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VALORES E IDEOLOGIAS

Universidade Católica de Moçambique – Extensão de Gurúè

Eusébio Bernardo Fortunato1

eusbernato@gmail.com

849162151/869903282

1. Introdução

Os valores moldam o curso das acções do homem ao longo do tempo, de tal


modo que, a escola assume um papel preponderante na sua formação, actualização e
disseminação, sendo por isso que ao professor lhe é reservada uma tarefa muito
importante, a de educação moral pela convivência com os seus alunos. Nesta síntese
destacamos os seguintes itens: o papel dos valores de educação formal; objectivos da
educação; sistemas de valores divergentes, implicações na educação formal; sistema
de valores tradicionais e contemporâneos; sistemas de valores modernos e pós-
modernos; e o professor e a aplicação dos valores.

Esta síntese, subscreve-se a cadeira de Teorias da Educação, e pretende


analisar a relação entre a Educação Formal e os valores; o que requer identificar as
divergências dos sistemas de valores; citar os objectivos da educação; e relacionar o
papel do professor e a aplicação dos valores. A natureza teórica, qualitativa e
bibliográfica, justifica a utilização de métodos dedutivo e dialéctico, que norteiam as
analises aqui presentes.

2. Conceitos Gerais

A questão dos valores, remete-nos aos aspectos filosóficos, especificamente o


axiológico, por isso embora tenha ganho força no século XIX, a sua reflexão data da
Antiguidade clássica. Valor é a “característica das coisas que consiste em serem elas
mais ou menos estimadas ou desejadas por um sujeito ou, mais comummente, por
um grupo de sujeitos determinados. Este é um significado subjectivo” (Lalande, 1999
citado em Georgen, 2005, p. 986).

1 Curso: Mestrado em Psicopedagogia


Se por um lado, os estóicos referem-se aos valores enquanto algo subjectivo,
ligado a escolhas morais, distinguindo-os em valores obrigatórios (intrínsecos) e
preferenciais (extrínsecos), por outro existe a valoração, enquanto sentimento de
atracção ou repulsa, através do conhecimento ou avaliação dados pelo juízo de valor
(Aranha, 2006; Georgen, 2005).

Visto na perspectiva de Kant e Rickert, o valor é o dever ser de uma norma,


embora não seja sempre prática, pode atribuir verdade, bondade e beleza nos
demónios da lógica, estética, mística, ética, erótica e filosofia religiosa (Georgen,
2005). Assim, os valores não devem se limitar aos desejos (relatividade), mas sim ao
subjectivo, imanente à história e cultura.

Por seu turno, pela natureza permeável da política, podemos dizer que,
ninguém escapa a ela, e os que se dizem apolíticos, são vitimas e consentem sua
ignorância à diversidade de opiniões, impostas pelos demagogos (ideologia),

A ideologia é, assim, uma consciência equivocada, falsa, da realidade. Desde logo,


porque os ideólogos acreditam que as ideias modelam a vida material, concreta, dos
homens, quando se dá o contrário: de maneira mistificada, fantasmagórica,
enviesada, as ideologias expressam situações e interesses radicados nas relações
materiais, de carácter económico, que os homens, agrupados em classes sociais,
estabelecem entre si (Marx, 1867/1996, p. 11).

Por essa via, a ideologia empregada de forma virtuosa, clara e participativa,


constrói a dignidade humana, ou seja, a aparente naturalidade oferecida pelo conjunto de
ideais, códigos de conduta, tidos como correctos pelos homens, caracterizada pela
abstracção (puro idealismo), lacuna (verdades não reveladas), universalização
(abrangem a todos) e inversão (preocupada com as consequências, e não com as
causas), é o que de cruel se pode notar (Aranha, 2006). Deste modo, pode-se dizer
que, são os valores que nutrem as ideologias, e não o inverso.

3. O Papel dos Valores de Educação Formal

Dado o facto de que, os valores estão vinculados às nossas acções, a práxis


educativa é imprescindível, no testemunho da sua transmissão de geração em geração,
de forma critica e reflexiva. Este papel, passa pela concepção de uma educação
coerente e eficaz, capaz de explicar as bases axiológicas desses valores de forma
reflexiva e construtiva (Aranha, 2006).

Todas as comunidades humanas são construídas de baixo de um código


moral, isto não significa por tanto que, os homens nascem morais, mas sim tornam-se
morais, por isso a “importância do papel da educação, enquanto interacção entre
sujeitos sociais: aprende-se a moral pelo convívio, e não pelas aulas de moral [grifo do
autor] ” (Aranha, 2006, p. 119).

O sistema educacional, não mais deve, por via da pedagogia bancaria ou


reprodutivista, proceder a mediação dos valores morais (justiça, amor, respeito, entre
outros), mas sim pelo caminho construtivista e da descoberta, ao estilo de Kohlberg,
“onde o sujeito moral dá o salto da heteronímia para autonomia, de forma livres,
consciente e responsável, numa sociedade de valores pluralistas e divergentes”.
Assim, num salve-se quem puder, a escola cabe proporcionar por via das práticas
pedagógicas, um ambiente aberto, personalizado e crítico, e não apenas de
continuidade dos valores já estabelecidos.

4. Objectivos da Educação

À semelhança da adequação da praxis educativa às transformações sociais, outrossim


pode-se dizer dos objectivos da educação, em qualquer que seja a sociedade, daí que
não se trata de copiar de onde quer que seja e replicá-los, antes de mais implica uma
análise critica, permanente e reconstrutiva, que transcorre, nas palavras de Libâneo
(2006), em 3 (três) níveis: sistema educativo (finalidades educativas forjadas nos
valores e ideias de grupos dominantes da sociedade); a escola (linhas mestras tiradas
do projecto político pedagógico, da filosofia educativa e da prática escolar); e o
professor (ensino baseado em valores próprios sobre a educação e a sociedade).

O conhecimento dos objectivos educacionais e dos ideais e valores imanentes, devem


ser profundamente dominados pelo professor, não apenas pelo facto da prática
pedagógica estar vinculada ao plano nacional, mas também pela necessidade de
compreender tipo de homem e sociedade que se pretende, uma vez que estes
objectivos reflectem interesses de grupos dominantes. Nesta senda, Libâneo (2006),
adverte que “nem sempre os objectivos da educação reflectem os interesses
majoritários da população, e quando se fazem sentir, é de forma superficial e panfletária,
dai que a atitude critica na identificação dos que concorrem ou não para a democratização deve
ser, fruto das convicções políticas e pedagógicas que o professor deve assumir no seu
trabalho [grifo nosso] ” (p. 123).

A esse despeito, Libâneo (2006), propõe 6 (seis) objectivos da educação: 1º colocar a


educação escolar no conjunto das lutas pela democratização, transformando os
alunos em sujeitos activos; 2º garantir a todas crianças, sem descriminação
nenhumas, uma sólida preparação cultural e científica; 3º assegurar o
desenvolvimento de potencialidade de todas as crianças, até mesmo daquelas que
aparentam que não manifestam; 4º estimular a crítica e criatividade na aplicação dos
conhecimentos em tarefas teóricas e praticas; 5º formar convicções para a vida,
transformando-as física e esteticamente em sujeitos morais; e 6º formação de vínculos
na convivência, escola, família, comunidade. Não se pretende com isso, dizer que, os
objectivos educacionais estão esgotados, mas sim oferecer uma visão na acção
pedagógica.

5. Sistemas de Valores Divergentes: Implicações na Educação Formal

Numa sociedade pluralista, não se pode esperar pela homogeneização dos valores, a
julgar que cada homem é uma raça, a estratificação por classes, faz com que o grupo
dominante procure impor seus valores. Esta é uma prova inequívoca da crítica-
reprodutivista segundo a qual, a escola enquanto AIE23, cabe-a em primeira estância,
como missão, assegurar a educação da sociedade, embora tal tarefa decorra numa
perspectiva até então, reprodutora da manipulação ideológica e perpetuadora das
desigualdades sociais (classes dominantes versus classes dominadas). A esse despeito,
Delors et al. (1998), reafirma que “educação tem como objectivo essencial o
desenvolvimento do ser humano na sua dimensão social, através de um projecto
comum, mediado de cultura e valores” (p. 51).

2 Aparelho Ideológico de Estado


Esta divergência de valores, não deve de modo algum significar, a escola
dualista (elitista e populista), muito menos desânimo na busca por uma educação
formal democrática, oferecida por uma escola a prova de crises, onde se conscientize a
todos, sobre o ideal e a prática democrática enquanto condição sine qua non para o
desenvolvimento político, económico e social da sociedade, se bem que “o conflito é
uma das condições principais para a existência de um mundo livre” (Aranha, 2006, p.
123).

6. Sistemas de Valores Tradicionais e Contemporâneos

Apesar da visão caricata e por vezes especulada que se tem da escola tradicional, é
possível para além dos aspectos depreciativos como: magistocêntrico (valores
passados do professor, o detentor do saber, para os alunos), verbalismo e
acumulação do saber, valorização da cognição ou de cor, pode-se segundo Faria
(2010), referir algumas potencialidades, a atenção/concentração, os valores do
respeito mútuo, fortalecendo o carácter humano; a recepção cumulação dos valores
tradicionais/culturais cristalizados, transparecendo um tratamento igual, sem
tradução particularizada dos valores, ou seja, nada pode ser alterado.

O sistema de valores tradicionais, caracteriza-se pela forma bancaria e reprodutivista


entre os sujeitos envolvidos, sem espaços de inovação ou reconstrução. Em
contrapartida os valores contemporâneos fundamentação na base transformadora,
onde a realidade problemática vigente dita a sua aceitação ou negação.

De acordo com Faria (2010), os valores são construídos a partir da dialéctica entre os
homens, partindo da realidade histórica, social e educacional, onde a transmissão de
valores, processos de valoração, modos de pensar, de ser, agir, existir alicerçam-se na
dimensão progressista e libertadora. Ademais, o trabalho é tido como núcleo gerador
de valores da colectividade, igualdade, oportunidade e emancipação dos fracos, onde
o professor não mais detentor, se não apenas um simples mediador de ideias, e um
aluno um interlocutor válido.

7. Sistemas de Valores Modernos e Pós - Modernos


A Modernidade vislumbra-se entre os séculos XVI a XVII, influenciado tanto
pelos movimentos renascentistas e expansionistas que impulsionaram um giro de
360 à ciência, e por conseguinte o modo de vida das pessoas (dinâmica,
homogeneidade dos valores, progressão tecnológica, interconexão fluida), o
manifesto político lógico-racional, o controle como forma de poder, ao defender tais
princípios, revelou ineficácias, como se refere Lara, Moraes e Silva (2016), causada
pela “crise das grandes narrativas; a fragilidade da razão; a fragmentação; a
complexidade e o fracasso da tentativa de uniformização e universalização da objectividade
[grifo nosso] ” (p. 3).

Estas fraquezas, geraram novas concepções e valores, as chamada era pós-


moderna ou contemporânea, que embora seja difícil demarcar-se do modernismo,
importa superar a relação de poder reprodutivista que se mantem professor-aluno e
saberes fragmentados, abrindo o dialogo por via da aprendizagem numa educação
progressista e libertadora que resgate e restabelece as interconexões dilaceradas da
espiritualidade humana, que a ciência não pôde resolver.

8. O Professor e a Aplicação de Valores

O educador Reboul disse: “todo professor é professor de moral, ainda que o


ignore” (Aranha, 2006, p. 119). Por esta via, quanto mais ciente e consciente o
professor estiver da sua missão de formação das futuras gerações, salutar e
promissores serão os resultados do seu ofício.

Deste modo a autoridade do professor para a manutenção da disciplina e


mediação de valores, é crucial, e deve-se assegurar para que ela não desagúe em
anarquia e perturbe a missão libertadora da educativa actual. Esta autoridade deve
se estimar no domínio profissional, técnico e moral, que reconhece a educação como
processo que parti da diferença termina na igualdade (Libâneo, 2006; Aranha, 2006).

A aplicação de valores, carece antes de mais da existência de um professor,


capaz de compreender que nem sempre o aluno empírico (carregado de valores,
desejos, interesses sociais necessários à humanização) e o aluno concreto (síntese das
relações), e que este primeiro, nem sempre reconhece a utilidade da apreensão do
conhecimento acumulado pela sociedade em que se insere. Dito nas palavras de
Aranha (2006), “à medida que o aluno se desenvolve, a tendência é de o professor
perder autoridade, abrindo espaço da pedagogia personalista, não-directiva e libertadora,
reconhecedora de que nem sempre todos valores são certos ou absolutos, porque o aspecto
assimétrico da relação vai desaparecendo, decretando a morte do professor [grifo
nosso] ” (p. 123).

9. Considerações Finais

Os valores são reflexos da significação que damos à realidade a volta, por vezes herdados ou
adoptados em função da socialização ao longo da vida, podendo esses serem económicos,
vitais, lógicos, éticos, estéticos, religiosos, alcançando quase todos os domínios, por isso que
Aranha (2006), assume ser impossível viver sem eles. Estes valores nutrem igualmente, a
Ideologia enquanto forma de consciência equivocada, falsa, da realidade, que busca
homogeneizar os ideais, num mundo pluralista, por via da lacuna, inversão, abstracção e
universalidade.

Os objectivos educacionais reflectem ideais, valores, e ideologias de grupos dominantes da


sociedade, muitas vezes, detentores do poder político, dai que reconhecendo os 3 (três),
níveis de sua abrangência (sistema educacional, projecto escolar e o professor), daí haver a
necessidade do professor assumir uma postura critica na formulação dos objectivos
específicos, desconstruindo amaras e farsas subliminares. Mesmo que não se queira assumir,
é facto que a sociedade está disposta em classes, por isso que a escola, deve criar espaço para
a dialogismo e coesão pela diversidade de grupos com valores e convicções diferentes.

Se os valores não são eternos, os homens procuram reajustar de forma permanente a sua
aceitação, por essa via notamos a divergências entre os valores tradicionais versus
contemporâneo e modernos versus pós-modernos, desde forma como cada um concebe a
realidade, os modos de transmissão e lógica de construção.

Quer professores, tanto quanto pais/encarregados devem ser pacientes e reconhecer que
nem sempre os seus valores são universais e infalíveis, reconhecendo que a medida que a
criança cresce, gradualmente a seu papel vai diminuindo, aponto daquela alcançar
autonomia.

Referencias Bibliográficas
Aranha, M. L. A., De. (2006). Filosofia da educação (2ª ed.). São Paulo, Brasil: Editora
Moderna.

Delors, J., Al-Mufti, I., Amagi, I., Carneiro, R., Chung, F., Geremek, B,. …Nanzhao, Z.
(1998). Learning: the treasure within: report to UNESCO of the International
Commission on Education of the Twenty-first Century. (José Carlos Eufrázio, Trans).
(Obra original publicada em 1996). São Paulo, Brasil: Cortez Editora.

Faria, M. A. S. De (2010). A educação e seus valores. (Monografia não publicada).


Universidade Cândido Mendes, Instituto a Vez do Mestre, Rio de Janeiro.

Lara, J. C. De., Moraes, M. B. De. & Silva, F. A. Da. (2016). Valores modernos e pós-
modernos a partir das concepções dos alunos do curso de administração.
Simpósio Internacional de Educação à Distancia. Recuperado em http://www.sied-
enped2016.ead.ufscar.br›ojs article›view.

Georgen, P. (2005). Educação e valores no mundo contemporâneo. Educ. Soc., Campinas. 26,
(92), 983-1011. Recuperado em http://www.cedes.unicamps.br.

Libâneo, J. C. (2006). Didáctica. São Paulo, Brasil: Cortez Editora.

Marx, K. (1867/1996).Value, Price and Profit; Das Kapital - Kritik der Politischen konomie. (Regis
Barbosa & Flávio R. Kothe, Trad.). São Paulo, Brasil: Editora Nova Cultural, Ltda.

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