lima em universidades americanas mais de uma década depois: The Evolution of
Brazil Compared with that of Spain and Anglo-Saxon America (Stanford, California
University Press, 1914, edited with introduction and notes by Percy Alvin Martin; com uma
edição brasileira inclusive antecipando sobre a americana: América Latina e América inglesa:
a evolução Brazileira comparada com a Hispano-Americana e com a Anglo-Americana; Rio
de Janeiro: Garnier, s.d.[1913]; o livro foi objeto de nova edição americana: New York:
Russell and Russell, 1966). As razões do avanço americano e as do nosso atraso relativo já
81
estavam inseridas, por assim dizer, nas estruturas da colonização desde vários séculos antes.
(...)
Oliveira Lima nos ajuda a ver, embora com argumentos que hoje tendem a ser
desconsiderados como “politicamente incorretos”, os fatores responsáveis por nosso lento
desenvolvimento material e sobretudo educacional. Vale a pena percorrer estas páginas e
constatar o que mudou e, em especial, o que não mudou, tanto nos EUA, como no Brasil
desde um século aproximadamente. As lições podem não ser todas agradáveis, mas elas são
certamente instrutivas...

Brasília, 18 de abril de 2008 (disponível em versão completa no link:


http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/1876OliveiraLimaNosEUABook.pdf)

82
Dos arquivos da história: o Itamaraty nas fontes primárias

Resenha conjunta de
Álvaro da Costa Franco (org.):
Com a palavra, o Visconde do Rio Branco: A política exterior no Parlamento imperial [1855-
1875]
(Rio de Janeiro: Centro de História e Documentação Diplomática; Brasília: Funag, 2005, 574
p.; disponível em pdf no site da Funag, link: http://funag.gov.br/loja/download/308-
Com_a_Palavra_o_Visconde_do_Rio_Branco_A_PolItica_Exterior_no_Parlamento_Imper
ial.pdf)

Brasil. Secretaria de Estado dos Negócios do Império e Estrangeiros:


O Conselho de Estado e a política externa do Império: Consultas da Seção dos Negócios
Estrangeiros, 1858-1862
(Rio de Janeiro: Centro de História e Documentação Diplomática; Brasília: Funag, 2005, xv +
450 p.)

José Antonio Pimenta Bueno; José Maria da Silva Paranhos; Sérgio Teixeira de Macedo:
Pareceres dos Consultores do Ministério dos Negócios Estrangeiros: 1859-1864
(Rio de Janeiro: Centro de História e Documentação Diplomática; Brasília: Funag, 2006, 244
p. disponível em pdf no site da Funag, link: http://funag.gov.br/loja/download/330-
Pareceres_dos_Consultores_do_Ministerio_dos_Negocios_Estrangeiros_1859-1864.pdf)

Suely Braga da Silva:


Paulo Nogueira Batista: o diplomata através de seu arquivo
(Rio de Janeiro: Cpdoc; Brasília: Funag, 2006, 136 p.)

Estes quatro volumes constituem novas e valiosas contribuições aos “garimpeiros” da


história diplomática do Brasil, ao disponibilizarem documentos originais e guias documentais
sobre fontes que esclarecem alguns elementos históricos negligenciados ou desconhecidos dos
pesquisadores contemporâneos. Dois deles trazem os carimbos dos arquivos do Itamaraty, na
verdade papéis de uma outra época, quando o velho ministério dos Negócios Estrangeiros
ainda não levava o nome pelo qual é hoje conhecido e sequer existia no palácio do Rio de
Janeiro. O primeiro e o último dos volumes foram garimpados em outras fontes,
respectivamente os anais da Assembleia Geral e do Senado, em determinados períodos do
Império, para o volume relativo ao Visconde do Rio Branco, e os arquivos pessoais do
Embaixador Paulo Nogueira Batista, tal como recolhidos mais recentemente ao Centro de
Pesquisa e Documentação Contemporânea (Cpdoc).
O Embaixador Álvaro da Costa Franco, diretor do Centro de História e Documentação
Diplomática do Ministério das Relações Exteriores no Rio de Janeiro, vem, ao longo dos
anos, coligindo, organizando e publicando os mais diversos materiais históricos relevantes

83
para o estudo da nossa diplomacia, grande parte nos Cadernos do CHDD, com a colaboração
de sua editora executiva, Maria do Carmo Strozzi Coutinho. Ambos, com a ajuda ocasional de
pesquisadores acadêmicos, têm sido incansáveis na recuperação e divulgação de velhos papéis
quase esquecidos na poeira dos arquivos diplomáticos brasileiros, reconhecidamente os mais
completos do mundo latino-americano (pois que recuperando muito do que tinha sido
produzido pela secular diplomacia portuguesa e que aqui aportou, nas bagagens da família
real, em 1808). Este trabalho de garimpo e lapidação deve ser ressaltado, pois é dele que
resultarão, nos anos à frente, novas interpretações do processo diplomático brasileiro durante
o Império e ao início da República, pois que ele fornece a documentação de base
indispensável à revisão fundamentada de análises já clássicas sobre esses períodos, assim
como para corrigir visões acadêmicas por vezes simplistas ou até enviesadas das realidades da
nossa diplomacia d’antanho.
A coleção dos discursos do Visconde do Rio Branco nas duas casas do Parlamento,
num longo espaço de vinte anos, entre 1855 e 1875, é precedida de uma brilhante, embora
curta, introdução do diplomata e mestre em história Fernando Figueira de Mello, que
contextualiza sua vida e seu papel nas relações exteriores do Brasil: cinco vezes ministro dos
negócios estrangeiros, antes jornalista voltado para os temas internacionais, em especial os do
Prata, e consultor do MNE, mesmo não tendo formação em direito (ele vinha de escolas
militares e era matemático de primeira linha). O interessante a destacar, nessa introdução é a
observação de que conceitos como “interesses vitais” do Brasil, “interesses essenciais” ou
“concretos” são constantes nos discursos do Visconde no Parlamento, “preocupação, aliás,
presente desde as Cartas ao Amigo Ausente, em que o jovem Paranhos, em diferentes
ocasiões, defendera uma política externa isenta de discussões partidárias” (p. 16). Figura neste
volume, entre as páginas 299 e 405, o célebre discurso sobre os eventos platinos que
conduziram à celebração do tratado de Tríplice Aliança, em 1865, enaltecido em crônica de
Machado de Assis sobre “O velho Senado”, no qual Paranhos defendeu durante sete horas
seguidas as motivações da política imperial para a região.
O segundo volume, relativo às consultas da seção dos Negócios Estrangeiros do
Conselho de Estado, entre 1858 e 1862, recolhe algumas peças importantes para o estudo de
questões da nossa diplomacia imperial, geralmente no que toca aos tratados de limites, às
relações consulares e contenciosos bilaterais sobre pedidos de indenizações de particulares.
Dois documentos tratam da organização do próprio MNE, numa época em que ele não
chegava a ter mais de duas dúzias de funcionários permanentes (incluindo alguns correios a
cavalo) e quando o Secretário Geral – figura importante em gabinetes que se sucediam em
84
notável rotatividade – era chamado de Oficial Maior. As maiores pendências com os vizinhos
eram relativas aos direitos de navegação, terreno no qual a diplomacia imperial mantinha,
como se sabe, posturas diversas no Prata e no Amazonas, em virtude da situação
completamente oposta do acesso por essas vias fluviais de importância internacional.
Curioso ler, por exemplo, numa consulta relativa aos tratados de comércio, navegação
e limites com a Venezuela, de 1852, que o país andino queria rever, este parecer do relator,
visconde do Uruguai, com ensinamentos talvez válidos para tempos ulteriores: “Nos governos
semelhantes ao de Venezuela, o governo não é, de fato, um ente moral, que se perpetua sem
atenção às pessoas. As pessoas são tudo. A administração seguinte rejeita o que fez a anterior,
sua antagonista, pela razão de que foi esta que o fez. Não é, por certo, justificável semelhante
razão, mas é por ela que se faz obra e, se é por ela que se faz obra e a não podemos aniilar,
cumpre ou ir com ela, ou não negociar um revés” (p. 16). Ou ainda: “Um governo
dificilmente concede hoje o que negou ontem” (p. 17). Lições para os dias de hoje?
A compilação de pareceres dos Consultores do MNE, de 1859 a 1864, onde ainda
aparece Paranhos, detentor, entre 1861 e 1865, do cargo por ele mesmo criado em 1859,
aprofunda o conhecimento disponível sobre a construção jurídica da nossa diplomacia
imperial, legatária de uma tradição de respeito ao direito internacional que foi seguida até
hoje na política externa brasileira. Abundam as reclamações e pendências de súditos e sobre
espólios particulares, hoje de importância menor no trabalho diplomático e consular, mas são
bem mais interessantes os textos relativos a tratados de limites, nos quais estão expostas
posições da diplomacia imperial – a do uti possidetis, por exemplo – que serão mantidas
durante longos anos, até a sua completa resolução, já na República. O primeiro parecer, da
lavra de Pimenta Bueno, depois marquês de São Vicente, toca no que se chamaria hoje, em
linguagem gattiana, de “tratamento nacional”, bem como na questão sempre difícil do
monopólio nacional em matéria de relações internacionais, contra a tendência sempre presente
de poderes subnacionais legislarem sobre o assunto: ele condena a legalidade dos impostos
sobre estrangeiros previstos em lei provincial da Bahia, de 1858, pedindo que as medidas
sejam revogadas, por “impolíticas e antieconômicas” (p. 22).
O quarto volume, finalmente, deixa para trás o século XIX e o campo dos documentos
oficiais para entrar no domínio dos arquivos pessoais, neste caso os do embaixador Paulo
Nogueira Batista. Trata-se de um guia da documentação depositada e disponível no Cpdoc,
com introdução e perfil biográfico que ressaltam a importância desse diplomata para a história
da nossa política externa, em geral, para a da política nuclear em particular. Outros assuntos
também comparecem nesse arquivo, como temas multilaterais (em Genebra e Nova York),
85
dívida externa e sua assessoria política, junto ao PMDB. Não são apenas documentos textuais
ou impressos, mas também audiovisuais, o que aumenta o interesse da coleção, na medida em
que estes são mais suscetíveis de reproduzir a “verdade do momento”, sem a autocensura
crítica que costuma permear produções do próprio punho, depois organizadas (e
eventualmente “selecionadas”) pelo seu autor. No portal do Cpdoc na internet
(http://www.cpdoc.fgv.br) é possível dispor-se de um breve resumo dos arquivos de PNB,
como era conhecido o primeiro presidente da Nuclebrás.
No conjunto, estes quatro volumes compilam importantes documentos e guias de
fontes que constituem subsídios primários relevantes ao pesquisador acadêmico ou ao simples
curioso de nossa história diplomática. A Fundação Alexandre de Gusmão do Ministério das
Relações Exteriores, em especial seu Centro de História e Documentação Diplomática, seus
responsáveis e pesquisadores associados merecem encômios pelas iniciativas já tomadas de
divulgação desses materiais relevantes, bem como pelas novas publicações que estão
certamente em preparação.

Brasília, 20 de fevereiro de 2007.


Inédito na versão integral; publicado em formato resumido no Boletim da ADB
(ano 14, n. 56, janeiro-março 2007; ISSN: 0104-8503, p. 13-14; obras editadas e publicadas
pela Funag, geralmente disponíveis em formato pdf no site da Funag.).

86
Rui Barbosa, diplomata

Resenha de
Carlos Henrique Cardim:
A Raiz das Coisas: Rui Barbosa, o Brasil no Mundo
(Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, 350 p.)

O patrono incontestável da diplomacia brasileira é o “sacrossanto” Barão do Rio


Branco, que deve figurar num pedestal do Itamaraty, à direita de Deus Pai, sem qualquer
concorrente à sua esquerda (e nenhum iconoclasta se apresentou até hoje).
No entanto, o famoso Juca Paranhos atingiu a categoria de mito, mais por ter
protagonizado algumas bem sucedidas negociações de fronteiras, numa fase de consolidação
dos limites geográficos da pátria, do que por ter formulado, propriamente, as bases
conceituais da moderna diplomacia brasileira. Por certo, ele sempre é referido quando se trata
da escolha sábia de procurar manter boas relações com o gigante hemisférico, ao mesmo
tempo em que se buscava cultivar, numa boa barganha de equilibrista, nossa interação com a
Europa, de maneira a preservar o rico patrimônio histórico trazido pelos novos imigrantes da
fase pós-escravidão.
Isso tudo, alertava o Barão, sem alienar nosso capital de altos e baixos com a
Argentina, que ele pretendia o mais alto possível, desde que garantida a “relação especial”
com os EUA da era Teddy Roosevelt, o tal que recomendava falar macio, mas carregar um
grande porrete para convencer os mais recalcitrantes. Rio Branco nunca o desaprovou, pelo
menos explicitamente.
Poucos se dão conta de que Rui Barbosa, o primeiro ministro da Fazenda da
República, deveria ser considerado o “pai intelectual” da moderna diplomacia brasileira: ele
deixou um legado de posições, hoje devidamente constitucionalizadas nos primeiros artigos
da Carta de 1988. Rui nunca foi um diplomata profissional, mas se o fosse, poderia ser
facilmente acomodado, com sua figura esguia e franzina, à esquerda de Deus itamaratiano,
como um legítimo complemento ao redondo Barão.
Esta monografia do Embaixador Cardim comprova que Rui foi muito maior do que o
registrado na literatura da nossa política externa, mesmo sem ter deixado alguma grande obra
centrada nessa problemática das relações internacionais.
Aliás, parece incrível, mas Rui não deixou nenhum livro publicado, sobre qualquer
tema, a despeito de suas “obras completas” – na verdade, coletâneas de artigos, estudos,
pareceres jurídicos e textos diversos, entre os quais muitos de temas internacionalistas –
87
perfazerem 160 volumes, cuidadosamente compilados pela Fundação que leva no seu nome
no Rio de Janeiro. Foi lá que Cardim mergulhou para escrever a mais completa obra sobre o
“diplomata” Rui Barbosa, um orador exímio.
Sua obra de ativo “internacionalista” está dispersa em centenas de artigos, pareceres,
discursos, orações e preleções jurídicas, tendo sido jurisconsulto, consultor e advogado das
boas causas: defendeu, por exemplo, o direito da primeira mulher que passou no concurso do
velho MRE a ingressar na carreira diplomática, numa fase de misoginia explícita contra as
poucas e corajosas candidatas. Sua mais importante ação diplomática está contida em
telegramas, na condição de chefe da delegação à segunda conferência internacional sobre a
paz mundial, realizada na Haia em 1907.
Rui fez uma “dobradinha” de alta qualidade com o Barão, que trocava frequentes
impressões com ele, em telegramas cifrados, sobre os rumos dessa conferência e as posições
que o Brasil deveria mais convenientemente adotar, em face do verdadeiro monopólio que as
grandes potências exerciam sobre a agenda internacional. Cardim selecionou os expedientes e
organizou um dossiê abrangente sobre a atividade e o pensamento de Rui em temas
internacionais, numa obra que já nasce clássica, se a distinção pode ser aplicada por um
simples resenhista.
Sua importância não parece ter sido reconhecida na diplomacia brasileira até
recentemente, quando uma sala, com o seu nome, foi inaugurada no novo palácio dos Arcos
em Brasília, bem mais conhecido como Itamaraty. Curioso que, a despeito da preeminência
do Barão nos anais da Casa, nenhuma de duas pesquisas recentes sobre as grandes
personalidades da história brasileira colocou Juca Paranhos entre os cinco primeiros. Em
ambas, figura Rui; numa delas em primeiro lugar, um justo reconhecimento pelo seu mérito
de verdadeiro modernizador do Brasil, desde cedo um opositor da tutela militar que insistiu
em preservar o poder moderador durante a maior parte da República.
Cardim nos traz aqui não exatamente o tribuno civilista e defensor da legalidade
democrática, mas o defensor da igualdade soberana das nações, que ocupa lugar de destaque
na moderna diplomacia brasileira. Poucos são os textos conhecidos dessa vertente diplomática
do famoso jurista baiano, que aqui aparecem pela primeira vez resumidos e interpretados por
um diplomata bibliófilo, que também é um acadêmico exemplar e um dos grandes editores de
livros acadêmicos já conhecidos na história editorial brasileira.
O livro ainda traz belas imagens de época – fotos e uma saborosa iconografia com
charges dos mais famosos humoristas brasileiros de um século atrás – e anuncia, além de

88
tudo, novos volumes sobre Rui Barbosa, internacionalista brasileiro, que a Fundação que leva
o seu nome publicará. Mas este, já é um livro de coleção...

Buenos Aires, 6 de janeiro de 2008.


Inédito em versão integral. Publicado em versão resumida na revista Desafios do
Desenvolvimento (Brasília: IPEA, ano 5, n. 39, janeiro 2008, p. 62)

89
Relações Brasil-Estados Unidos, na infância

Resenha de
Marcelo Raffaelli:
A Monarquia e a República: Aspectos das relações entre Brasil e Estados Unidos durante o
Império
(Rio de Janeiro: Centro de História e Documentação Diplomática; Brasília: Funag, 2006, 290
p.; ISBN: 85-7631-063-1; disponível no site da Funag:
http://funag.gov.br/loja/download/329-monarquia-e-a-republica.pdf)

Exemplo de síntese histórica, em sua objetividade e concisão, a compilação feita dos


despachos e ofícios trocados ao longo do século XIX pelos diplomatas dos dois países, com
suas respectivas secretarias de Estado, compõe um relato saboroso das relações bilaterais
entre os dois grandes do hemisfério. O autor é um diplomata experiente, com passagens por
diversas embaixadas e um longo estágio como funcionário do GATT. Aposentado, presidente
da Associação dos Diplomatas Brasileiros, ele não passou seu tempo livre a jogar bridge, e
sim a pesquisar em velhos arquivos empoeirados (os papéis americanos certamente em
formato de microfilme).
Organizado tematicamente, antes que cronologicamente, o livro cobre desde o
reconhecimento da independência brasileira até o fim do regime monárquico e a inauguração
da República no Brasil, bem recebida pelos Estados Unidos. O delicado equilíbrio entre os
poderes traçado na constituição de 1786 – mas cuja inspiração os founding fathers foram
buscar em Montesquieu – serviu de modelo para que Rui Barbosa e outros republicanos
tentassem mimetizar o sucesso americano, a começar pela designação da nova federação
como “Estados Unidos do Brazil” (assim mesmo, com “z”). Aparentemente, o molde
americano não frutificou por aqui.
A obra realiza uma descrição sintética de cada um dos chefes de missão e suas
respectivas instruções diplomáticas, o que permite contrastar a objetividade comercial dos
anglo-saxões com a generalidade dos objetivos brasileiros no gigante em formação. Ela
analisa ainda os problemas do tráfico escravo (abolido bem antes nos EUA, que se dedicaram
à “criação” de escravos) e alguns contenciosos diplomáticos trazidos pela guerra de Secessão.
Outro problema abordado é o da impossível abertura do rio Amazonas à navegação
internacional, reclamada por americanos e europeus, mas temida pelos dirigentes da
monarquia brasileira, numa posição diametralmente oposta às demandas brasileiras no Rio da
Prata, que era a única via de acesso às terras do Mato Grosso. Interessante à leitura são os

90
despachos nos quais os enviados em cada capital comentam características do povo e do país
no qual servem, com toda a franqueza dos papéis confidenciais.
No plano historiográfico, trata-se de um excelente resumo das fontes primárias, com
intenso apoio nos arquivos oficiais e em bibliografia equilibrada sobre essas relações. O autor
deixa falar os velhos papéis, o que contrasta saudavelmente com certas obras que, ao
pretender analisar a emergência da “nova Roma” da atualidade, descambam rapidamente para
teorias conspiratórias da história. Raffaelli produziu uma excelente síntese sobre as relações
entre os dois gigantes hemisféricos, antes que este gigante meridional pretendesse estabelecer
“relações especiais” com o Big Brother do norte, já na era do Barão do Rio Branco.

Publicado na revista Desafios do Desenvolvimento


(Brasília: IPEA-PNUD, n. 34, 14 de maio de 2007, p. 62)

91
O legado do Barão: Rio Branco e a moderna diplomacia brasileira

Resenha-artigo de
Rubens Ricupero; João Hermes Pereira de Araújo (organização):
José Maria da Silva Paranhos, Barão do Rio Branco: Uma Biografia Fotográfica, 1845-1995
(Brasília: FUNAG, 1995, 132 p.)

O “pai fundador” da moderna diplomacia brasileira


O Barão do Rio Branco é, incontestavelmente, um dos founding Fathers da moderna
diplomacia nacional, ou talvez mesmo a única personagem histórica brasileira capaz de
verdadeiramente representar, no terreno da política externa, o que poderíamos chamar de –
parafraseando a imagem que Euclides da Cunha empregou para caracterizar D. Pedro II em
Contrastes e Confrontos – um “epítome vivo do Brasil”. Em sua donairosa figura talhada
num estilo belle époque, ele condensa, presumivelmente, o que as tradições nacionais em
política internacional produziram de melhor na longa história institucional do Itamaraty.
Coincidentemente, sua permanência física no primeiro Palácio que leva esse nome, no Rio de
Janeiro – excetuando-se a curta gestão inicial do Chanceler Olinto de Magalhães (1899-1901),
que no entanto nele não residiu –, confunde-se com o próprio surgimento do Itamaraty
enquanto cenário da diplomacia brasileira, que foi ali forjada ao longo de sete décadas de
regime republicano.

O homem e o mito
Figura solitária no panteão quase deserto dos 174 anos de diplomacia nacional – onde
sobressaem-se, é verdade, algumas outras fortes personalidades, vindas entretanto do mundo
político, como Oswaldo Aranha, Raul Fernandes, João Neves da Fontoura, Afonso Arinos de
Mello Franco ou San Tiago Dantas –, o Barão é, simultaneamente, uma figura emblemática e
o marco fundador de uma política externa posta manifesta e exclusivamente a serviço dos
interesses nacionais. Tendo primeiro construído, segundo suas próprias palavras, “o mapa do
Brasil”, ele pode dedicar-se depois à difícil tarefa de consolidar a união e a amizade dos
povos sul-americanos. Pragmático, antes de mais nada, no sentido de não ater-se a princípios
rígidos de atuação diplomática – privilegiando a arbitragem ou a negociação direta, segundo o
que melhor conviesse no momento em causa –, mas profundo conhecedor do direito
internacional e da história e geografia brasileiras, o Barão permanece praticamente solitário
nessa condição de demiurgo de nossa política externa, descontando-se, eventualmente, as

92
míticas figuras ancestrais, mas eminentemente simbólicas, de Alexandre de Gusmão e do
“Patriarca da Independência”, Bonifácio de Andrada.
A reverência para com ele, na Casa, é de praxe, como bem sabem os poucos
iconoclastas localizados (e provavelmente isolados pelos demais colegas): não se fala do
Barão como de um “simples” chanceler. Ele sempre foi bem mais do que isso: rara
combinação de forjador da unidade territorial brasileira e de mentor de uma diplomacia
imaginativa, afirmativa e supostamente clarividente – no estabelecimento da chamada
“aliança não-escrita” com os Estados Unidos, por exemplo –, o “mito” do Barão há muito
extrapolou o âmbito restrito do serviço exterior brasileiro e mesmo os limites geográficos do
território nacional.
Na verdade, o mito já existia antes que sua elegante figura – quase que diretamente
saída, poder-se-ia dizer, de um dos romances de Eça de Queiróz –, ocupasse durante
praticamente uma década inteira (e quatro presidências) o velho Palácio do Itamaraty do Rio
de Janeiro: sua recepção triunfal no porto do Rio de Janeiro, chegando de um “exílio” de
quase um quarto de século na Europa para ocupar o posto ministerial oferecido por Rodrigues
Alves, atestou o quanto a pátria era reconhecida ao defensor vitorioso de nossas pendências
lindeiras em casos de difícil comprovação de um direito “original” ao território contestado.
Exemplos de sua incrível capacidade em reverter em benefício do País casos de difícil solução
pelas vias “normais” de solução de controvérsias são encontrados no encaminhamento das
delimitações de fronteiras com a Argentina – com a qual um primeiro acordo desastradamente
costurado por Quintino Bocaiúva não tinha conseguido passar pelo crivo do Congresso – e
com a Bolívia, aqui envolvendo reconhecidamente cessão e compra de território estrangeiro:
combinando habilmente o recurso ao uti possidetis – em áreas cuja comprovação de posse
efetiva teria sido difícil a outrem que não o eminente conhecedor dos mais diminutos
recônditos da ocupação colonial lusa e bandeirante – com doses variadas de argumentação
diplomática e de firme persuasão, o Barão (mero Cônsul em Liverpool no primeiro caso)
assegurou para o Brasil vitórias consagradoras em dois difíceis litígios.

Carisma e diplomacia
A figura patriarcal do “velho” Barão constitui, para a diplomacia brasileira, um
excelente exemplo do que, na terminologia sociológica weberiana, chamaríamos de “liderança
carismática”, ou seja, uma autoridade inconteste dotada de suas próprias fontes de
legitimidade intrínseca, baseada na experiência e no saber. O Itamaraty como um todo, aliás,
sempre foi afirmativamente weberiano, ainda que malgré-lui: tendo começado a funcionar sob
93
uma sociedade manifestamente “patrimonialista”, a Casa adquiriu sua aura de prestígio sob a
administração decididamente “carismática” do Barão. No século XX, ela soube acompanhar o
processo de modernização do Estado, passando por diversos experimentos de racionalização
burocrática — de inspiração “daspiana” ou autônoma — para afirmar sua crescente
profissionalização, segundo o modelo da administração “racional-legal”, por intermédio do
Instituto que leva o nome do patrono da Casa, criado em 1945.
O Itamaraty passa e repassa, constantemente, toda a tipologia do mestre de
Heidelberg, combinando carisma e poder, tradição e burocracia, segundo um modelo no qual
a própria burocracia diplomática apresenta-se como carismática, em face das demais
corporações do Estado: cultiva-se muito, dentro e fora da Casa, o mito da excelência. Por
outro lado, ele tampouco deixa de ter uma espécie de iron cage: uma personalização
extremamente rebuscada das relações de poder dificulta, em última instância, a rotinização do
diplomata brasileiro, isto é, a institucionalização definitiva da carreira, esse obscuro objeto do
desejo da maior parte dos diplomatas.
Em todo caso, se alguma vez praticamos no Brasil o culto a uma personalidade
política qualquer, essa palma reverte integralmente ao Senhor Barão, já que o candidato
alternativo – ou melhor dito, oficial –, Getúlio Vargas, não pode razoavelmente ter sua
preeminência histórica derivada “geneticamente” de algum entusiasmo espontâneo das
“grandes massas”, sendo antes o resultado de um processo largamente conduzido a partir do
alto, isto é, da própria máquina do Estado, com fins claramente orientados à popularização do
estadista gaúcho.
Em contraste com a personalidade exuberante do caudilho gaúcho, o Barão foi um
“retraído” político e um homem de estudo, mais afeto aos gabinetes de leitura do que aos
ministeriais: ele nunca buscou a promoção autodirigida ou outra causa que não a da defesa
silenciosa e constante dos interesses do Brasil no exterior e no trato com nossos vizinhos
imediatos. Longe dele a propaganda pessoal ou a busca de cargos políticos: seu próprio estilo
de vida e necessidades familiares o teriam isolado em missões burocráticas do trabalho
consular ou de representação diplomática, não fosse a lembrança benevolente dos amigos e a
reputação adquirida nas negociações de fronteira a tirá-lo de postos relativamente periféricos
no exterior para guindá-lo às honras de um ministério ele mesmo colocado no centro das
atenções nacionais e regionais.
A despeito de sua proverbial oposição ao ingresso de mulheres e de um certo arbítrio
na seleção (pessoal) dos candidatos à carrière – explicáveis porém em termos de Zeitgeist –, o
Barão é parte indissociável do “inconsciente coletivo” dos diplomatas brasileiros, referência
94
incontornável da história diplomática nacional, presença obrigatória nos estudos conduzidos
em sua academia profissional – que aliás leva o seu nome e acaba de comemorar os 50 anos
da formação de sua primeira turma de alunos –, uma espécie de “espírito-que-anda” nos
salões e corredores do Itamaraty e paradigma incontestado da “boa” política externa, ainda
que segundo os padrões clássicos, e talvez algo antiquados, da prática diplomática. Na
historiografia diplomática brasileira existe claramente um AB. e um DB, antes e depois do
Barão, mesmo se o culto à personalidade não chega às raias do sagrado. Em todo caso,
nenhum “rito iniciático”, nenhuma “prova de passagem” ou teste de “idade adulta”, se pode
fazer, na Casa de Rio Branco, sem algum tipo de referência, remissão, citação ou alusão ao
velho Barão. Tanta unanimidade poderia fazer sorrir o incauto, um outsider pouco afeto a
nossas idiossincrasias diplomáticas ou algum “estranho no ninho”, mas não causa maior
espécie ou surpresa aos habitués do Itamaraty: afinal de contas, o Barão é o próprio Itamaraty
e a imagem do Itamaraty só se construiu, no século XX, a partir da figura e da gestão dessa
personagem ímpar da transição monárquico-republicana do Brasil. No dizer de um diplomata
argentino da primeira metade do século: Rio Branco “era el Brasil mismo”. Em suma, Barão
só tem um em toda a história brasileira: é Rio Branco, ponto final.

Memória fotográfica do Barão


Para comemorar os cento e cinquenta anos de seu nascimento, a Fundação Alexandre
de Gusmão, do Itamaraty, sob a presidência do Embaixador Baena Soares, ex-Secretário-
Geral do Ministério das Relações Exteriores e ex-Secretário-Geral da Organização dos
Estados Americanos, organizou em 1995 uma primorosa exposição de fotografias, cujo
sucesso se deveu muito ao entusiasmo da Chefe da Mapoteca do Itamaraty no Rio de Janeiro,
Sra. Maria Marlene de Souza. Essa rica coleção fotográfica, exibida no Palácio Itamaraty de
Brasília por ocasião das festividades do dia do diplomata (coincidentemente comemorado
todo dia 20 de abril, natalício do Barão), serviu por sua vez de suporte iconográfico ao
magnífico volume organizado pelo embaixador João Hermes Pereira de Araujo (igualmente
autor das legendas das fotos) em torno da vida de José Maria da Silva Paranhos: Barão do Rio
Branco, Uma Biografia Fotográfica,1845-1995, com texto do embaixador Rubens Ricupero.
O livro, carinhosamente preparado e editado pelos herdeiros espirituais e institucionais
do Barão, corresponde inteiramente ao que dele se anuncia no título: combina com rara
felicidade texto e imagem, para oferecer uma biografia ilustrada do assim chamado patrono da
diplomacia brasileira. Os marcos cronológicos indicados são inteiramente preenchidos, pois
que, à preciosa reconstituição do itinerário pessoal, intelectual e profissional do Barão, nos
95
limites cronológicos de sua existência (1845-1912), segue-se uma reflexão sobre a influência
de seu pensamento e ação nas décadas posteriores (o “destino do paradigma”), um capítulo
comportando uma indagação pertinente, e contemporânea (“o que faria o Barão hoje?”),
finalizando com uma avaliação global da grande personagem histórica (“contrastes e
confrontos”). O autor da excelente biografia comentada que acompanha (ou melhor, que
sustenta soberbamente) a sucessão de fotos e caricaturas coletadas especialmente para esta
edição, o embaixador Rubens Ricupero, tinha todas as qualificações intelectuais e
profissionais para retraçar com maestria a vida e a obra da “esfinge Rio Branco”, segundo ele
o “último grande representante da escola de estadistas do século XIX brasileiro”.
As “afinidades eletivas” de Ricupero com a personalidade moral e intelectual do
Barão o levam, aliás, um pouco mais além da mera reconstituição biográfica, já que foi ele
próprio professor de história diplomática do Brasil e de relações internacionais
contemporâneas, no Instituto Rio Branco e na Universidade de Brasília. Reconhecidamente
um dos melhores idealizadores e formuladores da política externa governamental – com forte
ênfase na área americana – e um de seus pensadores mais abalizados, Ricupero completou, de
uma certa maneira, a obra do Barão, ao contribuir, por meio de um arcabouço jurídico de
notória complexidade (Tratados da Bacia do Prata e de Cooperação Amazônica, início do
processo de integração Brasil-Argentina), com os processos de aprofundamento da
cooperação e interdependência entre Estados que tinham seu relacionamento baseado, até
então, no mero reconhecimento mútuo das fronteiras traçadas por Rio Branco. Não fosse o
arriscado e talvez o inadequado da comparação, poderíamos chamá-lo de “George Kennan
brasileiro”, no sentido de ser Ricupero um diplomata sobretudo conceitual, preocupado em
não apenas enquadrar sua atuação profissional num determinado contexto filosófico e moral,
mas também em dar-lhe uma perspectiva histórica de mais largo alcance, ao estilo da “longa
duração” cara a Fernand Braudel (não por acaso, Ricupero é igualmente o presidente do
Instituto de Economia Mundial, de São Paulo, que leva o nome do grande historiador
francês).
Ninguém melhor do que Ricupero poderia, portanto, apresentar de maneira inovadora
os principais lances de uma vida a serviço do Brasil, assim como os elementos mais
relevantes de um pensamento diplomático feito de rupturas e continuidades, de tradição e
modernidade. Ele não se contenta, entretanto, em recolher episódios pessoais ou exemplos de
desempenho profissional contidos nas conhecidas biografias dedicadas ao Barão – das quais
as mais conhecidas são, sem dúvida, a de Álvaro Lins e a de Luiz Viana Filho –, ou os
julgamentos por vezes peremptórios encontrados em obras como as de Oliveira Lima,
96
considerado uma espécie de “anti-Rio Branco”: segundo esse autor contemporâneo do Barão,
“se a sua alma tinha refolhos, a sua inteligência era toda banhada em luz”.
Ricupero oferece, antes de mais nada, uma reflexão pessoal sobre o papel do Barão no
contexto histórico da diplomacia brasileira em sua época, marcada pela transição entre uma
monarquia segura de si, num mundo ainda largamente dominado por realezas e sistemas
dinásticos, e um regime republicano hesitante e incerto de sua legitimidade original, desejoso
de inserir-se na supostamente “solidária” família americana e buscando exemplo e emulação
na grande República da América do Norte. Nesse particular, Rio Branco, um “monarquista de
formação e gostos europeus”, teria feito, segundo Ricupero, uma “opção preferencial pelos
Estados Unidos”, visto como o grande aliado no relacionamento com as potências
predominantes do sistema mundial no começo do século XX (não obstante o fato de um
grande amigo de Rio Branco, Eduardo Prado, ter escrito um forte libelo “anti-imperialista”, A
Ilusão Americana). Razões econômicas, ademais de geopolíticas, certamente não faltaram
para justificar a escolha do “novo paradigma” de nosso relacionamento externo: desde 1870
os Estados Unidos compravam mais da metade das exportações brasileiras de café e, na
virada do século, 60% da nossa borracha.

Atualidade de Rio Branco


O que cativa particularmente no texto de Ricupero, e o que nos interessa
especialmente reter aqui, não é tanto o itinerário pessoal de uma vida nômade a serviço do
Estado brasileiro, os lances gloriosos na confirmação (ou na própria construção) de nossas
fronteiras ou, ainda, o pensamento político de um monarquista conservador típico do século
XIX, mas, sobretudo, o significado de sua diplomacia original (mas ainda eivada de
características oitocentistas) para os problemas de nossa época e para os desafios do
momento. Deixando de lado, por dificuldades práticas e óbvios óbices políticos, a
“antecipação [talvez utópica] do futuro” consubstanciada no projeto de Pacto ABC., esquema
de não-agressão, entendimento e cooperação entre os três maiores países sul-americanos que
deveria complementar, na visão do Barão, a “aliança não-escrita” com os Estados Unidos,
Paranhos já vislumbrava para o País um importante papel mundial. Em artigo ao Jornal do
Comércio ele dizia:
Desinteressando-se das rivalidades estéreis dos países sul-americanos,
entretendo com esses Estados uma cordial simpatia, o Brasil entrou resolutamente
na esfera das grandes amizades internacionais, a que tem direito pela aspiração de
sua cultura, pelo prestígio de sua grandeza territorial e pela força de sua população.

97
Muito embora território e população não sejam, hoje em dia, critérios exclusivos de
afirmação internacional, a visão do mundo do Barão tem muito a ver com o encaminhamento
dos principais desafios enfrentados hoje pelo Brasil. Ele tinha consciência do limitado poder
de projeção externa do País e por isso mesmo, ainda que recusando o militarismo, era um
“partidário ativo”, como coloca Ricupero, “da modernização das forças armadas, tendo seu
nome ficado ligado ao programa de renovação da frota”. Não proclamava, contudo, a
necessidade de “armamentos formidáveis” ou a “aquisição de máquinas de guerra colossais”:
tratava-se, tão simplesmente, de cuidarmos “seriamente de organizar a defesa nacional,
seguindo o exemplo de alguns países vizinhos”. Ele descartava as pretensões à preeminência
de alguns países latino-americanos – usando palavras como “loucura das hegemonias” ou
“delírio das grandezas” – e voltava a afirmar sua convicção íntima:
Estou persuadido de que o Brasil do futuro há de continuar invariavelmente a
confiar acima de tudo na força do Direito e, como hoje, pela sua cordura,
desinteresse e amor da justiça, a conquistar a consideração e o afeto de todos os
povos vizinhos em cuja vida interna se absterá de intervir.

Sua intenção de conquistar para o Brasil, com a retórica e a força da argumentação


de Rui Barbosa, uma cadeira permanente na Corte Internacional de Justiça – então em
discussão na segunda conferência da Paz da Haia, em 1907 – logo chocou-se com a proposta
“oligárquica” que defendiam as grandes potências imperiais, inclusive os Estados Unidos. O
episódio, humilhante para o País na visão de Rio Branco, não é destituído de ensinamentos,
como lembra Ricupero, para o debate atual em torno da reforma da Carta da ONU e da
eventual assunção do Brasil a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança. Sem
qualquer consulta prévia ou consideração diplomática, Estados Unidos, Grã-Bretanha e
Alemanha relegaram o Brasil a uma terceira categoria (membros não-permanentes), ainda
inferior a países europeus menos populosos.
O Barão, tentando de diversas maneiras salvar o prestígio e a honra do Brasil,
sugeriu várias fórmulas alternativas (indicação de um juiz por cada país membro, para seleção
ulterior em função dos casos, como num painel do GATT; designação de representantes
permanentes para cada um dos três maiores países sul-americanos, Argentina, Brasil e Chile,
e um quarto, rotativo entre os demais; constituição de um tribunal com 21 membros, sendo 15
permanentes para os países com mais de dez milhões de habitantes), sem lograr contudo
nenhum avanço; pior: essas mudanças de posição “nos estavam fazendo perder terreno junto
aos latino-americanos e aos países europeus menores”.
Atendendo então à tese igualitária, desde o princípio defendida por Rui, Paranhos
assume uma posição de rejeição a compromissos que implicassem a existência de nações de
terceira, quarta ou quinta ordem:
Agora que não mais podemos ocultar a nossa divergência [com as potências
europeias e com os Estados Unidos], cumpre-nos tomar francamente a defesa do
nosso direito e do das demais nações americanas. Estamos certos de que Vossência

98
[Rui] o há de fazer..., atraindo para o nosso país a simpatia dos povos fracos e o
respeito dos fortes.

Assim, a despeito de uma tentativa inicial de colaboração e de entendimento com os


Estados Unidos, lembra Ricupero que o “choque com a posição americana tornou-se frontal e
o Brasil assumiu a liderança dos países latino-americanos e de países menores europeus na
luta pela igualdade”. O Barão teve de constatar os limites da política de cooperação, a
primazia da diplomacia do poder e a própria “opção preferencial” dos norte-americanos pelas
grandes potências europeias.

Integração hemisférica e questão social no Brasil


Na vertente econômica, de outra parte, o Brasil do final do século XIX era mais
favorável do que os demais países latino-americanos ao projeto americano de estabelecimento
de uma união aduaneira do Alasca à Terra do Fogo, a que se opunha veementemente, por sua
vez, a Argentina, muito mais vinculada aos interesses comerciais e financeiros britânicos.
Atualmente (e não apenas no terreno econômico), parece ter ocorrido, no dizer de Ricupero,
uma “inversão de papéis”, segundo a imagem coreográfica do changez de place: a Argentina
de Menem apressou-se, por exemplo, em saudar a “Iniciativa para as Américas” de George
Bush e em manifestar-se candidata a ingressar no Nafta, de Bill Clinton, enquanto o Brasil
mantinha a natural reserva diplomática de um global trader.
É bem verdade que a dependência da exportação primária e a questão crucial do
acesso ao mercado norte-americano para nosso principal produto da pauta comercial ditavam
em grande medida, um século atrás, o interesse brasileiro nesse tipo de aproximação, situação
bem diferente da relativa diversificação geográfica e de oferta exportadora de hoje em dia.
Armado de um pragmatismo exemplar, o Barão não hesitaria em subscrever, nesse como em
outros casos, uma diplomacia adaptável às circunstâncias de cada momento, unicamente
comprometida com o interesse nacional, que ele soube encarnar como poucos no decorrer da
história nacional.
Seu biógrafo e “inimigo cordial”, Oliveira Lima, sublinha que, em Rio Branco, “o
interesse pessoal se confundia com o público, assim como sua personalidade mergulhava toda
na nacionalidade”. Longe da pátria, na Europa, o Barão – consoante seu lema Ubique Patriae
Memor, “em todo lugar lembrar-se da Pátria” – continuava ocupando-se continuamente da
terra natal, lendo e anotando livros e mais livros de e sobre nossa história. Jovem pesquisador
de história do Brasil, ele tinha sido eleito para o Instituto Histórico e Geográfico em 1867, aos
22 anos, nele permanecendo como sócio ativo até seu falecimento.
Seu Esquisse de l’Histoire du Brésil, destinado a integrar o volume Le Brésil en
1889, preparado para a Exposição Universal de Paris, revela muito dessas leituras cuidadosas
das obras de viajantes e observadores estrangeiros, assim como das dos cronistas portugueses
da era colonial. Consciente de uma das principais deficiências sociais brasileiras de então, ele

99
dedica largas passagens desse livro ao problema da escravidão e sua abolição, consumada
praticamente no momento em que o terminava de escrever. Da mesma forma como o
dramático problema social brasileiro do final do século XX, o parágrafo final dessa obra de
cem anos atrás soa curiosamente atual:
Nos últimos quarenta anos, ... o Brasil fez grandes esforços... para difundir a
instrução, melhorar o nível do ensino, para desenvolver a agricultura, a indústria e o
comércio, tirando partido das riquezas naturais... Os resultados obtidos ... são já
consideráveis. Em nenhuma parte do continente americano, salvo nos Estados
Unidos e no Canadá, a marcha do progresso tem sido mais firme e mais rápida.

A perspectiva promissora traçada pelo Barão do Rio Branco para o Brasil


monárquico de então demorou (e ainda demora) certo tempo para ser cumprida, em grande
medida devido precisamente à abolição tardia do regime da escravidão e sua preservação de
fato, ainda que em forma disfarçada, nas relações sociais de produção de regiões inteiras de
seu vasto hinterland, quando não no coração mesmo de zonas urbanas. A permanência de um
ancien Régime nas estruturas sociais de dominação e de apropriação do Brasil tem algo a ver,
aliás, com a visão conservadora da cidadania ostentada mesmo por personalidades de refinada
educação europeia como o Barão. Ainda que ele não tenha sido um positivista e muito menos
um jacobino republicano, ele certamente concordaria com o princípio inspirador do regime
então inaugurado: o progresso, sem dúvida, mas a ordem antes de mais nada.
Em que pese esse conservadorismo social, em matéria de política externa o Barão
foi propriamente um revolucionário: sua visão funcional e pragmática do relacionamento
internacional do País e seu legado inovador na prática da política externa constituem,
evidentemente, meios seguros para converter a diplomacia profissional e especializada de
nossos dias num instrumento eficaz de desenvolvimento econômico e social do Brasil. Para
isso, e finalizando com um conceito utilizado por Ricupero, precisamos ter, como o Barão,
um “grande desígnio de política exterior”, suscetível de converter-se em novo paradigma de
nossa diplomacia. Agora, como nos tempos do Barão, o critério básico matem-se o mesmo: a
inserção soberana do País na ordem econômica e política internacional. Quase cem anos
depois de concebido por seu mentor intelectual, o modelo fornecido por Rio Branco
permanece vigorosamente atual.

Brasília, 26 de abril a 2 de maio de 1996.


Publicado na Revista Brasileira de Política Internacional
(Brasília: vol. 39, n. 2, julho-dezembro de 1996, p. 125-135).

100
O Barão, em todos o seus estados...

Resenha conjunta de
Manoel Gomes Pereira (editor), José Maria Paranhos da Silva Jr.:
Obras do Barão do Rio Branco, 12 volumes
(Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012; ISBN: para cada volume)

Manuel Antonio da Fonseca Couto Gomes Pereira (organizador):


Barão do Rio Branco: 100 Anos de Memória
(Brasília: Funag, 2012, 748 p.; ISBN: 978-85-7631-413-4)

Luís Cláudio Villafañe Gomes Santos (curador):


Rio Branco: 100 anos de memória
(Brasília: Funag, 2012, 80 p.)

Ângela Porto (organizadora):


Barão do Rio Branco e a caricatura: coleção e memória
(Brasília: Funag, 2012, 176 p.; ISBN: 978-85-7631-414-1)
(arquivos digitais disponíveis no site da Funag)

No ano em que se comemorou o centenário da morte do Barão, as editoras


comerciais brasileiras estiveram estranhamente contidas na publicação de obras dele ou
sobre ele. De interessante, registramos apenas o livro de Luís Cláudio Villafañe Gomes
Santos, O evangelho do Barão: Rio Branco e a identidade brasileira, publicado por
uma editora universitária (a Unesp) e objeto de pequena nota no Prata da Casa do n. 78
(julho-agosto-setembro de 2012) do Boletim da ADB. Em compensação, a Funag, por
razões mais do que óbvias, primou pela presença editorial e pela qualidade do material
produzido, sendo acompanhada no belíssimo empreendimento pelo Centro de História e
de Documentação Diplomática, em sua série de Cadernos do CHDD.
Comecemos pela republicação de suas obras (mais que) completas, um projeto
que recebeu um cuidado especial do seu editor, embaixador Manoel Antonio da Fonseca
Couto Gomes Pereira. Todo o mérito lhe cabe por ter, não apenas mandado redigitar,
corrigir e melhorar todos os nove volumes originais (em dez tomos numerados), bem
como o volume introdutório (não numerado), mas também por ter encomendado a
diversos especialistas novas apresentações e introduções a esses volumes, além de um
décimo volume dedicado inteiramente aos artigos de imprensa, numerosos, só perdendo
em volume para os dois tomos das efemérides brasileiras. Poucas bibliotecas
universitárias, nem mesmo grandes bibliotecas públicas, tinham o privilégio de possuir
a coleção preparada em 1944-45, divulgada no centenário do seu nascimento (e até
101
1948), quando também se criou o Instituto Rio Branco e foi publicada a biografia
assinada por Álvaro Lins, encomendada pelo MRE (mas preparada em toda autonomia
intelectual). Todas essas instituições, mais o público interessado, podem ter acesso
agora aos muitos quilos deste pacote monumental, belo em sua apresentação, riquíssimo
em seus novos conteúdos, inteiramente editado em português, e com todos os mapas.
Com efeito, as novas apresentações são primorosas e valeriam uma reedição
exclusiva, integrando-as num volume suplementar, a começar pela “introdução da
introdução”, isto é, a “releitura” da Introdução original, antes assinada por um discípulo,
Araujo Jorge, agora por um herdeiro intelectual, o embaixador Rubens Ricupero. Todos
os demais volumes (à exceção do segundo tomo das efemérides) trazem, portanto,
apresentações ou textos introdutórios totalmente inéditos (à exceção, novamente, das
Efemérides, já objeto de uma apresentação do embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa,
para uma edição anterior do Senado Federal). O primeiro volume, por exemplo, recebe
um estudo do historiador e professor do IRBr, Francisco Doratioto, sobre a questão de
Palmas. Os três volumes seguintes, sobre as questões de limites com a Guiana Inglesa e
as duas memórias sobre a Guiana francesa, foram traduzidas do francês, e mereceram
brilhantes apresentações do historiador José Theodoro Mascarenhas Menck e do
diplomata-historiador Gonçalo de Barros Carvalho e Mello Mourão.
O Barão escreveu sua Mémoire sur... la Guyane Britannique praticamente como
uma extensão de sua redação do caso da Guiana francesa, e ela seria a base das três
memórias, em 18 volumes, que Joaquim Nabuco escreveria para a pendência arbitral
com a Grã-Bretanha. A despeito da riqueza do material e da justeza da causa brasileira,
a solução dada pelo rei italiano foi recebida com indignação no Brasil, daí a disposição
do Barão em passar, doravante, a negociar diretamente os novos litígios fronteiriços. A
disputa com a França era bastante complicada, e o Barão dedicou imensos esforços na
coleta de material primário e no ordenamento de seus argumentos; ainda assim ele se
queixou de não poder preparar “nem a quarta parte do que poderia ter dito se com vagar
pudesse preparar a nossa defesa” (III, p. 31).
As seis exposições de motivos do vol. V, dedicadas aos tratados e convenções
que o Barão negociou com a Bolívia, Equador, Colômbia, Peru, Uruguai e Argentina,
são apresentadas pelo embaixador Synesio Sampaio Goes Filho, que observa que o
Barão negociou, ademais, um tratado com a Holanda sobre o Suriname, não constante
desse volume, sem mencionar o curioso fato do tratado de 1904 com o Equador
(condicionado, porém, ao seu ajuste com o Peru), depois nulificado pelos eventos de
102
1942. Os dois grossos volumes das Efemérides integram as notas sobre os eventos
históricos do dia que o Barão preparava regularmente e que foram publicadas, em sua
maior parte, no Jornal do Brasil, criado em 1891; as inéditas foram depois publicadas
por Lauro Muller, mas o Barão foi atualíssimo, chegando a mencionar os funerais de D.
Pedro II em Lisboa, em 12 de dezembro de 1891.
As quatro biografias do vol. VII – os combatentes na Cisplatina, capitão de
fragata Luís Barroso Pereira, barão do Cerro Largo e o almirante James Norton, e a do
visconde, seu pai – são apresentadas pelo embaixador Carlos Henrique Cardim, que
relembra que estes trabalhos poderiam ser vistos na perspectiva da história militar e
diplomática que o Barão prometia fazer e que nunca pode cumprir; todos eles foram
publicados em revistas, por ele ou posteriormente (o do pai), este na Revista Americana,
que ele mesmo havia criado para acolher os grandes intelectuais do Brasil e da região.
Cardim lembra, ainda, que Rio Branco tinha perfeita consciência dos erros cometidos
por Portugal e da necessidade de estabilizar as fronteiras do Sul, o que ele de fato fez.
Os quatro estudos históricos do vol. VIII foram introduzidos pelo embaixador
Sérgio Bath, que aliás traduziu o Esquisse da história do Brasil que o Barão tinha feito
para a Exposição Universal de Paris de 1889, e que já tinha sido publicado em 1992. O
ultimo volume (IX) da coleção original contem todos os discursos que foi possível
arrebanhar, em 1944, pelo diplomata Roberto Assumpção, e novamente introduzidos
pelo curador da coleção de 2012, embaixador Manoel Gomes Pereira: são 52 discursos,
desde 1869, como deputado na Assembleia Geral do Império, até o último, de 1911, no
Clube Militar, quando se inaugurava o quadro a óleo com o seu retrato; eles sintetizam a
imensa atividade de Paranhos Jr, como político, como historiador, como diplomata e,
sobretudo, como homem de ação, mais talvez do que um teórico de academia. O décimo
volume da coleção atual, contendo os artigos de imprensa, foi organizado pelo próprio
curador, novamente, mas conta com prefácio do embaixador Álvaro da Costa Franco,
infatigável organizador de várias outras obras do e sobre o Barão, já publicadas nos
Cadernos do CHDD, com destaque para um número especial (segundo semestre de
2012) com artigos antigos e atuais, discursos e palestras, coletados pelo curador da
coleção geral. O Barão, agora, está praticamente completo, a não ser que apareçam
inéditos extraviados (no exterior, por exemplo), ou memórias desconhecidas...
A outra publicação relevante de 2012 é a obra coletiva Barão do Rio Branco:
100 Anos de Memória (Brasília: Funag), que recolhe, sob a coordenação do mesmo
curador das obras completas, todas as contribuições ao seminário internacional
103
organizado pela Funag e pelo IHGB, realizado no Rio de Janeiro, em maio, com a
participação de estudiosos acadêmicos e de diplomatas voltados a essa área de estudos.
Como o volume similar publicado por ocasião do centenário de sua posse como
chanceler, em seminário realizado em Brasília, em 2002 (Carlos Henrique Cardim e
João Almino (orgs.), Rio Branco, a América do Sul e a Modernização do Brasil), esta
obra apresenta o perfil típico dos empreendimentos muito vastos, com leituras amplas e
diversificadas sobre o desempenho prático e o legado, realmente grandioso, do patrono
da diplomacia brasileira, mas sem que ela exiba, necessariamente, um fio condutor ou
uma mesma identidade conceitual em torno das ideias ou ações do grande chanceler.
Vários dos trabalhos apresentam, contudo, abordagens inéditas sobre a atuação
do Barão e podem servir de guia para novas pesquisas de estudantes e de profissionais
da diplomacia, na recuperação de algumas das características e permanências da
diplomacia brasileira, antes e depois da era do Barão, ou seja, sua atuação nas questões
de limites e, depois, sua longa gestão à frente do Itamaraty. Ao tomar posse, em 1o. de
dezembro de 1902, Rio Branco explicitou sua concepção da política externa, que não
deveria ser uma política de governo, e sim de Estado: “Não venho servir a um partido
político, venho servir ao Brasil...”, ou seja, a mesma atitude que ele teve nas questões de
Palmas e do Amapá, nas quais ele dizia ter defendido “causas que não eram de uma
parcialidade política, mas da nação inteira.” (Obras, 2012: IX, 108).]
O Barão foi considerado um “herói da pátria” não apenas em função de suas
vitórias em processos arbitrais e negociais, mas também por não ter sido sectário, e por
ter conduzido uma diplomacia voltada unicamente para o interesse nacional, no sentido
mais profundo do termo. Rio Branco, como demonstram vários dos trabalhos coletados,
foi um estadista realista, mas não cínico, e sim um pragmático que buscou reformar a
política relativamente isolacionista do Império na América do Sul; ele conseguiu, sem
nenhum apelo a uma vã liderança regional ou arroubos de grandeza mundial.
Dois outros livros, ou álbuns ilustrados, completam a série de obras
comemorativas da Funag: o guia da exposição organizado pelo historiador e diplomata
Luís Cláudio Villafañe Gomes Santos, que conseguiu coletar um vasto acervo
iconográfico em muitas instituições públicas e privadas do Brasil, e o agradabilíssimo
álbum em torno das caricaturas do Barão, organizado por Ângela Porto. Ambos
contaram com a colaboração de muitos pesquisadores e técnicos, entre os quais se
destaca Maria do Carmo Strozzi Coutinho, responsável editorial no Centro de História e
Documentação Diplomática; as duas obras exibem belos projetos gráficos. A exposição
104
segue linhas clássicas, mas as centenas de caricaturas são reveladoras do espírito da
época e dos verdadeiros sentimentos da população, bem diferentes do discurso político e
do preciosismo diplomático, encobridores de uma realidade bem mais complexa, e mais
divertida, do que o politicamente correto (já naquela época) das versões oficiais. Ambos
são obras de arte, como já tinha sido a magnífica biografia fotográfica, com texto de
Rubens Ricupero, e organização, iconografia e legendas de João Hermes Pereira de
Araujo, também publicada pela Funag em 1995 e reeditada em 2002.
Essas muitas obras revelam o Barão em todos os seus estados e situações, em
seu contexto político, em sua grandeza e limitações pessoais, em sua dimensão humana
e de grande estadista, que ele foi. Um homem de todas as estações, que nunca se
desdisse e que nunca permitiu que seu trabalho servisse a outros fins que não o
engrandecimento da nação, bem acima das querelas políticas e das quizílias partidárias.

Hartford, 20 de março de 2013.


Publicado no Boletim ADB
(ano 20, n. 80, janeiro-fevereiro-março 2013, p. 4-7).

105
Contribuições à história diplomática do Brasil: Fernando de Mello Barreto,
ou a volta ao factual de qualidade

Resenha-artigo de
Fernando P. de Mello Barreto Filho:
Os Sucessores do Barão: relações exteriores do Brasil, 1912-1964
(São Paulo: Editora Paz e Terra, 2001, 364 p; ISBN: 85-219-0389-8)

Em 1954, com 70 anos, idade na qual a maioria dos profissionais prefere encerrar suas
atividades, Carlos Delgado de Carvalho, um representante do Brasil belle époque (ele morreu
em 1980, com 96 anos), aceitou dar início a uma nova fase de sua já longuíssima, e intensa,
vida acadêmica, desempenhando-se – na sucessão do ex-titular da cadeira, José Honório
Rodrigues – como professor de História Diplomática no Instituto Rio Branco. Dessa
experiência resultaria, em 1959, o livro História Diplomática do Brasil, que durante várias
décadas (praticamente até o aparecimento, em 1992, de História da Política Exterior do
Brasil, por Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno) constituiu-se em um manual didático útil
ao estudioso que desejasse adquirir uma visão ampla das relações exteriores do Brasil, em
quatro séculos de história (o Senado Federal fez uma reimpressão fac-similar em 1998, por
minha sugestão, reeditada em 2000).
Felizmente, Fernando Barreto começou bem mais cedo, razão pela qual, ao saudar o
lançamento deste livro, que pode ser considerado como um legítimo herdeiro da obra de
Delgado de Carvalho, temos o direito, e talvez o dever, de pedir-lhe a continuidade deste
empreendimento exemplar, que, como textbook acadêmico, cumpre de maneira amplamente
satisfatória o papel de informação geral e fatual sobre os eventos e processos que marcam as
relações exteriores e a inserção internacional do Brasil desde a morte do Barão do Rio Branco
até o advento da república dos generais, em 1964. Ele está desde já convocado a oferecer-nos
a suite – que estou certo existe nos working files do seu computador – deste doravante
indispensável manual de navegação sobre a política externa brasileira da era pós-Delgado de
Carvalho.
Com efeito, o que mais chamava a atenção no livro de Delgado era sua atualidade, já
que todo o passado colonial português, normalmente valorizado em obras de autores
tradicionais (como Hélio Vianna, por exemplo, que em 1959 também publicou seu História
Diplomática do Brasil), recebia apenas um tratamento introdutório com a modesta extensão
de 19 páginas. Todo o resto era Brasil independente e mais da metade dedicado ao Brasil

106
República. Delgado tinha feito uma opção preferencial pela contemporaneidade, às vezes até
pela atualidade mais imediata, como era o caso da Operação Pan-americana, iniciativa
conduzida pela diplomacia de Juscelino Kubitschek e que estava ainda se desenvolvendo no
momento mesmo do fechamento do livro. Mais atualidade, impossível: tratava-se do mais
puro exercício do que os franceses chamariam de histoire immédiate.
Havia contudo uma insuficiência manifesta no tratamento dado por Delgado à política
externa brasileira no período pós-Barão do Rio Branco: as políticas externas dos governos
republicanos eram examinadas num único capítulo, “Rio Branco, Chanceler da Paz e seus
Sucessores”, o que se revelava totalmente inadequado em razão da complexidade dos
problemas em cada época, sobretudo no período varguista, extremamente intenso em lances
internacionais (a começar pela própria depressão dos anos 30, que nos obrigou a
inadimplências eventuais, a defaults involuntários e à negociação de novos acordos para o
pagamento da dívida externa herdada da velha República e, sobretudo, em razão da Segunda
Guerra Mundial). Mais ainda, as relações internacionais do Brasil entre 1913 e 1959 estavam
comprimidas nas últimas 20 páginas desse capítulo, mas segundo uma abordagem
essencialmente biográfica dos fatos mais relevantes desse longo período, como se a política
externa dos “sucessores” de Rio Branco tivesse sido realmente determinada pelas orientações
pessoais de cada um dos chanceleres.
Na verdade, o livro de Delgado continha também uma abordagem suplementar de
algumas questões relevantes para a inserção internacional do Brasil: a doutrina Monroe e as
intervenções americanas do início do século XX, o pan-americanismo acadêmico (na verdade
um importante capítulo, cobrindo o desenvolvimento jurídico do pan-americanismo e depois
uma série de grandes temas de nossa política exterior regional), os Estados Unidos e as
“repúblicas latinas” (de fato as relações Brasil-Estados Unidos) e o isolacionismo e as guerras
mundiais (tratando inclusive do problema da Liga das Nações). O enfoque, entretanto, era
exclusivamente político, segundo a visão da história tradicional, com uma descrição da
política das chancelarias e algumas (raras) pinceladas sobre os problemas econômicos
envolvidos. Não havia, assim, um tratamento adequado da política externa no contexto de um
país agroexportador, em processo de industrialização e ocupando uma posição relativamente
marginal na macroestrutura mundial.
A obra de Delgado de Carvalho era realmente preciosa pelo que tinha de acúmulo de
fatos históricos, mesmo se muitos processos relevantes eram completamente descurados,
como por exemplo as grandes conferências econômicas do pós-guerra, de Bretton Woods às
rodadas do GATT, ou a conferência de Havana de 1947-48 e as reuniões econômicas e
107
comerciais pan-americanas dos anos 50, mencionadas apenas en passant. Os fatos e processos
de tipo econômico, como as grandes correntes de comércio, a interface externa do esforço
industrializador brasileiro e outros exemplos de inserção econômica mundial, perdiam-se no
emaranhado de acontecimentos políticos que recheavam — ou ocupavam plenamente — o
livro de Delgado.
Fernando Barreto também adota o esquema cronológico neste livro, organizando seu
racconto storico de meio século de vida diplomática republicana de acordo com as gestões
dos chanceleres que, desde Lauro Muller até Araújo Castro, sucederam-se na cadeira do
Barão. Os principais lances – senão quase todos os grandes episódios – da política externa
brasileira de 1912 a 1964 são seguidos ano a ano, em compilação exaustiva dos eventos.
Fatos, basicamente fatos, são apresentados sequencialmente, em cinco partes sucessivas: a
República velha, a era Vargas, a Guerra Fria, JK e a Operação Pan-Americana e a Política
Externa Independente.
Este livro oferece, segundo uma metodologia convencional, mas diferente do estilo
belle époque de Delgado, uma visão abrangente, quando não suficientemente completa, das
relações exteriores do país até o advento da era militar. Ele confirma as qualidades da história
fatual, e mesmo seu caráter indispensável a todo e qualquer pesquisador que pretenda realizar
a inserção desses fatos na trama mais ampla das relações internacionais do Brasil, sobretudo
em sua vertente econômica externa. Cabe com efeito destacar que, ao início de cada seção,
Fernando Barreto comparece com informações objetivas, tabelas estatísticas, gráficos seriais
ou quadros analíticos apresentando a situação econômica do país naquela conjuntura
(comércio exterior, dívida, reservas, investimentos estrangeiros etc.).
Como se situa Os Sucessores do Barão no conjunto dos trabalhos que trataram da
política externa brasileira contemporânea? Certamente como obra de referência de primeiro
plano, mas com características próprias de conteúdo e método. O livro pertence à categoria
das obras gerais, constituindo um grande esforço de síntese em relação a uma soma apreciável
de fatos, eventos e episódios que marcaram nossa história política e nossa inserção
internacional no meio século por ele coberto. Para cumprir tais objetivos, o autor exibe o
mesmo estilo inconfundível que Delgado tinha imprimido à sua obra já citada: precisão,
concisão, objetividade, num espírito propriamente cartesiano. O escopo de Fernando Barreto é
igualmente delimitado, ao pretender tão somente fazer uma síntese expositiva das grandes
marcas da política externa e das relações exteriores do Brasil, não necessariamente avançar no
terreno da pesquisa de arquivos, da discussão conceitual ou da elucidação analítica de
problemas complexos de nossa inserção internacional no período. Não é o que se pede, aliás,
108
de uma obra do gênero, que deve procurar ostentar, acima de tudo, clareza e sobriedade,
evitando julgamentos apressados e destacando, em especial, a continuidade que sempre
caracterizou a política externa brasileira.
Mesmo com um enfoque essencialmente factual, o autor oferece algumas linhas
evolutivas desse relacionamento externo em seu epílogo. Ele constata, por exemplo, o
reduzido número de países que mobilizou a atenção do Itamaraty nesse meio século: “em
primeiro plano, os Estados Unidos (aproximação), Argentina (rivalidade) e Alemanha
(confronto). Em categoria menos proeminente, ocuparam a reflexão do Itamaraty outros
países europeus, tais como a Inglaterra (atritos diplomáticos em decorrência dos bloqueios
marítimos das duas guerras mundiais), França (solidariedade na Primeira Guerra e envio de
médicos), Itália (único país em que tropas brasileiras tiveram atuação militar) e Portugal
(política de apoio ao colonialismo até a década de 1960), além de vizinhos sul-americanos,
em especial o Paraguai (Guerra do Chaco) e a Bolívia (petróleo, estrada de ferro)” (p. 275).
Outra observação refere-se ao gradual afastamento do cenário europeu e ao “contínuo
acercamento dos Estados Unidos”, triângulo em função do qual a política externa brasileira
buscava as melhores condições para o “atendimento de seus interesses” (p. 276). Como
explica Fernando Barreto, “Havia fortes razões econômicas para esse acercamento político de
Washington”, o que se traduzia praticamente num único grande produto de exportação: café.
Mais recentemente esse movimento pendular teve outros vetores, como no caso dos acordos
nucleares com a Alemanha ou, através do Mercosul, a tentativa atual de contrabalançar as
negociações em torno de uma área hemisférica de livre comércio (Alca) com processo
equivalente em direção da União Europeia.
O mesmo epílogo traz lúcidas análises sobre a orientação e o caráter geral de cada um
dos subperíodos enfocados, com apreciações das políticas desenvolvidas pelos presidentes ou
chanceleres envolvidos nos principais episódios enfocados. Cada um dos 21 ministros das
relações exteriores que sucederam ao Barão, geralmente políticos ativos em suas respectivas
agremiações partidárias, merece uma epigrafe resumindo o essencial das ações desenvolvidas
sob sua gestão, o que por outro lado serve para confirmar que “o Itamaraty tem gozado de
relativa autonomia na condução da política externa. Com exceção de alguns governos em que
o presidente exerceu sua influência direta mas mesmo assim esporádica (Epitácio Pessoa,
Arthur Bernardes, Getúlio Vargas), verifica-se que frequentemente a Casa do Barão tomava
decisões sem interferência de outros ministérios, mesmo os militares (salvo talvez no episódio
da não participação do conflito coreano) ou do Congresso” (p. 285). O abandono do
neutralismo nas duas guerras mundiais é visto por Fernando Barreto como positivo para a
109
inserção internacional do país: “Tivesse a política externa brasileira sucumbido a pressões
para manter a neutralidade, como fez Buenos Aires, talvez não tivesse atingido os objetivos
que pretendia na época, fossem estes de industrialização ou de reequipamento militar. Não
teria feito parte, desde sua criação, dos órgãos internacionais criados, como Nações Unidas,
Banco Mundial, FMI e GATT. Difícil ter precisão sobre essas consequências, mas certamente
pode-se imaginar que outra teria sido a aceitação brasileira no seio do mundo pós-guerra” (pp.
285-86). Os episódios de frustrações diplomáticas nesse período – como o da Liga das
Nações, em 1926 – foram poucos, o que habilita Fernando Barreto a terminar sua avaliação
global afirmando que “essas instâncias [de desacerto] foram menos numerosas do que as de
acerto e o balanço geral foi positivo” (p. 286).
O livro aparentemente não foi submetido pela editora a processo acurado de revisão, o
que explica a manutenção de diversos erros de digitação e de alguns deslizes de redação, o
que certamente será corrigido numa futura reedição. A informação é enriquecida por
remissões bibliográficas precisas e por notas abrangentes (dando nomes de integrantes de
delegações e resumos biográficos de personagens secundárias, por exemplo), mas lamente-se
a opção por uma longa seção final de notas numeradas de 1 a 1500, não no formato mais
cômodo do rodapé. A bibliografia é exaustiva, podendo ser complementada, numa futura
reedição, com a indicação das já numerosas e diversificadas fontes de documentos disponíveis
em páginas da Internet. Numa obra como esta, o índice remissivo deveria oferecer um
complemento útil ao leitor interessado em seguir determinadas referências temáticas ao longo
do meio século republicano, mas ele ganharia muito se fosse subdivido em conceitos
analíticos mais detalhados: assim, os Estados Unidos, que – junto com a Argentina, a
Alemanha, o café ou Getúlio Vargas – concentram uma boa fração das referências (com mais
de duzentas remissões às páginas do livro), poderiam ser objeto, em futura reedição, de
entradas específicas, do tipo: acordo comercial de 1935, negociações financeiras de 1939,
acordo militar de 1952, renovação em 1964 etc.
O prefácio do chanceler Celso Lafer destaca as principais virtudes da obra e chama a
atenção para o que vem sendo apontado como a principal característica da diplomacia
brasileira: a mudança na continuidade. A preservação das linhas básicas da política externa
brasileira ao longo das décadas deve-se a seu caráter intelectualmente reflexivo, politicamente
cauteloso, operacionalmente coordenado e essencialmente discreto em termos de mídia.
Como dizem acertadamente nossos vizinhos: “El Itamaraty no improvisa!” (talvez devesse
fazê-lo em determinadas ocasiões, para não dar a errônea impressão de lentidão ou
passividade).
110
Diversas fotos e algumas ilustrações, ao lado dos já citados gráficos e tabelas
compõem o aparato não textual deste livro, cuja bela capa traz uma foto do velho palácio
Itamaraty do Rio de Janeiro, à qual se sobrepõe um busto do próprio Barão, uma das raras
unanimidades nacionais no panteão algo rarefeito dos heróis da pátria. Nenhum dos seus
sucessores, com exceção talvez de Nilo Peçanha (que já tinha sido presidente), de Oswaldo
Aranha e de San Tiago Dantas, alcançou especial notoriedade ou relevo político especial no
“breve século XX” aqui enfocado. Em todo caso, o levantamento cuidadoso da ação dos 21
chanceleres pertencentes ao período selecionado permite uma visão abrangente dos problemas
internacionais enfrentados pelos titulares da Casa de Rio Branco ao tentar inserir o Brasil no
mundo. A tradição continua a ser seguida pelos 13 outros “sucessores” (contando o próprio
Celso Lafer) do período pós-1964, objeto de um segundo volume que Fernando Barreto está
convocado a terminar e publicar o quanto antes. A dedicação à história diplomática pode ser,
aliás, um trunfo nos meandros político-burocráticos da carreira e o próprio Barão deveu
grande parte de sua notoriedade original ao fato de que ele tinha se dedicado por longos anos
à pesquisa em velhos documentos, a uma compulsiva curiosidade livresca e ao exercício da
pena.

Washington, 18 de agosto de 2001.


Inédito na versão completa. Publicado em formato reduzido na revista Política Externa
(São Paulo: vol. X, nº 3, dezembro de 2001-fevereiro de 2002, p. 174-177).

111
Sucessores bem sucedidos?: um balanço realista (e completo) da diplomacia
na era militar

Resenha-artigo de
Fernando de Mello Barreto:
Os Sucessores do Barão, 2: relações exteriores do Brasil, 1964-1985
(São Paulo: Paz e Terra, 2006, 519 p.; ISBN: 85-7753-004-3).

A exemplo do primeiro volume desta obra – que cobria, de fato, o período pós-Barão,
ainda que de modo lato: Os Sucessores do Barão: relações exteriores do Brasil, 1912-1964
(Paz e Terra, 2001) –, Fernando Mello Barreto oferece, no presente livro, uma história das
relações internacionais e da política externa do Brasil, em seu sentido mais amplo, cobrindo
tanto os episódios diplomáticos, estrito senso, como o quadro mais abrangente da economia e
da política mundiais. A perspectiva é linear, método já adotado no volume precedente: seis
chanceleres (dois políticos e quatro de carreira) sucederam-se de 1964 a 1985 à frente do
Itamaraty, ou seja, durante o regime autoritário, quando cinco generais do Exército e uma
junta militar (au complet) ocuparam o poder no Brasil.
Da intervenção na República Dominicana à Guerra das Malvinas, da recusa do TNP e
do Acordo Nuclear com a Alemanha à “pacificação nuclear” com a Argentina, do apoio ao
colonialismo português ao reconhecimento dos novos regimes surgidos depois da “revolução
dos cravos”, passando pelos tratados de cooperação com os países vizinhos (Bacia do Prata,
Amazônia, Itaipu, entre outros), os principais episódios da diplomacia brasileira são tratados
de forma minuciosa, fazendo desta obra uma referência indispensável para o conhecimento e
o enquadramento cronológico desses anos cruciais de transformações geopolíticas no plano
mundial e de grandes mudanças econômicas no próprio Brasil. Um sintético epílogo retraça as
mudanças mais relevantes, na fase recente, em relação ao período militar, como por exemplo
a aceitação do TNP e a inserção nos mecanismos de controle de tecnologias sensíveis.
O prefácio de Rubens Ricupero já levanta uma primeira questão, pertinente, quanto ao
título desta obra em três volumes, que vai da morte do Barão até a atualidade (estando seu
autor ocupado agora na feitura do terceiro). Compreende-se a designação de “sucessores”
para aqueles que ocuparam, na primeira metade do século XX, a chefia da chancelaria
brasileira, quando a presença de Rio Branco era uma sombra gigantesca a apequenar a obra
dos que lhe seguiram imediatamente. Mas, como atribuir a mesma classificação aos
condutores das relações exteriores em meados da segunda metade desse século, quando os
problemas regionais e internacionais enfrentados pelo Brasil eram bastante diferentes
112
daqueles que tinham mobilizado a atenção do grande chanceler? Recorda Ricupero, a esse
propósito, a frase de um humorista argentino sobre “los venidos a más”, como a sugerir que
todos os chanceleres, depois do Barão, terão sido meramente “suplementares”.
A rigor, os “herdeiros involuntários” enfrentaram problemas similares: as relações
sempre delicadas com os vizinhos da América do Sul, a começar pela Argentina; a
indiferença das grandes potências em face das pretensões do Brasil no sentido de querer
ocupar um espaço mais afirmado na cena internacional (ou seja, a busca de um status
preeminente na Liga das Nações e, depois e ainda hoje, no CSNU); o acesso a tecnologias
sensíveis, geralmente cerceado pelas mesmas potências; o aproveitamento dos recursos
energéticos no entorno geográfico; a defesa contra choques adversos vindos do cenário
internacional (no plano financeiro, no comercial e no do, então indispensável, petróleo); o
alinhamento, enfim, com os pequenos (países em desenvolvimento) ou o “desalinhamento”
com os grandes, como opções basicamente políticas, quando não de origem econômica e
tecnológica. Esses mesmos problemas ocuparam todos e cada um dos “seguidores” do Barão,
em intensidade variável segundo as épocas, com destaque para os formidáveis desequilíbrios
e as carências temporárias – nossa tradicional “vulnerabilidade externa” – introduzidos a
partir de 1929 e, sobretudo, no decurso da Segunda Guerra Mundial.
Mas, as condições externas, o ambiente regional, as circunstâncias históricas e,
sobretudo, a situação econômica e a política doméstica foram fundamentalmente diferentes,
para esses “sucessores” do período militar, do que elas tinham sido para os titulares da
chancelaria brasileira na primeira metade do século XX. Estes não cabiam nos “sapatos” do
Barão, tão impressionante tinha sido a sua presença à frente do Itamaraty entre 1902 e 1912 –
e certamente desde antes, na resolução de várias pendências lindeiras –, mas os segundos,
constrangidos pela geopolítica algo maniqueísta do período militar, foram, mais do que
sucessores, um conjunto heteróclito de herdeiros distantes do Barão do Rio Branco. A
sucessão, se o termo se aplica, se justificaria, provavelmente, pelo que Ricupero chama de
“paradigma Rio Branco” – uma agenda institucional fixada pelo próprio Itamaraty, raramente
deixada, portanto, ao humor mutável de políticos ignorantes em política internacional – e a
notável continuidade que isso implicou para a nossa política externa. De fato, o termo
sucessores só se compreende nessa perspectiva, a de uma mesma linha de atuação ao longo do
tempo, o que nem sempre foi o caso de nossos vizinhos mais voláteis politicamente e, em
consequência, mais erráticos em suas respectivas diplomacias.
Lido o prefácio de Ricupero e a introdução do autor – que ressalta os elementos
principais da cronologia econômica e política desses anos –, recomenda-se ao leitor saltar ao
113
epílogo, pois ali se faz uma síntese das diferenças e particularidades daquela época em relação
às ulteriores, o que permitirá começar a ler os capítulos vinculados a cada chanceler com uma
noção do que é permanente e do que foi diferente no tocante aos problemas enfocados, seja no
plano sincrônico, seja em perspectiva diacrônica. Permito-me transcrever dois trechos
importantes desse epílogo: “Apresentar balanço da política externa executada pelos
Sucessores do Barão durante o regime militar brasileiro constitui tarefa complexa, pois a
leitura dos fatos ocorridos no período entre 1964 e 1985 não permite julgamentos categóricos,
uma vez que não houve uniformidade nas ações diplomáticas, embora tenham se apresentado
algumas características constantes. A falta de uniformidade se evidencia quando se compara,
por exemplo, de um lado a prioridade dada ao relacionamento com os Estados Unidos durante
o governo Castello Branco (especialmente com Juracy Magalhães) e, de outro, a distância
entre Washington e Brasília durante os governos de Geisel e Carter. As diferenças aparecem
também no relacionamento com Portugal e territórios de expressão portuguesa, bem como na
política com relação ao Oriente Médio que passou de equidistância para claro apoio a várias
das teses árabes e palestinas” (p. 439). Fernando Mello Barreto chama a atenção, logo em
seguida, para a constância do binômio “segurança com desenvolvimento”, que seria o mote
do governo militar, manifestada na vertente externa pela defesa acirrada da soberania
nacional, embora comprometida esta pelas nossas limitadas possibilidades de mudar, de modo
sensível, o sistema internacional.
A transcrição do penúltimo parágrafo oferece um balanço honesto da diplomacia do
período militar: “Apesar dos enormes obstáculos econômicos externos que enfrentou a
diplomacia, sobretudo no final do período, a política externa do período militar alcançou os
objetivos a que se propôs: o Brasil se manteve distante de conflitos internacionais (não enviou
tropas ao Vietnã e sua ação militar se limitou à liderança de forças interamericanas na
República Dominicana); aproximou-se de seus vizinhos (inclusive a Argentina no último
governo do período); assegurou a cooperação amazônica; ampliou as exportações para além
de fronteiras ideológicas; neutralizou as ações argentinas contrárias à construção de Itaipu;
manteve o fornecimento de petróleo pelos países árabes e resistiu às pressões americanas
contrárias ao acordo nuclear com a Alemanha” (p. 495-6). O autor relembra que algumas
dessas posturas seriam revistas posteriormente – como a recusa do TNP, a aceitação do
sionismo como uma forma de racismo e a resistência soberanista no tratamento das questões
ambiental e dos direitos humanos –, objeto de um terceiro volume da obra, que ele fica nos
devendo.

114
Feito o balanço sumário e incorporada essa perspectiva abrangente da política externa
no período militar, cabe agora ao leitor penetrar na leitura detalhada de cada um dos capítulos,
que não são numerados nem datados, levando simplesmente os nomes dos titulares da
chancelaria. Vasco Leitão da Cunha, da carreira diplomática, inaugura o período, com uma
“nova política externa”, na verdade uma volta ao velho alinhamento diplomático com os
EUA, política que se acreditava superada a partir da “política externa independente” de Jânio
e Jango. Estávamos em plena Guerra Fria e o problema de Cuba dominou as relações
interamericanas durante a maior parte da década. Juracy Magalhães, militar e político, foi o
segundo chanceler da presidência Castello Branco, tendo ficado tristemente famoso pela frase
segundo a qual “o que [era] bom para os EUA, é bom para o Brasil”, o equivalente, como
lembra Ricupero, das “relações carnais” que o governo Menem quis ter com os EUA, de uma
fidelidade canina ao chamado Ocidente.
O governo Costa e Silva introduz a “diplomacia da prosperidade”, conduzida pelo
político e banqueiro Magalhães Pinto. Ocorre, então, uma volta a padrões autônomos de
política externa, que, se não chega a ser tão “independente” quanto à do início da década,
pratica o “desalinhamento” da recusa ao TNP e o desenvolvimentismo do início da NOEI, a
“nova ordem econômica internacional”, que seria mais tarde enterrada por Reagan e Thatcher.
A “nuclearização pacífica” do Brasil, prometida por Magalhães Pinto em abril de 1967, logo
se chocaria com a Realpolitik dos EUA: o Brasil mantinha a posição oficial de que explosões
“pacíficas” poderiam ser empregadas em “grandes obras de engenharia, [para] interligar
bacias fluviais, abrir canais e portos, consertar enfim a geografia” (p. 128).
Gibson Barboza, diplomata de carreira, foi o chanceler do presidente Médici, na fase
mais dura do regime militar, também a de maior crescimento econômico. A despeito do
fechamento do governo no binômio “segurança e desenvolvimento” e da disseminação de
regimes militares na América Latina, o Itamaraty, paradoxalmente, nunca foi tão livre para
conduzir uma diplomacia essencialmente profissionalizada e extremamente ativa, em quase
todos os cenários abertos à sua atuação, entre eles o da África. Os EUA continuavam a se
opor à política nuclear do Brasil, mas Nixon, de maneira infeliz, proclamou a liderança
brasileira na região, o que certamente prejudicou muito os esforços então empreendidos pelo
Itamaraty para a integração física do continente.
Azeredo da Silveira, outro diplomata de carreira, ocupou a chancelaria sob Geisel, o
mais desenvolvimentista dos presidentes e o mais interessado em política externa. Todo o
governo foi marcado pelo primeiro choque do petróleo, pelo reconhecimento da China e pela
guerra civil angolana, temas que mobilizaram intensamente a diplomacia, colocada sob a
115
égide do “pragmatismo responsável”. Silveira presidiu à expansão do serviço exterior e
aproximou-o ainda mais dos países em desenvolvimento, mesmo sob críticas internas de
setores da direita. Fernando Mello Barreto caracteriza a política externa regional, nessa época,
como de “dificuldades platinas e êxito amazônico” (p. 245), em alusão às disputas com a
Argentina sobre o aproveitamento dos recursos hidroelétricos do Paraná e à conclusão do
Tratado de Cooperação Amazônica. Persistiram os conflitos com os EUA, sobretudo depois
da assinatura do acordo nuclear com a Alemanha (1975) e da cessação, por rompimento
brasileiro, do acordo militar com os EUA (1977).
Saraiva Guerreiro, também de carreira, foi o último chanceler da era militar, atuando
sob o impacto da segunda crise do petróleo e da crise da dívida externa, mas com certa
independência, uma vez que o general Figueiredo não se envolvia muito em temas
diplomáticos. A política externa foi então considerada como sendo “universalista”, mas o seu
principal feito foi mesmo começar o período concluindo um acordo com a Argentina e o
Paraguai em torno da questão de Itaipu (1979). Ainda mais surpreendente, foram assinados
acordos de cooperação militar e nuclear com o vizinho platino, bases de todo o processo
ulterior de cooperação e de integração. Como demonstra Mello Barreto, durante todo o
regime militar o PIB brasileiro faria um progresso espetacular, ao passo que o argentino
praticamente estagnou. A seção econômica nesse capítulo é a mais longa do livro et pour
cause: nunca o Brasil enfrentou tantos problemas como nos anos 1980, com declínio do PIB e
aumento da dívida externa. O fim do regime militar e a transição para a democracia no Brasil
coincidiu, no plano mundial, com o início do fim do socialismo enquanto regime alternativo
ao capitalismo: novos tempos e novas políticas, de que o autor tratará em seu terceiro volume.
Ricupero sublinha com razão, em seu prefácio, a “solidez do levantamento cuidadoso
do encadeamento dos acontecimentos”, a “linguagem clara, direta e sem obscuridades com
que a narrativa articula os fatos e decisões mais importantes”, a “rica documentação que
ampara e fundamenta cada etapa da construção da trama expositiva, com farta utilização dos
mais expressivos e reveladores trechos de discursos e documentos da época, bem como a
exaustiva fundamentação do texto em notas de origem ou elucidativas, as quais chegam, em
certos capítulos, a mais de 600”. Não se pode deixar de concordar com ele em que se trata de
“trabalho pioneiro sobre período histórico ainda próximo, e por isso mesmo, percebido
confusamente como magma de lembranças sem forma definida”. Impossível, tampouco, não
concluir com Ricupero: “Será, por muito tempo, creio, a obra insubstituível para encetar o
estudo de um dos períodos da história da política exterior do Brasil com implicações mais
determinantes para a fase que vivemos hoje”. Um importante instrumento de trabalho para os
116
pesquisadores, o índice remissivo, ausente da maior parte dos livros publicadas no Brasil,
completa este volume, que passa a figurar em plano elevado na bibliografia especializada.
Que venha logo o terceiro volume!

Brasília, 4 de novembro de 2006.


Publicado na revista Política Externa (São Paulo: vol. 15, n. 3, dez. 2006-fev 2007, p. 191-
196; ISSN: 1518-6660); versão resumida publicada, sob o título de “Diplomacia durante
a ditadura”, na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: ano 3, nº 29, dezembro
2006, p. 63). Reproduzida integralmente na revista Plenarium (Brasília: Câmara dos
Deputados; ano V, n. 5, maio 2008, p. 310-315; ISSN: 1981-0865)

117
Entre a América e a Europa: a política externa do Brasil nos anos 1920

Três resenhas sequenciais, de


Eugênio Vargas Garcia:
Entre América e Europa: a política externa brasileira na década de 1920
(Brasília: Editora da Universidade de Brasília; Funag, 2006, 672 p.; ISBN: 85-230-0854-3).

O livro resulta de tese de doutorado apresentada na UnB em 2001 e beneficiou-se de


pesquisas do autor em arquivos nacionais e estrangeiros (EUA e Reino Unido), com o que ele
construiu uma obra tão competente quanto necessária, uma vez que o período coberto
permanecia uma espécie de “patinho feio” da nossa historiografia diplomática, prensado entre
a “era do Barão”, na primeira década do século XX, e os episódios mais “excitantes” da fase
da Guerra Fria. No próprio entre-guerras, os anos de depressão e conflitos econômicos e
militares que se seguiram à crise de 1929 sempre receberam mais atenção dos historiadores
que o período aparentemente “morno” que se situa entre o final da Primeira Guerra e o golpe
de outubro de 1930, que inaugura a chamada era Vargas, de modernização e industrialização.
Eugênio Garcia formula, em primeiro lugar, uma série de perguntas, que ele tenta
depois responder em sete capítulos temáticos que cobrem as principais áreas de atuação e os
principais problemas diplomáticos – e desafios internacionais – do Brasil nos doze anos
cobertos pela pesquisa. Como a política externa movia-se num triângulo atlântico formado
pelos Estados Unidos, Europa e América do Sul, suas perguntas se dirigem aos problemas que
serão depois analisados em cada um dos capítulos: “rumo à Europa”, ou seja, nossa
participação na conferência da paz de 1919; “diplomacia econômica”, vale dizer, defesa do
café e penetração de capitais estrangeiros; “equilíbrio estratégico na América do Sul”, com o
rearmamento militar e as tentativas de equilíbrio de poderes na região; “comércio e finanças”,
quando se assiste à competição entre os interesses britânicos e americanos nas duas vertentes;
“a experiência da Liga das Nações”, nossa primeira tentativa, frustrada, de integrar o círculo
dos “mais iguais”; “de volta à América”, quando se administra o afastamento diplomático da
Europa; e “a diplomacia antirrevolução das oligarquias”, capítulo final no qual aparecem os
problemas político-ideológicos que desembocariam na revolução de 1930.
Ele lembra que os chanceleres não eram necessariamente diplomatas profissionais,
mas a elite política oligárquica ocupava quase todos os postos do Itamaraty. O processo
decisório já era, então como agora, centrado na figura do presidente, mas alguns estados
faziam sua própria “política externa” ao dominarem, por exemplo, a “diplomacia do café” ou
emitindo títulos da dívida estadual diretamente nos mercados financeiros internacionais. Uma
118
constatação se impõe, em diversos episódios narrados no livro, e não apenas na saída patética
da Liga das Nações em 1926 – objeto de livro anterior do autor –, a de que o Brasil estava só
na América, mais ou menos hostilizado pelos vizinhos hispânicos e tratado com a famosa
negligência benigna pela grande potência hemisférica. O elemento estrutural decisivo, que
permeia a maior parte dos fatos e processos políticos registrados no período, é a transição da
velha influência inglesa para a nova hegemonia americana, que torna-se evidente no
comércio, mas crescentemente também nas finanças e nos investimentos.
Eugênio Garcia faz um uso competente dos ofícios de embaixada e dos despachos da
Secretaria de Estado, que se inserem no texto de forma quase natural, o que torna a leitura de
seu maçudo opus histórico um empreendimento agradável, quase um racconto storico linear e
imediatamente compreensível a despeito dos meandros sofisticados de uma época que
supostamente se caracterizaria por ostentar uma “diplomacia ornamental e aristocrática”. O
cuidado na manipulação dos documentos se revela, por vezes de forma anódina, na
transcrição de uma expressão imediatamente explicada numa nota de rodapé: “anotação à
margem do telegrama x”. Cada capítulo temático cobre não só todo o período analisado, mas
por vezes recua à fase anterior à Primeira Guerra, denotando um sólido conhecimento da
literatura secundária e uma perfeita apreensão do contexto mais amplo no qual se inseria o
problema tratado no capítulo.
O legado dos anos 1920, para nossa diplomacia, é provavelmente o nascimento do
conceito de “hemisfério ocidental”, que tanta importância teria, para o bem e para o mal, no
período da Guerra Fria. Nossa aproximação com os Estados Unidos se consolidou e, na
verdade, nunca chegou a ser desmentida, mesmo a despeito de fases mais ou menos
“independentes”. A hegemonia ideológica do pan-americanismo só parece ter se esgotado
com o próprio fim da Guerra Fria, ainda que os militares tenham, paradoxalmente, maior grau
de responsabilidade no afastamento relativo em relação à potência hegemônica do que os
esquerdistas e opositores políticos do “imperialismo americano”.
Nem o estilo, nem a substância das questões diplomáticas dos anos 1920 sobreviveram
até a nossa época, com exceção, talvez, da tradicional desconfiança dos vizinhos em relação a
um irmão maior que não ostenta, obviamente, a mesma arrogância da “nova Roma”, mas que
tampouco tem o mesmo poder de atração do gigante hemisférico. Nossa política externa
“dialética” para o hemisfério – ora mais próxima dos EUA, em outras ocasiões propensa ao
congraçamento no Sul – é examinada com competência por Eugênio Garcia, que demonstra,
cabalmente, que os mitos do “alinhamento automático” e da “relação especial” sempre foram,
então como agora, nada mais do que mitos. A saída da Liga das Nações nos afastou durante
119
muito tempo da Europa, mas, como demonstra o autor, essa transição estava longe de ser uma
certeza nos anos 1920.

Brasília, 21 de abril de 2006


Publicado na Revista Brasileira de Política Internacional
(Brasília: ano 49, n. 1, 2006, p. 222-224)

Sob a sombra da águia?: a diplomacia brasileira no início do declínio


britânico

A historiografia tradicional tende, predominantemente, a ver nos anos pós-Primeira


Guerra Mundial a passagem do Brasil da esfera de influência britânica para o domínio
econômico da nova potência emergente, os Estados Unidos. De fato, não faltam dados que
corroboram essa visão, a começar pelo início do declínio das importações e dos investimentos
diretos britânicos no Brasil e o vigoroso impulso então tomado pelos equivalentes americanos
nas mesmas rubricas, bem como a quadruplicação dos empréstimos feitos na praça de Nova
York, comparativamente ao aumento tímido dos financiamentos obtidos na City londrina.
Muitas das companhias então instaladas no Brasil ainda estão conosco, como a Ford, a
Kodak, a GM, a Colgate, a Metro Goldwin-Mayer, as Refinações de Milho Brasil e muitas
outras mais, cuja titularidade pode ter mudado na matriz mas cujas atividades e vigor se
mantêm intactos nos mercados locais.
Algumas interpretações maniqueístas tendem, efetivamente, a ver o período como
representando uma simples transferência de hegemonias ou como se o Brasil tivesse
começado a marchar ao “compasso de Washington”. Este livro de Eugênio Vargas Garcia,
preparado inicialmente como tese de doutorado, demonstra que essa visão simplista não
encontra fundamentação na realidade, sendo bem mais complexas as relações mantidas pelo
Brasil com seus dois principais parceiros econômicos e financeiros. Ele começa, justamente,
por descartar paradigmas previamente traçados, e toma o cuidado de “não enunciar de
antemão... hipóteses que constituíssem uma camisa-de-força para a consecução do projeto de
pesquisa proposto” (p. 27), no que ele fez muito bem. Trabalhar as fontes sem ideias
recebidas e ler os documentos com o espírito aberto sempre foi um bom receituário para as
boas revisões historiográficas e talvez seja esta a principal virtude desta pesquisa.

120
Partindo, não daquelas imagens pré-concebidas, mas das fontes documentais – o
anexo relativo aos arquivos arrola um número imenso de materiais brasileiros, britânicos,
americanos, de organismos internacionais e de coleções particulares – e de uma
impressionante literatura secundária, o autor revisou a dúzia de anos que vai do final da
Primeira Guerra Mundial à Revolução de 1930, contribuindo assim para tirar de uma espécie
de um limbo historiográfico um período que na verdade presidiu à formação da diplomacia
brasileira contemporânea, enquanto fase formadora de uma burocracia “weberiana”
relativamente avançada para os padrões relativamente atrasados de uma sociedade ainda
essencialmente agrária e na qual a indústria engatinhava de forma quase modorrenta (como
muitas vezes se referiu Monteiro Lobato). Datam dos anos vinte algumas reformas
“instrumentais” no funcionamento do Itamaraty e a introdução de normas e procedimentos
que continuariam em vigor já praticamente entrados os anos 70, quando a Casa do Rio Branco
empreende outras reformas modernizadoras.
Esse esforço de recuperação era bem vindo, já que esses anos relativamente
esquecidos não perdem quase nada em relação à movimentação de outras épocas, que também
foram de crises, de “reconstruções”, de grandes definições políticas, internas e externas.
Afinal de contas, a conferência de Versalhes que presidiu – nem sempre de maneira feliz – ao
primeiro ordenamento jurídico-diplomático da era moderna foi uma espécie de repetição –
sem os muitos bailes e conspirações da diplomacia secreta – do Congresso de Viena de um
século antes, tendo deixado como legado uma “organização”, a Liga das Nações, que tentou
diminuir, sem conseguir, os ímpetos guerreiros dos velhos e novos imperialismos. O Brasil
esteve “presente na criação” da nova ordem, ainda que viesse a abandonar essa “ONU
frustrada” alguns anos depois. Ele também projetou-se de modo mais livre no próprio
continente sul-americano, livre dos constrangimentos da era monárquica e já delimitadas
todas as suas fronteiras pela obra inigualável do Barão.
Eugênio Garcia segue todos os passos da diplomacia brasileira nesse triângulo
formado pela Europa, pelos Estados Unidos e pela América do Sul, organizando seu roteiro
em torno de sete grandes eixos que constituem, igualmente, cada um dos capítulos do livro: 1)
“rumo à Europa”, isto é, nossa participação na conferência de Versalhes de 1919; 2) a
“diplomacia econômica”, com a promoção do café e a captação necessária de capitais
estrangeiros, tanto para fins de financiamento das obras de infraestrutura (a maior parte
conduzida pelos Estados, que tinham autonomia para contrair empréstimos no exterior), como
sob a forma de investimentos diretos; 3) “equilíbrio estratégico na América do Sul”, com os
difíceis problemas do equilíbrio de poderes na região, entre ensaios de “corrida
121
armamentista”; 4) “comércio e finanças”, onde é mais patente a já referida substituição de
hegemonias, ainda que outros países também se lancem à competição nessas áreas; 5) a triste
“experiência da Liga das Nações”, uma tentativa precoce de entrar um outro “Conselho” de
nações poderosas; 6) “de volta à América”, que se traduz num distanciamento da velha e
arrogante Europa e na reafirmação dos princípios americanistas; e, finalmente, 7) “a
diplomacia antirrevolução das oligarquias”, quando aparecem com mais vigor os novos
problemas do século: comunismo, anticomunismo, imigração, rebeliões antiliberais (e
anticapitalistas, ou seja, corporativas) e a complicada administração diplomática da revolução
de 1930.
Na República, como durante todo o império, os chanceleres não eram diplomatas de
carreira – Rio Branco foi quase uma exceção, cabendo aliás lembrar que ele começou seu
“serviço exterior” por funções consulares, que até os anos 1930 eram completamente
separadas dos cargos diplomáticos – muito embora as mesas figuras da elite urbana e das
oligarquias tradicionais preenchiam praticamente todos os postos importantes do Itamaraty.
Apesar de termos tomado como modelo a constituição dos “Estados Unidos”, nosso
federalismo era fortemente dominado pela figura do presidente, que também definia o
essencial do processo decisório nas questões diplomáticas, não muito diferente do que
acontece hoje, aliás. Seis longos meses se passavam entre a “eleição” (em março) do novo
chefe de Estado e sua posse (em novembro), período aproveitado para uma longa viagem de
navio à Europa, com eventual negociação de novos empréstimos (como tinha ocorrido, aliás,
com o “funding loan” de Campos Salles).
Essa “intromissão” talvez excessiva do também chefe de governo nos assuntos da
diplomacia provavelmente explica alguns arroubos – por vezes sob a responsabilidade de
algum enviado ad hoc, tirado das fileiras da elite cosmopolita – que talvez não tivessem
ocorrido se a condução de negociações delicadas tivessem permanecido nas mãos dos
diplomatas apenas. Um exemplo dos mais patéticos foi oferecido pela nossa saída, ao estilo
“batendo a porta”, da Liga das Nações, tema que já tinha sido objeto da dissertação de
mestrado de Garcia, também publicada em forma de livro. As grandes potências, então como
hoje, nos tratavam com uma negligência benigna que refletia, aliás, a pouca importância do
Brasil nos assuntos do mundo, um simples fornecedor de produtos de sobremesa. Não
tínhamos canhoneiras, nem dinheiro, nem grandes atrativos econômicos ou de mercado,
enfim, uma nação de malária, febre amarela e de Jeca-Tatus.
Os que acreditam que a noção de “hemisfério ocidental” nasceu com a guerra fria,
devem revisar suas concepções, pois ela emerge mesmo nos anos vinte. A aproximação e a
122
pretensão a uma “aliança especial” com os Estados Unidos também são típicos dessa fase, que
assiste, na verdade, à hegemonia ideológica do pan-americanismo, mais do que do pró-
americanismo que teve vigência muito limitada em nossa história diplomática. Não havia, até
então, um verdadeiro “imperialismo americano” pela simples razão de que os europeus
preenchiam inteiramente esse papel e a União Soviética ainda não era um dos polos
definidores da ordem mundial (como os próprios Estados Unidos, aliás). Os americanos eram
amigos e os novos donos do dinheiro, ainda que suas empresas já estivessem dominando boa
parte da indústria – sobretudo as do processamento agroalimentar –, de muitos serviços e das
chamadas “public utilities”, algumas delas nacionalizadas apenas na era militar, como a ATT.
O que restou, finalmente, dessa época nas questões diplomáticas contemporâneas?
Talvez o mesmo princípio que já existia na era monárquica, ou durante os anos de
industrialização acelerada e provavelmente ainda hoje: o desejo de equilibrar as relações com
os diferentes parceiros externos, buscando vantagens econômicas, financeiras, comerciais,
tecnológicas com um ou outro polo dominante na nossa interface diplomática: a América de
um lado, a Europa de outro, como se fez no decorrer dos anos 1920. São destituídas de
fundamentos, portanto, essas interpretações maniqueístas de “alinhamento automático” ou de
submissão aos novos “centros de poder”. Eugênio Garcia por certo comprova que nossa saída
da Liga das Nações acarretou, também, um longo afastamento em relação à Europa, mas isso
se deu em função de circunstâncias próprias ao cenário internacional pós-1930, sem que
jamais as “novas amizades” tenham sido escolhidas pelo Brasil de forma peremptória ou pré-
determinada.
O autor pratica o mais saudável revisionismo que possa haver nas lides históricas,
aquele que emerge da leitura atenta dos documentos e dos fatos reais, não o das concepções
conspiratórias dos que veem no manifesto destino na nova Roma imperial o quadro
referencial incontornável e obrigatório da diplomacia brasileira no século XX.

Brasília, 20 de julho de 2006


Publicado na revista Política Externa
(São Paulo: vol. 15, n. 2, setembro-novembro 2006, p. 145-148)

Do leão britânico para a águia americana?

A versão corrente vê, no entre-guerras, a passagem do Brasil da esfera britânica para o


domínio americano, com base nos novos fluxos de comércio, investimentos e empréstimos,
que trocam a City por Nova York. Este livro, de um diplomata-historiador, demonstra que

123
eram mais complexas as relações do Brasil com seus dois principais parceiros. Partindo, não
de imagens pré-concebidas, mas de fontes documentais, o autor revisa os anos que vão da
Primeira Guerra à Revolução de 1930, tirando do limbo historiográfico um período crucial na
formação da diplomacia brasileira.
A revisão é bem-vinda, já que o período é movimentado. Versalhes, que efetuou o
primeiro ordenamento da era moderna, foi uma repetição – sem bailes ou diplomacia secreta –
do Congresso de Viena: a Liga das Nações tentou diminuir, sem conseguir, os ímpetos
guerreiros dos velhos imperialismos. O Brasil esteve presente na criação da nova ordem, mas
abandonou essa “ONU frustrada” poucos anos depois. Ele se projetou na América do Sul,
livre dos constrangimentos da século XIX, com as fronteiras já delimitadas por Rio Branco.
Garcia segue os passos da diplomacia brasileira no triângulo Europa-EUA-América do
Sul, organizando seu roteiro em torno de sete grandes eixos: 1) “rumo à Europa”, isto é, a
presença na Conferência de Versalhes; 2) “diplomacia econômica”, com a defesa do café e a
atração de capitais; 3) “equilíbrio estratégico na América do Sul”, e os ensaios de corrida
armamentista; 4) “comércio e finanças”, onde é mais visível a substituição de hegemonias; 5)
“experiência da Liga das Nações”, tentativa precoce de entrar em outro “Conselho”; 6) “de
volta à América”: o distanciamento da velha Europa e a reafirmação do americanismo; 7) “a
diplomacia antirrevolução das oligarquias”, tratando dos problemas do século (comunismo,
anticomunismo, imigração) e da gestão diplomática da Revolução de 1930.
O presidente se “intrometia” demais nos assuntos diplomáticos, como visto na saída,
“batendo a porta”, da Liga das Nações. As grandes potências, então como agora, nos tratavam
com negligência benigna, o que refletia, aliás, a pouca importância do Brasil no equilíbrio
mundial: éramos simples fornecedores de produtos de sobremesa.
O desejo de uma “aliança” com os Estados Unidos também é típica dessa fase, que
assiste à hegemonia ideológica do pan-americanismo, mais do que do pró-americanismo (que
teve vigência limitada em nossa história). Não existia ainda o “imperialismo americano”, pela
razão de que os europeus preenchiam esse papel. Os americanos eram amigos e os novos
donos do dinheiro fácil. O autor pratica um saudável revisionismo, que emerge da leitura dos
documentos e dos fatos reais, não das concepções conspiratórias dos que veem no manifesto
destino da nova Roma a referência obrigatória da nossa diplomacia no século XX.

Brasília, 25 de julho de 2006


Publicado na revista Desafios do Desenvolvimento
(Brasília: ano 3, n. 25, agosto 2006, p. 62)

124
O Brasil e o “perigo amarelo”

Resenha-artigo de
Valdemar Carneiro Leão:
A Crise da Imigração Japonesa no Brasil (1930 - 1934): Contornos Diplomáticos
(Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais –
IPRI, 1990, 360 p.; Coleção Relações Internacionais nº 10)

Não há nada que incomode mais a boa consciência dos povos do que o desafio da
alteridade e, nesta, o contato forçado com etnias e culturas diversas. O racismo, junto com a
estupidez, é provavelmente um dos fenômenos mais bem disseminados na história da
humanidade, mais entranhado, talvez, no inconsciente coletivo do que a própria religião e
muitos hábitos ancestrais.
A primeira metade do século XX ficou conhecida pela particular perversidade com
que a questão racial foi “encaminhada” em diversos países e sociedades. Os ideólogos da
pureza racial e do Apartheid nada mais faziam, no entanto, do que colocar em prática diversas
premissas “culturais” que foram sendo elaboradas a partir dos descobrimentos, tomando
impulso no racionalismo “antropológico” do século XVIII para finalmente desembocar nas
teorias “científicas” sobre a supremacia ariana no século XX. Enquanto o debate permaneceu
no terreno propriamente acadêmico, ele não chegou a causar grandes tragédias humanas,
embora suas consequências, a nível social, possam ter representado pequenas tragédias
individuais, como nos demonstrou brilhante estudo do naturalista Stephen Jay Gould a este
respeito (The Mismeasure of Man).
Mais complexa se tornou a questão quando os preconceitos legitimados
“cientificamente” foram transpostos para o terreno da ação pública e derivaram em
discriminação pura e simples, quando não em massacres e genocídios organizados. A esse
respeito, nenhuma outra sociedade (felizmente) conseguiu até aqui igualar a barbárie nazista,
em que pese o terrível custo humano e social de outras “experiências” de eliminação de
“adversários”, como o caso dos armênios sob o jugo turco ou de diversas populações asiáticas
sob ocupação japonesa. Mas, nenhum outro empreendimento humano conseguiu ser tão
cruelmente eficaz quanto a máquina burocrática da “solução final” posta em prática contra
judeus, ciganos, homossexuais e outras minorias, para não falar da escravização forçada de
populações eslavas inteiras.
A ideologia racista hitlerista, porém, à diferença do holocausto, hélas conhecido
tardiamente, não era particularmente chocante no contexto dos anos 1920 e 30, quando a tese
da “inferioridade inata” de algumas “raças” parecia estar empiricamente justificada, pelo
menos considerando o contexto colonialista e eurocêntrico em que o debate era conduzido.
Ser racista não era, por assim dizer, a suprema imoralidade, sobretudo numa época de
darwinismo social triunfante.
A percepção de uma “ameaça iminente”, representada por povos diferentes, era tanto
mais realista quanto o “outro” discrepava da aparente uniformidade e homogeneidade da
dominação cultural e religiosa europeia: o antissemitismo, especialmente, tinha ampla
aceitação nos mais diversos meios sociais. Abstraindo-se o itinerário da afirmação da ideia
sionista desde finais do século XIX, o antissemitismo constitui um capítulo à parte na história
das tragédias humanas, ademais de ser uma ferida ainda aberta no imenso altar da
imbecilidade social.
Ao lado dele, e quase que num movimento paralelo à expansão japonesa no Extremo
Oriente, teve grande voga naquela época a noção de “perigo amarelo”, refletindo a
consciência da fragilidade europeia em face das “hordas ululantes” de milhões de asiáticos
querendo se projetar sobre um cenário internacional até então dominado por um punhado de
nações industrializadas. A ascensão do Japão imperial, com seu expansionismo guerreiro,
também muito contribuiu para a difusão da noção de perigo amarelo.
A angústia existencial sobre o perigo amarelo também se refletiu entre nós, no
decorrer da década de 30, quando a sociedade brasileira, mobilizada social e ideologicamente
pelo grande debate político levado a cabo pela Assembleia Nacional Constituinte de 1933-34,
tratou da questão da imigração estrangeira para o Brasil. Com efeito, o processo de
reelaboração constitucional conduzido no quadro da jovem República “liberal” deu um
inusitado destaque ao “problema japonês” no Brasil, ao colocar em debate a questão dos
limites ou impedimentos à imigração de determinadas etnias ou “raças”.
Desde o início dos trabalhos, foram apresentadas emendas tendentes a restringir ou
proibir a imigração africana e asiática, e um deputado chegou mesmo a propor que apenas
fosse permitida a imigração de “elementos da raça branca”. O objetivo aqui, mais do que
proibir a entrada de africanos – que de toda forma já não viriam mais em bases voluntárias e
muito menos como escravos –, era claramente o de impedir a entrada de povos asiáticos, ou
seja o elemento japonês, considerado “de mentalidade estranha, de língua diversa, religião
diferente e positivamente inassimilável”.
O debate na Constituinte não deixa de ser “instrutivo”, quando julgado pelos
argumentos avançados. O principal proponente da proibição, recusando a pecha de racista,
afirmava candidamente: “... se já prestamos um tão grande serviço à humanidade na
126
mestiçagem do preto, é o bastante. Não nos peçam outras coisas... (...) A do amarelo, a outrem
deve competir”. O problema era também colocado em termos de “defesa nacional”, de
“segurança da pátria”, ou mesmo de vida ou morte do Brasil: “Se não se acautelar... o Brasil
dentro em pouco será uma possessão japonesa. (…) Aqui será o Império do Sol Poente... (…)
O expansionismo japonês, aquilo que Mussolini chamou o ‘imperialismo dinâmico do Japão’,
segue uma ordem invariável: infiltração, esfera de influência, absorção, ou se quiserem,
imigração, corealização [sic], japonização (…). Nós estamos no segundo período - esfera de
influência”. Não faltavam também os que viam no “número enorme de psicopatas
estrangeiros” nos manicômios nacionais – alguns deles asiáticos, descritos como
“esquizoides” – mais uma prova “irrefutável” da indesejabilidade da imigração
indiscriminada para o Brasil.
Mas, antes mesmo da Constituinte, a questão racial já se tinha manifestado nas
tribunas da Câmara e na própria sociedade, desde princípios dos anos 20. Ao apresentar, em
1923, projeto de lei restritivo sobre a questão, e que tinha recolhido expressivo apoio na
imprensa e na opinião pública – inclusive do respeitado sociólogo e cientista político Oliveira
Vianna –, um deputado expunha desta forma o lado “estético” do problema: “Além das razões
de ordem étnica, moral, política e social, e talvez mesmo econômica que nos levam a repelir
in limine a entrada do amarelo e do preto, (…) outra porventura existe, a ser considerada, que
é o ponto de vista estético: a nossa concepção helênica de beleza jamais se harmonizaria com
os tipos provindos de uma semelhante fusão racial”.
Esses e muitos outros argumentos edificantes, se é o caso de se dizer, estão
obviamente compilados na magnífica monografia histórica de Valdemar Carneiro Leão, cujo
objetivo principal, contudo, não é o estudo do “perigo amarelo”, estrito senso, no Brasil do
primeiro Governo Vargas. O “perigo amarelo” está, bem entendido, subjacente a esse trabalho
de pesquisa, que reconstitui com mão de mestre uma importante questão hoje relativamente
descurada em nossa historiografia política: a do contexto internacional da política imigratória
nacional. Trata-se, mais propriamente, de uma brilhante análise do comportamento do
Itamaraty em face desse debate interno, na Constituinte, sobre a questão imigratória japonesa,
que logo ganhou inevitáveis contornos políticos ao precipitar uma crise diplomática nas
relações do Brasil com o Império do Japão.
O volume agora publicado pelo Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, da
Fundação Alexandre de Gusmão, foi originalmente apresentado como tese de conclusão ao
Curso de Altos Estudos, do Itamaraty, em que se distinguiu o autor, diplomata de carreira e
graduado em Relações Internacionais pelo Institut d’Études Politiques da Universidade de
127
Paris. Formalmente, o trabalho se compõe de 180 páginas de denso texto analítico e
interpretativo, seguidas de igual volume de anexos informativos, contendo alguns documentos
diplomáticos e diversos discursos e intervenções realizadas na Assembleia Nacional
Constituinte entre janeiro e maio de 1934.
O texto, em si, é dividido em cinco capítulos, tratando, respectivamente, das origens e
desenvolvimento da imigração japonesa no Brasil, do cenário político no início dos anos 30,
do quadro geral das relações Brasil-Japão, inclusive no que concerne os trabalhos da
Constituinte, os contornos diplomáticos da crise e, finalmente, a análise da ação do Itamaraty,
seguidos das conclusões. A extensa bibliografia utilizada confirma que o autor apoiou seu
relato nas melhores fontes primárias disponíveis, com destaque para os expedientes
diplomáticos do Arquivo Histórico do Itamaraty e para os Anais da Assembleia Nacional
Constituinte, ademais de fazer apelo a escritos contemporâneos e jornais da época e a número
considerável de estudos secundários (inclusive dos principais protagonistas envolvidos no
debate imigratório do processo constituinte).
Estruturalmente, os temas mais importantes do estudo estão tratados no item sobre os
trabalhos da Constituinte do terceiro capítulo, no capítulo sobre os contornos diplomáticos da
crise (com destaque para a atuação do Itamaraty) e na parte final, que analisa a ação da
Chancelaria brasileira nas diversas etapas do processo de elaboração constitucional, inclusive
no que respeita as motivações e forma de atuação do Ministério das Relações Exteriores. O
autor fez extenso uso das comunicações diplomáticas trocadas entre Rio de Janeiro e Tóquio
durante a fase aguda da crise, tanto a nível interno, da Chancelaria brasileira, como entre os
dois serviços diplomáticos.
O estardalhaço provocado pelas primeiras emendas apresentadas (“É proibida a
imigração africana e só consentida a asiática na proporção de 5% anualmente sobre a
totalidade dos imigrantes dessa procedência...”; “Só será permitida a imigração de elementos
da raça branca...”) foi contornado no plano diplomático, apesar da repercussão e da polêmica
na imprensa e de uma atuação nem sempre comedida por parte do Gaimusho, o Ministério dos
Negócios Estrangeiros do Japão. O veto (discreto, mas eficaz) do Itamaraty a qualquer
distinção entre “raças” ou nacionalidades nas emendas restritivas da imigração apresentadas
na Assembleia produziu, é bem verdade, efeitos não vislumbrados de início: descobriu-se que,
ainda assim, a cota de 2% do contingente já entrado no País atingia mais os candidatos
japoneses do que os europeus, com o que ficaram satisfeitos os inimigos do “perigo amarelo”.
Para o Itamaraty, a questão de princípio tinha sido resolvida: preservava-se o ingresso de
imigrantes, sem qualquer discriminação, mas restringia-se o número anual em função de uma
128
norma geral de caráter nacionalista. Restava, é verdade, aplacar os maus humores das
autoridades nipônicas, interessadas em preservar um acesso irrestrito em favor de seus
nacionais, o que foi feito nas duas capitais, não sem dificuldades.
Para o autor, “a forma de atuação do Itamaraty ostentava perfeita coerência entre a
vertente interna [iniciativas discretas junto a políticos próximos do Governo] (…) e sua
complementação externa [contato permanente com a Chancelaria japonesa], sem a qual
poderiam ficar a descoberto suas delicadas manobras de bastidores” (p. 162).
Releve-se apenas, como a confirmar uma velha mania do Itamaraty, a opção
preferencial pelas gestões silenciosas, com a imprensa mantida à distância, e uma aversão
declarada pela “diplomacia de praça pública”. Como diz o autor: a ação do Itamaraty “foi de
tal modo cautelosa e de tal maneira privilegiou os canais informais que aparentemente passou
indocumentada. O corolário dessa discrição observada no plano oficial traduziu-se num
comportamento igualmente silencioso perante a imprensa brasileira, à qual o Itamaraty se
absteve, ao longo da crise, de fornecer informações sobre o trabalho que realizava” (p. 175).
Tal parece ser o espírito eterno da Casa de Rio Branco: uma intensa movimentação
diplomática, dispensando as luzes dos meios de comunicação e passando por canais os mais
discretos possíveis.
Constate-se, em todo caso, que nem sempre a opinião pública mostra-se disposta a
acompanhar tal linha de atuação: no caso do debate sobre a imigração japonesa, os agitadores
do “perigo amarelo” aparentemente conseguiram colocar a Nação contra o Itamaraty. Este é
provavelmente o preço a pagar por um método de trabalho (contatos internos e démarches
externas) absolutamente escrupuloso e respeitador das normas geralmente aceitas entre
cavalheiros. O certo é que, durante o que ficou caracterizado como a “crise da imigração
japonesa”, provavelmente mais do que em qualquer outra época de sua já longa história
institucional, o Itamaraty se viu compelido a atuar de forma tão intensa no plano político
interno.
Se a ação do Itamaraty não logrou sucesso total foi devido a duas razões principais:
por um lado, o momento nacional era de clara afirmação nacionalista e de discriminação
racial (um conceito atual para explicar os ‘ares da época’); por outro, o comportamento
internacional do Japão, com sua agressiva política expansionista na região asiática, dificultou
sobremaneira o rechaço da norma constitucional restritiva que finalmente se adotou. Até onde
pode, pelo menos, o Itamaraty conseguiu trazer a retórica parlamentar de volta ao terreno das
realidades internacionais, setor onde a suscetibilidade das nações conta tanto quanto o poder
econômico e político medido em termos objetivos.
129
O mérito principal do trabalho de Valdemar Carneiro Leão não é, contudo, o de ter
mostrado que, quando preciso, o Itamaraty também é capaz de “atirar para dentro”, se ele me
permite tal expressão. Devemos lhe ser gratos, antes de mais nada, pela apreciável corveia de
ter retirado do pó dos arquivos itamaratianos uma história exemplar de “dupla ação”
diplomática, no bom sentido: sincronização perfeita entre negociação externa e atuação
interna. Seu texto é ainda precioso do ponto de vista metodológico: a monografia condensa
um trabalho original de pesquisa, constituindo-se propriamente num paradigma do gênero
“história diplomática”, vertente historiográfica pouco cultivada entre nós. Como tal, ela
mereceria uma divulgação mais ampla do que a habitualmente permitida pelos canais (sempre
discretos, lembre-se) do Ministério das Relações Exteriores.
Louve-se, em todo caso, a iniciativa do IPRI de divulgar regularmente as melhores
teses apresentadas no quadro do Curso de Altos Estudos do Itamaraty. A Coleção Relações
Internacionais já tem dez títulos publicados, mas apenas a metade desse número compõe-se de
trabalhos defendidos no CAE, sendo os demais antologias de textos resultantes de seminários
de estudos e outros temas de atualidade.
Curiosamente, o trabalho de Valdemar Carneiro Leão é, de todos os textos publicados
(e provavelmente das teses apresentadas no CAE), o que mais longe recua no tempo,
buscando no passado os fundamentos de nossa atuação diplomática contemporânea.
Terminada sua viagem histórica e de “volta para o futuro”, Carneiro Leão nos demonstra, de
forma oportuna, a permanência das instituições e a constância dos homens: a do Itamaraty,
que pouco mudou em seu estilo de atuação, e a dos constituintes, que continuam a ver no
estrangeiro uma fonte potencial de ameaça à soberania nacional.
Na verdade, descontada a tão temida, mas inexistente, ameaça de dominação
econômica nipônica, o único “perigo amarelo” em que incorremos nos dias de hoje é o de ver
os papéis dos arquivos oficiais amarelecerem nas estantes sem que o grande público possa ter
acesso a partes substanciais da memória política da Nação. O resto é conversa de “botequim”
(leia-se gabinete) diplomático.

Montevidéu, 5 de setembro de 1990.


Publicado na Revista Brasileira de Política Internacional (Rio de Janeiro: ano XXXIII, n.
129-130, 1990/1, p. 137-141) e na Revista Brasileira de História (São Paulo: vol. 11, n.
22, março-agosto 1991, p. 197-213).

130
Jânio Quadros, diplomata

Resenha abreviada de
Carlos Alberto Leite Barbosa:
Desafio Inacabado: a política externa de Jânio Quadros
(São Paulo: Atheneu, 2007, 352 p.)

O governo do imprevisível Jânio Quadros durou exatos 205 dias, de janeiro a agosto
de 1961, mas foi provavelmente um dos mais “empolgantes” – qualquer que seja o sentido
que se dê à palavra – que a história política do Brasil conheceu. A sua diplomacia também
ficou inacabada, muito embora a “política externa independente” tenha tido continuidade no
governo João Goulart e depois, em pleno regime militar, com a renovação operada nas
prioridades diplomáticas a partir de Geisel.
O jovem diplomata Leite Barbosa, formado em 1959, acompanhou o errático
presidente enquanto espectador privilegiado, lotado no seu gabinete do começo ao fim, ou
mesmo antes, pois que participou da campanha eleitoral. O livro, bem pesquisado e
recuperando no “baú” da memória fatos e pessoas que a história documentada não registrou,
oferece uma contribuição excepcional ao estudo da política externa do sisudo chefe de Estado,
contraditório nas ações e surpreendente nas palavras. São reproduzidos alguns dos seus
famosos “bilhetinhos”, tão difíceis, ao Itamaraty, de cumprir quanto, na verdade, entender.
Um livro de um verdadeiro insider, indispensável, doravante, aos pesquisadores do
período.

Brasília, 27 de agosto de 2007


Publicada na revista Desafios do Desenvolvimento
(Brasília: IPEA, n. 35, setembro de 2007, p. 63)

131
O Brasil nos arquivos americanos: um guia de pesquisas

Apresentação ao volume
Paulo Roberto de Almeida, Rubens Antônio Barbosa e Francisco Rogido Fins
(organizadores):
Guia dos Arquivos Americanos sobre o Brasil: Coleções documentais sobre o Brasil nos
Estados Unidos
(Brasília: Funag, 2010, 244 p.; ISBN: 978-85-7631-274-1)

Os Estados Unidos sempre foram, historicamente, o principal parceiro do Brasil nos


mais variados tipos de intercâmbios e transações da área econômica, sobretudo nos terrenos
comercial, financeiro e tecnológico, posição ocupada de modo absolutamente dominante
durante todo o decorrer do século XX. Mas eles também foram, de variados modos e de
maneira sempre intensa, um grande interlocutor em campos de difícil quantificação ou
mensuração pelos economistas e pelos estatísticos, como são o da cultura e o das
humanidades, num sentido amplo, tendo seus estudiosos e pesquisadores participado de
maneira intensa do próprio processo de construção das ciências humanas na academia
brasileira, sobretudo na segunda metade do século passado.
Nos velhos tempos, nossas elites iam estudar na Europa e de lá traziam não só os
conhecimentos próprios dos cursos e os produtos e processos vinculados às principais
atividades econômicas do Brasil, mas também os artigos da moda e os itens sofisticados que
qualificavam seus possuidores pela distinção e luxo que então passavam a exibir. Em épocas
passadas, a elite brasileira ostentava maneiras e expressões francesas, consumia bens
comprados nas boutiques de Paris, mas os serviços e a cobertura financeira eram feitos na
praça de Londres, junto aos banqueiros britânicos. Algumas outras contribuições, inclusive de
natureza humana, provinham das regiões mediterrânea, ibérica e central da Europa, mas o
essencial dos insumos e bens tangíveis e intangíveis vinha mesmo dos dois grandes países
europeus que marcaram nossa história nas vertentes já indicadas: produtos e finanças inglesas,
maneiras e ideias francesas.
Um último resquício dessa antiga hegemonia europeia tinha sido conservado no pós-
Segunda Guerra: o domínio da alta cultura e o das chamadas “ciências do espírito”, terreno no
qual os franceses continuaram a pontificar durante bastante tempo, como evidenciado nos
muitos vínculos universitários dos dois lados do Atlântico – criados no entre-guerras – e na
grande receptividade dada às ideias francesas em filosofia e história, quando não em outros
campos das ciências sociais. Até uma personagem carnavalesca como Chiquita Bacana era

133
existencialista, à la Jean-Paul Sartre, como convinha nesses tempos de hegemonia absoluta da
rive gauche sobre a haute culture e a da rive droite sobre a haute coûture, quando ambos os
modismos franceses dominavam os corações e mentes das elites, assim como nossas
referências culturais de modo geral.
Pois bem, desde o final dos anos cinquenta e início dos sessenta, pelo menos, os
acadêmicos dos Estados Unidos vêm comprovando sua crescente excelência também nos
campos das humanidades, completando assim uma “ocupação de terreno” que já tinha
começado no início do século XX pelos primeiros empréstimos da praça de Nova York, pelos
investimentos industriais pioneiros, pelos filmes de Hollywood e pelas muitas inovações da
cultura de massas americana. Não se trata aqui, apenas, do fenômeno dos brasilianistas, ainda
que tais pesquisadores sejam o lado mais visível do intenso intercâmbio acadêmico – e por
certo também cultural – que cresceu significativamente a partir da Guerra Fria, período que
coincide com certa “americanização” do Brasil, como já ressaltado em estudos de brasileiros e
de americanos. O Brasil passou, desde então, a consumir produtos, serviços, finanças e ideias
americanas, em substituição (e até na ausência, durante um certo tempo) dos similares
europeus, e seus universitários passaram a ir em maior número para os centros de formação
pós-graduada dos Estados Unidos. Esse processo foi bem mais evidente nas disciplinas
técnico-científicas, das ciências econômicas e de administração, mas ele não deixou tampouco
de manifestar-se em outras áreas, aliás não exclusivamente acadêmicas. A moda, ainda que
não o chic (que continuou em Paris), parece ter-se mudado para os Estados Unidos, pelo
menos em sua vertente popular, vinda tanto da costa leste, como da costa oeste, para não falar,
tempos depois, da moda country, que converteu-se em verdadeira febre no Brasil.
Trata-se de uma “impregnação cultural” bem mais ampla do que pode ser revelado por
esses fluxos formais ou oficiais de bens e de ideias circulando com as pessoas que costumam
viajar de um país a outro, e que são, afinal de contas, em número extremamente reduzido
quando comparado às populações totais, ou mesmo ao volume desses “turistas acidentais” da
vida cultural que são os bolsistas do mundo acadêmico. O que está em causa é uma verdadeira
osmose cultural, um fenômeno de massas que se manifesta sobretudo na música, no cinema e
na televisão, movimento bem mais intenso, é verdade, do norte para o sul do hemisfério do
que no sentido inverso, ainda que o fluxo contrário não seja desprezível tampouco. A bossa
nova, por exemplo, incorporou-se de tal forma ao mainstream musical americano, que hoje é
difícil separar o original brasileiro da cópia americana. Quem visita os malls e as lojas de
departamento dos Estados Unidos não terá deixado de ouvir faixas musicais brasileiras
repetidas ao longo do dia, a ponto de nos perguntarmos se os direitos de propriedade
134
intelectual sobre nossas composições estão sendo respeitadas na terra que mais defende
mundialmente os copyrights de seus próprios autores e artistas.
Aspecto menos conhecido dessas múltiplas interações entre o Brasil e os Estados
Unidos, a não ser dos historiadores e especialistas em arquivos, são os documentos de
natureza histórica – expedientes oficiais e relatos oficiosos, que comprovam a intensidade das
relações bilaterais, praticamente desde antes da nossa independência e de modo bastante
intenso a partir do século XX. Com efeito, como a esta coletânea pretende demonstrar, o
“país” Brasil, mas também as “coisas” brasileiras de modo geral estão muito presentes,
mesmo desde antes da independência, nos registros diplomáticos, consulares e nos papéis de
negócios de agentes privados e de agentes oficiais americanos. Assim como não se pode
compreender a história do Brasil moderno e contemporâneo sem levar em conta essas
múltiplas interações com os Estados Unidos ao longo de mais de dois séculos, tampouco se
pode pretender escrever sua história – oficial, nacional ou mesmo “popular” – sem uma
referência às fontes documentais guardadas nos arquivos americanos. Como revelado neste
volume, elas são muitas, elas são diversas e, sobretudo, elas estão bem organizadas e são
facilmente disponíveis.
O presente Guia dos Arquivos Americanos sobre o Brasil revela uma parte, uma
pequena parte apenas, das várias interfaces existentes entre o Brasil e os Estados Unidos a
partir das fontes primárias americanas depositadas em instituições de acesso aberto. O esforço
conduzido pela Embaixada do Brasil em Washington, durante a gestão do Embaixador
Rubens Antônio Barbosa (1999-2004), sob a coordenação intelectual do Ministro-Conselheiro
Paulo Roberto de Almeida representa uma contribuição para o conhecimento ampliado da
nossa própria história e da sociedade brasileira com base nesses registros documentais
depositados em instituições americanas.
Este livro não foi o único exemplo dos esforços empreendidos pelo Embaixador
Rubens Barbosa, à frente da Embaixada em Washington, para ampliar o conhecimento
recíproco – sendo pelo menos o terceiro livro que resultou de estudos e projetos acadêmicos
por ele meritoriamente conduzidos – mas ele é, provavelmente, o resultado mais eloquente de
uma iniciativa que tem muito a ver com uma atividade estimulada e coordenada à época pelo
Ministério da Cultura, a saber o Projeto Resgate “Barão do Rio Branco”, de identificação e
recuperação de documentos relativos à história do Brasil depositados em arquivos
estrangeiros, que se desenvolveu com mais intensidade desde a fase preparatória das
comemorações dos 500 anos da chegada de Cabral à terra brasilis. Ele vem juntar-se aos

135
guias de fontes já publicados para diversos arquivos europeus e aos muitos catálogos de
documentos portugueses relativos às capitanias brasileiras da era colonial.
Pode-se destacar aqui por que e em quê este Guia é importante para o Brasil, em
especial para sua comunidade acadêmica. Não é necessário voltar ao tema da relevância dos
Estados Unidos para o Brasil, já acima referida, mas deve-se, antes de mais nada, destacar
uma peculiaridade deste volume de referência. À diferença de projetos similares ou
equivalentes de identificação e apresentação das fontes documentais sobre a história do Brasil
que vêm sendo feitos em arquivos de Portugal e de outros países europeus, este “Projeto
Resgate” americano não poderia ter partido da catalogação extensiva, da microfilmagem
subsequente e da divulgação ulterior dos principais fundos existentes nos Estados Unidos, por
uma razão muito simples: a tarefa seria interminável e propriamente não administrável. Com
efeito, se nos casos da Europa – já objeto de vários levantamentos e da publicação dos
catálogos pertinentes – os estoques de documentos sobre os quais trabalharam os
pesquisadores eram (relativamente) finitos, ou pelo menos mensuráveis, e se encontravam,
por assim dizer, “congelados” (já que incidindo, em sua maior parte, sobre o período colonial
de nossa história), no caso dos Estados Unidos esse estoque é dinâmico e praticamente
infinito, pois que as coleções mais importantes se estendem pelos dois últimos séculos e
cobrem uma atualidade tão recente quanto eventos e processos transcorridos em nossa própria
geração, com protagonistas ainda vivos e atuantes nos cenários político, econômico, militar
ou cultural. No caso dos Estados Unidos, hipoteticamente, uma opção de tipo “europeu”
demandaria recursos financeiros incomensuráveis e incompatíveis com as possibilidades
atuais do Brasil e um período de tempo proporcional à extensão e profundidade dos fundos
disponíveis para cópia.
A definição de um modelo de levantamento aplicável ao caso americano, portanto, se
deu na direção de uma descrição relativamente completa dos principais centros depositários
de papéis e outras fontes primárias para a pesquisa histórica sobre o Brasil nos Estados
Unidos. Dentre essas instituições, as mais importantes se situam justamente na capital
americana: os Arquivos Nacionais, a Biblioteca do Congresso e a Biblioteca Oliveira Lima,
junto à Universidade Católica da América. Em relação a esta última, por exemplo, o
Embaixador Rubens Barbosa procurou contribuir com a preservação e a disseminação, em
benefício dos pesquisadores brasileiros, dos materiais ali depositados, legados pelo famoso
diplomata e historiador brasileiro da passagem do século XIX ao XX, mas muito ainda resta a
ser feito para democratizar o acesso aos seus ricos materiais.

136
O Projeto Resgate da Embaixada do Brasil em Washington permitiu, assim, identificar
e apresentar, na maior extensão possível, os documentos sobre o Brasil depositados nas
instituições americanas, a começar pelos National Archives and Records Administration
(NARA). Não é necessário falar da importância desses documentos para a pesquisa sobre as
relações bilaterais, sobre a política externa regional e as relações internacionais do Brasil,
bem como para o estudo de sua história doméstica, política, social, econômica, militar e
cultural. O ideal seria que a documentação assim identificada pudesse ser reproduzida
(mecanicamente ou digitalmente) para ser colocada à disposição dos principais arquivos
brasileiros dotados de tais tipos de papéis (Arquivo Nacional e Arquivo Histórico
Diplomático, do Ministério das Relações Exteriores, ambos no Rio de Janeiro), bem como
disseminada para outros centros de pesquisa universitária, uma vez lograda sua reprodução
em meio eletrônico.
Este material se juntaria assim às dezenas de microfilmes dos arquivos do Foreign
Office britânico e do próprio NARA que já foram adquiridos nos anos oitenta mediante
projeto coordenado pelo sociólogo Luciano Martins e depositados naqueles dois arquivos
oficiais. As séries que já se encontram no Brasil vão, grosso modo, até o ano de 1959, mas no
caso americano se trata de papéis exclusivamente diplomáticos, à exclusão, portanto, de
outras agências oficiais americanas que podem apresentar relevância para as relações
bilaterais e para o estudo de outros problemas, no âmbito regional, mundial ou relativos a
instituições e conferências internacionais (estariam neste caso documentos dos departamentos
do Tesouro e do Comércio, do Eximbank, da Comissão de Energia Atômica, da International
Trade Commission, dos antecessores do United States Trade Representative, sem esquecer os
arquivos presidenciais). Dispensável dizer, também, que vários desses papéis, e não apenas do
Department of State no período posterior a 1959, mas também de agências especializadas,
ainda não foram totalmente microfilmados pelo NARA. Fontes ainda não exploradas pelos
historiadores, em especial aqueles da vertente econômica, são os arquivos da duas
organizações “irmãs” de Bretton Woods, o FMI e o Banco Mundial, que possuem acervos que
merecem escrutínio detalhado na área financeira.
Na impossibilidade prática, que se espera temporária, de se lograr a catalogação
completa desses fundos, para fins de informação dirigida aos pesquisadores interessados no
Brasil, sob formato de publicação descritiva, ou da reprodução desses documentos nos
formatos adequados para sua transferência a arquivos brasileiros e disponibilização em meio
digital, a Embaixada em Washington realizou, no período de 2001 e 2002, este levantamento
preliminar sobre os fundos documentais dos Estados Unidos sobre o Brasil e preparou, a
137
partir daí, este Guia, que contém uma identificação precisa dos fundos existentes, nos
formatos disponíveis (microfilmes, textuais, audiovisuais).
Este levantamento constitui um valioso instrumento de auxilio à pesquisa para todos
os estudiosos do Brasil trabalhando com documentação dos Estados Unidos (e não apenas
para o estudo de questões bilaterais). Muito ainda resta a ser feito, por todos aqueles
interessados, justamente no sentido de se lograr copiar algumas das mais importantes séries
documentais nessas instituições, objetivando colocá-las à disposição dos historiadores e
cientistas sociais do Brasil. É uma tarefa que não incumbe apenas às autoridades de governo,
mas a toda a comunidade potencialmente usuária e beneficiária desse tipo de material.
Algumas das próximas etapas podem compreender, por exemplo, a documentação
relativa ao período colonial brasileiro existentes em fundos americanos, de maneira a
completar o trabalho já iniciado em relação às fontes europeias sobre a história do Brasil. As
principais instituições, nesse caso, seriam o próprio NARA – onde existem muitos
documentos relativos ao Brasil do período anterior à independência –, a Biblioteca do
Congresso, bem como bibliotecas universitárias como a John Carter Brown – da Brown
University, em Providence, Rhode Island – e a Biblioteca Oliveira Lima, onde se encontram
manuscritos interessando à história portuguesa e brasileira dos seiscentos aos oitocentos e os
papéis do arquivo particular do grande diplomata brasileiro (cadernos de notas, recortes,
fotos, correspondência passiva, originais manuscritos de vários de seus livros etc.). No mundo
ideal dos arquivistas, dos documentalistas e dos pesquisadores se deveria, logo em seguida,
efetuar a conversão em formato eletrônico de todo o material assim recuperado e
microfilmado, de maneira a permitir a confecção de DVDs, ou de quaisquer outros meios
digitais, e lograr, finalmente, o acesso mais amplo possível desses arquivos e papéis online
(como aliás, algumas fontes o fazem).
Esperando que possa chegar logo essa “utopia” arquivista, os pesquisadores
interessados podem agora consultar este primeiro volume de resultados desse projeto de
“resgate” de papéis históricos americanos efetuado pela Embaixada do Brasil em Washington,
sob a forma desta obra de referência, Guia dos Arquivos Americanos sobre o Brasil.
Cumprimentos especiais devem ser dirigidos a todos os que participaram – o que compreende
também a consultora especial do Ministério da Cultura, e coordenadora técnica do Projeto
Resgate “Barão do Rio Branco”, Esther Caldas Bertoletti – ou que financiaram este projeto –
como a fundação de apoio à cultura Vitae –, assim como cabem agradecimentos ao
Embaixador Rubens Antonio Barbosa e ao Ministro Paulo Roberto de Almeida, que ao lado e
acima de suas muitas ocupações diárias, por certo intensas na primeira missão do serviço
138
diplomático brasileiro, conseguiram conduzir um projeto tão relevante como este para o
estudo do Brasil e suas relações exteriores.
Este guia foi composto com o objetivo de resgatar e de preservar um dos “pedaços” de
memória brasileira espalhados pelo mundo, neste caso nos EUA. O esforço empenhado em
sua produção visou , em última instância, oferecer ao público em geral, em primeiro lugar aos
historiadores e aos pesquisadores brasileiros, um guia útil das fontes primárias lá disponíveis
sobre nossa história. Estes últimos serão, justamente, poupados em certa medida do “esforço”
de localizar locais, de identificar catálogos pertinentes e de selecionar documentos nas bases
de dados das instituições pesquisadas, ganhando com isso um precioso tempo quando eles
dispõem apenas de curto período de pesquisa. Este volume representa uma missão cultural
que pode ser classificada como serviço público, no sentido e, que ele colabora com o trabalho
de recuperação de nossa história no exterior.

Brasília, dezembro de 2007

Addendum do Editor:
A versão desta nota final publicada pela Funag é esta:

Addendum em outubro de 2010:


Esta apresentação foi feita antes da presente publicação dos originais, que só agora se
materializa, preservando contudo o GUIA sua utilidade metodológica, mesmo sabendo-se que
na área dos arquivos, a cada dia podem ser desvelados novos documentos e condições
logísticas para o acesso aos fundos que interessam aos pesquisadores estão a sofrer
permanentes e contínuas modificações, pela própria natureza dos acervos.

Addendum do Autor:
Esta apresentação, feita praticamente quatro anos depois da preparação dos originais, ainda
teve de esperar mais três anos para sua materialização gráfica, por motivos alheios à vontade
dos organizadores deste volume. A despeito da defasagem temporal, o Guia preserva sua
utilidade metodológica, já que consolidando algumas informações práticas relevantes para os
pesquisadores desejosos de trabalhar nos arquivos americanos, mesmo se, no intervalo,
muitos dos arquivos aqui referidos conheceram notável ampliação do acervo disponível,
assim como algumas mudanças práticas nas condições logísticas para o acesso aos fundos que
interessam aos pesquisadores.
Shanghai, 12 outubro 2010

139
Segunda Parte
O Brasil e o multilateralismo
O Brasil no sistema político multilateral: uma perspectiva de 50 anos

Resenha-artigo de
Ministério das Relações Exteriores:
A Palavra do Brasil nas Nações Unidas: 1946-1995
(Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1995, 596 p.; introdução e comentários do Emb. Luiz
Felipe de Seixas Corrêa)

Present at the creation é como o ex-Secretário de Estado norte-americano Dean


Acheson chamou seu livro de memórias, que trata, em larga medida, da emergência do
sistema internacional no pós-guerra. A inspiração do título é retirada de famosa frase de um
imperador espanhol, segundo o qual, “se [ele] tivesse estado na criação do mundo, teria dado
alguns bons conselhos ao Criador...”
O Brasil, precisamente, fez parte do seleto grupo de países que desempenhou um
papel ativo no nascimento das organizações multilaterais do último meio século, podendo
assim, a justo título, argumentar que também deu bons conselhos a seus idealizadores. Com
efeito, embora com modestos resultados – em razão de sua reduzida capacidade de ação
internacional –, em São Francisco o Brasil participou intensamente do processo de delicadas
negociações políticas que conduziram à instituição da ONU, sucessora da malfadada Liga das
Nações. Meia centena de países estiveram presentes à criação da ONU, apesar de que seu
desenho básico tenha sido acertado reservadamente pelas lideranças políticas de apenas três
dentre eles, os Estados Unidos de Roosevelt, o Reino Unido de Churchill e a União Soviética
de Stalin, aos quais mais tarde vieram juntar-se, como membros permanentes do Conselho de
Segurança, a França de De Gaulle e a China de Chiang Kai-shek.
Uma das preocupações do Brasil – manifestada de forma recorrente durante o meio
século decorrido desde então – foi a de, efetivamente, buscar diminuir, no próprio ato de
criação, o grau de arbítrio acordado às grandes potências sobre a condução dos negócios
internacionais: em São Francisco o delegado brasileiro se posicionou contra o direito de veto
acordado aos cinco membros permanentes, muito embora o País procurasse, ambiguamente,
inserir-se – assim como em 1926 e atualmente – no inner sanctum do poder mundial. Em
todo caso, o Brasil, que a partir de 1949 passou a inaugurar o período anual de sessões da
Assembleia Geral, sempre reafirmou o primado do direito sobre a força, o da ética
universalista sobre o egoísmo do interesse estreitamente nacional. Outra preocupação básica,
inspiradora da diplomacia econômica multilateral do Brasil, é com o desenvolvimento

143
econômico e social dos países menos avançados, mediante o reforço do papel do Conselho
Econômico e Social e a intensificação da cooperação internacional nessa área.
Se houve alguma “utopia brasileira”, nestes 50 anos de participação nas assembleias
gerais da ONU, ela foi, como argumenta o embaixador Seixas Corrêa, a “utopia da justiça
universal”, uma utopia que “tem os olhos postos no porvir”, de “um país singular que busca
encontrar-se consigo mesmo, ao mesmo tempo que procura construir o seu lugar na História”.
Sua introdução ao volume, assim como as bem redigidas notas anuais de apresentação, são
essenciais para situar os discursos dos delegados brasileiros no contexto internacional e
nacional que cercou cada uma das assembleias gerais da ONU neste último meio século.
Como ressaltado pelo funcionário do Itamaraty, alguns dos discursos “são mais explícitos,
outros algumas vezes reticentes; alguns revelam-se inovadores, outros conservadores; alguns
mais acadêmicos, outros mais orientados para o plano da operação diplomática. Tomados em
seu conjunto, [os] textos constituem (...) um breviário da política externa brasileira”. Eles
também revelam, segundo o diplomata, algumas das dicotomias da diplomacia brasileira:
nacionalismo e internacionalismo, realismo e idealismo, ocidentalismo e terceiro-mundismo,
continuidade e mudança.
Na primeira sessão, por exemplo, o delegado brasileiro advertia que se o homem
não for treinado para manejar corretamente a “energia cósmica” que acabava de ser criada,
“poderá ser tragado por ela”. Em 1951, numa profissão de fé latina, se prometia “juramento
de eterna lealdade ao Cristianismo, ao império da lei e à cultura do Mar Mediterrâneo”.
Oswaldo Aranha, em 1957, deixa de situar o Brasil no universo europeu-norte-americano para
identificá-lo como latino-americano e como país em desenvolvimento. Em 1961 Affonso
Arinos expõe os princípios da política externa independente, mas recusa a caracterização de
“neutralista” para o Brasil. O movimento militar de 1964, com sua opção declarada pela
“interdependência” dos países pertencentes ao sistema ocidental, reverte o discurso brasileiro
na ONU à velha bipolaridade dos anos clássicos da guerra fria e justifica, em 1965, a
intervenção na República Dominicana. Mais adiante, todavia, o Brasil recusa o
“congelamento do poder mundial”, opõe-se ao tratado de não-proliferação nuclear negociado
exclusivamente segundo o interesse das grandes potências e passa a falar na “diplomacia da
prosperidade”.
Com efeito, enfatizando um dos temas mais recorrentes da argumentação discursiva
da política externa brasileira nos diversos foros multilaterais, o que essencialmente se ouve
nas assembleias gerais da ONU são as constantes afirmações do delegado brasileiro sobre a
necessidade de desenvolvimento como garantidor da própria paz mundial. O Brasil tinha sido
144
um dos principais articuladores da constituição da UNCTAD e da UNIDO e não deixa de
lamentar o fracasso de algumas de suas conferências, assim como das duas “décadas do
desenvolvimento”. Azeredo da Silveira saúda, em 1977, a convocação de conferências
especializadas sobre cooperação técnica entre países em desenvolvimento e sobre ciência e
tecnologia para o desenvolvimento. Saraiva Guerreiro, no contexto das demandas por uma
nova ordem econômica internacional e por uma Estratégia Internacional para o
Desenvolvimento, recheia seus discursos de conceitos que alguns identificariam com o
terceiro-mundismo.
De uma forma geral, o discurso brasileiro mantem, ao longo de todos esses anos,
suas constantes onusianas: reforma da Carta, recusa de um mundo gerido pelas grandes
potências, desarmamento universal, cooperação para o desenvolvimento, preeminência do
direito internacional e, cada vez mais, promoção dos direitos humanos e da democracia. A
retórica da descolonização e da autodeterminação chocava-se, em eras passadas, com o apoio
velado dado a Portugal, mas a condenação do racismo e do apartheid sempre foi explícita. A
ênfase pan-americana dos primeiros anos converte-se na prioridade atribuída à América
Latina no período recente, assim como a busca de uma “relação especial” com os Estados
Unidos — não tratada, obviamente, nos discursos da AGNU — é substituída pelo reforço dos
laços com a Argentina, prenúncio do Mercosul. A proposta, feita em 1986, de uma “Zona de
Paz e Cooperação no Atlântico Sul” leva o Brasil a retomar sua capacidade de iniciativa nos
foros multilaterais, algo descurado desde o lançamento, no final dos anos 50, da frustrada
“Operação Pan-Americana” no âmbito hemisférico.
Nos últimos anos, ao mesmo tempo em que o Brasil se libertava de alguns
constrangimentos do passado — democracia limitada, suspeitas de proliferação nuclear,
situações de descontrole econômico e de indiferença com os problemas sociais —, o País
passa a sofrer novas pressões internacionais em virtude das questões ambiental e social: a
Amazônia e os direitos humanos inserem-se nos discursos onusianos. Preparando-se para a
acolher a conferência do meio ambiente no Rio de Janeiro, o Brasil deixa a postura defensiva,
voltando também a propugnar a reforma da Carta. Em seu discurso de 1989, o presidente
Sarney sugere a introdução de uma nova categoria de membros permanentes no Conselho de
Segurança, sem o direito de veto. Os instrumentos bi- ou quadrilaterais assinados com a
Argentina, a ABACC e a AIEA no campo das salvaguardas nucleares cumprem, para todos os
efeitos, no plano internacional, a determinação constitucional de utilização da energia atômica
exclusivamente para fins pacíficos.

145
Celso Lafer, em 1992, dá ênfase aos direitos humanos como valores absolutos e
Celso Amorim, em 1993, propõe a atualização dos “três D’s” expostos por Araújo Castro
trinta anos antes, substituindo a descolonização pela democracia, ao lado dos problemas
permanentes do desarmamento e da democracia. Amorim também apoia decisivamente, como
não poderia deixar de ser, a proposta Agenda para o Desenvolvimento e, em 1994, reivindica
abertamente, pela primeira vez, uma cadeira para o Brasil no Conselho de Segurança.
Finalmente, na 50a. sessão, o ministro Luiz Felipe Lampreia confirma o interesse brasileiro
na ampliação do CSNU e faz um balanço do papel da ONU em suas primeiras cinco décadas
de existência.
A compilação editada pela Fundação Alexandre de Gusmão constitui, assim, um
retrato fiel, mesmo se parcial, da atuação diplomática multilateral brasileira entre 1946 e
1995, oferecendo uma síntese condensada do discurso e da prática da política externa
brasileira nesse período. Como afirma o chanceler em sua apresentação, a obra passa “a
constituir uma fonte autorizada de referência histórica e doutrinária. (...) Ênfases, avaliações,
intuições e sensibilidades da política externa brasileira revelam-se com particular acuidade
nos discursos da Assembleia Geral”. A ONU sempre foi o grande cenário para o exercício das
melhores virtudes e qualidades da diplomacia política multilateral do Brasil, assim como o
GATT e a UNCTAD o foram no campo da diplomacia econômica. Tanto em 1946, presente
na criação, como em 1995, participante de seu cinquentenário, o Brasil fala da reforma da
Carta: é o tema que ocupará seus melhores diplomatas no futuro imediato.

Brasília, 24 de fevereiro de 1996.


Inédito na versão completa.
Publicado em versão resumida na Revista Brasileira de Política Internacional (Brasília: vol.
39, n. 1, janeiro-julho de 1996, p. 182-183).

146
A diplomacia econômica do Brasil no contexto multilateral

Capítulo introdutório de
Paulo Roberto de Almeida:
O Brasil e o multilateralismo econômico
(Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1999, 328 p.; ISBN: 85-7348-093-9;
índice completo da obra neste link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/30Multilateralismo1999.html)

O estudo das relações econômicas internacionais do Brasil é inseparável de uma


análise de cunho histórico sobre a emergência e o desenvolvimento do multilateralismo
econômico contemporâneo bem como de uma investigação acadêmica sobre o mandato
institucional e o modo de funcionamento de suas organizações multilaterais mais
representativas. As relações econômicas internacionais do Brasil são comumente
identificadas com algumas das questões recorrentes que costumam frequentar o
cotidiano dos jornais econômicos: déficits comercial e de transações correntes,
integração sub-regional, financiamento do desenvolvimento, medidas antidumping,
adequação da paridade cambial num mundo de turbulências financeiras, movimentos de
capital e remessas de juros e dividendos dos investidores diretos, entrada e saída dos
capitais especulativos, mercados de commodities, formação de blocos comerciais
regionais e processos de liberalização econômica, enfim problemas e tendências que são
discutidos ou negociados no âmbito de organizações e foros internacionais como o FMI,
a Organização Mundial do Comércio, o G-7 ou o Banco Mundial.
Em contraste com essas instituições mais conhecidas, muito pouco se fala, na
maior parte das obras publicadas em nosso País, da OCDE, da UNCTAD ou de foros
mais restritos como o Clube de Paris, cujos mandatos negociadores ou simplesmente
analíticos também têm a ver com os problemas econômicos enfrentados pelo Brasil no
contexto da globalização. Com efeito, poucos são os ensaios sobre a “política
econômica externa” do Brasil que conseguem ilustrar ou destacar o papel dessas
entidades no processo de inserção internacional do País. Mais raros ainda são aqueles
que conseguem visualizar tais organizações internacionais em perspectiva histórica,
acompanhar sua lenta evolução e desenvolvimento institucional — desde o Congresso
de Viena até o surgimento da OMC — ou registrar a participação do Brasil em cada
uma delas. Este livro pretende preencher esta lacuna, com destaque para os foros

147
normalmente negligenciados em obras do gênero, como a OCDE ou a UNCTAD, por
exemplo.
Pode-se argumentar que a análise da participação do Brasil em organizações ou
foros desse tipo não tem o caráter estratégico que ela assume no caso do sistema
multilateral de comércio ou dos processos de integração regional e hemisférico. De fato,
poucos observadores informados disputariam a importância fundamental que
apresentam hoje, para a inserção internacional do Brasil ou para a atual fase de
modernização, de estabilização e de transição estrutural de sua economia, questões
prementes como os processos de integração regional no âmbito do Mercosul ou
hemisférico no quadro de uma futura Alca, a atuação do Brasil na Organização Mundial
do Comércio ou, ainda, a delicada administração da política comercial, de modo geral,
num contexto de acirrada concorrência internacional. Mas não se pode negar, tampouco,
que a agenda diplomática brasileira comporta uma entrada para o capítulo das relações
com o G-7/G-8, com o Clube de Paris, com a OCDE e com as instituições de Bretton
Woods. Por certo, essas relações não podem ser colocadas como um problema de
adesão ou de não adesão, de retração ou de aumento da participação do Brasil no
sistema decisório de cada uma dessas entidades ou foros. Trata-se de uma interação
mais sutil e complexa, como o próprio desenvolvimento deste trabalho procurará
revelar.
Algumas das entidades aqui estudadas, em especial o FMI e a OCDE, são
consideradas como integrando uma espécie de “diretório econômico mundial”, como os
centros organizadores por excelência da interdependência econômica contemporânea,
com uma característica básica: a de que o sistema econômico a que elas pertencem
poderia, a rigor, ser chamado de global mas não de universal. De fato, tanto o status
diferenciado de seus membros, assim como os mecanismos e processos assimétricos de
decisão e de comando que as distinguem identificam essas organizações como
pertencendo a um “mundo de ricos” e a um cenário de responsabilidades desiguais que
apresenta, basicamente, uma configuração orwelliana: todos os países são formalmente
iguais, nos termos do direito internacional, mas na prática alguns são “mais iguais” do
que outros.
O que isso pode significar para um país “subdesenvolvido” como o Brasil na
presente conjuntura fin-de-siècle de mudanças econômicas fundamentais e de
transformações políticas cruciais? Deveria ele buscar, a despeito de tudo, um ingresso
negociado nessas entidades dos “mais iguais”? Para expor de forma clara os argumentos
148
do autor, digamos que a questão não se coloca, para o Brasil, de buscar sua inserção
econômica internacional num sentido primariamente ou meramente “adesista”. Trata-se
de um processo de lenta maturação, de assunção de responsabilidades globais,
contemporâneo da própria emergência econômica do País e de sua participação,
voluntariamente ou não, nas grandes correntes da interdependência econômica global. O
Brasil já foi inserido na globalização desde a era dos descobrimentos dos séculos XV-
XVI, no momento de sua independência política e novamente na fase das grandes
migrações europeias, e seria renunciar à sua condição histórica de formação social
“cosmopolita” manter-se hoje à margem desse processo em toda a sua extensão.
A questão não está, portanto, em recusar ou admitir, de maneira falsamente
ideológica, a interdependência global, nem esta se limita à adesão ou presença ativa em
algumas poucas entidades multilaterais do “primeiro mundo”. Esse problema da
inserção do Brasil no cenário econômico global deve ser visto como indissociável da
formulação mesma de um projeto de política externa. Trata-se, no caso deste livro, de
aportar evidências sobre a relevância das organizações mais representativas do
multilateralismo econômico no atual contexto internacional e mais especificamente de
sua relevância para o Brasil em seu processo de aggiornamento econômico em vista dos
grandes desafios do momento. Nesse sentido, elementos opinativos e juízos de valor
eventualmente “ideológicos” contidos numa obra que propõe, em termos claros, a
necessidade de uma relação de ativa interdependência entre o Brasil e essas
organizações, apontam na verdade para uma certa “utopia de atitudes”, quais sejam, a
identificação dos instrumentos, a seleção das orientações práticas e a implementação
das políticas assim definidas para os objetivos perseguidos pela “economia política” de
nosso comportamento externo.
Em que pese o julgamento severo do sociólogo Karl Mannheim — ainda válido,
apesar de formulado mais de meio século atrás —sobre a relação antitética entre a
ideologia e a utopia, 9 não se pode elidir completamente o elemento utópico na
formulação de um projeto de política, mesmo no campo da política externa, onde as
relações de poder e as situações de conflito, tal como enunciadas pela teoria neorrealista
das relações internacionais, tendem a suplantar as aspirações de cooperação e de ação
coordenada, como pretendido pela teoria institucionalista. 10 Aliás, é o próprio

9 Ver Karl Mannheim, Ideology and Utopia. New York: Routledge and Kegan, 1953.
10 David A. Baldwin (ed), Neorealism and Neoliberalism: the contemporary debate. New
149
Mannheim que coloca a mentalidade utópica como uma das etapas da realização das
aspirações. No que se refere à relação do Brasil com as organizações mais
representativas do multilateralismo contemporâneo, poderíamos dizer, para retomar o
conceito de um outro filósofo alemão, que ela representa, do ponto de vista da política
externa brasileira, uma “planificação utópica do futuro”. 11

A interdependência econômica global


Do nosso ponto de vista, essa construção utópica configura uma nova dimensão
das relações internacionais do Brasil e não apenas em sua vertente puramente
diplomática, mas igualmente no que se refere aos aspectos econômicos do contínuo
esforço de inserção do País nos grandes fluxos internacionais de bens, serviços, capitais,
tecnologia, informação. Essa inserção poderia, eventualmente, dispensar a
interdependência, da mesma forma como alguns observadores, e não apenas na
esquerda, sugerem que o Brasil poderia ou pelo menos deveria evitar ou adiar a
globalização. 12 Tal tipo de inserção poderia pugnar, ao contrário, pelo que alguns dos
críticos da globalização chamam de “inserção soberana”. O problema, contudo, — e
aqui entra o elemento igualmente “ideológico” da maior parte dessas propostas — é que
esse “projeto de inserção soberana” na economia mundial não é jamais definido em
termos precisos, não indica quais seriam os limites da soberania, nem comporta
objetivos específicos a serem atingidos pelo Brasil ao cabo desse processo, podendo-se
apenas afirmar que ele corresponderia a um vago desejo de “inserção-sem-
globalização”.
O autor deste livro acredita, ao contrário, que a inserção econômica
internacional do Brasil se fará bem mais facilmente — e de modo mais consentâneo
com as necessidades atuais da “economia política” das relações externas do País — se a
plena aceitação da interdependência econômica for incluída nessa planificação de nosso
futuro imediato. Apesar de que o economista-historiador Alexander Gerschenkron
formulou uma vez, não sem uma ponta de ironia, seu desejo de ver aplicada uma multa
cada vez que conceitos tais como os de “necessidade” ou “necessário” fossem

York: Columbia University Press, 1993; Robert O. Kehoane, International Institutions and
State Power: essays in international relations theory. Boulder, Co.: Westview Press, 1989.
11 Reinhart Koselleck, Kritik und Krise: eine Beitrag zur Pathogenese der bürgerlichen Welt
(1959), citado segundo a edição italiana, Critica Illuminista e Crisi della Società Borghese.
Bolonha: Il Mulino, 1972, p. 8.
12 Ver Geraldo Banas, Globalização: a vez do Brasil? São Paulo: Makron Books, 1996.
150
indevidamente utilizados nos trabalhos historiográficos ou sociológicos, 13 a plena
aceitação da interdependência global pelo Brasil se nos afigurou, ao cabo de um
trabalho de pesquisa basicamente histórico em sua estrutura e desenvolvimento, como
uma necessidade do momento.
Feitas as advertências metodológicas que são de praxe neste tipo de análise
acadêmica, vejamos como se situa o objeto de análise, seu interesse para a diplomacia
econômica do Brasil e quais seriam os principais elementos do trabalho aqui
apresentado. Ele trata, inclusive em perspectiva histórica, do papel das organizações
multilaterais no sistema econômico contemporâneo e de como uma ativa interação do
Brasil com essas entidades poderia facilitar uma melhor inserção internacional do País
no cenário da globalização. Essas relações são vistas de uma perspectiva global —
sobretudo no se refere à posição dos países em desenvolvimento no sistema multilateral
de comércio — e de uma maneira evolutiva, tanto em busca do passado como numa
discussão atualizada sobre os problemas atuais da agenda econômica e política
brasileira.
O capítulo segundo se ocupa da estrutura política do desenvolvimento
econômico brasileiro, isto é, do contexto histórico e institucional que enquadrou, desde
a abertura dos portos, as relações econômicas internacionais do Brasil. O terceiro trata
da emergência e da evolução do sistema econômico multilateral, desde 1815 até a
atualidade, terreno no qual se observou um certo incremento de participação no nível
interestatal. Entre, de um lado, o Congresso de Viena, no qual estiveram representados
apenas oito Estados “cristãos”, as conferências da paz da Haia e o tratado de Versalhes,
que envolveram pouco mais de duas dezenas de países, e, de outro lado, o sistema
onusiano, inaugurado com pouco mais de cinquenta países membros mas atualmente
praticamente universal em termos de participação política de Estados soberanos, a
sociedade internacional conheceu uma profunda democratização nos últimos dois
séculos, mesmo que os fundamentos do poder não tenham passado por qualquer
modificação substancial. Esse fenômeno de ampliação da antiga “democracia
censitária” é particularmente visível na elaboração de normas e instituições para o
relacionamento econômico internacional, onde as organizações multilaterais de
cooperação técnica desempenham relevante papel na construção da interdependência.

13 Cf. Alexander Gerschenkron, Economic Backwardness in Historical Perspective, citado


segundo a edição italiana do livro, Il Problema Storico della Arretratezza Economica. Turim:
Einaudi, 1974, p. 338.
151
Este capítulo histórico segue, na longa duração, a evolução do multilateralismo,
fundamentalmente em sua vertente econômica, e examina a inserção internacional do
Brasil, um dos poucos países da periferia a terem participado ativamente da construção
da “ordem econômica internacional” em várias épocas, através de uma presença
diplomática nas diversas conferências multilaterais que presidiram à concepção e ao
nascimento dessas organizações intergovernamentais de cooperação. Os demais
capítulos enfocam diferentes aspectos do sistema multilateral de comércio, com ênfase
na inserção do Brasil e dos países em desenvolvimento na economia mundial, tratando
em especial das origens e primeiras etapas das instituições de Bretton Woods, da
história de meio século do GATT e, mais recentemente, da OECE/OCDE, da UNCTAD
e da OMC.
A análise se faz ao abrigo da noção de interdependência, que nos parece um
conceito-chave para situar e compreender a formação progressiva da ordem econômica
mundial contemporânea, a despeito mesmo da predominância de uma potência
economicamente hegemônica durante grande parte desse período. A ordem econômica
internacional do pós-guerra, tal como concebida e implementada pela primeira vez em
Bretton Woods, acatou basicamente a concepção anglo-saxã de uma “economia
política” mundial, na qual os elementos de interdependência se adequaram a uma
estrutura de natureza hierárquica: tanto durante a era clássica da Pax Britannica, como
no da Pax Americana que a sucedeu, no decorrer deste “longo século XX” 14 do
capitalismo triunfante, a predominância de uma economia hegemônica, mas animada da
concepção liberal de organização social dos mercados, não impediu que fossem
traçados os fios da interdependência mundial. É certo que ela era comandada por uns e
suportada por outros, a ponto de se poder parafrasear George Orwell: na economia
mundial, todos os seus integrantes são interdependentes, mas alguns são mais
interdependentes do que outros.
A alternativa socialista ao capitalismo realmente existente não ocupou senão um
“pequeno” intervalo histórico de setenta anos nos dois séculos aqui examinados.
Também é certo que, ao contrário dos fascismos históricos, o socialismo real, tão
vilipendiado por seus inimigos ideológicos, não foi diretamente responsável pelas

14 A menção é ao ensaio de história braudeliana de Giovanni Arrighi, The Long Twentieth


Century (Londres: Verso, 1995), consultado em sua edição brasileira, O longo século XX:
dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Editora
UNESP, 1996.
152
terríveis catástrofes políticas e econômicas que se abateram sobre uma era de
incomensuráveis sofrimentos humanos que, aos olhos de um historiador marxista, 15
pôde ser apresentada como o “breve século XX”. Assim, por exemplo, a ameaça
bolchevique não explica a “segunda guerra de trinta anos”, na expressão de Arno
Mayer, 16 que, entre 1914 e 1945, destruiu a Europa e retirou-lhe a hegemonia mundial,
nem a depressão dos anos 30 e a escalada protecionista e unilateralista que se seguiu,
deixando uma herança de práticas mercantilistas numa época que, finalmente,
reencontra o liberalismo cem anos depois que ele tinha conhecido sua fase áurea.
Uma alternativa concreta ao “modo burguês de produção” nunca figurou, salvo
raras exceções, na agenda histórica real da maior parte dos países em desenvolvimento,
que se contentaram, num quadro de instabilidade política bem conhecida, com
experiências diversas de dirigismo econômico e de intervencionismo estatal. Ao cabo de
meio século de tentativas de autonomia econômica e de industrialização substitutiva, os
países em desenvolvimento, antes animados pela ideologia desenvolvimentista que
caracterizou a CEPAL e a UNCTAD, chegam — malgré eux, em alguns casos — à
aceitação da interdependência, agora num quadro econômico e político marcado pela
ortodoxia econômica (o chamado “consenso de Washington”) e pelo primado da
democracia liberal. Poucos são os que aceitam voluntariamente a “ideologia” da
globalização, mas a maior parte deles parece disposta a enfrentar suas consequências
práticas, num processo que bem poderia ser descrito, em termos weberianos, como de
Entzauberung, isto é, de desencantamento (econômico) com o mundo.
Como tenta demonstrar este ensaio, não é essencial, a seu processo de inserção
internacional, que o Brasil ingresse no G-7/G-8, no Conselho de Segurança das Nações
Unidas ou que ele aumente sua participação nos demais foros do multilateralismo
contemporâneo, como as organizações de Bretton Woods, o Clube de Paris e a OCDE.
Seria contudo importante que suas políticas públicas e setoriais possam beneficiar-se da
experiência multiforme dessas entidades e eventualmente inspirar-se no padrão “típico-
ideal” de racionalidade econômica tal como proposto por essas organizações. Está claro
que o Brasil não deve pautar sua política econômica externa e, de modo geral, suas

15 Ver Eric J. Hobsbawm, Age of Extremes: the short twentieth century, 1914-1991. Londres:
Michael Joseph, 1994; ver em especial os capítulos 13, “Real Socialism”, e 16, “End of
Socialism”, pp. 372-400 e 461-499. Existe edição brasileira, pela Companhia das Letras.
16 A segunda guerra de trinta anos começa, na verdade em 1870; cf. Arno Mayer, The
Persistence of the Old Regime: Europe to the Great War. Londres: Croom Helm, 1981;
também existe edição brasileira, pela Editora Campus.
153
políticas globais ou setoriais por esquemas ideais de organização produtiva,
administrativa ou social determinados de maneira exógena, tanto porque não há um
modelo único, quimicamente puro, de estrutura política e econômica mais propenso que
outros — calvinista, asiático ou outro ainda não detectado — ao desenvolvimento
integrado de um Estado-nação. Os modelos históricos de desenvolvimento econômico e
social, aliás, apenas surgem a posteriori, nada mais sendo do que generalizações mais
ou menos abstratas de experiências nacionais relativamente bem sucedidas.
Não há, com efeito, na teoria política e na sociologia do desenvolvimento,
modelos baseados em fracassos históricos e as entidades representativas do
multilateralismo econômico contemporâneo constituem, hoje, em dia, um modelo
relevante de “racionalidade econômica” porque os padrões ali seguidos puderam provar
sua funcionalidade e operacionalidade do ponto de vista da interdependência capitalista.
Ninguém espera, finalmente, que o Brasil seja outra coisa, neste fin-de-siècle dominado
pelo mercado e pela democracia política, do que um país basicamente capitalista,
progressivamente “internacionalizado” e irrestritamente aberto à interdependência
global, inclusive para disputar seu espaço na arena mundial e exportar o que ele produz
de melhor em termos de bens materiais e valores espirituais, numa saudável exploração
de suas vantagens comparativas.

A agenda econômica internacional do Brasil


No decurso dos últimos cinquenta anos, a agenda econômica mundial passou por
diferentes etapas e processos de estruturação, densificação e de aumento da participação
de atores individuais ou coletivos (espaços de integração), trazendo as relações
econômicas internacionais do plano predominantemente bilateral no qual ela se situava
no período entre-guerras para o âmbito cada vez mais disseminado das negociações
multilaterais.
No decorrer do século XIX e na primeira metade do século XX, o conteúdo
essencial dessas relações era determinado por acordos bilaterais de comércio — que
geralmente continham a cláusula de nação-mais-favorecida, mas muitas vezes sob a
forma condicional e restrita — e por umas poucas entidades intergovernamentais
dedicadas aos aspectos técnicos da cooperação internacional: “uniões” postal e
telegráfica, escritórios de ligações ferroviárias ou marítimas, convenções sobre
propriedade industrial e direito autoral. Os capitais circulavam livremente durante a era

154
clássica do laissez-faire e as transações bancárias e com ouro não conheciam restrições
de monta até o final da belle-époque.
A primeira guerra mundial destruiu os fundamentos dessa ordem liberal,
introduzindo em seu lugar o protecionismo e restrições dos mais diversos tipos aos
fluxos de bens, serviços e capitais. Alguns acordos de matérias-primas tentaram reduzir
desequilíbrios entre a oferta e a procura de determinados bens, mas eles tiveram escasso
sucesso em sua implementação. As cláusulas econômicas da paz de Versalhes e
algumas das instituições ali criadas (OIT, Liga das Nações) tentaram reduzir o potencial
de conflitos embutido no sistema discriminatório então existente, baseado nos sistemas
coloniais de reservas de mercado e de preferências tarifárias.
A crise dos anos 1930 e a depressão que se seguiu bloquearam qualquer solução
cooperativa para os problemas do comércio mundial de bens e dos fluxos de
pagamentos: as políticas de “exportação do desemprego”, de desvalorizações
competitivas, bem como os sistemas discriminatórios de intercâmbio (muitos baseados
na compensação estrita) e de controle de capitais mergulharam a maior parte do sistema
capitalista numa das piores crises já conhecidas em sua história econômica mundial.
Ao reunirem-se, ainda durante a segunda guerra, as potências aliadas buscaram
reconstruir em novas bases a ordem econômica internacional, reduzindo o grau de
bilateralidade discriminatória em favor de um sistema tanto quanto possível multilateral,
dotado de regras transparentes e não-discriminatórias e aberto à adesão contínua de um
número cada vez mais amplo de parceiros. Pode-se dizer que a histórica econômica
mundial, de Bretton Woods a Marrakesh, constitui um itinerário imperfeito em busca
desses ideais, num processo permeado por ensaios e erros, por tentativas e frustrações
em torno do princípio sacrossanto do tratamento nacional e da cláusula da nação-mais-
favorecida. Os interesses nacionais — e dentro deles os interesses de grupos
econômicos determinados —, assim como o grau diferenciado de desenvolvimento
industrial dos países participantes do sistema econômico multilateral conjugaram-se
para diminuir substantivamente o cenário ideal desenhado no final da segunda guerra.
O sempre crescente número de participantes tornou igualmente complicada a
obtenção de um mínimo de consenso em matérias dotadas de evidente complexidade
substantiva, razão pela qual muitos setores da atividades econômica permaneceram à
margem de qualquer regulamentação multilateral. Em 1944-45, meia centena de países,
se tanto, se reuniam para constituir as principais organizações do pós-guerra, em
Bretton Woods e em São Francisco, por exemplo, para a constituição do FMI-BIRD e
155
da Organização das Nações Unidas, respectivamente. O GATT começou a funcionar
com apenas oito ratificações, dentre os 23 países que participaram, em 1947, das
primeiras negociações comerciais multilaterais. No final do século XX, quase duas
centenas de países integravam o sistema da ONU, ao passo que a conclusão da Rodada
Uruguai de negociações comerciais era assinada por mais de 115 representantes de
partes contratantes.
A OMC se constituiu, em 1995, com mais de 120 países membros, ao passo que
sua antecessora histórica, a Organização Internacional do Comércio, aprovada por 53
países participantes da Conferência sobre Comércio e Emprego de Havana (1947-48),
tinha recolhido, três anos depois, não mais do que duas ratificações, o que
evidentemente inviabilizou por completo sua entrada em vigor. O velho GATT de 1947
contava com um punhado, se tanto, de países em desenvolvimento, que sequer
participaram das primeiras rodadas de redução tarifária. Ao reclamarem, em princípios
dos anos 1960, a adjunção de uma vertente dedicada ao desenvolvimento na agenda
comercial internacional, esses países se agruparam no que ficou conhecido como o
Grupo dos 77, logo integrado por mais de 120 países.
Meio século atrás, a agenda econômica internacional era dominada por um
punhado de países — um grupo não muito diferente do atual G7 —, à exclusão dos que
então tinham “optado”, voluntariamente ou não, pela economia centralmente planificada
e daquelas zonas econômicas que conformavam a periferia formal e informal das
potências colonizadoras. Em Bretton Woods, por exemplo, atuaram basicamente os
Estados Unidos e o Reino Unido, que se opuseram mais intensamente entre si do que o
fizeram os interesses ocidentais àqueles representados pela então União Soviética. Em
contraste, para discutir o impacto e os desafios trazidos pela crise financeira asiática de
1997-1998, o G-7 convocou outros quinze países emergentes — ex-socialistas e em
desenvolvimento — num foro informal logo conhecido como sendo o G-22, cuja
agenda de debates não diferia muito daquela que estava sendo conduzida paralelamente
pelo FMI.
Se é verdade que, em princípios do século XXI, essa agenda continua de certa
forma a ser dominada, como no século XIX, pelos interesses das economias mais
avançadas — o “diretório econômico” do G7 —, o processo decisório tornou-se bem
mais complexo, ou pelo menos mais participativo, a despeito mesmo de uma relativa
convergência conceitual em torno dos princípios da economia capitalista. O conteúdo
temático e o alcance das negociações, finalmente, se ampliaram dramaticamente para
156
setores regulatórios cada vez mais extensos e substantivos, fazendo com que a
normatividade internacional penetrasse em campos de intervenção econômica antes
restritos à soberania exclusiva dos Estados.
O Brasil participou ativamente da conformação e da negociação substantiva
dessa agenda econômica internacional do último meio século, tendo sua diplomacia
exercido certo protagonismo na definição dos interesses dos países anteriormente
chamados de “subdesenvolvidos” e mais recentemente de “em desenvolvimento”. De
uma maneira geral, pode-se dizer que a política exterior do Brasil, nestas últimas cinco
ou seis décadas, foi antes de tudo a expressão de uma economia política, podendo ser
traduzida num único conceito global: diplomacia do desenvolvimento. O nacional-
desenvolvimentismo, a partir da era Getúlio Vargas, passou a ser a chave das relações
econômicas internacionais do Brasil e também o princípio orientador da política exterior
do Brasil desde essa época até os nossos dias.
Essa diplomacia econômica centrada numa agenda voltada para a
industrialização e o desenvolvimento do país foi, durante algum tempo, sinônimo de
protecionismo exagerado, de nacionalismo estatizante e de fechamento à economia
mundial. Desde a crise dos anos 80 e o início do processo de integração regional, a
política econômica interna e a postura internacional do Brasil têm apresentado novas
facetas e características, típicas de um país em fase de transição para uma nova etapa de
seu desenvolvimento econômico. A diplomacia profissional brasileira, sobretudo em sua
vertente econômica multilateral, vem acompanhando essas inflexões e correções de
rumo, quando não determinado algumas das novas orientações em matéria de política
econômica externa. Uma perspectiva ampla da participação brasileira nas principais
organizações econômicas do pós-guerra, tal como estudada neste trabalho, revela quais
foram as principais preocupações de nossa diplomacia.

A história como instrumento da análise econômica


A abordagem privilegiada nesta obra é essencialmente de natureza histórica,
ainda que ela contenha uma parte importante de discussão sobre as políticas econômicas
— macroestruturais e setoriais — e seu impacto na formulação das políticas públicas
em geral, como alavancas relevantes, provavelmente estratégicas, de qualquer exercício
de inserção internacional de um país minimamente interessado em se fazer ouvir no
chamado concerto mundial. Mas, é a metodologia histórica que sustenta os argumentos
de “economia política” que permeiam todo o trabalho. Isto se deve a que a informação
157
histórica constitui a base indispensável de toda e qualquer análise sobre processos de
inserção nas relações econômicas internacionais.
Assim, a descrição dos principais instrumentos e organismos econômicos
multilaterais ou, ainda, a exposição e discussão, por exemplo, das particularidades
brasileiras no contexto da ordem econômica mundial e, a mais forte razão, a discussão
dos modos de inserção dos países em desenvolvimento no sistema econômico
multilateral — envolvendo comércio de bens e serviços, fluxos de capital, tecnologia,
informação proprietária, etc., — seguem, fundamentalmente, um método histórico de
análise e diagnóstico dos problemas que se encontram na agenda desses atores
respectivos. Isto não quer dizer que o método de abordagem aqui seguido seja
simplesmente linear, partindo dos documentos, fazendo a crítica apropriada de
determinadas posições, através das perguntas pertinentes ou adequadas, estabelecendo
comparações e traçando o roteiro do que, no seguimento de um Ranke, os historiadores
chamam de “o que se passou efetivamente”: wie es eigentlich gewesen. 17 A essa
história fatual ou história-período, um grande espírito do conhecimento histórico
contrapunha, há mais de cem anos já, a história-problema: o grande preceito de Lord
Acton, no final do século XIX, era “estudem os problemas, não os períodos”. 18
Na verdade, mesmo os historiadores que estudam períodos limitados, elaboram
“sua” história a partir de um certo número de questões — as hipóteses de trabalho de
toda dissertação científica —, que devem estar suficientemente explícitas para julgar se
o resultado obtido corresponde verdadeiramente aos objetivos da pesquisa. As questões
mais importantes deste trabalho se referem à emergência do multilateralismo
contemporâneo e à forma pela qual o Brasil se inseriu no sistema da economia
internacional.
O presente livro busca, no modesto terreno que é o seu, contribuir para que,
através de um conhecimento mais acurado da história da Ordem internacional
contemporânea, a política econômica externa do Brasil, um Estado-nação extremamente

17Essa famosa frase é retirada do Prefácio ao seu livro Histórias das Nações Latinas e
Germânicas a partir de 1494-1514 (1824): “À História se atribuiu o dever de julgar o
passado, de instruir nossos tempos para o benefício dos anos futuros. Este ensaio não aspira a
tão nobre dever; ele apenas pretende mostrar como ela aconteceu realmente — wie es
eigentlich gewesen”. Cf. “Leopold von Ranke” in Peter Gay e Victor G. Wexler, Historians
at Work, vol. III: Niebuhr to Maitland. New York: Harper & Row, 1975, p. 16.
18A referência está em Lord Acton, A Lecture on the Study of History, delivered at Cambridge,
june 11, 1895 (Londres: Macmillan, 1895), citado por Antoine Prost, Douze Leçons sur
l’histoire. Paris: Seuil, 1996, p. 75. Ver também François Furet, De l’histoire récit à l’histoire
problème. Paris: Diogène, 1975.
158
desigual e insuficientemente desenvolvido do ponto de vista tecnológico e científico,
possa superar alguns dos atuais impasses de seu desenvolvimento e alcançar um grau de
Progresso social compatível com as aspirações de sua população. O trabalho do
diplomata nada mais representa, finalmente, do que a tarefa sempre renovada de tentar
inserir o País, da melhor forma possível, nessa ordem internacional ainda relativamente
anárquica de um fin-de-siècle definitivamente marcado por uma Entzauberung
diplomático-weberiana, de maneira a habilitá-lo a utilizar, também da melhor forma
possível, os recursos eventualmente disponíveis para impulsionar o progresso da Nação.
Essa aspiração, como já se disse, costuma separar o verdadeiro estadista do
simples homem político e, ainda que se considere o diplomata como um mero executor
de diretrizes estabelecidas hierarquicamente — algo assim como um burocrata da
política externa e não como um formulador de linhas de ação —, não há porque negar-
lhe o direito de, não apenas cumprir instruções e executar ordens superiores, mas
também de buscar para seu País os melhores caminhos para uma inserção internacional
bem sucedida, digna de granjear-lhe o respeito dos membros da comunidade de nações.
A bibliografia arrolada in fine sobre a inserção econômica internacional do
Brasil não evidencia provavelmente todas as fontes de estudo e pesquisa efetivamente
utilizadas pelo autor ao longo de muitos anos de leitura paciente e notas minuciosas
sobre temas de história econômica brasileira, sobre problemas de relações internacionais
e sobre questões gerais de política externa e a diplomacia brasileira em particular. 19
Muitos outros artigos e livros, já incorporados em trabalhos anteriores, ficaram assim à
margem de uma citação explícita como referência imediata de discussão de um
determinado problema. Mas, a listagem ali efetuada consolida algumas das dívidas
intelectuais contraídas pelo autor ao longo da preparação deste livro.

Brasília, 25 de maio de 1998; revisão em fevereiro de 1999.

19 Uma discussão de ordem metodológica e uma análise de crítica historiográfica sobre as relações
internacionais do Brasil foram apresentadas respectivamente nos ensaios “Relações Internacionais do
Brasil: introdução metodológica a um estudo global”, Contexto Internacional, Rio de Janeiro: vol. 13,
n° 2, julho-dezembro 1991, pp. 161-185, e “Estudos de Relações Internacionais do Brasil: Etapas da
produção historiográfica brasileira, 1927-1992”, Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília:
ano 36, n° 1, 1993, pp. 11-36.
159
Comércio e diplomacia: história e atualidade

Resenha de
Demétrio Magnoli e Carlos Serapião Jr.:
Comércio Exterior e negociações internacionais: teoria e prática
(São Paulo: Saraiva, 2006, 378 p.)

Trata-se de uma obra correta: indispensável em muitos cursos de graduação em


relações internacionais (talvez alguns de pós, também), que costumam servir aos alunos uma
mistura de antiglobalização e de preconceitos contra o livre comércio. Supõe-se que nos
cursos de economia ou de administração a realidade seja um pouco diferente – que os
professores não tentem, por exemplo, desmentir David Ricardo –, mas, mesmo para estes, o
livro seria útil, pois que contém bem mais do que a simples teoria e prática do comércio
exterior. Ele está “colado” às realidades comerciais, brasileira e internacional.
Escrito por um diplomata e um pesquisador acadêmico, o livro combina méritos em
dois campos: a reconstituição sintética, na Unidade I, da evolução histórica do comércio
internacional, do mercantilismo à globalização, seguida, na Unidade II, de uma exposição
igualmente breve, mas adequada, das teorias sobre o comércio internacional. Pena que essa
parte se encerre por um capítulo solitário de “introdução às negociações internacionais”,
quando este tema deveria compor, de conformidade com o título da obra, uma unidade inteira.
A Unidade IV tenta substituir esse vasto campo, tratando do processo decisório em política
comercial, mas os seus dois capítulos são desiguais e algo insatisfatórios.
O filet mignon do livro está na Unidade III, sobre “política comercial brasileira”, mas,
na verdade, ela não se conforma ao conceito, pois tratando, não dos princípios e práticas da
política comercial ao longo dos últimos 60 anos, desde o protecionismo varguista até a
abertura “neoliberal”, e sim das experiências do Mercosul, Alca, OMC e de outras
negociações. Essa parte é relevante, mas um pouco dependente de matérias de jornais, de
comunicados de chancelarias e de artigos de revistas. Os autores citam casos concretos, que
ilustram a política comercial praticada pelo Brasil, mas o conjunto dá a impressão de uma
assemblagem heteróclita de episódios conjunturais ilustrativos da teoria, antes que uma
análise sistemática da essência e da prática da política comercial.
Esta parte demonstra, também, que mesmo autores experientes no tratamento de
questões internacionais podem incorrer em postura enviesada na avaliação do mérito relativo
de políticas comerciais concretas. Em perspectiva implicitamente comparativa em relação às
posturas adotadas, respectivamente, pelo Mercosul e pelo Chile – um membro associado do
160
bloco desde 1996 e cortejado, desde sempre, para um “ingresso pleno” – os autores revelam
visão involuntariamente introvertida, ou “mercosuliana”, dessas relações. Eles acham, por
exemplo, que a aceitação pelo Chile de um acordo de livre comércio com os EUA
“distanciou, ainda mais, do ponto de vista político, o Chile do Mercosul” (p. 324), como se a
política comercial do Mercosul fosse o paradigma pelo qual devessem ser julgadas as
políticas comerciais de outros países. Do ponto de vista estritamente econômico, parece bem
mais racional a “entrada” do Mercosul no Chile do que o inverso, observados o coeficiente de
abertura externa e as duas dúzias de acordos de livre comércio – com plena garantia de
acesso, portanto – já concretizados pelo país andino com os mais diferentes parceiros.
Diversas passagens revelam ambiguidades no pensamento dos autores, como é o caso
da teoria das vantagens comparativas. Eles acham que “o livre comércio foi uma ideologia
nascida na Grã-Bretanha que foi decisiva para a abertura de mercados externos para os
produtos industrializados britânicos” (p. 180), esquecendo-se de que a abolição das “leis dos
cereais” se deu com vistas ao abastecimento do mercado interno daquele reino em produtos
importados. Eles também parecem concordar com List em que o Tratado de Methuen (1713),
de Portugal com a Inglaterra, “ajudou a financiar a revolução industrial inglesa”, num dos
mais clamorosos equívocos de interpretação da “grande transformação” – basicamente interna
– da economia britânica no decorrer do século XVIII. Más leituras de história econômica são
incrivelmente persistentes, como o prova ainda hoje o sucesso de Ha-Joon Chang e do seu
livro de inspiração “listiana”, Chutando a Escada, que incorre em diversos desses equívocos
históricos.
No cômputo global, porém, e levando em conta a pobreza da bibliografia nessa área, o
livro de Serapião e Magnoli preenche de modo satisfatório a necessidade de atualização da
literatura e de discussão bem embasada dos principais problemas ligados ao comércio
internacional para os cursos pertinentes (relações internacionais, economia e administração,
quando não os de ciência política ou ciências sociais aplicadas, de modo geral). Numa
próxima edição, sugere-se que os autores eliminem o caráter de “assemblagem” de matérias
de jornais, sistematizem e uniformizem sua reflexão sobre todos os pontos tratados e
produzam um verdadeiro textbook acadêmico sobre políticas e negociações comerciais.

Brasília, 22 de fevereiro de 2007.


Publicado na revista Desafios do Desenvolvimento
(Brasília: IPEA-PNUD, ano 4, n. 32, março de 2007, p. 62)

161
Uma visão aroniana do novo século

Prefácio ao livro
Paulo Roberto de Almeida:
Os primeiros anos do século XXI: o Brasil e as relações internacionais contemporâneas
(São Paulo: Editora Paz e Terra, 2001; ISBN: 85-219-0435-5; índice completo neste link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/45SeculoXXI2002.html)

All written history is a compound of past and present.


Cicely Veronica Wedgwood

Este livro condensa o resultado de leituras e pesquisas acumuladas ao longo das duas
últimas décadas, período no qual exercícios explicativos conduzidos no quadro de atividades
docentes desempenhadas pelo autor foram combinados a esforços de síntese induzidos pela
prática diplomática para produzir diversos trabalhos de relações internacionais, alguns deles
publicados, a maior parte inéditos. Ele combina, assim, parafraseando a historiadora inglesa
Wedgwood, escritos do passado e reflexões do presente, na tentativa de oferecer elementos de
avaliação sobre que alternativas e possibilidades de inserção exitosa a conformação futura do
sistema internacional oferece a um país de médio porte como o Brasil.
No plano acadêmico, mais especificamente, o livro nasceu de uma preocupação do
autor em avaliar se os ensinamentos de um dos maiores intérpretes das relações internacionais
na era da Guerra Fria e da bipolaridade nuclear, o escritor francês Raymond Aron, tinham
ainda validade intelectual e aplicação prática numa era pós-Guerra Fria e de preeminência
incontestável de uma única superpotência. Tratava-se, em suma, de desenvolver reflexões a
partir de uma releitura das obras de Aron, à luz das transformações observadas no sistema
internacional desde o desaparecimento do intelectual francês, cuja morte, em 1983, precedeu
em mais de um lustro o final da Guerra Fria. Daí a aproximação do título desta obra, Os
primeiros anos do século XXI, ao da obra póstuma de Aron, Os últimos anos do século, que
consolidou suas reflexões sobre o funcionamento do sistema internacional no início da
penúltima década do século XX.
No plano profissional, o desafio era o de saber se argumentos desenvolvidos mais de
duas décadas atrás por um intelectual representativo de uma potência nuclear, ainda que
“média”, ofereciam um quadro analítico adequado para subsidiar esforços de
conceptualização conduzidos contemporaneamente no âmbito da política internacional por
um servidor diplomático de um país da “periferia”. Os trabalhos de Raymond Aron
constituiriam, ainda, uma espécie de “guia para a ação” num cenário significativamente
162
transformado em relação aquele analisado pelo filósofo francês das relações internacionais?
Seria possível extrair novos ensinamentos das velhas lições dadas na Sorbonne pela genial
autor de Paz e Guerra entre as Nações? As páginas que se seguem dirão se o esforço atual de
análise do cenário internacional, inspirado na obra do polemólogo francês, atende aos cânones
da disciplina acadêmica e responde a preocupações do momento. O autor tem, contudo, plena
consciência de que a maior tentação — alguns prefeririam dizer o pior pecado — em que
pode cair o “revisionista histórico” consistiria em reler os acontecimentos do passado com os
olhos postos no presente. Nesse caso, o historiador estaria então, consciente ou
inconscientemente, renegando a modesta autocrítica de Wedgwood — segundo a qual, todo
exercício de história é sempre uma mistura de passado e de presente — para projetar num
passado forçosamente idealizado opções ideológicas e políticas do presente. O passado
recomposto deve ser, contudo, não uma retroprojeção das preocupações da geração
contemporânea, mas uma tentativa de dialogar com as gerações que nos antecederam.
Daí a razão essencial pela qual esta tentativa de diálogo póstumo com Raymond Aron
está profundamente impregnada de história, muito mais do que do aparato conceitual da
ciência política. A verdadeira história, na definição de Peter Gay, é produto do pensamento
histórico, e o pensamento histórico nada mais seria do que uma reflexão crítica sobre o
passado.1 Toda reconstrução do passado é, entretanto, prisioneira de um dos modos possíveis
da filosofia da história.2 Assim, é quase tautológico afirmar que a reflexão histórica reproduz,
lato sensu, o pensamento social de sua época. Nesse sentido, nada é mais fácil ao pretendido
revisionista do que atribuir a seus antecessores uma suposta falta de visão em relação a
determinados acontecimentos ou processos que, considerados ex post, se tornaram realmente
inevitáveis. A reflexão sobre as causas das guerras, por exemplo, sempre ofereceu um largo e
complacente terreno de experimentação do passado a muitos historiadores, que reordenam os
fatos e processos de tal maneira que ficam “comprovados” os desenvolvimentos que levariam
“inevitavelmente” ao conflito em questão.
Mas, como bem disse o historiador norte-americano C. V. Woodward, “a
inevitabilidade é o atributo que assumem certos eventos históricos depois que um tempo
suficiente tenha decorrido. Depois que um determinado evento ocorreu, e bastante tempo se
passou para que a ansiedade e as incertezas sobre como ele iria se desenrolar tenham se
apagado das memórias, ele começa a ser visto como se fosse realmente inevitável. Resultados

1
Cf. “A Definition of History”, Peter Gay e Gerald J. Cavanaugh (eds.), Historians at Work
(New York: Harper-Row Publishers, 1972); vol. I: “General Introduction”, p. xi.
2
Cf. Hayden White, Metahistory: the historical imagination in nineteenth century Europe
(Baltimore: The Johns Hopkins UniversityPress, 1973).
163
diferentes tornam-se menos e menos plausíveis e, rapidamente, o que efetivamente aconteceu
aparece exatamente como o que tinha de acontecer. Argumentar sobre o que poderia ter
acontecido, ou sobre como e porquê o supostamente inevitável termina por auto-realizar-se, é
considerado por muitas pessoas como uma perda de tempo .”3
Não há, no entanto, perda de tempo, ao tentar reconstruir os fundamentos de nossa
época, o sistema de relações internacionais de princípios do século XXI, mediante um exame
acurado do que se passou nos últimos anos do século XX. O autor não pretende, portanto,
apresentar como historicamente inevitável o desaparecimento, para todos os efeitos práticos,
do modo de produção socialista, mas simplesmente examinar seu impacto para o sistema de
relações internacionais contemporâneas, considerando-o como o elemento fundamental das
transformações radicais do cenário mundial desde então. Independentemente porém do
desaparecimento de um dos dois protagonistas das reflexões “bipolares” de Aron, a maior
parte de suas reflexões intelectuais permanece válida para nossa época igualmente, uma vez
que a política de poder nunca se reduziu à dimensão estrita de suas formulações ideológicas.
Não se trata, contudo, de efetuar neste livro uma releitura de Raymond Aron a partir
dos problemas do hemisfério norte, mas sim das preocupações de alguém situado no
hemisfério sul. Daí também a razão pela qual este exercício de explicação das relações
internacionais contemporâneas está profundamente impregnado de história brasileira, base
essencial das reflexões do autor em seus muitos anos de produção acadêmica e de
desempenho profissional enquanto diplomata. A outra grande vertente analítica privilegiada
neste trabalho é a das relações econômicas internacionais, bem menos enfatizada nas obras de
Aron, por razões evidentes: de certa forma, a sobrevivência da Europa e da própria
humanidade estavam em jogo durante a fase de confrontação bipolar e de exercício recíproco
do terror nuclear pelas duas superpotências. O Brasil – e a América Latina de modo geral –
nunca esteve no centro dos equilíbrios estratégicos e nunca foi cenário de disputas
hegemônicas, pelo menos não ao estilo europeu. Nosso problema primordial nunca pertenceu
ao terreno da segurança e sim ao campo mais prosaico, e ao mesmo tempo mais complexo, do
desenvolvimento econômico e social.
Essas preocupações analíticas se traduzem na estrutura concebida para este volume.
Após uma breve introdução sobre a disciplina e a prática das relações internacionais no século
XX, a primeira parte do livro trata dos fundamentos da ordem mundial contemporânea.

3
Cf. o artigo de C. Vann Woodward, “Gone with the Wind”, The New York Review of Books,
vol. 33, 17 jul. 1986, p. 3, que resenhava um livro sobre as causas, “inevitáveis”, da guerra
civil americana.
164
Ambos os capítulos dessa parte, um mais centrado numa análise “aroniana” das relações
políticas internacionais, o outro discorrendo sobre a evolução da economia mundial no século
XX, apresentam uma abordagem de caráter histórico-conceitual. Eles resumem, por assim
dizer, os grandes problemas de que deve tratar todo estudante de relações internacionais. A
segunda parte está voltada para uma exposição de natureza essencialmente linear sobre os
desenvolvimentos mais importantes do cenário mundial das últimas duas décadas do século
XX, período no qual a derrocada do socialismo constitui o elemento central da verdadeira
“mudança de paradigma” que então intervém no sistema político internacional. Essa parte
poderia ser descrita como mais propriamente “onusiana”, ao passo que a seguinte está mais
voltada para as instituições econômicas de Bretton Woods – FMI e Banco Mundial – e a
Organização Mundial do Comércio.
A terceira parte tenta colocar o Brasil no centro de uma análise sobre o novo cenário
surgido após o desaparecimento do socialismo e o final da era bipolar, o da ordem econômica
globalizada e seus principais problemas: unificação de mercados, desafios da abertura
econômica e da liberalização comercial e, sobretudo, o das crises financeiras. O enfoque
adotado não se prende tanto a problemas doutrinais ou ideológicos – como a falsa opção entre
neoliberalismo e políticas ditas afirmativas da soberania nacional – mas sim a questões
concretas que entram na agenda negociadora externa de um país como o nosso: necessidade
de inserção econômica internacional, adaptação aos desafios da globalização financeira,
coexistência das opções integracionistas no âmbito regional com as obrigações multilaterais
no plano mundial. Leituras complementares em cada final de capítulo, tabelas estatísticas, um
glossário de organizações internacionais e alguns quadros analíticos concebidos segundo a
visão histórica já privilegiada nos capítulos substantivos complementam a discussão oferecida
nas três partes do livro.
O autor espera que a contribuição oferecida nestas páginas possa representar subsídios
úteis aos estudantes de relações internacionais, sobretudo porque que a informação e a
discussão consignadas no livro não partem de uma perspectiva puramente teórica, como a
adotada em muitos manuais do gênero, mas derivam, essencialmente, de um contato prático
com questões de relações internacionais tais como presentes na agenda externa do Brasil.

Washington, 19 de março de 2001.

165
Na diplomacia, entre a história e as ciências humanas

Prefácio à primeira edição de


Paulo Roberto de Almeida:
Relações internacionais e política externa do Brasil: : dos descobrimentos à globalização
(Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1998, 360 p.; ISBN: 85-7025-455-5); link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/25RelaIntPExtUFRGS1998.html).

Este livro foi concebido como uma síntese teórico-prática situada na confluência
intelectual da academia com a diplomacia. Ele também pode ser visto como uma espécie de
condensado literário da obra de um “agente duplo” ou, ainda, como um retrato em branco e
preto de um escriba informatizado que é também, embora muito modestamente, um ator
coadjuvante da política exterior brasileira. Com efeito, os trabalhos aqui reunidos constituem
o resultado parcial de mais de dez anos de pesquisas e de reflexões acadêmico-funcionais
sobre a natureza essencial e o sentido profundo da atividade diplomática, considerada não só
do ponto de vista “externo” da pesquisa bibliográfica e da consulta às fontes primárias, mas
também da perspectiva “interna” de quem vive, literal e diuturnamente, do exercício dessa
mesma atividade diplomática.
Estes ensaios se situam, portanto, no próprio âmago da política externa prática,
interpretada teoricamente por um profissional da diplomacia que também reivindica, talvez
deliberadamente, um estatuto de outsider no confronto com a aparente rigidez hierárquica de
uma Casa mais do que centenária, o Itamaraty. A experiência não é sem riscos: seria como se
este “espectador engajado” – o copyright da expressão pertence a Raymond Aron – do serviço
exterior brasileiro procurasse analisar o objeto de seu trabalho corrente de um ângulo externo,
com o distanciamento ideológico de um cientista imparcial que devesse dissecar as entranhas
de sua própria instituição.
Mas, sob o risco de decepcionar os críticos da Casa de Rio Branco e contrariamente ao
que poderia indicar esse animus dissecandi do autor, deve-se desde logo advertir que seu
bisturi analítico não está dirigido à alma mater da instituição diplomática brasileira. Como se
poderá facilmente constatar por uma simples consulta ao sumário, não se tentou fazer aqui
qualquer anatomia do próprio Itamaraty, o volume não comporta nenhum perfil sociográfico
dos diplomatas, nem se pretendeu elaborar uma antropologia do serviço exterior brasileiro,
com a mesma eventual meticulosidade de um etnólogo isolado entre tuaregues (muito embora
estudos desse tipo devessem talvez figurar nas estantes da politicamente correta biblioteca do

166
Ministério das Relações Exteriores). O próprio autor, que já passou por ritos de iniciação
antropológicos em terras “belgicanas” e que, em priscas eras, prestou solidariedade clânica à
tribo dos sociólogos paulistas, à qual legitimamente pode reivindicar sua appartenance, se
compromete em proceder, no futuro, a esses exercícios de sociologia da vida quotidiana que
encantariam um espírito anárquico e multidisciplinar ao estilo de um Gilberto Freyre. Tal
exercício, que poderia igualmente tocar nos “mitos fundadores” do Itamaraty, representaria
algo como um ensaio de biografia coletiva para explicar, talvez, “como e porque sou e não
sou diplomata”, temperado obviamente pelo espírito de autocontenção que costuma
caracterizar todo frequentador habitual da Casa do Barão.
O que vai se ler aqui, portanto, não são estudos de diplomacia brasileira, mas ensaios
sobre as relações internacionais em geral e sobre a política externa brasileira em particular,
pelo ângulo de um servidor da circunspecta burocracia diplomática que também frequenta os
anfiteatros algo mais barulhentos das instituições universitárias. Eles não foram, de nenhuma
maneira, redigidos sob a oportunista forma de memorandos de serviço, mas concebidos e
elaborados com a dedicação metódica de alguém que sempre esteve voltado às pesquisas de
arquivo e às atividades docentes, levadas regularmente a cabo no Brasil e nos intervalos de
uma vida seminômade no exterior.
Eles representam, num certo sentido, o resultado de uma união intelectual entre o
professor ocasional e o burocrata do serviço exterior, entre o acadêmico amador e o diplomata
profissional, entre uma atividade que busca explicações sobre os meios legítimos da
racionalidade estatal e outra que persegue os fins últimos da razão do Estado, entre o trabalho
intelectual do especialista universitário em dedicação parcial e a atividade analítica em tempo
integral em uma das corporações reconhecidamente mais intelectualizadas de nossa
burocracia governamental, entre a ética de convicção e a ética de responsabilidade, entre a
aparente “imparcialidade” do livre-arbítrio acadêmico e a afirmada “objetividade”,
forçosamente generalista e recorrente, de uma das mais weberianas instituições públicas. Em
contraposição, contudo, ao trabalho exclusivamente acadêmico, os textos aqui compilados
apresentam uma differentia specifica, a de que foram elaborados não apenas da perspectiva
puramente universitária da sociologia das relações internacionais ou, ainda, da política, da
economia ou da história da política exterior do Brasil, mas, essencialmente, no contexto
funcional do serviço exterior brasileiro e tendo presente, sobretudo, a necessidade de se fazer
a “anatomia intelectual” da diplomacia brasileira, como forma de seguir seu itinerário
histórico e de determinar seus fundamentos de atuação.

167
Ambas as vertentes acima mencionadas, o trabalho profissional na diplomacia
brasileira e a dedicação, quase que monástica, ao estudo das origens e desenvolvimento dessa
mesma diplomacia, geralmente vista na perspectiva diacrônica da longue durée, devem ser
consideradas como absolutamente complementares, no sentido em que elas constituem o
suporte necessário (mas nem sempre suficiente) uma da outra. Elas conformam, uma e outra,
os pilares de uma “visão do mundo” que se pretende abrangente – poder-se-ia dizer
compreensiva, no sentido weberiano do conceito – e original, na medida em que os textos
reunidos neste volume não traduzem o mero produto intelectual de pesquisas empreendidas
num contexto exclusivamente acadêmico e tampouco se situam numa perspectiva unicamente
institucional ou oficial. Esses textos são o resultado de preocupações historiográficas e
sociológicas próprias de seu autor, não com a diplomacia brasileira, propriamente dita, mas
com o Brasil em primeiríssimo lugar: eles pretendem investigar o passado de nossa inserção
internacional para melhor compreender o presente das relações externas do País e preparar o
futuro da Nação no mundo.
Assim, os trabalhos de metodologia das relações internacionais, de história
diplomática e de “economia política” da política externa aqui compilados representam, antes
de mais nada, uma espécie de bridge-building entre a academia e a diplomacia, às quais o
autor se vincula por manifesto interesse pessoal e em virtude do exercício de atividade
profissional. Eles também se pretendem portadores e veiculadores dessa multidisplinariedade
que se tornou virtualmente emblemática e mesmo necessária nos modernos estudos de
relações internacionais e de política externa dos Estados contemporâneos.
Cabe, contudo, antes de deixá-lo penetrar sem armas e bagagens nas florestas ainda
pouco frequentadas das relações internacionais e da política externa do Brasil, oferecer ao
leitor eventualmente desprevenido uma honesta advertência heurística. Estes trabalhos sobre a
diplomacia brasileira estão fortemente impregnados de História, mais do que de qualquer
outra disciplina acadêmica aqui presente e figurando a título de “interpretação setorial” dessa
diplomacia (economia, política, sociologia ou mesmo “ideologia” da política externa). Como
justificar o deliberado viés metodológico em favor de uma abordagem específica dessa
complexa realidade, como explicar essa “opção preferencial” por uma interpretação histórica
das relações internacionais do Brasil?
Não há, obviamente, uma explicação simples a essa espécie de a priori weberiano,
mas posso tentar legitimar meu approach, servindo-me das palavras de um outro diplomata
que, ele sim, é um treinado cultor das pesquisas de arquivo e um refinado e elegante
historiador de nosso passado colonial e oitocentista. Ao apresentar a segunda edição de seu
168
consagrado e provavelmente já clássico estudo sobre o imaginário da restauração
pernambucana, Rubro veio, Evaldo Cabral de Mello assim se pronuncia sobre a especificidade
e a irredutibilidade do método histórico em face das demais ciências humanas:
Este esforço se inspirou [...] nos gêneros historiográficos mais diversos, a
história política, econômica ou das mentalidades, sem preferências exclusivistas. A ele
também subjaz uma certa ideia da história que a vê não como a grande sintetizadora com
que sonhou imperialmente Braudel, nem como mero repositório de dados empíricos à
disposição de sociólogos, antropólogos e economistas, mas, ao contrário, como uma
maneira específica de abordar a realidade social [...]. Nesse sentido, pode-se dizer que a
história situa-se não na vanguarda mas na retaguarda das ciências humanas, não para
seguir-lhe docilmente os passos mas para dinamitar suas excessivas pretensões teóricas.
O papel do historiador consistiria, em boa parte, em explodir os mitos que, a despeito
dos seus objetivos científicos, as ciências humanas continuam a engendrar e que são
passíveis de produzir curto circuitos duradouros no conhecimento histórico. O
historiador seria assim o sabotador nato do sociólogo, do antropólogo, do economista.1

Sem pejo do empréstimo intelectual involuntário, subscrevo inteiramente a opinião de


meu colega de carreira, tal como acima exposta, quanto ao papel da História enquanto
destruidora de mitos fáceis e de verdades inquestionadas. Estes ensaios se colocam, ou
pretendem se ver, na perspectiva saudavelmente iconoclasta de uma obra original, fruto de
honesto trabalho intelectual conduzido nos intervalos irregulares de uma intensa atividade
profissional durante todo o período de sua elaboração. Eles também têm a pretensão, talvez
exagerada, de oferecer um esforço de interpretação histórico-sociológica eventualmente
desbravadora de novos caminhos analíticos que visam enriquecer o estudo global das relações
internacionais e da política externa do Brasil. Sua contribuição a tal projeto multidisciplinar
de amplo escopo deve, assim, ser julgada em seus próprios méritos, e jamais como pretenso
elemento informador de um “pensamento oficial” em história diplomática que não faz parte
de seus objetivos constitutivos.
Quanto à eventual alegação de algum leitor apressado, no sentido de que este autor se
estenderia em demasia sobre determinados eventos ou processos do passado da diplomacia
brasileira, antes de penetrar no atual labirinto das relações internacionais contemporâneas,
permito-me recuperar, da mesma forma, os saborosos argumentos de um predecessor que
também era um diplomata-historiador. Oliveira Lima, esse Dom Quixote Gordo, no dizer do
mesmo Gilberto Freyre, ao discorrer sobre a densidade analítica dos antigos despachos de
legações (ele se reportava ao período da Independência do Brasil), assim comparou a

1
Cf. Evaldo Cabral de Mello, Rubro veio: o imaginário da restauração pernambucana. 2. ed. rev. e
aumentada, Rio de Janeiro: Topbooks, 1997, p. 14-15.
169
verbosidade dos antigos “escribas” diplomáticos à suposta parcimônia redacional de seus
modernos sucessores:
O telégrafo ainda não existia. Os jornais não eram tão admiravelmente
informados quanto hoje, quando eles se acham em condições de se informar nas
próprias chancelarias. Os diplomatas eram pois forçados a escrever volumosos relatos,
que nada perderam de seu interesse, pois que neles se encontravam coisas que não se
encontravam alhures. É esse último traço de escrevinhadores, digamos antes de
escritores, a fim de não amarrotar-lhes a memória, que distingue principalmente os
agentes políticos de outrora de seus confrades atuais, aos quais a vida intensa e
perfeitamente aparelhada tem feito perder esse honesto costume.2

Operando uma “resenha do passado” e retomando a seu favor o discurso de Oliveira


Lima, o autor destas linhas também gostaria de se ver como um “diplomata d’antanho” – mas,
de maneira alguma, como um representante da diplomacia ornamental e aristocrática do
ancien régime –, pelo menos no que se refere ao “honesto costume” de ler, observar,
pesquisar e informar sobre o universo mais vasto das relações exteriores do País e, em
especial, sobre as relações econômicas internacionais do Brasil.3 Ele também aspira seguir o
saudável exemplo de todos aqueles colegas diplomatas, do passado e do presente, que
também foram ou são “escrevinhadores” das “cousas diplomáticas” do Brasil, como queria
Oliveira Lima. Descartando por enquanto a redação de “volumosos relatos” profissionais,
estão aqui enfeixados alguns modestos escritos acadêmicos abordando a notável continuidade
histórica das relações internacionais e da política externa do Brasil.

Brasília, 21 de setembro de 1998

2
Cf. Oliveira Lima, Formação histórica da nacionalidade brasileira, 2. ed., Rio de Janeiro:
Topbooks, 1997, p. 192.
3
Oliveira Lima, por exemplo, era um crítico severo do diplomata apenas “político”: não se
vende café, cacau ou açúcar, dizia ele, “enfiando meias de seda para ir a concertos de
Buckingham Palace ou envergando uma casaca irrepreensível nos cotillons de New-port”,
completando sua opinião ao afirmar que, assim como o cônsul carecia de “mover-se na alta
sociedade”, também o diplomata deveria “aprender o caminho das bolsas de comércio”;
ironicamente, ele se perguntava em que poderia “um secretário de legação revelar sua
capacidade, a não ser a caligráfica?” (Cf. Cousas diplomáticas, [s. l.]: [s.n.], 1907, p. 15 e 17.
170
Avanços metodológicos, diversidade analítica, produção em alta

Prefácio à segunda edição de


Paulo Roberto de Almeida:
Relações internacionais e política externa do Brasil: história e sociologia da diplomacia
brasileira
(2ª ed.: revista, ampliada e atualizada; Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004, 440 p.;
coleção Relações internacionais e integração nº 1; ISBN: 85-7025-738-4; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/74UFRGS2004.html).

Tenho um especial apreço por esta obra, de certo modo meu primeiro livro
“diplomático”. Com efeito, até 1998, eu já tinha publicado uma boa quantidade de ensaios
sociológicos, de artigos históricos e de textos econômicos, em revistas do Brasil e do exterior,
bem como dois ou três livros sobre o Mercosul e o comércio internacional. Contudo, não
tinha tido ainda a oportunidade de compilar num único volume destinado a publicação
comercial meus diversos trabalhos tratando de questões de relações internacionais e de
política externa do Brasil, temas a que vinha me dedicando desde finais da década anterior.
Esta oportunidade surgiu em 1998, quando a Editora da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, por iniciativa do professor Paulo Vizentini, decidiu criar, na área de ciências
humanas, uma coleção voltada precipuamente para temas de relações internacionais e de
integração. Este meu livro teve, portanto, o privilégio de inaugurar essa nova série e de passar
a integrar, desde então, a bibliografia indicativa em muitos cursos de relações internacionais
que foram surgindo em diversos Estados do Brasil a partir dessa época. Esgotada a tiragem e
avolumando-se as cobranças dos muitos alunos (e professores) que me diziam não conseguir
mais encontrá-lo, a Editora alertou-me para a necessidade de preparar uma segunda edição
com a possível brevidade, o que me obrigou a deixar temporariamente de lado vários outros
trabalhos urgentes para revisar este livro em sua totalidade.
Optei primeiramente por preservar a estrutura básica da primeira edição,
considerando-a ainda plenamente válida, dedicando-me essencialmente a atualizar os
capítulos que necessitavam de aggiornamento bibliográfico ou documental. Após reflexão,
todavia, decidi proceder a uma substituição e a um desdobramento. Por um lado, preferi
suprimir o ensaio histórico sobre a “diplomacia dos descobrimentos” (que deve agora integrar
volume independente) por um outro, de mais urgente atualidade: as relações do Brasil com o
Fundo Monetário Internacional, desde a emergência da instituição, no seguimento da
conferência monetária e financeira de Bretton Woods, em 1944, até os mais recentes acordos

171
de sustentação financeira negociados pelo Brasil entre 1998 e 2003. Por outro lado, o já longo
capítulo sobre a interação entre os partidos políticos e a política externa a partir de 1930 teve
destacada de seu corpo a parte final, relativa aos temas de relações internacionais nas
campanhas presidenciais da pós-redemocratização, em esforço de reformulação que resultou
na composição de novo capítulo independente, todo ele voltado para essa problemática nas
eleições de 1989 a 2002; a ele agreguei, mais recentemente, um retrospecto da “política
externa” do partido vencedor das eleições de outubro desse ano e uma análise dos problemas
imediatos da agenda diplomática do Brasil. No mais, o livro preserva seu caráter basicamente
didático e informativo, inclusive porque completei, justamente, a leitura e seleção de novos
livros brasileiros publicados no intervalo, bem como procedi à atualização da listagem de atos
internacionais que enquadram o sistema econômico multilateral de que participa nosso País.
O que posso constatar, de forma satisfatória, é o crescimento razoável da produção
brasileira nessa área, a extensão dos avanços metodológicos alcançados no quadro da
disciplina acadêmica (em história e em ciência política) e o aprofundamento analítico da
maior parte desses estudos nacionais em relações internacionais e em política externa do
Brasil. A começar pela minha própria produção nessa área, a produtividade acadêmica bem
como a participação dos diplomatas nessa oferta conheceram certamente uma boa expansão
na última década do século XX e no início do século XXI, com uma crescente osmose entre
ambos os setores. O foco dos estudos ampliou-se, igualmente, deixando a antiga ênfase na
história diplomática para uma saudável diversidade de abordagens e de temas, o que
evidencia, obviamente, uma correspondente complexidade da agenda diplomática brasileira.
Creio poder compartilhar – sem qualquer falsa modéstia ou exercício déplacé de autoelogio –
de um certo sentimento congratulatório ao observar como todos nós, os “trabalhadores” das
relações internacionais contribuímos para esse progresso notável do estudo e da prática dessa
área no Brasil.
Se ouso retomar agora o tom mais confessional do prefácio à primeira edição seria
para tentar explicar, à maneira de Gilberto Freyre, e usando literalmente suas palavras, como
e por que sou e não sou diplomata. Com efeito, assim como o mestre de Apipucos não
pretendia ser mero sociólogo, não sou nem pretendo ser diplomata puro. Os ensaios aqui
compilados revelam um pouco dessa dupla condição de diplomata nada ortodoxo e de
acadêmico contestador, com exigências metodológicas de trabalho sério e aplicado em cada
uma dessas “profissões” e um certo sentido de “autocrítica” em cada uma das instituições.
Dessa condição tão desajeitadamente multidisciplinar, como diria Gilberto Freyre, de
cientista social, de historiador e, talvez, de “escrevinhador”, é que eu retiro o necessário
172
estímulo para continuar lendo, pesquisando e escrevendo durante longas horas noite adentro,
depois de uma jornada de trabalho profissional geralmente estafante. Se faço isso, enfrentando
uma dupla e até tripla jornada de tarefas, é porque me coloco na perspectiva de que os
modestos resultados desse ativismo múltiplo possam contribuir para a elevação educacional
de muitos jovens (e de outros, não tão jovens) voltados para os estudos acadêmicos de
relações internacionais ou para as lides da diplomacia prática.
O possível “escrevinhador” político aqui comparece, representado por uma série de
ensaios unidos por um mesmo enfoque analítico e uma mesma vocação didática: os trabalhos
têm a pretensão de apresentar as pesquisas e reflexões de um diplomata prático, de um
cientista social certamente heterodoxo, de um historiador algo improvisado e de um possível
“pensador” autoproclamado da inserção internacional do Brasil. Se eu tivesse de resumir o
conjunto, eu diria que, na verdade, o que caracteriza o autor destes trabalhos é uma condição
de autodidata nunca recusada e de certa forma sempre buscada.
Não sou, de fato, um pesquisador profissional, pois que não tenho meu ganha-pão
principal nessas demais ocupações acadêmicas e sim na condição primeira de diplomata. Nem
estou, efetivamente, “burocratizado” nesta ou naquela atividade diplomática, pois que tenho
podido combinar diferentes orientações temáticas na carrière com essas outras atividades
paralelas de pesquisador irregular, de professor bissexto e, sobretudo, de escrevinhador
constante. Sou um ser livre, tanto quanto me permite o pertencimento a uma instituição
bissecular, altamente burocratizada, hierarquizada e disciplinada a ponto de enquadrar seus
membros numa teia de comprometimentos diretos e indiretos com o chamado esprit de corps,
que confesso possuir no grau mais tênue possível.
Os ensaios que se seguem, sobre o universo cada vez mais rico e complexo constituído
pelas relações internacionais e pela política externa do Brasil, não poderiam ter sido escritos e
revistos, originalmente, ou ampliados e atualizados, no período recente, sem a ajuda
inestimável e a compreensão de Carmen Lícia, de Pedro Paulo e de Maíra, que foram
excessivamente tolerantes com este diplomata doublé de acadêmico que tem plena
consciência de que alguns cadernos de notas deveriam estar, talvez, menos voltados para
resumos de leituras e bem mais para jogos, distrações e programas conjuntos. A eles,
portanto, dedico esta nova produção, com todo amor e carinho.

Washington, 16 de abril de 2003

173
Na diplomacia, entre a história e as ciências humanas

Prefácio à 3a. edição de


Paulo Roberto de Almeida:
Relações internacionais e política externa do Brasil: a diplomacia brasileira no contexto da
globalização
(Rio de Janeiro: LTC, 2012, 330 p.; ISBN 978-85-216-2001-3; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/RelaIntPExt2011.html).

Um livro é como uma garrafa atirada ao mar...


Esta aqui foi lançada pela primeira vez em 1998, novamente lançada ao largo em
2004. Ao que parece, encontrou pela frente muitas ilhas acolhedoras, algumas
enseadas intelectuais, vários portos, talvez um ou dois continentes acadêmicos, tanto
que terminou por desaparecer…
A “garrafa” que é agora lançada, com novo rótulo e um conteúdo algo modificado
(espero que para melhor, ou pelo menos mais amadurecido), está destinada a navegar
por mais alguns anos, a caminho da Ítaca dos livros, minha meta intelectual
inatingível…

Esta garrafa está sendo lançada ao mar pela terceira vez, desta vez com novos bilhetes
e algumas velhas mensagens em formato renovado. O que pode esperar um náufrago
concentrado nas leituras, nos estudos e na escritura, como eu? Talvez que seus recados
encontrem boas praias, aqui e acolá, e possam servir de sinalização ou de boa orientação para
todos aqueles que estejam em busca de alguns mapas acerca da globalização contemporânea.
A cartografia marítima sofreu algumas mudanças, mas o espírito e a motivação com que
foram escritos os estudos aqui “engarrafados” são os mesmos que presidiram à sua feitura,
quando do meu primeiro livro.
A obra que inspirou este novo texto encontrava-se há certo tempo fora de estoque e
talvez até fora do catálogo da editora universitária que responsabilizou-se pelas duas edições.
Muitos alunos me escreviam, assim como professores e pesquisadores, para relatar que
estavam tendo dificuldades de achá-la, mesmo nos sebos. Tentava consolá-los, recomendando
busca nas bibliotecas universitárias, mas é evidente que isso não é suficiente, inclusive porque
as bibliotecas universitárias no Brasil não representam exatamente um modelo de abundância
bibliográfica. Cabia, então, enfrentar o desafio de um novo livro, inspirado no anterior, porém
agora profundamente revisto, ampliado e atualizado: esta nova garrafa, que o leitor tem agora
em suas mãos.

174
Não vou estender-me sobre os temas já tratados no prefácio, pela simples razão de que
vários daqueles textos foram incorporados a esta edição, com as exceções que menciono
abaixo. Vou aproveitar a oportunidade para abordar novos temas, que me parecem relevantes,
mais de uma década e meia depois da “explosão” dos cursos de relações internacionais no
Brasil, assunto que abordei em inúmeros textos breves, geralmente divulgados em blogs, sites
especializados ou em resposta a questionários submetidos por pesquisadores, alunos e
jornalistas.
Tal como concebida, inicialmente, esta obra não se destinava, exatamente, à
preparação de candidatos à carreira diplomática, embora ela possa servir também a esse
objetivo. Ela tinha sido elaborada, um pouco improvisadamente, como uma coleção de
estudos tipicamente acadêmicos em torno de meus temas preferidos de estudo e trabalho,
como por exemplo os que ainda figuram na primeira parte do livro atual. Havia também os
que sintetizavam uma pesquisa empírica sobre o papel dos partidos políticos e do parlamento
na política externa, que ainda figuravam na segunda edição, mas que agora partem para uma
nova aventura ao largo, provavelmente destinada a consolidar minhas reflexões nessa área em
alguma nova obra com maior amplitude temática e alguma ambição comparativa.
Outros, concebidos como livre expressão de minhas reflexões sobre a “ideologia” e a
“economia” da política externa, ou ainda um ensaio histórico sobre a formação da diplomacia
moderna na era dos descobrimentos, também foram “lançados ao mar”, para abrir espaços a
trabalhos mais elaborados. Aqui figuram, pois, engarrafados em nova “embalagem”, a de uma
grande editora, estudos sobre as diplomacias comercial e financeira do Brasil nos últimos
sessenta anos, sobre o impacto das crises financeiras na economia brasileira e, sobretudo,
sobre a inserção desta nas grandes correntes da interdependência contemporânea, revoltas
como podem ser essas ondas turbulentas da globalização, capazes de se transformar
repentinamente em tsunamis gigantescos.
Revisei, ampliei e atualizei escrupulosamente cada um dos trabalhos, inclusive o que
figura ao final, sobre a arquitetura institucional do multilateralismo contemporâneo, um
levantamento que começou a ser feito manualmente quando do momento de sua primeira
concepção e que atualmente se beneficia de bases de dados online e outros recursos de
internet. Este “navegador”, aliás, continua a surfar nas horas vagas (e nas outras também),
anima uma lista de informação e debates sobre os temas que correspondem a suas afinidades
eletivas e também mantém um blog, feito mais para divertimento inteligente do que
propriamente para efeitos didáticos. Para essa função, existe um site pessoal, que parece ter
algum sucesso na “googlemetria” das pesquisas sobre temas de relações internacionais e de
175
política externa do Brasil. Pelo menos assim constato pela correspondência que chega em
diversos formatos e variados graus de urgência a propósito de trabalhos universitários e de
consultas sobre a carreira diplomática. Acredito que a satisfação derivada dessas horas
dedicadas a esse esforço voluntário de educação à distância de tantos jovens em busca de sua
vocação ou de seu aperfeiçoamento universitário ou profissional seja equivalente ao
crescimento progressivo da produção intelectual voltada para esse campo das relações
internacionais, tanto a própria, deste navegante solitário, quanto a da crescente comunidade de
internacionalistas acadêmicos.
O que tem, precisamente, caracterizado esse universo de estudos é o avanço da
produção científica de boa qualidade, o surgimento e a expansão de redes de pesquisa, muitas
delas interconectadas e em ativa cooperação recíproca e a consolidação de uma comunidade
que está quase próxima de uma espécie de “profissionalização”. Quando este livro foi
publicado pela primeira vez estávamos ainda a dez anos do surgimento de uma associação
acadêmica voltada exclusivamente para esse universo em formação – a ABRI, Associação
Brasileira de Relações Internacionais – mas já assistíamos à explosão dos cursos de graduação
nessa área, depois de anos de algumas experiências solitárias e raríssimos programas de
especialização em nível de pós-graduação. O livro não foi composto com o objetivo
específico de atender alguma demanda didática desse universo em expansão, mas pode-se
dizer que ele preencheu um nicho de mercado, no que, aliás, alcançou certo sucesso, já que
estamos em seu terceiro lançamento, aparentemente com boa aceitação da comunidade de
“produtores” e “usuários” de textos especializados.
A intenção, agora, é que esta “garrafa” possa navegar mais alguns anos, em direção de
antigos portos ou, preferencialmente, em busca de novas praias, e consiga manter o prumo em
sua missão de guia dos estudos de qualidade para uma comunidade que possuiu sua própria
identidade intelectual e já criou uma cultura de pesquisa e produção centrada sobre questões
tipicamente brasileiras e regionais, em lugar de se basear apenas nos textbooks importados.
Este livro é parte desse processo e sua navegação continuada parece refletir o sucesso
crescente desse universo em expansão.

Brasília, 2 de junho de 2011.

176
Terceira Parte
Política externa regional e integração
A integração regional: o Mercosul pela seleção natural

Resenha de
Rubens Antonio Barbosa:
América Latina em Perspectiva: A Integração Regional da Retórica à Realidade
(São Paulo: Edições Aduaneiras, 1991).

O crescente envolvimento das autoridades governamentais e da própria


sociedade brasileira com o Mercosul tende a nos fazer esquecer os antecedentes e etapas
anteriores do processo de integração regional. O desenvolvimento do atual processo
integracionista no Cone Sul latino-americano apresenta características inéditas em
relação às experiências mais ou menos frustradas que o precederam. Mas, não se deve
esquecer que a constituição progressiva do Mercado Comum do Sul retoma uma longa
tradição de tentativas integracionistas no contexto latino-americano, seja de âmbito sub-
regional, seja de caráter propriamente multilateral. Pode-se inclusive dizer que o
Mercosul é o resultado de um lento processo de “seleção natural”, ao cabo do qual os
“velhos dinossauros” do passado foram dando lugar aos “mamíferos” mais ágeis do
presente.
Nessa simbologia darwinista, as espécies menos aptas à sobrevivência em novos
ambientes econômicos estariam representadas pela Alalc e, num certo sentido, pela
Aladi. Seus sucessores na “árvore da vida regional” parecem ser o ciclotímico Grupo
Andino e o próprio Mercosul. Paralelamente, a especiação e a busca de novos habitats
produz, continuamente, outros gêneros e espécies de “animais integracionistas”: o G3
(formado pelo México, Venezuela e Colômbia), a deriva geológica do mesmo México
em direção a esse continente setentrional que responde pelo nome de Nafta (North
American Free Trade Area), a lenta mutação do fenótipo chileno em direção a um
“perfil OCDE”, enfim, novas famílias e classes de agrupamentos bi-, tri- e plurilaterais.
A analogia com a história natural pode não ser a mais apropriada,
metodologicamente falando, para uma exata compreensão do rápido processo de
evolução geopolítica por que passa hoje a América Latina. Mas, ela é oportuna para
evidenciar as profundas transformações econômicas e políticas que, tão
inexoravelmente como o movimento de placas tectônicas subterrâneas, estão alterando
progressivamente a cenografia ambiental a que estávamos habituados na região.

179
O livro de Rubens Antonio Barbosa oferece uma visão estratégica do processo
integracionista latino-americano nessa passagem do “mesozoico” da integração
uniformemente multilateral para o “cenozoico” da integração sub-regional. Articulado
em duas grandes partes – a América Latina no cenário internacional e o Brasil e a
integração regional – essa obra beneficia-se da experiência multiforme de um diplomata
sênior do Itamaraty e representante brasileiro na ALADI entre 1988 e 1991. O Autor
acompanhou, precisamente, a transição operada no itinerário integracionista, da
tentativa de se estabelecer uma ampla zona de preferências comerciais para modalidades
mais realistas – mas também mais ambiciosas – de agrupamento econômico. O
deslanchar dessa nova fase foi provavelmente suscitado pela aproximação Brasil-
Argentina a partir de 1985, passa pelo Tratado bilateral de Integração de 1988 e chega
ao Tratado de Assunção de 1991, que mudou radicalmente a geografia política e
econômica da América do Sul.
A decisão pela implementação e desenvolvimento do novo esquema
integracionista, que culminará com o pleno funcionamento do Mercosul na segunda
metade da presente década, foi essencialmente de natureza política, uma vez que o
comércio do Brasil com seus vizinhos imediatos, mesmo durante o período de transição,
não deverá atingir os níveis já alcançados das trocas com os parceiros desenvolvidos do
hemisfério norte, onde estão nossos principais mercados compradores, bem como os
mais importantes fornecedores de tecnologia avançada.
O livro não aborda tanto os fundamentos econômicos ou os aspectos teóricos da
integração, quanto a experiência prática da Aladi, do processo Brasil-Argentina e, ainda
que de forma preliminar, o do Mercosul. Como diz o autor, a integração regional passou
da retórica à realidade e o Brasil é em grande parte responsável por esse novo curso,
mais pragmático, do processo de aproximação entre países em grande medida unidos
pela cultura mas, durante muito tempo, separados pelas políticas econômicas.
Ademais de apresentar uma análise bastante detalhada dos principais
instrumentos e mecanismos de liberalização do comercio, tanto no âmbito da Aladi
como na esfera bilateral Brasil-Argentina, Rubens Barbosa aponta os principais desafios
com que se defronta a América Latina no novo cenário econômico internacional:
atenção especial é dedicada à experiência da integração europeia e ao impacto da
Rodada Uruguai no processo de integração regional.
A nova fase da integração regional adquire uma dimensão verdadeiramente
estratégica num continente que estava sendo progressivamente alijado das grandes
180
correntes de comércio internacional e dos rápidos processos de modernização
tecnológica que estão alterando as vantagens competitivas das nações. Frente a esse
cenário de desafios, a América Latina não poderia ficar indiferente às exigências do
momento: internacionalizar-se, certamente, mas também regionalizar-se de maneira
aberta, mantendo uma crescente osmose com o mundo industrializado.
Uma coletânea dos principais tratados e acordos do itinerário integracionista
latino-americano – desde a “velha” Alalc até o Mercosul – completa essa obra
utilíssima, que passa a servir como referência indispensável em nossa fraca bibliografia
sobre esse tema.

Brasília, 15 de maio de 1992.


Publicado no Boletim de Integração Latino-americana (Brasília, nº 5, Abril-Junho
1992, pp. 125-6). Republicado, sob o título “Uma visão estratégica do processo
integracionista”, no jornal Cone Sul/Cono Sur: Jornal da Integração (Porto Alegre, ano
IV, nº 29, julho de 1993, p. 7) e novamente, sob o título original, em Cone Sul/Cono
Sur: Jornal da Integração (Porto Alegre: ano VI, nº 38, dezembro de 1994, p. 2).

181
O Mercosul no contexto regional e internacional

Apresentação ao livro
Paulo Roberto de Almeida:
O Mercosul no contexto regional e internacional
(São Paulo: Edições Aduaneiras, 1993, 204 p.; ISBN: 85-7129-098-9; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/09MSulAduan1993.html)

O estudo visa, como seu nome indica, colocar o Mercosul em perspectiva


regional e internacional. A melhor forma de cumprir esse objetivo passa pela adoção de
um duplo enfoque metodológico, tanto de caráter histórico como de tipo sistêmico. Daí
a razão desse trabalho começar, não pelos aspectos teóricos do processo de integração
econômica, mas por uma aproximação empírica do sistema internacional de comércio,
desde sua fase constitutiva, no imediato pós-guerra, até a mais recente rodada de
negociações multilaterais sob a égide do Gatt. Daí também um tratamento prático do
problema da integração regional, por meio de uma apresentação sumária das diversas
experiências integracionistas em outros continentes, em especial no cenário europeu, e
da discussão subsequente das dificuldades que o processo integracionista enfrentou na
América Latina nas últimas três ou quatro décadas.
Essa abordagem histórica preliminar permite situar verdadeiramente o Mercosul
no contexto regional e internacional, abrindo, assim, caminho à exposição de natureza
mais estrutural ou sistêmica da segunda parte do trabalho. Depois de um capítulo
introdutório, ainda de caráter histórico, sobre os antecedentes do Mercosul, são
abordadas as características básicas da nova área de integração e discutidos os
principais problemas da integração sub-regional em sua atual fase de transição.
Este trabalho em muito beneficiou-se da experiência adquirida pelo autor no
terreno acadêmico e profissional. Ele é, antes de mais nada, fruto de vários anos de
estudo de questões relativas à economia e ao comércio internacional, desde a defesa, em
1976, de uma tese de mestrado em economia internacional, na Universidade de
Antuérpia, sobre o comércio exterior brasileiro, até o exercício docente em
universidades públicas e particulares nos anos 1970 e 80. Uma tese de doutoramento em
Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas, em 1984, permitiu-me revisar muitos
dos conceitos históricos e sociológicos sobre o desenvolvimento do capitalismo
moderno, no centro e na periferia, o que se reflete no presente trabalho pela forte ênfase

182
que é dada ao exame dos processos históricos de conformação de espaços econômicos
integrados, na Europa e na América Latina.
Ele resulta ainda da experiência profissional do autor como negociador
brasileiro em alguns dos foros internacionais de Genebra, no Gatt (Rodada Uruguai), na
Unctad, na Ompi e em outras organizações internacionais ali sediadas, ademais de uma
profícua estada na Representação do Brasil junto à Aladi, em Montevidéu.
Mas, ele deriva, essencialmente, de uma intensa participação, no período
recente, em diversas instâncias negociadoras e de policy formulation na seção brasileira
do Mercosul, em especial nos aspectos relativos à solução de controvérsias e à estrutura
institucional. Ele pode ser escrito, finalmente, graças ao trabalho desenvolvido pelo
autor como coordenador de alguns dos sistemas de informação criados pelo Governo
brasileiro sobre o Mercosul e a integração regional, notadamente como responsável pelo
“Banco de Dados Mercosul” e como editor da publicação trimestral Boletim de
Integração Latino-Americana, divulgado pela Subsecretaria-Geral de Assuntos de
Integração, Econômicos e de Comércio Exterior do Ministério das Relações Exteriores.
Não obstante, é óbvio que as opiniões e conceitos aqui emitidos são da exclusiva
responsabilidade do próprio autor, não representando, no todo ou em parte, posições ou
políticas do Ministério das Relações Exteriores ou do Governo brasileiro.

Brasília, 10 de junho de 1993.

183
O Mercosul por quem o fez

Resenha de
Sérgio Abreu e Lima Florêncio e Ernesto Henrique Fraga Araújo:
Mercosul Hoje
(São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1996)

Raymond Aron, arguto observador e comentarista visual dos mais importantes


eventos políticos e militares do mundo contemporâneo, se definia modestamente, para
fins biográficos, como um simples “espectador engajado”. Os dois autores deste
didático e instigante livro sobre o Mercosul, diplomatas profissionais, são bem mais do
que simples espectadores engajados do processo de integração sub-regional: eles se
incluem entre os construtores do mais importante espaço econômico do hemisfério sul,
tendo não apenas assistido a seu itinerário de sucessos, mas também participado
ativamente do equacionamento de seus principais problemas enquanto negociadores e
formuladores das posições brasileiras no âmbito do Grupo Mercado Comum e de seus
órgãos assessores.
Portanto, mais do que qualquer outro observador, eles estão plenamente
credenciados para descrever as etapas de desenvolvimento do Mercosul, desde o
Tratado de Assunção, que o criou em março de 1991, até sua confirmação enquanto
zona de livre-comércio e união aduaneira em consolidação, processo consubstanciado
no Protocolo de Ouro Preto de dezembro de 1994. Mais ainda, como negociadores
presentes nas mais importantes reuniões de consolidação desse processo, eles estão
habilitados a descrever, discutir e explicar os dilemas e problemas envolvidos em cada
fase, justificando as escolhas efetuadas e expondo claramente sua racionalidade
econômica e política. Como diz Winston Fritsch ao prefaciar a obra, “sem sombra de
dúvida, este é o ensaio mais abrangente e atualizado sobre o Mercosul já publicado no
País”.
Este precioso manual sobre a integração regional cobre os diferentes aspectos
desse processo, segundo uma organização clara e didática. Uma primeira parte trata dos
fundamentos da integração econômica e do desenvolvimento do Mercosul, repassando
seus objetivos, seus antecedentes e as fases cumpridas durante o período de transição. A
segunda parte, trata da estrutura propriamente dita da união aduaneira, ou seja os
instrumentos comerciais e as instituições do Mercosul, inclusive numa perspectiva

184
comparada com a União Europeia: encontra-se assim plenamente justificada a opção,
modesta mas realista, por um perfil intergovernamental para o esquema integracionista
do Cone Sul, de preferência à adoção de mecanismos supranacionais como é o caso na
experiência europeia.
As partes terceira e quarta, de menor dimensão, mas não menos importantes,
cobrem o quadro econômico internacional e os resultados práticos e perspectivas do
Mercosul. São assim enfocados os fenômenos da regionalização e da globalização e as
relações com a União Europeia, por um lado, e com os processos continental e
hemisférico de integração, por outro. Redigido antes de dezembro de 1995, quando foi
assinado o acordo-quadro inter-regional de cooperação com a UE (que sucedeu a um
primeiro acordo interinstitucional, de 1992), os autores não puderam pronunciar-se
sobre a modéstia de objetivos desse instrumento, algo em recuo ante a promessa de uma
zona de livre-comércio prevista na declaração solene de Bruxelas, selada um ano antes.
Em qualquer hipótese, o acordo-quadro UE- Mercosul abre um processo negociado de
aprofundamento das relações recíprocas e de liberalização progressiva do intercâmbio
de bens e dos fluxos de capitais e tecnologia entre as duas regiões, e que contrabalança
em alguma medida o outro processo liberalizante engajado no próprio hemisfério
americano, o que confronta o Mercosul (e outros países do continente) ao Nafta.
No que se refere aos resultados práticos do Mercosul, cabe registrar a plena
eficácia e o pragmatismo exemplar do atual esquema intergovernamental. Como
afirmam os autores, em lugar de “primeiro criar uma burocracia ampla e bem paga para
depois procurar definir suas funções”, adotou-se o percurso inverso: “primeiramente
definir as tarefas, e a seguir criar os órgãos encarregados de sua execução”. Como se
pode verificar pelas habituais tensões vinculadas ao caráter supranacional da integração
europeia, a natureza intergovernamental do Mercosul representa a “principal garantia de
que as decisões serão implementadas internamente, já que uma decisão de um órgão
intergovernamental é, para efeitos internos em cada país, uma decisão do governo de
cada país”.
Os autores também sublinham o papel didático do Mercosul, ao combinar
política industrial e liberalização comercial. Eles desmontam as teses dos “liberais
ortodoxos” e dos “nacionalistas fanáticos”, que recusam uma e outra política, para
afirmar o primado da racionalidade econômica e o triunfo da vontade política no
Mercosul. O processo de integração não “cria” problemas, ele apenas evidencia as
deficiências existentes e apressa uma decisão interna para sua solução.
185
Persistem, na fase atual, duas linhas de tensão básicas, segundo os autores. A
primeira se dá “entre a consolidação dos instrumentos já aprovados e a busca de novos
avanços”, diferente portanto do dilema europeu entre “aprofundamento” e
“alargamento”. A segunda se passa “entre as políticas nacionais e o projeto comum”.
Ambas as tensões poderão ser resolvidas através do pragmatismo demonstrado
tradicionalmente pelos líderes e negociadores do Mercosul, no sentido de buscar as
situações de “equilíbrio dinâmico”, suscetíveis de consolidar o patrimônio já alcançado
no processo de integração e de continuar desenvolvendo o mais importante projeto
político (e geoestratégico) conhecido historicamente no Cone Sul latino-americano. A
crença não é gratuita, vinda de quem participou e conhece por dentro, como nossos
autores, o processo de integração regional. Longa vida ao Mercosul.

Brasília, 17 de março de 1996.


Inédito na versão completa.
Publicado em versão resumida na Revista Brasileira de Política Internacional (Brasília:
vol. 39, n. 1, janeiro-julho de 1996, p. 175-177).

186
O Mercosul, na sua fase otimista

Prefácio a
Paulo Roberto de Almeida:
Mercosul: Fundamentos e Perspectivas
(São Paulo: Editora LTr, 1998, 160 p.; ISBN: 85-7322-548-3; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/26MercosulLTr1998.html)

A presente obra visa, por um lado, fornecer uma visão panorâmica do


processo de constituição do Mercosul, desde suas origens históricas, suas motivações
políticas e seus desenvolvimentos econômicos na fase recente, e discutir, por outro lado,
as questões principais colocadas para a implementação plena da união aduaneira, num
contexto de intensificação dos debates em torno da constituição de uma área de livre
comércio no continente americano (Alca). A visão comparativa pode ser considerada
como essencial à compreensão do próprio processo de integração sub-regional, razão
pela qual, depois de curto capítulo introdutório, foi inserida uma análise relativamente
densa sobre o itinerário histórico da integração europeia, até aqui a experiência mais
bem sucedida, em termos econômicos e sociais, de constituição de um espaço
econômico integrado com base num projeto político bem delineado. São feitas,
igualmente, constantes referências a outras experiências sub-regionais de integração ou
de liberalização comercial, com ênfase para o Nafta e a Alca.
O livro foi elaborado com base em minha experiência anterior como
representante alterno do Brasil na Associação Latino-Americana de Integração (Aladi),
em Montevidéu, durante os anos de 1990 a 1992, como participante nas negociações de
temas institucionais do Mercosul – já no cargo de assistente executivo na Subsecretaria-
Geral de Assuntos Econômicos e de Integração do Ministério das Relações Exteriores,
no decorrer da fase de transição (1992-1993) – e também a partir dos muitos trabalhos
acadêmicos e de informação institucional que tive a oportunidade de redigir enquanto
criador e primeiro editor do Boletim de Integração Latino-Americana do Itamaraty, bem
como no papel de responsável pela implementação inicial de um Banco de Dados sobre
o Mercosul. Durante todo esse período, e mesmo ulteriormente no exterior e atualmente
de volta ao Brasil, tive a oportunidade de ministrar dezenas de palestras e de participar
de muitos seminários sobre o Mercosul e a integração regional, continuando também a

187
exercer ocasionalmente atividades didáticas nessa área e a escrever alguns artigos e
mesmo um livro inteiro sobre essa vasta temática.
Mais recentemente assumi o encargo de Editor do Boletim de Diplomacia
Econômica, também do Ministério das Relações Exteriores, voltado para a apresentação
dos documentos mais relevantes do processo hemisférico, que entrou agora em fase
negociadora de uma hipotética zona de livre comércio do Alasca à Terra do Fogo, a ser
implementada, em caso de conclusão positiva, a partir de 2005. Por outro lado, como
Editor Adjunto, desde 1993, da Revista Brasileira de Política Internacional, também
tenho oportunidade de compulsar uma massa relevante de informações e análises sobre
os mais diversos processos e eventos vinculados à agenda diplomática do Brasil, em
especial na sua vertente econômica. Essa revista, verdadeira decana dos veículos
brasileiros de relações internacionais e política externa (publicada ininterruptamente
desde 1958), constitui uma verdadeira memória histórica sobre a inserção econômica
internacional do Brasil, com ênfase nos processos de integração latino-americanos.
O trabalho se beneficia, portanto, não apenas de uma intensa vivência pessoal
com o processo negociador da integração, mas também do estudo constante dos
problemas colocados pelo Mercosul para a inserção econômica internacional do Brasil,
em geral, e para a política externa brasileira em particular. O anexo bibliográfico traz
algumas referências a essas contribuições pessoais ao debate sobre o Mercosul, bem
como a outros textos relevantes para o estudo da problemática geral da integração no
Brasil. Cabe mencionar, por fim, que versão ligeiramente diferente deste mesmo texto
⎯ pois que adaptada a um público não-brasileiro ⎯ está sendo publicada
simultaneamente em Paris (com circulação igualmente no Canadá) pela Editora
L’Harmattan, sob o título de Le Mercosud: un marché commun pour l’Amérique du
Sud?, no seguimento de outra obra minha igualmente divulgada na França, ainda em
1995, chamada L’Intégration latino-américaine et le Mercosud. A despeito de suas
dimensões relativamente modestas, quando comparado a gigantes como a União
Europeia e o Nafta, deve ser enfatizado que o Mercosul é simplesmente o terceiro
espaço econômico mundial e o primeiro entre os países em desenvolvimento.
É importante, assim, que seu modo peculiar de integração, suas origens e
desenvolvimento político e econômico, a par de suas características institucionais
próprias, sejam amplamente conhecidos não apenas do público brasileiro, em particular
o universitário e a comunidade empresarial, mas também em outros países e
continentes. Esta obra tem precisamente estes objetivos de divulgação e de informação
188
⎯ o que os franceses chamam justamente de haute vulgarisation ⎯ , tanto mais
relevantes na medida em que se trata de uma experiência contemporânea em fase de
construção, pertencente, portanto, ao terreno da histoire immédiate, mais do que ao da
história passada. O Mercosul constitui aquilo que os anglo-saxões chamam de work in
progress, um processo complexo do qual somos protagonistas e, de certa forma, agentes
participantes.

Brasília, setembro de 1998

189
Mercosul, Nafta, Alca: a dimensão social da integração

Prefácio ao livro
Yves Chaloult e Paulo Roberto de Almeida (coord.):
Mercosul, Nafta e Alca: a dimensão social
(São Paulo: LTr, 1999; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/32MSulNaftaAlca1999.html)

A despeito de uma já importante bibliografia acumulada no campo dos estudos sobre


os processos de integração regional, sobretudo no que se refere ao Mercado Comum do Sul
(Mercosul), o mercado editorial brasileiro carece ainda de títulos enfocando essa problemática
do ponto de vista dos atores que participam – ou que algumas vezes, e em determinadas
circunstâncias, são “objeto” – desse empreendimento. Com efeito, a produção especializada
publicada desde o lançamento, em 1991, com o Tratado de Assunção, desse processo sub-
regional – que serviu de verdadeiro impulsionador e catalizador das pesquisas sobre os
esquemas de liberalização comercial e sobre os processos de integração em geral – vem sendo
caracterizada, em sua maior parte, por um enfoque marcadamente jurídico, com muitos outros
bons trabalhos e análises diversas nos campos da economia, da sociologia e da ciência
política. Mais rarefeitos ainda no Brasil são os estudos divulgados – e a fortiori os livros
publicados – que abordam a dimensão social da integração ou que ultrapassam o cenário
geográfico estrito do Mercosul, para enfocar igualmente as demais experiências conhecidas de
integração.
O presente volume pretende preencher, ainda que modestamente, essa lacuna editorial,
ao coletar trabalhos de especialistas conhecidos sobre aspectos diversos dessa dimensão social
e ao estender a análise aos demais processos e esquemas hemisféricos de liberalização
comercial e de integração. O terreno não é de todo inexplorado, pois que, ainda recentemente,
um dos autores aqui presentes coordenou um volume, em colaboração, de ensaios e de
exposições em seminários sobre as reações sindicais e os efeitos sociais dos processos de
globalização e de integração.1 Esta obra aprofunda o debate já iniciado, ao reunir estudos de
sociologia política sobre essa dimensão, tanto no caso mais próximo do Mercosul, como na
experiência algo mais distante do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) e
na iniciativa ainda em negociação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).

1
Ver Tullo Vigevani e Jorge Lorenzetti (coord.). Globalização e integração regional: atitudes
sindicais e impactos sociais. São Paulo: LTr, 1998.
190
Os organizadores, depois de definido um plano ideal para esta obra, formularam
convites a alguns dos estudiosos e especialistas mais conhecidos em cada uma das
problemáticas selecionadas, seja em virtude de um trabalho acadêmico já consagrado nessas
áreas, seja como resultado de um ativo engajamento na construção de alguns dos processos
aqui cobertos. Teoria e prática se encontram, assim, razoavelmente bem representadas nesta
coletânea de textos inéditos, cuja preocupação analítica primordial foi com uma exposição
abrangente e honesta dos fatos e processos envolvidos em cada uma das experiências
enfocadas, seguida de uma discussão aberta sobre as implicações sociais de cada um deles.
Para a maior parte dos trabalhos, as referências básicas na abordagem da dimensão social no
processo de integração são obviamente o Brasil e o Mercosul, mas os demais esquemas
hemisféricos – tanto os existentes, como o Nafta, como os potenciais, como a Área de Livre
Comércio Sul-Americana (Alcsa) e a Alca – também mereceram a atenção dos autores
participantes desta coletânea. Em todos esses exemplos, cabe sublinhar o fato de que a
construção de um bloco comercial ou o estabelecimento de um espaço integracionista,
conforme o caso, encontram-se ainda em desenvolvimento, o que por vezes pode dificultar a
apreensão intelectual de todas as suas consequências e impacto social.
O Mercosul, o Nafta e a Alca são blocos formados a partir de concepções diferentes.
A integração norte-americana, via Nafta, e a integração continental, via Alca, objetivam
essencialmente a formação de zonas de livre comércio, onde a dimensão social não é
relevante ou prioritária. Por outro lado, o Mercosul pretende avançar na direção de um
mercado comum pleno e seguir o caminho, ainda que de forma sui generis, da União
Europeia (UE), que vem atuando desde largos anos no plano social. O Mercosul possui várias
instâncias que possibilitam maiores avanços na área social como, por exemplo: o Subgrupo-
10 (Assuntos Trabalhistas, Emprego e Seguridade Social) e sua Comissão Ad Hoc sobre a
“Dimensão Social do Mercosul”; o Foro Consultivo Econômico-Social (FCES) onde
participam empresários, centrais sindicais e entidades da sociedade civil; e a “Declaração
Sócio-laboral do Mercosul”, assinada em dezembro de 1998 pelos presidentes dos quatro
países do Bloco. Essa “Declaração” é relevante, em termos sociais, uma vez que estabelece a
criação de uma “Comissão Sócio-laboral”, órgão tripartite, e sobretudo, porque pode tornar-se
um instrumento de proteção dos direitos laborais básicos, representando, assim, um avanço no
tratamento dos assuntos sociais no Mercosul.
O livro está estruturado em três partes interconectadas. Na primeira são abordadas de
maneira ampla e geral as questões mais importantes da dimensão social e política dos
processos de construção de espaços integracionistas na região. Na segunda, o enfoque é mais
191
diretamente dirigido ao problema crucial da participação dos atores sociais, “societais” e
“orgânicos” (Estados e entidades organizadas, como os sindicatos de patrões e de
trabalhadores) no contexto da globalização e da regionalização. Na terceira parte, são as
próprias práticas sindicais e sua transnacionalização que se encontram no centro da discussão,
em face dos novos cenários internacionais desenhados por esses processos aparentemente
contraditórios – mas na verdade basicamente complementares – da globalização e da
regionalização. Uma cronologia relacional do desenvolvimento dos processos e esquemas
hemisféricos de integração e um glossário dos principais termos e siglas utilizados no livro,
relacionados à integração, completam este volume. Ele se pretende um guia didático para a
comunidade universitária, mas também uma fonte de informação mais ampla para a sociedade
em geral, sobre esses distintos processos de integração, que nem sempre colocados em
confronto, como é o caso aqui. Em que pese a densidade analítica dos textos aqui coletados, o
livro não se dirige, portanto, apenas aos especialistas acadêmicos, aos profissionais da
integração ou aos militantes das organizações sociais e sindicais, mas está voltado para o
enriquecimento do debate nacional em torno dessa problemática, aspirando a servir à
participação da opinião pública como um todo nesse processo que deve determinar o futuro da
inserção internacional do Brasil no limiar do século XXI.
O primeiro capítulo, por Paulo Roberto de Almeida, é voluntariamente generalista e
“multi-geográfico”, ao enfocar igualmente a experiência da Europa em matéria de
incorporação da dimensão social ao processo de integração, uma vez que o modelo europeu se
constitui em referência incontornável e chave de qualquer discussão sobre o assunto. Almeida
demonstra como a dinâmica da participação social estava presente no próprio fluxo de
construção da atual União Europeia, o que explica o estoque razoável de conquistas sociais
que caracteriza esse modelo, em contraste com as realizações algo pálidas, para não dizer
inexistentes, nos processos americanos. De fato, a garantia de que a dimensão social seja
efetivamente contemplada nesses processos parece residir mais numa atuação em torno dos
fluxos de participação, condição essencial da ulterior incorporação de resultados esperados ao
estoque de direitos sociais.
Yves Chaloult torna mais concreta essa visão macrossociológica ao passar em revista,
no segundo capítulo, os itinerários respectivos dos diferentes esquemas e projetos
hemisféricos de integração, detendo-se mais particularmente no papel do Estado e dos
movimentos sociais que lhes guiam os passos ou deles participam. Isso lhe permite concluir
que para contrabalançar os efeitos contraditórios do novo regionalismo econômico e da
globalização financeira é necessário que se intensifique a participação dos movimentos
192
sociais, da sociedade civil e dos Legislativos, reforçando, dessa maneira, o pluralismo e a
democracia na região.
Alcides Costa Vaz destaca por sua vez, no terceiro capítulo, o acentuado protagonismo
dos governos nacionais dos Estados-membros do Mercosul, discutindo em seguida as
diferentes razões que explicam o déficit democrático desse processo. Analisa os atores no
Mercosul em três níveis de influência; a) as instâncias decisórias (governos nacionais, órgãos
do Mercosul e associações empresariais); b) as instâncias consultivas (Foro Consultivo
Econômico-Social, parlamentos, partidos políticos, centrais sindicais e organismos regionais);
e c) os atores coadjuvantes (forças armadas, universidades, associações profissionais, e
pequenas e médias empresas).
A segunda parte é aberta pelo texto em colaboração de Tullo Vigevani e de Karina
Pasquariello Mariano, que também reconhece a importância fundamental do Estado enquanto
ator de primeira ordem nesses processos de construção integracionista, mas inova do ponto de
vista conceitual ao incidir o bisturi analítico mais diretamente sobre a participação dos atores
sociais (empresários, sindicatos) e suas estratégias de alianças recíprocas. Essas alianças se
dão tanto no plano nacional como no internacional, o que pode influenciar o processo
decisório das políticas externas e dos processos de integração, contribuindo eventualmente
para diminuir o déficit democrático já mencionado.
No capítulo quinto, Ana Maria Stuart também analisa, sob o enfoque do
construtivismo social, a participação dos movimentos sociais nos processos de integração
regional, mas ela o faz no contexto da crise da representação política e do próprio sistema
democrático que caracteriza a atualidade. Trata-se, portanto, de uma visão fortemente crítica
sobre a ausência da sociedade civil, em especial do movimento sindical, na construção dos
esquemas integracionistas.
Gilberto Dupas oferece, no capítulo sexto, uma ampla discussão sobre as implicações
econômicas e sociais da globalização e da regionalização, mostrando o caráter inerentemente
instável – ou aberto a novas configurações – da política de blocos. Estes poderiam significar o
último baluarte dos Estados nacionais, em face do caráter aparentemente irreversível da
globalização. Dupas examina mais de perto os casos do Brasil, da Argentina e do México,
cujas possibilidades de formulação de políticas setoriais para a preservação do volume de
empregos em suas respectivas economias estão fortemente condicionadas pela lógica do
fracionamento das cadeias produtivas que acompanha o desenvolvimento de ambos os
processos.

193
O capítulo sétimo, abrindo a terceira parte deste livro, apresenta um quadro teórico-
analítico sobre a transnacionalização das práticas sindicais e a sua relação com o processo de
globalização em andamento. Como demonstram Yves Chaloult e Dorval Brunelle, a
integração econômica atual – regional e global – que se situa no prolongamento do quadro
normativo oriundo da segunda guerra mundial, redefine significativamente as antigas práticas
dos sindicatos, atores participantes de processos dominados pelos Estados, pelas empresas
transnacionais e, em parte, pelas organizações internacionais. O quadro institucional de
atuação dessas forças sociais é ilustrado mediante o exame de iniciativas sindicais na América
do Norte e do Sul, no contexto dos três grandes esquemas integracionistas do hemisfério: o
Mercosul, o Nafta e a projetada Alca.
João Paulo Veiga examina, no oitavo capítulo, as razões que explicam o crescente
interesse dos sindicatos pelas áreas preferenciais de comércio, fonte possível de um novo
“sindicalismo global”. O trabalho adota a perspectiva comparativa, ao discutir a participação
sindical nos processos mais conhecidos de integração: Mercosul, Nafta e União Europeia.
Parece claro que os sindicatos lograram “internacionalizar” um conjunto mais ou menos
uniforme de reivindicações, mas essa pauta comum de pontos de luta não representa sua
“tábua de salvação”, uma vez que eles não são mais os únicos atores-interlocutores do setor
produtivo: Organizações Não-Governamentais (ONGs), associações de consumidores,
ambientalistas e grupos de defesa dos direitos humanos intervêm no debate e, não raro,
formam coalizões mais poderosas do que o logrado, na era clássica do capitalismo industrial,
pelos “velhos” sindicatos de trabalhadores.
A continuidade desse debate é assegurada, no capítulo nove, pelo ensaio de Maria
Sílvia Portella de Castro, abordando a questão da “internacionalização” das relações
trabalhistas. A possibilidade de estabelecimento de um “sistema de relações trabalhistas
supranacional” dependerá, como diz essa autora, do formato institucional que os processos de
regionalização econômica assumam doravante, mas essa integração dos sistemas laborais não
é necessariamente uma pré-condição para a introdução de contratos coletivos supranacionais.
De um ponto de vista pragmático, não se está longe, em alguns esquemas, da regulação das
relações laborais no âmbito regional. A autora examina ainda, por um lado, a negociação e os
alcances da Declaração — concebida inicialmente pelos sindicatos sob a forma mais
resolutiva de um Protocolo — Sócio-laboral do Mercosul e, por outro, as possibilidades de
negociações coletivas supranacionais nesse esquema, terreno no qual a oposição entre
empresários e trabalhadores é grande. Ela aponta que a tendência, pelo menos na Argentina e
no Brasil, é, aliás, no sentido de dificultar ainda mais as negociações coletivas nacionais.
194
As novas práticas sindicais no Nafta são examinadas, em sua dimensão política e nos
planos nacionais, pelo professor de sociologia econômica da Universidade do Quebec em
Montreal, Dorval Brunelle, que focaliza as estratégias de oposição ao acordo tripartite de livre
comércio. Nos Estados Unidos é bastante conhecida a oposição radical do movimento sindical
ao Nafta, por razões essencialmente pragmáticas: segundo a consigna adotada, livre comércio
é igual a perda de empregos. Essa oposição se desdobrou na Alliance for Responsible Trade,
papel que no Canadá foi desempenhado pela Common Frontiers e pelo Réseau Québecois sur
l’Intégration Continentale, ao passo que o México ensaiava uma Red de Acción frente al
Libre Comercio. A atuação dessas coalizões deslocou-se, obviamente, da oposição ao Nafta à
luta contra a Alca, mas aqui a tarefa é ainda dificultada pelo fato de não haver muito espaço
para iniciativas sindicais, enquanto os empresários já dispõem de seu próprio fórum para a
integração hemisférica.
No capítulo onze, finalmente, a pluma analítica deixa os gabinetes dos acadêmicos
para ser assumida de maneira militante por um líder sindical, no caso o Secretário de Relações
Internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Kjeld Jakobsen. A perspectiva é a
da solidariedade internacional dos trabalhadores, recuperando a herança do Manifesto de
1848, cuja validade é reafirmada em face da crescente internacionalização da economia, tal
como analisada por Marx há 150 anos. A despeito da relativa dispersão geográfica e
organizacional dos sindicatos e das centras sindicais no continente americano, a “ameaça” da
Alca parece oferecer uma base comum para a luta contra esse projeto de acordo; essa luta foi
até agora manifestada pela organização de conferências paralelas às reuniões dos ministros e
dos presidentes dos países participantes. Alguns desses encontros alternativos – tanto em Belo
Horizonte, em maio de 1997, como na Cumbre de los Pueblos de America, em Santiago do
Chile, em abril de 1998 – propiciaram a adoção de documentos de forte conteúdo crítico ao
projeto da Alca.
Este conjunto de textos oferece, portanto, uma visão abrangente e multifacetada das
implicações sociais e dos diversos aspectos econômicos e políticos envolvidos nos diferentes
esquemas e acordos de livre comércio implantados ou em discussão no hemisfério. As ricas e
variadas referências bibliográficas compiladas em quase todos eles permitirão aos leitores
interessados aprofundar o debate mediante a consulta a outros trabalhos produzidos no Brasil
ou no exterior sobre a mesma temática ampla aqui enfocada. O rigor acadêmico não elude a
preocupação legitimamente social, propriamente cidadã, de todos os colaboradores com a
ampliação da participação dos atores e movimentos sociais no processo negociador e no
empreendimento “societal” de construção de espaços integracionistas no continente
195
americano, reduzindo, assim, o chamado déficit democrático do processo de integração
regional em andamento.
Essa participação, mormente em condições de vigência praticamente universal do
regime democrático como nas Américas da atualidade, se dará de forma consequente e
apropriada apenas a partir de uma discussão bem informada sobre os pressupostos
econômicos e os efeitos sociais concretos desses processos atualmente em curso no
hemisfério. Tal parece ser a condição para que esse processo torne-se menos excludente do
ponto de vista social e possa apresentar-se, ao contrário, como um espaço ampliado de
atuação consciente por parte de todos os cidadãos dos países-membros dos diversos esquemas
integracionistas em curso na região.
O presente livro pretende representar uma contribuição honesta, objetiva e a mais
completa possível para que essa informação seja precipuamente dirigida à reflexão crítica e à
formulação de respostas alternativas aos desafios colocados aos povos dos países americanos
e caribenhos, em primeiro lugar do Brasil e do Cone Sul, pela globalização e pela
regionalização.

Yves Chaloult
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, janeiro de 1999

196
Mercosul, com savoir faire

Préface (Georges Couffignal); Avant-propos e apresentação do livro:


Paulo Roberto de Almeida:
Le Mercosud: un marché commun pour l’Amérique du Sud
(Paris: L’Harmattan, 2000, 160 p.; collection: Recherches et documents Amériques
Latines, série Brésil; préface de Georges Couffignal; trad. du Portugais sous la
coordination de Idelette Muzart-Fonseca dos Santos; ISBN: 2-7384-9350-5; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/40Mercosud2000.html)

Préface (Georges Couffignal)


Cet ouvrage de Paulo Roberto de Almeida est à plus d’un titre le bienvenu. En
France, en effet, on ne connaît pas grand-chose du Mercosud (Mercosur, pour les
Argentins, Uruguayens et Paraguayens, ou Mercosul, pour les Brésiliens). La rapidité de
création et les succès de ce marché commun qui unit quatre pays du sud de l’Amérique
constitue pourtant l’un des faits majeurs de la décennie 1990 dans le continent. Il n’est
en effet pas comparable aux autres regroupements qui se sont forgés ou réactivés à la
même période en Amérique du Nord, en Amérique centrale ou entre les pays andins
d’Amérique du Sud.
Le Mercosud est né d’une volonté politique, sous le double sceau de la
mondialisation de l’économie et du retour de la démocratie en Amérique latine. Cette
volonté politique fut celle des deux premiers présidents du Brésil et d’Argentine après le
retrait des militaires. Lorsque José Sarney et Raoul Alfonsin signent un traité
d’intégration économique entre leurs deux pays en 1988, ils veulent d’abord faire une
œuvre politique. Pour eux, dans le monde multipolaire qui se dessine, l’Amérique du
Sud risque d’être marginalisée. Elle n’a des chances de compter que si elle se constitue
elle-même en bloc, face à l’Amérique du Nord, à l’Europe ou à l’Asie. Trois ans plus
tard s’engageaient les négociations de création du Mercosud.
Le premier janvier 1995, la gageure était tenue. Une union douanière pratiquant
un Tarif Extérieur Commun pour plus de 90% des produits circulant dans la zone
s’affirmait dans le commerce mondial, tandis que la croissance des échanges entre pays
membres était exponentielle. Le pôle ainsi constitué était suffisamment attractif pour
que deux pays voisins du Cône sud demandent d’y être associés. Le Chili, pourtant, ne
rêvait auparavant que d’une entrée dans l’Accord de libre-échange nord-américain
(Canada, États-Unis, Mexique). Quant à la Bolivie, elle appartenait à un autre ensemble,

197
celui de la Communauté andine (Bolivie, Pérou, Équateur, Colombie, Venezuela). Cette
Communauté a d’ailleurs engagé des conversations en 1998, pour se rapprocher d’un
Mercosud qui a signé un accord avec l'Union Européenne et dont le dynamisme ne se
dément pas.
S’il apparaît comme un succès sur le plan économique, ce regroupement affiche
aussi un bilan politique non négligeable. Il a permis de résoudre l’ensemble des
nombreux litiges frontaliers en suspens et de dépasser des antagonismes souvent
vivaces. Il a surtout – comme ce fut le cas en Europe avec la CEE – érigé la démocratie
comme principe absolu de fonctionnement entre les pays membres. En application de ce
principe, il est déjà intervenu à deux reprises de manière très efficace lorsque le régime
démocratique était menacé au Paraguay.
Le grand mérite de Paulo Roberto de Almeida est de nous introduire dans la
genèse, les difficultés, les lenteurs et les succès de ce Mercosud si jeune et pourtant déjà
incontournable en Amérique. Haut fonctionnaire brésilien ayant été au coeur du
processus dès son début, il nous fournit de nombreuses informations inédites. Il nous
présente par ailleurs dans des annexes très riches, quantité de données extrêmement
utiles qui font de ce livre un instrument de travail indispensable pour qui s’intéresse à
cette région. Enfin, l’auteur ne nous cache pas ses propres interrogations. Il met bien en
lumière les incertitudes qui pèsent sur l’avenir d’un ensemble qui a opté pour une faible
institutionnalisation et pour un modèle avant tout intergouvernemental («modèle
Bénélux»).
La crise du réal brésilien a ainsi en 1999 jeté une lumière crue sur les fragilités
d’une union dans laquelle les politiques monétaires sont diamétralement opposées :
parité fixe avec le dollar pour l’Argentine, dévaluation et flottement de la monnaie pour
le Brésil. Ce dernier pays sort politiquement très affaibli d’une crise financière qui l’a
mené au bord du gouffre. Or, depuis le début, il était le principal moteur du Mercosud.
Il avait en particulier réussi à s’opposer avec succès aux tentatives des États-Unis de
l’affaiblir. Ceux-ci en effet n’ont jamais vu d’un œil complaisant la constitution
éventuelle d’un bloc sud-américain. Un tel bloc serait sans doute un frein à la rapide
création (actuellement envisagée pour 2005) de la vaste zone de libre-échange à
l’échelle du continent américain dont le projet a été formulé dès 1990.
Au moment où paraît cet ouvrage, le Mercosud semble, bon an mal an, avoir
réussi à surmonter les risques d’éclatement que la crise brésilienne portait en germe.
Mais cette crise a posé à nouveau la question de l’institutionnalisation et de la
198
coordination des politiques économiques et financières. L’auteur se garde bien de
formuler des opinions tranchées en la matière. Mais il nous ouvre des pistes de réflexion
qui débordent de beaucoup le simple cadre du Mercosud. Une autre raison de lire cet
ouvrage...

Georges Couffignal
Professeur à la Sorbonne
Institut de Hautes Études de l’Amérique Latine

Avant-propos
Le présent ouvrage propose, d’une part, une vision panoramique du processus de
constitution du Mercosud, en examinant ses origines historiques, ses motivations
politiques et ses développements économiques au cours des dernières années. Il ouvre,
d’autre part, un débat prospectif sur l’implantation de l’union douanière, dans le cadre
d’une zone de libre-échange en formation sur le continent américain. Une première
précision s’impose sur le concept même employé dans le titre de ce livre. Tout en
reconnaissant que la dénomination Mercosur, en Espagnol, est plus fréquente dans la
bibliographie en langue anglaise ou française en la matière, j’ai cependant décidé de
privilégier la langue de mon premier livre publié à l’étranger, et de choisir, à défaut de
pouvoir employer son équivalent en Portugais, un néologisme plus proche du Français.
Ce travail a été élaboré grâce à mon expérience passée de représentant adjoint du
Brésil à l’Association Latino-Américaine d’Intégration (ALADI), à Montevideo, de
1990 à 1992, et à celle acquise par la suite en tant que participant aux négociations sur
les questions institutionnelles du Mercosud, pendant la phase de transition (1991-1994).
Je n’ai pas cessé, depuis, de suivre les progrès du Mercosud, soit en travaillant au
Département Économique du Ministère brésilien des Relations Extérieures, soit en tant
qu’observateur «externe» de ses développements, lors de mes fréquents séjours à
l’étranger.
Je me suis appuyé, également, sur de nombreux travaux universitaires comme
sur l’information officielle que j’ai eu l’occasion de rédiger en tant que créateur et
éditeur du Bulletin d’Intégration Latino-Américaine et responsable de la première
Banque de données créée sur le Mercosud. Durant toute cette période, à l’étranger
comme au Brésil, j’ai présenté de nombreuses communications et participé à plusieurs
séminaires sur le Mercosud et l’intégration régionale, tout en poursuivant, à l’occasion,
199
des activités d’enseignement et de recherche. J’ai pu également écrire maints articles
ainsi que deux livres entièrement consacrés à ce vaste sujet publiés en Portugais: O
Mercosul no contexto regional e internacional (São Paulo: Aduaneiras, 1993) et
Mercosu: fundamentos e perspectivas (São Paulo : LTr, 1998).
Ce livre bénéficie, donc, non seulement de mon expérience du processus de
négociation de l’intégration régionale en Amérique du Sud, mais également de l’étude
constante des principaux problèmes posés par le Mercosud en vue de l’insertion
économique internationale du Brésil, en général, et pour la politique étrangère du Brésil,
en particulier. Je dois donc avouer, en toute honnêteté, que ce livre a été écrit dans une
optique brésilienne, pour ce qui est la problématique de l’intégration.
Le Mercosud représente, pour les quatre pays membres, le sujet de politique le
plus important dans une histoire de moins de deux siècles d’indépendance politique et
d’un éloignement économique réciproque presque aussi long. Il est le ciment d’une
construction qui se dresse en vue de l’avenir et qui change définitivement l’itinéraire de
chacun d’eux. Pour le Brésil, en particulier, il est aussi un sujet de politique extérieure
le plus important de la fin du XXe siècle et du début du XXIe siècle. Identifier ses
origines, comprendre sa spécificité par rapport à d’autres modèles d’intégration, suivre
ses développements dans la période plus récente et anticiper ses progrès dans un proche
avenir, tels sont les objectifs de cet ouvrage.

Paulo Roberto de Almeida


Brasilia, septembre 1999

Apresentação
O sociólogo e doublé de diplomata que assina este livro vem, há longos anos,
administrando uma carreira que, precisamente, à diferença das tradicionais funções
gerenciais no setor privado ou governamental (que são mais diretamente executivas),
tem apoio nas duas vertentes do esforço analítico e do trabalho operacional que
caracterizam, de um lado, o acadêmico e, de outro, o negociador externo. Essas duas
faces são, em primeiro lugar, o estudo sistemático de uma determinada problemática,
inclusive em suas dimensões históricas, seguido, numa fase de implementação prática,
pela formulação de princípios para a atuação diplomática que guardem conexão com o
contexto geopolítico mais amplo e as implicações gerais para a interface externa do
200
país. Esta digressão sobre as virtudes respectivas do universitário e do diplomata, as
duas atividades em que se tem empenhado o autor deste livro, tem sua razão de ser e
estão diretamente vinculadas às qualidades (e talvez algumas limitações) deste livro.
O observador livre ou o estudioso acadêmico, desprovidos de missões
negociadoras concretas, podem permitir-se o lazer de discorrer detalhadamente – e até
de escrever livros inteiros – sobre a natureza dos organismos internacionais e de
formular recomendações prescritivas sobre como deveriam eles ser aperfeiçoados em
nome do bem comum e dos princípios mais altos da racionalidade instrumental. Já o
diplomata, pode até mesmo concordar, pessoalmente, com muitas dessas sugestões e
recomendações que fazem usualmente os primeiros, mas ele é obrigado a atuar, por um
lado, em função de instruções precisas emanadas de sua chancelaria, por outro levando
em conta a relação de forças num determinado foro internacional e aplicando uma certa
dose de realismo político sobre como melhor defender os interesses nacionais de seu
país, em vista das limitações impostas por qualquer quadro negociador concreto,
bilateral, pluri ou multilateral. A construção do “direito internacional” num órgão como
o velho GATT, a nova OMC, ou a decisão pela renúncia parcial de soberania e assunção
consequente de novas obrigações em processos de integração, como o Mercosul ou a
UE, medidas dotadas de real impacto na economia e na sociedade nacionais, têm pouco
a ver, na maior parte dos casos, com a racionalidade intrínseca desses esquemas
internacionais ou regionais, e mais com a composição possível de interesses
temporários de uma coalizão de forças, atuando mediante representantes de governo
como são os diplomatas.
Estas considerações, clássicas para quem se ocupa de processos decisórios,
explicam algo da essência deste livro, dedicado a explicar ao leitor francês a história e o
desenvolvimento do Mercosul, suas especificidades em relação a um suposto “modelo”
europeu de integração, devidamente circunscrito pelo autor, assim como os problemas
atuais desse bem sucedido esforço integrativo que está completando dez anos de vida.
Como disse o prefaciador, o latino-americanista francês George Couffignal, o grande
mérito do livro é o de tratar das dificuldades do Mercosul com grande conhecimento de
causa, uma vez que o autor esteve envolvido em diversas etapas do processo
integracionista não como mero observador externo, mas como um de seus negociadores,
sobretudo nos aspectos institucionais. O autor também não esconde, como ressalta
Couffignal, suas próprias interrogações, num capítulo final apropriadamente intitulado
“o futuro do Mercosul”. As grandes questões, como ressaltou ainda o especialista
201
francês, são a baixa institucionalidade do esquema e sua opção pela manutenção do
modelo intergovernamental (chamado no livro de “modelo Benelux”).
Estes não são, entretanto, os principais problemas do Mercosul, pois o autor tem
plena consciência de que não se poderia avançar de outro modo no cone sul: ou seja,
qualquer tentativa de “empurrar” com maior força qualquer esquema mais elaborado de
organização institucional para o Mercosul – sem mesmo considerar a opção pela
supranacionalidade, que seria virtualmente impossível – teria provavelmente redundado
num desastre político de grandes consequências para os países membros, ao colocar em
confronto as burocracias nacionais (engajadas no esforço de estabilização
macroeconômica) e uma hipotética “mercocracia” montevideana. Não resta dúvida
sobre quem seria a parte mais fraca nos impasses que inevitavelmente surgiriam entre a
tecnocracia mercosuliana e os tecnocratas nas capitais (estes sim, dotados de poder),
com o descrédito consequente para o próprio processo de integração. Este, portanto, não
é o centro da discussão deste livro, que reproduz grandes trechos de seu equivalente em
português publicado no Brasil dois anos antes (Mercosul: fundamentos e perspectivas;
São Paulo: LTr, 1998). O que está em jogo no Mercosul é a necessidade inadiável de
seu aprofundamento estrutural (ou seja, cobrindo cada vez mais áreas de liberalização
no terreno econômico e comercial, estrito senso) e um grau adequado de coordenação
política entre os quatro sócios para a condução da agenda externa de negociações, esta
sim desafiadora e, em última instância, potencialmente desagregadora do Mercosul.
O Mercosul não parece necessitar, pelo menos no momento presente, de maior
grau de institucionalidade ou de maior aprofundamento político. O que ele precisa é de
fortalecimento interno para poder negociar externamente. O perigo maior é que,
permanecendo o Mercosul como mera união aduaneira – de fato como uma zona de
livre comércio dotada de níveis tarifários comuns –, ele venha a se diluir na futura área
de livre comércio hemisférica, tal como prometida pelo processo de Miami, de 1994, e
em curso de croisière desde pelo menos a cúpula de Santiago (1998). Ainda que a
vocação final do Mercosul – um mercado comum, sem os exageros institucionais e os
desvarios setoriais, sobretudo na área agrícola, do esquema europeu – seja institucional
e politicamente superior à Alca, ele não poderá sobreviver, na prática, ao desafio do
futuro “elefante” hemisférico , caso este venha a concretizar-se. Estes são os principais
elementos em discussão neste texto, que merecem leitura e reflexão por parte de todos
aqueles interessados no progresso econômico e social dos países do Cone Sul.

202
O Mercosul é, como afirmam muitos, o mais bem sucedido dos esquemas
integracionistas latino-americanos, e o único esforço de mercado comum credível
envolvendo países em desenvolvimento (as demais tentativas atuais ou passadas, centro-
americanas, caribenhas ou em outros continentes, não se justificam como
empreendimento e são irrelevantes no porte efetivo das economias engajadas). Por isso
mesmo, seus dirigentes devem atuar com cuidado para evitar que se quebre a louça
antes do casamento, que poderia resultar de um “salto maior do que a perna” antes do
tempo. Esses são os argumento subjacentes ao livro que devem ser sublinhados, e que já
faziam parte da edição brasileira do livro. Para a edição francesa contudo, foi eliminada
quase toda a argumentação que constava do capítulo “europeu” da versão original,
brasileira, do livro, e introduzidas atualizações e modificações que devem facilitar ao
leitor francês e europeu o conhecimento acurado desses esquema sud-américain. O livro
efetuou, aliás, uma curiosa opção por um neologismo – Mercosud – que de fato não é
muito comum na designação internacional do Mercosul, que prefere reter o acrônimo
espanhol. Mas, seria uma grande incongruência pedir a um autor brasileiro que adotasse
uma das versões oficiais da designação do esquema integracionista, em detrimento da
sua própria língua. A bibliografia que complementa o livro – inclusive no que se refere
aos recursos de Internet – procurou congregar o que existia sobre o Mercosul à
disposição do público francês, o que não é muito, daí vários outros títulos em espanhol e
em inglês. O mesmo livro mereceria, talvez, ser vertido para o inglês, ou talvez pudesse
ser objeto de uma versão totalmente nova, voltada para o público anglo-saxão. Seria
uma outra maneira de defender a causa do Mercosul frente ao desafio do Nafta e da
Alca.

Washington, 8 de fevereiro de 2001.


In: José Gabriel Assis de Almeida (org.):
Anuário do GEDIM 2001 (Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2001).

203
O Mercosul na sua fase ascendente (talvez única)

Resenha de
Renato L. R. Marques:
Mercosul 1989-1999: depoimentos de um negociador
(Kiev: s.e., 2008, 280 p.; ISBN: 978-966-171-170-1)

Trata-se de uma edição de autor: uma coleção de artigos, de entrevistas ou de


depoimentos feitos pelo diplomata gaúcho durante o período em que ele ocupou,
sucessivamente, os cargos de chefe da Divisão Econômica Latino-Americana do MRE,
de Secretário de Comércio Exterior do MDIC e de chefe do Departamento de Integração
do MRE, entre 1989 e 1999. São duas dúzias de textos, cada um trazendo a data e o
local de sua publicação ou “emissão” (no caso de depoimentos gravados), mas não,
infelizmente, as circunstâncias e o contexto no qual foram produzidos. A produção
amadora explica, assim, alguns dos problemas formais da obra, mas que em nada
diminui o interesse para os aspectos substantivos dos temas tratados.
O autor ficou devendo uma introdução geral e talvez uma divisão temática, ou
por seções, de molde a situar cada um dos textos no quadro mais geral da evolução do
Mercosul em seus primeiros dez anos de existência. Outra questão organizacional é a da
relativa imprecisão cronológica: a despeito de Marques situar sua compilação entre os
anos de 1989 a 1999, os limites inicial e final dos textos correspondem, de fato, ao
período que vai de 1991 a 2001, sendo que a última fase trata bem mais da Alca e das
opções de política comercial do Brasil do que propriamente do Mercosul. Mas mesmo
sem ater-se a uma estrutura temática mais racional, que poderia permitir um melhor
aproveitamento dos muitos materiais aqui recolhidos, o autor prestou um bom serviço à
comunidade de historiadores e de estudiosos dos fundamentos e do desenvolvimento do
Mercosul, até aqui carente de estudos rigorosos nas áreas da ciência política e da
história. Recomenda-se, talvez, para o futuro, uma segunda edição de características
profissionais, de maneira a sanar as muitas falhas formais que apresenta este volume,
feito por iniciativa do próprio autor e distribuído, provavelmente, a seus custos.
Mesmo à falta de uma inserção de cada um desses textos na história mais geral
do Mercosul, os trabalhos selecionados pelo autor são importantes, na medida em que
permitem uma aproximação ao que seria uma primeira “história oral” desse esquema de
integração, ainda hoje carente – pelo menos no Brasil – de uma história oficial ou

204
oficiosa que reconstitua, minuciosamente, suas diferentes etapas desde os anos de
integração bilateral com a Argentina até o período atual, marcado por uma espécie de
Entzauberung integracionista. O tom de vários textos é marcadamente otimista e
“defensivo”, como corresponde, talvez, a questionamentos da imprensa ou da
comunidade de negócios a respeito dos benefícios reais do Mercosul para a sociedade e
para a economia brasileiras. Em vários outros, possivelmente voltados para plateias não
especializadas, os objetivos didáticos aparecem mais explícitos, com extensas
explicações sobre o funcionamento de determinados mecanismos do bloco, em face das
regras multilaterais de comércio e da pequena selva burocrática na normatividade
mercosuliana que o autor ajudou a construir.
Alguns dos textos tratam das relações do Mercosul com parceiros próximos –
como o Chile, a Venezuela e outros países do Grupo Andino – ao passo que outros
abordam problemas específicos: fundos regionais, aplicação das normas do Mercosul
pelos juízes nacionais ou, ainda, o sempre presente problema institucional. Se o Brasil
sempre se mostrou “ofensivo” na expansão comercial do Mercosul em direção de novos
mercados, ele também se mostrou arredio em matéria institucional, opondo-se a
sucessivas demandas – dos demais sócios, ou atendendo a sugestões de juristas – por
maior grau de institucionalidade (que, para alguns, queria dizer supranacionalidade).
Parece ser uma regra das instituições burocráticas o fato de que problemas
complexos não são jamais resolvidos: eles apenas entram no rol de itens da “agenda
permanente” que passam a figurar em cada reunião do bloco: tais podem ser os casos do
regime automotivo do Mercosul (mais exatamente bilateral, Brasil-Argentina), ou da
eterna salvaguarda argentina imposta ao açúcar do Brasil. Aliás, falar em “regime
automotivo do Mercosul” seria conceder-lhe um status superior ao merecido, como
sistema de comércio bilateral administrado que de fato é, como nos velhos tempos do
mercantilismo. Quanto ao açúcar, não há nada de especificamente mercosuliano em sua
inadequação aos padrões do livre-comércio: trata-se, certamente, do primeiro produto
na história mundial das commodities a gozar de regras especiais de proteção e subsídio
em vários países da primeira revolução industrial – mais exatamente a partir do açúcar
de beterraba surgido com a revolução francesa e o bloqueio continental operado pela
Inglaterra – e que será, provavelmente, o último dos produtos a entrar num regime
normal de comércio, talvez daqui a mais 150 anos. Bem, espera-se que, até lá, o
Mercosul tenha chegado ao prometido mercado comum.

205
À falta de uma divisão temática ou “institucional” para este livro, o leitor é
obrigado a percorrer linearmente os textos, para deles extrair alguns ensinamentos e
esclarecimentos sobre aspectos pouco visíveis da história – até aqui quase secreta – do
Mercosul. Essa trajetória linear corresponde, aliás, à organização mais simples do livro,
sem que se possa, entretanto, discutir exaustivamente determinados problemas
estruturais ou constitutivos do modelo sui generis que adotou o Mercosul ao longo de
seus primeiros dez anos de existência (e ele acaba de completar a sua maioridade).
No conjunto, porém, os textos representam uma contribuição útil para a
construção de uma futura história do Mercosul, com os cuidados devidos à manipulação
de ideias ou opiniões que correspondem a um dos protagonistas oficiais do processo.
Sim, cabe esclarecer que mesmo se o autor explicita, numa nota preliminar, que os seus
argumentos representam unicamente a sua opinião pessoal, pode-se presumir que ele
estivesse, cada vez, defendendo a posição oficial do governo brasileiro sobre cada um
dos problemas abordados. Não é de se presumir que um representante do Itamaraty
tenha ideias próprias sobre todas essas questões, ou que ele tenha “escolhido” certas
“soluções” aos problemas da tarifa externa comum ou dos regimes setoriais em fase de
adequação à abertura recíproca na ausência de consulta a todas as autoridades do
governo. Depreende-se, aqui e ali, indiretamente, certa perplexidade ou insatisfação dos
atores privados, o que revelaria carência de consulta ou coordenação com aqueles
mesmos que deveriam operar a integração na prática diária: industriais, agricultores,
empresários em geral, para nada falar dos estudiosos acadêmicos, provavelmente pouco
consultados em todas as fases do processo.
Claramente, os textos precisam ser lidos e inseridos em seu contexto original,
que é o da construção de um bloco de integração numa fase ainda ascendente, com
pretensões a transformar-se em mercado comum (objetivo até agora frustrado; mas
muitos duvidam que ele venha a ser concretizado um dia). Mesmo lidos com todo o
cuidado de um historiador ou especialista acadêmico, não deixa de ser curioso, ao
observador contemporâneo – em 2009, ou seja, uma década depois da data terminal que
o autor colocou em se livro –, fazer uma leitura retrospectiva do que poderia ter sido o
Mercosul e o que, efetivamente, ele veio a converter-se ao atingir a maioridade,
praticamente congelado nas etapas examinadas neste livro de um dos protagonistas
originais.
Um dos textos, por exemplo, datado de março de 1996, explica que “Não é o
momento” de criar órgãos supranacionais, em especial um tribunal com poderes
206
próprios (já que esse passo não seria constitucionalmente aceitável para o Brasil). Em
outro, que faz um balanço da presidência brasileira e que comemora a passagem da
“prova de fogo” que foi a instituição (sic) da união aduaneira, se lê que o Mercosul
“consolidou-se como um agrupamento de crescente coesão interna e indiscutível
capacidade de negociação externa” (p. 141). Sem comentários, nesta resenha...
Mais para o final do período, o argumento dominante na chancelaria era o de
que o Brasil, sim, negociava a Alca, mas priorizava o Mercosul, por se tratar de um
bloco com pretensões mais abrangentes e profundas, como o projeto de mercado
comum. O temor, então (estávamos ainda 1997), era o de que a Alca provocasse
“atraso, desvio ou interrupção no processo ora em curso de aperfeiçoamento da união
aduaneira” (p. 169). Nunca houve, ao que parece, real interesse do Brasil pela Alca, que
seria alegremente enterrada no cemitério de projetos irrealizáveis por ocasião da reunião
de cúpula hemisférica de Mar del Plata, em novembro de 2005.
Naquela mesma conjuntura, o Brasil recusava a constituição de “fundos” ou a
adoção de “medidas compensatórias”, sob a justificativa de que os recursos alocados
competiriam com aplicações nacionais ou que esse tipo de mecanismo implicaria em
instituições burocráticas onerosas (p. 217-218). A partir de 2003, como se sabe, o Brasil
passou não apenas a aceitar, como a promover ativamente esse tipo de “fundo
compensatório”, do qual é o maior contribuinte líquido – 70% por cento do volume
global, recentemente aumentado em 100%, por decisão própria –, sem ser, obviamente,
o maior beneficiário (a despeito das mesmas diferenças e desigualdades internas que
justificavam a recusa no momento em que Renato Marques desenvolvia seus
argumentos).
Incidentalmente – ou sem que isto tenha a ver com o objeto do livro –, a
comparação entre o período coberto pelo autor, todo ele voltado para a negociação e
implementação dos objetivos primários do Mercosul – isto é, o acabamento da união
aduaneira e o caminho na direção do mercado comum – e a fase subsequente, e atual, de
abandono quase completo dessas metas “comercialistas” e a ênfase colocada em
aspectos políticos ou sociais do bloco, muito nos diz sobre a inflexão que ele sofreu ao
longo dos dez anos seguintes ao período aqui coberto. Teses que antes o governo do
Brasil rejeitava por não pertinentes ao “espírito” ou à “essência” do Mercosul passaram
a ser aceitas e até implementadas voluntariamente, como a já referida opção pela
constituição de fundos compensatórios e mecanismos corretores, ou a “fuga para a
frente” – tendente a construir novas instituições políticas e sociais –, em lugar de
207
resolver questões ainda pendentes dos fundamentos econômicos incompletos e do baixo
grau de abertura recíproca (paradoxalmente) do bloco.
Não se deve esperar, obviamente, um diagnóstico da situação do Mercosul,
mesmo ao cabo do período coberto pelo livro, inclusive porque a natureza puramente
“compilatória” da obra e a já referida lacuna de introdução ou de capítulo conclusivo
não permitem tirar ensinamentos mais aprofundados. O que se tem aqui são materiais
primários, minérios não processados, que devem aguardar outros insumos históricos ou
lapidação por especialistas para que, a partir desses discursos a favor do Mercosul, se
possa organizar uma discussão sobre os fins e os meios mobilizados para construir o
bloco e se tentar uma explicação para o evidente insucesso na consecução das metas
explicitadas no artigo primeiro do Tratado de Assunção.
O autor não é claramente responsável pelo que veio depois, mas muitos dos
impasses atuais se devem, provavelmente, às escolhas feitas naquela época, como, por
exemplo, a opção pela continuidade da “internalização” ad hoc – ou seja, sujeitas ao
arbítrio nacional – das resoluções e decisões adotadas conjuntamente. Diz-se que a
estrutura constitucional brasileira não permitiria a existência de um tribunal dotado de
poderes supranacionais, mas não se examinou, em detalhe, as condições de existência
de uma corte arbitral permanente par aplicar o patrimônio jurídico já em vigor no bloco.
Pode ser que uma instituição desse tipo viesse a perder legitimidade, como foi o caso no
Grupo Andino, mas é também possível que as barreiras ainda numerosas tivessem
começado a ser desmanteladas na fase ainda ascendente do Mercosul.
No conjunto, os textos são relevantes para permitir um retrato do Mercosul
numa fase determinada de seu desenvolvimento, embora este conceito seja um tanto
irônico ao se considerar o que veio depois. De fato, pode-se ler com alguma dose de
ceticismo, um argumento do autor, segundo o qual, o Brasil é o país mais aberto do
Mercosul” (p. 250). Não tenho certeza de que os demais sócios e outros países
associados concordariam com a afirmação. Em todo caso, à falta de uma história do
Mercosul, este livro constitui uma das fontes primárias – processadas politicamente, é
verdade – para que um dia se possa escrever uma.

Brasília, 4-12 de janeiro de 2009.


Inédito nesta sua versão original.

208
Addendum:
O livro do embaixador Renato Marques foi posteriormente publicado por editora
comercial, como aliás recomendei ao próprio autor, sugerindo que ele fizesse uma
introdução explicativa e contextualizada sobre os materiais constantes da sua edição de
autor. De fato, o texto de síntese introdutória acrescentado à edição comercial – Renato
L. R. Marques: Duas Décadas de Mercosul (São Paulo: Aduaneiras, 2011, 368 p.;
ISBN: 978-85-7129-581-0) – oferece, em suas 90 páginas, um relato das diversas etapas
vencidas, das dificuldades enfrentadas e das razões pelas quais o Mercosul adotou o seu
formato de união aduaneira incompleta, de natureza intergovernamental. Por distração,
ou interesse real pela segunda versão desse livro, mais completa e amplamente revista,
ele foi registrado por mim em duas oportunidades na seção Prata da Casa do Boletim da
ADB, a primeira no quarto trimestre de 2011 (n. 75, outubro-novembro-dezembro
2011), a segunda exatamente um ano depois, no quarto trimestre de 2012 (n. 79,
outubro-novembro-dezembro 2012), caso único de um livro mini-resenhado duas vezes.
Ambas são reproduzidas nesta compilação, pela importância do tema.

Renato L. R. Marques:
Duas Décadas de Mercosul
(São Paulo: Aduaneiras, 2011, 368 p.; ISBN: 978-85-7129-581-0).

Negociador que presidiu, por assim dizer, ao nascimento do Mercosul, o autor


está capacitado para contribuir com seu depoimento de testemunha de primeira mão ao
esclarecimento das principais dificuldades que rondavam – ainda rondam – a
consolidação desse bloco sui generis de integração econômica com pretensões a ser
mais do que um simples agrupamento de liberalização comercial. A maior parte dos
textos, fotografias de ocasião ou reflexões a quente enquanto o bloco era construído, é
dos anos 1990, anteriores, portanto, às crises políticas e econômicas do final da década,
que não parecem terem sido inteiramente superadas. A “nota introdutória” do ex-
chanceler Luiz Felipe Lampreia acha que o livro poderia ser chamado “Presente na
Criação”, numa evocação das famosas memórias de Dean Acheson. Exagerado?

Boletim ADB (ano 17, n. 75, outubro-novembro-dezembro 2011, p. 32).

209
Segunda edição de obra publicada pessoalmente pelo autor, em 2010, cobrindo os
anos 1989-1999, e que agora vem ampliada com capítulo inicial, elaborado em 2011,
fazendo uma síntese da trajetória do Mercosul, nos seus primeiros vinte anos. Mais do
que uma reconstituição histórica, se trata do depoimento de um negociador que teve
papel destacado na conformação do que foi o Mercosul comercial, até o bloco ser
desviado para objetivos mais políticos a partir de 2003. O texto de síntese introdutória
oferece, em suas 90 páginas, um relato das diversas etapas vencidas, das dificuldades
enfrentadas e das razões pelas quais o Mercosul adotou o seu formato de união
aduaneira incompleta, de natureza intergovernamental. Obra essencial para todo
historiador que pretenda escrever a história real, não alguma fábula ideal, sobre o
Mercosul em sua verdadeira essência.

Boletim ADB (n. 79, outubro-novembro-dezembro 2012, p. 31).

210
Caminhos da convergência na globalização

Apresentação ao livro
Leonardo de Almeida Carneiro Enge:
A Convergência Macroeconômica Brasil-Argentina: regimes alternativos e fragilidade
externa
(Brasília: IRBr, 2006; ISBN: 85-7631-048-1).

Este livro, a rigor, dispensa apresentações. Seu título e subtítulo, assim como seu
índice, falam por si mesmos, e eles não poderiam ser mais eloquentes. O tema,
evidenciado no título, a convergência macroeconômica entre os dois grandes sócios do
Mercosul, toca num dos mais importantes problemas da interface econômica externa do
Brasil, ressaltado pela sua densa relação – que não é só econômica, obviamente – com a
Argentina, nosso principal parceiro no empreendimento integracionista do cone sul e
interlocutora incontornável e indispensável no processo de construção de um espaço
econômico unificado na América do Sul. Quanto ao subtítulo, ele revela o ambiente
econômico frágil no qual viveram até recentemente ambos países, tendo de operar seus
respectivos processos de estabilização num contexto de turbulências internas e externas,
em um quadro marcado pela diversidade de regimes cambiais, para não dizer
divergência recíproca absoluta, e pela deterioração dos desequilíbrios externos.
Em sua primeira “encarnação”, a de uma dissertação de mestrado no Instituto
Rio Branco do Ministério das Relações Exteriores, a monografia cumpriu exatamente o
papel que se esperava dela, a de uma conclusão com êxito de uma curta trajetória de
formação e aperfeiçoamento para a carreira diplomática. Melhor dito, ela foi além dessa
missão e, por isso mesmo, conquistou o primeiro lugar dentre os prêmios previstos,
ganhando, assim, um lugar de honra no ainda pequeno panteão das monografias
publicadas. Com isso, ela assegurou ao seu autor um merecido estágio na Embaixada do
Brasil em Buenos Aires e, por sua própria iniciativa, a oportunidade de continuar seus
estudos especializados, desta vez em nível de doutoramento. Em sua presente
“encarnação”, sob a forma deste livro, ela deve continuar alimentando um debate tão
importante quanto necessário, uma vez que, se o que se pretende com o Mercosul é,
efetivamente, conduzi-lo à sua etapa de união aduaneira acabada e daí passar a construir
o mercado comum pretendido, o tema coberto pelo autor apresenta-se como central na
consolidação daquilo que se poderia chamar, emprestando-se uma famosa expressão da

211
Europa comunitária, de “acquis” mercosuliano, base da futura coordenação de políticas
macroeconômicas e setoriais.
Tive a satisfação intelectual – e o prazer pessoal – de “orientar” esta dissertação,
mas de fato ela dispensava quaisquer orientações ou “correções”, tal o domínio que o
autor demonstrou ter do tema por ele escolhido. Isto se deve, provavelmente, à
excelente formação como economista que ele recebeu nas salas de aula da FEA-USP,
sem esquecer de mencionar aqui uma experiência profissional prévia num mercado de
trabalho altamente competitivo, como é o da cidade de São Paulo.
Leonardo Enge estava, portanto, plenamente habilitado a destrinchar a
problemática por ele escolhida, a situá-la adequadamente no contexto mais vasto da
globalização, a identificar os problemas correntes do relacionamento bilateral e os
percalços que ainda devem ser superados com vistas a alcançar-se, se tal for possível, a
esperada e tantas vezes delongada convergência macroeconômica entre as duas maiores
economias da América do Sul, condição necessária, mas não suficiente, para avanços
ulteriores no Mercosul e base indispensável da consolidação do processo integracionista
na região. E o que traz este livro de importante para o debate e a reflexão ponderada em
torno dessa questão?
A obra se compõe de quatro capítulos, que vão do geral ao particular, ou do mais
vasto ao mais específico, mas que, na verdade, constituem uma espécie de crescendo,
uma vez que se parte do contexto maior da globalização, para examinar em seguida seu
impacto sobre a formulação e execução das políticas econômicas em âmbito nacional, o
que introduz a discussão das experiências de estabilização no Brasil e na Argentina e
abre espaço para o exame conclusivo das bases da integração Brasil-Argentina, isto é,
da própria convergência macroeconômica. O subtítulo traduz exatamente o que estava
em causa nessas experiências: regimes alternativos (de câmbio) – ou seja, de um lado o
Plano de Conversibilidade, de outro o Plano Real – e fragilidade externa, isto é, o
ambiente de turbulências financeiras em que ambos os países viveram, tanto de origem
externa, como aquelas criadas pelos seus próprios desequilíbrios internos e externos. O
fato é que, longe de “convergirem” para um leque de respostas de políticas econômicas
coordenadas entre si, cada país concebeu e adotou a solução que melhor parecia
adequada às autoridades econômicas nacionais, nos momentos cruciais dos respectivos
processos de estabilização econômica, daí derivando diferenças fundamentais na
implementação prática desses processos que complicaram ainda mais a busca da
convergência, num quadro que era igualmente marcado pelas fragilidades externas, em
212
termos de balanço de pagamentos, e pelos impasses internos em torno das políticas
monetárias e cambiais.
Ainda que o próprio autor exclua esta intenção, esta é a história linear, tal como
efetivamente se passou na “vida” dos dois países – wie es eigentlich gewesen, diria o
historiador alemão Leopold Von Ranke –, da “divergência” econômica entre o Brasil e
a Argentina, ao longo de mais de quinze anos desde a redemocratização de meados da
década de oitenta. Se não fosse pela excelência, também, da análise econômica, esta
monografia teórica – como sublinhado pelo autor – já constituiria, nos seus próprios
termos, um belo racconto storico da evolução econômica no cone sul a partir do início
dos anos noventa do século passado. Mas ela vai além disso, ao acoplar à história desses
episódios memoráveis da “crônica econômica contemporânea” dos dois países uma
discussão pertinente, e percuciente, dos mais importantes problemas envolvidos,
segundo uma dimensão própria a cada um deles, na concepção, formatação legal e na
aplicação das políticas econômicas nacionais em condições de forte tensão política e
social interna e de grandes pressões externas.
E por que a convergência macroeconômica seria relevante na vida econômica
dos dois países e no itinerário futuro do Mercosul? Alguns, talvez por impulsos
idealistas ou mesmo por um desejo inconsciente de mimetizar o processo europeu,
pretendem que essa convergência é importante para acelerar a chegada da “moeda
comum” no Mercosul, como se todas as experiências integracionistas devessem,
inevitável ou necessariamente, seja reproduzir o modelo comunitário da UE, seja
desembocar fatalmente na adoção de uma moeda única, vista como o nec plus ultra das
integrações possíveis. A despeito do apelo “popular” que possa ter essa visão, devemos
descartá-la de imediato. Não se opera “convergência” apenas para fins da adoção de um
mesmo padrão monetário, ainda que a consequência lógica de todo mercado comum
acabado possa ser, de fato, a abolição desse incômodo que representa o câmbio entre
moedas nas fronteiras e a imposição continuada desses pesados custos de transação que
já não mais possuem razão de continuar a existir, quando completou-se a liberalização
de bens, serviços e fatores produtivos entre dois ou mais países. Brasil e Argentina, e
talvez mesmo o Mercosul, chegarão, em algum momento de um futuro ainda
imprevisível, a uma moeda comum, mas isso se dará pelo aprofundamento natural e
pelo adensamento progressivo dos vínculos recíprocos construídos no processo de
integração bilateral e plurilateral – envolvendo ainda a América do Sul –, não tanto pela

213
definição de um projeto político que tenha de ser implementado de cima para baixo pela
simples vontade de dirigentes ou tecnocratas.
A convergência macroeconômica entre o Brasil e a Argentina é, ou pelo menos
deveria ser, importante em seus próprios termos, não apenas como um dos precedentes
indispensáveis ao estabelecimento de uma moeda comum bilateral (a ser oportunamente
“quatrilateralizada” no Mercosul, se tal for possível, tendo em vista as peculiaridades do
Uruguai como praça financeira aberta). Mesmo que não se conceba essa iniciativa
apenas como uma espécie de “camisa de força” a limitar ações intempestivas, por parte
de líderes políticos ou mesmo de burocracias governamentais eventualmente volúveis,
no sentido de alimentar o caráter já naturalmente errático das políticas econômicas nas
condições conhecidas na América Latina nas últimas décadas, mesmo que não fosse
para evitar esse tipo de “volatilidade macroeconômica” embutida na instabilidade geral
dos ciclos eleitorais nesses países, a convergência macroeconômica apresentaria, por si
só, um elemento novo na densa relação econômica já construída entre o Brasil e a
Argentina. Esse elemento é, obviamente, o da estabilidade e da previsibilidade de
regras, a condição primeira e essencial de todo processo sustentado de crescimento
econômico (a segunda sendo, em minha opinião, uma microeconomia competitiva, e a
terceira uma abertura ao comércio e aos investimentos internacionais, sem olvidar,
obviamente, a qualidade dos recursos humanos e uma infraestrutura adequada).
De fato, a convergência não é uma “situação” a que se chegue, como seria um
eventual ingresso em um “estado de graça” de tipo econômico. Trata-se mais bem de
um processo, de um work in progress, que requer das autoridades econômicas
envolvidas mais do que atividades rotineiras de troca de informações, consulta e
coordenação de medidas tópicas no campo macroeconômico. O processo gradual de que
se fala requer, em primeiro lugar, uma concepção clara do tipo de ordenamento
econômico que se pretende em países que estão inevitavelmente inseridos na
interdependência econômica global, como demonstrado amplamente neste trabalho. Ele
demanda, em segundo lugar, uma definição das condições sob as quais os países devem
operar internamente e administrar no plano externo essa inserção econômica
internacional, o que também é discutido neste livro. Ele está, em terceiro lugar,
condicionado à existência de instituições técnicas específicas, ou pelo menos de
mecanismos e “ferramentas” adequadas e adaptadas a esse tipo de gestão econômica,
que se aproximam daquilo que os anglo-saxões chamam de fine-tuning. As tarefas não
são simples, tendo em vista a instabilidade macroeconômica que marcou ambos países
214
nas duas últimas décadas do século as e a delicada gestão da estabilidade alcançada –
mas ainda não totalmente garantida – nos primeiros anos da década.
Com base num estudo empiricamente sustentado nessas experiências dos
últimos lustros, mas também teoricamente embasado na melhor ciência econômica, o
autor conclui que o conjunto ideal de políticas para a promoção da convergência
macroeconômica entre Brasil e Argentina deveria estar fundamentado no tripé câmbio
flexível, metas de inflação e austeridade fiscal. Como diz Leonardo Enge, essa
combinação de políticas é a mais adequada para a promoção do crescimento econômico,
a atração de investimentos diretos estrangeiros e redução da fragilidade externa no
Brasil e na Argentina.
Por acaso, esse tipo de receituário se aproxima do “coquetel” macroeconômico
em utilização atualmente no Brasil, mas ele ainda não está suficientemente consolidado
e costuma sofrer ataques, tanto à direita, quanto à esquerda do espectro político-
acadêmico-tecnocrático que costuma opinar sobre políticas econômicas no Brasil.
Existe ainda, como já salientado por diversos observadores que acompanham esse tipo
de debate, uma enorme demanda por “magia econômica”, bem como por
intervencionismo estatal em determinados mercados e setores.
São vários os efeitos desse tipo de demanda, mas eles costumam se manifestar
em ataques simultâneos (nem sempre coincidentes ou todos concordantes): (a) contra a
rigidez das metas de inflação, insuscetíveis de acomodar, conforme se lê, determinados
choques externos de preços, como no caso do petróleo, pressionado por uma demanda
muito próxima da oferta; (b) contra a política de flutuação do câmbio, que limitaria,
como apregoado frequentemente, intervenções mais focadas do Banco Central na
determinação de uma “taxa de equilíbrio”, que ninguém ainda conseguiu dizer qual
seria; (c) ou, ainda, contra o próprio conceito de responsabilidade fiscal, que os mais
afoitos querem ver substituído por um etéreo compromisso com o crescimento e o
emprego e por um ainda mais vago conceito de “responsabilidade social”, sem falar nos
que pretendem a redução do superávit primário em nome de investimentos “sociais”,
como se o déficit já não fosse suficientemente alto.
Mas quando se fala em convergência se está pensando, obviamente, numa
relação envolvendo pelo menos dois atores, quando não num processo bem mais amplo,
com número maior de países, apontando para a confluência de políticas comuns, se não
totalmente harmônicas, ao menos concordantes, como tem ocorrido, por exemplo, desde
longos anos, no seio da União Europeia e, de forma mais diluída, no âmbito da OCDE.
215
O fato de Brasil e Argentina cogitarem, e de certa forma estabelecerem como objetivo,
essa convergência, como estabelecido, por exemplo, no artigo 1º do Tratado de
Assunção – ainda que sem mecanismos definidos de implementação – já constitui um
fator, ou pelo menos uma promessa, de futura estabilidade de regras, a primeira das
nossas condições primárias para um processo sustentado de crescimento econômico.
Se uma convergência relativa era sustentada, no regime de Bretton Woods, pela
adesão formal ao princípio da estabilidade cambial, essa tarefa tem de ser cumprida, no
não-regime monetário que passou a existir no mundo “pós-Bretton Woods”, pela adesão
informal a um conjunto de regras e princípios aos quais os países prometem se ater
voluntariamente como forma de reduzir a volatilidade intrínseca aos regimes de
flutuação cambial. Uma das modalidades encontradas, no caso da experiência monetária
europeia – que existiu independentemente de acordos formais de integração, já que
também o franco suíço, por exemplo, fazia parte de um sistema de flutuação ancorado
no antigo deutsche mark –, foi a definição de uma banda ajustável, mas bastante
estreita, ligando as moedas integrando esse regime, com acertos de intervenções
recíprocas entre bancos centrais para garantir a fiabilidade do sistema. Mas mesmo esse
tipo de arranjo informal, que poderia ser concebido para outras experiências similares
em outros continentes, tornou-se na prática inviável em virtude da magnitude dos fluxos
de capitais e da diversidade de ativos à disposição dos agentes nas atuais condições da
globalização financeira. O sistema monetário europeu saltou pelos ares quando
confrontado com os enormes deslocamentos provocados por uma alta dos juros no
principal operador do regime, algo que pode – e tende – frequentemente a ocorrer.
Qual a solução para o Brasil e a Argentina? Acredito que este trabalho fornece o
essencial das respostas e elas já foram resumidas nos parágrafos precedentes. Vale a
pena ler atentamente o que Leonardo Enge tem a dizer sobre a experiência dos dois
países, no contexto das crises financeiras da segunda metade dos anos noventa, em
especial a da Argentina, no início desta década. A convergência macroeconômica entre
os dois países é, por certo, bem vinda, mas ela requer condições mínimas para ser bem
sucedida e abrir o caminho para o tão desejado processo sustentado de crescimento,
com baixas taxas de inflação, reduzida volatilidade intrínseca na interface interna e
externa do meio ambiente de negócios e uma boa inserção internacional das duas
economias. Entre essas condições, necessárias mas certamente não suficientes, estão o
conjunto de políticas preconizadas por economistas experientes e que foram pelo autor
aqui explicitadas: câmbio flexível, metas de inflação e austeridade fiscal.
216
Nessa perspectiva, cada um dos dois países deve avançar muito ainda no
caminho da consolidação de seus respectivos processos de estabilização
macroeconômica antes de se pensar no estabelecimento de mecanismos formais – no
âmbito bilateral ou mesmo “mercosuliano” – de coordenação das políticas
macroeconômicas, que constituem a base instrumental da desejada convergência. O
Mercosul pode até ser importante, ou até mesmo essencial, nesse processo, mas ele não
é necessariamente indispensável, uma vez que o mais relevante é a tomada de
consciência, interna, pelos dirigentes econômicos e pelos líderes políticos, de que a
escolha das políticas ideais envolve elevado sentido de responsabilidade e um
compromisso muito forte com a estabilidade e a previsibilidade das regras.
O Brasil e a Argentina já perderam muito tempo, no decorrer do século XX, no
caminho do crescimento econômico e da busca de bem-estar para seus povos
respectivos. Nos percalços econômicos registrados e nas muitas frustrações sociais
acumuladas, ao longo das últimas décadas, ambos países, de comum acordo, decidiram
privilegiar o Mercosul como um instrumento válido de progresso econômico e social,
bem como para sua capacitação com vistas a lograr uma melhor inserção econômica
internacional. Pois bem, o Mercosul constituiu, desde 2000, um conjunto de diretrizes
de procedimento para realizar o objetivo almejado da convergência macroeconômica.
As diretrizes são válidas e plenamente adaptadas aos requerimentos estabelecidos para
realizar esse processo de convergência, como reconhece o autor deste trabalho, ao cabo
de um circunstanciado exame teórico e empiricamente embasado do percurso do
Mercosul, no decorrer de mais de uma década. Se os resultados alcançados até aqui não
estão em conformidade com os objetivos esperados do itinerário integracionista, não é
por alguma falha intrínseca de qualquer uma das diretrizes estabelecidas e sim por
deficiências próprias aos dois países, ou seja, pela não implementação do “mix ideal” de
políticas econômicas. As regras estão dadas. Cabe persistir no intento, de maneira
responsável, que os resultados virão.
A visão clara desse processo, por parte de Leonardo Enge, como revelada neste
trabalho, nos permite ostentar uma tal tranquilidade quanto ao atingimento oportuno dos
objetivos de maximização do bem-estar e de progresso econômico e social, fixados na
inauguração do Mercosul. Brasil e Argentina ainda têm um longo itinerário a percorrer
para que eles sejam alcançados, mas o conhecimento adequado do caminho já cumprido
permite constatar os erros cometidos e a serem agora evitados, bem como as tarefas que
ainda devem ser empreendidas para a consecução daquelas metas. Uma obra como esta
217
constitui uma espécie de “manual de bordo” da história realizada até aqui, ao mesmo
tempo que um “manual de instruções” – uma espécie de how to do – da agenda que tem
de ser cumprida por dirigentes responsáveis e engajados nesse processo. Auguro pleno
sucesso acadêmico e no espaço público para este primeiro livro de meu colega
diplomata Leonardo Enge: tenho certeza de que ele contribuirá para o debate bem
informado e, mais do que isto, para a orientação de políticas públicas condizentes com
as necessidades dos países membros do Mercosul.

Brasília, 19 de março de 2006.


Reproduzido no boletim Meridiano 47 - Boletim de Análise da Conjuntura em Relações
Internacionais (Brasília: Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, ISSN: 1518-
1219, n. 75, outubro 2006, p. 22-26)

218
Insegurança jurídica no Mercosul

Resenha de
Otávio Augusto Drummond Cançado Trindade:
O Mercosul no Direito Brasileiro: incorporação de normas e segurança jurídica
(Belo Horizonte: Del Rey, 2007, 180 p.)

O Mercosul chegou aos 15 anos com tantas pendências que algumas delas não são
sequer resolvidas mediante os instrumentos próprios, internos, de resolução de contenciosos
(protocolos de Brasília e de Olivos). Algumas controvérsias passam diretamente ao
mecanismo da OMC, que já teve de dirimir várias diferenças entre os países membros do que
seria, supostamente, uma união aduaneira, a etapa imediatamente anterior ao mercado
comum.
Monografia agraciada com o prêmio Hildebrando Accioly do Mestrado em
Diplomacia do Instituto Rio Branco, o trabalho do jovem diplomata tem tudo para consagrar-
se como uma das melhores análises acadêmicas sobre a “insegurança jurídica” do Mercosul, a
despeito de todos os instrumentos aprovados no plano formal da solução de controvérsias. A
razão disso é que os Estados membros pouco fizeram para internalizar grande parte das
normas, que são decisões e resoluções dos órgãos decisores (Grupo Mercado Comum e
Conselho de Ministros do Mercosul). Não apenas elas têm de ser aprovadas consensualmente
(o que constitui outra dificuldade maior do processo decisório), mas sua entrada em vigor
depende de que cada país proceda à sua ratificação formal.
O autor não se limita a examinar o conceito de segurança e a natureza jurídica das
normas do Mercosul, mas examina sua incorporação (limitada) ao direito interno dos países
membros e formula sugestões para o aperfeiçoamento desse processo. A maior parte de suas
recomendações são de procedimento, mas Otávio Trindade reconhece a necessidade de uma
reforma constitucional, tarefa que se choca com a velha defesa da soberania nacional. Curioso
que muitos daqueles que se declaram acirrados defensores da soberania nacional não veem
nenhuma contradição com a proposta de uma moeda única no Mercosul.

Brasília, 21 de fevereiro de 2007


revista Desafios do Desenvolvimento
(Brasília: IPEA-PNUD, n. 34, maio 2007, p. 63).

219
Mercosul ‘aborrecente’

Resenha de
Rubens A. Barbosa (organizador):
Mercosul quinze anos
(São Paulo: Memorial da América Latina-Imprensa Oficial do Estado, 2007, 304 p.)

O Mercosul, ao que parece, chegou à adolescência. Como todos os jovens nessa faixa
de idade, ele não sabe bem o que pretende ser quando se tornar adulto e não se conforma
muito ao padrão ideal que tinha sido traçado para ele pelos “pais fundadores”. Quando ainda
usava fraldas, a União Europeia ofereceu-se para ajudar tecnicamente naquilo que diz respeito
à organização e funcionamento, esperando, talvez, que, com um bom provimento de
“mamadeira comunitária”, ele pudesse crescer e tornar-se forte, rico, bonito e bem sucedido
como ela parece ser atualmente (deixando aqui de lado algumas angústias existenciais que
enfrenta a UE a 27 membros).
Quando pequeno, tudo parecia sorrir para o Mercosul, candidatos batiam à sua porta,
prestígio, riqueza e intercâmbios cresciam a olhos vistos e ele era bem recebido nos salões do
primeiro mundo. Depois, algumas desavenças internas minaram a paz do lar e o Mercosul
nunca mais voltou a ser o mesmo: entrou na adolescência já com sérios problemas de
comportamento e seus membros não parecem ter projetos coincidentes para o futuro.
Alguns ainda pretendem fazê-lo percorrer a trilha da integração europeia, outros se
contentariam em vê-lo reproduzir o modelo do Nafta, ou seja, uma simples zona de livre
comércio. O certo é que persistem muitas dúvidas quanto ao seu itinerário futuro, sem
mencionar o fato de que o membro mais recente tem uma visão própria, aliás completamente
distinta da original, sobre o papel do Mercosul na região e no mundo.
Este livro, que resulta de um seminário realizado no Memorial da América Latina
quando o “aborrecente” completava três lustros de vida, oferece um panorama amplo e
realista das muitas conquistas alcançadas e de algumas frustrações acumuladas ao longo do
percurso. O argentino Félix Peña começou relembrando os grandes objetivos constitutivos e
desmistifica alguns mitos ou incompreensões quanto ao alcance real dos conceitos de “união
aduaneira” e “mercado comum”. Ele reconheceu as dificuldades presentes mas não tem a
pretensão de resolvê-las com fórmulas mágicas e por isso propos um “mapa do caminho”
baseado numa arquitetura flexível, dotada de três velocidades: o núcleo original (Brasil e
Argentina) caminharia mais rápido, os dois menores teriam facilidades adicionais e os

220
associados fariam sua integração gradativa aos requerimentos da união aduaneira. Faltou dizer
o que fazer com a Venezuela.
Outro argentino, o ex-secretário da indústria e comércio Dante Sica, fez o balanço das
mudanças econômicas ocorridas nos diferentes setores e ramos produtivos dos países
membros, bem como nas suas variáveis macroeconômicas. Ele reconheceu a existência de
assimetrias, mas sua proposta seria uma volta ao espírito do PICE dos anos 1980, o programa
de cooperação que estava baseado na integração de cadeias produtivas e no estabelecimento
de protocolos setoriais, indo do micro ao macro. Duvidoso que esta fórmula funcione, uma
vez que o Mecanismo de Adaptação Competitiva foi imposto pela Argentina justamente
porque suas indústrias não conseguem competir em nível micro: se as “adaptações” são feitas,
eles se dão justamente em detrimento do comércio recíproco.
O representante oficial do MRE tratou da questão institucional, ostentando uma
postura equilibrada quanto à não opção pela supranacionalidade, um falso problema criado
por espíritos acadêmicos. Ele preferiu contrapor a essa alternativa teórica o reforço da
efetividade das decisões adotadas de comum acordo, cuja transposição para o terreno prático
carece, precisamente, da eficácia requerida de normas que garantam a segurança jurídica num
espaço verdadeiramente integrado.
O ex-diretor do Banco Central Carlos Eduardo de Freitas abordou macroeconomia e
finanças, começando por explicar os pagamentos por um sistema de clearing, o Convênio de
Créditos Recíprocos, que funciona no âmbito regional desde 1965. Discorreu sobre o uso das
moedas nacionais nos intercâmbios recíprocos e a integração dos mercados financeiros. Viu
com preocupação a interferência direta do governo da Venezuela nesses mercados, mas
existem outros obstáculos institucionais, na própria legislação brasileira, aliás. Ele alertou
também contra o uso indevido de instituições financeiras de fomento “como formas de
compensação de políticas econômicas equivocadas que destroem a poupança de longo prazo”.
O economista do BID, Uziel Nogueira examinou os aspectos políticos e sociais,
apontando a maior cooperação patronal na área agropecuária e o acirramento das relações no
setor industrial (daí o conflito FIESP-UIA e as salvaguardas unilaterais). A China se
encarrega de mudar o foco da questão. No plano institucional, as dúvidas são se o Mercosul
logrará reintroduzir a democracia na Venezuela e se o Parlamento regional amortecerá as
diferenças de visão entre as elites dos diversos países membros. No plano da defesa e da
segurança, o Mercosul pouco pode fazer para reforçar a dissuasão ou combater o crime
organizado na região.

221
Marcel Vaillant, consultor da Secretaria Técnica do Mercosul, abordou as negociações
comerciais externas: os resultados são escassos em vista das expectativas geradas e existe a
ameaça adicional da perda de mercados em razão dos acordos bilaterais concluídos pelos
EUA com países da região. Dos vinte acordos examinados, a maior parte foi feita com países
em desenvolvimento, com benefícios limitados: o Mercosul sempre dá mais do que recebe e
os efeitos sobre sua inserção internacional são também modestos. O representante uruguaio na
Aladi, Augustin Espinosa, tratou em detalhe da integração física (energia, telecomunicações),
da cooperação judicial e do Fundo de Correção de Assimetrias, o Focem. O Brasil,
considerado de maneira equivocada como um país “não-assimétrico”, contribui com 70% dos
US$ 100 milhões de obrigações não-reembolsáveis do Focem, mas só se beneficia com 10%
dos projetos a serem financiados, majoritariamente voltados para o Paraguai e Uruguai (que
aportam 3% do capital).
O ex-negociador pelo Brasil no Mercosul, embaixador Rubens Barbosa, fez a síntese
dos trabalhos, nas diversas áreas tratadas pelo seminário. Após apresentar as principais
conclusões, ele introduziu as visões “otimista” e “mercocética” quanto ao futuro do bloco e
estabelece algumas condições para resgatá-lo. Ele acredita, por exemplo, que a debilitação de
alguns dos pilares que hoje sustentam o Mercosul – vontade política, preferências econômicas
recíprocas, equilíbrio da integração produtiva e estratégias conjuntas de negociações externas
– poderia levar o bloco ao colapso. O Mercosul não vai desaparecer, mas se encontra num
“plano inclinado”. Uma reforma implicaria uma discussão sobre o mecanismo de tomada de
decisão (o atual sistema prevê o consenso, mas Barbosa propõe alguma forma de ponderação)
e talvez até mesmo se possa pensar na adoção de um novo instrumento no lugar do Tratado de
Assunção. Em todo caso, ele sugeriu abandonar a retórica da integração e enfrentar os
desafios de modo pragmático e realista, caso contrário o Mercosul continuará caminhando
para a irrelevância.
As mudanças são, obviamente, sempre difíceis e não é seguro que elas sejam adotadas
no futuro previsível. Estaria o Mercosul condenado a ser um eterno adolescente, ostentando
uma espécie de “complexo de Peter Pan”? Impossível prever atualmente, tendo o bloco recém
completado 16 anos, mas adolescentes tardios costumam dar mais trabalho do que o
esperado…

Brasília, 25 de março de 2007.


Publicada na revista Desafios do Desenvolvimento
(Brasília: IPEA-PNUD, ano 4, n. 33, 10 de abril de 2007, p. 63).

222
Addendum:

Convidado para o lançamento do livro acima, ocorrido no Memorial da América


Latina, em 21 de março de 2007, apresentei um conjunto de “teses” em torno das dificuldades
do Mercosul, acompanhadas de propostas para seu reenquadramento no mainstream da
integração, sob a forma de um PowerPoint, sob o título de “O Mercosul e suas sete
encruzilhadas”; o texto foi depois reelaborado e publicado no site gaúcho Via Política
(22.04.2007), atualmente indisponível na internet; por essa razão, mas também pela sua
persistente atualidade, reproduzo a seguir o texto em questão.

Sete teses impertinentes sobre o Mercosul

O estado atual do Mercosul pode ser interpretado de maneira muito diversa pelos
observadores interessados nesse processo de integração. Eles terão, segundo os casos, uma
interpretação mais ou menos otimista quanto ao seu desenvolvimento político no período
recente e serão mais ou menos realistas quanto às suas perspectivas evolutivas, no contexto da
integração, dependendo da interação pessoal com esse processo. Os responsáveis por sua
condução tenderão a enfatizar o muito que se fez nos últimos anos para reforçar suas
estruturas diretivas, para diversificar o escopo e ampliar a cobertura da integração e para
expandir sua influência na região, ou, na pior das hipóteses, para evitar o prolongamento de
uma crise que parece ter começado em 1999. Os observadores mais críticos desse processo
poderão retrucar quanto ao não cumprimento dos principais objetivos fixados originalmente e
reafirmados de maneira recorrente nos anos que se seguiram, sem que os obstáculos ao pleno
funcionamento da zona de livre-comércio ou à plena vigência da união aduaneira tenham de
fato sido superados. Eles também saberão reconhecer a preservação do esquema
integracionista, ainda que possam discordar quanto à utilidade das medidas adotadas.
Independentemente de qualquer julgamento sobre se as características atuais do
Mercosul resultaram de “acidentes de percurso” ou se elas derivaram, ao contrário, de
escolhas conscientes feitas pelos atuais dirigentes políticos, vou tentar formular algumas
“teses” sobre esse processo, oferecendo, ao final, algumas propostas tendentes a superar
algumas de suas atuais dificuldades. Cabe registrar que, a despeito de um julgamento otimista
ou pessimista que se faça da situação atual do Mercosul, não há como recusar o fato de que
esse processo atravessa dificuldades notórias, superáveis ou não em função da avaliação que

223
se possa fazer quanto à natureza ou a origem desses males e sobre os “remédios” aplicados ao
caso.

1. Desvio de rota e mudança de substância


O Mercosul desviou-se, ou foi desviado, de seus objetivos fundamentais, que eram os
da liberalização comercial e da integração econômica, e converteu-se – ou foi levado a
converter-se – num esquema fragmentado de iniciativas setoriais, nos campos político, social,
cultural, ou outros, não coordenados e desconectados entre si.

2. Introversão
O Mercosul deixou de ser uma ferramenta facilitadora, ou um meio, para atingir
determinadas finalidades, que na origem eram as da modernização produtiva dos países
membros e sua inserção econômica internacional, e tornou-se um fim em si mesmo, como se
a forma devesse necessariamente determinar o conteúdo. Com essa nova orientação “hacia
adentro”, a integração vem sendo perseguida pela própria integração, não como um veículo
condutor ou uma alavanca para a consecução de objetivos economicamente racionais. Seria
como se a preocupação “estética” tomasse a dianteira sobre o funcionamento efetivo do
esquema.

3. Fuga para frente


Em face de dificuldades reais, nos capítulos mais relevantes do processo
integracionista, o Mercosul foi levado a efetuar uma verdadeira fuite en avant, atitude que se
desdobra num número cada vez maior de iniciativas para compensar as tarefas não cumpridas
de sua agenda corrente. A criação de novos órgãos, todos meramente acessórios ou
simplesmente “redistribuidores”, confirma essa tendência, que não levará necessariamente a
maior coesão e coerência em relação aos objetivos fundamentais.

4. Expansão arriscada
O Mercosul foi levado a expandir de maneira talvez impensada, em todo caso de
modo pouco condizente com os seus requerimentos intrínsecos, previstos no tratado de
Assunção e nas decisões já adotadas, em termos de Tarifa Externa Comum, regras de origem,
defesa da concorrência etc. Decisões políticas de incorporação, sem atenção aos elementos
constitutivos da união aduaneira, fragilizam o edifício original e tornam mais difícil o
consenso interno para negociações externas.

224
5. Mimetismo indevido e foco em supostas assimetrias
O Mercosul foi levado a mimetizar formas de cooperação baseados em outras
experiências integracionistas, no caso a europeia, como se ele devesse, sem dispor dos
mesmos instrumentos institucionais de compensação de desequilíbrios, dar início a um
programa completo de correção de supostas “assimetrias estruturais”, à custa de transferência
de recursos de alguns países a outros. Concretamente, o único país que pode ser considerado
“não assimétrico” seria o Brasil – que, na verdade, possui muito mais assimetrias internas,
regionais e sociais, do que todos os demais –, ou então ele é o assimétrico absoluto, portanto
encarregado de redimir os males existentes.

6. Exceções protecionistas desfiguram o Mercosul, sem reforçá-lo


O Mercosul foi levado a aceitar a introdução, ainda que parcial, de restrições
comerciais que de fato fragilizam o edifício integracionista, em lugar de fortalecê-lo, como
parece ser a intenção, restrições que são, no mínimo, abusivas, quando não ilegais, seja do
ponto de vista do próprio Mercosul, seja do ponto de vista do GATT.

7. Ênfase na superestrutura e carência de implementação na infraestrutura


O Mercosul padece de excessos superestruturais, isto é, uma ênfase exagerada no
“cupulismo” e nas decisões políticas em torno de iniciativas em geral mais retóricas do que
substantivas, em detrimento da implementação de medidas de caráter “infraestrutural”, que
tendam a valorizar o trabalho das burocracias nacionais ou da própria secretaria técnica.

Em face dessas características, quais poderiam ser as soluções aos problemas


apontados? Simetricamente, podem ser apontadas as seguintes orientações em relação a cada
uma das teses.

1. Retomada da rota original e confirmação da substância


Caberia voltar aos propósitos originais do Mercosul, ou seja, retornar ao mainstream
da integração, resgatando os objetivos da liberalização comercial e da conformação plena da
união aduaneira. Proclamar objetivos sociais, políticos ou culturais, em substituição ao
fortalecimento das bases efetivas do Mercosul, redunda necessariamente na erosão dos seus
fundamentos.

225
2. Extroversão econômica e competição internacional
O Mercosul foi pensado como um instrumento facilitador e promotor da inserção
internacional dos países membros. Os mercados a serem perseguidos são antes externos do
que os recíprocos.

3. Concentrar-se no básico
No longo processo europeu sempre existiu a preocupação de que, a despeito de
dificuldades eventuais, deveria ser garantido o chamado acquis communautaire, ou seja, o
núcleo central de normas que regem o processo. Isto implica fazer o dever de casa, isto é,
empreender as reformas necessárias para que as regras constitutivas do processo sejam
preservadas e reforçadas. Desvios ou tratamentos excepcionais podem ser aceitos apenas no
que se refere à aplicação delongada das próprias normas, não na alteração de seu sentido
original.

4. Expansão medida
O princípio de base deveria ser “aberto ma non troppo”, ou seja, novos sócios devem
submeter-se aos estatutos vigentes, não pretender alterar o funcionamento do clube. A
simpatia não pode ser um substituto para a seriedade no engajamento formal do respeito às
normas. Um entendimento claro quanto aos propósitos definidos e quanto aos objetivos
fundamentais é a primeira das condições para que novas incorporações sejam decididas.

5. Assimetrias constituem a própria base do comércio internacional


Não há, na história do comércio exterior, doutrinas que enfatizem a necessidade de
eliminação forçada das especializações competitivas baseadas em dotações naturais ou
adquiridas. Ao contrário, vantagens ricardianas sempre funcionaram, em quaisquer latitudes e
longitudes e constituem fonte de ganhos líquidos para todas as partes. Verdades simples como
esta podem servir para avaliar os programas de “correção” de assimetrias, cujos efeitos podem
ser mais danosos do que benéficos. Reconversão deve significar adaptação aos novos
requerimentos, não equalização de condições.

6. Excesso de exceções levam à criação de novas e “urgentes” exceções


Não ceder ao protecionismo setorial deveria ser uma regra básica dos decisores. Caso
se ceda à tentação protecionista, todos os demais setores vão se julgar habilitados e demandar
resguardo em algum momento da trajetória competitiva. Não custa lembrar, tampouco, que
salvaguardas sempre devem ser não discriminatórias, por princípio.
226
7. Ênfase na infraestrutura, retórica moderada na superestrutura
Consoante uma velha fábula, sistemas econômicos organizados e funcionais requerem
um pouco mais de formigas (isto é, empresários, trabalhadores e até mesmo burocratas), para
a preservação dos equilíbrios fundamentais. As cigarras podem ajudar a enriquecer a
harmonia do conjunto, mas nem sempre contribuem com os estímulos adequados.

Verdades simples como estas podem ajudar a clarificar o debate.

Brasília, 14 de março de 2007

227
Novas relações para um novo século: a parceria Brasil-Estados Unidos

Capítulo introdutório ao livro


Paulo Roberto de Almeida e Rubens Antonio Barbosa (orgs.):
Relações Brasil-Estados Unidos: assimetrias e convergências
(São Paulo: Editora Saraiva, 2005, 326 p.; ISBN 10: 85-02-05385-X; ISBN-13: 978-85-020-
5305-4; prefácio, quadros informativos no apêndice, link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/65RelBrEUA.htm)

Muitos especialistas acadêmicos dessa área de pesquisa, estudiosos das relações


internacionais do Brasil, em geral, ou mesmo observadores ocasionais dos meios de
comunicação – não importa agora que eles sejam de centro, de esquerda ou de direita – não
hesitam em descrever as relações Brasil-Estados Unidos como sendo “centrais”, ou
“cruciais”… do ponto de vista do Brasil, obviamente. Do ponto de vista dos Estados Unidos,
eles não teriam muita objeção em colocar essas relações num segundo ou até mesmo num
terceiro plano da escala de prioridades político-estratégicas do grande hegemon da atualidade,
da mesma forma, aliás, como ocorre com outros países dotados de estatuto similar – digamos,
por conveniência, “potências médias” – quando inseridos no sistema de relações
internacionais da hiperpotência do século XXI.
Como interpretar essa equação político-estratégica abertamente desigual, ou essa
relação econômica na qual os pratos da suposta balança têm peso, composição e formato
diferentes entre si? De fato, se essas relações podem ser caracterizadas para o Brasil como
centrais ou cruciais, o outro conceito que poderia realisticamente defini-las seria o de
“assimetria”. Nisso, tampouco o Brasil está sozinho, já que cerca de 190 outras nações da
comunidade internacional o acompanham nessa condição de “subalternidade” tecnológica ou
até de “irrelevância” estratégica em relação ao poder da “nova Roma”.
Com efeito, não há hoje um só Estado na face da terra que não ostente essa dupla
condição em suas relações com os Estados Unidos: por um lado, centralidade – direta ou
indireta – da interação econômica e política e, por outro, desigualdade quase que absoluta na
equação do poder estratégico, em maior ou menor grau segundo a dotação militar respectiva.
A esse respeito, todos os países são iguais, e menos importantes, na interação com a “super-
Roma” da atualidade, embora alguns deles sejam obviamente “mais iguais” do que outros. O
fator nuclear poderia aparecer aqui como um “equalizador” de última instância, mas na
verdade tal vetor não entra normalmente em linha de conta quando se trata de confrontar
recursos efetivamente disponíveis no grande jogo do poder mundial. Os critérios normalmente
228
computados na mobilização dos chamados “excedentes de poder” podem ser resumidos a dois
prosaicos fatores – soldados e “talão de cheques” –, e são poucos os países, como os Estados
Unidos, que conseguem exibir tal abundância de um e de outro, ao mesmo tempo, e com tal
pletora de meios para “entregá-los” em qualquer canto do planeta.
Essa é uma realidade “estrutural”, com certa tendência à permanência até onde a vista
alcança em nossa “conjuntura histórica de transformação”, mesmo se a lógica última do
processo de globalização aponte claramente no sentido da convergência progressiva das
capacidades de base dos países participantes da grande interdependência mundial dos
sistemas de mercado, aqui compreendidos tanto a China quanto a Rússia. Os Estados Unidos
continuarão provavelmente ocupando o centro nervoso das relações internacionais
contemporâneas mesmo no caso de uma aproximação gradual dos demais grandes atores
mundiais aos seus indicadores atuais em termos de produto global, de estoque de inovações
tecnológicas, de flexibilidade e de disponibilidade dos fatores de produção (a começar pelos
fluxos contínuos de inteligência incorporada, dentro e fora de suas fronteiras), pela simples
razão de que os vetores de produtividade que poderão estar sendo mobilizados pelos seus
competidores atuam igualmente, e com maior eficiência relativa, em seu favor.
Numa certa terminologia materialista – que preconiza a sucessão dos modos de
produção a partir do desenvolvimento das “forças produtivas” –, pode-se dizer que os Estados
Unidos conseguiram conformar um “modo inventivo de produção”, suscetível de revolucionar
constantemente as relações de produção, evitando assim a propalada ameaça da eventual
esclerose das forças produtivas, anunciado na prometida superação do “velho” modo
capitalista de produção. Em outros termos, nada como uma revolução depois da outra, ou
melhor, a sucessão constante de processos revolucionários no contexto de uma mesma
revolução geral capitalista, tal como vem ocorrendo na formação social americana desde o
início da primeira revolução industrial, pelo menos.
A intensidade e a profundidade das mudanças estruturais incorporadas pelo “modo de
produção americano” não podem ser medidas apenas pelos índices gerais de produtividade, já
que essa formação social traz embutida em seus vetores internos de “acumulação” – para usar
outro conceito vinculado – alavancas sistêmicas de inovação, cujas fontes “primitivas”
parecem situar-se na auto-organização democrática da sociedade, na valorização social e na
promoção igualitária da educação de base e num certo senso prático da organização social da
produção – a praticality e o sentido de pequenos improvements na vida diária – que são tão
americanos quanto o sentimento do progresso individual. De fato, desde a época da primeira
grande exposição universal do Crystal Palace, de Londres, em 1851, um desses espíritos
229
práticos proclamava que a “indústria, no futuro, precisa ser apoiada não mais na competição
de vantagens locais, mas na competição dos intelectos”1.
O Brasil, em épocas de alto crescimento, já chegou a aproximar-se bem mais do
potencial econômico americano, mas a combinação de anos e anos, senão décadas, de baixo
crescimento do PIB com a vigorosa expansão econômica nos Estados Unidos da última
década do século XX fez aumentar a distância entre a renda global e per capita dos dois
gigantes do hemisfério ocidental2. Os diferenciais de produtividade – que se explicam
basicamente pelo abismo de qualificação educacional e de competência técnica entre as duas
populações – se situam no coração da divergência entre as duas economias ao curso do longo
período mais do que secular que vem dos primórdios da primeira revolução industrial –
processos praticamente contemporâneos na Inglaterra e na nova Inglaterra – até o âmago da
terceira, atualmente em curso.
No terço final desse período, Brasil e Estados Unidos intensificaram uma frutuosa
relação de cooperação e de interdependência econômica e tecnológica que muito fez para
colocar o país do norte no centro de nossas relações econômicas internacionais, sem que no
entanto essa centralidade e intensidade dos intercâmbios contemporâneos tenham logrado
diminuir, longe disso, os elementos de assimetria que ainda marcam a relação. A partir daí, os
sentimentos podem diferir no que se refere ao “que fazer” com essa relação “central-
desigual”. Vários tipos de resposta são possíveis, ainda que as escolhas não sejam sempre
fáceis ou as opções todas possíveis com base nos recursos existentes – os já referidos
“excedentes de poder”.
Os mesmos observadores especializados poderiam arguir que líderes de esquerda
seriam mais tentados a, justificando o desconforto da situação, tentar superar a “dominação
imperial” via capacitação tecnológica ou militar ou por meio de aliança com outros
“subalternos rebeldes”, com maior ou menor sucesso segundo o diferencial de poder. Os de
direita, presumivelmente, se acomodariam mais facilmente com tal tipo de situação,
acolhendo favoravelmente a relação privilegiada e aproveitando para economizar na defesa,

1
Citado em T. K. Derry e Trevor I. Williams, A short history of technology: from the earliest times to
A.D. 1900 (New York: Dover Publications, 1993), p. 704 (edição original de 1960).
2
Para uma visão macro-histórica do desempenho econômico relativo das diferentes nações inseridas
na economia mundial na longa duração, ver o estudo de Angus Maddison, The world economy: a
millenial perspective (Paris: Development Center of the Organisation for Economic Co-operation and
Development, 2001). Para uma avaliação do desempenho da economia brasileira, utilizando-se desse
tipo de abordagem (com base em versão anterior dessa obra de Maddison), ver o capítulo O Brasil no
contexto econômico mundial: 1820-1992, no livro de Paulo Roberto de Almeida, O estudo das
relações internacionais do Brasil (São Paulo: Unimarco, 1999), p. 17-38.
230
colocando-se ao abrigo do “guarda-chuva” estratégico (como o fizeram alguns “derrotados de
guerra” ou “dependentes assumidos”). Políticos de centro tentariam, provavelmente, manter
um diálogo “equilibrado”, respeitoso das diferenças e dos interesses recíprocos, mas certos de
compartilhar, em última instância, uma mesma visão do mundo, que seria liberal de mercado
e progressista-social.
Esse cenário valeria igualmente para o Brasil? Em termos, como tenta demonstrar este
livro sobre as relações políticas, diplomáticas e econômicas entre os dois maiores países do
hemisfério americano num quadro internacional manifestamente em mutação. O gigante
setentrional nunca conheceu uma situação de poder mais “hegemônica” e propriamente
avassaladora como a vivida atualmente – e que talvez não esteja nem no seu zênite, como
gostariam alguns adeptos do “declínio imperial” –, quando no Brasil, o “maior dos menores”
da região meridional, tomou posse um governo definido pelos meios de comunicação como
“progressista”. Os rótulos jornalísticos são, porém, enganosos, na medida em que os
governos, em geral, não defendem grandes princípios ideológicos, mas são, ou pelo menos
procuram ser, essencialmente pragmáticos e guiados pelo bom senso dos resultados concretos.
Os especialistas convidados para integrar, e comentar, esta compilação de ensaios
analíticos sobre as relações bilaterais não se definem a si mesmos como de direita, de centro
ou de esquerda — embora alguns possam ser uma ou outra coisa legitimamente. Todos eles,
no entanto, autores colaboradores ou comentaristas dos textos no seminário em que foram
originalmente apresentados, parecem convictos das duas características apontadas acima: a de
que essas relações são centrais para o Brasil e a de que a relação hemisférica é mesmo
assimétrica, como aliás aquela mantida pela grande potência ocidental com o resto do mundo.
Cabe registrar, porém, que no momento do convite formulado aos vários autores para a
elaboração de seus textos, nenhum termo de referência ou qualquer qualificação prévia quanto
ao conteúdo e ao significado das relações bilaterais foram-lhes impostos como diretrizes
analíticas de redação, cabendo-lhes tão somente elaborar, com base em sua própria
perspectiva nacional – americana e brasileira, em cada caso –, e métodos próprios, definidos
por cada um deles, uma descrição e uma discussão crítica dos problemas selecionados para
sua área: as relações bilaterais ao longo da história, o desenvolvimento econômico em
perspectiva comparada, as relações comerciais e as negociações em curso e as questões
estratégicas e de segurança.
A partir daí, contudo, não se produziu nenhuma paralisia analítica, pois que cada um
deles enfrentou, com métodos e perspectivas próprias, a tarefa de descrever, explicar,
interpretar e oferecer alternativas de políticas sobre os diferentes aspectos – econômicos,
231
políticos, diplomáticos – dessa complexa interação entre dois países que mantêm relações
ininterruptas há quase dois séculos e que só fizeram reforçar, sempre mais, os laços da
interdependência recíproca. Essa interação nem sempre foi dominada pela “American
Economic Eagle” e pelo “Brazilian Developing Parrot” (vagamente identificado, por alguns,
com o Zé Carioca), pois que os Estados Unidos também já foram um “país em
desenvolvimento”, ainda que a comparação possa parecer cronologicamente defasada ou
mesmo historicamente anacrônica.
Aqueles que concebem a desigualdade e a assimetria como um pecado original dessa
relação, que deveria determinar a interação dos dois países até o dia do juízo final, deveriam
contudo reler um livrinho tão modesto quanto desconhecido do “pai” da nossa imprensa: esse
Tocqueville avant la lettre que foi Hipólito José da Costa visitou os Estados Unidos há mais
de dois séculos, deixando em testemunho um diário que permaneceu inédito por um século e
meio e que o habilita, tranquilamente, a ser considerado como o founding father do
americanismo brasileiro3. Nesse Baedecker de prospecção agrícola-manufatureira, Hipólito
nos descreve um país “essencialmente agrícola” (como se dizia do Brasil ainda nos anos
1950), basicamente voltado para si mesmo (ou seja, introspectivo economicamente), fértil em
novos cultos religiosos e em “especulações mercantis”, inconstante partidária e politicamente
(com Estados disputando espaços com o poder central) e temeroso das grandes potências
(europeias).
Os textos respectivos de John DeWitt e de Eliana Cardoso, animados pela mais
moderna metodologia histórica e econômica, nos confirmam, na segunda parte deste volume,
essa realidade tão velha quanto a Constituição da Filadélfia e o decreto de abertura dos portos:
nada havia de predestinado no itinerário econômico ou tecnológico de cada um dos países,
mas em ambos os casos suas elites fizeram escolhas de políticas econômicas e de
investimentos sociais que determinaram trajetórias basicamente distintas a partir da primeira
e, sobretudo, da segunda revolução industrial. Antes deles, na primeira parte, Lincoln Gordon
– já autor de um livro sobre o processo brasileiro de desenvolvimento4 – chama a atenção para
o fato de que, antes da era Vargas e do nascimento do moderno nacionalismo econômico no

3
Cf. Hipólito José da Costa, Diário de Minha Viagem para Filadélfia, 1798-1799 (Rio de Janeiro:
Publicações da Academia Brasileira, 1955). Ver igualmente Paulo Roberto de Almeida, “O
nascimento do pensamento econômico brasileiro”. In Hipólito José da Costa, Correio Braziliense, ou,
Armazém Literário (São Paulo: Imprensa Oficial do Estado; Brasília, DF: Correio Braziliense, 2002.
reedição fac-similar, v. XXX), p. 323-369.
4
Cf. Lincoln Gordon. Brazil’s second chance: en route toward the First World (Washington, D.C.:
Brookings Institution Press, 2001); edição brasileira: A segunda chance do Brasil: a caminho do
Primeiro Mundo (São Paulo: Editora Senac, 2002).
232
Brasil, a postura das elites brasileiras era bastante simpática e positiva em relação ao gigante
do Norte, buscando uma “relação especial” – o início do projeto vem da época do Barão do
Rio Branco, ou quiçá mesmo antes – mutuamente benéfica e garantidora de certa
preeminência – alguns diriam “liderança” – em cada uma das regiões respectivas.
Bons tempos aqueles, parece refletir Lincoln Gordon, quando os brasileiros se
congratulavam com a abertura do Canal do Panamá, que diminuiu enormemente a distância e
o tempo em direção da costa oeste dos Estados Unidos. Pouco depois, o Brasil abandonava a
carta britânica pela “opção americana”, situação decerto tornada inevitável em virtude da
crise econômica de 1929 e da inconversibilidade da libra (em 1931) e depois obrigatória por
situação de guerra europeia. Os anos de guerra e seu imediato seguimento correspondem ao
que, no texto inaugural, Paulo Roberto de Almeida chama, tomando emprestado o titulo do
excelente livro de Gerald K. Haines, de “americanização do Brasil”, provavelmente mais
cultural do que econômica, política ou tecnológica.
Em todo caso, o nacionalismo se afirma também nessa época, com algumas tinturas
antiamericanas que nem todas eram derivadas da situação da Guerra Fria e da chamada
“propaganda subversiva” do movimento comunista internacional. Lincoln Gordon aventa a
hipótese – embora reconhecendo que os counter-factuals são duros de serem confirmados –
que se os Estados Unidos tivessem iniciado, naquele momento, um modesto programa de
assistência econômica ao Brasil, essa injeção de capitais (públicos, entenda-se, pois desde
então gostávamos do capital estrangeiro, mas preferíamos dispensar os capitalistas, como
lembrou mais de uma vez Roberto Campos), talvez as mais duras manifestações de
antiamericanismo não se tivessem desenvolvido, pari-passu ao nacionalismo brasileiro.
O fato é que desde essa época as relações políticas se tornam mais problemáticas, com
surtos e impulsos de aproximação e de rejeição, como examina o restante do texto de Paulo
Roberto de Almeida. Coincidência ou não, foi também a partir dessa época que a Coréia, até
então dotada da metade da renda per capita brasileira, começa sua arrancada para frente,
superando o Brasil em pouco mais de vinte anos. É pelo menos curioso que, nessa época, o
economista sueco Gunnar Myrdal – mais tarde ganhador de um Prêmio Nobel, não se sabe se
por isso – escrevia um livro sobre a Ásia “demonstrando” que ela estava, infelizmente,
condenada a uma miséria “asiática”, ao passo que a América Latina parecia exibir, em virtude
de sua identificação com o padrão ocidental – e talvez por desfrutar de economistas tão
inovadores como o próprio Myrdal, a exemplo de Raúl Prebisch –, as melhores condições
possíveis para uma “arrancada para o crescimento”, teoria popularizada no “manifesto

233
anticomunista” de Walt Rostow5. Eliana Cardoso mostra, em todo caso, que depois de se
aproximar um pouco do patamar de riqueza dos americanos, os brasileiros recuaram
novamente nos últimos vinte anos, consequência do desregramento fiscal do Estado e de uma
política cambial errática.
Com maiores ou menores ênfases na aproximação política e independentemente da
qualidade das nossas políticas econômicas, Rubens Antônio Barbosa constata essa realidade
singular desde o início do século XX, a de que os Estados Unidos são o nosso principal
parceiro econômico. Certo, a Grã-Bretanha ainda fornecia o grosso dos capitais e dos serviços
até a Primeira Guerra Mundial e sustentou duramente sua condição de primeira fornecedora
manufatureira do Brasil, primeiro contra a Alemanha, depois contra os Estados Unidos, até
1927 pelo menos. Mas a mudança de “hegemonia econômica” era inevitável: os Estados
Unidos eram o primeiro comprador do nosso produto básico de exportação desde o último
terço do século XIX, e no seguinte se tornaram rapidamente o principal investidor industrial e
o credor de “primeira instância”. A Segunda Guerra faria o resto, consagrando os Estados
Unidos na primeira posição enquanto parceiro comercial, tecnológico e financeiro, mesmo
quando a Europa comunitária ocupava um espaço maior considerada enquanto bloco. Depois
de um longo passeio pela história das relações econômico-comerciais bilaterais, inclusive do
ponto de vista das posições respectivas no sistema multilateral de comércio desde o
surgimento do Gatt (1947), Barbosa se concentra nas atuais negociações comerciais,
multilaterais e hemisféricas, sublinhando as grandes diferenças de interesses até agora
prevalecentes. Ele constata alguns impasses negociadores, mas também indica possíveis
caminhos de compromisso.
A questão da Alca, e suas implicações para os demais processos comerciais, ocupa
posição central no texto de Jeffrey Schott, conhecido especialista de políticas (e práticas)
comerciais desde longo tempo, há pelo menos três rodadas de negociações do Gatt-OMC e
economista totalmente familiarizado com os esquemas (e armadilhas) de liberalização
comercial no hemisfério (a começar pelo Nafta). Ele examina os dados brutos de comércio, os
fluxos de investimento e os componentes tarifários e não tarifários do “enfrentamento”
brasileiro-americano na Alca, para concluir que uma solução mutuamente vantajosa é
possível, desde que alguns trade-offs – o jargão é inevitável nesse tipo de situação – sejam
feitos e que expectativas mais modestas e realistas sejam contempladas de lado a lado.

5
Ver Walt W. Rostow The stages of economic growth, a non-communist manifesto (Cambridge:
Cambridge University Press, 1960).
234
A situação global do relacionamento bilateral, sua condição “geopolítica” digamos
assim, é abordada nos dois últimos textos deste livro, respectivamente por Peter Hakim, o
líder do Diálogo Interamericano, e Thomaz Guedes da Costa, um dos mais conhecidos
pensadores estratégicos do Brasil, atualmente professor na National Defense University. Essa
última parte do volume tem por objetivo fazer um balanço das relações americano-brasileiras
a partir de uma visão mais ampla, regional, hemisférica e mesmo global, e oferecer algumas
chaves para seu desenvolvimento futuro, se possível num sentido harmonioso. Não se trata
certamente de tarefa fácil, uma vez que a já mencionada assimetria estrutural torna difícil um
diálogo de “igual para igual”, como gostariam os brasileiros e do qual estão privados mesmo
os aliados da Otan. O eventual estabelecimento de uma estratégia de alianças com parceiros
porventura em situação similar não resolve, de fato, o problema do diálogo, incontornável,
com o gigante do norte.
Peter Hakim analisa, no último texto, as diferentes perspectivas, não necessariamente
opostas, que adotam os lideres brasileiros e americanos em relação a essa interação central
para os primeiros, igualmente importante, diz ele, para os segundos, ainda que com objetivos
e preocupações algo diversos. Os brasileiros tendem a propor uma cooperação mais
pragmática, talvez mais oportunista, ainda segundo ele, em torno de questões concretas e
específicas, particularmente (mas não exclusivamente) em comércio, investimento, tecnologia
e em outras áreas econômicas. Os americanos gostariam de ter a colaboração dos brasileiros
em uma série de outras áreas nas quais estes não estão dispostos ou não são capazes de
fornecê-la, como em segurança regional, controle do narcotráfico etc. Esse desencontro não
está condenado a perdurar, mas um sério esforço de diálogo constante entre as duas partes
parece ser condição essencial para a superação dos desencontros e lograr o reforço de uma
relação ainda “indefinida”.
Guedes da Costa, antes dele, também focaliza as relações globais e começa por se
perguntar, retomando Sidney Weintraub, se essas relações não estão contaminadas pelo
componente do desconhecimento. Em todo caso, o período recente produziu algumas boas
surpresas nas percepções recíprocas, com um acolhimento excepcionalmente favorável da
parte americana por um governo que em outras épocas seria visto com alguma suspeita. A
mudança é igualmente recíproca e ele se pergunta se, do lado brasileiro, a “nova” política
externa não estaria retomando os padrões do antigo “pragmatismo responsável”. A pergunta é
pertinente, pois de ambos os lados, sobretudo do brasileiro, o desejo parece evidente de
inaugurar uma relação com os Estados Unidos altamente frutífera, pragmática e orientada
para resultados que contemplem os velhos objetivos brasileiros de crescimento econômico, de
235
capacitação tecnológica e, agora, como candidato a “modelador” dessas relações, de
promoção social e de desenvolvimento humano.
Essa visão do relacionamento bilateral foi colocada de modo claro pelo presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, quando de sua primeira viagem a Washington, ainda como
presidente eleito, em 10 de dezembro de 2002: “Venho a Washington”, disse ele no National
Press Club, “para trazer, do Brasil, uma mensagem de amizade. Pretendo […] dar início a
quatro anos de convivência franca, construtiva e benéfica entre os nossos dois países”. Depois
de traçar um paralelo entre os dois países, ele explicitava: “A história nos ensina que não
soubemos aproveitar, no passado, alguns momentos propícios para construirmos uma parceria
mais abrangente. Poderíamos ter tirado maiores benefícios do impulso resultante da luta que
travamos juntos contra o nazismo, na Europa, para criarmos, em tempos de paz, uma
cooperação à altura dos nossos países. Estou convencido, no entanto, de que o nosso vínculo
pode melhorar. Se as nossas sociedades se conhecerem mais. Se nos livrarmos de estereótipos
e preconceitos. Se aprendermos a valorizar as afinidades e respeitar as diferenças que existem
entre nós”.
Este livro foi concebido e organizado com esse mesmo espírito: conhecimento mútuo,
respeito das diferenças, benefícios recíprocos, a partir de uma interação mais intensa, maiores
vantagens respectivas, tanto no entorno geográfico quanto no cenário mundial. Os ensaios
aqui reunidos fazem um balanço do passado, um diagnóstico do presente e oferecem alguns
caminhos para o futuro. Nossa aspiração de bem servir ao objetivo do fortalecimento de uma
longa amizade e de relacionamento entre os povos – que começou ainda na era portuguesa,
em plena Inconfidência mineira – terá sido atingida se este livro puder bem informar os
estudantes, os simples curiosos e o público em geral, se ele puder formar os agentes futuros
dessa interação multiforme e se puder também, nunca é demais esperar, forjar as bases de
uma relação mais madura, totalmente desprovida de restrições mentais, de parte e outra, e
inteiramente aberta à cooperação e ao enriquecimento mútuo.
Para tentar alcançar esses objetivos, este livro se dedicou ao exame dos desafios e das
tensões nas relações bilaterais, bem como das divergências econômicas acumuladas no
decorrer dos últimos dois séculos de “desenvolvimento desigual e combinado”, e também das
convergências construídas no contexto do multilateralismo contemporâneo, buscando
responder à questão básica que prende a atenção e mobiliza a vontade política dos estadistas
brasileiros no decurso desse longo período: como superar as assimetrias estruturais existentes
entre os dois países — herdadas, construídas ou aprofundadas — e alcançar um certo patamar
de interdependência que melhor reflita as potencialidades e as possibilidades de uma nova
236
parceria entre os dois grandes do hemisfério ocidental. A obra não tem a pretensão de ter
respondido a todas as questões de um relacionamento tão complexo quanto os problemas
internos do Brasil, mas espera ter, pelo menos, colocado todas as perguntas pertinentes para
uma análise adequada dessa problemática.

Brasília, março de 2005

237
Integração regional e minilateralismo: um dilema de nossa época

Prefácio ao livro
Paulo Roberto de Almeida:
Integração Regional: uma introdução
(São Paulo: Saraiva, 2013, 174 p.; Coleção Temas Essenciais em Relações Internacionais n.
3; ISBN: 978-85-02-19963-7; link:
http://diplomatizzando.blogspot.com/2013/04/integracao-regional-novo-livro-enfim.html)

Este livro, ainda que modesto em suas dimensões, e deliberadamente sintético em seus
argumentos substantivos – como, aliás, requerido pela coleção –, consolida um itinerário
bastante longo de estudos, pesquisas dirigidas, atividades práticas e de escritos publicados
sobre os processos de integração regional, em suas diferentes variantes institucionais e em
suas múltiplas manifestações geográficas e políticas. Trata-se, como o subtítulo indica, de
uma introdução, daí ter o autor resumido muitos outros trabalhos – seus ou de pesquisadores
mais reputados, inclusive estrangeiros – em um texto que se atém ao essencial do que
constitui um dos mais importantes processos dinâmicos da globalização contemporânea e do
sistema multilateral de comércio, administrado, desde 1995, pela Organização Multilateral de
Comércio.

O fenômeno da regionalização, em si, é obviamente bem mais antigo do que isso,


sendo propriamente secular, ainda que sob outros formatos e roupagens; assim como são mais
antigas – mesmo se de apenas duas ou três décadas – as preocupações deste autor com suas
manifestações concretas, aliás despertadas desde o nascimento do Mercosul, que constituiu,
justamente, o tema de seu primeiro livro: O Mercosul no contexto regional e internacional
(São Paulo: Aduaneiras, 1993), obra hoje esgotada. Seguiu-se outro livro, mais sistemático,
sobre esse importante bloco de comércio do hemisfério meridional – Mercosul: fundamentos
e perspectivas (São Paulo: LTr, 1998) – e, dois anos depois, uma sua versão atualizada, em
perspectiva comparada com a União Europeia, publicada na França: Le Mercosud: un marché
commun pour l’Amérique du Sud (Paris: L’Harmattan, 2000). Entre os dois, uma obra
didática, fazia uma análise, de amplo escopo histórico, das experiências existentes nessa
modalidade de liberalização comercial no âmbito do sistema multilateral de comércio: O
Brasil e o multilateralismo econômico (Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999).
Seguiram-se artigos, conferências e palestras sobre a integração regional, em especial
sobre o Mercosul e a Alca, inclusive vários capítulos preparados para integrar livros coletivos.

238
Todos esses escritos tinham a preocupação primordial de situar historicamente esse fenômeno
e de contextualizá-lo no quadro dos experimentos em curso na América Latina; exibiam,
também, o cuidado com o lado didático, traço sempre presente neste autor, constantemente
dividido entre a atividade profissional na diplomacia brasileira e o empenho voluntário na
docência universitária.
Muitas dessas reflexões, inclusive sobre o chamado “minilateralismo”, foram mais
recentemente objeto de uma grande síntese multidisciplinar, em livro que reuniu diferentes
estudos meus sobre a integração, no contexto mais vasto da ordem mundial contemporânea:
Relações Internacionais e Política Externa do Brasil: a diplomacia brasileira no contexto da
globalização (Rio de Janeiro: LTC, 2012). Essas análises abrangentes, elaboradas no
momento mesmo da implementação desses processos – ou no próprio ato de sua criação,
como, por exemplo, no caso do Mercosul – estavam marcadas, em todos os escritos referidos,
por uma tripla combinação metodológica: a de uma abordagem propriamente histórica,
inserida numa explanação basicamente econômica desses fenômenos, mas com a visão
política indispensável que costuma guiar um analista acadêmico doublé de negociador prático,
como este que escreve.
Com efeito, os trabalhos publicados sobre a integração e o Mercosul – cuja lista
completa pode ser conferida no site pessoal deste autor: www.pralmeida.org – se
beneficiaram, certamente, da pesquisa bibliográfica e da reflexão de tipo acadêmico, mas
foram, sobretudo, o fruto do envolvimento do autor com processos concretos de negociações
comerciais regionais e multilaterais ao longo de uma carreira diplomática basicamente
articulada em torno das relações econômicas internacionais do Brasil: primeiro, no contexto
da Rodada Uruguai do Gatt, em Genebra; depois, no foro negociador da Aladi, em
Montevidéu; em seguida, na própria unidade encarregada dessas áreas na Secretaria de Estado
das Relações Exteriores, no Itamaraty, em Brasília; na sequência, em muitas reuniões de
trabalho do processo negociador da Alca, em Miami; ocorreu, também, uma abordagem
paralela, não necessariamente única ou exclusiva, desses fenômenos durante minhas estadas
em Paris – inclusive acompanhando os trabalhos da OCDE nessa área – e em Washington,
sede dos mais importantes organismos multilaterais econômicos – entre eles o Banco
Interamericano de Desenvolvimento e a OEA, que promovem e estimulam importantes
estudos sobre a integração regional nas Américas – e de alguns think tanks e fundações que
também estudam intensamente essas modalidades de liberalização comercial, com destaque,
nessa capital, para o Nafta e, então, para o frustrado processo negociador da Alca.

239
Estas referências pessoais – aparentemente exageradas – visam unicamente
demonstrar que este pequeno livro não é apenas o reflexo, ou o resultado, de mera pesquisa
conduzida em livros ou mediante uma rápida síntese de leituras variadas; ele é,
essencialmente, o resultado de um longo envolvimento prático com negociações concretas de
experimentos de integração regional, bem como de um conhecimento direto do
funcionamento interno do Mercosul, da Aladi e, ainda que de modo indireto, da União
Europeia e do Nafta (para não mencionar a natimorta Alca). Foi a constante convivência com
todos esses mecanismos, instituições e negociações, bem como com seus eventuais percalços
ou retrocessos, que permitiu ao autor discorrer, linearmente, em sucessivos capítulos desta
obra, sobre os mais diferentes exemplos de integração regional, praticamente sem recorrer a
extensas pesquisas preliminares, dispensando até os livros de história, uma vez que ele
assistiu, foi protagonista, ou contemporâneo, de muitos dos processos que vão aqui descritos
em seus traços essenciais.

Sem qualquer falsa modéstia, o livro consolida, por assim dizer, a trajetória pessoal,
tanto intelectual quanto diplomática deste autor, motivo pelo qual possui, legitimamente, uma
credibilidade que poucas obras puramente acadêmicas podem exibir. Ele certamente não está
isento de limitações e de insuficiências – várias motivadas pelo formato voluntariamente
sintético e didático que assumiu por opção – em função das quais deve, como ocorre em todos
os casos, submeter-se às críticas dos especialistas, sejam eles economistas acadêmicos ou
negociadores profissionais.
Em qualquer hipótese, uma característica provavelmente distingue o autor dos
escritores de gabinete e, certamente, de muitos dos diplomatas da área: ele elaborou esta obra
com pleno conhecimento de causa e com toda a honestidade intelectual de que é capaz um
autor que, ainda que pertencendo a uma carreira de Estado, estabelece como sendo as
principais tarefas do analista, sua missão primordial, a fidelidade aos fatos e o indispensável
rigor analítico. Aos leitores, agora, a missão de avaliar se este esforço atende às suas
expectativas.

Brasília, outubro de 2012.

240
Quarta Parte
Pensamento político e econômico
Maquiavelismo: Fortuna e Virtù de um conceito

Resenha de
Sérgio Bath:
Maquiavelismo: A prática política segundo Nicolau Maquiavel
(São Paulo: Editora Ática, 1992, Série Princípios nº 216)

Se os direitos autorais tivessem extensão indefinida, os herdeiros de Niccolò


Machiavelli estariam certamente entre os seres mais ricos do planeta. Eis que não há
grande cientista político, filósofo moral, aprendiz de conselheiro do príncipe, colunista
social, político provincial, executivo-necessitado-de-um-pouco-de-verniz cultural-nos-
encontros–mundanos ou, ainda, jovem ‘jornalista’ de uma simples folha interiorana que
não seja capaz de repetir, certa ou erradamente, alguns dos preceitos retirados da obra
do grande escritor florentino. Bastaria, por exemplo, o registro de algumas frases,
geralmente as mais conhecidas – “os fins justificam os meios”, “deve-se cometer o mal
de uma vez só, o bem aos poucos”, ou ainda “é muito mais seguro ser temido que
amado” – para que rios de dinheiro, na forma original dos fiorini ou, preferencialmente,
na versão mais contemporânea dos dólares, dos marcos alemães ou dos ienes, fossem
continuamente transferidos para os cofres de seus familiares.
O próprio Nicolau, na verdade, não acumulou muita fortuna – nem sob a forma
de riqueza, no sentido literal da palavra, nem como manifestação da sorte, no original
italiano – ao longo de uma vida muito atribulada, em que foi de tudo um pouco:
burocrata meticuloso, diplomata profissional, conselheiro oferecido, psicólogo
involuntário, historiador dirigido, patriota exaltado, comediógrafo razoável e
estrategista aprendiz. O fato é que, a despeito dessas múltiplas profissões, seu filho
registra numa carta testamentária: “Nosso pai nos deixa numa pobreza muito grande”.
De todas as suas ocupações, na que mais justificaria sua fama, a do “astuto oportunista e
ardiloso” que emprega a “desonestidade calculada e fria” para alcançar riqueza e poder,
Maquiavel foi um completo fracasso. Nem de copyrights de sua própria obra ele
conseguiria viver, já que suas duas obras mais importantes — Il Principe e os Discorsi
sopra la prima deca di Tito Livio — foram publicadas postumamente.
Essas e muitas outras informações sobre a vida e a obra do grande pensador e
escritor florentino comparecem no denso e sintético ensaio de Sérgio Bath, especialista
e tradutor de Maquiavel. O essencial de seu livro, como indica o título, se concentra

243
porém num exame do significado e da importância teórica do “maquiavelismo” para a
teoria social contemporânea e numa avaliação de seus famosos preceitos para a própria
política “prática”. Como esclarece Sérgio Bath, há muito de injustiça na reputação do
precursor da sociologia política: mais do que propor receitas imorais para garantir a
conquista e a manutenção do poder pelo Príncipe, Maquiavel, ao escrever sobre a arte
de governar, estava interessado em “abordar a verdade efetiva das coisas e não a
imaginação”. Sua grande virtude, segundo um comentarista, foi a de nunca se utilizar
das palavras para esconder os pensamentos.
Maquiavel nada mais fez senão traduzir em suas obras os comportamentos e
atitudes dos homens políticos – condottieri, patrícios republicanos, cardeais da Igreja –
aos quais estava ligado ou a cuja ação assistia: traição, crueldade, má-fé, ingratidão. Em
suma, combinar fortuna e virtù para alcançar uma situação de poder absoluto. Como
reconhece lucidamente o grande psicólogo avant la lettre que ele foi: “Raramente os
homens se elevam de uma posição modesta às de maior importância sem empregar a
força e o engano”. Mais ainda, como cientista político, Maquiavel antecipa o Marx do
18 Brumário e o Weber do Sábio e o Político, ao descrever o dilema dos homens
públicos: “os homens são escravos da sua situação e não podem escolher o modo como
vivem”. Não basta dizer: “Não tenho ambições; não desejo a riqueza ou honrarias, mas
apenas uma vida serena, longe das intrigas. (...) Mesmo que tal escolha fosse sincera,
sem o menor toque de ambição, não seria crida. Pode-se preferir viver na tranquilidade,
mas todos se esforçarão por perturbá-la”.
Outro grande cientista político, Raymond Aron, ao proferir, em 1969, uma
célebre conferência sobre Maquiavel e Marx, no Instituto Italiano de Paris, começava
dizendo que “quem quer que escreva numa página em branco o nome de Maquiavel não
pode deixar de sentir certa angústia”. A reputação de “esfinge” da teoria política,
segundo a imagem aroniana, é de certa forma justificada: apesar de escrever com
clareza e limpidez, num estilo preciso ao ponto de parecer brutal, o pensamento de
Maquiavel jamais deixou de provocar discórdia entre seus intérpretes.
O livro de Sérgio Bath constitui uma excelente introdução ao universo político
de Maquiavel, às nuances e à complexidade de seu pensamento, ademais de apresentar
suas principais obras bem como os comentários sobre elas de ilustres
“maquiavelólogos” (o termo não é dele). Os capítulos são bem distribuídos, com um
saboroso esboço biográfico, seguido de um breve racconto sobre a obra maquiavélica
(no sentido propriamente bibliográfico), excertos de seus conselhos ao Príncipe, um
244
esclarecedor capítulo sobre o “patriota” Maquiavel – republicano e precursor da
unificação italiana –, uma exposição sobre a praxis do “maquiavelismo” e um
surpreendente paralelo com um antecessor indiano de mais de 2 mil anos atrás:
Kautilya, o “Maquiavel da Índia”.
No capítulo sobre os exemplos históricos de “maquiavelismo” se traz à tona os
meandros e personagens do famoso Plano Cohen de 1937, um dos instrumentos
utilizados pelos acólitos de Vargas para precipitar o golpe do Estado Novo. Encerram o
livro um vocabulário crítico e uma bibliografia comentada: nesta última teria sido útil
indicar que sua obra completa foi publicada na prestigiosa Bibliothèque de la Pléiade,
com uma introdução de Jean Giono e extensas notas por Edmond Barincou. Também se
poderia mencionar, ao lado de Claude Lefort, o grande intérprete italiano de seu
pensamento, Delio Cantimori, autor do ensaio sobre Maquiavel na Storia della
Letteratura Italiana da Garzanti. Apenas um reparo nessa obra culta e precisa: dos dois
Cromwell citados à página 8, apenas o segundo se refere, de fato, ao famoso Oliver
Cromwell (1599-1658), herói da revolução de 1640 que terminou por decapitar um
Stuart; o primeiro Cromwell referido se chamava Thomas (1485-1540) e serviu como
conselheiro de outro “príncipe cruel”, Henrique VIII, aconselhando-o –
“maquiavelicamente” – a afirmar contra Roma a autonomia religiosa da Igreja inglesa
(divórcio oblige), a sustentar a supremacia do Rei em toda e qualquer matéria religiosa
e, last but not the least, a confiscar em favor da Coroa todas as propriedades monásticas
na velha Albion.
Apesar de, em sua época, não ter ganho muitos royalties com seus conselhos,
Maquiavel sempre fez enorme sucesso entre os poderosos. Como diz Sérgio Bath, em
2069, quando se comemorar o 600º aniversário de seu nascimento, “é muito provável
que a notoriedade do nosso autor continue inabalada”. Com efeito, enquanto a riqueza e
o poder continuarem a ser mercadorias extremamente escassas – e, portanto, valorizadas
– tanto no mercado econômico como na ágora política, o grande Maquiavel continuará
sendo lido com interesse pelos candidatos a condottieri nas modernas cidades-Estado.
Para os sociólogos e cientistas políticos, esses litterati da modernidade, eles sempre
encontrarão em Maquiavel matéria-prima para doutas reflexões acadêmicas e ricas
ilustrações sobre a “política prática”. Quanto aos oportunistas de diversos quilates, não
convém tampouco desprezar os ensinamentos do florentino: afinal de contas, qual é o
obscuro burocrata que não gostaria de ser elevado à condição de “conselheiro do
Príncipe”? Há um Maquiavel para todos e cada um !
245
Brasília, 5 de maio de 1992.
Publicado, sob o título de “A inabalável notoriedade do conselheiro do príncipe”,
no Caderno 2, Armazém Literário, do Correio Braziliense
(Brasília: 16 de maio de 1992, p. 7)

Addendum:
Na mesma travessia do deserto que atingiu Niccolò, revisitei sua obra mais famosa,
adaptando-a aos nossos tempos pouco convencionais: O Moderno Príncipe (Maquiavel
revisitado) (Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, volume 147, 2010, 195 p.; ISBN:
978-85-7018-343-9; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/95MaquiavelRevisitado.html).
Em 2013, efetuei uma revisão e publiquei em formato Kindle: O Príncipe, revisitado:
Maquiavel para os contemporâneos (Kindle book; disponível:
http://www.amazon.com/dp/B00F2AC146).

246
O Manifesto de 1848, revisto e corrigido

Prefácio ao livro
Paulo Roberto de Almeida:
Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização
(São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999, 96 p.; ISBN: 85-7441-022-5)

O “velho” Manifesto de Marx e Engels não precisa mais ser apresentado a


ninguém: ele acaba de completar 150 anos de existência e foi devidamente festejado, no
mundo todo, tanto pela esquerda como pela direita, como um documento de indiscutível
atualidade política. É óbvio que a esquerda procurou nele resgatar a sua mensagem
ainda revolucionária, destacar seu forte conteúdo anticapitalista e anti-burguês, sua
proposta em favor de uma organização social de produção que não divida mais os
homens em exploradores e oprimidos, recuperar, enfim, o seu ainda grande potencial
transformador da moderna sociedade de classes. A direita também efetuou uma leitura
positiva da obra de Marx e Engels, resgatando seu caráter de arauto da globalização, de
profeta da universalização do modo burguês de produção, sua opção por uma constante
transformação das estruturas produtivas, uma defesa de cada vez mais capitalismo, antes
de se pensar em superá-lo em favor de um novo regime produtivo, reservado apenas
para as civilizações mais avançadas, não para reinos despóticos do Oriente e sociedades
atrasados do ponto de vista capitalista. Em suma, o Manifesto seria “moderno” e ainda
válido, embora de maneira especial a cada uma das correntes em causa.
Ambas as imagens do velho Manifesto são basicamente corretas e depende
evidentemente dos gostos pessoais e opções políticas de cada um de seus atuais leitores
a seleção pertinente de trechos que mais convenham aos fins pretendidos. O autor do
presente volume de ensaios, que se declara resolutamente marxista, também procedeu a
nova leitura do velho Manifesto e o encontrou supreendentemente atual, inclusive e
principalmente de uma perspectiva de esquerda, de transformação radical das atuais
condições sociais deploráveis que ainda caracterizam o Brasil, mais de 170 anos depois
de sua independência política. Apenas que, em lugar de se dedicar a cantar loas ao velho
Manifesto, como muitos ideólogos da esquerda fizeram – não sem um certo
desencantamento com o fim do socialismo real –, este autor preferiu reescrevê-lo, à luz
das realidades atuais da globalização e do fim das últimas ilusões econômicas do
socialismo enquanto modo mais racional de produção. Essa leitura propriamente

247
iconoclasta de um texto considerado quase que sagrado por uma certa esquerda ainda
religiosa oferece uma alternativa filosófica e conceitual aos atuais dilemas dos novos
socialistas: como conciliar alguns dos ideais do passado com a moderna sociedade
tecnológica?; o que significa ser de esquerda num mundo interdependente e mais
propenso a medir resultados efetivos –sobretudo em termos de capital intelectual – do
que premiar boas intenções sociais?; como dar ao Estado o que é do Estado e deixar ao
mercado o que ele pode fazer de forma eficiente?; enfim, como separar uma atitude
efetivamente reformista e progressista do ponto de vista da esquerda, que se preocupa
com a sorte dos desvalidos do progresso social, de um comportamento repetitivo de
velhos slogans do passado, característico de uma reação basicamente reacionária apenas
voltada para a defesa de velhos monopólios de castas profissionais e de superadas
reservas de mercado? Existem hoje no Brasil muitas viúvas da globalização e inúmeros
órfãos do nacionalismo econômico, pessoas que, finalmente, não conseguiram
compreender a obra teórica de Marx e seu potencial explicativo das contradições da
moderna sociedade de classes. O Manifesto alternativo que se oferece ao leitor
brasileiro atual é confrontado ao velho Manifesto marxista, para que se possa pelo
menos verificar o grau de empréstimos intelectuais efetuados em sã consciência e
restabelecer assim os direitos morais dos autores originais.
Aqueles que não conseguem compreender Marx, poderíamos parafrasear, estão
condenados a repetir Lênin, com seu cortejo de decisões desastrosas do ponto de vista
econômico, para não falar das tragédias políticas acumuladas em décadas de
centralismo democrático. O autor destes pequenos ensaios filosóficos acredita que há
enormes virtudes heurísticas na teoria marxista, mas ela não pode ser tomada como um
a priori metodológico, e muito menos como um corpo doutrinal cristalizado ou um
receituário desprovido de condicionalidades temporais. É possível, dessa forma, uma
leitura marxista do velho Manifesto, assim como é possível uma leitura resolutamente
marxista de uma outra bête noire da esquerda e dos socialistas: a exploração, a pura e
dura exploração do homem pelo homem. O ensaio provocador sobre essa espinhosa
questão dormiu durante mais de uma década em meus arquivos de trabalhos, entregue à
“crítica roedora dos ratos”, como afirmou Marx em relação à Ideologia Alemã. Ele na
verdade tinha sido escrito com intuitos deliberadamente provocadores, numa época em
que eu frequentava ocasionalmente um grupo de reflexão sobre os problemas brasileiros
animado por Cristovam Buarque, então reitor da UnB. O atual governador de Brasília é
o que se pode chamar de marxista não-religioso, ou seja, o protótipo do livre-pensador
248
filosófico, unicamente comprometido com a correta resolução dos problemas sociais, e
não com a defesa irracional de velhas teorias supostamente de esquerda. Ele certamente
aprendeu, no curso de sua gestão à frente do Distrito Federal, que um orçamento não é
de esquerda ou de direita, mas que se trata tão simplesmente de uma peça fria e
objetiva, que se destina basicamente a organizar recursos escassos para dar-lhes
prioridades sociais relevantes, algo que a velha esquerda demora a aprender.
Se existe, portanto, um sentido político explícito nos ensaios aqui coletados, ele
poderia ser resumido na seguinte lição: deve-se aceitar algo da mensagem propriamente
messiânica do velho Marx, no sentido de continuar a acreditar que uma sociedade mais
justa é possível e que ela pode ser construída pela vontade dos homens organizados em
partidos e em associações políticas; mas deve-se recusar de igual forma o messianismo
irracional da vertente poética do mesmo Marx, no sentido de acreditar que as grandes
transformações sociais podem ser efetuadas num simples passe de mágica social. Abolir
a propriedade privada e, simultaneamente, as leis do mercado foram empreendimentos
prometéicos, que estavam acima da capacidade organizacional efetiva de um cérebro
filosófico como o de Marx: ele pode ter estudado a economia política dos velhos
clássicos, mas nunca soube fechar um balanço contábil – sequer o doméstico, quanto
mais o de uma fábrica – e tinha uma visão ingênua sobre a efetiva “administração das
coisas” ou sobre como efetuar uma adequada “gestão dos homens”. Pode-se, assim, ler
Marx e utilizá-lo no debate político contemporâneo, mas deve-se fazê-lo armado da
virtude que o grande historiador Sérgio Buarque de Holanda transmitiu ao ginasiano
que eu era em princípios dos anos 60: preservar um “ceticismo sadio” na recepção de
certas verdades reveladas, o que significa basicamente manter um certo distanciamento
crítico em relação aos escritos dos “grandes homens” do passado e do presente.
Aqueles que percorrerem estas páginas devem estar armados do mesmo
ceticismo sadio e da mesma atitude crítica em relação a muitas das afirmações ousadas
aqui contidas, como recomendado pelo grande historiador brasileiro ao jovem aprendiz
em sociologia e história que eu era quase quarenta anos atrás. O percurso foi certamente
sinuoso, entre as ilusões esquerdistas da juventude e a atitude mais serena do atual
estudioso dos problemas sempre recorrentes da formação social brasileira. Em todo
caso, o livro se oferece como um convite ao diálogo e à reflexão, numa perspectiva
marxista não dogmática e livre de qualquer grilhão conceitual do passado.

Brasília, julho de 1998.


249
Os estudos sobre o Brasil nos Estados Unidos: a produção brasilianista no
pós Segunda Guerra

Artigo de apresentação da temática do livro


Rubens Antonio Barbosa; Marshall C. Eakin; Paulo Roberto de Almeida (orgs.):
O Brasil dos brasilianistas: um guia dos estudos sobre o Brasil nos Estados Unidos, 1945-
2001
(São Paulo: Editora Paz e Terra, 2002, 514 p.; ISBN: 85-219-0441-X; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/46Brasilianistas2002.html)

O estudioso estrangeiro de temas brasileiros, usualmente identificado como


“brasilianista”, é parte integrante do processo de emergência e afirmação das ciências sociais
no Brasil na segunda metade do século XX. A designação surge em plena era da Guerra Fria e
de preocupações imperiais com a possível desestabilização do principal país do continente
sul-americano. Segundo levantamento bibliográfico nessa área, o termo “brasilianista” teria
sido utilizado pela primeira vez no Brasil em 1969, na pluma do acadêmico Francisco de
Assis Barbosa “para qualificar o estrangeiro especialista em assuntos brasileiros”. Barbosa
assim referiu-se ao historiador dos Estados Unidos Thomas Elliot Skidmore no prefácio à
edição brasileira de Politics in Brazil (1967). Mas não se tratava certamente de sua primeira
utilização, uma vez que, desde o início dos anos 1960, ao tomar impulso uma nova voga de
estudos brasileiros nos Estados Unidos, sob o impacto da Revolução Cubana, o termo já vinha
sendo utilizado por um grupo de pesquisadores americanos – entre eles Frank McCann,
Richard Morse, Robert Levine, entre outros – que passou a beneficiar-se da concessão de
bolsas de estudos e de outras medidas de auxílio pelo Governo de Washington. Para
distinguir-se de outros especialistas em temas da América Latina, os integrantes dessa onda de
estudiosos do Brasil passaram a chamar-se a si mesmos de “brasilianistas”.
Nunca tinha ocorrido, antes do desafio socialista do final dos anos 1950, um tão
rápido desenvolvimento e mesmo tal benéfica proliferação de especialistas estrangeiros em
temas do Brasil como o processo de “multiplicação” de brasilianistas permitido a partir do
National Defense Education Act de 1958 que, estabelecido por decisão do Congresso
americano, irrigou, através de seu famoso “Title VI”, as universidades dos EUA com
generosos recursos federais dirigidos à pesquisa, ao treinamento e ao ensino de questões
latino-americanas nos centros universitários e de estudo dos EUA. Durante um certo tempo,
nos anos 1970, em vista da grande proporção de acadêmicos dos Estados Unidos dentre esses
estudiosos estrangeiros, o termo cunhado em português foi muitas vezes escrito em inglês,
250
indicando uma natural predominância dos EUA nesse gênero de estudos. Pouco a pouco
porém, o termo foi libertando-se de sua conotação original, abrasileirou-se e passou a
designar os diversos representantes da categoria. Com efeito, um levantamento bibliográfico
de final da década de 1980 sobre a produção acadêmica brasilianista traduzida e publicada no
Brasil entre 1930 e aquela época revelou uma predominância, à razão de 60%, de especialistas
nascidos, formados (isto é, possuindo a nacionalidade) ou trabalhando nos EUA, seguidos de
longe por representantes do Reino Unido, da França e da Alemanha, entre os quais se
incluíam, aliás, alguns que realizaram estadas mais ou menos longas em universidades norte-
americanas (Massi-Pontes, 1992: 113-115).

Dos hispanistas aos latino-americanistas


Mas os brasilianistas não surgiram como um raio no céu azul, em plena era da Guerra
Fria e do regime militar, numa época de preocupações com os efeitos da Revolução Cubana
numa sociedade em processo de modernização econômica e social. Não é necessário remontar
aos trabalhos de um quase “amateur” como William H. Prescott (que publicou Conquest of
Mexico e Conquest of Peru em 1843 e 1846 respectivamente) ou um aventureiro militar
comissionado como o oficial da marinha William Lewis Herndon (Exploration of the valley of
the Amazon, 1854) para detectar o ato de batismo da variante americana de uma categoria de
estudiosos já existente na Europa. De fato, o surgimento da categoria pode ser datado de
1916, quando historiadores dedicados ao estudo da América Latina se congregaram num
encontro da American Historical Association e fundaram a Hispanic American Historical
Review, que foi efetivamente publicada pela primeira vez em 1918, quase 23 anos depois do
aparecimento, em 1895, da The American Historic Review.
A revista desse grupo de “hispanistas” da AHA teve existência precária em seus
primeiros 25 anos de vida, sobrevivendo graças a doações de mecenas, como as famílias
Rockefeller e Duke, com investimentos no México e em outras regiões das Américas. A
HAHR contou, entre seus primeiros colaboradores, com alguns intelectuais da diplomacia
brasileira, como Manuel de Oliveira Lima. O empenho de Oliveira Lima e outros brasileiros
depois dele não impediu que os estudos “hispânicos” ou Latin-Americanists nos EUA fossem
dominados pela pesquisa e pela publicação prioritária em torno do México e adjacências,
como ainda é caso, muito embora o Brasil figure num honroso segundo lugar. Considerando-
se a peculiar situação do México ou a condição do Caribe como uma espécie de mare nostrum
na projeção geopolítica dos EUA, torna-se compreensível tal repartição de interesses no plano
acadêmico, o que apenas reforça a posição do Brasil no conjunto dos estudos de área. O
251
economista brasileiro João Frederico Normano, radicado desde muitos anos nos EUA,
publicou, em 1931, um trabalho sobre a economia e a ideologia na América Latina (The
Struggle for South America), seguido, em 1935, de um estudo sobre o desenvolvimento
econômico de longo prazo do Brasil, centrado nos ciclos de produtos: Brazil, a study of
economic types.
Depois de exemplos pioneiros na costa leste nos primeiros anos do século XX, os
estudos latino-americanos – aqui com menor ênfase em questões brasileiras – se expandiram
razoavelmente bem na costa ocidental nos anos 30 e 40, para literalmente explodir na segunda
metade do século um pouco em todas as partes dos EUA. Passos importantes na trajetória dos
estudos latino-americanistas nos Estados Unidos (nos quais os estudos brasileiros estavam
inevitavelmente fundidos) foram dados com a constituição, em 1928, no âmbito da AHA, de
um Comitê de História Latino-Americana, que impulsionou decisivamente a criação, pouco
anos depois, do Handbook of Latin-American Studies, que pode ainda hoje ser considerado
um empreendimento bibliográfico excepcional, sem equivalentes em qualquer outra área
geográfica de estudos nos campos das humanidades e das ciências sociais.
O HLAS apareceu pela primeira vez em 1936, sob o patrocínio do Committee of Latin
American Studies do American Council of Learned Societies, com o auxílio financeiro do
Social Science Research Council de Nova York; vários números tiveram nessa época o apoio
da Rockefeller Foundation. A Biblioteca do Congresso, que passou a se ocupar de sua
publicação a partir do número 9, até hoje está encarregada de sua direção editorial, como
parte das tarefas de sua Hispanic Division. Três anos depois, em 1939, a Universidade do
Texas criava o seu Institute of Latin American Studies, que veio a converter-se no maior e
mais bem equipado dos centros de estudo especializados na região em seu conjunto, junto
com os da Califórnia, mais voltados para o próprio continente norte-americano (ou seja,
dedicando-se ao México, América Central e Caribe). O HLAS foi publicado pela Universidade
de Harvard até o seu número 13 (1948), quando ele passa aos cuidados da University of
Florida Press, em Gainesville. A partir de 1966, ele passa a ser publicado anualmente pela
Texas University Press, em Austin, alternando anos ímpares com materiais relativos às
chamadas humanities (artes, música, literatura e história, entre outras) e anos pares com a
bibliografia relativa às social sciences (antropologia, economia, sociologia, ciência política,
relações internacionais etc.). A presença do Brasil em suas páginas é a princípio modesta, mas
o historiador, economista e empresário Roberto Simonsen foi um contributing editor do
HLAS na área de economia brasileira dos números 6 a 11 (1941 a 1946).

252
A Segunda Guerra Mundial pode ter afetado o fluxo normal dos intercâmbios culturais
e acadêmicos entre as partes setentrional e meridional das Américas, mas ela não parece ter
prejudicado absolutamente o desenvolvimento dos estudos ibero-americanos nos EUA. Ao
contrário, a necessidade de atrair a boa-vontade dos governos na causa comum contra o
inimigo nazifascista e a de manter um aprovisionamento regular de produtos primários
estratégicos motivaram tanto o envio de algumas missões de boa-vontade – várias chefiadas
por especialistas universitários, como foi o caso no Brasil da Missão Cooke, voltada para o
levantamento do potencial econômico brasileiro – como convites formulados a muitos
intelectuais latino-americanos para visitarem universidades americanas e nelas proferirem
palestras sobre seus respectivos países – como também foi caso, em se tratando do Brasil, das
visitas efetuadas pelo escritor Érico Veríssimo. Essa aproximação permitiu, por exemplo, a
tradução para o inglês e sua publicação nos Estados Unidos de algumas obras clássicas do
pensamento social brasileiro da primeira metade do século XX, como ocorreu com o épico de
Euclides da Cunha (Rebellion in the Backlands) em 1945. Nesse mesmo ano Gilberto Freyre
preparava um conjunto de leituras sobre o Brasil, publicadas sob o título de Brazil: An
Interpretation, ao passo que seu inovador Casa Grande e Senzala (The Masters and the
Slaves) aparecia logo no ano seguinte.

Desenvolvimento inicial dos estudos sobre o Brasil nos EUA


No pós-Segunda Guerra os estudos latino-americanos começam a experimentar um
desenvolvimento em bases mais sólidas nas universidades americanas, com o estabelecimento
de seções especializadas, de cunho interdisciplinar, nos departamentos humanísticos ou, onde
pertinente, em centros voltados exclusivamente para os estudos latino-americanos. Este foi o
caso, por exemplo, das universidades do Texas, de Tulane, de North Carolina e,
especialmente, de Vanderbilt, onde o foco já era o Brasil. Num primeiro momento esses
estudos carecem de qualquer apoio governamental em bases institucionais, o que aliás é
consistente com as preocupações oficiais na fase inicial da Guerra Fria. A América Latina
aparece, nas diretivas do Conselho de Segurança Nacional, como a região de menor
importância estratégica nos planos de segurança externa dos EUA.
Isso não impediu o aparecimento de alguns trabalhos de reconhecida qualidade sobre
países do hemisfério, com o Brasil continuando a ocupar uma posição secundária em relação
ao México, mas ainda assim relevante no conjunto dos estudos de área. As elites brasileiras
do imediato pós-guerra, confrontadas ao desafio argentino e alimentando a expectativa de
dividendos políticos de sua participação na guerra, se fixavam no mito da relação especial
253
com os Estados Unidos, propondo esquemas de ajuda bilateral e de financiamento
multilateral, como uma espécie de Plano Marshall para a América Latina. O máximo que se
logrou, em 1949, foi a criação de uma comissão econômica mista (Joint Brazil-US Economic
Development Commission), cujo relatório é publicado em 1954. A década que se segue ao
final da Segunda Guerra já foi descrita como sendo a da “americanização” do Brasil (Haines,
1989) e, de fato, o alinhamento em termos de política externa jamais foi tão completo como
nesses anos.
A produção acadêmica – que poderia ser descrita como “pré-brasilianista” – começa a
crescer paralelamente aos encontros e desencontros em matéria política, militar ou
econômica. O sociólogo Donald Pierson realiza um primeiro levantamento da produção
relativa ao Brasil (Survey of the Literature on Brazil of Sociological Significance Published
up to 1940) publicada ainda em 1945, ao passo que o ano seguinte vê o aparecimento de dois
primeiros trabalhos de apresentação geral nessa mesma disciplina e em geografia, a cargo
respectivamente de T. Lynn Smith (Brazil, People and Institutions) e de Preston E. James
(Brazil). Os anos 1950 são dominados pelas presenças desses três cientistas sociais,
responsáveis por vários títulos publicados por editoras universitárias, aos quais podem ser
agregados os nomes dos antropólogos Charles Wagley e Marvin Harris, bem como os dos
historiadores Alexander Marchant, Stanley Stein e Richard Morse, estes dois bastante ativos
nas décadas seguintes, juntos com os economistas Werner Baer e Nathaniel Leff e o cientista
político Ronald Schneider. O empenho na coleta de dados e na busca de fontes originais
impressionam os colegas brasileiros, nesta fase pioneira de instalação de cursos de ciências
sociais nas principais universidades do país (São Paulo e Rio de Janeiro). Em consequência,
vários dos títulos publicados nos Estados Unidos logo tornam-se referências obrigatórias para
os cursos brasileiros nas respectivas áreas de conhecimento, o que também ocorreu com os
brasilianistas franceses que participaram da formação da USP.
Nessa conjuntura de acirramento da competição hegemônica entre os Estados Unidos
e a União Soviética – esta tinha acabado de lançar seu Sputnik, e com ele um grande desafio à
supremacia norte-americana na corrida espacial – intervém o elemento contingente da
Revolução Cubana, que foi, sem dúvida, um grande fator de impulsão dos estudos latino-
americanos nos EUA. Muitos Latin-Americanists já propuseram, não sem ironia, erigir uma
estátua a Fidel Castro, já que suas iniciativas, logo identificadas com a causa do socialismo
mundial, motivaram a Administração americana a financiar diversos programas voltados para
a “prevenção e cura” dos males latino-americanos. No campo propriamente político-
diplomático, são exemplos dessas iniciativas o Corpo da Paz (não restrito ao continente), um
254
órgão de fomento regional proposto havia décadas, o Banco Interamericano de
Desenvolvimento – nessa fase também resultante de iniciativas de países latino-americanos
como o Chile e o Brasil, que tinha lançado a sua Operação Pan-Americana em 1958 – e, mais
adiante, a Aliança para o Progresso, voltada para o financiamento de projetos sociais e
resultado direto do desafio cubano-soviético no campo dos modelos de desenvolvimento. No
campo da educação, a Administração americana dá início ao financiamento ampliado de
programas de estudos latino-americanos em diversas universidades, cujas consequências mais
imediatas seriam o estímulo ao aprendizado das línguas ibéricas e a concessão de número
significativo de bolsas de estudos para pesquisa nos próprios países latino-americanos. No
setor privado, esforços como os da Fundação Ford, dirigidos ao financiamento de estudos de
ciências sociais em nível de pós-graduação, vêm complementar os programas anteriormente
existentes, na área oficial (Programa Fulbright, por exemplo) ou por meio de instituições
privadas (Fundação Rockefeller).
A produção de trabalhos originais sobre o Brasil a partir dessa época, sob a forma de
dissertações e teses acadêmicas, sempre foi bem mais volumosa do que os títulos
efetivamente divulgados ao público geral – seja sob forma de publicações nas University
Presses, seja em versão em português publicadas por editoras do Brasil. Tal fato dificulta uma
avaliação da produção global, mas pode-se também considerar que os estudiosos que
continuaram tratando de temas brasileiros terminaram por ver publicados seus trabalhos.
Convém igualmente relembrar que um certo número de Latin-Americanists tiveram
importância na pesquisa sobre temas brasileiros, como é o caso de Robert Alexander, que
sempre incluiu capítulos ou análises cobrindo substancialmente o Brasil em seus muitos livros
sobre os partidos e líderes políticos e os movimentos comunista e sindical na América Latina
( ver 1957, 1962 e 1965, entre vários outros títulos).

A ascensão do brasilianista no período autoritário brasileiro


O interesse pelo Brasil cresce na transição entre as administrações Eisenhower e
Kennedy, manifestando-se tanto sob a forma de novos candidatos a uma especialização
universitária, como mediante a busca de novas fontes de informação extraídas da própria
realidade brasileira. Esse período assistiu à fragmentação do “monopólio” dos antigos Latin-
Americanists dos Estados Unidos (como John J. Johnson, especialista em questões militares,
ou o já citado Alexander, entre outros), cujas generalizações analíticas já não permitiam
acomodar as situações sub-regionais e as particularidades nacionais. Isto não quer dizer que
estudos “latino-americanos” deixassem de ser enfocados nas universidades americanas – ao
255
contrário, os centros se multiplicaram e, onde existentes, conheceram nova expansão – ou que
especialistas “regionais” não mais editassem compêndios cobrindo todos os países ao sul do
Rio Grande, mas emerge um reconhecimento de que a uniformidade continental (até então
sob o estereótipo enganador do sombrero e dos caudilhos despóticos) escondia situações
específicas que precisavam ser estudadas.
Na primeira vertente, a da especialização sub-regional em países singulares, tem-se a
ocorrência de uma nova e mais vigorosa vaga de “exploradores” do terreno, o que iria motivar
a publicação, de guias ou manuais de investigação destinados a orientar os novos estudos
especializados. Situam-se nesse caso os livros de Harry Hutchinson (Field Guide to Brazil,
1960) e de William Jackson (Library Guide for Brazilian Studies, 1964), assim como a
compilação, sob a responsabilidade de Robert Levine, de um primeiro guia de pesquisas
identificando as características do “laboratório” brasileiro: Brazil: Field Research Guide in
the Social Sciences (1966). Na segunda vertente, intensifica-se a tradução e a publicação de
títulos representativos das ciências sociais do Brasil nos Estados Unidos. O sociólogo
Gilberto Freyre, que frequentava os estabelecimentos universitários dos Estados Unidos desde
a segunda década do século XX, foi um dos que se beneficiou desse aumento da demanda
acadêmica e da curiosidade universitária pelo Brasil. Ademais da publicação de seu Masters
and Slaves no imediato pós-guerra, foram traduzidos e publicados nessa época New World in
the Tropics: The Culture of Modern Brazil (1959) e o seguimento “urbano” do primeiro, The
Mansion and the Shanties (1963).
Nos anos que antecederam e sucederam imediatamente o movimento militar que
encerrou o ciclo da República de 1946 no Brasil, vários outros pesquisadores brasileiros
foram traduzidos e publicados por diferentes editoras universitárias ou casas comerciais dos
EUA. Com efeito, entre 1963 e 1967, assistiu-se à publicação de importantes títulos do
universo acadêmico brasileiro: Celso Furtado, The economic growth of Brazil, Pandiá
Calógeras, A History of Brazil (ambos em 1963); Vianna Moog, Bandeirantes and Pioneers e
Cruz Costa, A History of Ideas in Brazil (em 1964); novamente Celso Furtado em 1965, com
Diagnosis of the Brazilian Crisis; José Honório Rodrigues duplamente, com Brazil and Africa
(1965) e The Brazilians: Their Character and Aspirations (1967); Josué de Castro, então
influente internacionalmente, com Death in Northeast (1966); o ecletismo editorial revelou-se
na publicação de dois representantes de tendências antípodas da historiografia brasileira, o
tradicional José Maria Bello, A History of Modern Brazil, 1889-1964 (em 1966) e o marxista
Caio Prado Jr., The Colonial Background of Modern Brazil (em 1967).

256
É no contexto do regime modernizador autoritário inaugurado pelos militares em 1964
que se situa o nascimento do brasilianista, uma “personagem” que, nas palavras de Robert
Levine, um dos mais respeitados e influentes membros dessa pequena comunidade, nada mais
seria senão uma invenção dos próprios brasileiros. O representante mais conhecido — nos
dois países – da categoria é provavelmente o historiador Thomas Skidmore que, em 1967,
publicou Politics in Brazil, 1930-1964: An Experiment in Democracy, cujo subtítulo,
condizente com a época, já traduzia um certo ceticismo em relação às possibilidades de
estabilidade política e de um sistema representativo no Brasil. Traduzido pouco depois e
publicado inicialmente pela Editora Saga (1969), Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco,
1930-1964 foi certamente o título mais reeditado no Brasil (pela Paz e Terra) de toda a
produção brasilianista acumulada desde então. O sucesso de público alcançado por Skidmore
não deve obscurecer o trabalho da geração anterior de estudiosos, como por exemplo, o já
citado antropólogo Charles Wagley, o “biógrafo” de São Paulo Richard Morse, e Stanley
Stein, cujo estudo sobre a economia do café em Vassouras, publicado em 1957, tinha
recebido uma edição brasileira desde 1961.
Sem prejuízo dessas tentativas de alguns brasilianistas de procurar abordar a história
brasileira em seu conjunto, como foi o caso do próprio Skidmore em seus dois livros de
história política (o segundo volume retoma o itinerário a partir do regime militar: The Politics
of Military Rule in Brazil, 1964-85, 1988), ou ainda de Bradford Burns (A History of Brazil,
1970) e de Richard Graham (A Century of Brazilian History Since 1865, 1969) e de muitos
outros mais, vários dos estudiosos no decorrer dos anos 60 e 70 preferiram operar uma
espécie de “divisão do trabalho”, e efetuar um corte temporal ou regional em seus respectivos
enfoques. Em algumas experiências, esse esforço foi efetivamente coordenado, como se viu
nas pesquisas sobre a federação e o regionalismo na Primeira República, conduzidos por
Joseph Love (Rio Grande do Sul and Brazilian regionalism, 1882-1930, 1971; São Paulo and
the Brazilian Federation, 1889-1937, 1980), por John Wirth (Minas Gerais in the Brazilian
Federation, 1889-1937, 1977) e por Robert Levine (Pernambuco in the Brazilian Federation,
1889-1937, 1978). Em outros casos, os trabalhos foram efetuados de maneira independente,
como evidenciado nas pesquisas de Warren Dean (The Industrialization of São Paulo, 1880-
1945, 1969) e de Eul-Soo Pang (Bahia in the First Brazilian Republic: Coronelismo and
Oligarchies, 1889-1934, 1978). O enfoque das políticas setoriais ou dos processos decisórios
em matéria econômica, em alguns casos também combinado a problemáticas regionais,
recebeu igualmente a atenção de alguns pesquisadores nos trabalhos conduzidos durante esse
período: podem ser citados como representativos dessa preocupação os estudos dos já citados
257
John Wirth (The Politics of Brazilian Development, 1930-1954, 1970) e Warren Dean (Brazil
and the Struggle for Rubber: A Study in Environmental History, 1987), assim como o de Peter
Eisenberg (The Sugar Industry in Pernambuco: modernization without change, 1840-1910,
1974).
Entre o final dos anos 60 e meados dos 70, quando o Brasil vivia uma das fases mais
dramáticas de sua história política, com muitos pesquisadores brasileiros condenados ao
exílio ou intimidados pela máquina da repressão, o brasilianismo viveu provavelmente seus
momentos de maior prestígio e de inquestionável consagração acadêmica, seja pelo
tratamento dado aos problemas políticos do momento, seja pela pesquisa detalhista em
direção das origens do estado de coisas contemporâneas. Vários autores se dedicaram à
análise do regime autoritário e seu modo de funcionamento, como Ronald Schneider (The
Political System in Brazil: Emergence of a "Modernizing" Authoritarian Regime, 1964-1970,
1971) e Alfred Stepan (The Military in Politics: changing patterns in Brazil, 1971), este o
coordenador de outro volume sobre a questão, bastante citado nos “anos de chumbo”:
Authoritarian Brazil: Origins, Policies and Future (1973). Em outros casos, o bisturi analítico
incidiu sobre a própria sociedade civil, como no amplo estudo de Philip Schmitter sobre os
grupos de interesse em perspectiva histórica (Interest Conflict and Political Change in Brazil,
1971), ou sobre um aspecto particular da política governamental, como em novo trabalho do
mesmo Ronald Schneider, desta vez sobre a política externa (Brazil: Foreign Policy of a
Future World Power, 1976).
Esses estudos de amplo escopo analítico não impediram outras iniciativas temáticas
focadas em grupos sociais ou religiosos, como nos trabalhos de Della Cava sobre a
religiosidade popular no Nordeste (Miracle at Joaseiro, 1977) ou a discussão de Skidmore em
torno do projeto de “branqueamento” conduzido pelas elites brasileiras na fase pós-Abolição
(Black Into White: Race and Nationality in Brazilian Thought, 1974). Numa vertente
historiográfica mais factual, referência indispensável deve ser feita à obra acumulada desde
meados dos anos 60 pelo historiador John W. F. Dulles, que combinou tanto pesquisa em
arquivos como depoimentos de atores da história recente para produzir vários títulos sobre o
itinerário político e sobre o movimento sindical e comunista.
O período repressivo-modernizador do regime militar nos anos 70 também assistiu a
um equivalente acadêmico do processo de substituição de importações em curso no setor
industrial, sob a forma de recursos ampliados concedidos às instituições universitárias e
laboratórios de pesquisa para formar pessoal e viabilizar novos projetos de pesquisa.
Independentemente das orientações políticas do governo, ampliaram-se as fontes de
258
financiamento para a capacitação de recursos humanos, com um crescimento exponencial das
bolsas atribuídas a candidatos em programas de pós-graduação no exterior. O retorno gradual
dos pesquisadores correspondeu a um aumento proporcional no volume de trabalhos
científicos publicados em periódicos especializados, elevando a qualidade e o
profissionalismo das ciências sociais brasileiras. Junto com a Europa, os Estados Unidos
acolheram em suas instituições de ensino superior número significativo desses candidatos à
pós-graduação – mestrado e doutoramento –, observando-se algumas concentrações
disciplinares, já que essas instituições ofereciam notórias vantagens comparativas em áreas
científicas e na economia. Assim, parte expressiva dos quadros superiores de empresas
privadas e estatais brasileiras, assim como da alta burocracia federal – entre eles muitos
ministros da área econômica e presidentes do Banco Central – ostenta diplomas e teses
defendidas em universidades americanas de primeira linha.
Na outra direção, a da “exportação” de ideias e teorias do Brasil para os Estados
Unidos, o exemplo mais conspícuo a ser lembrado refere-se à influência da “teoria da
dependência” – representada sobretudo na produção de Fernando Henrique Cardoso – na
elaboração de uma vertente crítica do pensamento sociológico norte-americano em estudos
voltados para os problemas dos países em desenvolvimento, em particular da América Latina.
Muito embora o seu principal proponente tenha qualificado diversas vezes seu entendimento
do conceito de “dependência”, esta noção foi a tal ponto absorvida pela comunidade norte-
americana de sociólogos, que seu autor se sentiu obrigado a escrever um texto sobre o
“consumo da teoria da dependência nos Estados Unidos”.
Consolidada a formação das ciências sociais brasileiras em princípios dos anos 1980 –
isto é, lograda a “substituição de importações” no campo da teoria social –, o papel dos
brasilianistas tende a diminuir. Isto não quer dizer que a ciência social brasileira tivesse
terminado seu itinerário em direção da internacionalização de procedimentos e padrões de
pesquisa, mas que a “dependência” dos antigos padrões e normas “ideais” estabelecidos pelos
brasilianistas no período formativo já não se apresentava como crucial aos pesquisadores
brasileiros. À medida em que se avançava nos anos 80, pari passu aos processos de
democratização política e de mobilização social – que aliás mereceram estudos relevantes por
parte dos brazilianists, como por exemplo em Stepan (1989) – uma nova geração de
brasilianistas foi se constituindo, com diferentes preocupações e com novos objetos de
pesquisa, menos “societais” e mais “grupais”, menos abrangentes e mais setoriais, com
enfoques temáticos diversificados.

259
Diversificação e fragmentação dos estudos brasileiros nos EUA
A história do brasilianismo acadêmico nos Estados Unidos revela a existência de fases
sucessivas de interesse e de concentração temática nas áreas das humanidades e das ciência
sociais. Depois dos pioneiros dos anos 50 e 60, vários ocupando espaço relevante na
bibliografia e na literatura especializada na história e na ciência política, o campo foi sendo
ocupado por novas gerações de brasilianistas, mais preocupadas talvez com determinadas
questões setoriais do que com as grandes interpretações históricas ou ensaios abrangentes
sobre a sociedade brasileira, como havia ocorrido nos primeiros anos de exploração do
terreno. No plano institucional, o cenário do apoio à pesquisa continuou a ser dominado pela
saudável “anarquia” e pela dinâmica de captação de recursos através dos Centers for Latin
American Studies das grandes universidades americanas, que mantinham (e mantêm) contatos
diretos com universidades, centros de pesquisa ou com professores brasileiros, estimulando
um fluxo contínuo de acadêmicos nos dois sentidos. As deficiências persistentes do ensino de
português nas universidades americanas, assim como os vínculos mais intensos existentes
com os países hispânicos do imediato entorno geográfico continuam, porém, a dificultar a
expansão dos estudos brasileiros nos EUA.
Do ponto de vista disciplinar, a história sempre foi o terreno privilegiado dos muitos
estudiosos americanos que se dedicaram ao Brasil, concentrando talvez um terço do fluxo de
pesquisadores das ciências humanas e sociais. Os economistas ocupam igualmente lugar de
destaque na produção brasilianista, mas eles sempre desempenharam um papel sui-generis no
itinerário do brasilianismo acadêmico, sendo mais relutantes em participar de reuniões de
associações especializadas como as da Latin American Studies Association (LASA) ou da
Brazilian Studies Association (BRASA). Com o passar dos anos, o brasilianismo norte-
americano atravessou um processo de diversificação disciplinar e de enriquecimento temático,
com o surgimento de áreas pouco exploradas de pesquisa, correspondendo aliás ao próprio
desenvolvimento interno da academia estadunidense (gênero, estudos raciais, grupos
minoritários, direitos humanos etc.). Uma consulta à produção publicada a partir dos anos 80
e no período recente revelaria algumas notáveis persistências, assim como o surgimento de
uma nova geração de brasilianistas, com estudos mais focados em uma temática setorial ou
claramente voltados para uma gama diversificada de novos temas, como agora se procurará
constatar.
Na vertente tradicional da história e no seguimento da produção da prolífica geração
dos anos 60, temos a presença de scholars confirmados, como: Stanley Hilton (Hitler’s Secret
War in South America, 1981; Brazil and the Soviet Challenge, 1991); Anthony Russel-Wood
260
(The Black Man in Slavery and Freedom in Colonial Brazil, 1982); Robert Conrad (Black
Slavery in Brazil, 1983); Stuart Schwartz (Sugar Plantations in the Formation of Brazilian
Society, 1985); Neill Macaulay (Dom Pedro, 1986); Warren Dean (Brazil and the Struggle for
Rubber, 1987; With Broadax and Firebrand, 1995); Tom Skidmore (The Politics of Military
Rule in Brazil, 1988; Brazil, 1999); Bob Levine (Vale of Tears: Revisiting Canudos, 1992;
Brazil: A History, 1999) e o já citado John Dulles, com a continuidade de sua história do
movimento comunista no Brasil (Brazilian Communism, 1935-1945, 1983) e mais dois
volumes biográficos, desta vez passando de Castelo Branco a Carlos Lacerda.
Alguns novos valores (embora nem todos jovens autores) aparecem nessa mesma área
da história a partir dos anos 80, como por exemplo: Laurence Hallewell (Books in Brazil,
1982); Jeffrey Needell (A Tropical Belle Epoque, 1987); Steven Topik (The Political
Economy of the Brazilian State, 1987; Trade and Gunboats, 1996); Roderick Barman (Brazil:
The Forging of a Nation, 1988; Citizen Emperor: Pedro II, 1999); Gerald Haines (The
Americanization of Brazil, 1989); Marshall Eakin (British Enterprise in Brazil, 1990; Brazil:
the once and future country, 1997); Ruth Leacock (Requiem for Revolution, 1990); Joseph
Smith (Unequal Giants, 1991); Sandra Graham (The Domestic World of Servants and
Masters in Nineteenth-Century Rio de Janeiro, 1992); Thomas Holloway (Policing Rio de
Janeiro, 1993); Eugene Ridings (Business Interest Groups in Nineteenth-Century Brazil,
1994); Jeffrey Lesser (Welcoming the Undesirables, 1995; Negotiating National Identity,
1999); Barbara Weinstein (For Social Peace in Brazil, 1997); Kim Butler (Freedoms
Given, Freedoms Won, 1998); Robin Anderson (Colonization As Exploitation in the
Amazon, 1999) e William Summerhill (Order Against Progress, 2000).
Em outras áreas, como em sociologia e ciência política, repete-se o mesmo padrão já
observado na história, isto é, o da reincidência editorial de alguns “velhos” conhecedores e
analistas da sociedade e da política brasileira, por um lado, combinado ao surgimento, por
outro, de novos scholars orientados por princípios, preocupações e temáticas necessariamente
diferentes daqueles que haviam caracterizado a geração dos anos 60. Estão no primeiro grupo
June Hahner, Scott Mainwaring, Laura Randall, Peter McDonough, Ronald Chilcote, Richard
Graham, Joseph Page e Ronald Schneider, entre vários outros conhecidos intérpretes da
sociedade brasileira. Situam-se no segundo grupo George Andrews (que, em Blacks and
Whites in São Paulo, 1888-1988, revisa Florestan Fernandes), David Plank, Michael
Hanchard, James Green e David Foster, entre muitos outros novos valores das ciências
sociais e humanidades com interesse no Brasil.

261
Nessa fase mais recente, algumas das ênfases temáticas, dos cortes temporais e
das metodologias analíticas tornam-se comuns a acadêmicos brasileiros e norte-
americanos, evidenciando uma mais que bem-vinda osmose intelectual depois de alguns
anos de desencontros em relação aos tipos de abordagem praticados no Brasil e nos
EUA. O diálogo entre as comunidades de pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos
tornou-se mais intenso no decorrer dos anos 1980 e no início dos 90. Graças aos bons
resultados dos programas apoiados financeiramente desde uma década antes por entidades
privadas como a Fundação Ford, assim como em virtude da expansão do sistema oficial
brasileiro de bolsas para estudos pós-graduados, a tradicional dominação francesa (e europeia)
nas ciências sociais começou nessa época a ser superada, quantitativamente pelo menos, pela
produção dos Estados Unidos.
Não obstante, os vínculos institucionais entre universidades dos dois países sempre
foram obstaculizados pela inexistência, nos EUA, de entidades centralizadas de apoio e de
fomento à pesquisa, como a CAPES e o CNPq. Os muitos candidatos brasileiros à formação
pós-graduada nos Estados Unidos sempre desempenharam o papel de “clientes individuais”
do establishment universitário americano, dificultando a concepção e o estabelecimento de
programas conjuntos de pesquisa entre entidades correspondentes dos dois países, nos
mesmos moldes do que se fazia entre o Brasil e a Europa, ao abrigo das comissões mistas de
educação ou dos consórcios criados entre entidades interessadas (como ocorre com a
Alemanha e com a França, por exemplo). Muito embora os Estados Unidos tenham abrigado,
individualmente, o maior número de bolsistas brasileiros no exterior, é possível que um
número superior de projetos cooperativos bilaterais tenha sido desenvolvido entre
universidades brasileiras e europeias.

O amadurecimento dos estudos brasileiros nos Estados Unidos


Uma avaliação crítica dos estudos sobre o Brasil nos Estados Unidos não pode,
obviamente, ser feita meramente com base na produção publicada em forma de livros. Para
ser equilibrada e abrangente, ela deveria enfocar igualmente o ensino e a pesquisa no cenário
universitário e nos centros de pesquisa (think tanks), cujos reflexos se dão mediante artigos
publicados em revistas especializadas e no âmbito das dissertações e teses de pós-graduação,
o que não pôde ser feito nos estreitos limites deste ensaio de síntese. O panorama aqui
visualizado permitiu entretanto acompanhar a evolução das linhas de pesquisa e identificar os
principais trabalhos ao longo de meio século, enfatizando algumas constantes analíticas e
momentos de ruptura ou de transformação.
262
De fato, à diferença de outras tradições estrangeiras (sobretudo a francesa), os estudos
brasileiros nos EUA tomam impulso no período ulterior à Segunda Guerra. Numa primeira
fase, eles parecem reproduzir o padrão estabelecido por outras gerações de estudiosos, isto é,
a simples apresentação e sistematização, para um público estrangeiro, daqueles aspectos
peculiares do país enfocado, difundindo sua história, sua natureza e as características do povo
(Lynn Smith, Wagley). O que o novo “brasilianista” americano aporta de singular nos estudos
estrangeiros sobre o Brasil, sobretudo após a expansão dos estudos de língua e de culturas
estrangeiras nos Estados Unidos, permitida pelo National Defense Education Act de 1958, foi
uma preocupação sistêmica em explicar o Brasil enquanto tal, eventualmente numa
perspectiva implicitamente comparativa. Depois de 1960, a compreensão “política” do Brasil
esteve no centro das preocupações desses estudiosos, tornando-os uma referência interna no
debate sobre as instituições políticas e sociais, seus problemas econômicos, os fenômenos
autoritários, o papel dos militares e das elites, dos grupos religiosos, enfim, convertendo-os
em coparticipantes do processo de emergência e de afirmação das ciências sociais brasileiras
em sua acepção contemporânea.
O Brasil não era, obviamente, o único país estudado dessa forma, uma vez que os
imperativos da Guerra Fria e a pressão da Revolução Cubana projetaram os “interesses
imperiais” sobre o conjunto da América Latina e outros continentes. Entretanto, o
agenciamento e as relações desses brasilianistas com as instituições universitárias brasileiras e
com o mercado editorial do Brasil, num momento de restrições às liberdades políticas e de
reestruturação do sistema de pesquisa nacional deu-lhes um estatuto peculiar, chegando
mesmo a convertê-los em figuras simbólicas do universo acadêmico. A “substituição de
importações” operada ao longo dos anos 70 e 80 nas ciências sociais brasileiras – inclusive
com ajuda de fundações dos Estados Unidos – banalizou um pouco a figura do brasilianista,
não lhe retirando, porém, o prestígio de que ele ainda desfruta nos meios acadêmicos, assim
como entre o público instruído, de modo geral. No período recente, finalmente, observou-se
uma diversificação crescente dos estudos sobre o Brasil nos Estados Unidos, com a
introdução de temáticas especializadas e de enfoques setoriais que mais parecem refletir
ambiguidades do próprio establishment universitário americano do que a preocupação
sistêmica da geração “fidelista” que se propunha analisar o Brasil enquanto país global.
Para finalizar, cabe observar que o enorme complexo “econômico-científico” dos
Estados Unidos, confirmando sua vocação de “brain-drainer universal”, também atuou como
uma “bomba de sucção” sobre gerações inteiras de cientistas brasileiros (e estrangeiros de
modo geral), atraindo número significativo de cérebros para seu establishment científico e
263
também para as atividades privadas de empresas de vanguarda na pesquisa tecnológica. Em
setores não cobertos por este ensaio, como a medicina e algumas outras áreas tecnológicas,
parece provável que o Brasil continue a fornecer mão-de-obra de alta qualificação para muitas
empresas privadas, instituições de pesquisa e hospitais universitários dos Estados Unidos, em
escala ainda não mapeada devidamente. As modalidades tradicionais de concessão de bolsas
pelas entidades de fomento à pesquisa do Brasil tiveram, em todo caso, de sofrer revisão em
sua forma de aplicação, em vista, precisamente, desse problema preocupante do
“financiamento” brasileiro à pesquisa de ponta nos Estados Unidos.
Tal não parece ocorrer no caso das ciências sociais e das humanidades, em virtude do
modo específico de inserção dos profissionais formados nos mercados de trabalho
universitários de seus respectivos países. Em qualquer hipótese, o brasilianista
contemporâneo não parece mais dispor, como seu “antepassado” dos anos 1960 e 70, de um
espaço especial no panorama brasileiro das ciências sociais, que parecem ter-se emancipado
de tutelas estrangeiras e de importações metodológicas. A relação intelectual – a interação, na
verdade – tornou-se mais equitativa e o típico brasilianista de extração norte-americana pode
estar desaparecendo enquanto personagem de uma época de “acumulação primitiva” e de
construção das ciências sociais no Brasil. O brasilianismo, que de fato subsiste ao brasilianista
enquanto capítulo fragmentado das ciências sociais nos Estados Unidos, parece dispor ainda
de brilhantes perspectivas pela frente.

Washington, 18 de abril de 2001.


Publicado na revista Estudos Históricos
(Rio de Janeiro: FGV-RJ-Cpdoc, n. 27, 2001, p. 31-61)

264
Como e por que sou e não sou diplomata (à maneira de Gilberto Freyre)

Excertos do prefácio e do posfácio ao livro


Paulo Roberto de Almeida:
A Grande Mudança: consequências econômicas da transição política no Brasil
(São Paulo: Editora Códex, 2003, 200 p.; ISBN: 85-7594-005-8; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/58GrdeMudanca.html)

Prefácio
Não sou nem pretendo ser diplomata puro. Mais do que diplomata, creio ser cientista
social. Também me considero um tanto historiador e, até, um pouco, pensador. Mas o que
principalmente sou creio que é escrevinhador. Escrevinhador – que me perdoem os demais
cientistas sociais a pretensão e os políticos profissionais a audácia – político. E, ao lado do
diplomata, reconheço haver em mim um anti-diplomata. Se aqui destaco minha condição de
diplomata – diplomata, é certo, impuro e nada ortodoxo –, é que essa condição é, em mim,
irredutível. Só sendo um tanto diplomata eu me poderia dar o luxo de ser também anti-
diplomata em várias das minhas tendências.
São essas contradições que sempre procurei expor e, por vezes, comentar em meus
trabalhos de diplomacia e de sociologia política. Quase despretensioso e nada apologético – o
que seria uma apologia pro “diplomacia sua” –, quase sempre chego à autocrítica, contra
minha profissão de sociólogo e por vezes contra minha própria condição profissional.
Reúnem-se aqui trabalhos que, aliás, podem ser considerados como pouco conectados
à minha incerta condição de diplomata: tão incerta, para uns tantos diplomatas, como, para
outros, críticos da vida cotidiana, a de escrevinhador político – condição que também procuro
considerar. Mais do que diplomata ou sociólogo, sou antes de tudo cidadão brasileiro, que foi
o que de fato me motivou a escrever os ensaios coletados neste volume.
Ao tentar explicar-me como possível diplomata, não poderei deixar de referir-me ao
que, ao lado dessa minha discutida condição, há em mim, bem ou mal, de cientista social, de
historiador e, talvez, de pensador, tornando ainda mais difícil a classificação que se pretenda
fazer de homem tão desajeitadamente multidisciplinar, tão diverso sem que tal multiplicidade
de interesses signifique mérito ou virtude superior.
O possível diplomata – como o cientista social, o historiador, o pensador também
possíveis – só existe, no meu caso, ligado ao escrevinhador político. Quase nunca como
didata, quase sempre como autodidata. Nem como pesquisador profissional, pois que não

265
tenho meu ganha-pão nessas demais orientações e sim na condição primeira de diplomata.
Nem efetivamente burocratizado nisto ou naquilo: consultor, assessor, perito, acadêmico,
funcionário, sem pertencer a qualquer instituto ou agremiação política ou social. Sou um ser
livre, tanto quanto me permite o pertencimento a uma instituição bissecular, altamente
burocratizada, hierarquizada e disciplinada a ponto de enquadrar seus membros numa teia de
comprometimentos diretos e indiretos com o chamado esprit de corps, que possuo no grau
mais tênue possível.

Os parágrafos acima foram livremente inspirados em peça similar elaborada pela


pluma do escritor Gilberto Freyre – extraída do prefácio ao seu livro Como e por que sou e
não sou sociólogo (Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1968) –, que detém,
portanto, todos os direitos autorais, intelectuais e morais sobre a forma, o conteúdo e a
disposição do texto precedente, que pretende justamente homenageá-lo enquanto pensador
brasileiro, original e iconoclasta. Da mesma forma, os ensaios que seguem são devidos
inteiramente à minha própria pluma (no caso, computador), também iconoclasta, e respondo
integralmente pela forma, conteúdo e disposição, bem como pela paternidade moral das
poucas ideias originais que eles possam conter.
Esses ensaios são autoexplicativos e autossuficientes – uma nota final restabelece a
cronologia original em que foram escritos –, mas talvez devesse chamar a atenção para o fato
de que, à exceção de um único, todos eles, mesmo aqueles que antecipam a grande
transformação política em curso no Brasil, foram pensados e elaborados antes que quaisquer
resultados eleitorais viessem confirmar a magnitude das mudanças em implementação. Outros
trabalhos elaborados nesse mesmo contexto, como por exemplo os que analisam os programas
de campanha de cada um dos candidatos nas eleições presidenciais de 2002, com especial
ênfase na questão da política externa e das relações internacionais do Brasil, deixaram de ser
incluídos no presente volume, uma vez que se prendem mais a um enfoque descritivo e de
debate crítico dessas plataformas partidárias e de sua adequação ao contexto diplomático
brasileiro do que a uma reflexão sobre um processo original de mudança política e social, que
ainda está longe de revelar todas as suas implicações e desenvolvimentos futuros.
Esses textos representam, por assim dizer, minha contribuição cidadã a um debate
amplo sobre questões relevantes do processo de transformação em curso no Brasil, nos planos
interno ou externo, e são uma amostra muito pequena de uma contínua produção de textos
que, mais do que algum eventual propósito didático, têm por finalidade servir ao auto-
esclarecimento e a uma reflexão ponderada sobre escolhas por vezes difíceis que se
266
apresentam tanto ao observador acadêmico quanto ao administrador público. Como burocrata
especializado numa determinada área, a diplomática, mas também como sociólogo livre
atirador, achei que poderia contribuir com algo para esse debate.
Não tenho certeza de ter respondido satisfatoriamente a muitas das questões de
natureza sociológica, ou outras infindáveis dúvidas no plano das relações econômicas
internacionais do Brasil, que se colocam em relação a esse processo de mudanças, ainda
carente de mapeamento preciso e análise adequada. Provavelmente não, uma vez que
realidades como essa são complexas em demasia para receberem tratamento analítico
adequado num simples volume de dimensões modestas. Em todo caso, foi minha intenção
colocar todas as perguntas pertinentes – algumas até de forma bastante provocadora – que
poderiam ser relevantes para um debate esclarecido, do tipo socrático, sobre o importante
fenômeno de mudança em curso no país.
O título escolhido para esta compilação de ensaios se inspira diretamente em uma
conhecida obra (publicada em 1944) do famoso cientista social e “liberal-utopista” Karl
Polanyi, autor de vários outros trabalhos provocadores – como Our Obsolete Market
Mentality – e que poderia ser descrito como socialista e conservador ao mesmo tempo.
Simultaneamente crítico dos pensadores liberais e dos marxistas teóricos (em relação aos
quais descartava a visão estreitamente classista do processo histórico), Polanyi apreciava o
papel dos mercados, mas não fazia disso uma profissão de fé. Como escreveu em The Great
Transformation: “There was nothing natural about laissez-faire; free markets could never
have come into being merely by allowing things to take their course. [...] Laissez-faire itself
was enforced by the state”.
Partilho inteiramente dessa concepção multidisciplinar sobre o processo histórico e
venho tentando, em muitos dos meus trabalhos de história econômica e de sociologia política,
introduzir essa visão abrangente e não convencional sobre fenômenos relativamente
complexos como o papel dos partidos políticos na política externa ou a interação entre a
diplomacia e a sociedade nacional no itinerário evolutivo das relações econômicas
internacionais do Brasil. Estes ensaios se situam nessa continuidade, ainda que tenham sido
concebidos num espírito bem mais provocador do que o tom convencional utilizado nos meus
trabalhos acadêmicos. Em todo caso, eles respondem a uma necessidade, tanto interna quanto
propriamente “social”, de contribuir para o debate aberto em torno do importante processo de
mudança inaugurado no Brasil a partir do segundo semestre de 2002 (ou provavelmente antes
disso). Eu me sentirei satisfeito se eles despertarem, primeiro uma indignação de surpresa,
depois alguma manifestação de ceticismo sadio e, finalmente, a sensação de que eles
267
permitiram a abertura de novas avenidas de reflexão sobre o Brasil e sua inserção
internacional. Cabe agora ao leitor julgar se fui bem-sucedido nesse empreendimento.

Washington, 2 de novembro de 2002

A economia política da mudança no Brasil: um livro de reflexões


Posfácio
A publicação de meu livro A Grande Mudança: consequências econômicas da
transição política no Brasil (São Paulo: Editora Códex, 2003), ao início de 2003, oferece-me
a oportunidade de tecer algumas considerações sobre seu objeto próprio, assim como sobre a
conjuntura vivida pelo Brasil, neste momento histórico de transição. Meu novo livro de
ensaios, pela primeira vez em muitos anos, não trata das relações internacionais, do processo
de integração regional, da política externa do Brasil ou de sua diplomacia econômica em
perspectiva histórica, que foram os temas nos quais me concentrei preferencialmente na
última década.
Na verdade, ele representa uma espécie de retorno às origens, ao início de meu
aprendizado intelectual enquanto cidadão preocupado com o país e a sociedade injusta à qual
pertencia (e ainda pertence). De fato, o livro me remete ao início dos anos 1960, quando eu
me ensaiava nas primeiras leituras de economia, de sociologia e de política do Brasil,
tentando descobrir por que vivíamos uma condição tão desigual do ponto de vista social. De
certa maneira, ele também pode ser visto como uma continuidade de algumas das discussões
travadas em meu primeiro livro de ensaios, Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da
globalização (São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999), que retomava aquelas leituras da
juventude e fornecia novas respostas tentativas, já numa perspectiva “revisionista” à que eu
tinha simplisticamente formulado mais de três décadas antes.
A Grande Mudança é uma obra de economia política, no sentido clássico da palavra,
uma coleção de ensaios não abstratos, mas altamente reflexivos sobre o processo de
transformações em curso na presente conjuntura brasileira, ainda que ele não comporte
qualquer menção direta a figuras ou entidades concretas que se situam no centro da atual
maioria política e social. O livro não pretende descrever esse processo de mudanças, nem
aspira ensinar ninguém sobre o que acaba de se passar na política brasileira, com o que ele
conformaria uma “crônica dos eventos correntes” da atualidade política. Ele discute, contudo,
algumas implicações das transformações em curso do ponto de vista da ação governativa e
268
tenta tirar alguns ensinamentos válidos num contexto e numa perspectiva mais ampla, que
podem ser caracterizados como de pós-Guerra Fria e de pós socialismo.
Ele não é didático, mas é auto-didático e condensa, por assim dizer, opiniões pessoais,
considerações políticas e econômicas e reflexões “filosóficas” sobre um dos movimentos
“transformistas” mais importantes que o Brasil já conheceu em toda a sua história, pelo
menos potencialmente. Quando digo, talvez ambiciosamente, que ele se situa na tradição da
economia política dos clássicos não pretendo, obviamente, que ele constitua um novo manual
para uso dos poderosos, mas tão simplesmente um guia de reflexões para aqueles que estão
engajados no movimento transformador, tendo de abandonar algumas antigas certezas sobre o
processo de mudança e adotar novas perspectivas sobre os limites dessas transformações.
Adam Smith, na introdução ao quarto “livro”, sobre os “sistemas de economia
política”, de sua obra de 1776 sobre a riqueza das nações, assim definia seu objeto de estudo:
“A economia política, considerada como um ramo da ciência de um homem de Estado ou de
um legislador, se propõe dois objetos distintos: primeiro, prover uma renda abundante ou a
subsistência do povo, ou mais apropriadamente, habilitá-lo a prover essa renda ou essa
subsistência por ele mesmo; em segundo lugar, prover o Estado ou a sociedade de uma renda
suficiente para os serviços públicos. Ela se propõe enriquecer tanto o povo quanto o
soberano” (cf. Adam Smith, An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations;
6ª ed.: London: Strahan and Cadel, 1791, vol. II, p. 138). Trata-se, obviamente, de duas
tarefas bastante concretas para os homens públicos, mas isso não caracteriza o objeto da
disciplina enquanto tal, o que nos remete à ambiguidade da obra e da própria condição de
Adam Smith, ao mesmo tempo um empregado de alfândega e um “filósofo moral”.
O presente livro talvez esteja submergido na mesma “ambiguidade construtiva”
daquele manual clássico de economia política, sem pretender, obviamente, chegar-lhe aos pés.
Ele aspira, tão somente, chamar a atenção do leitor, em especial daquele interessado nos
fundamentos econômicos das transformações políticas em curso, para um conjunto de temas
centrais da ação governativa, podendo assim conformar uma espécie de introdução a um
“novo manual de economia política” nas condições concretas em que passa a trabalhar o
Brasil e sua nova maioria política. Não se pretende, está claro, dar a receita de como aumentar
a renda do cidadão ou de como agregar mais um tanto à do Estado, mas de levar o homem de
Estado e o legislador, ou os aspirantes a tais, a considerar certos limites impostos pelas
“forças econômicas” à vontade transformista no campo político. Não é um livro de um ator ou
sequer de um formulador das condições dessa mudança, mas é uma obra de reflexão que se
coloca naquela perspectiva aroniana bem conhecida do “espectador engajado”.
269
Se o livro não comporta, portanto, nenhum fervor militante, nem adere a nenhum
credo econômico ou agrupamento político particulares, ele ostenta a mesma paixão do
engajamento nas causas públicas pela transformação do Brasil que parece ter marcado a
geração a que pertenço, a dos que estudaram, trabalharam e atuaram na segunda metade do
século XX, quando o País deixou de ser a sociedade agrária que era até então mas não logrou
transformar-se (ainda) na democracia industrial avançada e socialmente justa a que todos
aspiramos como cidadãos. Como espectador privilegiado dessa conjuntura histórica de
mudanças incompletas, tanto no Brasil como, de forma intermitente, no exterior (no último
quarto de século), espero ter podido agregar meus elementos de reflexão sobre um processo
ainda inacabado de transformação da Nação. Se ouso retomar antigas lições marxistas, posso
dizer que ele foi concebido no espírito da décima-primeira tese sobre Feuerbach, ainda que
ele não aspire, absolutamente, transformar o mundo (no caso, o Brasil), mas tão somente
interpretá-lo de maneira correta. Ao leitor de julgar.

Washington, 1º de janeiro de 2003

270
Envisioning Brazil and brazilianists

From the introductory chapter to the book


Marshall C. Eakin, Paulo Roberto de Almeida (eds.):
Envisioning Brazil: a Guide to Brazilian Studies in the United States
(Madison: Wisconsin University Press, 2005, 536 p.; ISBN: 0-299-20770-6; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/81EnvisioningBrazil2005.html)

This edited volume emerged out of an initiative of Ambassador Rubens Barbosa


shortly after his arrival in Washington, DC in 1999. The Ambassador convened a meeting of
Brazilianists from academic institutions across the country to discuss ways to promote
Brazilian Studies in the United States. At this meeting in the Brazilian Embassy in October
1999 the Ambassador proposed the idea for this volume. Shortly afterward, Ministro-
Conselheiro Paulo Roberto de Almeida took charge of the project and Marshall C. Eakin was
brought on board as co-editor. All of the essays were then commissioned, and the majority of
these were presented at a two-day seminar at the Brazilian Embassy on December 6-7, 2000.
More than 100 people attended the seminar and participated in the critique and discussion of
the papers. The presenters were then given an opportunity to revise the essays during the first
half of 2001. The Portuguese-language version of this volume was published in Brazil in 2002
as O Brasil dos brasilianistas: um guia dos estudos sobre o Brasil nos Estados Unidos, 1945-
2000 (São Paulo: Paz e Terra). The essays were updated by the various authors in late 2003
for this English-language edition.

Objectives
Our principal objective has been to assemble the most comprehensive and sweeping
assessment ever attempted of the patterns and characteristics of Brazilian studies in the United
States. This volume is an overview of the writings on Brazil by U.S. scholars since 1945. It is
not a comprehensive bibliography, but rather an effort to assess trends and perspectives. We
have focused on synthesis and interpretation. The effort to provide an overview of the
intellectual production by U.S. scholars has led us to make some important editorial decisions.
The first has been the delimitation of what we mean by a “U.S.” scholar. The essays focus on
scholars who have made their careers primarily in the United States, but the reader will see
that our definition at times includes foreign scholars who have spent most of their career in
U.S. institutions. Second, although the aim is to survey U.S. scholarship, all the essays make
(sometimes frequent) reference to Brazilian scholarship and scholars. In particular, it is often
271
impossible to understand the directions in U.S. scholarship without an understanding of the
academic and political trends in Brazil over the past half-century.
Although not entirely comprehensive, we believe that this is the single most thorough
analysis ever produced of U.S. scholarship on Brazil. The attentive reader will, however,
notice some important gaps in coverage. The most prominent of these are urban anthropology
and the performing arts. The former is covered to some extent in the discussions of ethnology
(Chapter 8) and sociology (Chapter 10). The latter, unfortunately, receives very little mention
here.

Overview of the Book


We have divided this volume into four parts. Part One, “The Development of
Brazilian Studies in the United States,” contains three chapters on large themes and patterns.
In Chapter 1, Almeida surveys the “big picture” of Brazilian Studies in the United States since
1945. Chapter 2 follows with the late Robert Levine’s overview of the development of
Brazilian Studies in the United States, with special attention to institutions and research
trends. As a complement to Levine’s emphasis on research, Young’s essay in Chapter 3
provides a look at the development of the teaching of Brazil in U.S. universities.
Part Two, “Perspectives from the Disciplines,” moves from the sweeping overview of
Part One to surveys of various academic disciplines. In Chapter 4, Tesser provides a
wonderful analysis of the long, but uneven development of the teaching of Portuguese in the
U.S. She shows that despite a long history, the teaching of Portuguese in the U.S. occupies a
small place within the teaching of foreign languages. Like most foreign languages, Portuguese
language instruction has been dwarfed by the explosion of interest in Spanish. The dominance
of Spanish and Spanish America in Latin American Studies is a theme that runs throughout
many essays in this volume. In Chapter 5, Jackson then turns to what has perhaps been the
most developed of all the disciplines in Brazilian Studies--literature. For decades, a strong
group of scholars have written about Brazilian literature. The excellence of Brazilian
literature over the last half-century has helped bring attention to the work of these scholars,
just as their literary studies and translations have helped bring it to the attention of readers and
literary scholars in the U.S. Neistein’s essay in Chapter 6 is a double survey – of both art and
music. Although not as well known in the U.S. as Brazilian literature, Brazil’s art and music
have received attention by a small, but dedicated group of scholars.
The next series of essays turns to the social sciences. Along with literary studies,
historians of Brazil in the U.S. have perhaps the longest tradition and the most highly
272
developed literature. Bieber’s excellent survey in Chapter 7 demonstrates the breadth and
depth of historical studies of Brazil in the U.S. From a small cohort of scholars in the fifties,
the field grew dramatically in the sixties and seventies, experienced declining numbers in the
eighties, and is once again growing in size and in the quantity and quality of published work.
With a firm grounding in fieldwork in archives in Brazil, historians are perhaps in the
strongest position (along with literary scholars) to maintain their identity as a sub-discipline
within history and Latin American Studies in the United States. Anthropology is another
discipline that has venerable been deeply rooted in extensive fieldwork in Brazil. Like the
literary scholars and historians, anthropologists have strong linguistic skills and deep local
experience. Chernela’s essay in Chapter 8 concentrates on the long and highly developed field
of Amazonian ethnology. She shows how studies by U.S. anthropologists have, at times,
shaped the very directions of the discipline in the U.S. and in Brazil. At the same time, these
anthropological studies have been shaped by the changing nature of the discipline, from
traditional community studies to structuralism and discourse analysis. In Chapter 9, Baer and
Guimarães provide a detailed survey of the main patterns in economics. Many of the key
works they discuss arose out of the collaboration of U.S. and Brazilian scholars, and much of
the literature has developed around the key problems that have faced the nation’s economy
since 1945.
Eakin’s essay in Chapter 10 is also a “double feature” surveying both political science
and sociology. Both disciplines have roots dating back to the 1930s and 1940s, but do not
really develop until the 1960s. While sociology had a strong early start, especially in the area
of race relations, it fails to develop a strong sub-disciplinary identity around Brazilian Studies,
and the number of sociologists studying Brazil today is small. Political science developed an
impressive group of scholars, and they were especially interested in the study of
authoritarianism from the sixties to the eighties. Although a strong and impressive group of
scholars continue to write about Brazil, the larger developments in the discipline (in particular
the move away from “area studies” and towards theory) may threaten the survival of a field in
Brazilian Studies. Tollefson’s essay in Chapter 11 follows with a synthesis of studies on
international relations with a Brazilian focus. In Chapter 12, Dawsey presents an interesting
look at geographers who chose to focus on Brazil. As with some of the other disciplines, the
changing nature of geography has profoundly shifted studies from those of the fifties and
sixties that focused on countries and their regions, to larger questions of theory and problems.
Part Three, “Counterpoints: Brazilian Studies in Britain and France,” offers two
essays that help place the U.S. contributions in perspective. In Chapter 13, the eminent British
273
historian of Brazil, Leslie Bethell, looks at the contributions of British historians to the
development of Brazilian Studies. Edward Riedinger then compares the development of
Brazilian Studies in the United States and France in Chapter 14.
Part Four consists of three chapters on bibliographic and reference sources. Almeida’s
chapter is a chronology of key publications by U.S. Brazilianists placed alongside key
developments in U.S.-Brazilian relations. In Chapter 16 Hartness provides a very thorough
guide to reference sources on Brazil. As is the case in some of the other chapters, we can see
the impact of the digital age reshaping the traditional emphasis on print sources and moving
reference sources increasingly toward comprehensive and accessible electronic data. This
volume closes with a selective bibliography compiled by Almeida.
One of the key contributors to the volume, and one of the foremost Brazilianists,
Robert M. Levine, passed away in April 2003. Bob Levine was probably the most prolific
U.S. scholar of things Brazilian and he was among the pioneering generation of U.S.
Brazilianists. This volume is dedicated to this renowned scholar who did so much to promote
the study of Brazil in the United States.

Marshall C. Eakin and Paulo Roberto de Almeida


Nashville and Washington, July 2003

274
Expansão Econômica Mundial: 100 anos de uma obra pioneira

Resenha-artigo sobre o livro


Brazílio Itiberê da Cunha:
Expansão Econômica Mundial
(Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 2 volumes, 1907 e 1908).

Cem anos atrás, o Brasil era o café e o café era o Brasil, ou pouco mais do que isso:
nossa diplomacia e a própria política econômica estavam centradas na “defesa do café”, como
atestam o Convênio de Taubaté e as garantias oficiais aos empréstimos contraídos no exterior
para financiar a estocagem do produto e para forçar a alta dos preços nos mercados mundiais.
A elite política tinha consciência do atraso da Nação, resquício da ordem escravocrata do
século XIX, e muitos dos seus representantes exibiam ideias políticas e econômicas
avançadas, em contradição com os parcos esforços efetivamente feitos para colocá-las em
prática, de molde a diminuir a distância que nos separava das potências da época.
A diplomacia brasileira, em particular, se destaca por sua grande capacidade analítica,
sua organização avançada, sua forte presença política e geográfica nos mais diferentes foros
abertos ao engenho e arte de seus representantes profissionais ou delegados ad hoc, num país
que estava longe de conformar um paradigma do capitalismo pioneiro ou um palco ideal para
o exercício das vantagens comparativas de um êmulo do bourgeois conquérant, em uma
versão tropical. Um dos mais lúcidos diplomatas do ancien régime, servindo com entusiasmo
a nova República, junto com o Barão do Rio Branco, foi Brazílio Itiberê da Cunha, que, em
1907, publicaria uma obra notável sobre as causas do crescimento econômico das nações, na
qual ele discorre igualmente sobre as condições e requisitos do progresso brasileiro,
ressaltando o papel da educação como elemento estratégico na equação desenvolvimentista.
Nos dois volumes de Expansão Econômica Mundial, Itiberê da Cunha tenta
condensar, depois de ter participado como delegado oficial do Brasil nos congressos de
“expansão econômica” do Rio de Janeiro (1905), de Mons (1906) e de Liège (1907), seus
“estudos e observações que, de longa data, temos feito sobre os palpitantes problemas
econômicos que atualmente preocupam as classes pensantes e dirigentes, empenhadas em dar-
lhes uma solução mais prática para o maior desenvolvimento da fortuna pública e expandi-la
para além das fronteiras nacionais” (vol. 1, Prefácio, p. vii). A trajetória diplomática de
Brazílio Itiberê da Cunha e a importância de sua contribuição intelectual em várias outras
vertentes da vida cultural brasileira – como sua rica produção musical, por exemplo – já

275
foram devidamente redescobertas e enfatizadas por um colega, Celso de Tarso Pereira,1 o que
me permite concentrar a atenção em sua reflexões comparadas sobre as causas do atraso
econômico e social brasileiro, como registradas na obra em questão.
Nos dois volumes de Expansão Econômica Mundial, Itiberê discorre sobre o processo
de crescimento econômico nos mais diversos países, com destaque para os mais avançados,
mas ele têm o cuidado de iniciar sua obra pela necessidade da educação do povo, em especial
da instrução comercial, como forma de se promover o progresso econômico e social de
economias atrasadas como a do Brasil. O manual de um país novo como o Brasil, diz Itiberê,
“deve ser antes O Império dos Negócios, do filantropo milionário Andrew Carnegie, do que as
Pandectas ou o Corpus Iuris, acompanhando assim o crescente movimento de expansão
econômica das principais potências, que nos precederam em civilização, graças, sobretudo, à
superioridade do seu ensino técnico-profissional, hoje reconhecido com razão, o verdadeiro
complemento obrigatório do ciclo de estudos elementares...”.2
Apoiado nas ideias do filósofo argentino Juan Bautista Alberdi, também diplomata,
Itiberê da Cunha ressalta que “a primeira dificuldade da América do Sul para escapar da
pobreza é que ignora sua condição econômica, com a persuasão de que é rica e por causa
desta persuasão vive pobre, porque toma como riqueza o que não é senão instrumento para
produzi-la” (ou seja, os recursos naturais abundantes nesses países).3 O diplomata brasileiro
formula uma questão que poderia resumir, basicamente, a atitude contemplativa das elites
brasileiras em face do problema essencial do desenvolvimento econômico, por ele assim
respondida e plenamente válida ainda hoje: “por que somos uma nação sumamente pobre? A
razão é simples: quando afirmamos que o Brasil é um país riquíssimo, confundimos riqueza
com instrumento ou fator de riqueza. [Esquecemos] que a riqueza capaz de produzir não está
produzida, e que o solo e o clima, que consideramos riquezas, não são mais que instrumentos
para produzir riqueza nas mãos dos homens, que é o produtor imediato, pela força destes dois
processos humanos — o trabalho e a economia, ou a conservação e guarda do que o trabalho
produziu”.4

1
Cf. Celso de Tarso Pereira, Ritmos de uma vida: Brazílio Itiberê, músico e diplomata (Brasília:
Instituto Rio Branco, 1996, monografia apresentada na disciplina Leituras Brasileiras), trabalho
resumido no artigo “Brazílio Itiberê da Cunha, músico e diplomata”, Boletim ADB (Brasília: ano IV,
nº 29, 09.10.1996, p. 18-22). Ver igualmente o capítulo de Pereira, sobre Itiberê, na obra coletiva
coordenada por Alberto da Costa e Silva, O Itamaraty na Cultura Brasileira (Brasília: Funag, 2001;
São Paulo: Francisco Alves, 2002).
2
Cf. Brazílio Itiberê da Cunha, Expansão Econômica Mundial, op. cit., 1o. vol., p. 154-5.
3
Idem, Cunha, Expansão, 2o. vol., p. 267.
4
Idem, p. 267-68.
276
Essa concepção do “valor-trabalho” e, mais ainda, do poder da inteligência e da
tecnologia eram dificilmente aceitas pela oligarquia cafeeira do começo da República, como
tinham sido persistentemente ignoradas pela aristocracia “fisiocrática” do regime imperial.
Itiberê classifica como “fenômeno vulgaríssimo” o fato de no Brasil se considerar como
revestidos de prestígio especial aqueles que detinham diplomas de doutor ou de bacharel,
ecoando nesse particular críticas que, naquele mesmo momento, se faziam na Câmara de
deputados aos “bacharéis presunçosos” da diplomacia brasileira: “O ser bacharel em direito,
como quase toda gente o é hoje em dia, constitui presunção legal de saber: daí vem que, livres
da obrigação dos exames, muita gente penetra na diplomacia, vazia de conhecimentos e
abarrotada de presunção. Em regra, a diplomacia é procurada pelos indivíduos de alguma
fortuna e infelizmente no Brasil os ricos não são os mais estudiosos”.5
Ao completar-se um século de sua primeira e única edição, a obra constitui, ainda
hoje, um manancial de conselhos utilíssimos aos homens de Estado do Brasil e da América
Latina, sempre tão propensos a encontrar em fatores externos as razões do
subdesenvolvimento de seus países. Pela riqueza de seus argumentos, pela clarividência de
suas posições, pioneiras e, de fato, antecipatórias, o livro de Itiberê mereceria ser reeditado,
provavelmente em formato resumido, extirpando-o de comentários puramente circunstanciais,
mas retendo seus ensinamentos ainda válidos, nos dias que correm. Talvez as “classes
pensantes e dirigentes” disponham, hoje, de indicadores econômicos e de “ferramentas” de
políticas macroeconômicas e setoriais que não estavam ao alcance de suas congêneres de um
século atrás, mas muitos dos problemas brasileiros permanecem teimosamente os mesmos –
como a má educação da população, por exemplo –, enquanto outros se acumulam na
indiferença dos seus sucessores, como os “monopólios de Estado” e o “mercantilismo
político”, ambos condenados por Itiberê. Censurando, ainda, os acordos comerciais baseados
na estrita reciprocidade, ele confiava em que “a política liberal há de triunfar um dia” (vol. 2,
p. 81). Talvez, mas a luta continua...

Brasília, 7 de agosto de 2007.


Publicado na Revista Acadêmica Espaço da Sophia (Tomazina, PR: ano I, n. 8, novembro de
2007, p. 1-4; ISSN: 1981-318X) e, em versão resumida, no Boletim da Associação dos
Diplomatas Brasileiros (ano XIV, n. 59, outubro-dezembro de 2007, p. 28-30).

5
Anais da Câmara dos Deputados, sessão de 2.09.1891, apud Clodoaldo Bueno, A República e sua
Política Exterior, 1889-1902 (São Paulo: Editora da UNESP; Brasília: FUNAG, 1995), p. 56.
277
Maquiavel para os modernos

Prefácio ao livro
Paulo Roberto de Almeida:
O Moderno Príncipe (Maquiavel revisitado)
(Brasília: Senado Federal, 2010, 195 p.; ISBN: 978-85-7018-343-9; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/95MaquiavelRevisitado.html)

Este livro foi escrito por um proscrito. Explico: O Príncipe, original de 1513, foi
escrito por Nicolau Maquiavel quando ele se encontrava em completo ostracismo, depois que
a conquista da Toscana pelos espanhóis recolocou no comando de Florença, em 1512, a
família dos Médici.
Como escreveu Delio Cantimori, no verbete sobre o florentino que ele preparou para a
Storia della Letteratura Italiana (quinto volume, da Garzanti), “nonostante l’ingegno,
l’acutezza e la dottrina che gli venivan riconosciuti, il Machiavelli non fu mai chiamato agli
uffici maggiori della repubblica fiorentina che egli servi dal 1498 al 1512”.1 De fato, depois
de ter servido durante quase três lustros à República da sua cidade natal (1469), e de ter
desempenhado missões diplomáticas da mais alta responsabilidade – em 1500, em Pisa, para
resolver uma rebelião de soldados mercenários; logo em seguida junto ao reino de Luís XII da
França, retornando ali mais três vezes, entre 1504 e 1511; em 1502 junto ao duque Valentino,
César Bórgia, em Urbino e Sinigaglia; em 1503 e 1505, em Roma; em 1507, junto ao
Imperador Maximiliano, do Sacro Império Romano Germânico –, Maquiavel nunca mais
retornou ao seu cargo de segretario, a despeito de ter desempenhado outras missões
diplomáticas nos últimos anos de sua vida.
Como o próprio Maquiavel escreveu, em torno de 1518-1519, na apresentação a outro
texto seu dessa fase de desterro, os Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio, ele havia
colocado em seus escritos toda a substância do que sabia e do que tinha aprendido ao longo de
uma vida dedicada à prática política e às leituras constantes em torno “delle cose del mondo”,
ou, como transcreve Cantimori, “per ‘lunga pratica’ della vita politica, ‘continua lettura’ della
storia política”.2 Condenado ao confinamento por um ano, em 1512, mas não reabilitado
depois disso, Maquiavel se retirou na sua vila Albergascio, perto de San Casciano, no Val di

1
Cf. Delio Cantimori, “Introduzione”, in Niccolò Machiavelli, Il Príncipe e le opere politiche, Milão:
Garzanti, 1976, p. xi.
2
Idem, a partir de C. Pinsin, Sul testo del Machiavelli. La prefazione alla prima parte dei “Discorsi”,
in Atti dell’Academia delle Scienze di Torino, vol. 94 (1959), disp. 2, Torino, 1960, pp. 506-518; cf.
“Introduzione”, op. cit. supra, p. xi.
278
Pesa, e ali, amargurado por um injusto isolamento, soube reagir ao afastamento forçado da
política ativa que lhe impuseram, colocando no papel suas reflexões sobre a prática da
política, sobre a arte da guerra e a propósito dos ensinamentos que se podiam retirar do
itinerário dos grandes homens e da evolução, entre auge e declínio, das sociedades da
antiguidade clássica. Por uma dessas ironias da História, ele veio a morrer no mesmo ano em
que a república foi restabelecida em Florença, em 1527.
Este Moderno Príncipe também condensa tudo o que me foi possível aprender ao
longo de uma vida dedicada à atenta observação delle cose del mondo, ao estudo das coisas da
política e das artes diplomáticas, assim como no aproveitamento de continue letture, em todas
as áreas das ciências humanas e disciplinas afins, ou seja, em tudo aquilo que interessa ao
homem enquanto ser político. O livro também foi escrito em condições de relativo
isolamento, pelo menos da diplomacia prática, que exerci de modo contínuo de 1977 a 2003,
depois de já ter enfrentado meu próprio desterro, ainda que semi-voluntário, entre 1970 e
1977, na fase mais dura do regime militar que tutelou o Brasil de 1964 a 1985. Meu novo
ostracismo involuntário permitiu, ao lado do exercício de lides acadêmicas que sempre
permearam a atividade profissional, longas noites de leitura, intensas reflexões sobre as
transformações do mundo contemporâneo e do Brasil atual, como também propiciou a
produção de escritos a respeito da conjuntura política e sobre a história diplomática,
divulgados em revistas especializadas ou em livros por mim publicados.
De todos os livros que escrevi – no mais das vezes voltados para as relações
internacionais e a política externa do Brasil –, o que mais reflete o meu pensamento político e
aquele de que mais gosto, A Grande Mudança (Códex, 2003), é o que menos obteve sucesso
de público, permanecendo relativamente desconhecido (talvez pelo fato de, quando do
lançamento, me encontrar no exterior). Em todo caso, este livro retoma algumas das reflexões
ali conduzidas pela primeira vez e amplia meu aprendizado nas artes da política por meio de
uma retomada linear do texto que se encontra, a justo título, no panteão das grandes obras do
pensamento universal. Quinhentos anos depois, como para muitos clássicos, a constatação se
impõe por si só: Maquiavel continua atual!
Este “Maquiavel revisitado” segue fielmente o roteiro traçado nos últimos meses de
1513 pelo pensador e diplomata florentino. A estrutura e o foco dos capítulos permanecem
idênticos: apenas troquei “Itália” por “nação”, em dois capítulos finais, seja para tornar a
reflexão mais universal, seja para fazê-la aplicável a uma outra grande nação de tradição
latina. A temática e a substância de cada um dos capítulos também permanecem relativamente
similares: os problemas que angustiavam o segretario de há meio milênio parecem
279
rigorosamente os mesmos, com pequenas adaptações de detalhe ou de linguagem. Alguma
novidade nisso? Provavelmente não!
As referências e o tratamento dos problemas são, contudo, inteiramente atuais, ainda
que se tenha optado por um estilo e um linguajar deliberadamente “caducos”, como forma de
manter um “parentesco espiritual” com a obra de meu predecessor diplomático do
Renascimento. O que eu fiz, sim – e nisso me cabe o copyright, ainda que eu deva conceder
os moral rights ao florentino –, foi reescrever totalmente o seu “manual de política prática” no
sentido daquilo que eu penso deva determinar, hoje, a política moderna: o compromisso
democrático; o cumprimento das “regras do jogo”, como diria um outro filósofo da política,
Norberto Bobbio; a transparência na administração da coisa pública; a correção no manejo do
pubblico denaro e, sobretudo, a honestidade intelectual, que para mim é o critério básico de
qualquer ação social, independentemente da área na qual ela se insira.
Maquiavel escreveu o seu pequeno “manual” como uma espécie de guia de conduta
para os governantes, mas ele se coloca bem mais do ponto de vista do Estado do que do ponto
de vista dos cidadãos. Talvez se pudesse dizer, sem ostentação ou pretensões exageradas, que
meu pequeno manual pretende ser uma espécie de guia de conduta para os governados e ele se
coloca, mais bem, do ponto de vista dos indivíduos, que constituem, afinal de contas, o
destino final de toda a ação política.
Revisitar Maquiavel é sempre angustiante, como já escreveu certa vez Raymond Aron,
uma vez que as relações entre a moral e a ação política, entre a ética e a eficácia, entre os fins
e os meios, estão sempre sendo colocadas na balança de nossas escolhas fundamentais. As
minhas escolhas ficam transparentes em cada parágrafo do meu texto, mesmo quando a
“racionalidade econômica” parece predominar sobre a “justiça social”, ou quando os valores
morais são confrontados aos procedimentos políticos, que sempre evidenciam, como todos
sabem, o eterno dilema entre as convicções pessoais e os resultados práticos, no plano da ação
social. As minhas opções estão postas claramente nas páginas que seguem e a primeira delas,
ouso repetir, é justamente a honestidade intelectual. Este princípio fundamental compensa
qualquer ostracismo.
Gostaria, por fim, de agradecer a todos aqueles que me ajudaram, voluntariamente ou
não, na finalização deste livro, em primeiro lugar no processo de sua revisão. Ele tinha sido
iniciado em meados de 2003, como o segundo de uma série de “clássicos revisitados” – tendo
sido o primeiro uma atualização do Manifesto Comunista de 1848, aos 150 anos de sua edição
original – mas, desde então, tinha ficado parado em virtude de uma carregada agenda de
obrigações profissionais e acadêmicas. Inesperadamente, encontrei o tempo que me faltava
280
em meados de 2007: sou reconhecido, portanto, também aos que me permitiram dispor de
condições para finalizá-lo.

Brasília, 23 de fevereiro de 2010.

Addendum: Texto de divulgação:

O que nos separa de Maquiavel?

Se, por alguma fortuna histórica, Maquiavel retornasse, hoje, ao nosso convívio, com
as suas virtudes de pensador prático, quase meio milênio depois de redigida sua obra mais
famosa, como reescreveria ele o seu manual “hiper-realista” de governança política? Seriam
os Estados modernos muito diversos dos principados do final da Idade Média?
Este Maquiavel revisitado, voltado para a política contemporânea, dialoga com o
genial pensador florentino, segue seus passos naquelas “recomendações” que continuam
aparentemente válidas para a política atual, mas não hesita em oferecer novas respostas para
velhos problemas de administração dos homens. Aqui, como em outros aspectos, a constância
dos “príncipes” nos desacertos é notável. Essa capacidade de errar e de provocar danos aos
cidadãos não parece ter evoluido muito, desde então.
De fato, Maquiavel permanece surpreendentemente atual – com o que concordariam
os filósofos e cientistas políticos da atualidade –, mesmo (talvez sobretudo) nos traços
malévolos exibidos pelos condottieri contemporâneos e pelos cappi dei uomine. Ainda que
envenenamentos encomendados e assassinatos por adagas, tão comuns no Renascimento
italiano, não estejam mais na moda – pelo menos fora do âmbito dos serviços secretos –, e
que eles tenham sido substituídos por outros métodos para se desembaraçar de concorrentes e
de adversários políticos, as técnicas para se apossar do poder e para mantê-lo exibem uma
notável continuidade com aquelas descritas pelo experiente diplomata da repubblica
fiorentina do Quatrocento.
O que pode estar ultrapassado, no seu “manual” de 1513, é meramente acessório, pois
a essência da arte de comandar os homens revela-se plenamente adequada aos dias que
correm, confirmando assim as finas virtudes de psicólogo político – avant la lettre – do
perspicaz pensador do Cinquecento.
Este Príncipe Moderno representa, antes de tudo, uma singela homenagem ao
diplomata italiano que “inventou” a ciência política, ainda que ele o tenha feito nas difíceis
281
circunstâncias do ostracismo, na sua condição de funcionário de Estado “cassado” pelos
novos donos do poder em Florença.
Obra de um momento político – talvez não muito diverso daqueles tempos vividos
pelo segretario de cancelleria –, este novo Príncipe, que se pretende tão universal em seu
escopo e motivações quanto seu modelo de cinco séculos atrás, oferece novos argumentos em
torno dos velhos problemas da administração estatal. A bem refletir sobre a política
contemporânea, pouco nos separa de Maquiavel, se não é algum desenvolvimento
institucional e uma maior rapidez nas comunicações. Quanto aos homens, tanto os condottieri
quanto o popolo, eles não parecem ter mudado muito...

Brasília, 21 de maio de 2011.


Texto divulgado pelo site gaúcho Via Política, não mais disponível.

282
O altermundialismo, uma enfermidade infantil da globalização

Prefácio ao livro
Paulo Roberto de Almeida:
Globalizando: ensaios sobre a globalização e a antiglobalização
(Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, xx+272 p.; ISBN: 978-85-375-0875-6; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/107Globalizando.html)

Ridendo castigat mores.


Jean-Baptiste Poquelin, aliás Molière (1622-1673)

“O Brasil converter-se-á num dos mais formosos estabelecimentos do globo


(nada para isso lhe falta) quando o tiverem libertado dessa multidão de
impostos, desse cardume de recebedores que o humilham e oprimem; quando
inúmeros monopólios não mais encadearem sua atividade; quando o preço das
mercadorias que lhe trazem não mais for duplicado pelas taxas que andam
sobrecarregadas; quando os seus produtos não pagarem mais direitos ou não os
pagarem mais avultados que os dos seus concorrentes; quando as suas
comunicações com as outras possessões nacionais se virem desembaraçadas dos
entraves que as restringem...”.
Guillaume-Thomas Raynal, conhecido como Abade Raynal,
Histoire philosophique et politique des établissements et du commerce des
européens dans les deux Indes (Amsterdam, 1770);
Apud Manuel de Oliveira Lima, D. João VI no Brasil
(3a. ed.; Rio de Janeiro: Topbooks, 1996), p. 58-59.

Incrível atualidade a da frase transcrita no frontispício deste livro, de uma das cabeças
mais lúcidas do século 18 francês. Antiescravagista em plena era do tráfico africano, pensador
iluminista, conhecedor das coisas do mundo, mesmo sem ter viajado fora da Europa ocidental,
o abade Raynal (Guillaume-Thomas) poderia ser descrito, em linguagem moderna, como um
“globalizador esclarecido”, categoria à qual eu mesmo me orgulharia de pertencer, se existisse
entre nós tal clube filosófico. Com efeito, a sua provocadora Histoire philosophique et
politique des établissemens & du commerce des européens dans les deux Indes pode ser
chamada de primeiro tratado da globalização dos tempos modernos, ou le premier traité de la
mondialisation, como prefeririam os franceses, sempre suscetíveis nessas coisas de
anglofonia.
Raynal começa o primeiro livro de sua enorme obra (6 volumes) proclamando a
revolução que tinha sido a passagem do cabo da Boa-Esperança: “uma revolução então
começou no comércio, na potência das nações, nos costumes, na indústria e no governo dos
povos. Foi nesse momento que os homens dos lugares mais distantes se fizeram necessários:
283
os produtos dos climas equatoriais são consumidos nos climas vizinhos do polo; a indústria
do norte é transportada ao sul; os tecidos do Oriente vestem o Ocidente, e em todas as partes
os homens trocam suas opiniões, suas leis, seus hábitos, seus remédios, suas enfermidades,
suas virtudes e seus vícios”. Além de lúcido, nosso abade era um visionário: “Tudo mudou e
tudo deve mudar ainda. Mas, as revoluções passadas e aquelas que ainda vão vir, podem ser
úteis à natureza humana? O homem, por causa delas, gozará um dia de mais tranquilidade, de
mais virtudes ou de mais prazeres? Poderão elas torná-lo melhor, ou elas apenas o mudarão
um pouco?” 1
Estas perguntas, filosóficas, de fato, são examinadas à luz da obra colonizadora dos
europeus: “Depois que se conheceu a América e a rota do Cabo, nações que não eram nada se
tornaram poderosas; outras, que faziam estremecer a Europa, se enfraqueceram. Como essas
descobertas influenciaram o estados dos povos? Por que, enfim, as nações mais florescentes
não são exatamente aquelas com as quais a natureza foi mais pródiga?” Ele começa a explorar
essas questões, partindo do pressuposto da unificação comercial do mundo sob a hegemonia
do se poderia chamar, hoje em dia, de capitalismo ocidental. A análise de Raynal é
absolutamente atual, podendo-se dizer que seus argumentos parecem referir-se à globalização
contemporânea.

Esta coleção de ensaios pessoais também é colocada sob o signo controverso da


globalização, aliás, bem mais do lado do abade Raynal do que dos modernos êmulos daqueles
representantes das correntes anti-iluministas que colocaram sua obra no index dos livros
proibidos e tentaram calar sua voz incômoda e libertária. Após a publicação da terceira edição
da sua História filosófica das duas Índias, seus inimigos a fazem condenar pelo Parlamento
de Paris, queimando-a em praça pública, enquanto ele se refugiava na Suíça (onde ele faz
construir um monumento em honra à liberdade). Ele frequenta em seguida as cortes de
Frederico II, da Prússia, e a de Catarina II, da Rússia.
Às vésperas da Revolução, ele encarna os ideais do Iluminismo e dos direitos
humanos e protesta contra a autocracia e a escravidão nos territórios coloniais, cujos horrores
ele conhecia por ser descendente de uma família de grandes comerciantes (e de traficantes).
Perseguido pelo ancien Régime, ele logo se coloca também contra os exageros do novo

1
As obras de Raynal estão disponíveis em formato digital no site da Bibliothèque Nationale de
France, também através do portal da coleção Europeana: http://www.europeana.eu/portal/brief-
doc.html?start=1&view=table&query=Abb%C3%A9+Raynal.
284
regime, como declarado em sua carta à Assembleia Nacional em 31 de maio de 1791: “eu
alertei os reis quanto aos seus deveres; inquietai-vos que hoje eu fale ao povo dos seus erros”.
Com efeito, mesmo os bem intencionados cometem erros, como por exemplo, hoje, os
chamados altermondialistes franceses – e seus seguidores miméticos no Terceiro-Mundo,
conhecidos como antiglobalizadores –, ao pretender substituir as iniquidades da globalização
capitalista por sistemas econômicos que fariam os povos das antigas colônias ainda mais
pobres do que eles já são.
De fato, ao examinar os escritos, declarações, manifestos, slogans e consignas dos
antiglobalizadores, e ao confrontá-los com os dados da realidade, tanto no plano da história,
como da atualidade, ou ainda no âmbito da simples lógica formal, impossível não chegar à
conclusão de que eles se equivocam redondamente sobre o mundo, seus problemas e
respectivas soluções. Pode-se, inclusive, parafrasear a velha frase: nunca, tantos se enganaram
tanto, sobre tantos assuntos.

Há muitos anos venho observado o curioso fenômeno da antiglobalização: não posso


me impedir de admirar e também de sorrir face à ingenuidade de tantos jovens, sinceramente
armados de idealismo, desejosos de corrigir os defeitos deste mundo. Mas tampouco posso
evitar uma sensação de cansaço ante tantos slogans repetidos, retomando aborrecidamente
chavões de décadas atrás, quando eu também marchava contra o imperialismo e a dominação
do capital financeiro internacional. Creio, sim, que o movimento altermundialista é uma
enfermidade infantil da globalização. Como não existe uma vacina contra ele, é preciso
esperar que os sinais da enfermidade se tornem cada vez mais tênues, até desaparecer por
completo, quando todos os jovens estiverem devidamente globalizados, como aliás já estão
os da antiglobalização (mas no seu caso, eles pegam continuamente o vírus com professores
alienados da academia).
Tenho menos complacência, justamente, em face desses velhos representantes da
academia, que parecem não ter aprendido absolutamente a partir do itinerário de desastres do
socialismo real, no século 20. Velhos sindicalistas podem ser perdoados por marcharem
contra a “deslocalização”, posto que, afinal de contas, eles não estão fazendo mais do que o
seu dever, ao defender a manutenção dos empregos de seus associados em seus respectivos
países. Mas, intelectuais de gabinete, que repetem slogans monotemáticos, simplificando uma
realidade complexa e induzindo jovens a se engajarem em causas perdidas, não são apenas
equivocados; eles também podem ser considerados intelectualmente desonestos, posto que
dispondo de todos os instrumentos para se informar (e se formar).
285
A acusação é grave, e ela se refere não apenas a equívocos materiais, digamos de
avaliação econômica da realidade. Ela tem a ver com um slogan absolutamente vazio, o tal de
“outro mundo possível”: jamais fomos contemplados com a arquitetura desse outro mundo
prometido, nunca apresentado em seus contornos materiais ou sequer “filosóficos”. Esses
acadêmicos vivem do movimento pelo movimento, numa espécie de moto perpétuo mental,
aliás, girando em circuito fechado, posto que imune e isolado de todo e qualquer debate que
não seja no interior do próprio movimento.
Ao condenar o tal de “pensamento único” – que seria, supostamente, o do
neoliberalismo – esses acadêmicos alienados conseguem ostentar o mais rígido pensamento
único conhecido na atualidade. De resto, o conjunto do movimento antiglobalizador pode ser
acusado de sectarismo e tribalismo: só podem participar dos seus encontros, aqueles que
aderem ao credo filosófico que constitui a “bíblia” do movimento antiglobalizador. Os que
não estão habituados aos rituais da tribo encontrarão nesta coleção de ensaios farto material
probatório.
Os trabalhos aqui compilados falam por si mesmos. Eles tanto dão a palavra ao
movimento antiglobalizador – pois que reproduzindo fielmente suas teses e argumentos mais
repetidos – quanto se dedicam à anatomia desse pensamento redutor e simplista. Cada um dos
ensaios está datado cronologicamente, o que explica pequenas repetições nos argumentos aqui
e ali. De resto, eles devem se sustentar por si mesmos, e submeter-se à crítica dos leitores,
entre os quais espero encontrar muitos jovens idealistas e alguns irredutíveis
antiglobalizadores. Não tenho o hábito de ser politicamente correto, nem o de dobrar-me a
conveniências do momento. Alguns dos trabalhos aqui compilados, já publicados
anteriormente, podem explicar minha posição singular tanto na academia, quanto em outros
ambientes. Não sou de esconder minhas posições. A todos de julgar.

Shanghai, 10 de abril de 2010.

286
Interesse Nacional: uma nova revista

Rubens Antonio Barbosa, editor:


Revista Interesse Nacional
(São Paulo: n. 1, abril de 2008; http://interessenacional.uol.com.br/)

Em países marcados pela luta entre partidos, com agendas cheias de reformas
inacabadas, definições do que seja, exatamente, o interesse nacional são tão diversas
quanto os grupos que disputam o poder e buscam mobilizar o apoio da sociedade para
suas plataformas nem sempre consensuais para todas as classes e setores nacionais.
O surgimento de uma revista que pretende discutir questões relevantes, sem
partir de uma definição pré-concebida do que seja o interesse nacional, deve ser saudada
como um bem-vindo aporte intelectual ao debate público em torno das grandes questões
da agenda nacional. Os editores da nova revista, Rubens Antonio Barbosa e Sérgio
Fausto, dizem, na introdução que a revista não defenderá uma única visão, “não
promoverá convergências de opiniões”. “Seu único compromisso é com o debate
qualificado de ideias e com a relevância das questões, na interseção entre assuntos
domésticos e assuntos internacionais”.
Contando com um conselho editorial de 24 membros, de esquerda e de centro (já
que ninguém, neste país, se reconhece como de direita), a revista explicita, em seu
primeiro número, um problema atual: Rubens Barbosa dá a partida criticando a política
externa para a América do Sul, focando a questão do ingresso da Venezuela no
Mercosul. O tema é em seguida defendido pelo assessor de assuntos internacionais da
Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, que justifica a “opção sul-americana”
da atual diplomacia presidencial.
Comparecem a seguir dois defensores de visões opostas sobre o que constitui o
interesse nacional na atualidade brasileira: Gustavo Franco trata da inserção externa e
do desenvolvimento brasileiro, registrando o que ele chama de “consenso
envergonhado”, isto é, a adesão dos atuais mandatários – não às ideias, mas – às
práticas econômicas dos seus antecessores, responsáveis pela estabilização do Plano
Real e pela abertura da economia. Luiz Gonzaga Belluzzo ataca, por sua vez, o que ele
chama de “mitos do consenso liberal”, destacando a “mão visível” do Estado na
competição capitalista. Na verdade, ele mesmo reconhece que as antigas oposições
excludentes – Estado vs. mercado, integração internacional vs. políticas nacionais –

287
“não são perspectivas incompatíveis” e conclama à superação de “falsas dicotomias”,
em prol de uma “nova relação entre o Estado e o setor privado em termos mais
favoráveis ao desenvolvimento do país”.
O embaixador Everton Vargas, encarregado de temas ambientais no Itamaraty,
apresenta a visão oficial sobre as negociações em torno das mudanças climáticas, mas
este primeiro número não traz nenhuma posição alternativa sobre os desafios a serem
ainda vencidos para que o chamado “desenvolvimento sustentável” deixe o campo da
retórica diplomática. O professor de direito Joaquim Falcão aborda a difícil questão da
reforma do judiciário, destacando o que ele designa de “uso patológico” do Judiciário
pelo Executivo, com uma quase completa estatização da pauta do primeiro pelo segundo
poder. Ele demonstra como grande parte dos recursos e agravos que chegam ao
Supremo se referem a casos envolvendo servidores públicos e militares. Isto se dá,
segundo ele, porque o Brasil “é um dos únicos países do Ocidente – se não o único –
onde a Constituição trata do servidor público em tantos dispositivos – são 62 (!), entre
títulos, artigos, parágrafos, incisos e alíneas...” Em outros países, se trata de matéria
infraconstitucional.
O ex-diretor da Radiobras Eugênio Bucci discute a razão de ser das emissoras
públicas, perguntando se o Brasil precisa disso. Ele considera que a TV pública só se
justifica se for capaz de melhorar os processos democráticos, a geração de cultura, a
diversidade, a inclusão social, e se elevar o nível de fundamentação das decisões
políticas tomadas direta ou indiretamente pelos cidadãos. O último artigo trata do
fantasma da “internacionalização do ensino superior”, recentemente atacada por
ninguém menos que o secretário de ensino superior do MEC. Cláudio de Moura Castro
demonstra que se está fazendo barulho por nada, que esse “perigo” é inexistente ou
irrisório, mas que se ele existisse, de verdade, seria um bem-vindo impulso à maior
inserção externa das nossas instituições do terceiro ciclo. O perigo maior, na verdade, é
o isolacionismo no qual vivem a maior parte das universidades: “o Brasil se encolhe e
teme as influências alienígenas no seu ensino”. O que de melhor ocorreu com o nosso
ensino superior, lembra ele, foi a “horda de mestres e doutores que retornaram das
melhores universidades dos Estados Unidos e da Europa”, trazendo novos ares,
metodologias inovadoras, reforçando a pesquisa em pós-graduação. O problema é que
essa abertura não alcançou a graduação: “Precisamos ventilar as ideias mofadas que
esmagam nossos cursos de graduação. Nesse sentido, a internacionalização é mais do

288
que bem-vinda. O influxo de experimentos e ideias de outros países poderia ter um
papel relevante para arejar nosso ensino”. Talvez a UNE não concorde...

Brasília, 13 de abril de 2008.


Revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: ano 5, n. 43, maio 2008, p. 62).

289
Nunca Antes na Diplomacia: nunca antes mesmo...

Apresentação de
Paulo Roberto de Almeida:
Nunca Antes na Diplomacia...: A política externa brasileira em tempos não
convencionais
(Curitiba: Appris, 2014, p. 289; ISBN: 978-85-8192-429-8; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/NuncaAntes2014.html

Ideias, mesmo velhas e totalmente desajustadas, estão sempre por trás de certas
práticas. A história, ao contrário do que se pensa, nunca se repete, mas ideias antigas
têm esse péssimo costume de permanecer mais tempo do que seria desejável, ou
recomendável, sobretudo quando se trata de orientar políticas públicas. Desde o início
do novo milênio, o Brasil tem vivido com algumas dessas ideias que parecem ter vindo
de uma outra época, e elas têm influenciado diversas políticas, inclusive a externa.
Este livro apresenta as ideias que estiveram por trás da diplomacia brasileira nas
últimas duas décadas, as boas e as más, e discorre sobre como elas foram aplicadas às
mais importantes questões da política externa brasileira no período. A obra se debruça,
em primeiro lugar, sobre a formulação e a execução da diplomacia brasileira, tanto em
perspectiva histórica, desde sua emergência no século XIX, como no contexto de sua
implementação, nos anos do “nunca antes” . Mas ela também faz, em segundo e mais
importante lugar, uma defesa da diplomacia profissional, encarnada no e pelo Itamaraty,
ao mesmo tempo em que apresenta uma visão crítica e um questionamento quanto aos
resultados efetivos da diplomacia não profissional, implementada nesses tempos não
convencionais, no ambiente regional e no âmbito internacional.
O autor examina as iniciativas diplomáticas implementadas desde os últimos
anos do século precedente e segue as principais mudanças introduzidas desde o início
do atual, registrando as continuidades e enfatizando as rupturas. Ocorreram mudanças
significativas, sobretudo nos processos decisórios e nas preferências políticas, mas
também nas orientações econômicas. O Mercosul, por exemplo, deixou de ser um
espaço integrado de abertura econômica e de liberalização comercial para converter-se
num empreendimento político, guiado mais por preconceitos ideológicos do que por
considerações de natureza econômica, como era sua vocação original. A chamada
diplomacia Sul-Sul tentou mudar as “relações de força no mundo” e inaugurar uma
“nova geografia do comércio internacional”. A busca obsessiva por uma cadeira

290
permanente no Conselho de Segurança da ONU esteve atrás de algumas iniciativas
ambiciosas nestes anos, e algumas menos recomendáveis, como a aproximação com
alguns regimes pouco frequentáveis, na região e alhures.
Ao tratar de todas essas questões, o autor sabe que nada contra a corrente, na
academia ou no ambiente governamental, mas não hesita em defender posições do
Itamaraty, quando constata certas práticas não convencionais que puseram em questão o
respeito e a credibilidade de que ele sempre desfrutou na região e no mundo.

Hartford, 30 de março de 2104.

291
Quinta Parte
Literatura
Contos fantásticos, mas assustadoramente normais

Geraldo Holanda Cavalcanti:


Encontro em Ouro Preto: contos fantásticos
(Rio de Janeiro: Record, 2007, 188 p.)

A maior surpresa destes contos fantásticos do escritor, poeta, tradutor laureado e


diplomata Geraldo Holanda Cavalcanti é a de que eles são, efetivamente, fantásticos, em
qualquer sentido da palavra. Mas, ao mesmo tempo, eles são... assustadoramente normais.
Com isso quero dizer que os contos se situam naquela zona do irreal, ou do surreal,
que povoa nossas mentes, sem deixar, um único segundo, o chão de terra batida que nos liga à
existência cotidiana mais banal do mundo. Ou seja, o fantástico aqui não se prende à
fenômenos paranormais, a seres de outro mundo, a dimensões inexplicáveis da realidade, ou à
intervenção de algum poder externo que atuaria independentemente da vontade dos
personagens, como se vê habitualmente na chamada “literatura fantástica”. Aqui não: estamos
em face de personagens e de situações absolutamente normais, no sentido mais corriqueiro da
palavra, pessoas e casos que poderiam frequentar nosso escritório de trabalho, eventos que
poderiam estar se desenvolvendo nas esquinas do nosso bairro, “coisas”, por vezes prosaicas,
que poderiam ocorrer em nossas próprias vidas. Pessoas, enfim, que poderiam ser nós
mesmos. É a isso que me refiro quando classifico estes “contos fantásticos” de
“assustadoramente normais”.
A rigor, o único “intruso externo” que poderia aproximar um dos contos do termo
fantástico na acepção mais frequente dessa expressão seria a misteriosa força, inexplicável,
que impede o personagem de “O violinista”, detentor de um excelente violino húngaro, de
tocar a Tzigane de Ravel. Neste caso, o violino, não o violinista, mereceria seu
enquadramento na categoria de “fantástico”. De resto, todas as demais situações
inverossímeis, inexplicáveis, surpreendentes, enfim, fantásticas, que povoam estes contos são
absolutamente corriqueiras, até banais, na vida de cada um de nós, mas o resultado é sempre
uma surpresa, sem que se consiga, no começo de cada conto, prever o seu final. Tentei várias
vezes “adivinhar” o que viria a ocorrer com o personagem de cada conto, que geralmente é o
próprio narrador, sem sucesso porém: o final é sempre uma total surpresa, e nisso também
reside o caráter fantástico destes excelentes contos de Geraldo Holanda Cavalcanti.
Esse caráter surpreendente dos contos “semi-fantásticos” do poeta e ensaísta
consagrado faz com que seja difícil largar um conto uma vez iniciada a sua leitura. A chave

295
talvez esteja, precisamente, no fato de que o personagem, salvo uma ou outra exceção, nunca
é alguém externo, mas é sempre o próprio narrador, isto é, nós mesmos, à condição de nos
identificarmos com ele: um cidadão normal, de idade média, trabalhador, viajante, jornalista,
homem de família ou de situação indefinida, mas em todo caso perfeitamente encontrável na
nossa vida diária. Nisso Geraldo Holanda Cavalcanti preenche integralmente os requisitos da
literatura fantástica tal como explicitados por Tzvetan Todorov, que ele coloca em destaque
na abertura de sua coleção de contos: o leitor é obrigado a considerar o mundo dos
personagens como um mundo de criaturas vivas, ele se identifica com um dos personagens,
geralmente o narrador, e ele recusa uma interpretação poética ou alegórica do texto.
Assim, cada uma das situações vividas pelos diversos personagens dos 18 contos aqui
selecionados é, aparentemente, banal, corriqueira e surpreendentemente fantástica. Em vários
casos, tudo pode ter ocorrido apenas na mente do personagem principal, povoada de
“fantasmas” que podem ter efetivamente existido e interagido consigo e com todas as demais
pessoas; em outros casos, os “fatos” ocorreram com outros personagens e o narrador é um
mero espectador do inexplicável, situação essa que se situa, entretanto, inteiramente dentro do
domínio do plausível e do possível.
Contos verdadeiramente fantásticos, acredite caro leitor, não são aqueles que nos
enviam a uma dimensão surreal, geralmente assustadora ou “aterrorizante”, de uma existência
qualquer, eventualmente a nossa própria. Eles são tão mais cativantes quanto despertam em
nós a sensação de que aquilo poderia estar ocorrendo com nós mesmos, numa dessas
situações corriqueiras da vida. E o mais atraente, na escrita de Geraldo Holanda Cavalcanti, é
a fluidez do texto, a palavra atraente e certeira, mesmo quando ela transmite toda a
ambiguidade de uma situação, e suas palavras geralmente o fazem, transmitindo essa situação
de “desconforto” e de “incerteza” com o que pode vir a ocorrer com o personagem principal,
nisso atiçando nossa curiosidade para que logo cheguemos ao final do conto. Eles se leem,
assim, rapidamente, mas a impressão que nos fica é permanente: “caramba!, é verdade, como
é que isso pôde ocorrer?”
Com tudo isso fica a sensação de “quero mais”. A vontade que dá, ao encerrar o livro,
é a de pedir ao autor que continue a nos enfeitiçar com os seus, novos, contos fantásticos,
assustadoramente normais...

Brasília, 16 de fevereiro de 2008.


Publicada em versão resumida na revista Desafios do Desenvolvimento
(Brasília: IPEA, ano 5, n. 41, março 2008, p. 63).

296
Rendas faustianas, punhos wagnerianos...

Resenha-artigo de
Edgard Telles Ribeiro:
O Punho e a Renda
(Rio de Janeiro: Editora Record, 2010, 560 p.; ISBN: 978-85-01-09162-8)

O autor adverte, em sua nota inaugural, que este livro “é obra de ficção”. Acredito.
Mas, como ocorre com certas declarações de diplomatas, talvez se deva dar um desconto em
afirmação tão peremptória, algo como 50% em relação ao seu valor de face. É uma obra de
ficção em grande parte de seu enredo essencial, mas que tem muito de verdade, no que se
refere à fundamentação dos personagens e situações. Trata-se de um “romance” verossímil, de
uma história plausível, com a vantagem de ter sido concebida e modelada por um insider, um
diplomata distinguido, que calha ser também um excelente escritor, autor de vários outros
romances e livros de contos.
Eu começaria dizendo que se trata do “romance” (ou da história real) de uma geração:
a dos diplomatas – os de “punhos de renda” – que atravessaram os anos de chumbo do regime
militar – feito quase só de punhos – e que conseguiram sobreviver, cada qual a seu modo.
Quase todos “sobreviveram”, sem maiores percalços, e os “sacrificados” foram poucos.
Muitos outros brasileiros não sobreviveram, e é isto que interessa, talvez, não tanto ao
Itamaraty, enquanto tal; mas aos brasileiros que saíram da anarquia “democrática” em vigor
no início dos anos sessenta, enfrentaram mais de vinte anos de regime militar, e ainda hoje
tentam entender o que, afinal, aconteceu no Brasil, e na região, durante a longa noite de
regimes autoritários na América Latina.
Mas obra não é exatamente o “romance” de uma geração, ou sequer de toda uma casta
de servidores públicos, o que são, indiscutivelmente, os diplomatas. Trata-se, mais
apropriadamente, de uma “biografia não-autorizada”, talvez goethiana, de uma parte dessa
casta de servidores do Estado, em um dos ministérios mais respeitados da burocracia federal.
Tudo gira em torno de Max, o codinome, se poderia dizer, que se deixa aprisionar pelos novos
tempos e é envolvido em suas tramoias mais sórdidas – quando o Brasil, não contente em
consolidar o domínio autoritário no interior de suas fronteiras, ajudava a “corrigir” os
desmazelos das democracias populistas nos países vizinhos, ali patrocinando golpes militares
violentos. Ele consegue, inclusive, sobreviver à derrocada do regime, sempre apostando nas
“pessoas certas”, nas personalidades influentes (a começar por um beijo no anel do cardeal
brasileiro, pouco antes do golpe de 1964). Max tem um nome ficcional: Marcílio Andrade
297
Xavier. Mas, na verdade, ele é um amálgama de diversos diplomatas que existiram,
realmente, ao longo do regime militar (e mais além...).
O estilo é brilhante, e o leitor atravessa esse “romance-história” sem parar, do começo
ao fim de suas 550 páginas, sempre com o personagem principal no centro ou em surdina ao
enredo. Este é talvez goethiano, mais exatamente faustiano, pelo menos em partes da obra.
Em outras partes, a obra vira um itinerário de descoberta, um pouco como nos romances de
John Le Carré, em que os personagens do submundo da inteligência civil, têm de lidar com
sentimentos e frustrações, com as emoções humanas, aquilo que Graham Greene chamou, em
um dos seus livros, “the human factor”. Parafraseando aquela velha canção sobre os
desafinados, pode-se dizer que os homens de inteligência também têm um coração. Pode até
ser, mas não propriamente Max, que apenas tem como objetivos poder e prestígio, o tempo
todo mirando no futuro, e não apenas no presente de luta surda (e aberta) contra as ameaças
comunistas na América Latina em plena era da Guerra Fria.
O personagem principal aparece como um intelectual brilhante. Ele poderia, assim, ter
tido sucesso apenas fazendo um pouco mais do que recomendaria o estrito dever funcional; ou
então, como muitos outros na carreira, por meio de um desempenho “correto” numa profissão
certamente exigente em qualidades pessoais, mas também marcada por tarefas
aborrecidamente burocráticas na maior parte do tempo; em qualquer hipótese, ele teria tido a
chance de se distinguir no cumprimento de suas “missões” e, dessa forma, ser promovido
antes dos seus colegas de turma.
Max, no entanto, dotado de uma ambição desmedida, acaba fazendo um pacto
faustiano: cercado, ou encurralado, por um manipulador de carreiras, aceita servir ao SNI,
cooperar com a CIA e colaborar com a inteligência britânica, o MI6 (excusez du peu, como
diriam os franceses). Sim, tudo isso por motivações puramente pessoais, sem qualquer desejo
de vingança; menos ainda por amor ao dinheiro ou qualquer outro motivo mais mesquinho.
Apenas um gosto inexplicável por uma vida de dupla, ou tripla, personalidade. Traço de
caráter que, aliás, permanece não explicado ao longo do “romance”, o que acrescenta ao
mistério (e que poderia ter sido explorado psicanaliticamente, como conviria, talvez, nessa
espécie de Bildungsroman).
Todos os personagens têm nomes próprios no “romance”, ainda que ligeiramente
trocados, por simples precaução do autor, como o agente da CIA morto pelos Tupamaros no
Uruguai, por exemplo. Menos o personagem que introduziu Max no submundo da
inteligência brasileira, alegadamente seu chefe em Montevidéu, um antigo embaixador por
demais conhecido (dos mais velhos) na carreira, como um anticomunista profissional, e que
298
deixou dois volumes de memórias até interessantes pela sinceridade com que revelou seus
“golpes” contra os comunistas da carreira e os de fora dela. O “homem da capa preta” fica
sem nome, mas não é difícil descobrir quem seja, e seria até interessante reler, hoje, certas
passagens de suas memórias.
Os diplomatas também se precipitarão sobre alguns currículos de colegas, vivos ou
“desaparecidos”, para saber o quanto existe de coincidências ou de similitudes, em termos de
postos, datas e situações, com colegas que eles possam ter conhecido e que imaginam
“retratados” no romance. Muitos se sentirão frustrados, mais, talvez, pelas não-coincidências
do que por estas, que são todas absolutamente plausíveis, até mesmo possíveis, tomadas
globalmente, ao longo de um itinerário de descobertas muito bem encadeado na competente e
absorvente escrita do autor.
Como especialista em cinema – tendo, aliás, servido duas vezes em Los Angeles e
dado aulas de cinema na UnB – ele traça um roteiro, um script, melhor dizendo, impecável,
com flashbacks e cenas paralelas que prendem a atenção de qualquer leitor, ainda mais se este
for da carreira e estiver interessado em conhecer um pouco mais do submundo em que o
Itamaraty se envolveu durante os chamados anos de chumbo. O personagem Max,
obviamente, confunde os colegas de carreira do autor, pois não corresponde a um diplomata
em particular, mas sim a um “compósito literário”, elaborado a partir daqueles poucos que
atuaram nas sombras e nos cenários cinzentos que marcaram os anos mais duros do regime
militar: poucos desses, aliás, estariam em condições de assumir completamente a figura
faustiana que emerge nesta obra, aspecto que se encontra na trama de alguns grandes
“romances” clássicos.
Curiosamente, é um livro de Thomas Mann que oferece ao MI6 britânico a chave,
involuntária e inconscientemente fornecida por Max, para penetrar nos segredos do programa
nuclear brasileiro, ainda em gestação no início dos anos 1970 – quando o Brasil colaborava
com a CIA na montagem dos golpes militares no Uruguai e no Chile – mas cuja interface
tecnológica alemã já deixava de cabelos em pé os “não-proliferadores” de Washington. Não,
não se trata do Doktor Faustus (que só veio à luz nos anos 1950), mas de uma primeira edição
autografada pelo autor de Der Zauberberg (A Montanha Mágica, publicado pela primeira vez
em 1924), da qual o embaixador em Montevidéu jamais se separava (mas eu deixo esse spy-
catch para os leitores do livro). Este aspecto talvez seja o “detalhe” mais realista – ainda que
ficcional – do “romance”, pois se as perseguições a comunistas há muito ficaram para trás,
determinadas “opções” nucleares continuam rigorosamente atuais (um pouco como uma

299
baleia que emerge de vez em quando para respirar, segundo uma imagem, hors-roman, do
autor).
Hoje, aliás, os perseguidos dos anos 1970 se encontram em grande medida no poder –
alguns até pretendendo se vingar de seus antigos torturadores – e revelações de arquivos
diplomáticos (muito antes do Wikileaks) já demonstraram algumas facetas da colaboração de
diplomatas com os antigos serviços de repressão. Max, quaisquer que sejam suas encarnações
reais, continuou, no romance, atuando nas entrelinhas desses tempos sombrios, sempre com
as cautelas necessárias, para emergir depois, aparentemente impoluto, e se adaptar aos novos
tempos de república dos companheiros. Ele sobreviveu de um jeito ou de outro, até ver os
antigos perseguidos do regime no comando do novo Estado, em uma situação de poder à qual
ele mesmo aspirava chegar, como uma espécie de Santo Graal meritório, por suas grandes
qualidades intelectuais (também reconhecidas pelos agentes da CIA e do MI6).
Diplomatas e leitores externos ficarão perturbados, por diferentes razões, pelo
desenvolvimento geral da trama deste “romance verdadeiro”, que refaz, por assim dizer, o
itinerário dessa geração de diplomatas que teve de conviver, suportar ou então se aproveitar –
no caso de muitos – das novas condições criadas pelo regime militar no Brasil. Ainda não
existe uma história – por algum insider ou por um historiador profissional – de como o
Itamaraty “conviveu” com – e se adaptou a – esses tempos sombrios, embora eu mesmo tenha
tentado reconstituir uma parte da história neste capítulo de um livro coletivo: “Do
alinhamento recalcitrante à colaboração relutante: o Itamaraty em tempos de AI-5”, “Tempo
Negro, temperatura sufocante": Estado e Sociedade no Brasil do AI-5. Sem se lograr,
contudo, a colaboração dos envolvidos, é virtualmente impossível reconstituir as tramas mais
importantes desse período que muitos querem esquecer.
Os próprios diplomatas que viveram esses tempos – o que não foi o meu caso, para
aquela fase precisa da “diplomacia blindada”, digamos assim – ainda não escreveram sobre
isso e duvido que venham a empreender a dolorosa tarefa de falar sobre as pequenas e grandes
misérias do período. Que Edgard Telles Ribeiro o tenha feito – ainda que sob a forma de um
“romance verdadeiro” – oferece uma prova de sua coragem, depois de tantos romances e
livros de contos, em lançar-se no que poderia ser chamado de “revisão intelectual” de alguns
dos personagens mais emblemáticos do ancien régime militar.
Um livro perturbador para uns e outros da carreira, certamente curioso, ou mais do que
isso, para os de fora, em todo caso inédito para os padrões reservados ou circunspectos da
Casa de Rio Branco. Os interessados na História, a real, tentarão estabelecer onde termina a
realidade e onde começa a ficção; uma separação muito difícil de se fazer, dado o próprio
300
envolvimento do autor com alguns dos que “colaboraram” – involuntariamente, por certo –
para a montagem do personagem principal. Algum psicanalista talvez diga que a obra
representou a forma de seu autor “matar” uma parte de seu passado, o que também é legítimo,
sobretudo para os que viveram intensa e preocupadamente aqueles anos de escolhas difíceis e
de futuros incertos. Nem todos os “sobreviventes” o fizeram com tanta dignidade e
honestidade intelectual quanto o autor deste “romance”.
Para todos nós, leitores, o importante é saber que o “romance” – quaisquer que sejam
suas partes de verdade e ficção – nos prende do começo ao fim, tão absorvedora é a “história”
e tão cativantes são a escrita e o estilo do autor: dá para ler, em menos de 24 horas, uma trama
de meio século...

Brasília, 8 fevereiro 2011.


Publicada na Revista de Economia e Relações Internacionais
(FAAP-SP; vol. 10, n. 19, julho de 2011, p. 183-186; ISSN: 1677-4973).
Divulgado em versão reduzida, sob o título “Diplomacia de capa e espada?” no Boletim ADB
(ano 17, n. 72, janeiro-fevereiro-março de 2011, p. 29-30).

301
Apêndices
Complemento de informação sobre
outros trabalhos de Paulo Roberto de Almeida

(A) Lista não exaustiva de ensaios publicados sobre relações


internacionais e sobre política externa do Brasil
(incluindo capítulos de livros; na ordem cronológica inversa de publicação)

Em publicação:
2636. “O FMI e o Brasil: encontros e desencontros em 70 anos de história”, Hartford, 30
julho 2014, 24 p. Itinerário histórico do FMI, desde Bretton Woods, e seguimento dos
acordos feitos pelo Brasil, com ênfase nas diferentes fases das políticas econômicas.
Para a revista FGV-Direito, sob o título de “O Brasil e o FMI desde Bretton Woods: 70
anos de História”.

2600. “Brasil no Brics”, Hartford, 16 Abril 2014, 33 p. Contribuição à obra: Jorge Tavares
da Silva (ed.), Brics e a Nova Ordem Internacional, a ser publicada em Portugal (Mare
Liberum).

Publicados (lista seletiva):


1146. “Política Externa e Diplomacia Partidária no Brasil atual”, Revista InterAção (Santa
Maria: UFSM, v. 6, n. 6, 2014, link: http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-
2.2.2/index.php/interacao/article/download/8-23/9653; Academia.edu:
https://www.academia.edu/9037570/2683_Pol%C3%ADtica_Externa_e_Diplomacia_P
artid%C3%A1ria_no_Brasil_Atual_2014_). Relação de Originais n. 2683.

1139. “Integração econômica na bacia do Pacífico: características e perspectivas, numa


visão comparativa com a América Latina”, Revista Espaço da Sophia (ano V, n. 50,
julho-dezembro 2014; ISSN online: 1981-318X; ISSN impresso: 2179-9849; link:
http://espacodasophia.com.br/revista-nova/integrao-econmica-na-bacia-do-pacfico-
caractersticas-e-perspectivas-numa-viso-comparativa-com-a-amrica-latina/). Publicado
na versão original na revista Geografia (São Paulo: Saraiva, setembro 2014, p. 48-57).
Relação de Originais n. 2605.

1132. “Integração Regional e Políticas Comerciais na América Latina”, Sapientia (São


Paulo: ano 3, n. 18, junho-julho 2014, p. 31-36; disponível no link:
http://www.cursosapientia.com.br/images/revista/edicao18.pdf). Relação de Originais n.
2606.

1129. “Mercosul, do otimismo à resignação”, Boletim de Economia e Política Internacional


(Ipea: n. 16, jan.-abr. 2014, p. 43-56; ISSN: 2176-9915; link:
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/boletim_internacional/140512_bolet
im_internacional016.pdf). Relação de originais n. 2568.

1125. « Géoéconomie du Brésil : un géant empêtré? », Géoéconomie (n. 68, Février 2014,
p. 102-115; ISSN : 1284-9340). Disponível no site Academia.edu (link :
https://www.academia.edu/attachments/32816791/download_file). Divulgado no blog
303
Diplomatizzando (22/01/2014 ; link :
http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/01/geoeconomie-du-bresil-um-geant-
empetre.html). Relação de Originais n. 2546.

1118bis. “Sovereignty and Regional Integration in Latin America: a political conundrum?”,


Contexto Internacional (Rio de Janeiro: IRI-PUC-Rio, Rio de Janeiro, vol. 35, n. 2,
julho-dezembro 2013, p. 471-495, ISSN: 0102-8529 (print); 1982-0240 (online); link:
http://contextointernacional.iri.puc-rio.br/). Relação de Originais n. 2516.

1118. “Renato Mendonça: um pioneiro da história diplomática do Brasil”, In: Renato


Mendonça: História da Política Exterior do Brasil (1500-1825): Do período colonial
ao reconhecimento do Império (Brasília: Funag, 2013, 248 p., p. 11-44; ISBN 978-85-
7631-468-4; disponível na Funag: http://funag.gov.br/loja/download/1071-
historia_da_politica_exterior_do_brasil.pdf; disponível no link:
https://www.academia.edu/attachments/32626832/download_file. Relação de Livros em
Colaboração n. 105. Relação de Originais n. 2529.

1110. “Oswaldo Aranha: na continuidade do estadismo de Rio Branco” (com João Hermes
Pereira de Araújo), in: José Vicente Pimentel (org.), Pensamento Diplomático
Brasileiro: Formuladores e Agentes da Política Externa (1750-1964). Brasília: Funag,
2013, 3 vols.; ISBN 978-85-7631-462-2; vol. 3, p. 667-711 (obra completa disponível
em formato zipado no site da Funag:
http://funag.gov.br/loja/download/pensamento_diplomatico_brasileiro.zip; vol. 3
disponível no link:
https://www.researchgate.net/publication/258499131_Pensamento_Diplomtico_Brasilei
ro_Parte_3_COMPLETA). Relação de Livros em Colaboração n. 102. Relação de
Originais n. 2502.

1108. “Brazil-USA relations during the Fernando Henrique Cardoso governments”, In:
Munhoz, Sidnei J.; Silva, Francisco Carlos Teixeira da (editors). Brazil-United States
Relations: XX and XXI centuries. Maringá: Eduem, 2013, 460 p.; ISBN: 978-85-7628-
532-8; capítulo 7, p. 217-246; disponível no link:
https://www.academia.edu/attachments/32626974/download_file. Relação dos Livros
em Colaboração n. 100. Relação de Originais n. 2493.

1104. “Perspectivas do Mercosul ao início de sua terceira década”, In: Elisa de Sousa
Ribeiro (coord.), Direito do Mercosul. Curitiba: Editora Appris, 2013, 683 p.; ISBN:
974-85-8192-208-9; cap. 33, p. 661-676. Relação de Livros em Colaboração n. 99.
Relação de Originais n. 2351.

1102. “O desenvolvimento do Mercosul: progressos e limitações”, In: Elisa de Sousa


Ribeiro (coord.), Direito do Mercosul. Curitiba: Editora Appris, 2013, 683 p.; ISBN:
974-85-8192-208-9; cap. 3, p. 71-92. Relação de Livros em Colaboração n. 97. Relação
de Originais n. 2258.

1101. “O Mercosul no contexto da integração regional latino-americana”, In: Elisa de Sousa


Ribeiro (coord.), Direito do Mercosul. Curitiba: Editora Appris, 2013, 683 p.; ISBN:
974-85-8192-208-9; cap. 2, p. 51-69. Relação de Livros em Colaboração n. 96. Relação
de Originais n. 2422.

304
1098. “Brazilian trade policy in historical perspective: constant features, erratic behavior”,
Revista Brasileira de Direito Internacional – Brazilian Journal of International Law
(vol. 10, n. 1, 2013, número especial: Direito Internacional Econômico; p. 11-26;
doi:10.5102/rdi.v10i1.2393; ISSN: 2236-997X (impresso) - ISSN 2237-1036 (on-line);
link:
http://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/index.php/rdi/article/view/2393/pdf).
Relação de Originais n. 2488.

1089. “Memórias do Barão do Rio Branco”, Digesto Econômico (ano 68, n. 471, janeiro-
fevereiro 2013, p. 76-85; ISSN: 0101-4218). Relação de Originais n. 2346, 2367 e 2375.

1088. “A política externa das relações Sul-Sul: um novo determinismo geográfico?”, Revista
Espaço da Sophia (vol. 6, n. 47, janeiro-junho 2013, p. 163-188; ISSN versão online:
1981-318X; link: http://www.espacodasophia.com.br/revista/). Relação de Originais n.
2425.

1085. “Uma grande estratégia para o Brasil: elementos propositivos”, Monções: Revista de
Relações Internacionais da UFGD (MS: Universidade Federal da Grande Dourados; vol.
1, n. 2, jul.-dez. 2012, p. 40-51; Dossiê: “O Brasil no mundo: a política externa
brasileira em debate”; ISSN: 2316-8323; link:
http://www.periodicos.ufgd.edu.br/index.php/moncoes/article/view/1950; pdf:
http://www.periodicos.ufgd.edu.br/index.php/moncoes/article/view/1950/1333).
Relação de Originais n. 2418.

1084. “A economia do Brasil nos tempos do Barão do Rio Branco”, In: GOMES PEREIRA,
Manoel (Org.): Barão do Rio Branco: 100 anos de memória. Brasília: Funag, 2012, 748
p.; ISBN: 978-85-7631-413-4; p. 523-563. Relação de Livros em Colaboração n. 94.
Relação de Originais n. 2372.

1078. “Brasil”. In: Malamud, Carlos (coord.). Ruptura y Reconciliación: España y el


reconocimiento de las independencias latinoamericanas (Madrid: Ed. Taurus y
Fundación Mapfre, 2012, 402 p.; Serie Recorridos n. 1; América Latina en la Historia
Contemporánea; p. 199-212; ISBN: 978-84-306-0940-6 (Taurus); 978-84-9844-392-9
(Mapfre); link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/MalamudEspana2012.html).
Relação de Livros em Colaboração n. 92. Relação de Originais n. 2112.

1077. “Processos decisórios no âmbito da política externa do Brasil”, Revista Porto (Natal:
Programa de Pós-Graduação em História da UFRN; vol. 1, n. 2, 2012, p. 24-43; ISSN:
2237-8510; link: http://periodicos.ufrn.br/index.php/porto/article/download/2196/1612).
Relação de Originais n. 2369.

1075. “A economia política da integração regional latino-americana: uma visão ultrarrealista


do estado da arte institucional”, Revista do Instituto do Direito Brasileiro - RIDB
(Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; ano 1, n. 8º, 2012, p. 4489-4523;
ISSN: 2182-7567; link: http://www.idb-
fdul.com/uploaded/files/2012_08_4489_4523.pdf). Relação de Originais n. 2402.

1071. “La grande marche en arrière de l’Amérique Latine”, BJIR – Brazilian Journal of
International Relations (vol. 1, n. 2, 2012, p. 8-37; ISSN: 2237-7743; link:
305
http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/bjir/article/viewFile/2414/1992).
Relação de Originais n. 2381.

1065. “Une prospective du Brésil: vers 2022”, Diplomatie: Affaires Stratégiques et


Relations Internationales (Paris: Les Grands Dossiers de Diplomatie n. 8, avril-mai
2012, ISSN: 2115-256X; p. 90-95; link: http://www.diplomatie-presse.com/?p=4675).
Relação de Originais n. 2371.

1064. “Os Brics na nova conjuntura de crise econômica mundial”, Espaço da Sophia (vol.
45, n. 1, janeiro-junho 2012, ISSN: 1981-318X; p. 111-123; link:
http://www.espacodasophia.com.br/revista/edicoes-anteriores/edicao-45.html). Relação
de Originais n. 2325.

1063. “A economia política da velha Guerra Fria e a nova “guerra fria” econômica da
atualidade: o que mudou, o que ficou?”, Revista da Escola de Guerra Naval (Rio de
Janeiro: vol. 17 n°2, Dezembro de 2011, p. 7-28; ISBN: 1809-3191; link:
https://www.egn.mar.mil.br/arquivos/revistaEgn/novaRevista/pagina_revista/n17_2/_ed
icao17_2.pdf). Relação de Originais n. 2306.

1062. “A diplomacia da era Lula: balanço e avaliação”, revista Política Externa (vol. 20. N.
3, Dez./Jan./Fev. 2011-2012, p. 95-114; link:
http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/2344DiplomEraLulaBalRevPolitcaExterna.pdf).
Relação de Originais n. 2344.

1060. “Attraction and Repulsion: Brazil and the American world”, in: Clark, Sean and
Sabrina Hoque (eds.). Debating a Post-American World: What Lies Ahead? (London:
Routledge, 2011, 288 p.; ISBN-10: 0415690552; ISBN-13: 978-0415690553, p. 135-
141; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/PostAmericanWorld.html). Relação
de Livros em Colaboração n. 90. Relação de Originais n. 2128.

1052. “A política comercial do Brasil no contexto internacional, 1889-1945”, Revista


História e Economia (vol. 8, n. 1, 1o. semestre de 2011, p. 59-78; ISSN: 1808-5318).
Relação de Originais n. 1991.

1050bis. “História do Mercosul (2): crise e perspectivas no século XXI”, Revista Espaço da
Sophia (ano 5, n. 44, outubro-dezembro 2011, p. 143-170; versão online: ISSN: 1981-
318X; link: http://www.espacodasophia.com.br/revista/edicoes-anteriores/edicao-
44.html). Relação de Originais n. 2258.

1050. “História do Mercosul: origens e desenvolvimento”, Revista Espaço da Sophia (ano 5,


n. 43, julho-setembro 2011; versão online: ISSN: 1981-318X; link:
http://www.espacodasophia.com.br/revista/edicoes-anteriores/edicao-43.html). Relação
de Originais n. 2258.

1043. “Onze de Setembro, dez anos: recepção no mundo, reações no Brasil”, Revista Espaço
Acadêmico, dossiê especial Onze de Setembro (ano 11, n. 124, setembro de 2011, p. 21-
26; ISSN: 1519-6186, link:
http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/14042/773
1). Relação de Originais n. 2290.
306
1039. “As relações Brasil-Estados Unidos durante os governos FHC”, in: Sidnei J. Munhoz
e Francisco Carlos Teixeira da Silva (orgs.), Relações Brasil-Estados Unidos: séculos
XX e XXI (Maringá: Editora da UEM, 2011, 576 p.; ISBN: 978-85-7628-372-0; p. 273-
307; link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/RelaBrEUA2011.html).
Relação de Livros em Colaboração n. 89. Relação de Originais n. 1413.

1036. “Seria o Mercosul reversível?: Especulações teóricas sobre trajetórias alternativas


concretas”, Revista Universitas Relações Internacionais (vol. 9, n. 1, jan.-jun. 2011, p.
39-71; DOI: 10.5102/uri.v9i1.1360; ISSN: 1807-2135; link:
http://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/index.php/relacoesinternacionais/article/
view/1360/1288). Relação de Originais n. 2247.

1034. “A Estratégia Nacional de Defesa e a Unasul: afinidades pouco eletivas”, Anais da IV


ENABED (Brasília 2010; Seção Temática 5: A Comunidade Sul-Americana na Área
dos Estudos Estratégicos; disponível em arquivo zipado no site da ABED, link:
http://www.abedef.org/2013-01-17-11-51-56/encontrosnacionais2/2010-brasilia).
Relação de Originais. 2151.

1033. “Uma história do Mercosul (2): desvio dos objetivos primordiais”, Revista Espaço
Acadêmico (vol. 10, n. 120, maio 2011, p. 112-117; ISSN: 1519-6186; link, link:
http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/13250/697
6). Relação de Originais n. 2258.

1028. Uma história do Mercosul (1): do nascimento à crise”, Revista Espaço Acadêmico
(vol. 10, n. 119, abril 2011, p. 106-114; ISSN: 1519-6186; link:
http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/13086/686
4). Relação de Originais n. 2247 e partes do trabalho n. 2258.

1024. “Continuidade e Mudança na Política Externa Brasileira”, Mundorama (01.04/2011;


link: http://mundorama.net/2011/04/01/continuidade-e-mudanca-na-politica-externa-
brasileira-por-paulo-roberto-de-almeida/). Relação de Originais n. 2259.

1023. “Formação de uma estratégia diplomática: relendo Sun Tzu para fins menos
belicosos”, Espaço Acadêmico (ano 10, n. 118, março 2011, p. 155-161; ISSN: 1519-
6186; link:
http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/12696/671
4). Relação de Originais n. 2251.

1013. “Never Before Seen in Brazil: Luis Inácio Lula da Silva’s grand diplomacy”, Revista
Brasileira de Política Internacional (vol. 53, n. 2, 2010, p. 160-177; ISSN: 0034-7329;
link: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
73292010000200009&lng=en&nrm=iso&tlng=en; arquivo em pdf:
http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v53n2/09.pdf). Relação de Originais n. 2207.

1012. “A diplomacia brasileira numa nova conjuntura política”, Boletim Mundorama (n. 40,
Dezembro 2010; 29.12.2010; link: http://mundorama.net/2010/12/29/a-diplomacia-
brasileira-numa-nova-conjuntura-politica-por-paulo-roberto-de-
almeida/?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed:+Mundo
rama+%28Mundorama). Relação de Originais n. 2226.
307
1005. “Qual a melhor política externa para o Brasil?: algumas preferências pessoais”,
Ordem Livre (8 de novembro de 2010; da série: Volta ao mundo em 25 ensaios: 22;
link: http://ordemlivre.org/posts/qual-a-melhor-politica-externa-para-o-brasil-algumas-
preferencias-pessoais). Relação de Originais n. 2096.

998. “La diplomatie de Lula (2003-2010): une analyse des résultats”, In: Denis Rolland,
Antonio Carlos Lessa (coords.), Relations Internationales du Brésil: Les Chemins de La
Puissance; Brazil’s International Relations: Paths to Power (Paris: L’Harmattan, 2010,
2 vols; vol. I: Représentations Globales – Global Representations, p. 249-259; ISBN:
978-2-296-13543-7; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/113RollandLessaBresilPuissance.ht
ml). Postado no blog Diplomatizzando
(http://diplomatizzando.blogspot.com/2010/10/relations-internationales-du-bresil.html).
Relação de Livros em Colaboração n. 88. Relação de Originais n. 2184.

991. “Pensamento e ação da diplomacia de Lula: uma visão crítica”, revista Política Externa
(vol. 19, n. 2, set.-out.-nov. 2010, p. 27-40; ISSN: 1518-6660). Postado no blog
Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2010/09/pensamento-e-
acao-da-diplomacia-de-lula.html). Relação de Originais n. 2168.

978. “Política exterior: potencia regional o actor global”, In: “Brasil Emerge”, Vanguardia
Dossier (Barcelona: La Vanguardia, número 36, Julio-Septiembre, año 2010, p. 68-72;
ISSN: 1579-3370; link:
http://www.lavanguardia.com/internacional/20100701/54258722222/brasil-emerge-
vanguardia-dossier.html). Relação de Originais n. 2134.

967. “O Bric e a substituição de hegemonias: um exercício analítico (perspectiva histórico-


diplomática sobre a emergência de um novo cenário global)”, In: Renato Baumann
(org.): O Brasil e os demais BRICs: Comércio e Política (Brasília: CEPAL-Escritório
no Brasil/IPEA, 2010, 180 p.; ISBN: 85-781-1046-3), p. 131-154; disponível no site
pessoal (link: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/2077BricsHegemoniaBook.pdf).
Relação de Livros em Colaboração n. 86. Relação de Originais n. 2077.

943. “The diplomacy of Lula’s government: Political foundations and agenda priorities”,
IPRIS Lusophone Countries Bulletin (Lisbon: Portuguese Institute of International
Relations and Security–IPRIS; December 2009, n. 2, p. 3-4; links:
http://www.ipris.org/php/download.php?fid=27). Postado no blog Diplomatizzando
(23.12.2010; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2010/12/lulas-diplomacy-
publicado-em-2009.html). Relação de Originais n. 2068.

938. “Oliveira Lima e a Diplomacia Brasileira no Início da República”, revista Historia


Actual Online (Editor: Asociación de Historia Actual; n. 19, Primavera 2009, p. 97-108;
ISSN: 1696-2060; link: http://www.historia-
actual.org/Publicaciones/index.php/haol/article/view/301/289). Relação de Originais n.
991.

937. “Evolução do regionalismo econômico e político da América do Sul: dilemas atuais e


perspectivas futuras”. In: Danilo Nolasco Cortes Marinho (org.). Brasil e América
Latina: colaboração e conflito (São Paulo: Francis, 2009, 152 p.; ISBN: 978-85-89362-
308
98-6; p. 35-94; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/UGTbookAmLat2009.html).
Relação de Originais n. 1927.

936. “L’intégration de l’Amérique du Sud: une perspective historique et un bilan”. In:


Christian Girault (éd.). Intégrations em Amérique du Sud (Paris: Presses Sorbonne
Nouvelle, 2009, 286 p.; ISBN: 978-2-87854-473-2; p. 23-37; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/Integration2009.html). Relação de
Livros em Colaboração n 83. Relação de Originais n. 1972.

935. “Brazil in the International Context at the First Decade of the 21st Century: Regional
Leadership and Strategies for Integration” In: Joam Evans (org.), Brazilian Defence
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532. “O desenvolvimento na era da globalização” [Resenha do livro organizado por Mônica


Teresa Costa Sousa Cherem e Roberto Di Sena Júnior, Comércio Internacional e
Desenvolvimento: uma perspectiva brasileira (São Paulo: Editora Saraiva, 2004, 216 p.;
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Trabalhos n. 1237.

317
464. “Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula”, Revista Brasileira
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456. “Interessa ao Brasil uma taxa sobre os movimentos de capitais?”, Meridiano 47:
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Brasileiro de Relações Internacionais; ISSN: 1518-1219; nº 47, junho 2004, p. 12-15).
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Enciclopédia de Guerras e Revoluções do Século XX - As Grandes Transformações do
Mundo Contemporâneo: Conflitos, Cultura e Comportamento (Rio de Janeiro: Campus,
2004. 963p., ISBN 8535214062, p. 633-634; link:
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Conflitos, Cultura e Comportamento (Rio de Janeiro: Campus, 2004. 963p., ISBN 85-
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448. “OEA (Organização dos Estados Americanos)”, in SILVA, Francisco Carlos


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http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/70EnciclopediaSecXX.html).
Relação de Originais n. 764.

318
447. “Brasil-Estados Unidos (Relações Bilaterais)”, in SILVA, Francisco Carlos
Teixeira da (org.). Enciclopédia de Guerras e Revoluções do Século XX - As Grandes
Transformações do Mundo Contemporâneo: Conflitos, Cultura e Comportamento (Rio
de Janeiro: Campus, 2004. 963p., ISBN 85-352-1406-2, p. 94-96; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/70EnciclopediaSecXX.html).
Relação de Trabalhos n. 771.

441. “A relação do Brasil com os EUA: de FHC-Clinton a Lula-Bush”, capitulo 9 (Parte IV:
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http://www.pralmeida.org/htmlLivros/2FramesBooks/68ReformaBr2004.html). Relação
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ISSSN 1518-1219, n. 42-43, janeiro-fevereiro 2004, p. 11-14); Republicado na revista
Achegas (Rio de Janeiro: nº 17, 12 de maio de 2004; ISSN 1677-8855; link:
http://www.achegas.net/numero/dezessete/paulo_r_a_17.htm). Relação de Trabalhos n.
1227.

434. “O primeiro acordo a gente nunca esquece: O novo Brasil e primeiro acordo soberano
com o velho FMI”, Revista Espaço Acadêmico (Ano III, n. 32, janeiro de 2004; link:
http://www.espacoacademico.com.br/032/32pt_pra.htm; ISSN: 1519-6186). Relação de
Trabalhos n. 1154.

440. “A Alca e o interesse nacional brasileiro: doze questões em busca de um debate


racional”, in Wagner Rocha D’Angelis (org.), Direito Internacional do Século XXI:
integração, justiça e paz (Curitiba: Ed. Juruá, 2003, 388p.; pp. 127-154). Relação de
livros em colaboração n. 36. Relação de Trabalhos n. 1086.

428. “O Brasil e o terrorismo: o atentado contra o escritório da ONU em Bagdá e as


reações no Brasil”, revista Espaço Acadêmico (Maringá: n. 28, setembro 2003; ISSN:
1519.6186; link: www.espacoacademico.com.br/028/28pra.htm). Relação de Trabalhos
n. 1100.

423. “O Mercosur e a crise: ¿que facer?”, revista galega Tempo Exterior, revista de análise e
estudios internacionales (Baiona: IGADI - Instituto Galego de Análise e
Documentación Internacional; vol. IV, nº 6, Xaneiro-Xuño 2003, pp. 111-122: link:
http://www.igadi.org/arquivo/pdf/te_se06/te18_6_111paulo_roberto_almeida.pdf).
Relação de Trabalhos n. 1009.

422. “A política internacional do Partido dos Trabalhadores: da fundação do partido à


diplomacia do governo Lula”, revista Sociologia e Política (Curitiba: UFPR; ISSN:
0104-4478; n. 20 junho 2003, pp. 87-102; Dossiê Relações internacionais; disponível na
página do Scielo (http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n20/n20a8.pdf). Relação de Trabalhos
n. 1009.

319
420. “O Brasil e o FMI de 1944 a 2002: um relacionamento feito de altos e baixos”, Revista
Brasileira de História (v. 1, n. 1, julho de 2003, Associação Nacional de História,
ANPUH; ISSN: 0102-0188). Relação de Trabalhos n. 1003.

408. “O Brasil como sócio menor da globalização: insuficiente interdependência econômica


e pequena participação comercial”, Revista de Economia e de Relações Internacionais
(São Paulo: Fundação Armando Alvares Penteado; ISSN: 1677-4973; vol. 1, nº 2,
janeiro-junho 2003, pp. 5-17; Link: http://www.faap-
mba.br/revista_faap/rel_internacionais/socio.htm). Relação de Trabalhos n. 920.

406. “Mercosul e Alca na perspectiva do Brasil: uma avaliação política sobre estratégias de
atuação diplomática”, in Wagner Menezes (org.), O Direito Internacional no Cenário
Contemporâneo (Curitiba: Editora Juruá, 2003, ISBN 85-362-0281-5, 326 p.), pp. 199-
215. Relação de Trabalhos n. 798.

404. “As relações econômicas internacionais do Brasil na primeira fase da era republicana
(1889-1945)” in Estevão Chaves de Rezende Martins (org.), Relações Internacionais:
Visões do Brasil e da América Latina (Brasília: Instituto Brasileiro de Relações
Internacionais, 2003; ISBN: 85-88270-11-0; coleção “Relações Internacionais”, vol. 9,
pp. 153-186), em homenagem ao Prof. Amado Luiz Cervo Relação de Trabalhos n. 838.

396. “O Brasil e o FMI: meio século de idas e vindas”, Meridiano 47: boletim de análise de
conjuntura em relações internacionais (Brasília: ISSN: 1518-1219, nº 32-33, março-
abril 2003, p. 17-18). Relação de Trabalhos n. 999.

393. “O Brasil e o sistema de Bretton Woods: instituições e políticas em perspectiva


histórica, 1944-2002”, in Valério Mazzuoli e Roberto Luiz Silva (orgs.), O Brasil e os
acordos econômicos internacionais: perspectivas jurídicas e econômicas à luz dos
acordos com o FMI (São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003; ISBN: 85-203-
2318-9, p. 30-64). Relação de Trabalhos n. 882.
(...)

Para a lista completa de trabalhos publicados, ver este link:


http://www.pralmeida.org/02Publicacoes/00Publicacoes.html

Para uma lista dos trabalhos originais (incluindo não publicados), ver este link:
http://www.pralmeida.org/03Originais/00originais.html

A grande maioria encontra-se disponibilizada na plataforma Academia.edu:


https://uniceub.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida/

Listagem elaborada em 2/11/2014.

320
(B) Livros Próprios Paulo Roberto de Almeida

23) Polindo a Prata da Casa: mini-resenhas de livros de diplomatas (Amazon Digital


Services: Kindle edition, 2014, 151 p. 484 KB; ASIN: B00OL05KYG; disponível na
Amazon; link: http://www.amazon.com/dp/B00OL05KYG; e na plataforma
Academia.edu; link:
https://www.academia.edu/8815100/23_Polindo_a_Prata_da_Casa_mini-
resenhas_de_livros_de_diplomatas_2014_). Prefácio e Sumário disponíveis no blog
Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/10/mini-resenhas-de-
livros-de-diplomatas.html). Relação de Originais n. 2693. Relação de Publicados n. 1145.

22) Prata da Casa: os livros dos diplomatas (book reviews; Edição de Autor; Versão de:
16/07/2014, 663 p.); (Academia.edu, link:
https://www.academia.edu/5763121/Prata_da_Casa_os_livros_dos_diplomatas_Edicao_d
e_Autor_2014_). Relação de Originais n. 2533. Relação de Publicados n. 1136.

21) Nunca Antes na Diplomacia...: A política externa brasileira em tempos não


convencionais (Curitiba: Editora Appris, 2014, 289 p.; ISBN: 978-85-8192-429-8);
Hartford, 30 março 2104, 312 p. Relação de Originais n. 2596. Relação de Publicados n.
1133. (Academia.edu, link:
https://www.academia.edu/6999273/21_Nunca_Antes_na_Diplomacia_a_politica_extern
a_brasileira_em_tempos_nao_convencionais)

20) O Príncipe, revisitado: Maquiavel para os contemporâneos (Hartford, 8 Setembro 2013,


226 p. Revisão atualizada do livro de 2010) Publicado em formato Kindle (disponível:
http://www.amazon.com/dp/B00F2AC146). (Academia.edu, link:
https://www.academia.edu/5547603/20_O_Principe_revisitado_Maquiavel_para_os_cont
emporaneos_2013_Kindle_edition). Relação de Originais n. 2512; Relação de Publicados
n. 1111.

19) Integração Regional: uma introdução (São Paulo: Saraiva, 2013, 174 p.; ISBN: 978-85-
02-19963-7; site da Editora:
http://www.saraivauni.com.br/Obra.aspx?isbn=9788502199637). Relação de Originais
ns. 2996, 2998, 2300, 2303, 2304, 2313, 2316, 2317, 2373, 2383, 2431, 2438 e 2449.
Divulgado no blog Diplomatizzando (link:
http://diplomatizzando.blogspot.com/2013/04/integracao-regional-novo-livro-
enfim.html). (Academia.edu, link:
https://www.academia.edu/attachments/32644653/download_file). Relação de Publicados
n. 1093.

18) Relações internacionais e política externa do Brasil: a diplomacia brasileira no contexto


da globalização (Rio de Janeiro: LTC, 2012, 309 p.; ISBN 978-85-216-2001-3; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/RelaIntPExt2011.html).
(Academia.edu, link: https://www.academia.edu/attachments/32642402/download_file).
Relação de Originais n. 2280. Relação de Publicados n. 1058.

17) Globalizando: ensaios sobre a globalização e a antiglobalização (Rio de Janeiro: Lumen


321
Juris Editora, 2011, xx+272 p.; Inclui bibliografia; ISBN: 978-85-375-0875-6; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/107Globalizando.html).
(Academia.edu, link: https://www.academia.edu/attachments/32642383/download_file).
Relação de Originais n. 2130. Relação de Publicados n. 1044.

16) O Moderno Príncipe (Maquiavel revisitado) (versão impressa: edições do Senado Federal
volume 147: Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2010, 195 p.; ISBN: 978-85-
7018-343-9; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/95MaquiavelRevisitado.html).
(Academia.edu, link: https://www.academia.edu/attachments/32642375/download_file).
Relação de Originais n. 1804. Relação de Publicados n. 1014.

15) O Moderno Príncipe: Maquiavel revisitado (Rio de Janeiro: Freitas Bastos, edição
eletrônica, 2009, 191 p.; ISBN: 978-85-99960-99-8; R$ 12,00; disponível para aquisição
no seguinte link: http://freitasbas.lojatemporaria.com/o-moderno-principe.html).
Anunciado no site pessoal (link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/95maquiavelrevisitado.html) e no
blog Diplomatizzando (21.12.2009; link:
http://diplomatizzando.blogspot.com/2009/12/1591-novo-livro-pra-o-moderno-
principe.html), com livre disponibilidade do Prefácio, da Dedicatória, da carta a
Maquiavel e das Recomendações de Leitura. (Academia.edu, link:
https://www.academia.edu/5546980/15_O_Moderno_Principe_Maquiavel_revisitado_20
09_e-pub). Relação de Originais n. 1804. Relação de Publicados n. 940.

14) O Estudo das Relações internacionais do Brasil: um diálogo entre a diplomacia e a


academia (Brasília: LGE Editora, 2006, 385 p.; ISBN: 85-7238-271-2; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/93EstudoRelaIntBr2006.html).
(Academia.edu, link: https://www.academia.edu/attachments/32642184/download_file).

13) Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no


Império (2ª edição; São Paulo: Editora Senac, 2005, 680 pp., ISBN: 85-7359-210-9; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/80FDESenac2005.html).
(Academia.edu, link: http://www.academia.edu/attachments/32642332/download_file).

12) Relações internacionais e política externa do Brasil: história e sociologia da diplomacia


brasileira (2ª ed.: revista, ampliada e atualizada; Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004,
440 p.; coleção Relações internacionais e integração nº 1; ISBN: 85-7025-738-4; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/74UFRGS2004.html).
(Academia.edu, link: https://www.academia.edu/attachments/32642325/download_file).

11) A Grande Mudança: consequências econômicas da transição política no Brasil (São


Paulo: Editora Códex, 2003, 200 p.; ISBN: 85-7594-005-8; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/58GrdeMudanca.html).
(Academia.edu, link:
https://www.academia.edu/5546940/11_A_Grande_Mudanca_consequencias_economica
s_da_transicao_politica_no_Brasil_2003_).

10) Une histoire du Brésil: pour comprendre le Brésil contemporain (avec Katia de Queiroz
Mattoso; Paris: Editions L’Harmattan, 2002, 142 p.; ISBN: 2-7475-1453-6; link:

322
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/48HistoireBresil2002.html).
(Academia.edu, link: https://www.academia.edu/attachments/32642309/download_file).

09) Os primeiros anos do século XXI: o Brasil e as relações internacionais contemporâneas


(São Paulo: Editora Paz e Terra, 2002, 286 p.; ISBN: 85-219-0435-5; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/45SeculoXXI2002.html).
(Academia.edu, link: https://www.academia.edu/attachments/32642303/download_file).

8) Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no


Império (São Paulo: Editora Senac, 2001, 680 pp., ISBN: 85-7359-210-9; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/44FDESenac2001.html).
(Academia.edu, link: http://www.academia.edu/attachments/32642297/download_file).

7) Le Mercosud: un marché commun pour l’Amérique du Sud, Paris: L’Harmattan, 2000, 160
p.; ISBN: 2-7384-9350-5; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/40Mercosud2000.html).
(Academia.edu, link: https://www.academia.edu/attachments/32642281/download_file).

6) O estudo das relações internacionais do Brasil (São Paulo: Editora da Universidade São
Marcos, 1999, 300 p.; ISBN: 85-86022-23-3; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/31EstudoRelaIntBr1999.html).
(Academia.edu, link:
https://www.academia.edu/5546888/06_O_estudo_das_relacoes_internacionais_do_Brasi
l_1999_).

5) O Brasil e o multilateralismo econômico (Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, na


coleção “Direito e Comércio Internacional”, 1999, 328 p.; ISBN: 85-7348-093-9; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/30Multilateralismo1999.html).
(Academia.edu, link: http://www.academia.edu/attachments/32642262/download_file).

4) Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (São Paulo: Editora Juarez
de Oliveira, 1999, 96 p.; ISBN: 85-7441-022-5; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/29Manifestos1999.html).
(Academia.edu, link: https://www.academia.edu/attachments/32642256/download_file).

3) Mercosul: Fundamentos e Perspectivas (São Paulo: Editora LTr, 1998, 160 p.; ISBN: 85-
7322-548-3; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/26MercosulLTr1998.html).
(Academia.edu, link: https://www.academia.edu/attachments/32642244/download_file).

2) Relações internacionais e política externa do Brasil: dos descobrimentos à globalização


(Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1998, 360 p.; ISBN: 85-7025-455-5); link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/25RelaIntPExtUFRGS1998.html).
(Academia.edu: https://www.academia.edu/attachments/32642231/download_file ).

1) O Mercosul no contexto regional e internacional (São Paulo: Edições Aduaneiras, 1993,


204 p.; ISBN: 85-7129-098-9; link:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/09MSulAduan1993.html).
(Academia.edu: https://www.academia.edu/attachments/32642206/download_file).

323
Para os capítulos do Autor em livros coletivos, consultar o site ou ver esta lista:
https://www.academia.edu/9068537/List_of_AUthors_chapters_in_collective_books_Nov._2
014_

Lista elaborada em 2/11/2014

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Nota sobre o Autor:

Paulo Roberto de Almeida é Doutor em Ciências Sociais, Mestre em Planejamento


Econômico e diplomata de carreira desde 1977. Foi professor no Instituto Rio Branco e na
Universidade de Brasília, diretor do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI) e,
desde 2004, é professor de Economia Política no Programa de Pós-Graduação (Mestrado e
Doutorado) em Direito no Centro Universitário de Brasília (Uniceub). Como diplomata,
serviu nas embaixadas em Berna, Belgrado e Paris, nas delegações em Genebra e Montevidéu
e foi Ministro-Conselheiro na Embaixada em Washington (1999-2003). Foi também Assessor
Especial no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2003-2007).
Desde janeiro de 2013 é Cônsul Geral Adjunto do Brasil em Hartford, Connecticut, EUA.
É editor adjunto da Revista Brasileira de Política Internacional e participa de comitês
editoriais de diversas publicações acadêmicas. Tem dezenas de obras e algumas centenas de
artigos publicados. Dispõe de um site pessoal (www.pralmeida.org) e de um blog voltado
para os mesmos temas que configuram seus interesses intelectuais, mas que considera ser
mais para divertissement do que para a pesquisa (http://diplomatizzando.blogspot.com/).

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Redigido em MS Word 2011,
Composto em MacBook Air
Por Paulo Roberto de Almeida
Em 2/11/2014
www.pralmeida.org
pralmeida@me.com
Tel.: (1.860) 989-3284

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