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Resumo
O presente ensaio busca refletir, de forma crítica, sobre a atualidade dos conflitos que
incidemsobre a educação nacional. Parte considerável desses conflitos está relacionada ao
fato de que determinadas ideologias conservadoras avançam de forma sistemática sobre as
políticas educacionais desenvolvidas no Brasil. Consideradas em conjunto, essas ideologias
conservadoras se caracterizam por defender uma oposição às mudanças que resultam tanto
do desenvolvimento de teorias e práticas advindas do campo acadêmico quanto das lutas
sociais incorporadas à realidade do ensino básico e superior, fazendo da escola e da
educação um importante lócus do embate de classes estruturante de nossa sociedade.
Abstract
This essay seeks to make a critical reflection on the actuality of conflicts that affect national
education. A considerable part of these conflicts is related to the fact that certain
conservative ideologies advance systematically on the educational policies developed in
Brazil. Taken together, these conservative ideologies are characterized by defending an
opposition to the changes that derive both from the development of theories and practices
derived from the academic field and from the social struggles incorporated into the reality of
basic and higher education, making the school and of education, an important locus of the
structuring class struggle of our society.
Resumen
El presente ensayo busca realizar una reflexióncrítica sobre la actualidad de los conflictos
que inciden en la educación nacional. Parte considerable de esos conflictos está relacionada
al hecho de que ciertas ideologías conservadoras avanzan de forma sistemática sobre las
políticas educativas desarrolladas en Brasil. Consideradas en conjunto, esas ideologías
conservadoras se caracterizan por defender una oposición a los cambios que se derivan
tanto del desarrollo de teorías y prácticas derivadas del campo académico y de las luchas
sociales incorporadas a la realidad de la enseñanza básica y superior, haciendo de la
escuela y de la educación un importante el locus del embate de clases estructurante de
nuestra sociedad.
Rev. NERA Presidente Prudente v. 22, n. 48, pp. 85-97 Dossiê - 2019 ISSN: 1806-6755
ESCOLA E CURRÍCULO: UM ENSAIO SOBRE TERRITÓRIOS EM DISPUTA
Introdução
Neste texto, apresentado na forma de ensaio, é realizada uma reflexão crítica acerca
do avanço empreendido atualmente por determinadas ideologias conservadoras sobre as
políticas educacionais desenvolvidas no Brasil. Consideradas em conjunto, essas ideologias
conservadoras se caracterizam por defenderem uma oposição às mudanças que são
resultados tanto do desenvolvimento de teorias e práticas advindas do campo acadêmico
quanto das lutas sociais incorporadas à realidade do ensino básico e superior,
principalmente, aquelas relacionadas às reivindicações realizadas a partir da mobilização de
grupos e classes sociais historicamente oprimidos mobilizados na forma de movimentos
sociais.
De forma genérica, dentre os princípios que fundamentam essas ideologias
conservadoras, destacam-se: a) a visão negativa sobre as mudanças defendidas pelos
setores sociais minoritários e, em muitos casos, marginalizados; b) uma visão pessimista da
natureza humana; c) e uma rígida aspiração por determinado tipo de alinhamento moral que
oriente as atitudes, os hábitos e as crenças dos indivíduos, tudo isso numa perspectiva
“naturalizante” das relações humanas. Parte dessas ideologias conservadoras até cedem
espaço para a implementação demudanças, todavia, estas devem ser graduais e devem ser
pautadas numa perspectiva pragmática, uma espécie de pragmatismo vulgar.
Numa concepção conservadora, a educação formal ofertada pelas escolas de ensino
básico deve ser socialmente e politicamente neutra, essa pretensa neutralidade também se
estende ao ensino superior. Já numa concepção crítica, a escola tem por finalidade instituir
os valores, hábitos e costumes de uma determinada classe ou grupo social como se fossem
naturais e universais. Princípios e valores como o tecnicismo, a competitividade de mercado
e a dependência e submissão à ordem estabelecida são concebidos de forma
descontextualizados, já que associá-los à determinantes sociais e políticos hegemônicos
daria margem às especulações ou contestações perigosas para esse quadro social
estabelecido, assim como suas relações hegemônicas.
Alguns autores se esforçam em mostrar que a escola possui esse papel
conservador, Bourdieu (1998) é um desses; ele adverte que a escola é uma instituição que
exerce um papel de sumária importância na manutenção das desigualdades sociais e
culturais devido aos mecanismos de seleção social e cultural contidos em seu interior, esse
processo frustra o êxito dos alunos pertencentes às classes subalternas e mais pobres,
enquanto consagra os esforços daqueles pertencentes às classes dominantes.
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relação política. É uma relação entre grupos sociais mediada pelos interesses, ideologias e
valores territorializados, ela prepara as gerações vindouras para a vida social e para o
desempenho profissional, além de conformar diferentes visões de mundo, assim, o embate
entre interesses de diferentes grupos e classes sociais têm esses componentes como alvo
de disputa.
Os agentes do capital, representantes máximos do status quo, têm uma grande
necessidade de garantir os meios de sua reprodução, um dos caminhos é projetar para
dentro das novas gerações da classe trabalhadora sua concepção de mundo. Com o passar
do tempo, essas gerações serão conduzidas à um processo de formação ideológica, cultural
e política que acomodará em muitos sentidos sua forma de ver e atuar sobre o mundo à
visão dos grupos e classes hegemônicas. Em tese, quanto mais cedo essas gerações de
alunos forem educadas no projeto da classe dominante menor será a resistência à sua
hegemonia, conformando-as a assumir sua posição periférica na sociedade.
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Tendo sua origem em 2004, o movimento político Escola Sem Partido (ESP) constitui
uma iniciativa bastante personalizada na figura de seu fundador, o advogado Miguel Nagib,
e, em sua agenda, prefigura o objetivo de denunciar ou dar publicidade ao caráter
doutrinário e ideológico da educação básica brasileira, manifestado, sobretudo, na ação dos
professores e nas orientações curriculares propaladas pelo Ministério da Educação, que, na
concepção dos adeptos ao movimento, sofre um aparelhamento com os ideais de um
governo que, na época, tinha uma considerável aproximação com a agenda política do que,
em nosso país, convencionou-se denominar por esquerda.
Atualmente, o movimento ESP constitui uma mobilização conjunta de diversos
setores sociais, políticos e religiosos que buscam reivindicar uma série de mudanças no
sistema legal que organiza a educação nacional. Seu principal propósito é pautar a
liberdade de cátedra do docente numa agenda pretensamente livre de ideologia, assim,
busca-se regulamentar a já regulamentada prática docente nas escolas brasileiras. Ao expor
seus objetivos, o movimento afirma lutar pela “descontaminação e desmonopolização
política e ideológica das escolas”, pelo “respeito à integridade intelectual e moral dos
estudantes” e pelo“ respeito ao direito dos pais de dar aos seus filhos uma educação moral
que esteja de acordo com suas convicções” (http://www.escolasempartido.org/objetivos).
O movimento ESP compreende uma articulação ampla, composta por grupos que se
autodenominam defensores da família, partidos políticos, alguns deles com forte relação
com setores empresariais e igrejas. É importante lembrar que grande parte desses grupos
religiosos possuem representantes eleitos nas câmaras legislativas Brasil afora. Numa
perspectiva geral, esses grupos têm em comum a convicção ideológica de que é necessário,
no âmbito escolar, delimitar rigidamente a liberdade do professor no transcurso do processo
de ensino aprendizagem e reorientar a escola. Pregam uma escola voltada exclusivamente
para a dimensão técnica da educação.
Críticas à professores são constantes, e isso pode ser verificado no site do
movimento, sobretudo nos depoimentos de alguns adeptos, outro alvo das críticas é a
produção bibliográfica do educador Paulo Freire (produção que recebe a denominação de
Pedagogia do Oprimido). Também prefigura como outro alvo de julgamentos as teses
ligadas à Teologia da Libertação, notadamente aquelas vinculadas ao pensamento de Frei
Betto. Para o ESP, essas teses e teorias são herdeiras do Marxismo. Dessa forma, o
Marxismo é concebido como a matriz de toda doutrinação presente na educação básica
brasileira, o criador do movimento chama de “contaminação político-ideológica” e os
professores são chamados de “doutrinadores ideológicos”.
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A partir de 2013, o movimento ESP passou a contar com o apoio de setores sociais
organizados, representados por partidos políticos e por organizações como o Movimento
Vem Pra Rua e o Movimento Brasil Livre (MBL), que têm em suas agendas a defesa da
economia de livre mercado e o confronto com grupos ideológicos com viés transformador,
como os movimentos sociais camponeses, o feminismo e aqueles que defendem os direitos
humanos.
A principal estratégia do movimento ESP é disseminar um discurso de neutralidade.
Assim, a escola deve ser lócus de uma visão tecnicista da educação e o currículo deve
recusar qualquer abordagem ou temática crítica da realidade. Segundo Frigotto (2017), esse
movimento lança mão de uma linguagem fundamentada no senso comum, se amparando
em dicotomias simplistas como “escola x família” e “professor x aluno”, além de tratar temas
bastante complexos de forma superficial, a exemplo das questões de gênero tematizadas no
currículo escolar.
Considerando este último ponto, o movimento ESP vem se apresentando com
grande relevância nos municípios, unindo representantes políticos de partidos com viés
conservador à lideranças religiosas locais que buscam firmar seu espaço no contexto da
política local. Nesse processo, em 2014, o Deputado Estadual do Rio de Janeiro Flávio
Bolsonaro solicitou ao criador do movimento, o Sr. Miguel Nagib, que desenvolvesse um
projeto de lei que se assentasse nos princípios do movimento, transformando-os em
projetos de lei. Foi elaborado, assim, o Projeto de Lei (PL) nº 2.974/2014, apresentado à
Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) com o objetivo de implementar
no âmbito do sistema de ensino estadual o Programa Escola Sem Partido (PESP). Um
projeto com o mesmo propósito foi apresentado na Câmara de Vereadores da cidade do Rio
de Janeiro pelo vereador Carlos Bolsonaro. A partir desse momento, o líder do movimento
ESP disponibilizou em seu site o anteprojeto do programa para que deputados e vereadores
de qualquer parte do Brasil pudessem apresentá-lo às suas câmaras.
Atualmente, o Projeto de Lei em tramitação no Congresso Nacional (PL 7180/14 e
outros) que propunha a criação do Escola Sem Partido em âmbito federal foi arquivado pela
comissão especial que tratava do projeto. Caberá aos deputados que tomam posse neste
ano de 2019 retomar o tema e discuti-lo num novo colegiado, com novos presidente e
relator. A título de hipótese, a retirada do projeto de debate não reflete, necessariamente,
um refluxo dos interesses de seus proponentes, mas sim um adiamento com o objetivo de
realizar o debate num ambiente mais favorável, uma vez que o novo executivo de todo o
aparato que o acompanha são simpáticos ao projeto do ESP, neste aparato, inclui-se um
grande número de congressistas recém-eleitos.
A busca por um ambiente institucional mais favorável para inserir a discussão do
ESP, da parte de seus defensores, se justifica inclusive, à medida que o Supremo Tribunal
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Federal (STF) já vinha assinalado uma postura contrária à implementação do projeto. O STF
já decidiu pela inconstitucionalidade da Lei 7.800/2016, do estado de Alagoas, que baseava
no projeto Escola sem Partido. Nessa ocasião, o STF considerou que o PL limita direitos e
valores protegidos constitucionalmente sem necessariamente promover outros direitos de
igual hierarquia.
Todavia, esses PLs estão tramitando na maioria dos estados brasileiros e em
dezenas municípios. No âmbito municipal, segmentos religiosos, sobretudo os denominados
“setores evangélicos”, agem como importantes grupos de pressão junto às casas
legislativas. O principal objetivo desses grupos agremiados à vereadores é inviabilizar e
mesmo criminalizar todas as iniciativas educacionais propostas que abordem temas como
desigualdades de gênero, diversidade sexual, na sociedade e na escola, o combate ao
preconceito, ao sexismo e à homofobia. Uma prática comum adotada pelos proponentes dos
PLs é o denuncismo e alarmismo em relação aos livros didáticos que tratam da temática.
Algebaile (2017), aponta que os procedimentos de "vigilância, controle e
criminalização estão na base dos modelos de anteprojetos de leis federais, estaduais e
municipais, fornecidos no site do ESP. Nesses modelos, são estabelecidos mecanismos de
monitoramento de atividades escolares e de materiais educativos, sobretudo das atividades
docentes e dos materiais que não estejam em conformidade com as convicções do aluno e
de seus pais ou responsáveis, no que tange aos aspectos relacionados à educação moral,
sexual e religiosa. Considera-se que, no que diz respeito a esses aspectos, os valores de
ordem familiar teriam precedência, não só sobre a educação escolar, mas poderiam, de
acordo com o interesse da família, substituir todo o avanço científico disponibilizado ao
conhecimento escolar, expresso pelas teorias e conceitos defendidos e aceitos pela
comunidade científica nessas temáticas.
No site do movimento ESP há um conjunto de orientações para que alunos e
familiares formalizem denúncias de “professores doutrinadores”. Os PLs que visam
implementar o programa ESP nos municípios também apontam essas denúncias como
instrumento de controle da atividade docente assim como propõem instalar em cada sala de
aula um panfleto apontando o que os professores não podem fazer em sala de aula
(segundo as orientações contidas no anteprojeto dos PLs, na etapa infantil, o panfleto deve
ser colado na sala dos professores).
Os proponentes desses PLs, e seus adeptos, esperam efetivamente criminalizar e
punir os professores com este mecanismo de controle. Estão, sem dúvida, visando o
controle prévio do ambiente escolar, da atividade docente e do debate daqueles temas que
consideram ideológicos. Críticos desse movimento apelidaram os PLs de Lei da Mordaça.
Esse avanço ofensivo sobre a educação e a escola promovida pelo movimento ESP
provocou uma reação contrária que vem se organizando. Esta reação vem ocorrendo
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Por fim, o ESP também se esforça para retirar da escola sua função na formação da
consciência cidadã, já que assuntos de atualidade e de carregada dimensão política não
devem ser tratados em sala de aula. Ora, como foi apontado, a Constituição Federal do
Brasil afirma que a educação deve, entre outros atributos, se responsabilizar pelo pleno
desenvolvimento da pessoa, inclusive, seu preparo para o exercício da cidadania. Isto posto,
não fica difícil vislumbrar o marcante aspecto inconstitucional dos PLs do programa ESP, já
que inverte a ordem constitucional vigente por inúmeras razões; confunde a educação
escolar com aquela fornecida pelos pais e, com isso, os espaços público e privado, impede
o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, nega a liberdade de cátedra e a
possibilidade ampla de aprendizagem e contraria o princípio da laicidade do Estado – todos
esses direitos previstos na Constituição de 88.
Considerações finais
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Referências
ALGEBAILE, E. Escola sem Partido: o que é, como age, para que serve. In: FRIGOTTO, G.
(org.) Escola “sem” partido: esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira. Rio
de Janeiro: UERJ, LPP, 2017, pp. 63- 75.
FRIGOTTO, G. A gênese das teses do Escola sem Partido: esfinge e ovo da serpente que
ameaçam a sociedade e a educação. In: FRIGOTTO, G. (org.) Escola “sem” partido:
esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira. Rio de Janeiro: UERJ, LPP, 2017,
pp. 17-35.
Sobre os autores
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Carlos – UFSCar; Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista - UNESP campus
Franca. Atualmente é docente EBTT do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) Campus de
Birigui. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0095-7534
PEDON, Nelson Rodrigo; CORRÊA, Rubens Arantes. Escola e currículo: um ensaio sobre
territórios em disputa. Revista NERA, vol.22 , n. 48, p.85-97, Dossiê Território em
Movimento, 2019. mai.- ago. 2019.
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