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ISRAEL SCHEFFLER

(Da Universidade de Harvard)


SCHEFFLER, Israel. A linguagem da educação. São
Paulo: Saraiva, 1974. Cap. 1, 2 e 3 (p.20-73).

A LINGUAGEM DA EDUCAÇÃO
Tradução de
Balthazar Barbosa Filho
(da Faculdade de Educação da Universidade de
São Paulo)

fS ÍB L I O T E C A S E T O RI AL D È*
j ED U C A C A O - UFRGS
CAPÍTULO I

AS DEFINIÇÕES EM EDUCAÇAO

O presente capítulo e os dois seguintes estarão ocupados em


avaliar o papel que desempenham três tipos de afirmação que
encontramos com freqüência nos debates a respeito da educação.
São eles: as afirmações que enunciam definições, as afirmações
que incorporam slogans educacionais e as afirmações que contêm
descrições metafóricas da educação. Mediante uma consideração
de alguns contextos típicos em que ocorrem tais afirmações,
tentaremos elucidar nesses
da sua operação aquilo que pode ser
contextos. chamado
Assim, de a façamos
embora lógica
livremente referência ao ambiente social que as circunda, nosso
objetivo não será sociológico. Interessa-nos, antes, apreciar a for
ça de tais afirmações quando aparecem em argumen tos - exami 
nar a validade das conclusões tiradas com o seu auxílio e propor
modos segundo os quais os seus usos inferenciais possam ser
pertinentem ente criticados. Esses objetivos indicam em que
sentido o nosso propósito aqui pode ser denominado ‘lógico’.
Passaremos agora ao estudo da definição, o qual deverá nos
ocupar no resto do capítulo6 .
Já observamos que o discurso educacional interfere em
vários contextos, em que poderão estar em jogo diferentes tipos
de problemas, conquanto em todos eles reapareçam termos
idênticos. Dessa maneira, ao intro du zir o nosso trat am en to do
papel das definições, nao devemos produzir a impressão errônea
de que existe algum modo único segundo o qual elas são usadas
em educação. Ao contrário, devemos desde o início indicar, ainda
que de maneira apenas grosseira, os tipos de contextos que
teremos particularmente em mente, deixando para as nossas
discussões ulteriores o preenchimento dos detalhes pertinentes.
6. Há uma vasta literatura sobre aspectos variados da definição. Algumas notáveis
contribuições recentes estão incluídas em Goodman, N.: The Structure o f
Appearance. Cambridge, Harvard University Press, 1951, capítulo I; Hempel,
C'. G.: Fundamentais o f Concept Fo rmation in Empirical Science. Chicago,
The University of Chicago Press, 1952, Parte 1; Stevenson, C. L.:Ethics and
Language. New Haven, Yale University Press, 1944, capítulo IX; Quine, \V. V.:
/•'ram a Logical Point o f View. Cambridge, Harvard University Press, 1953.
Estamos interessados aqui, de maneira geral, em discursos
não-científicos, nos quais se oferecem definições de certas noções
educacionais; por exemplo, em afirmações referentes a um
currículo, em enunciações de programas e objetivos, em
interpretações da educação dirigidas ao público em geral e em
debates sobre política educacional. Pouco importa que as
definições oferecidas em tais contextos sejam ou não baseadas em
autoridade científica; o importante é o fato de serem apresen
tadas como comunicações de ordem geral efetuadas num con
texto prático, e não comó afirmações técnicas interligadas a uma
pesquisa científica especial e com propósitos teóricos.
A linguagem das ciências não é, sem dúvida, ela mesma de
textura uniforme, e as formas de expressão científica variam
largamente com o progresso da investigação, bem como entre os
ramos distintos da pesquisa. Apesar disso, o objetivo da ciência é,
em todos os casos, construir uma rede teórica adequada a todos
os fatos disponíveis. A localização de afirmações isoladas nessa
rede constitui, em consequência, uma questão de importância
mais secundária. Cada uma dessas afirmações se encontra
constantemente à mercê do cientista, interessado em manter e em
aumentar a adequação de toda a rede face à quantidade crescente
de informação. Por conseguinte, nenhuma afirmação científica
está imune a alterações radicais, a modificações do seu papel
ou a ser eliminada nos interesses da adequação teórica, não
imp ortand o qual possa te r sido o est atu to inicial da afi rmação em
questão, isto é, não importando se foi srcinariamente adotada
como uma definição, uma hipótese, um relato, uma lei ou uma
teoria. Assim, as definições científicas, em particular, estão em
conexão imediata com as demais afirmações que com elas
coexistem nas redes que as circundam, e não poderiam ser
adequadamente avaliadas em abstração dessas redes. Mais ainda,
elas são avaliadas, em primeiro lugar, em termos das contribuições
que fazem à adeq uaçã o teórica sem que se consid ere o seu grau
de conformidade com o uso habitual ou a sua capacidade de
esclarecer o leigo ou os seus efeitos sociais e retóricos. Em
resumo, todas as definições em ciência são, num sentido capital,
dc teor técnico e exigem um conhecimento especial e o emprego
de critérios teóricos especiais para a sua avaliação. Nas
comunicações científicas, conseqüentemente, as definições são
apresentadas e interpretadas por membros profissionais da
comunidade científica.
Quando tais definições, entretanto, são extraídas do
contexto de uma atividade profissional de pesauisa e são
Incorporadas em afirmações endereçadas ao público ou a
professores ou profissionais de outras áreas, muitas vezes num
meio institucional, deverão ser julgadas, nesse papel, da mesma
maneira como são julgadas outras definições que se encontram
em posição idêntica. O nosso problema atual consiste em dizer
mais exatamente como são apropriadamente julgados vários tipos
de definição com essa posição. Nós nos referiremos a elas como
definições gerais’.
Uma definição geral, com freqüência, consiste simplesmente
numa estipulação que determina que um termo dado deverá ser
compreendido de um modo especifico no espaço de algum
discurso ou dentro de vários discursos de um certo tipo. Tal
definição pode ser chamada ‘estipulativa’. Uma definição
estipulativa exibe um termo qualquer a ser definido e comunica
que ele deverá ser tomado, dentro de um contexto particular,
como equivalente a algum outro termo ou descrição apresentado.
Trata-se de um caso de legislação terminológica que não se
propõe a refletir o uso previamente aceito do term o definido —a
supor que realmente exista um tal uso predefinicional*. As
definições estipulativas podem, por sua vez, ser divididas em dois
grupos, dependendo, antes de mais nada, de o termo definido de
fato possuir ou não um uso prévio. Em caso negativo, a definição
estipulativa pode ser denominada uma estipulação ‘inventiva’. De
outra parte, quando a definição estipulativa prescreve uma nova
utilização para um termo que já possui um uso prévio e
reconhecido, poderá ser chamada uma estipulação ‘não-inven-
tiva’
A estipulação inventiva pode ser ilustrada pela introdução
de um sistem a de letras a rbitrárias (po r exemplo , ‘S’, ‘B’, ‘E ’) que
denotarão as folhas de prova dos alunos, folhas essas cujas notas
caem dentro de intervalos especificados; não possuindo nenhum
uso reconhecido, anterior à sua introdução, essas letras recebem as
suas utilizações por meio de uma estipulação. São destinadas a ser
etiquetas taquigráficas que equivalem a certas descrições
complexas das provas que caem dentro dos vários intervalos de
pontos alcançados pelos alunos. Por outro lado, a utilização, para
esse mesmo propósito, de um conjunto de termos «qualitativos»
(por exemplo, ‘suficiente’, ‘satisfatório’ etc.) é freqüentemente

* Para fins de economia, a expressão ‘predefinitional usage’ será traduzida pela


forma pouco ortodoxa ‘uso predefinicional’. Ela indicará, assim como a
expressão ‘uso prévio’ (co rresp ond ente a ‘prior usage’), o uso habitual que um
termo definido possui anteriormente à sua definição (Nota do tradutor).
14j governa da po r um a série de estipu lações nao-inventivas, « pie são
não-inventivas porque os termos já possuem um uso
prédefinicional7.
Para resumir as distintas categorias de definição discutidas
até agora, recordaremos que começamos por segregar as defi
nições científicas enquanto reconhecivelmente especiais e téc
nicas em . alcance, e rotu lam os as restan tes como ‘def inições
gerais’. Entre essas, destacamos, a seguir, as definições estipu-
lativas, como aquelas que estabelecem convenções para a inter
pretação de term os dentro de certos contextos, sem levar cm
consideração o uso corrente. Por último, dividimos as definições
estipulativas em tipos inventivos e não-inventivos, segundo a
novidade dò termo definido.
Quais são alguns dos motivos típicos que levam à
form ulação de definições es tipulativas? Quando é necessário
referir-se a alguma coisa num contexto particular, para a qual a
linguagem disponível oferece apenas, no melhor dos casos, a
possibilidade de uma descrição extensa, a conveniência aconselha
a. intro du ção de um ter m o abreviatóri o. Assim, nos exe mplos
acima, evita-se a descrição repetida dos vários intervalos de notas
pela introdução das letras abreviatórias ‘S’, ‘B’ etc., ou dos
adjetivo s abre viatórios ‘suficie nte’, satisf atório’ etc. Ou, para
tomar como exemplo a nossa própria discussão, os termos
classificadores anteriormente introduzidos, por exemplo,
‘definições estipulativas não-inventivas’ etc., serviram para nos
fornecer etiquetas cômodas com as quais poderemos nos referir a
coisas que, de outra maneira, teriam requerido a repetição de
descrições complicadas. Tais termos, portanto, foram eles
mesmos introduzidos por estipulação, a fim de facilitar a nossa
apresentação. Essas abreviações não são teoricamente essenciais,
visto que aquilo que é dito com o seu auxílio poderia, ainda que
de um modo muito mais incômodo, ser dito sem elas. No
entanto, a economia de elocução que elas permitem constitui um
poderoso motivo prático a recomendar o seu emprego. Elas são,
porta nto , recursos familiares, em educação e em outros campos.

7. Um outro contras te entre estip ulação inventiva e não-in ventiva é ilustrado


pelas maneiras alternativas de etiquetar- classes dife ren tes numa escola
primária. Duas quintas séries, por exemplo, podem ser distinguidas como
‘Avançada’ e ‘Normal’, ou então podemos afixar-lhes duas letras diferentes (as
iniciais dos nomes dos seus professores respectivos), precisamente a fim de
evitar as sugestões indesejadas transmitidas pelas suas alternativas
“qualitativas”. Fico em débito com o Dr. David V. Tiedeman na discussão
desse ponto e de questões conexas.
Visto que o propósito de uma abreviação pode ser
exec utado med iante a utilização, de um a maneira específica, de
um termo corrente, como também por meio de um termo
inteiramente novo, as definições estipulativas abreviam
igualmente bem de um ou de outro modo, e, de fato, estipulações
inventivas e não.-inventivas existem em abundância. Quanto a
saber se devemos, numa ocasião dada, escolher um ou outro tipo
é algo que dependerá de outros fatores que não a mera vantagem
abrevia tória — por exemplo, da di sponibili dade de um termo
familiar que, pelo seu poder sugestivo, estimulará provavelmente
a memória sem despertar associações indesejadas, ou da
necessidade de deixar desimpedido um termo corrente (que é
adequado sob outros aspectos) para outras utilizações dentro do
contexto relevante.
O que é fundamental, todavia, com respeito a todas as
definições estipulativas, é que elas não pretendem refletir o uso

predefinicional
que podem ser maisdos termos
ou menosqueúteis
definem.
para a Elas legislam
discussão, queconvenções
podem
ser observadas de maneira consistente ou inconsistente, e qüe
podem, tomadas globalmente, ser ou não coerentes. Mas jamais
poderão ser justificadas, nem rejeitadas, a justo títu lo , con
siderando-se a exatidão com que espelham um uso predefini
cional. Uma vez estabelecido que uma definição estipulativa
ou que um conjunto de tais definições é formalmente coerente,
e foi bem escolhida do ponto de vista pragmático, é irrelevante
seguir argumentando contra ela sobre o fundamento de que
não consegue refletir a significação normal do ou dos termos
definidos. Nesse sentido especial, pode-se dizer que as definições
estipulativas são matéria de escolha arbitrária.
Há, no entanto, um outro tipo de definição geral, a que
chamaremos aqui ‘descritivo’, em contraste com o tipo
estipulativo. Como esse último, as definições descritivas também
podem servir para expressar as convenções que governam as
discussões; além disso, contudo, elas sempre pretendem explicar
os termos definidos por meio de uma explanação do seu uso
prévio. De fa to, as definições descritivas são freq uentemen te
apresentadas em resposta a pedidos de elucidação. A pergunta «O
que significa esse termo? » tenciona, tipicamente, obter como
resposta alguma regra explicativa ou alguma descrição do
funcionamento prévio do termo, isto é, algo que tem a natureza
de uma definição descritiva. Toda definição desse genero pode ser
construída como uma fórmula que torna equi vale nte — de um
modo q ue pretende espelhar o uso pr edefi nici onal - um termo
definido a ou tro s termo s, os definientes. E esse fat o de espel har
que — assim se espera — proporci onará a compr eensão da
significação do termo definido. Uma ilustração nos é dada pela
definição do term o ‘dou trin aç ão ’ como ‘a aprese ntação de
questões como se elas tivessem uma única face’8. Essa e outras
definições análogas de ‘ do utr ina ção ’ são con stantem ente
apresentadas numa tentativa de clarificar o termo tal como ele é
aplicado ordinariamente e da maneira a mais evidente. Tais

definições
prévio objetivam
do term o, um aderivar umapossa,
regra que regra ao
geral a partir
mesmo do resumir
tem po, uso
esse uso e clarificá-lo, relacionando-o com o uso de outros termos
já familiares; trata se de uma regra que pode, portanto , ser
empregada para ensinar a alguém a maneira como o termo é
normalmente utilizado.
As definições descritivas, por conseguinte, ao contrário das
definições estipu lai ivas, não são simples exped ientes abreviatórios
adotados por conveniência e elimináveis teoricamente. Elas não

se propõem adaeconomizar
explicativas a elocução,
significação. mas que
Daí resultar a fornecer
não háelucidações
nada, entre
as definições descritivas, que corresponda à estipulação inventiva,
dado que os termos definidos mediante estipulações inventivas
não possuem signi ficações prévias a serem explicadas . En tre ta nto ,
dado um termo que possui um uso prévio, a estipulação não-in-
ventiva poderá, com o propósito de facilitar a comunicação,
aplicá-lo a utilizações não familiares, ao passo que a definição
descritiva limitar-se-á a oferecer uma explanação geral do seu uso
prévio. Se, à maneira da lógica moderna, encararmos a definição
como uma fórmula, na qual o termo definido ( definiendum ) apa
rece à esquerda e o termo ou conjunto de termos definientes ( de-
finiens ) aparece à direita, ambos separados por algum signo espe
cial (‘ = df ’) colocado entre eles (por exemplo: ‘doutrinação = df
a apresentação de questões como se elas tivessem uma única face’),
nesse caso, poderemos então encarar a diferença entre definições
estipulativas e descritivas como uma diferença na direção do
interesse que se atribui à fórmula como um todo. Enquanto o
interesse, na estipulação, vai da direita para a esquerda, isto é,
volta-se para uma elocução mais condensada que utiliza um
vocabulário aumentado, na definição descritiva, ao contrário, o
interesse se move da esquerda para a direita, isto é, em direção a
uma elocução explanatória dilatada que emprega um vocabulário
mais reduzido.

8. Esse exe mp lo foi tomado de Bruba cher, j . S.: Modern Philosophies o f


Education. Second E diti on. New York, McGraw-Hill Bo ok Coinpan y Inc
1950, p. 201.
E evidente que as definições descritivas não constituem
matéria de escolha arbitrária, à maneira como, segundo dissemos,
as definições estipulativas o são. Pois, além de considerações
formais e pragmáticas, as definições descritivas poderão ser
chamadas a responder pela exatidão com que refletem o uso
predefinicional normal. Não é irrelevante argum entar, contra um a
definição descritiva, que ela violenta esse uso. Poder-se-ia, na
verdade, estipular explicitamente que o termo ‘árvore’ deverá ser
considerado, enquanto perdurar alguma discussão particular,
como equivalente a ‘janela’ ; tal equaç ão, todavia, violent aria
manifestamente o uso prévio do termo ‘árvore’ e deverá, por
conseguinte, ser reputada errônea se for oferecida a título de
definição descritiva. Esse exemplo, incidentalmente, é adequado
para salientar o fato de que uma dada equação definicional pode
servir, quer como uma estipulação, quer como uma definição
descritiva, dependendo do contexto em que é apresentada e dos
propósitos que ela in tenta servir. A diferença não é, assim, um a
diferença formal ou puramente lingüística; ao contrário, ela está
ligada ao ambiente pragmático que circunda a definição. A
equação definicional é descritiva se e somente se pretende refletir
um uso predefinicional.
O fato de espelhar o uso predefinicional é, já o dissemos, o
que possui força explicati va com relação aos termos definidos. Mas
o nível e o modo das explicações que são tentadas variarão consi
deravelmente. As definições descritivas podem ser oferecidas na
esperança de ajudar alguém a aplicar com eficácia o termo defini
do. Po r ou tro lado, podem tamb ém ser proporcionad as mais como
meios de familiarizar alguém com a referência do termo definido,
ainda que não na esperança de torná-lo, com isso, apto a aplicar o
termo a instâncias concretas —à maneira como se poderia definir
o termo ‘vírus’ para uma classe de segundo grau. Essas definições
podem também ser formuladas em casos nos quais o term o já vem
sendo eficientemente aplicado a instâncias, o objetivo aqui sendo
o de extrair o princípio que orienta essa aplicação e o de mostrar
a inter-relação do termo com outros termos. Esse último gênero
de empreendimento é caracteristicamente filosófico e vem exem
plificado no trabalho de muitos pensadores desde Sócrates, cuja
tentativa consistiu, precisamente, em formular caracterizações
gerais que cobrissem as instâncias conhecidas dos termos mais im
portantes. Essa tarefa, contudo, não está de modo nenhum limi
tada aos filósofos, encontrando-se, com muita freqüência, em
explicações sistemáticas de vários temas de estudo, inclusive a
educação.
A relação entre a definição descritiva e o uso prévio requer,
ainda, algumas observações adicionais, que adiamos até agora
para objetivos de simplificação. Não se deve supor que o uso
prévio de um term o dado qualquer seja consistente e exaustivo.
Em primeiro lugar, os termos ordinários são muitas vezes
ambíguos, de tal forma que as definições descritivas exigem ser
complementadas, mesmo que apenas pelo contexto, por alguma
indicação do uso que será considerado relevante. Por exemplo, o
termo ‘banco’ se aplica, em alguns contextos, a certos tipos de
assentos e, em outros contextos, a determinados estabeleci
mentos de crédito, mas em nenhum contexto se aplica aos dois
ao mesmo tempo*.
Além disso, mesmo depois de eliminadas as ambiguidades, o
uso prévio não cobre, em geral, todas as instâncias a serem
18J enfrentada s. Ele dete rm ina clarame nte cada um dos term os que
são aplicáveis ou inaplicáveis a certas instâncias, mas deixa as
restantes indeterminadas; nesse sentido, ele não é exaustivo. A
palavra ‘cadeira’, por exemplo, se aplica nitidamente, de acordo
com o uso padrão a certos objetos, como, por exemplo, às peças
transportáveis de mobília, feitas de madeira, com quatro pernas,
providas de encosto reto, dispostas em volta da mesa de ja ntar e
utilizadas para que os adultos sentem. De outro lado, é igual

mente claro quea ela


por exemplo, não se cavalos,
janelas, aplica a máquinas,
inúmeros outros
lagos objetos;
e nuvens.
Algumas coisas, todavia, não constituem nem casos evidentes de
aplicação, nem , tam po uc o, evidentes casos de não-aplicação,
como, por exemplo, os brinquedos semelhantes a cadeiras, mas
feitos de plástico e medindo seis centímetros e meio de altura,
assim como certos objetos utilizados para que os adultos sentem,
mas desprovidos da forma típica das cadeiras —caixões ou barris,
por exemplo. Com relação a esses casos indeterm inados ou
limítrofes, as definições descritivas guardam inteira liberdade de
decidir a aplicação ou a não-aplicação do termo em pauta. Assim,
para que uma definição desse tipo seja exata, deverá concordar
com o uso prévio unicamente no sentido de não violentar as
instâncias evidentes desse uso. Ou seja, quando o uso prévio

* O exem pl o srcinal fo i alterado, a fim de preservar a ambigüidade desejada. O


autor deu como exemplo o termo ‘trunk’, que, em inglês, tanto pode significar
um baú ou uma mala, quanto a tromba de um elefante, o que dependerá do
contexto. Em nenhum contexto, todavia, a expressão ‘trunk’ se aplica às duas
coisas ao mesmo tempo (Nota do tradutor).
aplica claramente um termo a algum objeto, a definição não po
derá suprimir a aplicação; e quando o uso prévio recusa clara
mente o termo a certo objeto, a definição não poderá aplicá-lo.
Com respeito aos casos indeterminados, no entanto, a defi
nição pode servir para legislar em qualquer direção. Dessa
maneira, embora cada caso patente de aplicação ou não-aplicação
predefinicional de um dado term o forneça uma condição de
exatidão que as definições de scritivas do term o dever ão respeitar,
nem toda aplicação decretada por uma definição dessa espécie é
regida por alguma condição predefinicional de exatidão. As
exigências de exatidão toleram considerável margem de deriva
por parte das definições descritivas.
Até o momento, distinguimos, então, dois tipos amplos de
definição geral: o tipo estipulativo, que não se propõe a
concordar com um uso prévio, mas apenas a facilitar o discurso, e
o tipo descritivo, que pretend e explica r os termos fornecendo
uma elucidação do seu uso prévio. Observamos que, ainda que
considerações formais sejam relevantes para a apreciação de uma
definição de qualquer um dos dois tipos, somente as definições
descritivas poderão ser criticadas, de modo apropriado, por não
concordarem com o uso predefinicional. Notamos, por conse
guinte, que o processo de definição estipulativa não se vê limita
do da maneira específica em que a definição descritiva o é,
conquanto mesmo essa última permita, dentro dos limites de
exatidão, considerável espaço de variação.
Resta-nos agora considerar um outro papel das definições
gerais, esse de natureza prática, que é de especial importância em
educação; é por intermédio desse papel prático que as definições
gerais muitas vezes se inserem, de maneira bem direta, nas
práticas sociais e nos hábitos de espírito. Como se poderia
descrever o p apel prá tico das definições gerais? Poder-se-ia dizer,
de forma um tanto grosseira, que alguns termos (por exemplo, o
ter mo ‘pro fiss ão’) destac am cer tas coisas para as quais a prá tica
social se orienta de uma maneira determinada. (Pode-se supor que
essa orientação é exprimível por meio de um princípio geral de
ação: Exemplo: «Todas as profissões devem receber um
tratamento privilegiado»,) Propor uma definição que passa a
atribuir um termo desse gênero a uma nova coisa pode, num
determina do con texto ser um meio de comun icar que s e deve
conferir a essa nova coisa o mesmo tipo de tratamento prático
concedido às outras coisas referidas, até então, pelo termo em
questão. (Por exemplo, definir ‘profissão’ de tal maneira que o
termo se aplique a uma nova ocupação pode constituir um meio
de transmitir que essa nova ocupação deve receber um
tratamento privilegiado.) De maneira semelhante, propor uma
definição que recusa a aplicação de um termo desse tipo a um
objeto a que até então se aplicou, é algo que pode ser um meio de
veicular que o objeto em questão não deverá mais ser tratado da
maneira como as coisas referidas pelo termo têm sido tratadas. E
mesmo se for proposta uma definição que confere o termo
apenas
momento,e exclusivamente aoso ponto
e a nenhum outro, objetosema jogo
que pode
se aplicou
consistiraté
em o
defender a justeza da orientação prática habitual em relação
apenas a esses objetos, com exclusão de todos os demais —e não
em (ou tanto quanto em) espelhar um uso predefinicional.
Quando uma definição se propõe a efetuar uma dessas três
coisas, estará atuando como uma expressão de um programa
prático, e nós a denominaremos ‘programática’. Como no caso
das definições estipulativas e descritivas, as definições pro-
gramáticas não podem ser reconhecidas como tais pela sua
forma lingüística apenas; é necessário fazer referência ao
contexto. Uma definição, por exemplo, pode ter o efeito de
implicar uma consequência prática quando em combinação
hipotética com algum princípio de ação, mas isso não significa
que ela é, consequentemente, programática. Isto é, ela pode não
pretender veicular a consequência prática em questão; o contexto
pode deixar claro que a definição não é destinada a servir como
premissa prática. Assim, é a intenção prática da definição numa
ocasião particular
mesma fórmula queque revela em
se repete o seu caráter
várias programático.
ocasiões Uma
poderá, obvia
mente, ser programática numa delas e não na próxima. Pode-se
talvez dizer, com efeito, que uma definição programática veicula
a própria conseqüência prática, não se limitando meramente a
exprimir uma premissa capaz de produzir, sob condições adequa
das, essa conseqüência. É essa força prática que algumas defini
ções possuem em ocasiões particulares que nos interessa aqui.
As definições programáticas representam o último tipo de
definição Dessa
atuais9. geral que distinguiremos
maneira, junto compara
os ostipos
nossos propósitose
estipulativo
9. O tratamen to da definição apresentad o no te xt o foi influ enci ado , sob vários
aspectos, pelo importante trabalho de C. L. Stevenson, op. cit. No entanto, o
uso do termo ‘programático’ em lugar do seu termo ‘persuasivo’ é motivado
por algumas considerações substantivas que marcam uma diferença de
abordagem: As definições persuasivas são interpretadas por Stevenson em
termos de significação emotiva, isto é, em termos de reações, atitudes e
sentimentos psicológicos, ao passo que as definições programáticas são
interpretadas aqui em função da orientação da prática social. O tratamento da
noção, no presente texto, vincula a força prática das definições às referências
descritivo as definiç ões program áticas esgotam a classe de
definições gerais que examinaremos aqui. A diferença entre cada
tipo e os demais não é, como já foi enfatizado, uma diferença
formal. Ex atam ente a mesma equação d efinicional pode se r
estipulativa, descritiva ou programática, dependendo do contexto
em que for oferecida.
Que tipos de consideração são relevantes para a avaliação
das definições programáticas? Consideremos um exemplo
parcialmente esquemático. Imaginemos um tipo de trabalho T
que, até o momento, esteve manifestamente fora do âmbito do
termo ‘profissão’. Suponhamos que seja apresentada uma
definição que tem a consequência de aplicar esse termo a T. O
contexto evidencia, ademais, que a definição não está sendo
utilizada simplesmente para introduzir um artificio abreviatório
que pode ser eliminado, destinado a facilitar a comunicação. As
propostas de outras abreviações plausíveis, por exemplo, são
invariavelmente rejeitadas. Além disso, quando se levanta a
objeção de que a definição nao logra concordar com o uso prévio,
o seu autor permanece impassível; ele deseja, justamente,
apartar-se desse uso. Torna-se claro, então, que a definição não é
nem estipulativa nem descritiva. O objetivo do autor é diferente;
ele deseja que T seja tratado do mesmo modo como são tratados
outros tipos de trabalho que caem dentro do âmbito pre-
definicional do termo ‘profissão’. Um objetivo como esse
requer uma avaliação independente e de natureza prática. Seria

certamente irrelevante
uma convenção argumentar
abreviatória que utilidade
de muita a definição
ou não
que constitui
ela não
respeita a ortodoxia do uso predefinicional. O que deve ser
investigado, ao contrário, é a questão prática ou moral: «Deve-se
dos termos constituintes e aos princípios de ação associados a eles, e não às
propriedades emotivas dos próprios termos. Assim, essa força prática não é
explicada aqui como uma utilização consciente ou inconsciente da definição
“num esforço para assegurar, mediante essa interação entre significação
emotiva e descritiva, uma reorientação das atitudes das pessoas” (Stevenson,
op. cit., p. 210); ela aparece aqui, ao contrário, como um efeito “cognitivo”,
como uma função das referências e das relações lógicas existentes entre os
termos e as afirmações envolvidas. A ênfase no caráter persuasivo sugere que,
quando uma definição vai além da sua função explicativa, a sua função
excedente não consiste em suscitar novas questões, mas, antes, em causar
novos efeitos no ouvinte. A ênfase no caráter programático, por outro lado,
sugere que as incidências de uma definição sobre a prática social podem,
muitas vezes, ser exprimidas como questões debatíveis, embora elas não
constituam problemas de significação, mas questões práticas ou morais.
Enfatizar as definições programáticas de preferência às persuasivas não é negar
a importância dessas últimas; mas, pelo menos em parte, constitui uma
tentativa de sublinhar a relevância “cognitiva” das definições para a prática
social, a qual tem sido, parece-me, indevidamente negligenciada recentemente,
a despeito do significativo papel que desempenha no discurso comum.
conceder a T o tratamento normalmente dado aos tipos de
trab alh o den om inado s, até o mom ento , ‘profissões’ ? ». As
considerações que são apropriadas para essa questão serão
relevantes para a apreciação da própria definição proposta10.
A pa rti r da discussão pre ced en te fica claro que, emb ora as
definições programâticas se assemelhem às estipulativas por não
estarem limitadas
estipulações pelo uso
por levantarem prévio,
questões diferem,
de ordem contudo,
moral das
ou prática.
Já assinalamos que mesmo as estipulações não são totalmente
arbitrárias. Elas podem ser criticadas segundo considerações
formais, tais como as relativas à consistência, e apreciadas com
respeito à sua utilidade enquanto expedientes de comunicação;
por exemplo, sei auxiliam a memória, se não se prestam a confu-
sões por introduzir associações irrelevantes etc. Mas elas não
suscitam questões morais que vão além da discussão imediata;
não reclamam uma avaliação da prática, uma apreciação dos
engajamentos que poderiam acarretar, ou a feitura de decisões
extralingüísticas. Portanto, constitui um erro, em geral, supor que
toda definição é inteiramente arbitrária, e é um erro ainda rhais
sério supor que todas elas, com exceção das definições descritivas,
são limitadas somente por considerações de consistência ou de
conveniências de comunicação. As definições programâticas, em
especial, podem ser utilizadas para expressar graves decisões
morais.
Podemos então dizer que as definições programâticas são
semelhantes às definições descritivas por provocarem questões
que vão além dos problemas de consistência e de conveniência.
Mas o gênero de questão que é levantada por um desses tipos de
definição difere notavelmente do gênero de pergunta que o outro
suscita. De um lado, a qu estão reside em saber se a definiç ão que
temos diante de nós concorda ou não com o uso lingüístico
prévio; de outro, ela consiste em saber se o programa exprimido
pela definição deve ou não ser adotado.
Estamos agora em condições de resumir a comparação entre
os nossos três tipos de definição geral, o que podemos fazer
afixando uma etiqueta, de maneira aproximada, ao interesse

10. Para um tr atamen to de questõ es co ne xas , ver Cogan, M. L.: “ The problcm o f
defining a profession”, Ann als o f th e Ame rica n A ca d em y o f Po liti ca l and
Social Science, 297:105, (January) 1955;Cogan, M. L.: “Toward a deflnition
ot' profession”, Harvard Ed uc ati on al Re vie w, 23:33, (Winter) 1953; e
Lieberman, M.: Edu cati on as a Profe ssion. Englewood Cliffs, N. J.,
Prentice-Hall, Inc., 1956.
subjacente em cada um deles. O interesse das definições estipula-
tivas é comunicatório, isto é, elas são oferecidas na expectativa
de facilitar o discurso; o interesse das definições descritivas
é explicativo, isto é, elas se propõem a clarificar a aplicação
normal dos termos; e o interesse das definições programáticas é
de ordem moral, isto é, elas tencionam dar expressão a programas
de ação.
Obviamente, não há absolutamente nenhum interesse em
opor uns aos outros esses três tipos de definição geral, ou em
opor qualquer um deles, ou todos ao mesmo tempo, às definições
científicas . Os prop ósitos a que cada um deles serve sãó todo s
perfeitamente legítim os, e nãò há necessidade d% decidir-se a
favor ou con tra algum deles, ou de classificá-los a todo s n um a
escala de valores qualq uer. O que é preciso, ao contr ári o, é que a
apreciação crítica de uma definição pertencente a qualquer um
dos tipos seja orientada para as questões que estão em jogo na
ocasião da sua utilização, e é para esse fim que poderão ser úteis
as distinções anteriores estabelecidas entre os tipos de definição.
Existem, no entanto, certas complicações que deveremos
enfrentar ao considerar as relações entre os vários tipos de defini
ção geral. Foi sublinhado acima que uma mesma equação ou
fórmula definicional pode, em ocasiões diferentes, exprimir uma
definição estipulativa, descritiva ou programática, dependendo do
contexto. Não poderia haver, além disso, uma superposição de
diferentes tipos definicionais numa mesma ocasião e numa mesma
fórmu la defini cional? A mesma def inição não pod eria, num
mesmo contexto, pertencer a mais de um tipo?
Se consideramos essa possibilidade, em primeiro lugar com
relação às definições estipulativas e descritivas, constatamos que
qualquer superposição fica excluída. As definições descritivas,
com efeito, se propõem a descrever o uso predefinicional, ao
passo que as definições estipulativas não o fazem. Assim,
nenhuma equação definicional dada poderá ser estipulativa e
descritiva ao mesmo tempo.
Mas, e com relação a uma superposição de tipos estipulativo
e prog ramá tico? Se considerarm os, prime iram ente, a estipulação
inventiva, parece novamente que a possibilidade fica excluída,
porquanto o term o que é definido num caso desse gênero, não
possuindo absolutamente nenhuma aplicação prévia, não pode, a
fortiori, de staca r certos ob jetos para os quais a prá tica se orien ta
de um modo particular. Assim, uma definição de um termo como
esse é incapaz de exprimir um programa, sugerindo uma alteração
ou uma perpetuação da prática que lhe está associada. E
tampouco poderá o termo definido, se a frase definiente denota
objetos invariavelmente associados a alguma orientação prática,
servir para sugerir uma alteração ou uma perpetuação de tal
orie ntaç ão. Com efe ito, para fazer isso , ele já deveria possuir
alguma aplicação inicial própria que diferisse da aplicação da
frase definiente ou que com ela coincidisse. Ora, é essa aplicação
inicial, justamente, que falta à estipulação inventiva.
Por outro lado, quando examinamos a possibilidade de uma
superposição, numa ocasião determinada, de uma estipulação
não-inventiva e de uma definição programática, fica evidente que
isso efetivamente ocorre com freqüência. Mais ainda: é evidente
por que razão ela ocorre, pelo menos em numerosas ocasiões.
Para dizê-lo sucintamente: a expressão de um programa particular
pode dem andar um novo ap arato linguístico; e um a definição
determ inad a pode. de um só traço, criar esse apa rato bem como,
ao mesmo tempo, dar expressão ao programa. Exemplos disso
encontram-se abundantemente em escritos que tratarii de temas
sociais, mas uma ilustração educacional deverá ser suficiente aqui.
Descobrimos muitas vezes, em trabalhos recentes sobre a
educação, que o termo ‘currículo’ é definido como se referindo à
totalidade das experiências de cada estudante sob a influência da
esc ola11. Ora, essa definiç ão tem sido, a justo tít ulo , criticada
como vaga e difícil sob inúmeros aspectos. Mas o ponto que nos
concerne aqui é bem diferente. Deve-se notar que a definição
estabelece, como uma consequência pretendida, que dois alunos

quaisquer
jamais jamais duas
existirão terãoescolas
o mesmo
com currículo
o mesmo e, além disso,
currículo, cadaque
escola
tendo tantos currículos quantos alunos tiver. Essas consequências
violentam, de maneira patente, o uso predefinicional padrão do
termo ‘currículo’. Esse uso, com efeito, indubitavelmente nos
autoriza a falar com veracidade do currículo (único) de uma
determinada escola, ou de várias escolas com o mesmo currículo,
autorizando-nos igualmente a dizer que o currículo de uma escola
permanece estável por um período maior ou menor, durante o
qual a sua população de alunos se modifica completamente.
11. Compare-se com o artigo “Curriculum develo pme nt’*, contr ibu ição de O. I.
Frederick ao trabalho de Monroe, W. S., editor : Encyclop edia o f Educatio nal
Research . New York, The Macmillan Company, 19 41 , no qual se afirma que,
“na literatura educacional recente e neste informe, considera-se que o
currículo escolar é todas as experiências efetivas dos alunos sob a influência
da escola. Sob esse ponto de vista, o currículo de cada aluno é, em certa
medida, diferente do currículo de todos os demais. Considera-se que o
programa de estudos constitui um sugestivo guia escrito que os professores
utilizarão para planificar e ensinar o currículo” (Passagem citada com
autorização da Macmillan Company).
Essa definição não é uma estipulação inventiva, pois o termo
‘currículo’, como acabamos de ver, tem efetivamente um uso
prévio. Tam pouco se trata simplesmente de um a definição
descritiva que acontece ser mal sucedida, uma tentativa
defeituosa de espelhar o uso predefinicional. Com efeito, se as
transgressões desse uso, que acabamos de assinalar, forem explici
tadas, elas não serão tratadas como se fossem contra-exemplos de
uma hipótese descritiva que foi proposta. Ao contrário, elas serão
tipicamente consideradas como sintomas adicionais do caráter de-
liberadamente distintivo da definição, a qual, então, será de hábi
to sustentada por outr os argumentos. Esses argumentos, em geral,
deixam claro que a definição é programática, que o seu objetivo
consiste, precisamente, em aplicar de um modo estranho o termo
familiar, a fim de canalizar em ou tra d ireção a prá tica qu e está as
sociada a ele. Esse objetivo programático reside, em particular,
em dilatar a responsabilidade da escola —até então limitada ao
seu assim chamado plano formal de estudos —de forma a abran
ger o desenvolvimento individual, social e psicológico dos seus
alunos. A apresentação desse objetivo programático, todavia, im
põe que se faça referência repetida ao domínio de responsabilida
de ampliado que se tem em vista, e, para facilitar tal referência, a
mesma definição estipula qual é a nova utilização do termo ‘cur
rículo’ que será apropriada. Assim, numa mesma ocasião, a defini
ção serve simultaneamente como programática e como estipulati-
va (no sentido não-inventivo dessa última). Em verdade, a neces
sidade da estipulação em questão nasce do programa defendido.
Ao avaliar essa definição de duplo objetivo é manifestamen
te fora de propósito insistir sobre o fato de que ela violenta o uso
predefinicional. A definição, ao contrário, deve ser apreciada si
multaneamente enquanto programática e enquanto estipulativa.
Devemos colo car ao m esmo tem po a pergun ta prática: “ A respon 
sabilidade da escola deve abranger o desenvolvimento individual,
social e psicológico dos seus alunos? ”, e a pergunta lingüística:
“O uso estipulado do termo ‘currículo’ é consistente e convenien
te para os propósitos que animam a discussão do autor? ”. Nenhu
ma das duas perguntas, por si só, será suficiente para a apreciação
da definição, pois uma resposta positiva poderia s er adeq uad a para
uma delas mas não para a outra. Ou seja, poderiamos concordar
em que o programa é acertado, sem, no entanto, admitir que a
estipulação seja consistente e útil para a discussão em pauta. E —
o que é mais grave —poderiamos concordar em que a estipulação
é formalmente correta e é conveniente para os propósitos da dis- (25
cussão do a uto r, mas achar, ao mesmo temp o, que o program a ex- ^ —
primido é errado. A fim de perm itir a manifestação de divergên-
cias tão importantes como essas, torna-se necessário levantar am
bas as questões com relação a definições do tipo que estivemos
considerando.
Fica então bem claro que, se o autor de uma definição
dessas consegue mostrar que o programa proposto é acertado,
ainda não mostrou, com isso, que as suas estipulações são úteis.
Nem,são
úteis seguramente, estará ele,noseseu
as suas estipulações se concentrar em mostrar quão
discurso, demonstrando, de
modo algum, que o programa expressado vale a pena. A questão
linguística e a questão moral ou prática devem ser, uma e outra,
ponderadas independentemente.
Entretanto, nos casos de uma superposição de definições de
tipos estipulativo e programático, sucede com freqüência que os
argumentos procedem em direções opostas, porque a necessidade
que apontamos acima foi, de fato, esquecida. Desse modo, alguns
críticos da definição
concentraram de ‘currículo’,
muitas vezes em apontar mencionada
o seu caráter há pouco,
vago se
e várias
outras dificuldades, ao passo que os seus defensores retrucaram
amiúde com recomendações morais do programa que ela veicula.
No entanto, no caso de definições em que existe uma superposi
ção estipulativa e programática, há certos traços típicos que nos
ajudam a lembrar da necessidade de uma avaliação dupla. Assim,
o caráter estipulativo dessas definições se faz usualmente evidente
graças a indícios explícitos no contexto; por exemplo, a defini

ção pode
com ser expressamente
o propósito de facilitar aintroduzida comoque
discussão, sem umahajaconvenção
nenhuma
tentativa de justificá-la por referência a um uso predefinicional. E
mais: o próprio fato de que esse uso normalmente é alterado por
essas definições (não-inventivas) sugere que elas possam ter um
outro objetivo, especialmente um objetivo prático. Com efeito, a
estranheza mesma do uso estipulado nos põe em alerta, e isso nos
leva a perg untar se algo mais do que mera estipulação n ão podería
estar envolvido.
Esse tipo de auxílio mnemônico, incorporado à própria defi
nição, geralmente não se encontra no caso restante de superposi
ção (e talvez o mais interessante) que ainda precisamos examinar,
a saber, o caso de definições que são simultaneamente descritivas
e programáticas. É óbvio que não.haverá aqui nenhum dos indí
cios contextuais que são apropriados para as estipulações; além
disso, embora a evidência que for oferecida de uma correspondên
cia com o uso prévio possa ser apenas esboçada, normalmente ha-
. verá aqui um a preten são clara de co rres ponder a esse uso. É evi-
26J dente que pode haver violações reais do uso prévio p or parte de
definições descr itivas — o qu e o corre qu an do elas são inexatas.
Com efeito, devemos recordar que as definições descritivas são
aquelas que pretendem espelhar com exatidão o uso predefini-
cional; ora, algumas delas não conseguem realizar aquilo a que se
propõem. Dessa maneira, as definições descritivas inexatas tam
bém apresentarão, de fato, violações de um uso prévio, e essas
violações poderão (dir-se-á talvez) nos fazer lembrar da possibili
dade de uma interpretação programática. Mas a nossa convicção
de que essa inexatidão é involuntária torna bem menos provável
que ela nos alerte e sugira uma interpretação muito diferente, isto
é, uma in terp reta ção programática. A definição em que stão, af inal,
tem toda a aparência de uma fórmula que se pretendia descritiva
e que malogrou. O fato de que a violação do uso prévio não ofe
rece aqui nenhum indício sólido para sugerir uma interpretação
programática, constitui, talvez, a razão pela qual os casos de
superposição descritiva-programática são, com tanta freqüência,
mal interpretados, sendo, por conseguinte, fontes de confusão em
debates sobre temas sociais. Passemos agora ao exame dessa
forma de superposição.
Já assinalamos que uma definição que consigna um dado ter
mo exclusivamente às coisas, e somente a elas, a que se aplicou até
então, mesmo assim pode estar exprimindo um programa. Supo
nhamos , p or exemplo, que alguém queira s e opo r ao programa e x
presso pela definição de ‘currículo’ que consideramos anterior
mente. Visto que aquela definição desvia do uso prévio do termo,
veiculando, assim, a idéia de que é desejável expandir a responsa
bilidade da escola, seria perfeitam ente natural exprimir oposição
a tal expansão propondo-se uma contradefinição que espelhasse
com exatidão o uso prévio e que pretendesse fazer isso, e que,
além disso, restringisse, de fato, o currículo ao plano formal de
estudos da escola. Ambas as partes, nesse caso, estariam de acordo
sobre o princípio de que a escola é responsável pelo currículo,
mas, interpretando de maneira diversa o alcance do currículo,

estariam aconselhando práticas diferentes por parte da escola.


Esse não constitui o único modo, é claro, em que uma tai
diferença de programas pra'ticos pode se expressar. Aquele que se
opõé à expansão poderia, por exemplo, admitir que se mantenha
o sentido estipulado de ‘currículo’. Poderia, então, formular a sua
oposição ao programa proposto negando a suposição de que a
escola é responsável por todo o currículo. Inversamente, o
proponen te da responsabilidade ampliada não está obrigado a
exprimir o seu programa mediante uma definição estipulativa.
Poderia admitir, por exemplo, que o termo ‘currículo’ guarde a
sua aplicação habitual, passando a argumentar que a escola é
27)responsável por algo mais do que o simples currículo.
(Compare- se, p or exemp lo, o term o ‘atividades extracurric ulares ’.)
Não obstante, enquan to as duas partes conservarem o princípio
segundo o qual o currículo é coextensivo à responsabilidade da
escola, as suas definições divergentes podem ser portadoras da
expressão de programas educacionais contrários. Se é isso o que
está realmente em jogo num debate determinado, torna-se então
imp ortante não supor qu e o proble ma - pelo fato de o s pontos de
vista em oposição se exprimirem ambos em forma de definição —
seja puramente verbal.
Tampouco o problema de saber se um debate desse tipo é
ou não programático, num caso dado, constitui meramente uma
questão formal, a ser determinada pela simples inspeção daquilo
que é dito. Muito dependerá do contexto em que o debate se
realiza, da maneira como é conduzido, dos princípios práticos
que são pressupostos, da disposição dos participantes em aceitar
certas reformulações das suas posições respectivas, da plausi-
bilidade com que as definições possam servir como premissas
práticas, e assim por diante. Em certos casos particulares, po
derá ser difícil decidir se o problema em jogo é somente descritivo
ou se é também programático. Em tais casos, é de prudência ado
tar a suposição mais forte, aquela segundo a qual a questão é si
multaneamente descritiva e programática, e avaliar o debate sob
ambas as perspectivas.
Consideramos, assim, um exemplo de superposição
descritivo-programática; na verdade, tratava-se de um caso em
que a definição também é descritivamente exata, e no qual ela se
opõe programaticamente a uma estipulação não-inventiva. Nesse
exemplo, como num anterior, há duas perguntas que devem ser
colocadas à definição descritiva —a pergunta prática: “A respon
sabilidade da escola deve excluir o desenvolvimento individual,
social e psicológico dos seus alunos? ”, e a pergunta lingüística:
“A definição espelha com exatidão o uso predefinicional do ter
mo ‘currículo’? ”. Como no caso anterior, essas perguntas são lo
gicamente independentes, e uma resposta positiva a uma delas não
tem absolutamente nenhuma influência com relação à outra. Em
particular, mesmo se a definição for, de fato, lingüisticamente
exata ou correta, absolutamente nada ficou estabelecido no que
concerne ao programa que ela expressa.
Passaremos agora a um outro tipo de exemplo de
superposição descritivo-programática, exemplo esse em que estão
envolvidas instâncias inde termin adas, e no qual duas definições
igualmente exatas podem, não obstante, ser opostas progra-
maticamente. Recordar-se-á que acusamos, anteriormente, a
existência de instâncias limítrofes, às quais o uso prévio de um
termo não aplica nem deixa de aplicar, de maneira inteiramente
clara, o termo em questão. Observamos também que, com respei
to a essas instâncias limítrofes, as definições descritivas têm a
liberdade de prescrever qualquer uma das duas alternativas sem
prejuízo da sua exatidão. Dessa maneira, essas definições poderão
servir, com efeito, tanto para legislar uma nova utilização como
para descrever um uso prévio. (Na realidade, é extremam ente
duvidoso que uma definição descritiva exata qualquer possa
deixar de legislar em ambos os sentidos.) Daí resulta que
definições alternativas que são igualmente corretas em descrever
o uso prévio de um termo, possam diferir entre si ao legislar para
casos que estavam até então indeterminados. Se os casos

indecisos
em pauta em questão
bem poderáenvolverem práticas Essa
ser programático. alternativas , o será
situação ponto
ilust rada nu m instant e.
Nesse p onto, entretanto , é im portan te assinalar com especial
destaque o fato de que definições alternativas podem muito bem
ser ambas exatas, e que não devemos, portanto, supor que a cada
termo corresponde uma, e somente uma definição correta. De
resto, isso não acontece apenas no caso das definições gerais. Mes
mo em ciência, a rivalidade (pelo menos em relação ao uso cientí

fico) entre definições


freqüência. exatas aalternativas
Algumas vezes, é algocasos,
escolha, nesses que ocorre com
não produz
nenhuma diferença científica, podendo, em conseqüência, ser fei
ta arbitrariamente. Por vezes, a escolha é decidida em função da
simplicidade ou da conveniência teóricas, e não em função do fa
to de poder ser desejável assimilar os casos limítrofes a tal grupo
de instâncias e não a tal outro. Em outras ocasiões, todavia, o fato
de que isso seja desejável deverá entrar em consideração e, nesse
caso, a pergunta relevante torna-se a seguinte: “Como esses casos
limítro fes devem ser encarados para objetivos científico s? ” . Tra
ta-se aqui, se se quiser, de uma questão de prática num sentido
amplo, mas é uma pergunta que resta independente de considera
ções de política social e de ordem moral, caindo, por conseguinte,
fora do âmbito da prática tal como a compreendemos até aqui.
No caso das definições gerais, porém, essa independência
não pode ser dada por admitida. A decisão a respeito de casos
limítrofes pode, de fato, constituir precisamente o local em que
as diferenças programáticas atingem o ponto culminante. E mais:
à diferença do exemplo anterior, no qual uma definição descritiva
exata se opunha a uma estipulação que transgredia claramente o
uso prévio, a opo sição progr amá tica relativa a casos lim ítro fes
pode estar incorporada em definições rivais de exatidão
inquestionável. Estamos agora em condições de passar a alguns
exemplos.
Os contextos legais proporcionam exemplos claros de
definições que legislam sobre matérias práticas, pretendendo, ao
mesmo tempo, resumir o uso (legal) prévio. Suponhamos que
uma nova seita seja fundada, a qual não prescreve nenhum credo
ou livro sagrado, embora recomende certos rituais e hinos e
promova reuniões destinadas a perfeiçoar a conduta e as atitudes
éticas dos homens. Deve-se chamar essa seita de ‘religiosa’? O uso
prévio poderá ser confuso; mas o fato de a definição legal a ser
adotada ter o efeito de aplicar ou não o termo a essa seita é que
determinará se ela receberá ou não aqueles privilégios que a lei
concede a instituições religiosas. Duas definições de ‘religião’,
igualmente corretas nisto que ambas cobrem adequadamente os
casos claros do uso predefinicional, podem, mesmo assim,
divergir no modo como classificam a nossa seita imaginária. No
que respeita à significação padronizada e prévia do termo
‘religião’, ambas as definições seriam corretas; nao poderemos,
então, dizer que nenhuma delas é superior à outra apenas sobre a
base de considerações de significação.
E evidente que essas definições em contextos legais são de
natureza tanto programática quanto descritiva, seu objetivo
consistindo em orientar a conduta prática com relação a novos
casos, bem como, ao mesmo tempo, em resumir o uso anterior.
Para escolher uma dessas definições, seríamos obrigados a
abandonar o terreno das considerações de significação e apelar
para outros tipos de considerações, por exemplo, as de ordem
moral e prática. Seríamos obrigados a perguntar por exemplo:
“As conseqüências sociais da classificação da nova seita como ‘re
ligiosa’ são mais ou menos desejáveis do que aquelas que decorrem
da aqui
da sua classificação como ‘não-religios
não é, evidentemente, a’? umaAquestão
verbal, mas que stãomoral
envolvi
e
prática, a ser decidida sobre bases morais e práticas. Constituiría
um erro grave estabelecer a exatidão descritiva de alguma defini
ção proposta e, em seguida, tentar resolver a questão moral ape
lando exclusivamente para a definição.
Problemas de definição do tipo que acabamos de considerar
reaparecem periodicamente no direito e no pensamento social em
geral. Sua presença, muitas vezes, se manifesta de maneira
fulgurante quando as transformações sociais nos defrontam com
casos limítrofes dos nossos termos sociais tradicionais, casos esses
que exigem urgente adjudicação. Consideremos, por exemplo, os
problemas implicados em redefinir ‘propried ade’, ‘direitos eco
nômicos’ etc., sob as condições sem precedentes criadas pela
industrialização, ou pela conquista recente do espaço. Podemos
dizer que os nossos termos sociais refletem o meio ambiente
social familiar com relação ao qual vieram a cristalizar-se os
nossos princípios de ação; as novas decisões sociais podem ser
exprimidas mediante a redefinição desses termos, de forma a
perm itir que as nossas regras tradicionais enfrentem um am biente
modificado. Como foi mencionado anteriormente em outro
contexto, não é necessário que a expressão dessas decisões se rea
lize sempre por meio de redefinições; não obstante, a redefinição
é freqüentemente empregada para esse fim e, portanto, será de
tipo programático nesses casos.
O ponto mais importante que emerge da reflexão sobre esses
exemplos consiste nisto que recorrer à exatidão das definições,
mesmo quando o recurso é plenamente justificado, nao basta, por
si só, para sustentar um programa controvertido qualquer que
poderá estar envolvido quando a definição se aplicar a casos
limítrofes. Muitos pensadores pretenderam possuir uma visão
interna especial das significações autênticas e únicas dos termos
sociais, na base da qual poderíam decidir o que deveria ser feito
em áreas sociais controvertidas. Conhecendo as únicas definições

reais de ‘o derivar
poderíam estado’, daí
‘sociedade’, ‘homem’ sociais
os imperativos etc., supuseram que
que deveríam
governar aquelas situações recentemente surgidas que estão a
exigir decisão. Se a nossa análise anterior é correta, essa pretensão
é totalmente equivocada. Com efeito, em primeiro lugar, existem
maneiras altern ativas de definir descritiv ame nte ‘o est ado’,
‘sociedade’, ‘homem’ etc., todas elas igualmente exatas com
relação ao uso ou à significação prévios desses termos, mas
diferentes no modo como legislam os novos casos. Em segundo
lugar, além disso, há sempre a possibilidade de alterar, com vistas
a veicular um programa prático, até mesmo o uso padrão prévio.
(Ilustramos essa possibilidade ao discutir a superposição, no caso
do termo ‘currículo’, de uma estipulação não-inventiva e de uma
definição programática.) Em terceiro lugar, finalmente, as
definições dos termos sociais são incapazes, isoladamente, de
produzir quaisquer consequências práticas; precisam ser suple
mentadas contextualmeilte por princípios de ação. (No caso do
‘currículo’, lembremos, por exemplo, o princípio segundo o qual
o currículo é coextensivo à responsabilidade da escola.) Somente
em ligação com tais princípios é que as definições sociais efetiva
mente servem para veicular conseqüências práticas. Sempre have
rá, portanto, a possibilidade de recusar essas conseqüências, acei
tando a definição como exata mas negando os princípios práticos
. que são pressupostos. Em suma; o salto que vai da definição à
ação é largo e arriscado, mesmo nos casos em que a definição, en
qu an to elucidaçã o da significação, for inqu estio nav elm ente ex ata12.
As considerações acima são altamente relevantes no que
concerne à utilização de definições em discussões de educação.
Por exemplo, proporcionar uma definição do termo ‘educação’
em contextos não científicos equivale, com muita frequência, a
veicular um programa, bem como, no melhor dos casos, a afirmar
uma equação que pode ser exata com respeito ao uso prévio.
31) Ainda quando tal definição for exata, essa exatidão não pode ser
utilizada como uma medida do valor do programa educacional
expressado. Programas diferentes são comp atíveis com a exati
dão, e a justificação de qualquer programa constitui, portanto,
um problema independente .
Sem dúvida, as definições de termos em educação não se
encontram, em geral, encaixadas numa rede de regras práticas tão
precisa como aquela em que estão as definições legais; mas
quando em combinação com princípios de ação amplos e
informais (embora socialmente fundamentais), elas servem muitas
vezes, apesar disso, com o veículos para debate r novos programas
de educação, novos pontos de vista sobre o método, sobre os
objetivos ou sobre o conteúdo da educação. Já vimos um
exemplo no caso do termo ‘currículo’. Pode-se dizer, então, que
as definições em educação assemelham-se às definições em arte,
as quais, conquanto desprovidas de qualquer significância legal,
também servem, freqüentemente, para exprimir concepções
variáveis da t are fa do artista 13. Por exe mplo, as definições
apresentadas pelos inovadores em arte estendem muitas vezes o
uso do termo ‘obra de arte’ a novos tipos de objetos; as
12. Karl Popper, no seu trabalho The Open Society and its Enemies. Terceira
ediç ão, London , R out ledg e & Kegan Paul, Ltd., 195 7 (Primeira ediçã o,
19 45 ), criticou acerbamente o que ele cham a de ‘essenci alismo ’, ou seja, a
busca das significações essenciais dos termos básicos; o presente parágrafo no
texto inspirou-se no seu tratamento. Não obstante, o nosso texto diverge da
defesa que Popper faz da função exclusivamente abreviatória das definições,
nisto que nós admitimos aqui definições descritivas com força explicativa.
Apesar disso, o essencialismo é evitado, pois em todo o texto adota-se uma
interpreta ção . exte nsio nal da definição descritiva, permitindo definições
exatas mas diferentes de cada noção.
13. Os po nto s estabelecidos nesse p arágrafo, eu os devo a Zif f, P.: “The task of
defining a work of art”, The Philosophical Review, 62:58, (January) 1953.
contradefinições dos conservadores recusarão, ao contrário, o
termo a esses mesmos novos objetos. Ambos os conjuntos de
definições, além disso, estão muitas vezes em consonância com a
tradição artística, vale dizer, ambos estão em conformidade com
o uso prévio. A disputa, nesses casos, não pode, então, ser
considerada como uma questão que só concerne à significação de
termos. Trata-se, ao contrário, de um problema de programas
artísticos divergentes, veiculados por definições programáticas
que se encontram em oposição, as quais, ao mesmo tempo, são
exatas do ponto de vista descritivo. Uma tentativa de definir uma
obra de arte não é, nas palavras de Collingwood, «uma tentativa
de investigar e expor verdades eternas acerca da natureza de um
objeto eterno chamado Arte»; constitui, ao contrário, uma
tentativa de oferecer «a solução de certos problemas que nascem
da situação em que os artistas mesmos se encontram, aqui e
agora»14.
A educação, assim como a arte, a literatura e outros
aspectos da vida social, apresenta estilos e problemas cambiantes
em resposta a condições cambiantes. Essas últimas exigem
decisões que determinem a nossa orientação prática face a elas.
Tais decisões podem ser incorporadas na revisão dos nossos
princípios de ação ou nas nossas definições dos term os per
tinentes, ou em ambas ao mesmo tempo. No processo de
construção de novas definições para esses propósitos, não existe
nenhuma visão interna especial de significações que nos diga
como devem ser feitas as revisões e ampliações. O que importa
aqui não é uma inspeção das únicas significações autênticas dos
termos (se isso fosse possível), mas uma investigação, à luz dos
nossos comprometimentos, das alternativas práticas que estão
abertas para nós, bem como das maneiras alternativas de levar a
efeito as decisões desejadas.
O modo como escritos profissionais em educação negli
genciam muitas vezes esse ponto pode ser ilustrado pela seguinte
descrição de um novo programa p ara a educação escolar secundária:
«O currículo estava organizado em torno de quatro tipos de
atividades: projetos de narrações, projetos manuais, projetos
de jogos e projetos de excursões; oferecia-se a oportunidade
para uma avaliação contínua das atividades, sendo tal
avaliação dirigida pelos alunos. A organização desse
program a escolar derivou naturalm ente da crença em que a

14. Col ling woo d, R. G.: The Pr inci pies o f Ar t. Oxford at the Clarendon Press,
1938, p. vi, citado in Ziff, op. cit.
significação fundamental do conceito de educação consiste
em auxiliar jovens de ambos os sexos a participar ativamente
no mundo que os cerca».
A questão é posta aqui em termos de significações fundamentais.
Mas o que está, de fato, em jogo? Os casos evidentes do con ceito
‘educação’, tal como se achavam incorporados ao uso que pre
cedeu
em queo os
advento
jogos edas
as inovações
excursões, modernas,
assim comonão incluíam contínua
a avaliação os casos
dos alunos, caracterizavam o programa educacional. Mas alguns
dos casos claros, como o do presente exemplo, envolviam institui
ções especiais, uma direção global exercida por adultos, a avalia
ção dos rendimentos, e assim por diante. A presente inovação
educacional, na realidade, é, ao mesmo tempo, suficientemente
semelhante às instâncias passadas evidentes e suficientemente
distinta de tais instâncias para constituir um caso limítrofe.
Propor uma reforma educacional nas linhas da passagem
transcrita acima significa dizer que um procedimento desse tipo
deve ser tentado sob a égide das escolas. Pode-se então dizer que
essa proposta assimila o caso limítrofe aos casos passados
evidentes, deixando intactos todos aqueles princípios de ação que
formulam a nossa orientação positiva frente ao empreendimento
33) educacional. Ê o qu e a definição enun ciada te nta jus tam ente
"~iazer, insistindo, realmente, nas semelhanças, isto é , no objetivo
comum de ajudar os jovens de ambos os sexos a participar
ativamente no mundo que os circunda. Seria fácil, no entanto,
confeccionar definições alternativas que se baseassem, ao
contrário, nas diferenças, segregando a nova reforma dos casos
prévios e evidentes de ‘educação’. A questão, em suma, constitui
uma questão de prática e, portanto, exige avaliação em função
das nossas preferências e engajamentos, assim como em função
dos efeitos esperados. O que se deve fazer com relação a essa
reforma educacional proposta é, portanto, da nossa responsabili
dade prática, e algo que não pode ser decidido por uma inspeção
do conceito de ‘educação’.
Consideremos agora um último exemplo, de um tipo um
tanto mais abstrato. Em discussões educacionais, diz-se muitas
vezes que uma definição de ‘homem’ fornece diretivas para a
elaboração do currículo e para a avaliação de métodos de
educação escolarl s . E é realm ente verdade que a maneira 15

15. A esse re speito, ver, por ex em pl o, Ducasse, C. J.: “What can philo soph y
contribute to educational theory? ”, Harvard Ed uc ati on al Re vie w, 28:285,
(Fali) 1958. Ducasse pergunta quais são as várias dimensões da natureza do
segundo a qual organizamos os nossos esforços educacionais e
fazemos funcionar nossas escolas é condicionada pelas definições
predominantes da natureza humana. Não se trata, como já vimos,
de que consequências educacionais práticas possam ser derivadas
de definições exatas tomadas isoladamente, mas, ao contrário, de
que elas podem ser veiculadas por essas definições em contextos
dentro dos quais os princípios de ação relevantes são dados por
admitidos. A conclusão que muitas vezes se tira em teoria
educacional é a de que devemos, primeiramente, decidir qual é a
definição correta de ‘homem’ e que, depois disso, precisaríamos
apenas inferir as consequências educacionais práticas por meio de
uma aplicação da lógica pura.
Essa imagem, contudo, é errônea, não somente por postular
uma simples implicação dedutiva entre definições da natureza
humana e consequências educacionais práticas, mas também
porque concernentes
acima deixa de levar em conta que
às definições os vários
são aopontos
mesmoassinalados
tempo
descritivas e programáticas. Há um número indefinido de
definições alternativas de ‘homem’, um número indefinido de
maneiras de dimensionar a sua estrutura e as suas capacidades,
todas elas podendo ser igualmente exatas. Escolher um desses
dimensionamentos na base da sua exatidão e passar a decifrar daí
aquilo que deve corresponder, do ponto de vista do currículo, a
cada dimensão, como muitas vezes se faz, significa passar à
margem de toda a pergunta. Uma das bases sobre as quais se pode
escolher uma definição para propósitos educacionais deve
consistir numa consideração das conseqüências mesmas para a
prática educacional, que deverão ser esperadas como o resultado
da adoção dessa definição. O caráter programático de tal defini
ção significa que ela exige uma avaliação relativa ao programa que
ela veicula. Na verdade, uma avaliação como essa poderá inclusive
nos levar a adotar uma estipulação não-inventiva que violenta ma
nifestamente o uso prévio; e poderá seguramente nos levar a dife
renciar entre definições descritivas igualmente exatas que veicu
lam programas diferentes. É precisamente porque as definições
desse último tipo são programáticas que a sua adoção deve seguir,
e não preceder, uma avaliação moral e prática dos programas que
elas transmitem. A inspeção das significações não pode substituir-
se a essa avaliação.

homem, como uma preliminar para a determinação das principais dimensões


da educação, que (como diz ele) “correspondem, é claro, às da natureza do
homem”.
Uma observação análoga vale para a transferência de
definições da ciência para a educação, transferência essa cujos
perigos já notificamos. Observamos que as definições científicas
estão em continuidade com as teorias e com as evidências
próprias aos seus domínios respectivos, e que o melhor, portanto,
é que sejam tratadas à parte. Não poderíam ser incluídas, sem
distorções sérias, nas nossas categorias estipulativa, descritiva e
programática. Elas devem ser julgadas, grosso modo, pela
contribuição que fazem à adequação das suas respectivas redes
científicas com relação à explicação dos fatos. Segue-se daí que,
adotar uma definição científica para uso programático não
significa evitar a necessidade de uma avaliação do programa que
esse uso veicula. A adequação científica de unia definição não é
um signo do valor prático de tal programa, como não o é
tampouco a exatidão com respeito ao uso prévio.
Por último, devemos assinalar a verdade inversa. Assim
como do fato de uma definição ser exata não se segue
automaticamente que o programa que lhe está associado tenha
valor, assim tam bém, do fato de uma definição s er inex ata não se
segue" automaticamente que o seu programa não tenha valor. Já
vimos, no caso das definições estipulativas não-inventivas que são
ao mesmo tempo programáticas, que é possível que um programa
valioso seja veiculado por uma fórmula descritivamente inexata.
Apesar disso, alguns autores ocasionalmente argumentam —
invalidamente — que as suas def inições, v isto que os seus
programas
réplica, são dotados
igualmente de valor,
inválida, de quesão exatas,
esses provocando
programas assim a
não podem
ter valor porque as suas definições são inexatas. A questão assim
estabelecida, mais do que a exacerbaçao de partidarismos, exige
que nela pen etremos . Em suma, deve-se reco nhe cer que a mesma
fórmula definicional pode, em dada ocasião, ser ao mesmo tempo
descritiva e programática, e que ela exige, portanto, uma dupla
avaliação.
*

CAPÍTULO II

OS SLOGANS EDUCACIONAIS

Os slogans educacionais se distinguem claramente das


definições sob muitos aspectos. São inteiramente assistemáticos,
de tom menos solene, mais populares, a serem repetidos com
veemência ou de maneira tranqüilizadora, e não a serem
gravemente meditados. Não constituem figura importante na
exposição das teorias educacionais. Não possuem nenhuma forma
padronizada e tampouco têm qualquer pretensão de facilitar o
discurso ou de explicar as significações dos termos. Falamos das
definições como esclarecedoras, mas não dos slogans', os slogans
podem ser estimulantes, mas não as definições.
Em educação, os slogans proporcionam símbolos que
unificam as idéias e atitudes chaves dos movimentos educa
cionais. Exprimem e promovem, ao mesmo tempo, a comu
nidade de espírito, atraindo novos aderentes e fornecendo
confiança e firmeza aos veteranos. Assemelham-se, assim, aos
slogans religiosos e políticos e, como esses, são produtos de um
espírito partidário. Posto que os slogans não têm nenhuma
pretensão de facilitar a comunicação ou de refletir significações,
alguns dos principais pontos do capítulo anterior tornam-se
irrelevantes aqui. Ninguém defenderá o seu slogan favorito como
uma estipulação útil ou como um reflexo exato das significações
dos seus termos constituintes, E ocioso, portanto, criticar um
slogan por inadequação formal ou por inexatidão na transcrição
do uso.
Entre eles e as definições, no entanto, existe uma impor
tante analogia que deve ser examinada. Dissemos que os
slogans fornecem símbolos que unificam as idéias e atitudes
chaves de certos movimentos, idéias e atitudes essas que
poderíam encontrar alhures uma expressão mais plena e mais
literal. Com o correr do tempo, entretanto, muitas vezes os
slogans passam progressivamente a ser interpretados de maneira
mais literal, tanto pelos aderentes como pelos críticos dos
movimentos que eles representam. Passa-se a considerá-los, cada
vez mais, como argumentos ou doutrinas literais, e não mais
simplesmente como símbolos unificantes. Quando isso acontece
num caso determinado, torna-se importante avaliar o slogan ao
mesmo tempo enquanto uma asserção direta e enquanto um
símbolo
confundir de
umaum coisamovimento social
com a outra. prático,mencionada
A analogia sem, contudo,
entre
slogans e definições reside justamente na necessidade dessa
avaliação dúplice.
Em educação, essa avaliação dupla talvez seja ainda mais
importante do que iro caso de slogans políticos e religiosos, pois
os educadores, pelo menos nos países ocidentais, não estão
submetidos à disciplina de uma doutrina oficial nem estão
organizados em grupos confessionais, como os grupos religiosos e
políticos16. As idéias educacionais,
em textos cuidadosamente elaborados eformuladas primeiramente
muitas vezes difíceis,
cedo tornam-se influentes em versões popularizadas entre os
professores. Não há nenhuma disciplina ou liderança oficiais
que preservem as doutrinas iniciais ou alguma elaboração
dessas, cuidando de que tenh am precedência em conjunturas
críticas, sobre as versões populares, ao contrário do que acontece
habitualmente em religião e em política. Os slogans educacionais
se desenvolvem, com freqüência, em doutrinas operacionais
autônomas, que convidam e merecem ser criticadas enquanto
tais. É importante lembrar, nesse ponto, que, embora tal crítica
seja inteiram ente justifi cada, é necess ário que seja complemen tada
por uma crítica autônoma dos movimentos práticos que deram
srcem aos slogans em questão, bem como por uma crítica das
doutrinas de que eles nasceram. Podemos resumir dizendo que o
que é necessário é uma crítica do teor tanto literal quanto prático
dos slogans ; as doutrinas srcinárias, outrossim, deverão ser
independentemente avaliadas.
O exemplo da influência educacional de John Dewey é
instrutivo. As suas afirmações sistemáticas, cuidadosamente
formuladas e bem especificadas, foram rapidamente traduzidas
em fragmentos de impacto que serviríam como slogans para as
novas tendências progressistas da educação americana. O próprio

16. Deveria ser óbv io que não esto u sustentand o que uma tal organização
disciplinada seja desejável, mas apenas sugerindo que a sua ine xist ênc ia torna
mais urgente a crítica dúplice dos slogans.
Dewey criticou as utilizações que foram conferidas a algumas das
suas idéias17, e as suas crític as tiveram o efeito de suscita r a
reconsideração e a reflexão. Dewey, afinal de contas, era o
reconhecido líder intelectual do movimento. E, no entanto, os
slogans progressistas foram, cada vez mais, assumindo uma vida
própria. Foram defendidos como afirmações literais e atacados
como tais. Os crít ico s, em partic ular, com eçara m, muitas vezes,
por atribuir os defeitos literais dos slogans progressistas às
doutrinas srcinárias de Dewey, passando, a seguir, a sugerir que
o movimento progressista tinha se revelado, por isso, desprovido
de valor nos seus objetivos e no seu funcionamento.
O fato de que a pretensão literal e a pretensão prática dos
slogans devem ser criticadas independentemente pode ser
ilustrado pela consideração do slogan «Ensinamos crianças,
não matérias»*. Tendo em vista o fato de que essa e outras
fórmulas estreitamente análogas foram tratadas, por vezes, como
afirmações literais, e não meramente como símbolos unificadores
do movime nto progressista, deter-nos-emos a exam inar a
afirmação sob uma perspectiva literal. Terá, assim, algum
sentido?

Suponhamos que eu diga a você que estive ensinando ao


meu filho durante toda a tarde de ontem. Você teria todo o
direito de perguntar: «O que é que estava ensinando a ele? ». E
você não esperaria necessariamente um único tipo de resposta, tal
como o título de alguma matéria acadêmica. Se, em lugar de
dizer: «M atemática», eu respondesse: «Como jogar de centroavan-

17. De we y, J.: Experience an d Education. New York, The Macmillan Company,


1938.
O slogan srcinal :é “We teach ch ildren, not subjec ts” . Sob essa forma,
apresenta uma dupla dificuldade para o tradutor, e não parece possível que a
versão brasileira proposta preserve adequadamente todas as dimensões e
forças semânticas da sentença inglesa correspondente. De um lado, o verbo
'to teach’ seria melhor traduzido, nesse contexto proposicional, por ‘educar’,
o que prejudicaria, contudo, a tradução correta do segundo membro da
sentença. Por outro lado, a expressão ‘subjects’ tanto pode significar
‘matérias’, no sentido de ‘disciplinas escolares’, como ‘súditos’ ou ‘vassalos’,
o que sugeriría, no caso do slogan, a situação de alunos submetidos passiva
mente ao ensino e à autoridade do professor, que imporia um aprendizado
mecânico, rígido e formalista. O contexto educacional em que surgiu o slogan
em questão indica que essa última associação semântica não esteve ausente
da sua força operativa e do seu significado. É o que parece sugerir claramente
o texto que Scheffler transcreve na p. 40, assim como as observações ali
apresentadas (Nota do tradutor).
te»*, ou: «A ser bem educado», ou: «A importância de ser sério»,
você ficaria satisfeito com a resposta. Mas suponhamos que eu
dissesse, em resposta à sua pergunta, «Oh, nada em especial; esti
ve simplesmente lhe ensinando, nada mais», imagino que você
teria dificuldade em compreender como passamos aquela tarde.
Seria como se você tivesse me perguntado: «O que é que você teve
por jantar? », e recebesse a resposta: «Oh, nada; eu simplesmente
jantei, mas não tive nada por jantar».
Nesse último caso, podería,, sem dúvida, ser uma resposta
razoável se eu dissesse: «Não consigo lembrar», ou: «Não sei o
nom e do prato», ou ainda: «Não creio que seja capaz de
descrevê-lo para você». Em cada um desses casos, porém, estou
reconhecendo que é possível responder adequadamente à sua
pergunta nomeando ou descrevendo uma comida qualquer,
embora, por uma razão ou outra, eu não a forneça. No entanto,
dizer: «Não tive nada por jantar, simplesmente jantei», significa
negar que a sua pergunta possua, nesse caso, uma autêntica
resposta, e é essa negação, precisamente, que torna impossível
com preender a asserção. De maneira análoga - para voltar ao
exemplo do ensino —, eu poderia, é claro, dizer: «Não consigo
lembrar o nome do livro», ou: «Não sei qual é o nome daquele
estilo de natação», ou até: «Não creio que possa descrevê-lo para
você agora» (suponhamos que se trate de uma complicada
estratégia enxadrística). Todavia, se não respondí nenhuma dessas
coisas, insistindo, ao contrário, em que não estive ensinando nada
ao menino, você não conseguiría me compreender ou, pelo
menos, não poderia acreditar que eu estivesse proferindo algo
literalmente verdadeiro.
Esse caso deve ser distinguido de um outro, no qual
você me pergunta: «O que você ensinou a ele? », isto é,
«O que é que você consegu iu ensinar a ele? ». Ê perfeita -
mente possível que, em resposta a essa pergunta, eu diga:
«Nada». E perfeitam ente possível que eu tenha estado a ensinar
álgebra a alguém a quem não consegui ensinar álgebra. Não lhe
ensinei nada, embora tenha estado a ensinar-lhe álgebra; estive
tentando leva'-lo a aprender álgebra, mas ele não conseguiu
aprender. Perguntar, no entanto, nos termos da nossa pergunta
inicial: «O que é que você estava ensinando a ele? », não significa

A resposta no srcinal é a seguinte: “How to play first base”. A expressão


‘first base’ designa uma posição determinada no jogo debaseball. A tradução
literal, portanto, seria esta: “Como jogar na primeira base”. Julgamos mais
conveniente, entretanto, utilizar um exemplo familiar para o leitor brasileiro
(Nota do tradutor).
prigiiului «O que e que você conseguiu ensinar a ele?».
Sljnillleu, ao contrário, perguntar: «O que é que você estava
tentando levá-lo a aprender? ». Se, com relação a essa última
pergunta, eu respondesse: «Nada; estava apenas lhe ensinando;
mas não estava tentando fazê-lo aprender absolutamente nada em
particular», creio que você ficaria realmente confuso nesse caso.
Seria tão extravagante como se eu tivesse dito: «Passei a tarde de
ontem ensinando a nadar» e, em resposta à sua pergunta: «A
quem? », eu respo ndesse: «Oh, a ninguém; estive apenas
ensinando a nadar, mais nada». Se é verdade, de um lado, que
ninguém pode ensinar alguma coisa sem ensiná-la a alguém, é
igualmente verdade, de outro lado, que ninguém pode estar
ocupado a ensinar a alguém sem estar ocupado a ensinar-lhe
alguma coisa.
Retornemos agora à afirmação: «Ensinamos crianças, não
matérias» . Se tom arm os ‘matérias’, nesse caso, como uma
expressão geral, sem restringi-la a disciplinas acadêmicas, fica
visível que a afirmação em questão não pode ser interpretada ao
mesmo tempo como literal e verdadeira, visto que ela parece
dizer, de maneira bastante literal: «Ensinamos às crianças, mas
não há nada em especial que tentamos fazê-las aprender». Já
vimos anteriormente, é verdade, que a negação de que alguma
coisa foi ensinada é legftima quando a pergunta concerne ao
êxito do ensino, e não ao que ele intenta. Esse fato, todavia,
certamente não nos ajuda em nada a interpretar o slogan que
temos diante de nós, pois, numa interpretação desse gênero, a
afirmação resultante seria: «Ensinamos às crianças, mas não
conseguimos ensinar-lhes nada». Essa última afirmação (que é, de
qualquer modo, bastante improvável) dificilmente seria reivin
dicada como verdadeira pelos proponentes de qualquer movi
mento educacional. Tomado literalmente, o slogan constitui
um malogro manifesto, não podendo ser utilizado como uma
premissa séria em nenhum argumento.

Alcançar
prático essa conclusão,
do slogan entretanto,
, os objetivos não ésimbolizava,
que ele avaliar o alcance
ou as
tendências educacionais com as quais estava associado. Qual era,
de fato, o seu pro pó sito prá tico? O seu objetivo , num a palavra,
consistia em dirigir a atenção para a criança, em abrandar a
rigidez e o formalismo educacionais, em libertar os processos de
educação escolar de uma preocupação indevida com padrões e
perspectivas de adulto e das formas mecânicas de ensino, em
encorajar uma imaginação mais ampla e em estimular simpatia e
criança. Conhecer o co nt ex to educacional em que tom ou form a
essa mensagem prática significa compreender a relevância da sua
ênfase. Inversamente, a relevância da mensagem não poderá ser
percebida sem uma referência ao contexto em que surgiu. A
estória é muito longa para que possamos transcrevê-la aqui, mas
uma citação extraída de um estudo recente servirá para indicar os

seus
sobre traços mais salientes.
as escolas Citando o relatório
públicas americanas em 1892,de baseado
Joseph Rice
num
percurso de 36 cidades, nas quais Rice entrevistou 1.20U
professores, L. A. Cremin escreve18:

«A estória de Rice trazia todas as marcas distintivas daquele


tipo de jornalismo destinado a transformar ‘sensacionalista’
numa palavra doméstica nos Estados Unidos. De cidade em
cidade, a apatia do público, a interferência política, a
corrup ção e a inc om petênc ia conspiravam para. arruina r as
escolas. . . Um diretor de New York, interrogado sobre se
era permitido aos estudantes moverem a cabeça, respondeu:
‘Por que razfio deveríam olhar para trás quando o professor
está na frente deles? ’. Uma professora de Chicago, fazendo
com que os seus alunos recitassem num ‘exercício de
conjunto’, arengava-os com a seguinte ordem: ‘Nao parem
para pensar, digam-me apenas o que sabem!’. Em
Philadelphia, os ‘mandachuvas locais’ controlavam a
nomeação de professores e de diretores; em Buffalo, o
inspetor escolar da cidade era o único funcionário para
supervisionar setecentos professores. Com freqüência
alarmante, a estória era sempre a mesma: mercenários
políticos contratando professores não qualificados, os quais,
a seu turno, conduziam cegamente os seus inocentes pupilos
a exercícios monótonos, à repetição de cor e a uma
verbiagem sem sentido».
Dada uma situação como essa, torna-se mais do que evidente

adarelevância
criança. de
E uma
fácil insistente
perceber,ênfase
além educacional
disso, que sobre
uma oavaliação
mundo
positiva desse tipo de ênfase, que representa o objetivo prático do
nosso slogan 19, é totalmente independente das críticas que

18. Cremin, L. A.: “The Progressive mo vem ent in American educat ion: a
perspective”, H ar va rd E du ca tio na lR ev iew , 27:251, (Fali) 1957.
19. Pela relevância do obje tivo prático de um slogan, entendo aqui a sua
aplicabilidade, dentro do contexto da sua utilização, numa ocasião
particular. Ao falar da avaliação ou da justificativa desse objetivo prático,
endereçamos ao seu sentido literal. Ou seja: não se comete
nenhum erro lógico ao aceitar essas críticas e, ao mesmo tempo,
aplaudir aquilo que o slogan enfatiza. Saber se devemos ou não
aplaudir essa ênfase constitui uma questão à parte, que requer a
consideração de problemas práticos e morais relativos a algum
contexto dado. Por último, fica claro também que a relevância
prática de um slogan, bem como a aprovação que a ele se
concede, podem variar, segundo o c on tex to , de maneira
inteiramente independente do seu objetivo literal. No caso do
slogan que temos diante de nós, muitos, na verdade, acham que a
sua mensagem prática é bem menos urgente hoje em dia do que
poderá ter sido outrora, e que ela é, na situação educacional
atual, ou irrelevante, ou então consideravelmente menos
justificada. Essa variação nos destinos do alcance prático de um
slogan constitui uma função dos tempos que mudam e dos
problemas que mudam; ela não pode resultar do malogro do
slogan enquanto doutrina literal, pois essa é invariável.
Um corolário importante consiste nisto que doutrinas que
são mutuamente contraditórias enquanto afirmações literais
podem, todavia, em seus objetivos práticos, representar ênfases
abstratamente compatíveis, essas podendo, é claro, sofrer, de
contexto a contexto, variações independentes, seja quanto à
relevância, seja quanto à justificativa moral. Isto é: pode não
haver nenhuma causa que nos obrigue a supor que estamos em

presença
uma das de um pelo
quais, conflito irreconciliável
menos, deveremos de propostas
rejeitar práticas,
peremptoria-
mente. Esse ponto pode ser ilustrado considerando-se uma
afirmação que adquiriu o estatuto típico de um slogan em
educação, a saber, a afirmação de que não pode haver ensino sem
aprendizado. Assim como não pode haver venda sem compra, da
mesma maneira não poderia haver ensino sem aprendizado. Um
au to r re cen te 20 argum entou c on tra essa afirmação, pedindo-n os

efetuada. Para ilustrar a distinção, comparemos o caso dos imperativos,


Consideremos o imperativo: ‘Acenda a luz!’, proferido em determinada
ocasi ão. O imperativo será relevante nessa ocasião so me nte se a luz ainda nl o
estiver acesa. Mesmo se for relevante, entretanto, ainda podemos perguntai
se a luz deve ou não ser acesa.
20. Broudy, H. S.: Building a Philoso ph y o f Educ ation . Englewood Clifís, N. J„
Prentice-Hall, Inc., 1954, p. 14. Broudy escreve: “Muitos educadores, um
tanto inconsideradamente, repetem a máxima: ‘Se não há aprendizado, nlo
há ensino’. Isso constitui apenas uma maneira de falar, pois nenlmm
educador acredita realmente que ela seja verdadeira ou, se o fizesse, devei!»
recusar-se, com toda a honestidade, a aceitar a maior parte do seu saláiio
Existe uma diferença entre ensino bem sucedido e ensino mal sucedido, do
mesmo modo como há uma diferença entre cirurgia bem sucedida e cirurgia
para considerar como um contra-exemplo dela o caso de um
professor que te nto u, da melhor maneira ao seu alcance, ensinar
uma determinada lição aos seus alunos, não conseguindo,
con tud o, fazer com qu e a aprendesse m. Deveria mos dizer que
esse homem não esteve, na realidade, ensinando, que não
mereceu o seu salário e que não cumpriu com a sua
responsabilidade? E. claro que esse caso mostra que po de haver

ensino sem aprendizado.


Se tomamos as duas afirmações: «Não pode haver ensino
sem aprendizado» e: «Pode haver ensino sem aprendizado»,
simplesmente como doutrinas literais, devemos admitir que elas
são contraditórias. Além disso, devemos concordar que o
contra-exemplo apresentado em oposição à primeira dessas
afirmações logra mostrar efetivamente que ela é falsa. Se temos
diante de nós um caso real de ensino sem aprendizado, devemos
então rejeitar a doutrina que nega a existência de tais casos. Ora,
o contra-exemplo
sem aprendizado. efetivamente representa
Em suma: aqui pareceum caso realhaver
realmente de ensino
uma
nítida contradição entre duas afirmações, uma das quais é,
portanto, falsa.
Além disso, é fácil perceb er, por que razão a afirmação:
«Não pode haver ensino sem aprendizado» soa tão plausível
como doutrina literal, embora seja, de fato, falsa. Com efeito, se
bem que em algumas das suas utilizações o verbo ‘ensinar’ não
implique êxito, em outras ele o faz. Já assinalamos a diferença
que existe entre perguntar, de um lado: «O que é que você estava
ensinando a ele? » («O que é que você estava tentando levá-lo a
aprender? ») e, de outro lado: «O que você ensinou a ele? » («O
que é que você conseg uiu ensina r a ele? »). Podemos dizer que a
primeira pergunta contém uma utilização «intencional» do verbo,
ao passo que a segund a con tém um a utilização de «êxito »21 . E
claro que, se o aluno a quem estive ensinando não aprendeu, de
fato, coisa nenhuma, poderei responder à segunda pergunta (mas
nflo il primeira) dizendo: «Nada». Ou seja, no caso da segunda
ppigunla, não posso dizer — a menos que o meu aluno tenha
mal sucedida. . . Ensinar significa tentar deliberadamente p romo ver certas
•ptrndlzugcns. Quando outros fatores interferem para frustrar tais aprendi
zagem, o ensino malogra. As vezes, os fatores desse tipo se encontram
nu ptofessor; às vezes, no aluno; e por vezes, na própria atmosfera que ambos
reipltam; mas na medida em que houve o esforço, houve ensino”.
jI> I?s s m idéias devem muito ao tratamento das palavras de realização que se
em unlia em Ityle, G.: The Concept o f Mind. London, Hutchinson’s
Utlivp uity l lbrury, 1949. Ver também Ansc omb e, G. E. M.: In tention.
ÜSlutd, llasil Hlaekwell, 1957.
aprendido alguma coisa —que lhe ensinei algo, isto é: realmente
não pode haver (aqui e em todos os casos de utilização de
«êxito») ensino sem aprendizado.
Algumas ilustrações adicionais poderão ser de utilidade,
especialmente tendo em vista que a distinção entre usos de
«êxito» e «intencional» é de grande importância, e ressurgirá
com freqüência em discussões ulteriores. De toda evidência, se
estive ensinando a meu sobrinho como apanhar uma bola de
futebol, ele pode, ainda assim, não ter aprendido —e pode até
jamais aprender — como apanhá-la. Eu estava tentando, é claro,
fazê-lo aprender como apanhar uma bola de futebol, mas não é
necessário que tenha conseguido o meu intento. De maneira
geral, portanto, podemos afirmar que o esquema «X estava
ensinando a Y como. . .»* não implica êxito. Suponhamos, no
entanto, que ensinei a meu sobrinho como apanhar uma bola de
futebol. Se realmente lhe ensinei, então ele deve tê-lo, de fato,
apre ndid o. E se eu dissesse: «Hoje ensinei-lhe como ap anh ar um a
bola de futebol, mas ele não aprendeu e jamais aprenderá»,
normalmente pensariam que estou dizendo alguma coisa
intrigante. Podemos dizer então que o esquema: «X ensinou a Y
como. . .» imp lica êx ito. Esse esque ma re pre sen ta u m uso de
«êxito» do verbo.‘ensinar’, ao contrário do esquema anterior que,
esse, representa um uso «intencional» do verbo.
Deve-se notar, incidentalmente, que nem todos os usos do
pretérito perfeito simples do verbo implicam êxito, embora o
esquema de «êxito» acima contenha essa flexão verbal. E
verdade, por exemplo, que alguns professores ensinaram
matemática, durante o ano passado, a alguns estudantes que não
aprenderam nada de matemática. Deve-se assinalar, além disso,
que os usos de «êxito» do verbo ‘ensinar’ não eliminam
distinções entre graus relativos de aproveitamento. Ter sido bem
sucedido no ensino implica apenas que os estudantes aprenderam
de maneira relevante o que lhes foi ensinado, e não que se
tenham tornado mestres na matéria. Num acidente de trânsito,
No srcinal o esquema é o seguinte: "X has been t eac hin g Kh ow t o . . . ”. A
preposição ‘to’ (para a qual não encontramos um equivalente português
adequado para esse con te xto ) indica aqui que a sentença ou cláusula que
completará o esquema deverá ser uma cláusula verbal infinitiva. Isso significa
que a f orm ulação inglesa excluirá form açõ es do ti po: “ A!j estava ensinando a
Y como os protozoários se reproduzem” ou “X estava ensinando a Y como
Cézanne concebia a pintura”. Ao contrário, a forma deixa bem claro que as
cláusulas completivas serão do tipo: “X estava ensinando a Y como nadar”
ou “X estava ensinando a Y co m o resolver uma equação de segund o grau” , e
podemos perguntar retoricamente: «Quem foi que ensinou ele a
dirigir? », sugerindo que a pessoa em questã o, emb ora te nh a
aprendido a dirigir, não o faz muito bem. Os usos de «êxito» do
verbo ‘ensinar’ no rma lme nte implicam apenas um ren dim ento
mínim o, o suficiente para que possamos dize r justificadam ente
que houve realmente um ensino.

Para terminar, deveriamos notar o fato de que ‘ensinar’ não


constitui um caso excepcional por ter ao mesmo tempo
utilizações de «êxito» e «intencional». Ao contrário, muitos
verbos refere ntes à ação possuem ambos os usos, visto que
aquilo que fazemos é descrito muitas vezes em termos da
tentativa de atingir uma meta, cuja consecução define o êxito da
tentativa. Dizer que um homem está con struind o um a casa não
significa que alcançou êxito ou que algum dia alcançará. Está, é
claro, fazendo algo com uma intenção determinada e com certas
esperanças e crenças; está tentando, em suma, fazer com que
exista — ou torn ar verda deiro que exista — uma casa que ele
próprio construiu. Além disso, pode-se normalmente pensar que
aquilo que ele está fazendo na sua tentativa, é razoavelmente
consider ado eficaz. Mas do fa to de que algué m está constru ind o
uma casa não se pode inferir que há (ou que haverá) uma casa
construída por ele. Poderá ter estado construindo (uso
«intencional») a casa até que sobreveio uma inundação que
varreu a sua obra, depois do que ele jamais completou o seu
trabalho. Dessa maneira, ele pod erá nunca ter co ns tru ído (uso de
«êxito») a casa que estivera construindo (uso «intencional»). Ou,
melhor ainda, pode ser que jamais exista casa alguma cons
truída (uso de «êxito») por ele, embora tenha efetivamente
estado construindo (uso «intencional») uma casa.
Nessas circunstâncias, se reconhecemos, com relação ao
verbo ‘ensinar’, que ele possui tanto um uso «intencional» como
um uso de «êxito», podemos ver que, com respeito a esse último
uso, não pode, na realidade, haver ensino sem aprendizado. E, se
os nossos exemplos forem todos tirados desses usos, a doutrina
segundo a qual não pode haver ensino sem aprendizado parecerá
inteiramente plausível. No entanto, a maneira generalizada em
que está expressa deixa a doutrina exposta à falsificação por meio
de um só contra-exemplo, tal como aquele que foi discutido
acima. Voltamos assim, depois de uma longa digressão, à
conclusão que havíamos alcanç ado anteriorm ente: tom adas como
doutrinas literais, as afirmações «Não pode haver ensino sem
aprendizado» e «Pode haver ensino sem aprendizado» são
Por outro lado, contudo, se examinamos a intenção prática
dessas duas afirmações, torna-se claro que, ainda que as suas
ênfases práticas respectivas não sejam igualmente pertinentes nem
se justifiquem de igual modo em todos os contextos, elas não se
opõem, tampouco, como alternativas exclusivas. Ao contrário,
estão relacionadas com objetivos práticos diferentes que são
perfeitamente compatíveis. A intenção prática da afirmação:
«Não pode haver ensino sem aprendizado» está estreitamente
ligada à do slogan : «Ensinamos crianças, não matérias», isto é,
consiste em voltar a atenção do professor para a criança. Mas
temos, nesse caso, uma ênfase inconfundível que incide no
"aprendizado da criança como o resultado pretendido pelo ensino,
o objetivo consistindo aqui em melhorar a eficácia do ensino por
meio de uma referência à comparação entre os seus resultados
reais e os seus resultados pretendidos. Essa ênfase, hoje em dia,
dificilmente impressionará alguém como muito srcinal ou como
muito sujeita a controvérsias. Ao contrário, ela parece ser dada
por admitida em contextos bem prosaicos. Imaginemos alguém
dizendo a um fab rica nte de sabão: «Olhe aqui, você faria
realmente um melhor negócio se estudasse sistematicamente o
seu produto e tentasse melhorá-lo. Você não pode realmente se
considerar um fabricante de sabão a menos que produza um bom
sabão, e isso você não poderá fazer sem cuidar do que está
produzindo e sem assegurar-se de que equivale a outros produtos
similares». Um peq uen o discurso d esse gênero pareceria um ta nto
deslocado no nosso mundo orientado para o consumidor. Os
fabricantes de sabão, de qualquer maneira, estão continuamente
cuidando dos seus produtos (embora nem sempre, talvez, para
produzir um sabão melhor, mas pelo menos para torná-lo mais
atraente para os compradores). E nenhum fabricante de sabão
supõe que os seus processos de fabricação, exceto pela sua
contribuição ao produto final, sejam dotados de qualquer valor
intrínseco.

Os professores,
perigosamente no com
parecido entanto,
isso.muitas vezes muitas
Supuseram supuseram
vezesalgo
que,
além dos efeitos que possa produzir sobre os estudantes, o seu
ensino possui, exatamente da maneira como eles o exercem
habitualmente, um valor intrínseco e, por conseguinte, que ele se
autojustifica. Em lugar de realizar, mediante um esforço
deliber ado os melh oram entos que poderiam ser alcançados,
tendem então a negar que quaisquer melhorias, enquanto eles
continuarem a ensinar como antes, sejam necessárias ou possíveis.
difundida, como parecia estar, segundo muitos observadores, na
época em que o nosso slogan começou a circular, a intenção
prática do slogan pod e parecer urge nte e até revolucionár ia. Por
outro lado, falar do ensino como se fosse vender e do apren
dizado como se fosse comprar, sugerir que o ensino seja
comparado aos métodos de negócios, os quais são suscetíveis de
melhora por referência aos efeitos que produzem sobre o
consumidor, equivalia a assinalar com impacto o intento de
apoiar a reforma do ensino.
Em parte porque essa reforma passou a ser largamente
difundida, a intenção prática do nosso slogan parece, aos olhos de
muitos observadores atuais, ser irrelevante ou pouco justificada.
A tais observadores pareceu, inclusive, que o pêndulo, em muitos
casos, oscilou longe demais no sentido da orientação para o
mundo da criança e de uma preocupação exagerada com os
efeitos do ensino sobre esse mundo. As escolas foram
apresentadas, sob vários aspectos, como excessivamente
preocupadas com os seus consumidores. Os professores, ao sentir
que o peso dos conflitos de adaptação e de personalidade de cada
estudante repousava sobre os seus ombros fatigados, tentaram,
em muitos casos, fazer de mais — torna r-se tamb ém pais,
confidentes e companheiros, além de apenas professores.
Passaram então a sentir-se atormentados e até culpados (o que é
compreensível, dado que essas aspirações encontravam-se unidas
à ênfase sobre as consequências do ensino) por não serem capazes
de cumprir com todas as exigências do seu cargo, aceitando, ao
mesmo tempo, que recaísse sobre eles próprios a responsabilidade
por todos os fracassos no aprendizado22 .
Se alguém se dispusesse a levantar o ânimo de tais
professores, dificilmente continuaria repetindo, para esse fim , a
velha mensagem sob as condições que mudaram. Ao contrário,
desejaria, antes, dizer-lhes: «Parem de se sentir culpados, desistam
das suas tentativas de onipotência, parem de prestar tanta
atenção
Façam oaosmáximo
problemas
quee puderem
motivações
aointernos
ensinar dos seusmatéria
a sua estudantes.
e ao
examinar os seus alunos. E, quando tiverem feito isso, descansem
em paz com a consciência tranqüila». E é isso que constitui,
precisamente, a intenção prática da afirmação: «Pode haver
ensino sem aprendizado». E a acentuação disso que, a juízo de

22. Ver Freud, A.: “ The role o f the teacher” , Harvard Ed uc at io na l Re vie w,
22 :22 9, (Fali) 19 52, e Riesman, D. : “ Teachers amid changing exp ecta tion s”,
muitos autores contemporâneos, parece ser o mais pertinente e o
mais justificado na situação presente.
Ambas as ênfases, entretanto —a dessa última afirmação e a
daqu ela que se lhe opõ e —, são ab str ata men te com pat íveis, a
despeito do fato de que poderão ser, em contextos educacionais
específicos, desigualmente relevantes ou justificadas. E possível,
por conseguinte, sustentar (e até exigir) que o ensino deve ser

apreciado e mesmo
alunos e, ao modificado à luz
tempo, dos efeitos
acreditar que produz
(e sublinhar) que hásobre os
limites
àquilo que um professor pode fazer, mesmo quando animado
pela maior boa vontade do mundo: por mais que fizer, e faça ele
o que fizer, será sempre possí vel que não cons iga realizar ju nto
aos seus alunos o ensino desejado.
Em certas situações, todavia, pode-se considerar que é mais
importante manter o moral do professor, acentuando os limites
da sua responsabilidade, do que tentar melhorar o ensino,
acentuando a necessidade de se examinar as suas repercussões.
Assim, será realmente em função do contexto que deveremos
dizer: «Tente melhorar!», ou então: «Não se preocupe, você fez o
melhor que pode!». Mas essas ênfases não são, em geral,
irreconciliáveis, e tampouco exigem uma rejeição peremptória de
uma ou de outra. Na realidade, ambas podem se dar
simultaneamente e podem alternar em urgência. Para resumir:
quando os slogans são tomados de maneira literal, merecem
crítica igualmente literal. E necessário, contudo, que avaliemos
independentemente a intenção prática de cada um, e que o
façamos por referência aos seus contextos mutáveis, bem como
em relação às doutrinas srcinárias das quais eles surgiram. Além
disso, devemos evitar supor que, quando dois slogans estão em
contradição literal mútua, eles representam propostas práticas
que se encontram em conflito irreconciliável.
CAPÍTULO III

AS METÁFORAS EDUCACIONAIS

Se compararmos as metáforas às definições e aos slogans,


alguns contrastes se fazem imediatamente visíveis. As metáforas,
normalmente, não têm a intenção de exprimir as significações
de termos utilizados, quer segundo a maneira padrão, quer
segundo modos estipulados. Ao contrário, elas indicam aquilo
que se pensa serem paralelos significativos, analogias e similari
dades existentes no interior do tema do próprio discurso. As
afirmações metafóricas exprimem muitas vezes verdades signifi-
cantes e surpreendentes, à diferença das estipulações, que não
exprimem absolutamente nenhuma verdade, e em contraste com
as definições descritivas, que normalmente não surpreendem.
Embora frequentemente veiculem programas, como as definições
programáticas, as metáforas sempre o fazem sugerindo alguma
analogia objetiva, que tem como propósito enunciar verdades
descobertas nos fenômenos com que nos defrontamos. Asseme
lhando-se aos slogans por serem assistemâticas e destituídas de
uma forma padronizada de expressão, elas desempenham, entre
tanto, um papel teórico muito mais importante. Em geral, não
podem ser consideradas como simples fragmentos que cristalizam
as atitudes chaves de algum movimento social ou que simbolizam
as doutrinas explícitas que lhes deram srcem. Ao contrário,
elas figuram, como componentes fundamentais, nas próprias
afirmações teóricas sérias.

A linha
ciência, é badivisória entree a—
stan te tênu teoria
se é séria
que epod
a metáfora,
e sequer mesmo em
ser traçada.
Dizer: «Esta mesa é composta de elétrons» equivale claramente a
provocar (pelo menos) uma comparação entre a mesa e agregados
de minúsculas partículas cujo comportamento será elaborado
em detalhe em outras afirmações. Sem dúvida, a metáfora inicial
deverá conduzir a refinamentos na comparação, tal como essa
foi exprimida literalmente, e à confirmação experimental das
predições ou de outras inferências que foram derivadas desses
refinamentos. Mas isso vale também para as teorias em geral, e
não existe nenhum ponto evidente no qual sejamos obrigados a
dizer: «Aqui terminam as metáforas e começam as teorias».
Em educação, do mesmo modo, encontram-se freqüentemente
afirmações metafóricas em contextos teóricos chaves, tanto
quanto em contextos de política educacional. O que transmitem
elas, e como o fazem? Passarem os, no que se segue, de algumas

observações de ordem seleci


metáfo ras educacionais geral onadas.
a uma consideração de algumas
r

Em geral, podemos considerar que a afirmação metafórica


indica a existência de uma importante analogia entre duas coisas,
sem dizer explicitamente em que consiste a analogia. Ora, duas
coisas, sejam elas quais forem, sempre são análogas sob algum
aspecto, mas nem todo aspecto desse tipo é importante,
Ademais, a noção de importância varia com a situação: o que
é importante em ciência poderá não sê-lo em política ou em
arte, por exemplo. Para que uma afirmação metafórica determi
nada seja julgada valiosa ou apr opria da, a analogia suge rida
deverá ser importante com relação a critérios que sejam
relevantes no contexto da sua elocução.
Além disso, a afirmação metafórica não enuncia diretamente
a analogia, mesmo quando existe uma que é pertinentemente
importante. Ela tem, ao contrário, a natureza de um convite a
procurar uma analogia, e será èm parte julgada segundo o
êxito com que essa busca é recompensada. Também nesse caso o
esquema é semelhante ao de uma teoria ou —se se preferir —ao
de um pressentimento teórico. Não é de surpreender, portanto,
que muitas vezes se tenha dito que as metáforas organizam a
reflexão e a explicação em contextos científicos e filosóficos. Em
contextos práticos igualmente, as metáforas muitas vezes ser
vem —analogamente às definições programáticas —como meios
de canalizar a ação, embora sempre o façam pretendendo
indic ar que algu ma analogia imp orta nte poderá ser encon trada no
interior do tema de estudo relevante.
Além da avaliação independente dos programas que podem
ser veiculados por asserções metafó ricas particulares, as m etáforas
podem ser criticadas, grosso modo, de duas maneiras. Em
pYimeiro lugar, podemos chegar à conclusão de que uma dada
metáfora é trivial ou estéril, indicando analogiaà que, naquele
contexto, são desprovidas de importância. Em segundo lugar,
podemos determinar as limitações de uma dada metáfora, os
pontos nos quais as analogias que ela indica entram em colapso.
Toda metáfora sofre dessa limitação, fornecendo apenas uma
certa perspectiva sobre o seu objeto, perspectiva essa que pode ser
complementada por outras. Tal limitação não é razão para
rejeitar completamente uma metáfora, tampouco como o fato de
que sempre existem teorias alternativas não constitui, por si só,
uma razão para rejeitar toda e qualquer teoria determinada em
ciência. Não obstante, uma comparação de metáforas alternativas
poderá ser tão esclarecedora como uma comparação de teorias
49) alternativas, por indicar o caráter plurifacetado do objeto. Tal
^ comparação poderá tamb ém propiciar uma compreens ão nova da
unicidade do objeto, pois saber de que maneiras algo é
semelhante a muitas coisas diferentes significa saber muito a
respeito daquilo que o faz distinto, diferente de cada uma delas.
Finalmente, nos casos em que uma metáfora particular é
dominante, a comparação nos ajudará a determinar as suas
limitações e a abrir novas possibilidades para o pensamento e para
a ação. No resta nte do ca pí tu lo, estaremos interessados em
efetuar uma comparação desse tipo entre algumas maneiras
metafóricas de falar a respeito da educação, que se encontram
habitualmente.
Max Black sugere que a metáfora familiar do crescimento é
uma que se presta de si mesma à expressão da revolta contra o
autor ita ris mo edu cac ion al23 . De que maneira isso aco ntece ? Há
uma analogia evidente entre a criança que cresce e a planta que
cresce, entre o jardineiro e o professor. Em ambos os casos, o

organismo em independentes
relativamente desenvolvimento
dos passa por do
esforços certas fases que
jardineiro são
ou do
professor. Nos dois casos, todavia, o desenvolvimento pode ser
auxiliado ou prejudicado por esses esforços. Para um e outro, o
trabalho de cuidar desse desenvolvimento parecería depender do
conhecimento das leis que regulam a sucessão das fases do
desenvolvimento. Em nenhum dos dois casos o jardineiro ou o
professor é indispensável para o desenvolvimento do organismo e,
depois de terminada a sua tarefa, o organismo continuará a

amadurecer..
florescer e emOs dois do
cuidar estão
seuinteressados em ajudar o organismo
bem-estar proporcionando condições a
ótimas para que operem as leis da natureza. Assim, a metáfora do
crescimento incorpora em si mesma uma concepção modesta do
papel do professor, o qual consistiría em estudar e, em con-
seqüência, em auxiliar indiretamente o desenvolvimento da
criança, e não em moldá-la em alguma forma preconcebida —o

23. Black, M.: “ Educa tion as art and discipl ine” , Ethi cs, 54:290, 1944, reimpres-
so em Schefflei, I.: Ph ilo so ph y an d E du cati on , op. cit.
que configura uma outra metáfora, contrária à do crescimento,
que consideraremos daqui a pouco.
Onde sucumbe a metá fora do crescimento? Ela parece
bastante plausível com relação a certos aspectos do desen
volvimento das crianças, a saber, os aspectos biológicos ou
constitucionais. Com respeito a esses, podemos, com bastante
segurança, dizer, de maneira aproximada, quais são as seqüências
de estágios que poderão normalmente ser esperadas, e de
q u e . modo poderá ser auxili ada ou prejudi cada, mediante
esforço deliberado da parte de outras pessoas, a passagem de
um estágio a outro. Nos casos em que não existe esse conheci
mento relativo a certos detalhes, pode-se presumir que a
investigação ulterior será capaz de fornecê-lo. A natureza e a
ordem desses estágios do desenvolvimento físico e tempera
mental, bem como das aptidões de comportamento que eles
tornam possíveis, são, na verdade, relativamente independentes
da ação de outros indivíduos, embora fatores culturais, mesmo
aqui, tenham o seu impacto.
No en tanto , se alguma vez perguntarmos de que maneira
essas aptidões deverão ser exercidas, para o que deverá ser
dirigida a energia temperamental da criança, que tipos de
conduta e que tipos de sensibilidade deverão ser encorajados,
começaremos, então, a perceber os limites da metáfora do
crescimento. A seqüência de etapas físicas e temperamentais
é, de fato, perfeitamente compatível com um número indeter
minado de respostas irreconciliáveis a essas perguntas. Para
esses aspectos do desenvolvimento, não existem seqüências
independentes de estágios que apontem para um único estado
de maturidade. Por essa razão, não há nenhum sentido literal
em dizer, em relação a esses aspectos: “Desenvolvamos todas
as p otencialidades de cada criança ” . Essas potencialidad es e ntram
em conflito e, portanto, não podem ser todas desenvolvidas.
Desenvolver algumas significa impedir outras. Inibir essa ou
aquela significa não admitir o pleno alcance da sabedoria da
natureza, mas, ao contrário, decidir numa direção em lugar
de outra, quando ambas são compatíveis com a natureza; a
responsabilidade por tais decisões não pode ser esquivada.
Observou-se muitas vezes que considerar a história como se
fosse uma planta, cujo desenvolvimento através de certos
estágios naturais pode ser apenas facilitado ou retardado pelos
indivíduos, constitui um meio de evitar a responsabilidade de
influir sobre os acontecimentos sociais através da escolha e da
ação24 . Deveria ser mais evidente ainda que o curso do desen
volvimento social, cultural e moral das crianças não está
dividido em estágios naturais que não podem ser alterados
fundamentalmente por outras pessoas. É visível que os adultos
— pais e professores — fazem muito mais do que simplesmente
facilitar o desenvolvimento da criança em direção a um estágio
único de maturidade cultural.

Ê a percepção
subjacente a uma intuitiva desse último
outra metáfora aspecto que
educacional se encontra
familiar: a de
con form ar, form ar ou moldar. Nu ma das variantes' dessa
metáfora, a criança é como argila, sobre a qual o professor impõe
um molde fixo, conformando-a às especificações do molde. A
iniciativa, o poder e a responsabilidade do professor tornam-se
aqui nitidamente destacados. Com efeito, a forma final da argila
constitui integralmente um produto da sua escolha de um molde
determinado. Não há aqui progressão autônoma em direção a
uma forma
relaçao dada qualquer,
ao crescimento ao contrário
das glandes, do que sucede
por exemplo. com
E tampouco
existem moldes aos quais a argila não poderá se conformar. A
argila não seleciona nem rejeita, por si própria, nenhuma
sequência determinada de estágios nem, tampouco, nenhuma
forma final. A pessoa que escolhe o molde é inteiramente
responsável pelo resultado.
À luz das nossas observações precedentes sobre a metáfora
do crescimento, fica patente que essa metáfora da moldagem
não se ajusta ao desenvolvimento biológico-temperamental da
criança, o qual não pode ser alterado totalmente pela ação
dos adultos. A metáfora da moldagem, entretanto, parece real
mente mais adequada do que a metáfora do crescimento no que
toca ao desenvolvimento cultural, pessoal e moral, o qual
depende, em medida mais larga, do caráter do ambiente social
adulto que circunda a criança.
Mesmo nesse domínio, porém, a metáfora da moldagem tem
as suas limitações. No caso da argila, a sua forma final constitui
integralmente uma função do molde escolhido. A argila não
seleciona nem rejeita nenhum molde dado. Além disso, a argila é
inteiramente homogênea e inteiramente plástica em todas as suas
partes. A forma do molde é fixada antes do processo de
moldagem e permanece constante durante todo o processo. Cada

24 . Ver, a esse respeito, Popper, K., op. cít „ e Popper, K.: The Poverty of
Historicism. London, Routledge & Kegan Paul, 1957.
um desses pontos representa uma diferença importante com
relação ao ensino. Com efeito, mesmo se não há leis de
desenvolvimento cultural, moral e pessoal, existem limites,
entretanto, impostos pela natureza dos alunos à gama de
desenvolvimentos possíveis. Esses limites anunciam aquilo que
não pode sér feito com o material, mas não o que será
desenvolvido a partir dele. A natureza humana não seleciona

automaticamente, mas para


podem ter,,escolhido ela rejeita algumas
ela. Além formas
disso, esses que os adultos
limites variam de
estudante á estudante e de grupo a grupo. A população estudantil
não é inteiramente homogênea nem inteiramente dúctil em todos
os seus pontos. Assim, ainda que as decisões do educador não
sejam tomadas pela natureza em seu lugar, tampouco deixam elas
de ser limitadas pela natureza; e um estudo desses limites poderá
fazer com que as suas decisões sejam mais sábias. Por último, se é
verdade que o professor deve realmente fazer atenção à natureza
dos seus alunos, é de se esperar que modiíique os seus métodos
e objetivos no decorrer do seu ensino, e que faça isso em
resposta ao próprio processo de ensino. O seu ensino, portanto,
não é comparável a um molde fixo, mas, ao contrário, a um plano
que pode ser modificado pelas próprias tentativas de executá-lo.
São esses últimos traços do ensino que vêm acentuados no
que se poderia chamar de a metáfora da arte, em qualquer uma
das suas formas múltiplas; por exemplo, a que se relaciona com a
escultur a. A estátu a do esculto r não b rot a po r si mesma da pedra,

exigindo apenas
exerce uma nutrição
autêntica e cuidados
escolha na suapor parte do ainda
produção, artista;que
o artista
o seu
bloco inicial de mármore não seja totalm ente receptivo a
qualquer idéia que ele possa desejar lhe impor. O bloco rejeitará
algumas dessas idéias em virtude da sua estrutura interna. E nem
todo bloco de mármore é equivalente a um outro qualquer. Cada
um requer um estudo individual das suas possibilidades e
limitações individuais. Finalmente, a idéia inicial do artista não é
uma idéia que já está completamente formada de antemão,

permanecendo fixa em todo


processo mas, geralmente, o processo.pelo
é modificada Ela próprio
dá início a esse
processo,
durante o qual o artista está continuamente aprendendo ao
mesmo tempo em que está criando.
Essa metáfora da escultura parece particularmente
apropriada com relação aos traços que acabamos de descrever,
mas não se pode dizer que seja perfeita nem, mesmo, que seja
melhor, sob todos os aspectos, do que as metáforas que
consideramos anteriormente. Por exemplo, a metáfora do
crescimento reconhece pelo menos a continuação do
desenvolvimento do objeto em questão, mesmo depois que o
jardineiro tenha se retirado, ao passo que a metáfora da escultura
não o faz; a estátua deixa de crescer quando o escultor a
abandona. Por outra parte também, o professor, ao contrário do
escultor, não está limitado exclusivamente por padrões estéticos.
Os seus objetivos e o seus métodos estão também sujeitos á
crítica de ordem moral e de ordem prática.
Parece ilusório, portanto, tentar encontrar uma ordem
progressiva de metáforas em educação, na qual cada metáfora
seria mais adequada e mais compreensiva do que a precedente. E
nesse ponto que a própria comparação das metáforas com as
teorias científicas entra em colapso. As metáforas educacionais
de uso corrente auxiliam na reflexão e na organização do
pensamento e da prática sociais relativos à educação escolar, mas
não estão presas a processos de confirmação e de predição
experimentais. Assim, elas não se desenvolvem cumulativamente,
como oco rre com as estrutu ras teóricas de natureza científica. Ao
contrário, deveriamos talvez concebê-las como arranjadas em
volta do seu tema comum, cujo complexo individual de traços
característicos poderá ser iluminado por meio de um exame
comparativo de metáforas.
A analogia indicada por uma metáfora determinada poderá,
como foi anteriormente sugerido, ser importante num contexto
mas não em outro. Uma boa metáfora, portanto, geralmente não
é boa em todos os contextos. Esse fato é de grande importância
para a nossa discussão presente, visto que a educação constitui,
como sublinhamos, o solo comum de uma grande variedade de
contextos. E de prudência, por conseguinte, manter uma postura
crítica com respeito à aceitação, num contexto determinado, de
metáforas que se revelaram esclarecedoras em outro, ainda que
seja o mesmo tema que está envolvido em ambos os casos. A
transplantação de metáforas pode, realmente, srcinar confusões,
53J tanto mais que ela poderá obscur ecer distinções que sã o vitais no
novo co nt ex to, emb ora sem i mportânc ia no co nte xto original.
Os efeitos de um transplante desse gênero podem ser
ilustrados por referência a uma explicação metafórica da
educação que se encontra largamente difundida e que, conquanto
mais inclusiva do que ela, está manifestamente relacionada com a
metáfora do crescimento; nós a chamaremos aqui de ‘metáfora
orgânica’. Existem inúm eras variantes e utiliza ções dessa
metáfora nos escritos educacion ais; limita r-nos-emos aqui a
discussão25 . A cultura, no sentido antropológico segundo o qual
ela compreende os costumes, os hábitos populares, a tecnologia, a
organização social, a língua, o direito, a ideologia, a ciência e a
arte de uma sociedade determinada, é considerada, às vezes,
como análoga à vida do organismo individual. Assim como os
seres vivos diferem das coisas inanimadas por assegurarem a
própria subsistência mediante uma renovação contínua, por
reagirem às forças externas de forma a preservar o seu equilíbrio
com o meio ambiente, por utilizarem essas forças como meios
para continuarem crescendo — assim também as culturas
conservam a sua continuidade reagindo às forças externas de
maneira a manter o próprio equilíbrio e a crescer adaptativa e
criativamente. Embora a vida individual termine com a morte do
indivíduo, o mesmo não se passa com a vida cultural. Assim como
as inúmeras células e tecidos do indivíduo morrem e são
substituídos por outros, enquanto a sua vida prossegue, assim
também as «células» da cultura, isto é, os seus membros
individuais, morrem e são substituídos sem que seja destruída a
vida da cultura. Nos dois casos, as células não morrem todas ao
mesmo tempo, mas, ao contrário, de maneira contínua, sendo
substituídas também continuamente. Os processos através dos
quais as novas células físicas substituem as velhas no organismo
individual são responsáveis pela preservação da continuidade
biológica. Os processos mediante os quais os novos membros de
uma cultura substituem os velhos garantem, da mesma forma, a
continuidade cultural. Esses últimos processos constituem a
educação, cuja função reside em transmitir a vida da cultura do
grupo para cada novo membro, renovando-a, assim, continua
mente.
Ora, a metáfora orgânica, repousando sobre essas analogias
que acabamos de mencionar, assimila a educação aos processos
mediante os quais os indivíduos assumem a cultura do meio
ambiente. Em vários contextos, existe uma pertinência real em
tal assimilação. Se considerarmos, em especial, os estudos

25 . Essa descriçã o é sugerida por Dew ey, J.: D em oc ra cy an d Ed uc ati on . New


York, The Macmillan Company, 1916, Capítulo I. Ao resumir o capítulo,
Dewey escreve, por exemplo (p.. 11): “É da natureza mesma da vida de lutar
por continuar existindo. Dado que essa continuação só pode ser assegurada
por meio de renovações constantes, a vida é um processo que se auto-renova.
O que são a nutrição e a reprodução para a vida fisiológica, a educação o é
para a vida social”. O meu propósito, contudo, reside apenas em assinalar os
perigos da metáfora orgânica, não em criticar a utilização que Dewey dela faz
no capítulo mencionado. (A passagem foi citada com a permissão da
Macmillan Compan y.)
antropológicos ou históricos em que culturas específicas são, por
vezes, tomadas como unidades de investigação, com vistas a
determinar-lhes as estruturas internas ou as leis que governam as
suas modificações estruturais, poderá ser desejável agrupar os
processos de aculturação sob um a rubrica única e estudar a sua
localização nos «esquemas de cultura», assim como os seus
mecanismos. Também nas investigações psicológicas, em que se
tenta descobrir leis de aprendizado interculturais, poderá ser
conveniente, como um passo preliminar para essa tentativa,
classificar todos os processos de aprendizado social sob uma
etiqueta única. Nesses contextos, talvez seja útil a metáfora
orgânica, ao comparar os processos de aculturação aos processos
regenerativos do organismo biológico. Como esses últimos, os
processos de aculturação podem ser estudados enquanto se
relacionam a outros fenômenos e enquanto compreendem uma
variedade de mecanismos cujas leis devem ser determinadas.
Não obstante, quando se transplanta a metáfora orgânica
para contexto s práticos nos quais está em jogo a política social,
ela poderá positivamente induzir em erro, dado que ela não deixa
espaço para distinções que são da mais alta importância em
questões de natureza prática. Não existem, por exemplo,
distinções morais entre os diversos processos regenerativos do
organismo individual, ao passo que tais distinções, com relação
aos processos «regenerativos» culturais, constituem muitas vezes
o centro mesmo das controvérsias sociais. Distinções desse tipo
se exprimem, por exemplo, na separação do ensino da força, da
propaganda, da ameaça e da doutrinação. Ademais, não se
considera, em geral, que os processos regenerativos biológicos
estejam submetidos à escolha e ao controle, ao passo que os
processos sociais, em significativa medida, estão; e, além disso, é
justamente naqueles casos em que escolhas alternativas são
consideradas possíveis que as questões de política social tomam
forma.

Por outro
continuidade daslado,
vidas comparar
individuaisa écontinuidade
simplificar aodas culturas
extremo. Comà
relação à continuidade individual, existem critérios biológicos
bem distintamente definidos, e a margem de variação que
permanece em consonância com a continuidade está determ inada
bastante nitidam ente, como, por exem plo, nas descrições do ciclo
vital. Km troca, no que concerne às culturas, não existem
critérios similarmente definidos, nem leis conhecidas de
crescimento ou esquemas normais de ciclo vital. Não somos
capazes de prontamente dizer, de antemão, até que ponto uma
cultura pode modificar o seu caráter passado sem perder a sua
própria identidade. Sem a especificação de algum padrão de
continuidade cultural, não fica claro, então, de que maneira a
educação é concebida quando ela é explicada em termos de sua
contribuição para essa continuidade. A continuidade de qualquer
cultura pode ser favorecida sob formas diferentes e conflitantes,

de acordo
rão com os diferentes
ser escolhidos. padrões
São essas de continuidade
diferenças que pode-
entre padrões que
revestem signifícância moral e, por conseguinte, prática, embora
todos esses padrões sejam compatíveis com falar, em abstrato,
de continuidade cultural.
De outra parte, quando se transfere a noção de ‘função’ de
contextos biológicos para contextos sociais, o resultado é uma
ind eter minaç ão aná log a26 , de tal ma neira q ue, m esmo com
algumas especificaçóes do aspecto sob o qual se deverá entender a
continuidade cultural, ainda
função da educação assimemserápreservar
consiste inadequado dizer que a
a continuidade
cultural. Quando falamos da função desse ou daquele mecanismo
biológico, estamos falando, grosso modo, da sua contribuição
para o funcionam ento normal ou satisfatório do organismo.
Dizer, por exemplo, que a função das batidas do coração consiste
em fazer circular o sangue pelo corpo equivale a dizer que essa
circulação do sangue, realizada, nas circunstâncias usuais, pelas
batidas do coração, é indispensável para o funcionamento normal

do. organismo
processos em questão.como
regenerativos, Assim também, falardas
a substituição da células
função velhas
dos
por células novas, equivale a dizer que a substituição resultante
da operação habitual desses processos é indispensável para o
trabalho normal do organismo biológico. Nesses casos, o conceito
de ‘funcionamento normal’ é bastante claro.
No entanto , se quisermos supor que a continuidade cultural,
alegadamente realizada pela educação, é, analogamente,
indispensável para o funcionamento normal ou satisfatório da
cultura, necessitaremos, analogamente, de uma noção clara desse
funcionamento. Infelizmente, essa noção clara está faltando.
Desse modo, mesmo deixando de lado, pelo mo mento , todas as
questões relativas à interpretação de ‘continuidade’, ainda assim

26. Para uma análise detalhada dessa questão, análi se essa que influ enci ou o meu
tratamento, ver Hempel, C. G.: “The logic of functional analysis”, in Gross,
L.: Sym posium on Soci otogi cal Theory. Evanston, Illinois, Row Peterson and
Compan y, 19 59. O exem plo da batida do cora ção que figura no nosso tex to
deve-se a Hempel.
não podemos pretender que as asserções sobre a função da
educação sejam claras no sentido em que são claras as afirmações
de ‘função’ em biologia. Precisamos, no mínimo, de fornecer
alguma especificação autônoma do padrão de funcionamento
normal que está sendo suposto.
Suponhamos, todavia, que seja fornecida essa especificação
num discurso determinado, o qual especifica, ao mesmo tempo,
uma utilização especial do termo ‘continuidade’. Num caso como
esse, a asserção segundo a qual a função da educação consiste em
preservar a continuidad e cultural torna-se análoga, do ponto de
vista da clareza, às afirmações de ‘função’ em biologia. Não
obstante, as distinções morais que são de importância primordial
nas questões que surgem nos contextos de política educacional e
social, estarão ausentes desse quadro. E o que é pior: a conotação
moral positiva do termo ‘função’ (que deriva, talvez, da sua
vinculação com o funcionamento biologicamente satisfatório
que, em geral, é favorecido) sugere que a noção de função social
implica também um valor moral.
Se refletirmos, entretanto, fica óbvio que não se pode
derivar conclusões morais a partir das atribuições de função social
feitas à maneira descrita e, a fortio ri, também é óbvio que, nesses
casos, não está implicada uma avaliação positiva. Suponhamos,
por exemplo, que especifiquemos, em primeiro lugar, que por
‘continuidade’ nos referiremos à manutenção de atitudes
constantes de docilidade política e intelectual por parte da
população e, em segundo lugar, que, por ‘funcionamento
normal’, iremos nos referir ao mando sem oposição dos senhores
do momento de uma ditadura determinada. Estaremos agora em
condições de agrupar juntos, sob a etiqueta de ‘educação’, todos
aqueles processos de opressão, fraude, distorção, doutrinação e
ameaça, mediante os quais se obtém a submissão política e
intelectual, e poderemos concluir declarando que a função da
educação, na sociedade em questão, consiste em preservar a sua
con tinuida de. Dadas as duas es pecificações me ncion adas, a
asserção não somente é clara; ela é também verdadeira. Com
efeito, a docilidade que resulta dos processos referidos é
realmente indispensável para a tranqüilidade de uma ditadura.
Mas não se segue daí que tais processos devem ser empregados ou
aprova dos. Não se segue tam po uco que as ditadur as devem
funcionar normal ou satisfatoriamente no sentido especificado,
isto é, que elas devem permanecer sem oposição. As afirmações
de ‘função’ social não somente deixam de sublinhar as questões
morais; essas últimas também se tornam muitas vezes confusas
pela conotação de valor, socialmente irrelevante, que circunda o
termo ‘função’.
No exemplo que acabamos de examinar, é evidente que um
moralista poderia discutir a especificação que foi dada de
‘funcionamento normal’; poderia também propor uma utilização
diferente para ‘continuidade’. Desse modo, poderia estar em
condições de reter a asserção de que a função da educação
consiste em preservar a continuidade, mas conferindo-lhe uma
interpretação totalmente diferente. Ou, então, poderia deixar
para outros a asserção de ‘função’ e, em troca, exprimir os seus
pontos de vista morais dizendo que o professor possui obrigações
que independem da continuidade social nos seus vários sentidos
predom inantes, a saber, as obrigações de dizer a verdade, de
respeitar a inteligência do estudante, de merecer-lhe a confiança
sendo sincero e aberto nos seus tratos com ele.

Podemos
aqui por meio abordar
de uma oconsideração
ponto geral que estivemos
da noção enfatizando
de ensino, que é
consideravelmente mais estreita do que a de aculturação.
Podemos dizer que toda cultura normalmente leva os seus
membros recém-nascidos a se comportarem em conformidade
com as suas normas, pouco importando a maneira como elas são
especificadas; e muitas culturas possuem organismos especiais
consagrados a essa tarefa. Mas nem todos os modos de levar
alguém a se comportar de acordo com uma norma qualquer

constitui ensino.
indiretos, Alguns
operando, desses por
sobretudo, modos são puramente
associação informais
e por contato, da e
forma como as línguas são normalmente aprendidas. Mas
tampouco constituem ensino todas as maneiras formais e
deliberadas. O co mpo rtam en to po de ser efetivam ente levado a
acomodar-se às normas através de ameaças, hipnose, suborno,
drogas, mentiras, insinuações e violência aberta. O ensino poderá,
certamente, proceder mediante vários métodos, mas algumas
maneiras de levar as pessoas a fazerem determinadas coisas estão
exclu ídas do âm bito pad rão do term o ‘ ensin o’. Ensinar, no se u
sentido padrão, significa submeter-se, pelo menos em alguns
pontos, à compreensão e ao juíz o independente do aluno,
à sua exigência de razões e ao seu senso a respeito daquilo
que constitui uma explicação adequada. Ensinar a alguém
que as coisas são deste ou daquele modo não significa meramente
tentar fazer com que ele o creia; o engano, por exemplo, não
constitui um método ou um modo de ensino. Ensinar envolve,
além disso, que, se tenta rm os fazer com que o estu da nte acredite
que as coisas são deste ou daquele modo, tentemos, ao mesmo
tempo, fazer com que ele o creia, por razões que, dentro dos
limites da sua capacidade de apreensão, são nossas razões.
Ensinar, assim, exige de nós que revelemos as nossas razões ao
estudante e, ao fazê-lo, que as submetamos à sua avaliação e â sua
crítica.
De outra parte, ensinar a alguém, não que as coisas são deste
ou àaquele modo, mas', ao contrário, como fazer alguma coisa
implica, normalmente, mostrar-lhe (através da descrição ou do
exemplo) como fazê-lo, e não simplesmente estabelecer as
condições sob as quais, de fato, ele aprenderá provavelmente
com o fazê-lo. Ati rar uma criança no rio não é, por si só,
ensinar-lhe como nadar; enviar a filha a uma escola de danças não
58) significa, por si só, ensinar-lhe como dançar. Mesmo quando se
trata de ensinar a alguém a fazer alguma coisa (e não de ensinar
como fazê-lo), ensinar, aqui, não significa simplesmente tentar
fazer com que ele o faça; significa também tornar acessíveis a ele,
em algum momento do processo, as razões e os propósitos que
nos levam a fazer com que ele o faç a Ensinar, po rta nt o, no uso
padrão do term o, é reconhecer a «razão» do aluno, isto é, a sua
exigência de razões e o seu juízo a respeito das razões, mesmo se
tais exigências não são igualmente apropriadas em cada uma das
fases do período de ensino.
As distinções aqui debatidas entre ensinar e promover a
aquisição de modos de comportamento ou de crença são,
podemos dizer, distinções de maneira. Elas dependem da maneira
como tal aquisição é promovida. A metáfora orgânica, como
vimos, concentra-se na co ntin uid ade da vida da cultu ra — na
realidade, ela se concentra nas normas de comportamento e nas
crenças que formam o conteúdo da cultura. Essa metáfora não
estabelece distinções a respeito da maneira de aquisição desse
conteúdo (distinções do tipo que ilustramos por referência ao
conceito d e ‘ensino ’). Mas são essas distinções, en tre tan to , que
são centrais nas questões morais relativas à política social e
educacional. Não se pode pensar que a utilidade da metáfora
orgânica em certos contextos mostra que as distinções de maneira
a que fizemos referência sejam desprovidas de qualquer
importância prática ou moral; que os professores, por exemplo,
devem, por quaisquer meios e acima de tudo, adaptar os
estudantes à cultura dominante (especificada do modo como se
quiser) e assegurar a sua continuidade (pouco importando como a
especifiquem os). Se os professor es devem ou nã o fazer
justam ente isso ou adotar alguma alternativa é algo que constitui
uma questão moral independente e grave, que requer atenção
explícita. Que essa questão não receba nenhuma ênfase na
metáfora orgânica é um fato que indica —não que a questão seja
sem im portância — mas que essa metáfora é inapropriada e m
contextos práticos.
Terminaremos esse exame tentando mostrar em que medida
é fundamental a questão de maneira, e, para tanto, faremos
novamente referência aqui ao conceito de ‘ensinar’. Já nos
esforçamos por indicar que a noção de ensino é
consideravelmente mais estreita do que a de aculturação. O fato
de se poder dizer que toda cultura se renova a si mesma fazendo
com que os seus membros recém-nascidos se comportem de
acordo com as suas normas, decididamente não significa que tal
renovação constitua, em todos os casos, um produto do ensino,
no sentido padrão dessa expressão que discutimos. Favorecer a
mais ampla difusão do ensino como um modo e como um
modelo de renovação cultural constitui, de fato, uma significativa
opção social de um caráter fundamental, envolvendo a mais
ampla extensão possível da crítica, fundada em razões,
endereçada à própria cultura.
E bem possível, e até altamente provável, que essa opção,
em sociedades determinadas, possa conduzir a grandes
modificações, em relação à cultura dominante, nas normas, nas
crenças e nas instituições sociais fundamentais. Mas essa
consequência não deverá se produzir necessariamente em todos
os casos.a É própria
quando pouco provável, em particular, procedimentos
cultura institucionaliza que ela ocorra
racionalizados nas suas esferas básicas, quando acolhe o exercício
da crítica e do juízo, vale dizer, quando se trata de uma cultura
democrática no sentido mais forte. Apoiar a mais larga difusão
possível do ensino como um modelo de renovação cultural
significa, efetivamente, apoiar algo que se encontra em peculiar
harmonia com a democratização da cultura, algo que impõe, ao
mesmo tempo, uma ameaça para as culturas cujas normas sociais
básicas se encontram
crítica. Tal institucionalmente
apoio, portanto, subtraídas
é coerente com a visão adequalquer
uma
cultura em que a compreensão não se encontra limitada, e onde o
julgamento crítico das decisões políticas não constitui privilégio
institucionalizado de uma classe, onde a mudança de política não
é forçosamente arbitrária e violenta, encontrando-se, ao
contrário, canalizada através de instituições que operam pela
persuasão baseada em razões e pelo consentimento livremente
dado. Muitos pensadores sociais, talvez mesmo a maioria,
sobreviver por muito tempo sob uma democracia nesse sentido.
Outros, no entanto, sustentaram com urgência a mais plena
institucionalização da crítica baseada em razões, inteiramente
conscientes de que tal rumo ameaça realmente as sociedades com
divisões rígidas de poder, mas negando, ao mesmo tempo, que
todas as sociedades estariam ameaçadas em conseqüência disso, e
negando que nenhuma cultura que repousa sobre uma crítica
livre, intercambiada livremente, podería sobreviver. A questão,
em suma, não é de se a cultura há de se renovar, mas de que
maneira tal renovação deve ser institucionalizada. É essa questão
prática fundamental que não deve ser obnubilada nos contextos
práticos por metáforas que são apropriadas em outros.

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