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Experiências são capazes de nos possibilitar a reflexões diante do nosso

papel como psicanalistas, podendo conduzir a um caminho, um percorrido de


possíveis transformações, e percepções diante do que é assistido. Recorro
assim, através dessas linhas, minhas indagações e interrogações atravessadas
pelo contemporâneo, no que diz respeito aos sintomas refletidos através da
relação, escola x criança, X professor x criança. Trabalhar com a infância me
traz muitos atravessamentos, pois ao pensar uma criança, pensamos
automaticamente em suas relações e seus reflexos no discurso social. É
praticamente impossível escutar apenas a criança no consultório, precisamos
contextualizar por onde essa criança constrói seus laços e seus
consequentemente, como seus sintomas aparecem. A dinâmica familiar muitas
vezes abrange inúmeras informações e sintomas na qual esse sujeito está
inserido, fazendo assim papel estruturante no psiquismo da criança. Muitas
vezes mudam-se os cenários e os personagens apenas trocam de figurino e os
papeis permanecem, outras vezes as referências são tão frágeis, que a
mudança de palco estremece todo enredo da história.

Antigamente a história familiar circulava de geração para geração,


fazendo-se assim uma narrativa de pai para filho, Diana e mario descrevem
bem ao relatar da importância que a narrativa dos pais tem para a clínica

Com isso, podemos pensar que o professor e a escola possuem então,


um poderoso papel para com as crianças no laço social, possibilitam a
permissão da criança ser singular, criar seu próprio jeito, ultrapassando as
barreiras do campo pedagógico......................mas podendo trabalhar com a
subjetividade na trans-missão de uma linguagem que sustente aquilo que a
criança o endereça, permitindo que novos significantes exerçam papel
estruturante e simbólico no corpo desse “pequeno” sujeito. Pensar na
educação é uma desafio da contemporaneidade, e implicar a Psicanalise nesse
campo, é algo desafiador, mesmo sabendo que Freud utilizou dela para seus
primeiros estudos. Freud (1932- 1933), ressaltou em suas palavras:
Devo mencioná-lo porque é da maior importância, é tão
pleno de esperanças para o futuro, talvez seja a mais
importante de todas as atividades da psicanálise. Estou
pensando nas aplicações da psicanálise à educação, à
criação da nova geração (FREUD, 1932-1933, p. 179).

certa vez recebi em meu consultório, o pedido de um pai, na qual solicitava


atendimento a seu filho de 5 anos, porém havia deixado bem claro, que tal
encaminhamento teria partido de um pedido da escola, que se não fosse
buscar ajuda, não poderia permanecer na mesma.

O que leva a uma escola, impor tal condição?

O menino possuía dificuldades, de "concentração" e era, digamos assim


superativo, mas não sei se "hiper" ativo, frequentava a sua segunda escola
nesse momento, na primeira havia praticamente sido convidado a não ocupar
mais a vaga, e agora novamente a escola o colocava nesse lugar. A instituição
acabou "aceitando a permanência", afinal era de qualquer forma seu último
ano, por se tratar de uma escola apenas da educação infantil. Aos poucos o
trabalho analítico foi acontecendo, e também o de suporte a escola e a
professora, pois me solicitavam quase que regularmente, precisavam "falar
sobre o "menino"

Muitas das vezes, a ida até a escola me proporcionou a escuta da


professora e da orientadora pedagógica, em relação ao menino, onde pude
perceber o quanto a repulsa que essa professora sentia desse aluno, não podia
ser simplesmente ignorada, ou banalizada, pude perceber o quanto o professor
não “pode” se autorizar, não é permitido, muitas vezes, a sentir esses
desconfortos, poderia ser um caminho interessante o do reconhecimento desse
mal estar, possibilitando assim a saída dessa posição, pensar na produção de
uma alteridade a partir do que é sentido e do que é posto em palavras.

Esse menino era fruto de uma relação que fracassou, seus pais estavam
separados há 2 anos, e desde então relatavam não saber o que fazer com seu
filho, pois ambo os pais possuíam suas profissões, e eram mais velhos, na
casa dos 45 anos. A mãe muito angustiada, pois não queria ter tido esse filho,
e o pai tentando sustentar nas suas palavras o seu desejo em ter tido, porém
se atrapalhava, com a demanda que esse exercia.

O menino “pipocava” em ambas as casas, como estava acontecendo em


suas escolas,. Nada era estável na vida desse menino, se sentia ameaçado, e
conseguia expressar tal sentimento em seus desenhos e cenários, pois todas
as sessões eram ensaiadas peças de teatro, sim escolhia fantoches e fazia
apresentações. A história que mais trazia era a dos 3 porquinhos,
representava-a de diversas maneiras, 3 coelhinhos, 3 meninos, mas sempre
com o lobo derrubando as suas casinhas.

Uma das vezes que entrou no consultório, trouxe três porquinhos do


famoso jogo angry birds, somente o rosto, sem corpo. A mãe que o trazia
raríssimas vezes, nesse dia estava junto, e disse ao entrega-lo, “não sei como
pode gostar tanto de porco, acho que vai ser cuidador de porcos”

Tenho ido muito a escolas e instituições de ensino, tenho me deparado


com falas dos profissionais, e percebo que muitas vezes a criança tem o dom
de trazer para a cena, para a relação dela com seu professor, aquilo que não
foi recalcado por parte desse sujeito, uma relação poderíamos pensar a partir
disso, tida como especular. O professor então e seu saber, poderiam estar
relacionados relacionados com o conceito de identificação descrito por Freud,
onde diz que seria a terceira forma de identificação, puramente parcial, (pois
seria a identificação a um adjetivo da pessoa e não a própria pessoa): Em
Análise do Eu e Psicologia das Massas (1921c), Freud relata:

 
O que aprendemos dessas três fontes pode ser assim
resumido: primeiro, a identificação constitui a forma original de laço
emocional com um objeto; segundo, de maneira regressiva, ela se torna
sucedâneo para uma vinculação de objeto libidinal, por assim dizer, por
meio de introjeção do objeto no ego; e, terceiro, pode surgir com
qualquer nova percepção de uma qualidade comum partilhada com
alguma outra pessoa que não é objeto de instinto sexual. Quanto mais
importante essa qualidade comum é, mais bem-sucedida pode tornar-se
essa identificação parcial, podendo representar assim o início de um
novo laço.
Certa vez, estava em uma escola e ouvi de um profissional, “ Essa
criança é insuportável, e ainda por cima sorri o tempo inteiro” ou ainda,: “Se ele
não tomar alguma medicação, não terá a vaga para o próximo ano” . Meu
escrito tem o objetivo de levantar hipóteses, e questionamentos, a respeito de
como estamos em relação a escuta, escuta essa partindo de uma ética, onde
tanto me remete ao fazer psicanalítico, como também de poder fazer o papel
de terceiro, de simbólico

Partindo desse cenário, como nossas instituições de ensino e nossos


professores estariam se ocupando com o cuidado, enquanto sustentação da
singularidade, para com as nossas crianças? Estaríamos chegando ao
momento onde a subjetividade e a construção subjetiva da criança não
estariam sendo levadas em conta? Como a relação do professor e da criança
se compões diante dos sintomas estabelecidos por ela?

Pensar nos dias de hoje, nos limites que a clínica com crianças nos
impõe, faz com que nos deparemos com o laço social, e especificamente com
os professores e a escola, onde desempenham papéis importantes e
significativos, na estruturação desse sujeito. A procura por um atendimento
psicológico e psicanalítico com crianças, muitas vezes, se inicia através de um
pedido ou solicitação da escola, pois é nesse contexto que geralmente
aparecem percalços da estruturação subjetiva da criança.

O que se notifica através da clínica contemporânea e das instituições de


ensino, é uma massificação e uso abusivo de medicamentos tanto por parte
dos adultos, quanto pelas crianças. É possível presenciar, que alguns
comportamentos que as crianças sinalizam no ambiente escolar, são tidos
como “insuportáveis” e “inadequados”, portanto não estariam de acordo com o
dito “normal” e esperado para sua idade, com isso, o caminho a ser trilhado
seria a dos consultórios médicos e psicológicos com o intuito de se fazer
encerrar e desaparecer tais “anormalidades”, como tenho escutado em
algumas instituições: “atitudes não boas, devem ser descartadas”. Os
psicofármacos ganharam e veem ocupando um lugar demasiado no discurso
da ciência e da sociedade contemporânea, sociedade demarcada pelo
consumismo e imediatismo, tendo como promessa a solução, custe a que
custar, e de preferência imediatamente, não importa como, nem por onde.
A escolha e a importância desse tema se deram, devido às reflexões e
inquietações obtidas na minha prática no âmbito escolar e na experiência
clínica, fundamentada na psicanálise, onde muitas vezes pude me deparar com
o lugar em que as crianças estão sendo colocadas no discurso social.

Através disso, poderíamos pensar e aprofundar como se compõem e se


encontram as relações da criança, como campo de estruturação subjetiva,
diante de suas figuras do laço social, mais especificamente seus professores e
educadores.

Para a psicanálise o sujeito do inconsciente, através das suas


manifestações únicas e singulares, concova ao estudo de tudo que não seja da
ordem do visível, do mensurável, do palpável. Como afirma Lacan
([1964b]1998, p. 853), “O sujeito, o sujeito cartesiano, é o pressuposto do
inconsciente”. Em outros termos, a psicanálise “não se restringe a estudar o
pensável, o dizível e o conceituável, ela também se ocupa do impensável, do
indizível e do impossível a conceituar” (ALBERTI; ELIA, 2008, p. 790). Assim,
ultrapassa o sujeito da ciência, o sujeito da razão, do pensamento, da
consciência, para subvertê-lo na dimensão do inconsciente como sujeito do
desejo, “sujeito de pensamento, como pensamento inconsciente, [...]; sujeito
assujeitado ao efeito de linguagem” (SOLER, 1997b, p. 55). Para a psicanálise,
o inconsciente [...] é o fato de que estamos sempre aquém do que pensamos,
do que fazemos, do que desejamos e do que dizemos. De outra maneira, o
inconsciente é o fato de que pensamos, fazemos, desejamos e dizemos sem
saber (GERBASE, 2008, p. 27).

Assim, ao se tratar de que a criança é constituída através do discurso


do outro, um outro que opere através de palavras, que deixe marcas, que insira
na crianças significantes capazes de simbolizar esse pequeno corpo, como
afirma (JERUZALINSKY, 2010, P,28) “ O lugar simbólico na cadeia significante
dos pais (ou àqueles que o cuidam) reordena seu corpo em um sistema que
nada tem a ver com o biológico, em um mais além da mera subsistência”. Os
sintomas, portanto, o que aparece muitas vezes como desajustes da criança no
ambiente escolar, podem então serem considerados formação do inconsciente desse
sujeito, fazendo uma diferenciação da criança – objeto, para criança – sujeito.
O Outro referido ao simbólico não consegue, porém, dar conta de tudo pela
palavra e nos remete ao impossível de se dizer. Esse impossível a descoberto gera
mal-estar, mobilizando o sujeito em busca de maneiras diferenciadas para suportá-lo.
Aquilo que advém como resposta de cada um ao mal-estar demonstra o modo
particular do funcionamento psíquico e, inclusive, produz sintomas.

Lanjoquiere (2002), interroga quais as razões que levam um adulto (seja ele
professor, ou pai), a ocupar um caráter educativo. Ele coloca, que além dos motivos
individuais, esta escolha diz respeito a amortizar a dívida simbólica, adquirida na sua
própria infância, com os adultos importantes, “ O que a educação tenta repor, é
sentido como falta” (p,140). Uma falta em ser para o outro. Assim poderia se pensar
que aquele que educa o faz em nome de uma dívida com seu próprio pai (enquanto
representante do simbólico).

No passado ao nos lembrar de momentos onde o conhecimento era passado


de geração para geração, o lugar do saber materno fazia papel fundamental, fazendo
laço e remetendo a criança, a uma história, a sua própria história, mas nos dias de
hoje, diante de uma sociedade tão individualizada que sofre com tamanho
desamparo, muito se perdeu, esse conhecimento e saber, é obtido, muitas
vezes, por referenciais médicos e diagnósticos. São numerosos os casos, onde
a medicação é a saída tida pelos adultos, diante dos “desajustes”, das
crianças, mascarando assim os verdadeiros sintomas, e de seu próprio saber
sobre seu corpo, ficando o seu próprio desejo sedado.

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