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MARIA JOSÉ CORACINI

ERNESTO SÉRGIO BERTOLDO (ORGS.)

O DESEJO DA TEORIA E A
CONTINGÊNCIA DA PRÁTICA

DISCURSOS
sobre e na
SALA DE AULA
(língua m aterna e
língua estrangeira)
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALO GAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
(CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP, BRASIL)

O desejo da teoria e a contingência da prática: discursos sobre e na sala de


aula: (língua materna e língua estrangeira) / Maria José Coracini e Ernesto
Sérgio Bertoldo (orgs.). - Campinas, SP : Mercado de Letras, 2003.

Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 85 7591-009-4

1. Línguas - Estudo e ensino 2. Lingüística aplicada 3. Sala de aula -


Direção I. Coracini, Maria José. II. Bertoldo, Ernesto Sérgio.

03-0184 CDD-418

índices para catálogo sistemático:

1. Lingüística aplicada 418

capa\ Vande Rotta Gomide


preparação dos originais: Lúcia Helena Lahoz M orelli
revisão: Ana Elisa de Arruda Penteado

DIREITOS RESERVADOS PARA A LÍNGUA PORTUGUESA:


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2003
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sem a autorização prévia do Editor.
1
L IN G Ü ÍS T IC A A P L IC A D A P Ó S -O C ID E N T A L 1

Alastair Pennycook

Ações de retaguarda

Do m esm o modo que o século XX chegou a seu fím com dificuldades, a


Lingüística Aplicada (LA) como um a disciplina acadêm ica tem sido alvo de
várias batalh as. E nquanto esses enfrentam entos podem, de u m a certa m anei­
ra, ter sido originados de reflexões m ais am plas sobre paradigm as, épocas e
m odelos surgidos com a m u d an ça do século, pode ser que eles tam bém tenham
su a s ca u sas cen tradas em dois eixos. Por um lado, um a velha-guarda de
lingüistas aplicados britânicos, altam ente influentes e em idade de ap o sen ta­
doria, tem procurado deixar s u a m arca n a disciplina. Por outro lado, um
conjunto de abordagens críticas sobre a LA, que poderiam ser, de m aneira
geral, abrigadas sob o rótulo de Lingüística Aplicada Crítica (LAC), começou a
exercer influência crescente n a LA. P ara essa geração de lingüistas aplicados,
tal p o stu ra trouxe um desafio considerável, que vem sendo tratado de d u as
m aneiras distintas: ora a LAC é cham ada de lingüística “m al” aplicada ou de
lingüística aplicada “hipocrítica”, ora se bu sca incorporá-la a um modelo de
lingüística aplicada bem m ais definido e circunscrito.

1. Tradução de Carla Nunes Vieira Tavares, Ernesto Sérgio Bertoldo e Waldenor Barros Moraes Filho.

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A convenção da Associação Internacional de Lingüística Aplicada - Aila
de 1999 foi in teressan te por u m a série de ações de retaguarda, incluindo o
apelo de Long (1999) p a ra que se evitasse a proliferação de teorias de aquisição
de seg u n d a língua, e o ataque de P rabhu (1999) a essa visão de lingüística
“m al” aplicada, bem como su a defesa em favor de um a Lingüística Aplicada
objetivista. O m ais notável, no entanto, foi o ataque, em plenário, de Widdowson
(1999) à LAC, intitulando-a de “hipocrítica”. Esse ataque foi levado adiante em
u m a crítica n a qual o au to r refere-se à LAC como sendo u m a “m á” aplicação
da lingüística (Widdowson 2000, pp. 5 e 22). Retom ando su a velha distinção
entre a aplicação de lingüística (na qual problem as de linguagem são trata d as
por meio de soluções lingüísticas) e LA (na qual “intervenção é essencialm ente
u m a questão de m ediação”, p. 5), Widdowson argum enta que a Análise Crítica
do D iscurso (ACD) é u m a form a de LA, u m a vez que

os textos são analisados tomando-se como referência categorias gramaticais e lexicais,

sem considerar a maneira pela qual eles são discursivamente realizados: o significado das

formas lingüísticas é transposto integralmente para o texto para ser então recuperado como

significado. (p.22)

Há pontos n e ssa crítica com os quais concordo (Pennycook 2001), m as


o problem a aqui é que ela se centra n a tentativa de desconsiderar toda a
em preitada do trabalho crítico como se todas as formas de LAC sofressem de
falhas sem elhantes. Ao ap o n tar as inconsistências n a lingüística crítica e ao
ro tulá-la de “hipocrítica” ou de “m al” aplicada, Widdowson não discute s u b s -
tancialm ente o conjunto m ais amplo de trabalhos d a LAC.
Em contraposição a Widdowson, o livro de Davies (1999) intitulado An
introduction to applied linguistics: from practice to theory, discute m ais inten­
sam ente as questões da LAC, ap esar de ainda fazê-lo de m aneira contraditória.
Davies u s a cinco estudos de caso em Lingüística Aplicada p ara ilu strar su a
extensão e seu escopo. O quinto caso refere-se à “Pedagogia Crítica”, que,
segundo o autor,

(...) oferece uma lingüística aplicada alternativa, conhecida como lingüística aplicada crítica. A

pedagogia crítica faz isso de duas maneiras. Primeiramente, ao oferecer uma crítica à lingüística

aplicada tradicional e, em segundo lugar, ao exemplificar uma maneira de fazer LAC, ou seja,

pedagogia crítica, (p. 20)


D ada essa dupla definição, é lam entável que o glossário do livro de
Davies ofereça u m a versão levemente distorcida de seu prim eiro ângulo: "um a
abordagem avaliativa por parte de alguns lingüistas aplicados com relação à
Lingüística Aplicada ‘norm al’ tom ando como referência o fato de que ela não
está preo cu p ad a com a transform ação da sociedade” (p. 145). E talvez seja
tam bém lam entável que a LAC te n h a sido tão facilmente fundida com a
pedagogia crítica.
Davies parece não estar tão seguro sobre o papel da LAC em seu
trabalho. Em u m a controversa seção de seu livro, ele analisa os outros quatro
estu d o s de caso d a perspectiva da LAC, sugerindo, por exemplo, que esta

(...) ofereceria o que poderia ser considerado como uma visão ética idealista, sem levar em

consideração a disponibilidade dos recursos ou dos fatos sociais, como, por exemplo, da posição

do inglês no mundo, E assim, apesar de sua alegação de ser socialmente engajada, a LAC parece

estar orientada para o indivíduo, (p. 127)

Infelizmente, essa estra n h a conclusão está b asead a n a própria tentativa


de Davies de an a lisa r criticam ente os quatro estudos de caso. É apenas com
base n a s u a própria caricatu ra d a LAC, portanto, que Davies chega a essas
conclusões peculiares. Mais adiante, esse au to r sugere que “a influência da
LAC é difusa e pode ser de pouca valia” (p. 139) e conclui argum entando que

(...) abordagens modernistas (tais como a ACD) e críticas pós-modernistas (tais como LAC) da

Lingüística Aplicada são sedutoras. Elas proporcionam um debate produtivo sobre a natureza da

disciplina e devem ser levadas em conta. Mas não se pode permitir que elas assumam controle

inconseqüentemente. Considerando que seus interesses não sejam principalmente nos “problemas

do mundo real em que a linguagem é fator central” . E, uma vez que é sobre isso que a Lingüística

Aplicada trata, é difícil considerar abordagens críticas a não ser como marginais à atividade da

Lingüística Aplicada, (p. 142)

Mas tal conclusão é certam ente e stra n h a dado que Davies dedicou
considerável espaço a essa discussão e ainda que, à primeira vista, a LAC seria
capaz de lidar com "problemas do m undo real em que a linguagem é fator central”.
É esse possível controle inconseqüente que parece ser m ais ameaçador.

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Então, do que se tra ta toda essa polêm ica? Provavelmente, como sugeri
anteriorm ente, h á u m a preocupação, aqui, de que u m a LA cuidadosam ente
cultivada esteja repentinam ente tom ando outros rum os. Isso é evidente n a
preocupação de Davies com relação à visão irrestrita de Ben R am pton (1997)
sobre a LA como “um campo aberto de interesse n a linguagem ” (p. 141), o qual
Davies vê como “u m a rejeição total da tentativa, desde os anos 50, de se
desenvolver u m a LA coerente” (p. 14). Certam ente, o propósito de Davies parece
ser de solidificar a profissão da LA e, então, fazer com que a LAC esteja
su bm etida a regulam entação norm ativa. Widdowson, por outro lado, parece
d esejar retroceder a s u a conceitualização estreita da LA como m ediadora de
aplicação de teoria lingüística ao ensino de línguas. Mas colocado contra essas
posições norm ativas está um conjunto de posições críticas. Parece-me que, se
n ó s tivéssem os que ad o tar a dicotom ia de Widdowson estabelecida entre a LA
crítica e hipocrítica (a qual não tenho interesse em perpetuar), então a versão
canônica de LA é que seria, de fato, a hipocrítica, considerando-se, pelo m enos,
três im portantes fundam entos.
Hipocrisia número um: é comum, d esta perspectiva, reconhecer o signi­
ficado de preocupações políticas (desigualdade, pobreza, racism o etc.); ao
m esm o tem po é com um argum entar que estas não têm n ad a a ver com
preocupações acadêm icas ou de interesse da LA. E ssa é u m a negação hipocrí­
tica de responsabilidade política. Hipocrisia número dois: m uitos dos ataques
à LAC sugerem pouco entendim ento da teoria crítica, ou. m esm o dos debates
sobre pós-estruturalism o, pós-m odem ism o ou pós-colonialismo. Não é neces­
sário concordar com pontos de vista críticos, m as é im portante, em últim a
instância, arg u m en tar com fundam entação e entendim ento razoáveis das
questões. E ssa é u m a negação de responsabilidade acadêm ica. Hipocrisia
número três: a s vozes que clam am por m udanças estão vindo de m uitas fontes
e com diferentes agendas. Elas não são sim plesm ente reduzíveis ao pós-m o­
dem ism o, à pedagogia crítica, à ACD ou, ainda, a algum inimigo local p ara
serem facilm ente rejeitadas; ao contrário, perspectivas críticas sobre a LA estão
em ergindo em todo o m undo, com m últiplas agendas. E ssa é u m a negação de
responsabilidade ética.

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Lingüística Aplicada Crítica: Uma visão geral

N esta seção, farei um a revisão daquilo que vejo como preocupação


central n a LAC (ver tam bém Pennycook 1990 e 2001). Nas definições de LAC
propostas por Davies (1999) (discutidas anteriorm ente), seu glossário sugere
que ela é m eram ente u m a crítica de alguns lingüistas aplicados ao conserva­
dorism o e ao norm ativism o característicos da LA vigente. Mesmo havendo
claram ente u m papel p ara tal crítica, a LAC precisa ser entendida como m uito
m ais que sim plesm ente um modo de crítica. De fato, Davies sugere, em um
outro trabalho, que a LAC é análoga à pedagogia crítica, que, m esm o estreita,
pelo m enos reconhece que ela tam bém opera como u m a form a de prática. Há
freqüentem ente u m a tendência problem ática de prim eiram ente se engajar n a
p esq u isa e n a teorização da LA, p a ra então sugerir aplicações pedagógicas ou
não, fu n d am en tad as em contextos específicos de prática (Clark 1994). E ssa é
u m a orientação com um n a abordagem d a “Lingüística Aplicada” como LA ao
ensino de línguas. Há, tam bém , por outro lado, u m a tendência de m enosprezar
a teoria d a LA quando não relacionada com o m undo real. Quero resistir a
essas d u as versões d a LA e, por outro lado, analisar a LA em todos os seus
contextos como u m a relação constante e recíproca entre teoria e prática, ou,
preferencialm ente, como “aquela integração reflexiva e contínua do pen sam en ­
to, desejo e ação às vezes referida com a práxis" (Simon 1992, p. 49). A análise
do discurso é u m a prática que im plica u m a teoria, assim como a p esquisa de
aquisição de seg u nda língua, a tradução e o ensino. Assim, prefiro evitar o
sentido d a teoria em p rática e, em vez disso, vê-las como m ais com plexam ente
interligadas, com o argum ento de que a LAC é u m modo de p en sa r e fazer u m a
integração reflexiva e contínua de pensam ento, desejo e ação.
A extensão daquilo que é realm ente coberto pelo campo d a LA m antém -
se controversa (Davies 1999; Widdowson 2000; M cCarthy 2001), assim como
a noção daquilo que significa ser crítico ou fazer um trabalho crítico. Ao lado
de alguns u so s gerais d a palavra - tais como n a locução “não seja tão crítico”
- u m a d as acepções m ais com uns refere-se ao sentido de “pensam ento crítico”
ou crítica literária. O pensam ento crítico é usado p a ra descrever u m in stru ­
m ento que propicia u m a análise m ais rigorosa à solução de problem as ou à
com preensão textual, por vezes identificada como um artifício p a ra desenvolver
u m a “distância m ais crítica”. E ssa forma de “questionam ento crítico hábil”
(Brookfield 1987, p. 92), a qual recentem ente ganhou algum espaço n a LA

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(Atkinson 1997), pode ser desdobrada em u m conjunto de habilidades de
pensam ento, um conjunto de regras p ara pen sar que pode ser ensinado aos
alunos. De modo sem elhante, enquanto o sentido de leitura crítica n a crítica
literária acrescenta u m a dim ensão estética d a “apreciação textual”, m uitas
versões d a crítica literária tentaram criar o m esm o tipo de “distância crítica”
desenvolvendo m étodos “objetivos” de análise textual. Como McCormick (1994)
explica,

(...) muito do trabalho que é realizado eom relação ao “pensamento crítico”... - campo em que se

supõe que os alunos aprendam maneiras de avaliar os “usos” dos textos e as implicações de se

tomar uma posição de leitura em detrimento de uma outra - simplesmente assume uma posição

objetivista do conhecimento e instrui os alunos a avaliar a credibilidade, o propósito e a parcialidade

dos textos, como se eles encerrassem qualidades transcendentes, (p. 60)

É esse sentido de crítico que tem sido tom ado por m uitos lingüistas
aplicados como, por exemplo, Widdowson (1999), que argum enta que a LAC
deveria operar com e ssa forma de distância crítica e avaliação objetivista, em
oposição a u m a versão m ais politizada d a LAC.
M as h á várias o u tras m aneiras m ais im portantes de p en sa r sobre o
trabalho crítico. Prim eiram ente, um dos objetivos centrais d a LA tem sido o de
ap resen tar questões de linguagem em seu contexto social. No entanto, u m a
d as lim itações do trabalho n a LA geralm ente tem sido u m a tendência de operar
com “contextos descontextualizados”, ou seja, com apenas u m a visão m uito
lim itada daquilo que constitui o social. É com um interpretar a LA como
preocupada com a linguagem em contexto, m as a conceituação do contexto é
freqüentem ente lim itada a u m a visão das relações sociais de caráter m uito
abrangente e sem teorização adequada. Um dos desafios fundam entais p ara a
LAC, portanto, é en contrar m aneiras de m apear relações m acro e micro (bem
como av an çar p a ra além delas), m aneiras de entender u m a relação entre
conceitos de sociedade, ideologia, capitalism o global, colonialismo, educação,
gênero, racism o, sexualidade, classe, e discursos da sala de aula, tradução,
conversações, estilo, aquisição de segunda língua, textos da mídia. Uma
questão cen tral sem pre diz respeito a como a sala de aula, o texto ou a
conversação estão relacionados a conexões políticas, sociais e culturais m ais
am plas, independentem ente de a LAC ser vista como um a crítica à LA vigente,

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como u m a form a de análise crítica do texto, como u m a abordagem p ara
entender a política d a tradução, ou, ainda, como um a tentativa de entender
implicações d a dissem inação global do inglês no m undo. Mas, sem um
elem ento de crítica, tal visão m antém -se preocupada apenas com a “relevân­
cia”: s u a visão daquilo que significa ser crítico restringe-se ao relacionam ento
d a linguagem a contextos sociais m ais amplos.
Não é suficiente, portanto, m eram ente fazer conexões entre relações no
nível micro da linguagem em contexto e m acrorrelações da investigação social.
Mais do que isso, tais conexões precisam ser construídas n a perspectiva de
u m a abordagem crítica p a ra as relações sociais. Ou seja, a LAC não está
m eram ente preo cupada em relacionar contextos lingüísticos da linguagem com
contextos sociais, m as, ao contrário, parte do pressuposto de que a s relações
sociais são problem áticas. E nquanto um grande núm ero de trabalhos em
sociolingüística, por exemplo, tende a m apear a linguagem a p artir de um a
visão estática d a sociedade (Williams 1992), a sociolingüística crítica está
preocupada com u m a crítica das m aneiras pelas quais a linguagem perpetua
relações sociais desiguais. Do ponto de vista dos estudos de linguagem e
gênero, a questão não é m eram ente descrever como a linguagem é u sa d a
diferentem ente em term os de gênero, m as u s a r tais análises como parte da
crítica e d a transform ação social. Um elemento central da LAC, portanto,
relaciona-se a u m a m aneira de explorar a linguagem em contextos sociais que
vão além de m eras correlações entre linguagem e sociedade, e, ao contrário,
levanta m ais questões críticas que têm a ver com acesso, poder, disparidade,
desejo, diferença e resistência. Ela tam bém insiste no entendim ento histórico
sobre a origem e a estru tu ração das relações sociais.
Mas a questão crucial é: que tipo de teoria social? Uma versão, b asead a
em várias tradições m arxistas tais como a teoria crítica da Escola de Frankfurt,
que poderíam os cham ar de m odernism o em ancipatório, fundam entado em
princípios do m aterialism o e do iluminism o. E ssa teoria nos faz lem brar que a
LAC precisa em algum nível se engajar com o grande legado do m arxism o, do
neom arxism o e seu s m uitos contra-argum entos. O trabalho crítico nesse
sentido tem de se engajar com questões de desigualdade, injustiça, acertos e
erros. U m a visão m ais am pla das im plicações dessa linha de pensam ento
poderia nos fazer concluir que crítico nesse sentido significa tom ar as desi­
gualdades e as transform ações sociais como centrais p a ra o trabalho. Levando
em consideração o com entário de Poster (1989, p. 3) de que “a teoria crítica

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n asce de u m a concepção de que vivemos em meio a u m m undo de dor, de que
m uito pode ser feito p a ra aliviar essa dor e de que a teoria tem um papel crítico
a desem p en h ar n esse processo”, a LAC poderia ser vista como u m a abordagem
à s questões relacionadas à linguagem que nasce de u m a concepção de que
vivemos n u m m undo de dor e que a LA pode ter u m papel im portante tan to n a
produção quanto no alívio d essa dor. Mas é tam bém u m a visão que não insiste
m eram ente no alívio d a dor, m as tam bém n a possibilidade da m udança.

QUADRO 1: QUATRO PERSPECTIVAS DO CRÍTICO NA LINGÜÍSTICA APLICADA.

Pensamento crítico Relevância social Modernismo Prática


emancipatório problematizadora

Política Liberalismo Liberal-pluralista Neomarxismo Fem inism o, pós-


colonialistas, teoria
das id en tidad es
sexuais*

Base teórica Humanista-cognitiva Construtivista Teoria crítica Pós-ocidentalismo

Objetivos Habilidades de Linguagem no Crítica da ideologia Mapeamento/anarco


investigação contexto social - p a r tic u la r is m o
discursivo

* Nota dos tradutores: 0 autor utiliza a locução queer theory para se referir aos estudos e à crítica política de temas
relativos a práticas e identidades sexuais, tradicionais e alternativas.

Em bora o sentido do pensam ento crítico discutido acim a - um conjunto


de habilidades de raciocínio - tente, quase que por definição, m anter-se isolado
de questões políticas, das questões de poder, disparidade, diferença ou desejo,
o sentido de crítico que defendo como central à LAC é aquele que leva esses
fatores em consideração como condição sine qua non do nosso trabalho. LAC
não se circunscreve ao desenvolvimento de u m conjunto de habilidades que
fará a p rática d a LA m ais rigorosa, m ais objetiva, m as à concepção de um a LA
m ais politicam ente responsável. Mas assim como Dean (1994) sugere, aversão
do crítico n a teoria crítica é u m a forma do “modernismo crítico”, u m a versão da
teoria crítica que tende a criticar “as narrativas m odernas em term os de u m avanço
unilateral, patológico, avanço da razão tecnocrática ou instrum ental que elas
celebram” apenas para oferecer, em substituição, “um a versão alternativa, mais
elevada d a racionalidade” (Dean 1994, p. 3). Grande parte do trabalho que se faz
atualm ente no domínio crítico relacionado à LA freqüentemente se enquadra nessa

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categoria do modernismo emancipatório, desenvolvendo um a crítica das for­
mações sociais e políticas, m as oferecendo apenas um a versão de u m a verdade
alternativa no seu lugar. E ssa versão do modernismo crítico, com ênfase n a
emancipação e n a racionalidade, apresenta várias limitações.
No lugar de u m a teoria crítica, D ean (1994, p. 4) propõe o que ele cham a
de “p rática problem atizante”. Ele sugere que essa seria u m a prática crítica
porque “re lu ta em tom ar como definidos os com ponentes d a n o ssa realidade e
a explicação ‘oficial’ de por que vieram a ser o que são”. Assim, u m com ponente
crucial do trabalho crítico consiste em sem pre lançar u m olhar cético sobre as
suposições, idéias que se to m aram “n atu ralizad as”, noções que não são m ais
questionadas. D ean (1994, p. 4) descreve tal prática como “a problem atização
rebelde daquilo que é tido como certo”. Remetendo-me a trabalhos em áreas
como o feminismo, o anti-racism o, o pós-colonialismo, a teoria pós-m odem a
das identidades sexuais, ou ao que estou cham ando aqui de pós-ocidentalism o
(Mignolo 2000), essa abordagem do que é ser crítico procura não tanto a
estabilidade de u m a verdade alternativa, m as, antes, o questionam ento cons­
tan te de todas a s categorias. Desse ponto de vista, um a LAC não é som ente o
relacionam ento d as m icrorrelações da LA com as m acrorrelações do poder
social e político, nem está apenas preocupada em relacionar tais questões a
u m a análise crítica anterior d a desigualdade. Um núm ero excessivo de tra b a ­
lhos em ancipatórios m odernistas operam combinando um a estru tu ra razoável
da lingüística-padrão (aplicada) com um a dada problemática política. Uma prática
problematizante, por su a vez, sugere a necessidade de desenvolver tanto um a
atitude política crítica quanto um a postura epistemológica crítica, de modo que
am bas se comuniquem, não permitindo que nenhum a das duas se m antenha
estática. É um a m istura de crítica social e anarco-particularismo, questionando o
que se pretende e o que se m antém em m uitas das categorias mais gerais da LA -
linguagem, aprendizagem, comunicação, diferença, contexto, texto, cultura, senti­
do, tradução, escrita, letramento, avaliação - assim como as categorias que se
encontram n a crítica social - ideologia, raça, gênero, classe e assim por diante.
Tal p o stu ra problem atizadora leva a outro elem ento significativo que
precisa ser incorporado a qualquer LAC. Se a LAC necessita m an ter um
constante ceticismo, u m questionam ento perm anente dos pressupostos d a LA,
tal posicionam ento deve aplicar-se a si mesmo. Como Spivak (1993, p. 25)
sugere, a noção de “crítica” deve tam bém im plicar um a conscientização “dos
lim ites do conhecer”. Como sugeri anteriorm ente, um dos problem as com o

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m odernism o em ancipatório é s u a convicção sobre s u a própria integridade, su a
crença de que u m a crítica adequada da desigualdade política e social pode
levar a u m a realidade alternativa. Uma atitude problem atizadora pós-m odem a,
entretanto, necessita m anter um m aior senso de hum ildade e de diferença, e
levantar questões sobre os limites de seu próprio saber. E ssa posição auto-re-
flexiva tam bém sugere que u m a LAC não está preocupada em apresentar-se
como u m a nova ortodoxia, ou com a prescrição de novos modelos e procedi­
m entos p a ra fazer u m a LA. Antes, está in teressad a em in sta u ra r u m a série de
questões m ais difíceis e novas sobre o conhecim ento, a política e a ética.
Pode-se contestar que o que estou esboçando aqui é u m a abordagem
norm ativa problem ática: ao definir o que estou querendo dizer por “crítica” e
“LAC”, estou propondo u m a abordagem que já tem u m a p o stu ra política e um
modo de análise predefinidos. Existe um a certa tensão aqui: um a versão m ais
que definida de u m a LAC que dem anda u m a adesão a um a forma particular
de política é u m projeto que j á está esgotado; porém eu tam bém não posso
visualizar u m a versão de u m a LAC que possa aceitar qualquer ponto de vista
político. Por u m lado, então, o que estou susten tan d o é que u m a LAC deve
necessariam ente assu m ir determ inadas posições e posturas: su a concepção
de linguagem não pode ser autônom a, que recuse associar a língua a questões
políticas m ais am plas; além disso, seu foco em tais políticas deve ser respon­
sável por visões políticas e éticas m ais am plas, que coloquem a desigualdade,
a opressão e a com paixão no fronte d as discussões. Por outro lado, não quero
propor u m a visão lim itada e norm ativa sobre a m ecânica de funcionam ento
d essas políticas. A noção de vigor híbrido, entretanto, abre a possibilidade de
que a LAC não seja de fato um m apeam ento de u m a política rígida sobre um
corpo de conhecim ento estático, m as, antes, seja a criação de algo novo. Como
F oucault (1980, p. 90) postula, “o problem a não é tanto o de definir u m a
‘posição’ política (que im plica escolher a partir de um conjunto de possibilida­
des preexistentes), m as de im aginar e fazer n ascer novos esquem as de politi-
zação”. E sse é o desafio político da LAC.
A propriando-se d a distinção de S treet (1984) entre um a abordagem
au tônom a e ideológica do letram ento, R am pton (1995) argum enta que a LA n a
G rã-B retanha com eça a deslocar-se de su a visão de pesquisa “independente”
com conexões com a pedagogia, a lingüística e a psicologia, p ara u m modelo
m ais “ideológico”, estabelecendo ligações com os estudos da mídia, com um
entendim ento m ais fundam entado dos processos sociais. A LAC abre a porta

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p a ra tais m u d an ças, até m esm o m ais abrangentes, rem etendo-se Inclusive a
o u tra gam a de trabalhos considerados “externos" ao campo de u m a Lingüística
Aplicada tradicional (teoria crítica, feminismo, pós-colonialismo, pós-estru tu -
ralism o, pedagogia anti-racista), que desafiam e enriquecem grandem ente as
possibilidades de fazer u m a LA. Isso significa que u m a LAC não só im plica um
modelo híbrido de p esquisa e prática, como tam bém gera algo que é m uito m ais
dinâmico. Assim como n a noção de sinergia, em que a produtiva com binação
de dois elem entos cria algo m ais amplo do que a som a de su a s partes, estou
lançando m ão da noção de heterose como a expansão criativa de possibilidades
O
re su ltan te s d a hibridez. Simplificando, o que defendo aqui é que a LAC é m uito
m ais do que a adição de u m a dim ensão crítica à LA. Ela abre, ao contrário,
todo u m novo leque de questões e considerações, tem as como identidade,
sexualidade, ou a reprodução daquilo que caracteriza o Outro, que até agora
não têm sido considerados como pertinentes à LA.
Valendo-m e de Mignolo (2000), venho usando o term o “pós-ocidentalis-
m o” introduzido originalm ente pelo intelectual cubano Roberto F em ández
Retam ar. Por u m certo ângulo, podem os enxergar essa questão como histórica
e geograficam ente situada: pós-colonialismo e pós-orientalism o são os esforços
contra o colonialismo e o discurso colonial de povos dos países situados ao
leste da E uropa (índia, Malásia, Vietnã, Indonésia etc.): pós-ocidentalism o é o
esforço das pessoas dos países do Oeste (Cuba, Brasil, Argentina etc.). Porém,
o m ais im portante é que podem os ver o ocidentalism o como u m a contrapartida
p a ra o orientalism o, ou melhor,

(...) a versão Ocidental da civilização Ocidental (sua própria descrição) enraizada no imaginário do

mundo moderno/colonial. A idéia de civilização Ocidental, metafísica Ocidental, logocentrismo

Ocidental e semelhantes é uma conseqüência e uma necessidade do mundo moderno/colonial como

foi articulado no crescente imaginário da civilização Ocidental, (p. 328)

E ssas são concepções sem elhantes às construções do E u (ocidentalis­


mo) e do O utro (orientalismo) que aderem ao ensino da língua inglesa, conforme
propus em outro trabalho.

2. Estou consciente dos problemas discutidos por Young (1990) sobre esse uso de conceitos coloniais tais como
hibridez dentro de uma roupagem pós-colonial. Entretanto, creio que conceitos como hibridez, apropriação
sincrética e heterose são úteis para a compreensão do desenvolvimento e do potencial de espaços alternativos.

31
E n q u an to a m odernidade “carrega em seu s om bros o fardo pesado e a
responsabilidade d a colonização”, su a forma com um de crítica em term os de
pós-m odem idade “vai até aonde as diferenças coloniais com eçam ” (Mignolo
2000, p. 37). O pós-m odem ism o é u m a crítica da m odernidade que vem de
dentro, en quanto o pós-ocidentalism o é a crítica das fronteiras externas do
m undo m oderno/colonial. R etom ando ao tem a principal deste artigo, a LA
como u m discurso acadêm ico/disciplinar pode ser vista como um em preendi­
m ento perfeitam ente m oderno/colonial em term os de su a s origens (na Grã-
B re ta n h a e n o s E stad o s Unidos), de s u a s epistem ologias (positivismo,
empiricism o, construções d a diferença) e de s u a relação com a grande força
colonizadora d a expansão global do inglês n a últim a parte do século XX. P ara
m u d ar a direção e a orientação dessa corrente, p ara criticar a e s tru tu ra e as
epistem ologias d a LA, p a ra desenvolver u m a LAC alternativa cujos interesses
centrais sejam a transform ação e a m udança, nós precisam os, então, não só
de u m a crítica pós-m odem a da m odernidade, m as de um a revisão pós-ociden-
tal de to d a a estru tu ra . E, possivelm ente, a América Latina ten h a um papel
particu lar a d esem penhar aqui, como participante e como objeto do ocidenta-
lismo.
É p ertin ente perguntar, portanto, se o tipo de LAC que estou propondo
tem relevância suficiente p a ra u m a diversidade de contextos. Será que não é
ap en as u m outro olhar anglo-europeu sobre o m undo? Uma coisa é certa: a
LA no m undo não precisa de u m a o u tra geração de “especialistas” ingleses,
am ericanos, ou au stralian o s correndo m undo afora ensinando aos dem ais
como fazer o trabalho. Roguemos a D eus p ára que a LAC não assu m a um a
posição sem elhante ao discurso paternalista d a LA, inform ando ao restan te do
m undo sobre o que não estã sendo feito corretam ente. Em bora eu sem pre seja
cauteloso quanto a essas relações globais, m inha experiência tem -m e sinali­
zado que o tipo de LAC que estou tentando desenvolver aqui tem m uitas
resso n ân cias com o trabalho de o u tras pessoas. De forma algum a é o mesmo
trabalho e pode até não receber a m esm a denom inação, m as parece haver
m uitos paralelos entre o tipo de LAC que estou realizando aqui e as p a u ta s de
discussão de m uitos outros lingüistas ao redor do m undo. Q uando viajo e
converso com pessoas - n a Ásia, n a E uropa e n a América do S ul - tenho
encontrado conexões fortes entre o que estou propondo e as direções p a ra as
quais a LA (crítica) tem apontado em outros lugares. Apenas p a ra citar o
exemplo de trabalhos n a América do Sul - do B rasil (Signorini e Cavalcanti
1998; Souza 1994; Jordão 1999; Moita Lopes 1998; Cox e A ssis-Peterson

32
1999), do Chile (Farias 1999) -, coexistem trabalhos críticos de u m a o u tra
tradição com trab alhos consonantes com as idéias desenvolvidas aqui. De fato,
as instituições im portantes da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, com seus
direitos adquiridos em m anter a ordem atual de coisas, são os lugares onde a
maior resistência à LAC pode ser encontrada. O restante do m undo já vem
realizando tal trabalho h á muito m ais tempo do que eu.

Os domínios da Lingüística Aplicada Crítica

Análise Crítica do Discurso e Letramento Crítico

Pode ser tentador considerar a LAC como um am álgam a de outros


dom ínios que m antêm u m a p o stu ra crítica. Sob esse ângulo, LAC seria feita
de - ou constituiria u m a - interseção de áreas tais como Lingüística Crítica,
ACD, C onsciência Crítica da Linguagem, Sociolingüística Crítica e Letram ento
Crítico. Tal form ulação é insatisfatória por diversas razões. Prim eiram ente, a
abrangência desses dom ínios é um pouco diferente daquela da LAC. A p ed a­
gogia crítica, por exemplo, é am plam ente em pregada em m uitas áreas da
educação. Em segundo lugar, existem m uitos outros domínios - o feminismo,
a teoria d as identidades sexuais, o pós-colonialismo, p a ra citar alguns - que
não trab alh am com um rótulo crítico explícito, m as que claram ente têm grande
im portância n a área. Além disso, parece m ais construtivo en carar a LAC como
sendo não m eram ente um am álgam a de diferentes partes, u m a obra de
m osaico, ou u m a m etacategoria do trabalho crítico, m as como sendo algo m ais
dinâm ico e produtivo. Finalm ente, o m ais crucial é que o fato de desenvolver­
m os u m a LAC tem fom entado u m a atitude crítica em direção a o u tras áreas
de trabalho, incluindo outros domínios que se dizem críticos. A LAC pode
apropriar-se e lan çar m ão dos trabalhos dessas o u tras áreas m as deverá fazê-lo
som ente criticam ente.
Contudo, existem claram ente afinidades e sobreposições maiores entre a
LAC e outras áreas cham adas críticas, tais como o Letramento Crítico e a Análise
do Discurso Crítico. O Letramento Crítico tem sido freqüentem ente menos
considerado n a LA, m ais em virtude de su a grande aplicação em prim eira língua,
o que m uitas vezes não se encaixa no escopo compreendido pela LA. É possível,
entretanto, encarar o Letramento Crítico em termos da aplicação pedagógica da
ACD e, assim , percebê-lo como um interesse central p ara a LAC. A ACD e o

33
Letramento Crítico encontram -se, algumas vezes, mesclados sob o rótulo de um a
Consciência Crítica da Linguagem (CCL), já que o objetivo desse trabalho é

(...) habilitar os aprendizes provendo-os oom uma estrutura analítica crítica a fim de ajudá-los a

refletir sobre suas próprias experiências e práticas de linguagem e sobre as práticas de linguagem

de outros das instituições das quais fazem parte e na sociedade mais vasta em que se encontram

inseridos. (Clark e Ivanic 1997, p. 217)

As abordagens críticas em relação ao letram ento, de acordo com Luke


(1997, p. 143),

(...) são marcadas por um compromisso em remodelar a educação do letramento para beneficiar grupos

de aprendizes marginalizados que, devido ao gênero, à formação cultural e à classe socioeconômica,

têm sido excluídos do acesso aos discursos e textos da economia e cultura dominantes.

Luke e Freebody (1997, p. 1) explicam que

(...) embora o letramento crítico não represente uma abordagem única, ele demarca uma coalizão de

interesses educacionais engajados com as possibilidades que as tecnologias da escrita e outros modelos

de inscrição oferecem para uma mudança social, diversidade cultural, igualdade econômica e política.

D essa forma, como Luke (1997) continua a argum entar, ap esar de as


abordagens críticas ao letram ento com partilharem a m esm a com preensão de
letram ento (ou letram entos) como práticas sociais relacionadas a preocupações
políticas e sociais m ais am plas, h á várias orientações diferentes quanto ao
letram ento crítico, tais como a pedagogia crítica freireana, as abordagens
fem inistas e p ó s-estru tu ralistas, e as abordagens analíticas de texto. A ACD
se enquadraria, de m aneira geral, n essa últim a categoria, tendo em v ista seu
objetivo de prover ferram entas p a ra a análise crítica de textos em contexto.
Resumindo o trabalho da ACD, Kress (1990) explica que, ao contrário da
Análise do Discurso ou Lingüística Textual com seus propósitos descritivos, a ACD
tem “o objetivo político m ais amplo de colocar em crise as estruturas textuais, os
processos de produção de textos e os processos de leitura, juntam ente com as
estru tu ras de poder que lhes deram origem” (p. 85). A ACD objetiva m ostrar como
as práticas “lingüístico-discursivas” estão ligadas a “estruturas sociopolíticas de

34
poder e dominação m ais am plas” (1990, p. 85). Van Dijk (1993, p. 249) explica
a ACD como enfocando o “papel do discurso n a (re)produção e n a contestação
do domínio”. Também Fairclough (1995, p. 132) esclarece que a ACD

(...) visa explorar sistematicamente as freqüentes relações opacas de causalidade e determinação

entre (a) as práticas discursivas, eventos e textos, e (b) estruturas, relações e processos sociais e

culturais mais abrangentes; investigar como tais práticas, eventos e textos emergem das relações

de poder e de luta pelo poder e como são ideologicamente modeladas por elas.

E n q uanto m uito da ACD e do Letram ento Crítico aparentem ente se


encaixa m ais em u m m odernism o em ancipatórlo do que problem atiza u m a
orientação da p rática d a LAC, o enfoque no discurso, n a crítica social e n a
transform ação sugere claram ente u m papel im portante d essas correntes p ara
esse trabalho.
A posição com que prefiro trab a lh ar baseia-se em m uitos dos insights
provenientes do Letram ento Crítico, d a CCL e da ACD, ao m esm o tem po em
que tento estabelecer o Letram ento Crítico como u m a forma de prática de
pós-Lingüística Aplicada, que visa explorar a construção discursiva d a reali­
dade em diferentes espaços. Tal visão encerra um certo núm ero de caracterís­
ticas. Um a delas com eça com u m a com preensão do letram ento como sendo
sem pre político. Um a segunda opera com um a perspectiva de textos e práticas
de letram ento como perm anentem ente im bricados, tan to pré-textualm ente
(historicam ente, contextualm ente), intertextualm ente (por meio dos textos) e
pós-textualm ente (discursivam ente, subtextualm ente). Uma terceira caracte­
rística refere-se ao fato de que qualquer posição nos textos deve ser capaz de
considerar os processos de produção e, principalm ente, de recepção: os textos
não têm sentido em si m esm os até serem interpretados. Porém, tal posição
precisa tam bém ser entendida em term os de restrições e possibilidades con­
textuais, su b tex tu ais e pré-textuais. Não ap en as os textos sugerem a possibi­
lidade de certas leituras, como tam bém os leitores são determ inados por
discursos específicos e trazem p ara qualquer texto u m a história de interpre­
tação. Assim, o que precisam os é de um a com preensão de textos que evite tanto
u m a visão exagerada determ inista exercida pela e stru tu ra social (pela qual a
ACD é, por vezes, responsável), como u m a visão sim plista que sugere que os

3. Aproprio-me do conceito de pós-Lingüística de Poynton (1996), Lee (1996) e Threadgold (1997) como um modo
de combinar a análise textual com o pós-estruturalismo.

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textos estao sim plesm ente abertos a todos os tipos de interpretação (um a das
ciladas da tentativa de Widdowson, como, por exemplo, em 1998, em criticar
a ACD).

QUADRO 2: ABORDAGENS DE UMA PÓS-LINGÜÍSTICA APLICADA NA COMPREENSÃO DE TEXTOS.

Aspectos de uma abordagem pós-Lingüística Aplicada na Características


compreensão de textos

Linguagem e letramento como sendo sempre políticos. Não há nenhum contexto em que a linguagem, o texto ou
letramento possam existir fora de relações políticas.

Os textos e práticas de letramento como sempre imbrica­ Os textos e leitores estão situados historicamente (pré-
dos em contextos sociais. textualmente) e discursivamente (pós-textualmente).

Enfoque na produção e na recepção de textos. Restrições pré-textuais, intertextuais e pós-textuais e


possibilidades de um sentido do texto.

0 poder como algo que precisa ser explicado; a análise Mapeamento discursivo intertextual como uma análise
textual como uma análise social. social; sentidos interdiscursivos em relacionamentos
intertextuais.

Prática pedagógica ou analítica. Desenvolvimento de maneiras pelas quais os aprendizes


possam mudar e resistir aos discursos que constroem suas
vidas.

Ainda u m a o u tra característica relacionada com o fato de que a aborda­


gem que estou desenvolvendo aqui se preocupa m ais em m apear nos textos
como os discursos são construídos por meio de relações intertextuais do que
em p ro cu rar evidências de u m a análise social anterior nos textos. A elisão
discurso/ideologia sugerida por essa perspectiva intertextual significa que não
se está b u scan do u m a m anifestação lingüística d a realidade social; antes, essa
é a b u sc a pela própria realidade social: isso é análise social. O enfoque não é
m ais aquele que supõe que o poder está localizado em u m a dada e stru tu ra
social ou econômica - ou até m esm o em algum a e stru tu ra patriarcal ou racista
fixa -, e a tarefa de u m a análise textual crítica não é m ais desvendar os efeitos
d as ideologias que apóiam tais e stru tu ra s como elas operam no texto. Pelo
contrário, de acordo com F oucault (1991), é o poder que precisa ser explicado.
Finalm ente, u m a abordagem aos textos fundam entada n a LAC necessita de
algum a form a de ação pedagógica, que investigue cam inhos pelos quais os
aprendizes possam ser encorajados a resistir e m u d ar os discursos que
constroem su a s vidas. Como McCormick (1994, p. 49) propõe,

36
(...) se os alunos devem aprender como ler o mundo criticamente, devem ter acesso a discursos que

lhes permitam analisar esse mundo, discursos que possam habilitá-los a explorar a atuação de seus

modos de leitura, assim como aos textos de sua cultura, inseridos em relações sociais e históricas

complexas.

E ssa é, então, a m aior tarefa de u m a pós-Lingüística Aplicada Crítica.

Abordagens críticas à tradução

O utros dom ínios da análise textual relativos à LAC incluem abordagens


críticas ã tradução. Tais abordagens não estariam tão preocupadas com
questões como a acuidade d a tradução em si m esm a, m as com a política de
tradução, os aspectos em que traduzir e interpretar se relacionam a questões
como classe, gênero, diferença, ideologia e contexto social. A análise de Hatim
e M ason (1997, pp. 153-159) de u m mesmo texto em espanhol e em inglês,
publicado no periódico Courier, da Unesco, é um bom exemplo de como u m a forma
de análise do discurso crítica de dois textos deixa transparecer a ideologia
subjacente a u m a tradução. Nesse caso, como eles defendem, a tradução em inglês
de um texto em espanhol sobre antigas culturas indígenas mexicanas revela, em
m uitos de seus aspectos, u m a orientação muito diferente sobre outras culturas,
letram ento e colonialismo. Quando “antiguos mexicanos” (mexicanos antigos) se
tom am “índios”, “el hombre indígena” (o homem índio) se tom a “civilização
pré-colum biana” e “sabios” se tom am “adivinhos”, é evidente que h á um discurso
particular ou u m a ideologia em jogo. A análise lexical da coesão e de outras
características textuais feita por Hatim e Mason (op. cit, pp. 158-159) levou-os a
concluir que a tradução inglesa aqui transm ite “um a ideologia que subestim a a
ação - e o valor - dos índios mexicanos e dissocia ... história de destino”.
E xam inando m ais a fundo a tradução como atividade política, Venuti
(1997, pp. 6-10) postula que as tendências das traduções em d o m a ra s cu ltu ras
estrangeiras, a insistência n a possibilidade de u m a tradução sem equivalên-
cias exatas, os desafios à noção de autoria colocados pela tradução, o predo­
mínio d as traduções do inglês p a ra outras línguas e não o sentido contrário,
a necessidade de desestabilizar hegem onias locais culturais por meio da
contestação d a tradução, tudo aponta para a necessidade de u m a abordagem
en carar a trad u ção b ase ad a em u m a “ética d a diferença”. E ssa postura, por
u m lado, “in siste que as traduções sejam escritas, lidas e avaliadas com m aior

37
respeito pelas diferenças culturais e lingüísticas”; por outro lado, objetiva
“m inorar o dialeto-padrão e as form as culturais dom inantes no inglês am eri­
cano” em p arte como “u m a oposição à hegem onia global do inglês”. Tal postura,
b asead a em u m a atitude anti-hegem ônica, situada em um a perspectiva de
política lingüística, b asead a em um a ética da diferença, e que tenta, em su a s
práticas, direcionar-se p ara a m udança, encaixa-se intim am ente nos moldes
da LAC que venho esboçando.
Os trab alhos sobre tradução e os estudos coloniais e pós-coloniais são
tam bém de in teresse p a ra a LAC. N iranjana (1991, pp. 124-125), por exemplo,
p ostu la que

(...) a tradução, enquanto uma prática, molda e toma forma dentro das relações assimétricas de

poder que operam sob o colonialismo... Ao formar um certo tipo de sujeito, ao apresentar versões

particulares do colonizado, a tradução faz renascer conceitos estendidos de realidade, de saber, de

representação. Esses conceitos e o que eles nos permitem supor obstruem completamente a

violência que acompanha a construção do sujeito colonial.

E stu d o s sobre a tradução pós-colonial, então, são capazes de lançar luz


nos processos pelos quais a tradução e o sólido conjunto do orientalism o,
“aboriginalism o”, e de outros estudos e traduções do Outro foram tão clara­
m ente cúm plices do m ais amplo projeto de colonização. Uma vez m ais, tal
trabalho evidentem ente tem u m im portante papel a desem penhar no desen­
volvimento de u m a LAC. De fato, é u m a lástim a que os preconceitos monolin-
guais de grande p arte da LA canônica tenham implicado que a tradução ten h a
sido m arginalizada como um domínio d a LA. Abordagens críticas à tradução
poderiam colocar alguns desafios interessantes p ara a LA.

Ensino de língua

O ensino de língua tem sido um a das principais preocupações d a LA.


Mesmo sendo m inha visão de LA m ais ampla, o ensino de línguas ainda retém
u m papel significativo. Em u m a edição recente do TESOL Quarterly, editada
por mim, m u itas d as diferentes preocupações críticas em relação ao ensino de
língua estavam bem representadas. Awad Ibrahim (1999), por exemplo, discute
como os alu n os de origem africana não-falantes de inglês estudando em escolas
fran cesas no C an ad á “tornaram -se negros” ao adentrarem no m undo ra cista

38
d a América do Norte. E sse processo de se to m a r negro, como ele dem onstra,
está intim am ente ligado às form as do inglês e d a cu ltu ra popular com os quais
os alunos começaram a se identificar. Classe é a principal preocupação apontada
por Angel Lin (1999) ao argum entar que m aneiras próprias de ensino de inglês
em Hong Kong (ou em outros lugares) podem levar ã reprodução ou à transfor­
mação d a desigualdade baseada em classes. Ibrahim (op. cit.) questiona, de
m aneira sem elhante, quais seriam as implicações de seus alunos identificarem-se
com a marginalidade.
O gênero é u m dos tem as m erecedores de um grande núm ero de artigos,
incluindo as considerações de Rivera (1999) e Fiye (1999) sobre a pesquisa
participativa e os currículos n a educação de m ulheres im igrantes nos EUA.
C ertam ente, a LAC no domínio da educação lingüística incluiria m uitas
abordagens fem inistas ao ensino de línguas (por exemplo, Sanguinetti 1992-
1993; Schenkle 1991 e 1996), ou program as de pesquisa fem inista (Sunder-
land 1994). Por outro lado, questões de sexualidade e identidade sexual são
foco d a análise de u m período de discussão em u m a sala de au la de inglês
como seg u n d a língua, feita por Nelson (1999), sobre as implicações de d u as
m ulheres cam inhando de braços dados n a rua. Nelson m ostra a im portância
da teoria d as identidades sexuais p ara p en sa r sobre sexualidade e identidade
n a sala de a u la de língua. O utros autores tom am diferentes configurações do
poder e d a desigualdade como seu foco. P ara J a n in a Brutt-Griffer e Keiko
Sam im y (1999), por exemplo, são as desigualdades n a s relações entre os
co n stru to s de falante nativo e não-nativo que precisam ser enfrentados, u m a
preocupação que se tem tom ado um tópico im portante de discussão nos
últim os anos (por exemplo, Liu 1999; Nero 2000).
O utro trabalho que se coaduna com os interesses da LAC seria a
educação ou a p esquisa que segue o trabalho de Paulo Freire (vide tam bém
Letram ento Crítico a seguir). A aplicação dos princípios freireanos de ap resen ­
tação e resolução de problem as no ensino de inglês como segunda língua feita
por A uerbach e W allerstein (1987) ou G ram an (1988) é u m exemplo típico desse
tipo de trabalho. B aseando seu trabalho em u m a tradição sem elhante, W alsh
(1991) fala de bilingüismo crítico

(...) não apenas como a habilidade de falar duas línguas, mas como a habilidade de conscientização

dos contextos socioculturais, políticos e ideológicos nos quais as línguas (e, portanto, os falantes)

estão situadas e em ação, bem como nos múltiplos sentidos que cada um deles provoca, (p. 127)

39
O trabalho de B rian Morgan (1997 e 1998, p. 19) em um centro
com unitário de Toronto tam bém m ostra como a prática crítica no ensino de
inglês como segunda língua pode emergir de preocupações d a com unidade.
Como o au to r sugere, “u m a pedagogia crítica de ensino de inglês como segunda
língua, b ase ad a n a s preocupações d a com unidade, não significa negligenciar
a língua. Significa organizar a língua em tom o de experiências que são
im ediatas p a ra os alu n o s”.
O u tras abordagens críticas p ara a s questões relativas ã educação
lingüística incluem o trabalho de Bonny Norton (1997) sobre “pesquisa de
discurso crítica”, e sobre m aneiras particulares n a s quais as identidades dos
alunos estão ligadas aos processos de aprendizagem de língua. Há u m a
crescente q u antidade de análise crítica m uito necessária sobre os interesses e
ideologias subjacentes à construção e à interpretação dos livros didáticos
(Dendrinos 1992). Há análise crítica de e stru tu ra curricular e análise de
necessidades, incluindo u m a proposta de fazer “análise de necessidades
crítica” que “pressupõe que as instituições são hierárquicas e que aqueles que
estão abaixo n e ssa escala freqüentem ente recebem m ais poder do que real­
m ente o têm . Procuram -se áreas em que m aior igualdade poderia ser alcança­
d a ” (Benesch 1996, p. 736). O uso da noção de etnografia crítica, tom ado por
C anagarajah (1993 e 1999), p a ra investigar como os alunos e professores n a
“periferia” resistem e se apropriam do inglês e dos m étodos de ensino de inglês
traz im portantes contribuições p a ra os processos de sala de au la em reação às
form as lingüísticas e pedagógicas dom inantes: “É im portante entender até que
ponto a resistência d a sala de au la pode exercer um papel significativo em
transform ações m ais am plas n a esfera social” (C anagarajah 1999, p. 196). Por
m ais diversos que possam ser esses estudos, eles m ostram u m entrelaçam ento
de tem as, discutidos n a seção anterior, com u m a gam a de preocupações
relativas ao ensino de língua.

Avaliação de língua

Como u m domínio razoavelm ente definido e praticam ente autônom o em


relação à LA, e, ainda, geralm ente associada a abordagens positivistas, a
avaliação de língua tem, h á muito, resistido aos desafios críticos. Em plenário,
n a Associação A m ericana de Lingüística Aplicada, E lana Shoham y (1997, pp.
2-3) d iscu tiu o que ela via como aspectos cruciais da Avaliação Crítica de
Língua (ACL). A ACL com eça com a concepção de que “o ato de avaliação de

40
língua não é neutro. Ao contrário, ele é u m produto e u m agente das agendas
cu ltu rais, sociais, políticas, educacionais e ideológicas que m oldam a s vidas
dos particip an tes individuais, professores e aprendizes”. Ela continua e sugere
vários aspectos-chave d a ACL: os avaliados são vistos como “sujeitos políticos
em u m contexto político”; as avaliações são “profundam ente im bricadas em
aren as culturais, educacionais e políticas em que formas sociais e ideológicas
diferentes estão em conflito”, tom ando impossível considerar u m a “avaliação
como apen as u m a avaliação”; a ACL questiona sobre de quem seriam as
propostas im plem entadas por meio das avaliações; requer que os avaliadores
perguntem sobre a visão de sociedade que os testes pressupõem ; perg u n ta em
qual conhecim ento a avaliação se baseia e se esse conhecim ento é negociável;
considera o sentido dos resultados das avaliações e até que ponto é possível
interpretá-las; desafia, ainda, tradições psicométricas de avaliação de língua (e
apóia abordagens “interpretativas”). De acordo com Shohamy (op. cit.), essa visão
de avaliação de língua significa um a m udança de paradigm a im portante e coloca
muitos critérios novos para a compreensão da validade em cena: conseqüenciais,
sistémicos, interpretativos e éticos, todos esses fatores têm mais a ver com os
efeitos das avaliações do que com os critérios de validade interna.
A proposta de Shoham y (op. cit.) p ara ACL claram ente com bina m uitos
dos princípios que definem o u tras áreas da LAC: seu argum ento é o de que a
avaliação de língua é sem pre política e de que nós precisam os estar cada vez
m ais alertas dos se u s efeitos (validade conseqüencial), e o cam inho que aponta
é o desenvolvimento de testes m ais “dem ocráticos” nos quais os avaliados e
outros p articipantes locais sejam envolvidos. Assim, h á um a dem anda p ara
ver u m domínio d a LA, das salas de au la aos textos e testes, como inerente­
m ente ligados a contextos sociais, culturais e políticos m ais am plos. Isso se
alia às preocupações de Norton Peirce e Stein (1995, p. 62) sobre interpretações
de textos possíveis e diferentes n a s avaliações e a questão sobre qual leitura é
reconhecida: "Se os elaboradores de avaliações partem de u m a sala específica,
de u m a raça em particu lar e u m gênero próprio, então os avaliados que
p artilham d essas características estarão em vantagem em relação aos outros”.
Im portante, tam bém , é a crítica de Shoham y (idem) não ap en as sobre o que
antecede, m as tam bém sobre a política de conhecim ento que inform a as
abordagens anteriores. Assim, h á um a crítica d a avaliação positivista e psico-
m étrica com su a s ênfases n a medição cega m uito m ais do que n a s form as de
conhecim ento situ ad as. Há um a dem anda p a ra eleger u m a visão de sociedade,

41
e u m a necessidade de fazer com que as práticas de LA reflitam e responsabi­
lizem-se por e ssa visão. E h á sugestões p a ra p ráticas diferentes que poderiam
com eçar a m u d ar o modo como as avaliações são feitas. Todos esses são
claram ente aspectos da ACL que se coadunam confortavelm ente com a LAC.

Planejamento e direitos lingüísticos

Um dos dom ínios da LA que devem ser assum idos facilmente dentro do
escopo d a LAC é o trabalho de política lingüística e de planejam ento, u m a vez
que esse trabalho n asceria desde o início com um a visão política da linguagem.
Além disso, como j á sugeri n a seção anterior, não é suficiente fazer m eras
conexões entre a linguagem e o m undo social; u m a abordagem crítica p a ra as
relações sociais tam bém é dem andada. Não h á n ad a inerentem ente crítico
sobre a política lingüística; de fato, parte do problem a, tal como observa
Tollefson (1991), tem sido precisam ente a m aneira acrítica pela qual a política
lingüística tem sido desenvolvida e im plem entada. De acordo com Luke,
McHoul e Mey (1990, p. 27), m esm o m antendo um a “objetividade científica
superficial” o planejam ento lingüístico tem “tendido a evitar dirigir-se direta­
m ente às questões sociais e políticas n a s quais a m u dança de língua, uso e
desenvolvimento, e de fato o próprio planejam ento lingüístico estão inseridos”.
Mais geralm ente, a sociolingüística tem sido severam ente criticada pelos
teóricos sociais críticos pelo seu uso de u m a visão liberal e estática da
sociedade e, portanto, s u a inabilidade de lidar com questões de ju stiç a social
(Williams 1992). Assim como Mey (1985, p. 342) sugere, ao evitar questões de
desigualdade social em term os de classe e ao correlacionar variação lingüística
com m edidas superficiais de estratificação social, a sociolingüística tradicional
falha em “estabelecer um a conexão entre o lugar das pessoas n a hierarquia
social, e o lingüístico e as o u tras formas de opressão a que elas estão sujeitas
em diferentes níveis”. Cam eron (1995, pp. 15-16) tam bém apontou p a ra a
necessidade de desenvolver u m a visão de língua e sociedade que vai além de
u m a visão que entende a linguagem como reflexo da sociedade, sugerindo que

(...) na teoria crítica a linguagem é tratada como parte da explicação. Enquanto a sociolingüística

diria que a maneira como eu uso a língua reflete ou marca minha identidade como um tipo particular

de sujeito social... a perspectiva crítica sugere que a linguagem é uma das coisas que constituem

minha identidade como um tipo particular de sujeito. A sociolingü ística diz que a maneira como você

42
reage depende de quem você ê; a teoria crítica diz que quem você é (e por quem você é tomado)

depende de como você age.

Levando o argum ento de Mey (1985, p. 342) p ara u m a “sociolingüística


crítica”, portanto, a LAC precisaria incorporar visões de linguagem, sociedade
e poder que fossem capazes de lidar com questões de acesso, poder, disparidade
e diferença, que vêem a linguagem como desem penhando um papel crucial n a
construção da diferença.
Q uestões sobre o domínio de certas línguas sobre o u tras têm sido
levantadas m ais fortem ente por Phillipson (1992) pela s u a noção de im peria­
lismo lingüístico (inglês) e por seu argum ento de que o inglês tem sido
dissem inado por propósitos econômicos e políticos e rep resen ta u m a grande
am eaça às o u tras línguas. O outro lado desse posicionam ento tem sido
defendido por meio de argum entos em favor de direitos lingüísticos (por
exemplo, Tollefson 1991; Phillipson e S kutnabb-K angas 1996). Como Skut-
nabb-K angas (1998, pp. 12-22) argum enta, “nós ainda estam os vivendo com
erros lingüísticos” que são um produto d a crença n a norm alidade do monolin-
güism o e dos perigos do m ulticulturalism o para a seguridade d a nação-estado.
Ambos, ela sugere, são m itos perigosos: “A não ser que trabalhem os rapida­
m ente, extirpar o câncer do reducionism o monolíngüe pode vir m uito tarde,
quando o paciente, a diversidade lingüística (e cultural) no m undo, não puder
m ais ser salvo”. O que é proposto, então, é que “o direito de se identificar com
a língua, bem como m an ter e desenvolver com pletam ente a(s) língua(s) m ater­
nais) de alguém ”, deveria ser reconhecido como “um direito lingüístico hum ano
fu n dam ental”. A LAC, então, incluiria trab a lh ar n a s áreas d a sociolingüística
e planejam ento e política lingüísticos que levassem em conta u m a agenda
política ab erta p a ra estabelecer ou reivindicar por essa política em term os
focalizados principalm ente n as questões da ju stiç a social.
No entanto, m uito desse trabalho sobre o imperialismo lingüístico e
direitos de linguagem m ais um a vez opera dentro de u m a perspectiva m oder­
n ista em ancipatória. O ponto im portante da visâo de Phillipson (1992, pp.
72-73) é entender o que aquele pode ou não fazer. Como ele sugere, a questão
p a ra ele é “poder e stru tu ra l”, não intenções ou efeitos locais. Ele está interes­
sado n a “hegem onia lingüística do inglês”, a qual pode ser entendida como “as
crenças im plícitas e explícitas, propósitos e atividades que caracterizam a
profissão do ensino de língua e que contribuem p ara a m anutenção do inglês

43
como u m a língua dom inante”. Assim, as m aneiras como o inglês é promovido
pelas m últiplas agências e a exclusão de outras línguas é que são a questão.
O que isso, n aturalm ente, deixa como lacuna é u m a visão de como o inglês é
defendido, com batido, usado, apropriado (C anagarajah 1999). De modo sem e­
lhante, nós precisam os ver am bos, o poder e a fraqueza, d a perspectiva dos
direitos de u m a língua. Assim como Rassool (1998, p. 98) pergunta: “À luz
d essas m u d an ças dinâm icas acontecendo globalm ente e nacionalm ente o
argum ento em favor de um discurso universalizante sobre pluralism o cultural
e lingüístico pode ser su sten tad o ?”. Tentei, em outros trabalhos (2001),
desenvolver u m a noção de desem penho pós-colonial p a ra mover em direção a
u m a conceitualização razoavelm ente diferente d a linguagem no m undo.

Linguagem, letramento e cenários de trabalho

Um outro domínio de trabalho n a LA que tem recebido um enfoque crítico


tem sido o trabalho sobre usos de linguagem e letram ento em vários locais de
trabalho e cenários profissionais. Indo além do trabalho que te n ta apenas
descrever os padrões d a com unicação ou gêneros de interação entre pessoas
em cenários de trabalho médicos, legais ou outros, as abordagens d a LAC para
esses contextos de com unicação focalizam m uito m ais questões de acesso,
poder, disparidade e diferença. Tais abordagens tam bém tentam ir em direção
a um engajam ento ativo com esses contextos e a u m a m u d an ça desses
contextos. Exemplos desse tipo de trabalho incluiriam o estudo de W odak
(1996, p. 170) sobre encontros em hospitais:

(...) na interação médico-paciente em clínicas de atendimento a pacientes não-internados, conforme

temos investigado, as desordens do discurso estabelecem certas rotinas e justificam as ações

daqueles que detêm o poder, Os médicos exercem poder sobre os pacientes, eles fazem perguntas,

interrompem e introduzem novos tópicos, controlam a conversa.

Um aspecto im portante desse trabalho tem sido fazer as conexões entre


u sos d a língua nos locais de trabalho e as relações de poder nos níveis
institucional e social m ais amplos. Recentem ente, as rápidas m udanças nas
p ráticas dos locais de trabalho e as necessidades de m u d an ça de novas form as
de letram ento têm atraído atenção considerável. Gee, Hull e Lankshear (1996,
p. 23), por exemplo, identificam os efeitos da “nova ordem de trabalho” sob o “novo

44
capitalismo” n as práticas de letramento e linguagem no local de trabalho.
Poynton (1993), por outro lado, cham a a atenção p a ra o perigo da re e s tru tu ­
ração do local de trab alh o que pode “exacerbar o sta tu s m arginalizado de
m u itas m u lh eres” não som ente em decorrência do desafio das m u d an ça s das
habilidades e tecnologias, m as tam bém em virtude d a falha em reconhecer
n a linguagem o c a ráter e o valor das habilidades das m ulheres. As habilidades
orais in terativ as das m ulheres, assim como s u a s habilidades de letram ento,
nem sem pre têm sido reconhecidas nos locais de trabalho. Poynton (op. cit.)
co n tin u a a d iscutir um projeto desenhado p a ra m u d ar essas práticas que
nom eiam os locais de trabalho.
U m a questão que emerge aqui é a m aneira pela qual preocupações
críticas estão interligadas. O estudo de Crawford (1999) sobre a com unicação
entre pacientes, enferm eiras e médicos nos serviços de saúde em Cape Town,
por exemplo, cham a a atenção p a ra as complexidades de relações entre
p acientes falantes de Xhosa, enferm eiras exercendo a função de intérpretes e
m édicos predom inantem ente de cor branca. Os pacientes sofrem n a m edida
em que as lacu n a s culturais e lingüísticas entre eles e os médicos são
preenchidas por enferm eiras que atu am como intérpretes voluntárias. Elas,
por vez, se vêem entre as dem andas dos médicos p a ra apenas traduzir o que
o paciente diz e su a s necessidades de lidar com pacientes que se sentem
alienados do seu am biente, em m uitos níveis. E tudo isso no meio de relações
raciais, cu ltu rais e de gênero, de longa desigualdade histórica. Relações
sem elhantes existem em casos de tribunais n a Austrália, onde a falta de
entendim ento de fatores pragm áticos do inglês de povos au stralianos nativos
compõe as injustiças de u m a longa história de racismo, pobreza e preconceito.
Como o estudo recente de Eades (2000, p. 190) sugere,

(...) o silenciamento de testemunhas foi particularmente evidente em situações em que profissionais

da lei não entendiam algum aspecto do estilo de vida e cultura aborígenes a qual a testemunha

aparentemente julgava relevante para responder a uma pergunta.

Não ap en as as questões de e s tru tu ra discutidas n a seção anterior estão


sem pre p resentes em estudos como esses, m as tam bém todos os domínios
descritos n esta seção - abordagens críticas ao discurso, tradução, bilingüismo,

45
política lingüística, pedagogia - e as relações sociais subjacentes de raça,
classe, gênero, e o u tras construções de diferença estão todos em interação.

Lingüística Aplicada Crítica no currículo

A LA, eu diria, tem sido dom inada por um leve igualitarism o que não
nos aju d a a p en sa r questões sobre a desigualdade, a linguagem e o poder.
F reqüentem ente b asead a em posições políticas pluralistas liberais e em ab o r­
dagens e stru tu ra lista s a respeito do trabalho acadêmico, essa abordagem
advoga a separação entre a política e o trabalho acadêmico. Assim, o estru tu -
ralism o da lingüística e da sociolingüística, que perm ite a visão de que todos
os dialetos são iguais, é tam bém a visão que não tem permitido um entendi­
m ento adequado de como as línguas estão com plexamente relacionadas aos
fatores sociais e culturais, ignorando, conseqüentem ente, profundas questões
de diferenças sociais, desigualdades e conflitos. De u m a perspectiva d a LAC,
essa negação de s u a própria política - essa recu sa em considerar interesses
sociais e políticos m ais am plos - torna tal abordagem em relação à LA algo
sem elhante a u m a avestruz (com a cabeça enterrada n a areia).
O “avestruzism o liberal” pode ser visto correndo por m uitas correntes
vigentes em direção à LA. As correntes canônicas que abordam a sociolingüís­
tica e o planejam ento lingüístico têm teorias sociais inadequadas, sugerindo
que a língua sim plesm ente reflete categorias sociais razoavelm ente vagas. E ssa
posição aceita e até m esm o celebra a inevitabilidade da expansão global do
inglês enquanto, um tanto indevidam ente, bu sca apoio para o u tras línguas.
Em term os d a análise textual, um parâm etro liberal sugere que os textos estão
sem pre abertos à interpretação e que a análise crítica é, portanto, um a
im posição de u m a posição ideológica. Abordagens liberais quanto à escolari­
zação, por s u a vez, constroem a educação como um contexto neutro de
tran sação do conhecim ento no qual todos têm a oportunidade de ser b em -su ­
cedidos. Se aplicadas à questão da diferença, as abordagens liberais tendem
a aderir a u m a p o stu ra h u m an ística que sugere que a diversidade é u m a capa
superficial que cobre sem elhanças h u m an as essenciais, e, assim fazendo, tal
visão tem conduzido a m uitas form as estáticas de alteridade n a LA.

46
QUADRO 3: ESTRUTURA DA POLÍTICA, EPISTEMOLOG1A E LINGÜÍSTICA APLICADA.

Estrutura conceituai Política e epístemologia Visão crítica e falhas Formas de análise

“Avestruzismo liberal” Pluralismo liberal, estrutura- Teoria sociai inadequada; Ênfase no indivíduo; abertu­
lismo, igualitarismo leve; inabilidade para lidar com ra quanto ao sentido do
distância crítica e isolamen­ questões relacionadas à texto, benefícios do inglês,
to da política, em relação ao diferença sociai; desigualdade possibilidades de escola­
trabaiho acadêmico. e conflito; a língua reflete a rização e estabilidade da
realidade. diferença.

Modernismo Esquerda científica: política C rític a poderosa da Imperialismo lingüístico e


emancipatório neomarxista e análise cien­ estrutura da desigualdade, direitos da linguagem; leitura
tifica; macroestruturas de limitada pela visão social crítica de textos; educação
dominação. determinista; ideologia e como reprodução, aborda­
emancipação. gem inclusiva quanto à
diferença; emancipação.

Prática problematizante Políticas locais fundamen­ Ceticismo sobre a ciência e Produtividade da linguagem;
tadas em conjunção com o o conhecimento; microrrela- resistência e apropriação;
pós-estruturalismo, o pós- ções de poder; visão política análise do social por meio da
m odernism o e o pós- obscura; possível relativis- linguagem; compromisso
coloníalismo. mo; irrealismo; muita ênfase com a história e a diferença;
no discurso. validade catalítica.

Caracterizei o que cham o de abordagens principais p ara a LAC como


form as do m odernism o em ancipatório. E ssa abordagem sobre questões de
linguagem, conhecim ento e poder objetiva especificam ente relacionar o estudo
d a linguagem com a política esquerdista. Por um lado, tende a com partilhar
um a crença sem elhante n a racionalidade, no realism o e no em penho científico,
incluindo o divisor do antigo m arxism o entre ciência e ideologia; por outro,
relaciona a análise política diretam ente com o estudo do uso d a língua. Tal
posição é su ste n ta d a por m uitos daqueles que poderiam ser vistos como
tipicam ente contem plados pelo rótulo de u m a LAC. E nquanto essa e stru tu ra
conceituai do modernismo emancipatório provê um a base im portante para o
trabalho da LAC, seu uso n a análise neom arxista de poder, ciência, ideologia e
conscientização tem várias limitações: ela tende a operar com um a versão material
desajeitada do poder alocada nos grupos dominantes; ela vê a ideologia como
oposta em term os extremamente simples em relação a um a realidade conhecida;
em um a configuração não-reflexiva, essa estrutura sugere que o conhecimento

47
cientifico da realidade pode nos ajudar a escapar da falsidade ideológica e,
dessa forma, oferece-nos u m modelo racionalista e realista de emancipação.
Mais u m a vez, podem os ver abordagens do m odernism o em ancipatório
à Lingüística Aplicada (Crítica) em m uitos campos. E ssa versão da sociolin-
güística relaciona a linguagem à classe ou ao gênero em term os concretos e
críticos, en quanto no contexto d a expansão global do inglês su scita p reocupa­
ções que giram em tom o do im perialism o lingüístico e de direitos da língua. A
tendência nos modelos conceituais m odernistas em ancipatórios é colocar a
língua em condições sociais in ju stas m as estáticas e determ inistas. Em term os
d a análise textual, brinda-nos tanto com o letram ento crítico como com a ACD,
a qual insiste em relacionar sentidos textuais a interesses sociais, econômicos
e políticos m ais am plos. Tais abordagens, contudo, incorrem em dificuldades
devido à ten dência p a ra a determ inação social do sentido, ao enfoque nos textos
em vez de n a s reações ao texto e à sugestão de que a conscientização de
ideologias textualm ente em butidas pode levar à em ancipação. Abordagens
críticas à educação ressaltam os m odos como ela reproduz a desigualdade; a
pedagogia crítica oferece um a solução, em geral, m odernista e em ancipatória
p a ra esse problem a, destacando a im portância de u m a visão que inclua a voz
do aprendiz. A abordagem m odernista e em ancipatória tende a lidar com a
diferença, portanto, som ente ao considerar o aspecto inclusivo n a s u a visão de
dem ocracia crítica e não como um com prom isso com u m a noção de possibili­
dade m ais abrangente.
A terc eira posição, em bora tam bém veja a linguagem como fu n d a m e n ­
talm en te ligada à política, a rtic u la u m a descren ça p ro fu n d a q u an to à
ciência, à s d eclarações d a verdade e à possibilidade de u m a posição
em an cip ató ria fora d a ideologia. Tal posição, que podem os c h a m a r de “LAC
como p rá tic a problem atizante", rem ete a perspectivas p ó s-e stru tu ra llsta s,
p ó s-m o d ern as e pós-coloniais, en caran d o a linguagem como ineren tem en te
política, en ten d en d o o poder m ais em term os de s u a s m icrooperações
rela cio n ad a s a q u estõ es de classe, raça, gênero, etnia, sexualidade e assim
p or dian te, e a rg u m e n tan d o que tam bém devem os resp o n sab ilizar-n o s pelas
políticas do sab er. Ao invés de c o n tin u a r vendo a em p reitad a científica como
u m re cu rso p a ra estim u la r m ais trab a lh o s críticos, e ssa visão vê a ciência
- ou o que se diz científico - como p a rte do problem a. Mas essa posição tem
tam b ém sido criticada devido à falta de firme em basam ento político, a seu
relativism o, a s u a obscuridade teórica e a su a obsessão com o discurso e a
subjetividade.
Em term o s d a política lingüística, sugere que a língua é tan to p ro d u ­
to ra q u an to refletora d as relações sociais, e ap o n ta p a ra a necessid ad e de
en te n d e r como a s p esso a s resistem e se apropriam de form as de opressão
p or meio d a linguagem . A dvertindo c o n tra a celebração vazia d a hibridez e
d a diferença, sugiro que a noção de desem penho pôs-colonial pode n o s d ar
u m cam inho a p a rtir daqui. Isso nos perm ite e n c a ra r a língua como
p ro d u to ra e executora, vendo o uso do inglês no m undo pós-colonial tan to
como u m con ju n to de a titu d e s rep etid as dentro de u m a e s tru tu ra re g u la­
dora que se cristalizou ao longo do tem po p a ra produzir a aparição de u m a
en tidade, q u an to como u m espaço de re sistên c ia e apropriação de n o rm as
e form as de d iscu rso pad ro n izad as. Em term os d a política dos textos, sugeri
que u m a form a de pó s-lin g ü ística como p rá tic a política situ a d a deveria nos
prover com m eios de p e sq u isa sobre as m an eiras p o lític a s/d isc u rsiv a s
(pós-textual, su b textual), sócio-históricas (pré-textual), e lo c a is/c o n tin g e n ­
te s (contextuai) com a s quais textos e leitores produzem (intertextual)
sen tid o n a s relações e n tre os textos.
Um a p o s tu ra p roblem atizante sobre escolarização lev an ta q u estões
de re sistên c ia e é cética sobre a noção de que a conscientização pode levar
à em ancipação. U m a pedagogia pós-crítica co n cen tra-se n u m a noção de
p ó s-m odernism o eticam ente engajado que pode nos a ju d a r a n o s a fa sta r de
u m tipo de essen cialism o que tem obstruído as a rté ria s da LA, com a
in sistê n c ia “d e s a ju s ta d a ” em id en tid ad es c u ltu ra is e de gêneros. E ssa
posição p arece oferecer m ais possibilidades p a ra o engajam ento com a
diferença p elas visões de subjetividade e identidade como m ú ltip las e
co n trad itó rias. Os espaços co n quistados pela teoria das id en tid ad es sexuais
fin alm ente com eçaram a tra n sfo rm a r o gênero e a sexualidade em categorias
de diferença n ão estática s, m as em espaços de m u d a n ç a de engajam ento
com o desejo e o corpo. Além disso, a p esq u isa pode a b rir s u a s p o rtas p a ra
o reco n h ecim en to n ão a p e n a s de cam inhos m últiplos de conhecim ento, m as
tam bém p a ra a n ecessid ad e de resp o n d er à validade catalítica, u m a form a
de validade que in d ag a sobre a eficácia d a p esq u isa n a prom oção de
m u d a n ç a política e social.

49
Um dos paradoxos do trabalho crítico emerge d a questão daquilo que
acontece quando o trabalho crítico torna-se canônico. O trabalho crítico está
sem pre destinado, por definição, a ser m arginal? Ou é concebível que todos
deveriam com eçar a fazer o trabalho crítico? E se todos fizessem assim , isso
ainda seria crítico? A LAC poderia se to m a r um a LA canônica ou isso é
oximorônico? Por outro lado, eu certam ente lu taria por u m a LAC m ais crítica.
No entanto, ao m esm o tempo, precisam os reconhecer que quanto m ais as
pessoas com eçarem a fazer LAC, ela inevitavelmente se desgastará. A pedago­
gia crítica é um bom exemplo disso, tendo começado como um a crítica radical
da educação, e tendo-se tom ado, por vezes, n ad a além de u m a abordagem
cen trad a no aluno. Versões de letram ento crítico, após se to m arem p resas a
um a abordagem de gênero m uito específica com relação à educação, perderam ,
de modo análogo, su a vantagem crítica. A ACD pode estar com eçando a seguir
o m esm o cam inho.
Mas a canonização ou o enfraquecim ento do trabalho crítico pode
som ente se aplicar se ele se to m a r sólido e estático. O propósito aqui não é
estabelecer e definir a LAC como um a disciplina, um domínio ou um campo.
O propósito é ap resen tar u m panoram a de m obilidade da práxis em que
consiste a LAC. Vejo a LAC como um a abordagem às questões de linguagem
em contextos m últiplos, dinâm ica e em constante processo de m udança; m ais
do que u m método, um conjunto de técnicas, ou um corpo fixo de conhecim en­
to. E m ais do que ver a LAC como u m a nova forma de conhecim ento interdis-
ciplinar, prefiro vê-la como um a forma de conhecim ento antidisciplinar, como
u m a form a de pensam ento e fazer, em perm anente questionam ento, sem pre
procurando novos esquem as de politização. C onsiderando que essa visâo de
LAC tem enfatizado a im portância do trabalho pelas várias perspectivas “pós",
e tendo em vista o que venho argum entando - que essa LAC precisa evitar
qualquer construção de um modelo estático e, longe disso, precisa refletir um a
abordagem de linguagem e conhecim ento em constante movimento -, jã seria
h o ra de ch am ar e ssa perspectiva de Lingüística'Aplicada Pós-crítica, acom pa­
n h an d o a noção d a Pedagogia Pós-crítica (Lather 1995) ou de Pós-lingüística
Aplicada Crítica, tom ando como referência a noção da pós-lingüística como o
uso de ferram entas lingüísticas em u m a e stru tu ra p ó s-e stm tu ralista (Poynton
1996; Lee 1996; Threadgold 1997). Ou talvez, como sugeri acim a, seja hora
sim plesm ente de falar de LA com um posicionam ento.

50
P ara conjecturar como a LAC pode tanto aparecer quanto desaparecer,
ser consolidada e, ainda, perm anecer flexível, pode ser útil considerar seu papel
potencial em cu rso s universitários em LA. Podemos considerar cinco possibi­
lidades. À prim eira cham o de “modelo au sen te”, a abordagem “o m esm o de
sem pre”, n a qual o tipo de preocupações críticas que tenho apontado neste
artigo não encontram n en h u m espaço. E nquanto o peso das preocupações
críticas relacionadas à LA to m a tal posição cada vez m ais insustentável, ela
ain d a perm anece em m uitas versões d a LA, particularm ente em s u a versão
m ais estreita, v ista como a tradução de teoria lingüística p ara professores de
língua. No m undo do ensino de inglês, altam ente comercializado, os cursos
que ten tam fazer d a LA um estudo apolítico de língua e de metodologia do
ensino são com uns. De fato, desse ponto de vista, a LAC é hipocrítica
(Widdowson 1999).
Assim, enquanto alguns se esquivam d a noção de LAC, h á agora trabalho
suficiente realizado sob a rubrica crítica n a s áreas que se interligam com a LA
(ACD, letram ento crítico, pedagogia crítica) que se to m o u difícil co ntinuar sem
reconhecim ento d a crítica. Assim, m uitos lingüistas aplicados com eçaram a
incluir tal trabalho como parte de seus cursos: um curso de análise do discurso
pode incluir u m a sem ana ou d u as sobre ACD; u m assu n to sobre letram ento
poderia incluir trabalho sobre letram ento crítico; e cursos sobre metodologia,
currículo ou educação do professor podem recorrer ao trabalho feito n a
pedagogia crítica. A isso eu cham o de modelo da “décim a terceira sem an a”
(tomando como referência u m sem estre de 13 sem anas), em que os cursos-pa-
drão de LA reconhecem o crítico como um a abordagem e tendem a fazer isso
em s u a p arte final. Em bora seja u m avanço em relação ao “modelo a u se n te”,
é tam bém m uito limitado. Ele opera com um a e s tm tu ra liberal, inclusiva, que
coloca o trabalho crítico como algo adicional ao curso; ele ap en as d á u m breve
m ergulho no trabalho crítico, sem sistem atização, e, assim , falha em explorar
questões básicas que têm a ver com ideologia, poder ou subjetividade, e ele
tende a jogar a “sem ana crítica” p a ra o fim do sem estre de tal form a que su a
posição perm anece periférica.

51
QUADRO 4: (CRITICA) LINGÜÍSTICA APLICADA NO CURRÍCULO.

0 papel da LAC no currículo Implicações Problemas

Ausente Nenhuma perspectiva crítica em todo Negação da responsabilidade política


o programa. e acadêmica.

“13a semana” Uma “semana crítica” adicionada aos Falha ao não se engajar de maneira
cursos regulares; presente, mas significativa com perspectivas críticas.
periférico.

0 curso crítico Um curso de LAC como parte do Mesmo permitindo sérios engajamen­
programa; mais significativo, mas tos, mantém o critico como separado;
opcional. solidifica o conteúdo.

Cursos críticos Vários cursos críticos que não mais se Apesar de não mais periférico, nem
rotulam assim. isolado, permanece uma preocupação
opcional.

LAC com um posicionamento LAC como um posicionamento ético, De periférico para universal, mas
epistemológico e político em direção a pode, potencialmente, desaparecer.
todas as questões da LA.

Um a abordagem m ais séria ten ta um engajam ento sustentado com a


LAC, fazendo com que ela seja parte do currículo. Isso foi o que fiz h á alguns
anos, n a Universidade de Melbourne, quando comecei a lecionar um curso de
LAC. De algum a forma, foi como se tivesse tirado a “13â sem an a” de todos
novam ente para, então, agrupá-las em u m curso. Assim, agora, tínham os u m
curso que lidava com ACD, letram ento crítico, CCL, gênero, sexualidade e
ensino de inglês como segunda língua, avaliação crítica de língua e assim por
diante. Foi u m curso m uito instigante que finalm ente perm itiu um engajam en­
to ao longo do sem estre, sustentado pelo trabalho crítico. Com o desenvolvi­
m ento do curso, acham os que tínham os que cobrir não apenas os domínios
críticos, como aqui pontuados, m as tam bém as m uitas áreas que serviam como
pano de fundo, de H aberm as a Foucault, de ideologia crítica a pós-colonialis-
mo. No entanto, m esm o esse tipo de curso tam bém tem seus efeitos negativos:
ele corre o risco de isolar a LAC como u m a abordagem particular e sep arad a
dos dom ínios relacionados à linguagem e, assim , pode aju d ar n a criação de
abordagens não-críticas em o u tras disciplinas. Ele tam bém corre o risco de
solidificar a LAC em u m a disciplina reconhecível.
U m a q u a rta abordagem é aquela em que a LA se to m a m ais difusa.
Agora, em vez de u m curso dado e rotulado como sendo de LAC, ele com eça a
operar em cursos diferentes. No m eu contexto atu al n a Universidade de

52
Tecnologia em Sydney, por exemplo, lecionamos cursos tais como “Linguagem
e poder” e “L etram entos críticos”, os quais cobrem inúm eros contextos e
preocupações (embora sejam crescentes as am eaças de cortes no orçamento).
D esse ponto de vista, em vez de consolidar o trabalho crítico sob u m título, ele
se to m a m ais diverso. Há várias vantagens em relação a isso: ele perm ite
m aiores possibilidades de cobertura e de abordagens, e significa que a LAC
não é m ais u m a disciplina eletiva que você pode ou não fazer, m as é parte de
vários cu rsos e com eça a form ar u m a parte m ais su b stan cial do currículo.
Mesmo com esse engajam ento m ais sério, no entanto, a LAC perm anece como
algo que você pode ou não fazer. Ela não é m ais u m a ocorrência periférica (a
sem an a crítica), nem u m a disciplina isolada (o curso crítico), m as perm anece
como u m a preocupação opcional.
O modelo final, então, continua esse processo de difusão distante de
m om entos isolados de criticidade e em vez disso se move em direção a u m a
abordagem crítica inspirando toda u m a área. Assim, a necessidade im perativa
de desenvolver e s tm tu ra s conceituais de conhecim ento m ais am plos, m ais
eticam ente responsáveis e m ais transform ativos n a LA sugere a possibilidade
não de u m trabalho crítico periférico, m as de um trabalho crítico de caráter
universal. Desse ponto de vista, podem os com eçar a vislum brar a LAC m enos
em term os de modelos ou metodologias e m ais em term os de u m a atitude ética,
epistemológica e política em direção a todas as questões de educação de
linguagem, letram ento, tradução, ou uso de linguagem no local de trabalho.
P arafraseando (substituindo LA por letram ento) o argum ento de Bill
Green (1997) de que o letram ento crítico deveria to m ar-se letram ento com
posicionam ento, eu sugeriria que podemos, então, com eçar a ver a necessidade
de sem pre questionar o sta tu s de crítico p ara ab rir o debate e adm itir que n ad a
é certo ou seguro, que o esforço necessário deveria, agora, p artir p a ra a
reivindicação da LA, desde seu ponto de partida, como sem pre e n ecessaria­
m ente política. Isso leva esse projeto d a LAC à desordem , ou pelo m enos p ara
a história, porque isso quer dizer que agora podem os trab a lh ar estrategica­
m ente desde o início com u m entendim ento politizado da LA, com a visão de
que q u alquer LA que faça valer esse nom e (e com a qual valha a pena trabalhar,
pela qual valha a p en a lu ta r e com a qual valha a pena consum ir seu tempo...)
é sem pre necessariam ente política e, m ais do que isso, um instrum ento e um
recurso p a ra a transform ação, para o desafio e p ara a m u dança do m undo e
da palavra. Seguindo Bill Green [op. cit.), então, a LAC não deveria ser vista
enfaticam ente como u m a abordagem alternativa para a LA, m as, principalm en­
te, como u m a LA com posicionam ento.

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Conclusão

E é aqui que gostaria de concluir esta revisão d a LAC. Argum entei neste
artigo, inicialm ente, que a LAC precisa ser entendida como m uito m ais
ab rangente do que u m a crítica à LA norm ativa. Em segundo lugar, discuti que
em bora a noção de crítico seja m uito debatida e controversa, a LAC precisa
evitar u m a política norm ativa, bem como promover u m a visão política daquilo
que entende como crítico. Como terceiro ponto, argum entei que a LAC é m ais
do que sim plesm ente a som a de abordagens críticas relacionadas aos domínios
d a linguagem (ACD, letram ento crítico, pedagogia crítica). Um quarto aspecto
que apresentei refere-se ao fato de que a LAC é tam bém m ais do que sim ples­
m ente a adição de u m a abordagem crítica/política à LA. Em vez disso, ela
levanta u m conjunto de questões diferentes a serem tratad as, tais como
identidade, poder, desem penho. Ainda, como um quinto ponto, este artigo não
só sugere, portanto, u m a concepção m ais am pla de LA, m as tam bém em purra
esses lim ites adiante tom ando como referência u m a gam a de domínios teóricos
e em píricos que incluem a teoria das identidades sexuais, estudos culturais e
a teoria pós-colonial. A LAC sugere um a mobilidade em direção a um a
epistem ologia pós-ocidental n a LA, u m a m u dança que se distancia do conhe­
cim ento p atern alista e d a política da era colonial/m odernista da LA. E tam bém
u m a m obilidade em direção a um a forma de LA m ais engajada e m ais am pla
social e politicam ente. Mas em vez de m aterializar um modelo de LA ou de
co n stru ir u m modelo, a construção de teoria ou u m a disposição program ática,
eu preferiria deixar a LAC nesse espaço enigmático. Q ualquer que seja o uso
que a LAC p o ssa ter, ela não pode estar ligada à m inha visão de como ela pode
trab alh ar. É por isso que u m a visão de LA pós-ocidentalista pode ser a m ais
apropriada, u m a vez que o objetivo aqui é abrir as portas p ara as m últiplas
vozes, pesquisas, preocupações e atitudes de m uitos ao redor do m undo
realizando form as de Lingüística Aplicada (Crítica).

Referências bibliográficas

ATKINSON, D. (1997) “A criticai approach to criticai thinking in Tesol”. TESOL


Quarterly 31(1), pp. 71-94.

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