O DESEJO DA TEORIA E A
CONTINGÊNCIA DA PRÁTICA
DISCURSOS
sobre e na
SALA DE AULA
(língua m aterna e
língua estrangeira)
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALO GAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
(CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP, BRASIL)
Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 85 7591-009-4
03-0184 CDD-418
2003
Proibida a reprodução desta obra
sem a autorização prévia do Editor.
1
L IN G Ü ÍS T IC A A P L IC A D A P Ó S -O C ID E N T A L 1
Alastair Pennycook
Ações de retaguarda
1. Tradução de Carla Nunes Vieira Tavares, Ernesto Sérgio Bertoldo e Waldenor Barros Moraes Filho.
21
A convenção da Associação Internacional de Lingüística Aplicada - Aila
de 1999 foi in teressan te por u m a série de ações de retaguarda, incluindo o
apelo de Long (1999) p a ra que se evitasse a proliferação de teorias de aquisição
de seg u n d a língua, e o ataque de P rabhu (1999) a essa visão de lingüística
“m al” aplicada, bem como su a defesa em favor de um a Lingüística Aplicada
objetivista. O m ais notável, no entanto, foi o ataque, em plenário, de Widdowson
(1999) à LAC, intitulando-a de “hipocrítica”. Esse ataque foi levado adiante em
u m a crítica n a qual o au to r refere-se à LAC como sendo u m a “m á” aplicação
da lingüística (Widdowson 2000, pp. 5 e 22). Retom ando su a velha distinção
entre a aplicação de lingüística (na qual problem as de linguagem são trata d as
por meio de soluções lingüísticas) e LA (na qual “intervenção é essencialm ente
u m a questão de m ediação”, p. 5), Widdowson argum enta que a Análise Crítica
do D iscurso (ACD) é u m a form a de LA, u m a vez que
sem considerar a maneira pela qual eles são discursivamente realizados: o significado das
formas lingüísticas é transposto integralmente para o texto para ser então recuperado como
significado. (p.22)
(...) oferece uma lingüística aplicada alternativa, conhecida como lingüística aplicada crítica. A
pedagogia crítica faz isso de duas maneiras. Primeiramente, ao oferecer uma crítica à lingüística
aplicada tradicional e, em segundo lugar, ao exemplificar uma maneira de fazer LAC, ou seja,
(...) ofereceria o que poderia ser considerado como uma visão ética idealista, sem levar em
consideração a disponibilidade dos recursos ou dos fatos sociais, como, por exemplo, da posição
do inglês no mundo, E assim, apesar de sua alegação de ser socialmente engajada, a LAC parece
(...) abordagens modernistas (tais como a ACD) e críticas pós-modernistas (tais como LAC) da
Lingüística Aplicada são sedutoras. Elas proporcionam um debate produtivo sobre a natureza da
disciplina e devem ser levadas em conta. Mas não se pode permitir que elas assumam controle
inconseqüentemente. Considerando que seus interesses não sejam principalmente nos “problemas
do mundo real em que a linguagem é fator central” . E, uma vez que é sobre isso que a Lingüística
Aplicada trata, é difícil considerar abordagens críticas a não ser como marginais à atividade da
Mas tal conclusão é certam ente e stra n h a dado que Davies dedicou
considerável espaço a essa discussão e ainda que, à primeira vista, a LAC seria
capaz de lidar com "problemas do m undo real em que a linguagem é fator central”.
É esse possível controle inconseqüente que parece ser m ais ameaçador.
23
Então, do que se tra ta toda essa polêm ica? Provavelmente, como sugeri
anteriorm ente, h á u m a preocupação, aqui, de que u m a LA cuidadosam ente
cultivada esteja repentinam ente tom ando outros rum os. Isso é evidente n a
preocupação de Davies com relação à visão irrestrita de Ben R am pton (1997)
sobre a LA como “um campo aberto de interesse n a linguagem ” (p. 141), o qual
Davies vê como “u m a rejeição total da tentativa, desde os anos 50, de se
desenvolver u m a LA coerente” (p. 14). Certam ente, o propósito de Davies parece
ser de solidificar a profissão da LA e, então, fazer com que a LAC esteja
su bm etida a regulam entação norm ativa. Widdowson, por outro lado, parece
d esejar retroceder a s u a conceitualização estreita da LA como m ediadora de
aplicação de teoria lingüística ao ensino de línguas. Mas colocado contra essas
posições norm ativas está um conjunto de posições críticas. Parece-me que, se
n ó s tivéssem os que ad o tar a dicotom ia de Widdowson estabelecida entre a LA
crítica e hipocrítica (a qual não tenho interesse em perpetuar), então a versão
canônica de LA é que seria, de fato, a hipocrítica, considerando-se, pelo m enos,
três im portantes fundam entos.
Hipocrisia número um: é comum, d esta perspectiva, reconhecer o signi
ficado de preocupações políticas (desigualdade, pobreza, racism o etc.); ao
m esm o tem po é com um argum entar que estas não têm n ad a a ver com
preocupações acadêm icas ou de interesse da LA. E ssa é u m a negação hipocrí
tica de responsabilidade política. Hipocrisia número dois: m uitos dos ataques
à LAC sugerem pouco entendim ento da teoria crítica, ou. m esm o dos debates
sobre pós-estruturalism o, pós-m odem ism o ou pós-colonialismo. Não é neces
sário concordar com pontos de vista críticos, m as é im portante, em últim a
instância, arg u m en tar com fundam entação e entendim ento razoáveis das
questões. E ssa é u m a negação de responsabilidade acadêm ica. Hipocrisia
número três: a s vozes que clam am por m udanças estão vindo de m uitas fontes
e com diferentes agendas. Elas não são sim plesm ente reduzíveis ao pós-m o
dem ism o, à pedagogia crítica, à ACD ou, ainda, a algum inimigo local p ara
serem facilm ente rejeitadas; ao contrário, perspectivas críticas sobre a LA estão
em ergindo em todo o m undo, com m últiplas agendas. E ssa é u m a negação de
responsabilidade ética.
24
Lingüística Aplicada Crítica: Uma visão geral
25
(Atkinson 1997), pode ser desdobrada em u m conjunto de habilidades de
pensam ento, um conjunto de regras p ara pen sar que pode ser ensinado aos
alunos. De modo sem elhante, enquanto o sentido de leitura crítica n a crítica
literária acrescenta u m a dim ensão estética d a “apreciação textual”, m uitas
versões d a crítica literária tentaram criar o m esm o tipo de “distância crítica”
desenvolvendo m étodos “objetivos” de análise textual. Como McCormick (1994)
explica,
(...) muito do trabalho que é realizado eom relação ao “pensamento crítico”... - campo em que se
supõe que os alunos aprendam maneiras de avaliar os “usos” dos textos e as implicações de se
tomar uma posição de leitura em detrimento de uma outra - simplesmente assume uma posição
É esse sentido de crítico que tem sido tom ado por m uitos lingüistas
aplicados como, por exemplo, Widdowson (1999), que argum enta que a LAC
deveria operar com e ssa forma de distância crítica e avaliação objetivista, em
oposição a u m a versão m ais politizada d a LAC.
M as h á várias o u tras m aneiras m ais im portantes de p en sa r sobre o
trabalho crítico. Prim eiram ente, um dos objetivos centrais d a LA tem sido o de
ap resen tar questões de linguagem em seu contexto social. No entanto, u m a
d as lim itações do trabalho n a LA geralm ente tem sido u m a tendência de operar
com “contextos descontextualizados”, ou seja, com apenas u m a visão m uito
lim itada daquilo que constitui o social. É com um interpretar a LA como
preocupada com a linguagem em contexto, m as a conceituação do contexto é
freqüentem ente lim itada a u m a visão das relações sociais de caráter m uito
abrangente e sem teorização adequada. Um dos desafios fundam entais p ara a
LAC, portanto, é en contrar m aneiras de m apear relações m acro e micro (bem
como av an çar p a ra além delas), m aneiras de entender u m a relação entre
conceitos de sociedade, ideologia, capitalism o global, colonialismo, educação,
gênero, racism o, sexualidade, classe, e discursos da sala de aula, tradução,
conversações, estilo, aquisição de segunda língua, textos da mídia. Uma
questão cen tral sem pre diz respeito a como a sala de aula, o texto ou a
conversação estão relacionados a conexões políticas, sociais e culturais m ais
am plas, independentem ente de a LAC ser vista como um a crítica à LA vigente,
26
como u m a form a de análise crítica do texto, como u m a abordagem p ara
entender a política d a tradução, ou, ainda, como um a tentativa de entender
implicações d a dissem inação global do inglês no m undo. Mas, sem um
elem ento de crítica, tal visão m antém -se preocupada apenas com a “relevân
cia”: s u a visão daquilo que significa ser crítico restringe-se ao relacionam ento
d a linguagem a contextos sociais m ais amplos.
Não é suficiente, portanto, m eram ente fazer conexões entre relações no
nível micro da linguagem em contexto e m acrorrelações da investigação social.
Mais do que isso, tais conexões precisam ser construídas n a perspectiva de
u m a abordagem crítica p a ra as relações sociais. Ou seja, a LAC não está
m eram ente preo cupada em relacionar contextos lingüísticos da linguagem com
contextos sociais, m as, ao contrário, parte do pressuposto de que a s relações
sociais são problem áticas. E nquanto um grande núm ero de trabalhos em
sociolingüística, por exemplo, tende a m apear a linguagem a p artir de um a
visão estática d a sociedade (Williams 1992), a sociolingüística crítica está
preocupada com u m a crítica das m aneiras pelas quais a linguagem perpetua
relações sociais desiguais. Do ponto de vista dos estudos de linguagem e
gênero, a questão não é m eram ente descrever como a linguagem é u sa d a
diferentem ente em term os de gênero, m as u s a r tais análises como parte da
crítica e d a transform ação social. Um elemento central da LAC, portanto,
relaciona-se a u m a m aneira de explorar a linguagem em contextos sociais que
vão além de m eras correlações entre linguagem e sociedade, e, ao contrário,
levanta m ais questões críticas que têm a ver com acesso, poder, disparidade,
desejo, diferença e resistência. Ela tam bém insiste no entendim ento histórico
sobre a origem e a estru tu ração das relações sociais.
Mas a questão crucial é: que tipo de teoria social? Uma versão, b asead a
em várias tradições m arxistas tais como a teoria crítica da Escola de Frankfurt,
que poderíam os cham ar de m odernism o em ancipatório, fundam entado em
princípios do m aterialism o e do iluminism o. E ssa teoria nos faz lem brar que a
LAC precisa em algum nível se engajar com o grande legado do m arxism o, do
neom arxism o e seu s m uitos contra-argum entos. O trabalho crítico nesse
sentido tem de se engajar com questões de desigualdade, injustiça, acertos e
erros. U m a visão m ais am pla das im plicações dessa linha de pensam ento
poderia nos fazer concluir que crítico nesse sentido significa tom ar as desi
gualdades e as transform ações sociais como centrais p a ra o trabalho. Levando
em consideração o com entário de Poster (1989, p. 3) de que “a teoria crítica
27
n asce de u m a concepção de que vivemos em meio a u m m undo de dor, de que
m uito pode ser feito p a ra aliviar essa dor e de que a teoria tem um papel crítico
a desem p en h ar n esse processo”, a LAC poderia ser vista como u m a abordagem
à s questões relacionadas à linguagem que nasce de u m a concepção de que
vivemos n u m m undo de dor e que a LA pode ter u m papel im portante tan to n a
produção quanto no alívio d essa dor. Mas é tam bém u m a visão que não insiste
m eram ente no alívio d a dor, m as tam bém n a possibilidade da m udança.
* Nota dos tradutores: 0 autor utiliza a locução queer theory para se referir aos estudos e à crítica política de temas
relativos a práticas e identidades sexuais, tradicionais e alternativas.
28
categoria do modernismo emancipatório, desenvolvendo um a crítica das for
mações sociais e políticas, m as oferecendo apenas um a versão de u m a verdade
alternativa no seu lugar. E ssa versão do modernismo crítico, com ênfase n a
emancipação e n a racionalidade, apresenta várias limitações.
No lugar de u m a teoria crítica, D ean (1994, p. 4) propõe o que ele cham a
de “p rática problem atizante”. Ele sugere que essa seria u m a prática crítica
porque “re lu ta em tom ar como definidos os com ponentes d a n o ssa realidade e
a explicação ‘oficial’ de por que vieram a ser o que são”. Assim, u m com ponente
crucial do trabalho crítico consiste em sem pre lançar u m olhar cético sobre as
suposições, idéias que se to m aram “n atu ralizad as”, noções que não são m ais
questionadas. D ean (1994, p. 4) descreve tal prática como “a problem atização
rebelde daquilo que é tido como certo”. Remetendo-me a trabalhos em áreas
como o feminismo, o anti-racism o, o pós-colonialismo, a teoria pós-m odem a
das identidades sexuais, ou ao que estou cham ando aqui de pós-ocidentalism o
(Mignolo 2000), essa abordagem do que é ser crítico procura não tanto a
estabilidade de u m a verdade alternativa, m as, antes, o questionam ento cons
tan te de todas a s categorias. Desse ponto de vista, um a LAC não é som ente o
relacionam ento d as m icrorrelações da LA com as m acrorrelações do poder
social e político, nem está apenas preocupada em relacionar tais questões a
u m a análise crítica anterior d a desigualdade. Um núm ero excessivo de tra b a
lhos em ancipatórios m odernistas operam combinando um a estru tu ra razoável
da lingüística-padrão (aplicada) com um a dada problemática política. Uma prática
problematizante, por su a vez, sugere a necessidade de desenvolver tanto um a
atitude política crítica quanto um a postura epistemológica crítica, de modo que
am bas se comuniquem, não permitindo que nenhum a das duas se m antenha
estática. É um a m istura de crítica social e anarco-particularismo, questionando o
que se pretende e o que se m antém em m uitas das categorias mais gerais da LA -
linguagem, aprendizagem, comunicação, diferença, contexto, texto, cultura, senti
do, tradução, escrita, letramento, avaliação - assim como as categorias que se
encontram n a crítica social - ideologia, raça, gênero, classe e assim por diante.
Tal p o stu ra problem atizadora leva a outro elem ento significativo que
precisa ser incorporado a qualquer LAC. Se a LAC necessita m an ter um
constante ceticismo, u m questionam ento perm anente dos pressupostos d a LA,
tal posicionam ento deve aplicar-se a si mesmo. Como Spivak (1993, p. 25)
sugere, a noção de “crítica” deve tam bém im plicar um a conscientização “dos
lim ites do conhecer”. Como sugeri anteriorm ente, um dos problem as com o
29
m odernism o em ancipatório é s u a convicção sobre s u a própria integridade, su a
crença de que u m a crítica adequada da desigualdade política e social pode
levar a u m a realidade alternativa. Uma atitude problem atizadora pós-m odem a,
entretanto, necessita m anter um m aior senso de hum ildade e de diferença, e
levantar questões sobre os limites de seu próprio saber. E ssa posição auto-re-
flexiva tam bém sugere que u m a LAC não está preocupada em apresentar-se
como u m a nova ortodoxia, ou com a prescrição de novos modelos e procedi
m entos p a ra fazer u m a LA. Antes, está in teressad a em in sta u ra r u m a série de
questões m ais difíceis e novas sobre o conhecim ento, a política e a ética.
Pode-se contestar que o que estou esboçando aqui é u m a abordagem
norm ativa problem ática: ao definir o que estou querendo dizer por “crítica” e
“LAC”, estou propondo u m a abordagem que já tem u m a p o stu ra política e um
modo de análise predefinidos. Existe um a certa tensão aqui: um a versão m ais
que definida de u m a LAC que dem anda u m a adesão a um a forma particular
de política é u m projeto que j á está esgotado; porém eu tam bém não posso
visualizar u m a versão de u m a LAC que possa aceitar qualquer ponto de vista
político. Por u m lado, então, o que estou susten tan d o é que u m a LAC deve
necessariam ente assu m ir determ inadas posições e posturas: su a concepção
de linguagem não pode ser autônom a, que recuse associar a língua a questões
políticas m ais am plas; além disso, seu foco em tais políticas deve ser respon
sável por visões políticas e éticas m ais am plas, que coloquem a desigualdade,
a opressão e a com paixão no fronte d as discussões. Por outro lado, não quero
propor u m a visão lim itada e norm ativa sobre a m ecânica de funcionam ento
d essas políticas. A noção de vigor híbrido, entretanto, abre a possibilidade de
que a LAC não seja de fato um m apeam ento de u m a política rígida sobre um
corpo de conhecim ento estático, m as, antes, seja a criação de algo novo. Como
F oucault (1980, p. 90) postula, “o problem a não é tanto o de definir u m a
‘posição’ política (que im plica escolher a partir de um conjunto de possibilida
des preexistentes), m as de im aginar e fazer n ascer novos esquem as de politi-
zação”. E sse é o desafio político da LAC.
A propriando-se d a distinção de S treet (1984) entre um a abordagem
au tônom a e ideológica do letram ento, R am pton (1995) argum enta que a LA n a
G rã-B retanha com eça a deslocar-se de su a visão de pesquisa “independente”
com conexões com a pedagogia, a lingüística e a psicologia, p ara u m modelo
m ais “ideológico”, estabelecendo ligações com os estudos da mídia, com um
entendim ento m ais fundam entado dos processos sociais. A LAC abre a porta
30
p a ra tais m u d an ças, até m esm o m ais abrangentes, rem etendo-se Inclusive a
o u tra gam a de trabalhos considerados “externos" ao campo de u m a Lingüística
Aplicada tradicional (teoria crítica, feminismo, pós-colonialismo, pós-estru tu -
ralism o, pedagogia anti-racista), que desafiam e enriquecem grandem ente as
possibilidades de fazer u m a LA. Isso significa que u m a LAC não só im plica um
modelo híbrido de p esquisa e prática, como tam bém gera algo que é m uito m ais
dinâmico. Assim como n a noção de sinergia, em que a produtiva com binação
de dois elem entos cria algo m ais amplo do que a som a de su a s partes, estou
lançando m ão da noção de heterose como a expansão criativa de possibilidades
O
re su ltan te s d a hibridez. Simplificando, o que defendo aqui é que a LAC é m uito
m ais do que a adição de u m a dim ensão crítica à LA. Ela abre, ao contrário,
todo u m novo leque de questões e considerações, tem as como identidade,
sexualidade, ou a reprodução daquilo que caracteriza o Outro, que até agora
não têm sido considerados como pertinentes à LA.
Valendo-m e de Mignolo (2000), venho usando o term o “pós-ocidentalis-
m o” introduzido originalm ente pelo intelectual cubano Roberto F em ández
Retam ar. Por u m certo ângulo, podem os enxergar essa questão como histórica
e geograficam ente situada: pós-colonialismo e pós-orientalism o são os esforços
contra o colonialismo e o discurso colonial de povos dos países situados ao
leste da E uropa (índia, Malásia, Vietnã, Indonésia etc.): pós-ocidentalism o é o
esforço das pessoas dos países do Oeste (Cuba, Brasil, Argentina etc.). Porém,
o m ais im portante é que podem os ver o ocidentalism o como u m a contrapartida
p a ra o orientalism o, ou melhor,
(...) a versão Ocidental da civilização Ocidental (sua própria descrição) enraizada no imaginário do
2. Estou consciente dos problemas discutidos por Young (1990) sobre esse uso de conceitos coloniais tais como
hibridez dentro de uma roupagem pós-colonial. Entretanto, creio que conceitos como hibridez, apropriação
sincrética e heterose são úteis para a compreensão do desenvolvimento e do potencial de espaços alternativos.
31
E n q u an to a m odernidade “carrega em seu s om bros o fardo pesado e a
responsabilidade d a colonização”, su a forma com um de crítica em term os de
pós-m odem idade “vai até aonde as diferenças coloniais com eçam ” (Mignolo
2000, p. 37). O pós-m odem ism o é u m a crítica da m odernidade que vem de
dentro, en quanto o pós-ocidentalism o é a crítica das fronteiras externas do
m undo m oderno/colonial. R etom ando ao tem a principal deste artigo, a LA
como u m discurso acadêm ico/disciplinar pode ser vista como um em preendi
m ento perfeitam ente m oderno/colonial em term os de su a s origens (na Grã-
B re ta n h a e n o s E stad o s Unidos), de s u a s epistem ologias (positivismo,
empiricism o, construções d a diferença) e de s u a relação com a grande força
colonizadora d a expansão global do inglês n a últim a parte do século XX. P ara
m u d ar a direção e a orientação dessa corrente, p ara criticar a e s tru tu ra e as
epistem ologias d a LA, p a ra desenvolver u m a LAC alternativa cujos interesses
centrais sejam a transform ação e a m udança, nós precisam os, então, não só
de u m a crítica pós-m odem a da m odernidade, m as de um a revisão pós-ociden-
tal de to d a a estru tu ra . E, possivelm ente, a América Latina ten h a um papel
particu lar a d esem penhar aqui, como participante e como objeto do ocidenta-
lismo.
É p ertin ente perguntar, portanto, se o tipo de LAC que estou propondo
tem relevância suficiente p a ra u m a diversidade de contextos. Será que não é
ap en as u m outro olhar anglo-europeu sobre o m undo? Uma coisa é certa: a
LA no m undo não precisa de u m a o u tra geração de “especialistas” ingleses,
am ericanos, ou au stralian o s correndo m undo afora ensinando aos dem ais
como fazer o trabalho. Roguemos a D eus p ára que a LAC não assu m a um a
posição sem elhante ao discurso paternalista d a LA, inform ando ao restan te do
m undo sobre o que não estã sendo feito corretam ente. Em bora eu sem pre seja
cauteloso quanto a essas relações globais, m inha experiência tem -m e sinali
zado que o tipo de LAC que estou tentando desenvolver aqui tem m uitas
resso n ân cias com o trabalho de o u tras pessoas. De forma algum a é o mesmo
trabalho e pode até não receber a m esm a denom inação, m as parece haver
m uitos paralelos entre o tipo de LAC que estou realizando aqui e as p a u ta s de
discussão de m uitos outros lingüistas ao redor do m undo. Q uando viajo e
converso com pessoas - n a Ásia, n a E uropa e n a América do S ul - tenho
encontrado conexões fortes entre o que estou propondo e as direções p a ra as
quais a LA (crítica) tem apontado em outros lugares. Apenas p a ra citar o
exemplo de trabalhos n a América do Sul - do B rasil (Signorini e Cavalcanti
1998; Souza 1994; Jordão 1999; Moita Lopes 1998; Cox e A ssis-Peterson
32
1999), do Chile (Farias 1999) -, coexistem trabalhos críticos de u m a o u tra
tradição com trab alhos consonantes com as idéias desenvolvidas aqui. De fato,
as instituições im portantes da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, com seus
direitos adquiridos em m anter a ordem atual de coisas, são os lugares onde a
maior resistência à LAC pode ser encontrada. O restante do m undo já vem
realizando tal trabalho h á muito m ais tempo do que eu.
33
Letramento Crítico encontram -se, algumas vezes, mesclados sob o rótulo de um a
Consciência Crítica da Linguagem (CCL), já que o objetivo desse trabalho é
(...) habilitar os aprendizes provendo-os oom uma estrutura analítica crítica a fim de ajudá-los a
refletir sobre suas próprias experiências e práticas de linguagem e sobre as práticas de linguagem
de outros das instituições das quais fazem parte e na sociedade mais vasta em que se encontram
(...) são marcadas por um compromisso em remodelar a educação do letramento para beneficiar grupos
têm sido excluídos do acesso aos discursos e textos da economia e cultura dominantes.
(...) embora o letramento crítico não represente uma abordagem única, ele demarca uma coalizão de
interesses educacionais engajados com as possibilidades que as tecnologias da escrita e outros modelos
de inscrição oferecem para uma mudança social, diversidade cultural, igualdade econômica e política.
34
poder e dominação m ais am plas” (1990, p. 85). Van Dijk (1993, p. 249) explica
a ACD como enfocando o “papel do discurso n a (re)produção e n a contestação
do domínio”. Também Fairclough (1995, p. 132) esclarece que a ACD
entre (a) as práticas discursivas, eventos e textos, e (b) estruturas, relações e processos sociais e
culturais mais abrangentes; investigar como tais práticas, eventos e textos emergem das relações
de poder e de luta pelo poder e como são ideologicamente modeladas por elas.
3. Aproprio-me do conceito de pós-Lingüística de Poynton (1996), Lee (1996) e Threadgold (1997) como um modo
de combinar a análise textual com o pós-estruturalismo.
35
textos estao sim plesm ente abertos a todos os tipos de interpretação (um a das
ciladas da tentativa de Widdowson, como, por exemplo, em 1998, em criticar
a ACD).
Linguagem e letramento como sendo sempre políticos. Não há nenhum contexto em que a linguagem, o texto ou
letramento possam existir fora de relações políticas.
Os textos e práticas de letramento como sempre imbrica Os textos e leitores estão situados historicamente (pré-
dos em contextos sociais. textualmente) e discursivamente (pós-textualmente).
0 poder como algo que precisa ser explicado; a análise Mapeamento discursivo intertextual como uma análise
textual como uma análise social. social; sentidos interdiscursivos em relacionamentos
intertextuais.
36
(...) se os alunos devem aprender como ler o mundo criticamente, devem ter acesso a discursos que
lhes permitam analisar esse mundo, discursos que possam habilitá-los a explorar a atuação de seus
modos de leitura, assim como aos textos de sua cultura, inseridos em relações sociais e históricas
complexas.
37
respeito pelas diferenças culturais e lingüísticas”; por outro lado, objetiva
“m inorar o dialeto-padrão e as form as culturais dom inantes no inglês am eri
cano” em p arte como “u m a oposição à hegem onia global do inglês”. Tal postura,
b asead a em u m a atitude anti-hegem ônica, situada em um a perspectiva de
política lingüística, b asead a em um a ética da diferença, e que tenta, em su a s
práticas, direcionar-se p ara a m udança, encaixa-se intim am ente nos moldes
da LAC que venho esboçando.
Os trab alhos sobre tradução e os estudos coloniais e pós-coloniais são
tam bém de in teresse p a ra a LAC. N iranjana (1991, pp. 124-125), por exemplo,
p ostu la que
(...) a tradução, enquanto uma prática, molda e toma forma dentro das relações assimétricas de
poder que operam sob o colonialismo... Ao formar um certo tipo de sujeito, ao apresentar versões
representação. Esses conceitos e o que eles nos permitem supor obstruem completamente a
Ensino de língua
38
d a América do Norte. E sse processo de se to m a r negro, como ele dem onstra,
está intim am ente ligado às form as do inglês e d a cu ltu ra popular com os quais
os alunos começaram a se identificar. Classe é a principal preocupação apontada
por Angel Lin (1999) ao argum entar que m aneiras próprias de ensino de inglês
em Hong Kong (ou em outros lugares) podem levar ã reprodução ou à transfor
mação d a desigualdade baseada em classes. Ibrahim (op. cit.) questiona, de
m aneira sem elhante, quais seriam as implicações de seus alunos identificarem-se
com a marginalidade.
O gênero é u m dos tem as m erecedores de um grande núm ero de artigos,
incluindo as considerações de Rivera (1999) e Fiye (1999) sobre a pesquisa
participativa e os currículos n a educação de m ulheres im igrantes nos EUA.
C ertam ente, a LAC no domínio da educação lingüística incluiria m uitas
abordagens fem inistas ao ensino de línguas (por exemplo, Sanguinetti 1992-
1993; Schenkle 1991 e 1996), ou program as de pesquisa fem inista (Sunder-
land 1994). Por outro lado, questões de sexualidade e identidade sexual são
foco d a análise de u m período de discussão em u m a sala de au la de inglês
como seg u n d a língua, feita por Nelson (1999), sobre as implicações de d u as
m ulheres cam inhando de braços dados n a rua. Nelson m ostra a im portância
da teoria d as identidades sexuais p ara p en sa r sobre sexualidade e identidade
n a sala de a u la de língua. O utros autores tom am diferentes configurações do
poder e d a desigualdade como seu foco. P ara J a n in a Brutt-Griffer e Keiko
Sam im y (1999), por exemplo, são as desigualdades n a s relações entre os
co n stru to s de falante nativo e não-nativo que precisam ser enfrentados, u m a
preocupação que se tem tom ado um tópico im portante de discussão nos
últim os anos (por exemplo, Liu 1999; Nero 2000).
O utro trabalho que se coaduna com os interesses da LAC seria a
educação ou a p esquisa que segue o trabalho de Paulo Freire (vide tam bém
Letram ento Crítico a seguir). A aplicação dos princípios freireanos de ap resen
tação e resolução de problem as no ensino de inglês como segunda língua feita
por A uerbach e W allerstein (1987) ou G ram an (1988) é u m exemplo típico desse
tipo de trabalho. B aseando seu trabalho em u m a tradição sem elhante, W alsh
(1991) fala de bilingüismo crítico
(...) não apenas como a habilidade de falar duas línguas, mas como a habilidade de conscientização
dos contextos socioculturais, políticos e ideológicos nos quais as línguas (e, portanto, os falantes)
estão situadas e em ação, bem como nos múltiplos sentidos que cada um deles provoca, (p. 127)
39
O trabalho de B rian Morgan (1997 e 1998, p. 19) em um centro
com unitário de Toronto tam bém m ostra como a prática crítica no ensino de
inglês como segunda língua pode emergir de preocupações d a com unidade.
Como o au to r sugere, “u m a pedagogia crítica de ensino de inglês como segunda
língua, b ase ad a n a s preocupações d a com unidade, não significa negligenciar
a língua. Significa organizar a língua em tom o de experiências que são
im ediatas p a ra os alu n o s”.
O u tras abordagens críticas p ara a s questões relativas ã educação
lingüística incluem o trabalho de Bonny Norton (1997) sobre “pesquisa de
discurso crítica”, e sobre m aneiras particulares n a s quais as identidades dos
alunos estão ligadas aos processos de aprendizagem de língua. Há u m a
crescente q u antidade de análise crítica m uito necessária sobre os interesses e
ideologias subjacentes à construção e à interpretação dos livros didáticos
(Dendrinos 1992). Há análise crítica de e stru tu ra curricular e análise de
necessidades, incluindo u m a proposta de fazer “análise de necessidades
crítica” que “pressupõe que as instituições são hierárquicas e que aqueles que
estão abaixo n e ssa escala freqüentem ente recebem m ais poder do que real
m ente o têm . Procuram -se áreas em que m aior igualdade poderia ser alcança
d a ” (Benesch 1996, p. 736). O uso da noção de etnografia crítica, tom ado por
C anagarajah (1993 e 1999), p a ra investigar como os alunos e professores n a
“periferia” resistem e se apropriam do inglês e dos m étodos de ensino de inglês
traz im portantes contribuições p a ra os processos de sala de au la em reação às
form as lingüísticas e pedagógicas dom inantes: “É im portante entender até que
ponto a resistência d a sala de au la pode exercer um papel significativo em
transform ações m ais am plas n a esfera social” (C anagarajah 1999, p. 196). Por
m ais diversos que possam ser esses estudos, eles m ostram u m entrelaçam ento
de tem as, discutidos n a seção anterior, com u m a gam a de preocupações
relativas ao ensino de língua.
Avaliação de língua
40
língua não é neutro. Ao contrário, ele é u m produto e u m agente das agendas
cu ltu rais, sociais, políticas, educacionais e ideológicas que m oldam a s vidas
dos particip an tes individuais, professores e aprendizes”. Ela continua e sugere
vários aspectos-chave d a ACL: os avaliados são vistos como “sujeitos políticos
em u m contexto político”; as avaliações são “profundam ente im bricadas em
aren as culturais, educacionais e políticas em que formas sociais e ideológicas
diferentes estão em conflito”, tom ando impossível considerar u m a “avaliação
como apen as u m a avaliação”; a ACL questiona sobre de quem seriam as
propostas im plem entadas por meio das avaliações; requer que os avaliadores
perguntem sobre a visão de sociedade que os testes pressupõem ; perg u n ta em
qual conhecim ento a avaliação se baseia e se esse conhecim ento é negociável;
considera o sentido dos resultados das avaliações e até que ponto é possível
interpretá-las; desafia, ainda, tradições psicométricas de avaliação de língua (e
apóia abordagens “interpretativas”). De acordo com Shohamy (op. cit.), essa visão
de avaliação de língua significa um a m udança de paradigm a im portante e coloca
muitos critérios novos para a compreensão da validade em cena: conseqüenciais,
sistémicos, interpretativos e éticos, todos esses fatores têm mais a ver com os
efeitos das avaliações do que com os critérios de validade interna.
A proposta de Shoham y (op. cit.) p ara ACL claram ente com bina m uitos
dos princípios que definem o u tras áreas da LAC: seu argum ento é o de que a
avaliação de língua é sem pre política e de que nós precisam os estar cada vez
m ais alertas dos se u s efeitos (validade conseqüencial), e o cam inho que aponta
é o desenvolvimento de testes m ais “dem ocráticos” nos quais os avaliados e
outros p articipantes locais sejam envolvidos. Assim, h á um a dem anda p ara
ver u m domínio d a LA, das salas de au la aos textos e testes, como inerente
m ente ligados a contextos sociais, culturais e políticos m ais am plos. Isso se
alia às preocupações de Norton Peirce e Stein (1995, p. 62) sobre interpretações
de textos possíveis e diferentes n a s avaliações e a questão sobre qual leitura é
reconhecida: "Se os elaboradores de avaliações partem de u m a sala específica,
de u m a raça em particu lar e u m gênero próprio, então os avaliados que
p artilham d essas características estarão em vantagem em relação aos outros”.
Im portante, tam bém , é a crítica de Shoham y (idem) não ap en as sobre o que
antecede, m as tam bém sobre a política de conhecim ento que inform a as
abordagens anteriores. Assim, h á um a crítica d a avaliação positivista e psico-
m étrica com su a s ênfases n a medição cega m uito m ais do que n a s form as de
conhecim ento situ ad as. Há um a dem anda p a ra eleger u m a visão de sociedade,
41
e u m a necessidade de fazer com que as práticas de LA reflitam e responsabi
lizem-se por e ssa visão. E h á sugestões p a ra p ráticas diferentes que poderiam
com eçar a m u d ar o modo como as avaliações são feitas. Todos esses são
claram ente aspectos da ACL que se coadunam confortavelm ente com a LAC.
Um dos dom ínios da LA que devem ser assum idos facilmente dentro do
escopo d a LAC é o trabalho de política lingüística e de planejam ento, u m a vez
que esse trabalho n asceria desde o início com um a visão política da linguagem.
Além disso, como j á sugeri n a seção anterior, não é suficiente fazer m eras
conexões entre a linguagem e o m undo social; u m a abordagem crítica p a ra as
relações sociais tam bém é dem andada. Não h á n ad a inerentem ente crítico
sobre a política lingüística; de fato, parte do problem a, tal como observa
Tollefson (1991), tem sido precisam ente a m aneira acrítica pela qual a política
lingüística tem sido desenvolvida e im plem entada. De acordo com Luke,
McHoul e Mey (1990, p. 27), m esm o m antendo um a “objetividade científica
superficial” o planejam ento lingüístico tem “tendido a evitar dirigir-se direta
m ente às questões sociais e políticas n a s quais a m u dança de língua, uso e
desenvolvimento, e de fato o próprio planejam ento lingüístico estão inseridos”.
Mais geralm ente, a sociolingüística tem sido severam ente criticada pelos
teóricos sociais críticos pelo seu uso de u m a visão liberal e estática da
sociedade e, portanto, s u a inabilidade de lidar com questões de ju stiç a social
(Williams 1992). Assim como Mey (1985, p. 342) sugere, ao evitar questões de
desigualdade social em term os de classe e ao correlacionar variação lingüística
com m edidas superficiais de estratificação social, a sociolingüística tradicional
falha em “estabelecer um a conexão entre o lugar das pessoas n a hierarquia
social, e o lingüístico e as o u tras formas de opressão a que elas estão sujeitas
em diferentes níveis”. Cam eron (1995, pp. 15-16) tam bém apontou p a ra a
necessidade de desenvolver u m a visão de língua e sociedade que vai além de
u m a visão que entende a linguagem como reflexo da sociedade, sugerindo que
(...) na teoria crítica a linguagem é tratada como parte da explicação. Enquanto a sociolingüística
diria que a maneira como eu uso a língua reflete ou marca minha identidade como um tipo particular
de sujeito social... a perspectiva crítica sugere que a linguagem é uma das coisas que constituem
minha identidade como um tipo particular de sujeito. A sociolingü ística diz que a maneira como você
42
reage depende de quem você ê; a teoria crítica diz que quem você é (e por quem você é tomado)
43
como u m a língua dom inante”. Assim, as m aneiras como o inglês é promovido
pelas m últiplas agências e a exclusão de outras línguas é que são a questão.
O que isso, n aturalm ente, deixa como lacuna é u m a visão de como o inglês é
defendido, com batido, usado, apropriado (C anagarajah 1999). De modo sem e
lhante, nós precisam os ver am bos, o poder e a fraqueza, d a perspectiva dos
direitos de u m a língua. Assim como Rassool (1998, p. 98) pergunta: “À luz
d essas m u d an ças dinâm icas acontecendo globalm ente e nacionalm ente o
argum ento em favor de um discurso universalizante sobre pluralism o cultural
e lingüístico pode ser su sten tad o ?”. Tentei, em outros trabalhos (2001),
desenvolver u m a noção de desem penho pós-colonial p a ra mover em direção a
u m a conceitualização razoavelm ente diferente d a linguagem no m undo.
daqueles que detêm o poder, Os médicos exercem poder sobre os pacientes, eles fazem perguntas,
44
capitalismo” n as práticas de letramento e linguagem no local de trabalho.
Poynton (1993), por outro lado, cham a a atenção p a ra o perigo da re e s tru tu
ração do local de trab alh o que pode “exacerbar o sta tu s m arginalizado de
m u itas m u lh eres” não som ente em decorrência do desafio das m u d an ça s das
habilidades e tecnologias, m as tam bém em virtude d a falha em reconhecer
n a linguagem o c a ráter e o valor das habilidades das m ulheres. As habilidades
orais in terativ as das m ulheres, assim como s u a s habilidades de letram ento,
nem sem pre têm sido reconhecidas nos locais de trabalho. Poynton (op. cit.)
co n tin u a a d iscutir um projeto desenhado p a ra m u d ar essas práticas que
nom eiam os locais de trabalho.
U m a questão que emerge aqui é a m aneira pela qual preocupações
críticas estão interligadas. O estudo de Crawford (1999) sobre a com unicação
entre pacientes, enferm eiras e médicos nos serviços de saúde em Cape Town,
por exemplo, cham a a atenção p a ra as complexidades de relações entre
p acientes falantes de Xhosa, enferm eiras exercendo a função de intérpretes e
m édicos predom inantem ente de cor branca. Os pacientes sofrem n a m edida
em que as lacu n a s culturais e lingüísticas entre eles e os médicos são
preenchidas por enferm eiras que atu am como intérpretes voluntárias. Elas,
por vez, se vêem entre as dem andas dos médicos p a ra apenas traduzir o que
o paciente diz e su a s necessidades de lidar com pacientes que se sentem
alienados do seu am biente, em m uitos níveis. E tudo isso no meio de relações
raciais, cu ltu rais e de gênero, de longa desigualdade histórica. Relações
sem elhantes existem em casos de tribunais n a Austrália, onde a falta de
entendim ento de fatores pragm áticos do inglês de povos au stralianos nativos
compõe as injustiças de u m a longa história de racismo, pobreza e preconceito.
Como o estudo recente de Eades (2000, p. 190) sugere,
da lei não entendiam algum aspecto do estilo de vida e cultura aborígenes a qual a testemunha
45
política lingüística, pedagogia - e as relações sociais subjacentes de raça,
classe, gênero, e o u tras construções de diferença estão todos em interação.
A LA, eu diria, tem sido dom inada por um leve igualitarism o que não
nos aju d a a p en sa r questões sobre a desigualdade, a linguagem e o poder.
F reqüentem ente b asead a em posições políticas pluralistas liberais e em ab o r
dagens e stru tu ra lista s a respeito do trabalho acadêmico, essa abordagem
advoga a separação entre a política e o trabalho acadêmico. Assim, o estru tu -
ralism o da lingüística e da sociolingüística, que perm ite a visão de que todos
os dialetos são iguais, é tam bém a visão que não tem permitido um entendi
m ento adequado de como as línguas estão com plexamente relacionadas aos
fatores sociais e culturais, ignorando, conseqüentem ente, profundas questões
de diferenças sociais, desigualdades e conflitos. De u m a perspectiva d a LAC,
essa negação de s u a própria política - essa recu sa em considerar interesses
sociais e políticos m ais am plos - torna tal abordagem em relação à LA algo
sem elhante a u m a avestruz (com a cabeça enterrada n a areia).
O “avestruzism o liberal” pode ser visto correndo por m uitas correntes
vigentes em direção à LA. As correntes canônicas que abordam a sociolingüís
tica e o planejam ento lingüístico têm teorias sociais inadequadas, sugerindo
que a língua sim plesm ente reflete categorias sociais razoavelm ente vagas. E ssa
posição aceita e até m esm o celebra a inevitabilidade da expansão global do
inglês enquanto, um tanto indevidam ente, bu sca apoio para o u tras línguas.
Em term os d a análise textual, um parâm etro liberal sugere que os textos estão
sem pre abertos à interpretação e que a análise crítica é, portanto, um a
im posição de u m a posição ideológica. Abordagens liberais quanto à escolari
zação, por s u a vez, constroem a educação como um contexto neutro de
tran sação do conhecim ento no qual todos têm a oportunidade de ser b em -su
cedidos. Se aplicadas à questão da diferença, as abordagens liberais tendem
a aderir a u m a p o stu ra h u m an ística que sugere que a diversidade é u m a capa
superficial que cobre sem elhanças h u m an as essenciais, e, assim fazendo, tal
visão tem conduzido a m uitas form as estáticas de alteridade n a LA.
46
QUADRO 3: ESTRUTURA DA POLÍTICA, EPISTEMOLOG1A E LINGÜÍSTICA APLICADA.
“Avestruzismo liberal” Pluralismo liberal, estrutura- Teoria sociai inadequada; Ênfase no indivíduo; abertu
lismo, igualitarismo leve; inabilidade para lidar com ra quanto ao sentido do
distância crítica e isolamen questões relacionadas à texto, benefícios do inglês,
to da política, em relação ao diferença sociai; desigualdade possibilidades de escola
trabaiho acadêmico. e conflito; a língua reflete a rização e estabilidade da
realidade. diferença.
Prática problematizante Políticas locais fundamen Ceticismo sobre a ciência e Produtividade da linguagem;
tadas em conjunção com o o conhecimento; microrrela- resistência e apropriação;
pós-estruturalismo, o pós- ções de poder; visão política análise do social por meio da
m odernism o e o pós- obscura; possível relativis- linguagem; compromisso
coloníalismo. mo; irrealismo; muita ênfase com a história e a diferença;
no discurso. validade catalítica.
47
cientifico da realidade pode nos ajudar a escapar da falsidade ideológica e,
dessa forma, oferece-nos u m modelo racionalista e realista de emancipação.
Mais u m a vez, podem os ver abordagens do m odernism o em ancipatório
à Lingüística Aplicada (Crítica) em m uitos campos. E ssa versão da sociolin-
güística relaciona a linguagem à classe ou ao gênero em term os concretos e
críticos, en quanto no contexto d a expansão global do inglês su scita p reocupa
ções que giram em tom o do im perialism o lingüístico e de direitos da língua. A
tendência nos modelos conceituais m odernistas em ancipatórios é colocar a
língua em condições sociais in ju stas m as estáticas e determ inistas. Em term os
d a análise textual, brinda-nos tanto com o letram ento crítico como com a ACD,
a qual insiste em relacionar sentidos textuais a interesses sociais, econômicos
e políticos m ais am plos. Tais abordagens, contudo, incorrem em dificuldades
devido à ten dência p a ra a determ inação social do sentido, ao enfoque nos textos
em vez de n a s reações ao texto e à sugestão de que a conscientização de
ideologias textualm ente em butidas pode levar à em ancipação. Abordagens
críticas à educação ressaltam os m odos como ela reproduz a desigualdade; a
pedagogia crítica oferece um a solução, em geral, m odernista e em ancipatória
p a ra esse problem a, destacando a im portância de u m a visão que inclua a voz
do aprendiz. A abordagem m odernista e em ancipatória tende a lidar com a
diferença, portanto, som ente ao considerar o aspecto inclusivo n a s u a visão de
dem ocracia crítica e não como um com prom isso com u m a noção de possibili
dade m ais abrangente.
A terc eira posição, em bora tam bém veja a linguagem como fu n d a m e n
talm en te ligada à política, a rtic u la u m a descren ça p ro fu n d a q u an to à
ciência, à s d eclarações d a verdade e à possibilidade de u m a posição
em an cip ató ria fora d a ideologia. Tal posição, que podem os c h a m a r de “LAC
como p rá tic a problem atizante", rem ete a perspectivas p ó s-e stru tu ra llsta s,
p ó s-m o d ern as e pós-coloniais, en caran d o a linguagem como ineren tem en te
política, en ten d en d o o poder m ais em term os de s u a s m icrooperações
rela cio n ad a s a q u estõ es de classe, raça, gênero, etnia, sexualidade e assim
p or dian te, e a rg u m e n tan d o que tam bém devem os resp o n sab ilizar-n o s pelas
políticas do sab er. Ao invés de c o n tin u a r vendo a em p reitad a científica como
u m re cu rso p a ra estim u la r m ais trab a lh o s críticos, e ssa visão vê a ciência
- ou o que se diz científico - como p a rte do problem a. Mas essa posição tem
tam b ém sido criticada devido à falta de firme em basam ento político, a seu
relativism o, a s u a obscuridade teórica e a su a obsessão com o discurso e a
subjetividade.
Em term o s d a política lingüística, sugere que a língua é tan to p ro d u
to ra q u an to refletora d as relações sociais, e ap o n ta p a ra a necessid ad e de
en te n d e r como a s p esso a s resistem e se apropriam de form as de opressão
p or meio d a linguagem . A dvertindo c o n tra a celebração vazia d a hibridez e
d a diferença, sugiro que a noção de desem penho pôs-colonial pode n o s d ar
u m cam inho a p a rtir daqui. Isso nos perm ite e n c a ra r a língua como
p ro d u to ra e executora, vendo o uso do inglês no m undo pós-colonial tan to
como u m con ju n to de a titu d e s rep etid as dentro de u m a e s tru tu ra re g u la
dora que se cristalizou ao longo do tem po p a ra produzir a aparição de u m a
en tidade, q u an to como u m espaço de re sistên c ia e apropriação de n o rm as
e form as de d iscu rso pad ro n izad as. Em term os d a política dos textos, sugeri
que u m a form a de pó s-lin g ü ística como p rá tic a política situ a d a deveria nos
prover com m eios de p e sq u isa sobre as m an eiras p o lític a s/d isc u rsiv a s
(pós-textual, su b textual), sócio-históricas (pré-textual), e lo c a is/c o n tin g e n
te s (contextuai) com a s quais textos e leitores produzem (intertextual)
sen tid o n a s relações e n tre os textos.
Um a p o s tu ra p roblem atizante sobre escolarização lev an ta q u estões
de re sistên c ia e é cética sobre a noção de que a conscientização pode levar
à em ancipação. U m a pedagogia pós-crítica co n cen tra-se n u m a noção de
p ó s-m odernism o eticam ente engajado que pode nos a ju d a r a n o s a fa sta r de
u m tipo de essen cialism o que tem obstruído as a rté ria s da LA, com a
in sistê n c ia “d e s a ju s ta d a ” em id en tid ad es c u ltu ra is e de gêneros. E ssa
posição p arece oferecer m ais possibilidades p a ra o engajam ento com a
diferença p elas visões de subjetividade e identidade como m ú ltip las e
co n trad itó rias. Os espaços co n quistados pela teoria das id en tid ad es sexuais
fin alm ente com eçaram a tra n sfo rm a r o gênero e a sexualidade em categorias
de diferença n ão estática s, m as em espaços de m u d a n ç a de engajam ento
com o desejo e o corpo. Além disso, a p esq u isa pode a b rir s u a s p o rtas p a ra
o reco n h ecim en to n ão a p e n a s de cam inhos m últiplos de conhecim ento, m as
tam bém p a ra a n ecessid ad e de resp o n d er à validade catalítica, u m a form a
de validade que in d ag a sobre a eficácia d a p esq u isa n a prom oção de
m u d a n ç a política e social.
49
Um dos paradoxos do trabalho crítico emerge d a questão daquilo que
acontece quando o trabalho crítico torna-se canônico. O trabalho crítico está
sem pre destinado, por definição, a ser m arginal? Ou é concebível que todos
deveriam com eçar a fazer o trabalho crítico? E se todos fizessem assim , isso
ainda seria crítico? A LAC poderia se to m a r um a LA canônica ou isso é
oximorônico? Por outro lado, eu certam ente lu taria por u m a LAC m ais crítica.
No entanto, ao m esm o tempo, precisam os reconhecer que quanto m ais as
pessoas com eçarem a fazer LAC, ela inevitavelmente se desgastará. A pedago
gia crítica é um bom exemplo disso, tendo começado como um a crítica radical
da educação, e tendo-se tom ado, por vezes, n ad a além de u m a abordagem
cen trad a no aluno. Versões de letram ento crítico, após se to m arem p resas a
um a abordagem de gênero m uito específica com relação à educação, perderam ,
de modo análogo, su a vantagem crítica. A ACD pode estar com eçando a seguir
o m esm o cam inho.
Mas a canonização ou o enfraquecim ento do trabalho crítico pode
som ente se aplicar se ele se to m a r sólido e estático. O propósito aqui não é
estabelecer e definir a LAC como um a disciplina, um domínio ou um campo.
O propósito é ap resen tar u m panoram a de m obilidade da práxis em que
consiste a LAC. Vejo a LAC como um a abordagem às questões de linguagem
em contextos m últiplos, dinâm ica e em constante processo de m udança; m ais
do que u m método, um conjunto de técnicas, ou um corpo fixo de conhecim en
to. E m ais do que ver a LAC como u m a nova forma de conhecim ento interdis-
ciplinar, prefiro vê-la como um a forma de conhecim ento antidisciplinar, como
u m a form a de pensam ento e fazer, em perm anente questionam ento, sem pre
procurando novos esquem as de politização. C onsiderando que essa visâo de
LAC tem enfatizado a im portância do trabalho pelas várias perspectivas “pós",
e tendo em vista o que venho argum entando - que essa LAC precisa evitar
qualquer construção de um modelo estático e, longe disso, precisa refletir um a
abordagem de linguagem e conhecim ento em constante movimento -, jã seria
h o ra de ch am ar e ssa perspectiva de Lingüística'Aplicada Pós-crítica, acom pa
n h an d o a noção d a Pedagogia Pós-crítica (Lather 1995) ou de Pós-lingüística
Aplicada Crítica, tom ando como referência a noção da pós-lingüística como o
uso de ferram entas lingüísticas em u m a e stru tu ra p ó s-e stm tu ralista (Poynton
1996; Lee 1996; Threadgold 1997). Ou talvez, como sugeri acim a, seja hora
sim plesm ente de falar de LA com um posicionam ento.
50
P ara conjecturar como a LAC pode tanto aparecer quanto desaparecer,
ser consolidada e, ainda, perm anecer flexível, pode ser útil considerar seu papel
potencial em cu rso s universitários em LA. Podemos considerar cinco possibi
lidades. À prim eira cham o de “modelo au sen te”, a abordagem “o m esm o de
sem pre”, n a qual o tipo de preocupações críticas que tenho apontado neste
artigo não encontram n en h u m espaço. E nquanto o peso das preocupações
críticas relacionadas à LA to m a tal posição cada vez m ais insustentável, ela
ain d a perm anece em m uitas versões d a LA, particularm ente em s u a versão
m ais estreita, v ista como a tradução de teoria lingüística p ara professores de
língua. No m undo do ensino de inglês, altam ente comercializado, os cursos
que ten tam fazer d a LA um estudo apolítico de língua e de metodologia do
ensino são com uns. De fato, desse ponto de vista, a LAC é hipocrítica
(Widdowson 1999).
Assim, enquanto alguns se esquivam d a noção de LAC, h á agora trabalho
suficiente realizado sob a rubrica crítica n a s áreas que se interligam com a LA
(ACD, letram ento crítico, pedagogia crítica) que se to m o u difícil co ntinuar sem
reconhecim ento d a crítica. Assim, m uitos lingüistas aplicados com eçaram a
incluir tal trabalho como parte de seus cursos: um curso de análise do discurso
pode incluir u m a sem ana ou d u as sobre ACD; u m assu n to sobre letram ento
poderia incluir trabalho sobre letram ento crítico; e cursos sobre metodologia,
currículo ou educação do professor podem recorrer ao trabalho feito n a
pedagogia crítica. A isso eu cham o de modelo da “décim a terceira sem an a”
(tomando como referência u m sem estre de 13 sem anas), em que os cursos-pa-
drão de LA reconhecem o crítico como um a abordagem e tendem a fazer isso
em s u a p arte final. Em bora seja u m avanço em relação ao “modelo a u se n te”,
é tam bém m uito limitado. Ele opera com um a e s tm tu ra liberal, inclusiva, que
coloca o trabalho crítico como algo adicional ao curso; ele ap en as d á u m breve
m ergulho no trabalho crítico, sem sistem atização, e, assim , falha em explorar
questões básicas que têm a ver com ideologia, poder ou subjetividade, e ele
tende a jogar a “sem ana crítica” p a ra o fim do sem estre de tal form a que su a
posição perm anece periférica.
51
QUADRO 4: (CRITICA) LINGÜÍSTICA APLICADA NO CURRÍCULO.
“13a semana” Uma “semana crítica” adicionada aos Falha ao não se engajar de maneira
cursos regulares; presente, mas significativa com perspectivas críticas.
periférico.
0 curso crítico Um curso de LAC como parte do Mesmo permitindo sérios engajamen
programa; mais significativo, mas tos, mantém o critico como separado;
opcional. solidifica o conteúdo.
Cursos críticos Vários cursos críticos que não mais se Apesar de não mais periférico, nem
rotulam assim. isolado, permanece uma preocupação
opcional.
LAC com um posicionamento LAC como um posicionamento ético, De periférico para universal, mas
epistemológico e político em direção a pode, potencialmente, desaparecer.
todas as questões da LA.
52
Tecnologia em Sydney, por exemplo, lecionamos cursos tais como “Linguagem
e poder” e “L etram entos críticos”, os quais cobrem inúm eros contextos e
preocupações (embora sejam crescentes as am eaças de cortes no orçamento).
D esse ponto de vista, em vez de consolidar o trabalho crítico sob u m título, ele
se to m a m ais diverso. Há várias vantagens em relação a isso: ele perm ite
m aiores possibilidades de cobertura e de abordagens, e significa que a LAC
não é m ais u m a disciplina eletiva que você pode ou não fazer, m as é parte de
vários cu rsos e com eça a form ar u m a parte m ais su b stan cial do currículo.
Mesmo com esse engajam ento m ais sério, no entanto, a LAC perm anece como
algo que você pode ou não fazer. Ela não é m ais u m a ocorrência periférica (a
sem an a crítica), nem u m a disciplina isolada (o curso crítico), m as perm anece
como u m a preocupação opcional.
O modelo final, então, continua esse processo de difusão distante de
m om entos isolados de criticidade e em vez disso se move em direção a u m a
abordagem crítica inspirando toda u m a área. Assim, a necessidade im perativa
de desenvolver e s tm tu ra s conceituais de conhecim ento m ais am plos, m ais
eticam ente responsáveis e m ais transform ativos n a LA sugere a possibilidade
não de u m trabalho crítico periférico, m as de um trabalho crítico de caráter
universal. Desse ponto de vista, podem os com eçar a vislum brar a LAC m enos
em term os de modelos ou metodologias e m ais em term os de u m a atitude ética,
epistemológica e política em direção a todas as questões de educação de
linguagem, letram ento, tradução, ou uso de linguagem no local de trabalho.
P arafraseando (substituindo LA por letram ento) o argum ento de Bill
Green (1997) de que o letram ento crítico deveria to m ar-se letram ento com
posicionam ento, eu sugeriria que podemos, então, com eçar a ver a necessidade
de sem pre questionar o sta tu s de crítico p ara ab rir o debate e adm itir que n ad a
é certo ou seguro, que o esforço necessário deveria, agora, p artir p a ra a
reivindicação da LA, desde seu ponto de partida, como sem pre e n ecessaria
m ente política. Isso leva esse projeto d a LAC à desordem , ou pelo m enos p ara
a história, porque isso quer dizer que agora podem os trab a lh ar estrategica
m ente desde o início com u m entendim ento politizado da LA, com a visão de
que q u alquer LA que faça valer esse nom e (e com a qual valha a pena trabalhar,
pela qual valha a p en a lu ta r e com a qual valha a pena consum ir seu tempo...)
é sem pre necessariam ente política e, m ais do que isso, um instrum ento e um
recurso p a ra a transform ação, para o desafio e p ara a m u dança do m undo e
da palavra. Seguindo Bill Green [op. cit.), então, a LAC não deveria ser vista
enfaticam ente como u m a abordagem alternativa para a LA, m as, principalm en
te, como u m a LA com posicionam ento.
53
Conclusão
E é aqui que gostaria de concluir esta revisão d a LAC. Argum entei neste
artigo, inicialm ente, que a LAC precisa ser entendida como m uito m ais
ab rangente do que u m a crítica à LA norm ativa. Em segundo lugar, discuti que
em bora a noção de crítico seja m uito debatida e controversa, a LAC precisa
evitar u m a política norm ativa, bem como promover u m a visão política daquilo
que entende como crítico. Como terceiro ponto, argum entei que a LAC é m ais
do que sim plesm ente a som a de abordagens críticas relacionadas aos domínios
d a linguagem (ACD, letram ento crítico, pedagogia crítica). Um quarto aspecto
que apresentei refere-se ao fato de que a LAC é tam bém m ais do que sim ples
m ente a adição de u m a abordagem crítica/política à LA. Em vez disso, ela
levanta u m conjunto de questões diferentes a serem tratad as, tais como
identidade, poder, desem penho. Ainda, como um quinto ponto, este artigo não
só sugere, portanto, u m a concepção m ais am pla de LA, m as tam bém em purra
esses lim ites adiante tom ando como referência u m a gam a de domínios teóricos
e em píricos que incluem a teoria das identidades sexuais, estudos culturais e
a teoria pós-colonial. A LAC sugere um a mobilidade em direção a um a
epistem ologia pós-ocidental n a LA, u m a m u dança que se distancia do conhe
cim ento p atern alista e d a política da era colonial/m odernista da LA. E tam bém
u m a m obilidade em direção a um a forma de LA m ais engajada e m ais am pla
social e politicam ente. Mas em vez de m aterializar um modelo de LA ou de
co n stru ir u m modelo, a construção de teoria ou u m a disposição program ática,
eu preferiria deixar a LAC nesse espaço enigmático. Q ualquer que seja o uso
que a LAC p o ssa ter, ela não pode estar ligada à m inha visão de como ela pode
trab alh ar. É por isso que u m a visão de LA pós-ocidentalista pode ser a m ais
apropriada, u m a vez que o objetivo aqui é abrir as portas p ara as m últiplas
vozes, pesquisas, preocupações e atitudes de m uitos ao redor do m undo
realizando form as de Lingüística Aplicada (Crítica).
Referências bibliográficas
54