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ISSN 0102-7158
Conselheiros
José Luiz Fiorin (USP)
Leonor Scliar-Cabral (UFSC)
Lúcia Maria Pinheiro Lobato (UnB)
Maria Cecília Mollica (UFRJ)
Maria Denilda Moura (UFAL)
Rosemeire Selma Monteiro (UFC)
Anual
ISSN 0102-7158
1. Lingüística - Periódicos I. Associação Brasileira de Lingüística
Apresentação ................................................................................................................................................. 23
Maria Elias Soares
Conferências
A lingüística e o conhecimento científico da linguagem
Maria Helena Mira Mateus ............................................................................................................................ 27
Mesas Redondas
Perfil do profissional de Letras delineado nas diretrizes curriculares propostas pelo MEC
José de Ribamar Mendes Bezerra .................................................................................................................. 109
A CONSTRUÇÃO DO SIGNIFICADO
(Coordenadora: Lúcia Maria Pinheiro Lobato)
DISCURSO E SUJEITO
(Coordenadora: Maria Virgínia Borges Amaral)
O processo da concessão
Lúcia Helena Martins Gouvêa ........................................................................................................................ 212
Simpósios
SEMIÓTICA E ARGUMENTAÇÃO
(Coordenadora: Lúcia Teixeira)
DIMENSÕES DO PROCESSAMENTO
(Coordenador: Marcus Maia)
Criações estilísticas como senha de acesso ao mundo dos pacientes para exame radiológico
Maristela Botelho França ............................................................................................................................... 355
Colóquio
Sujeitos indeterminados em PE e PB
Maria Eugenia Lamoglia Duarte, Mary A. Kato e Pilar Barbosa .................................................................. 405
Comunicações Coordenadas
MÍDIA E DISCURSO
(Coordenador: Helenio Fonseca de Oliveira)
A LEITURA DO NÃO–VERBAL
(Coordenador: José de Souza Breves Filho)
VARIAÇÃO E ENSINO
(Coordenadora: Maria Denilda Moura)
Comparação entre algumas preposições portuguesas documentadas no século XVI e no século XIV
Rosauta Maria Galvão Fagundes Poggio ........................................................................................................ 660
O uso dos tempos verbais na construção da coerência textual: um estudo nas redações de
vestibular
Vivianne Braga de Araújo .............................................................................................................................. 690
O emprego da “abordagem com base em tarefas” como elemento conciliador entre as atuais
metodologias de aprendizagem de línguas e as limitações do ensino mediado pelo computador:
uma proposta a partir do Projeto AVAL
Vládia Maria Cabral Borges ........................................................................................................................... 698
Uma análise de cartas/bilhetes de alunos nas séries iniciais, ou “tia, eu te amo do fundo do
meu coração”
Jonê Carla Baião.... ........................................................................................................................................ 714
Ser ou não ser natural, eis a questão dos clichês de emoção na tradução audiovisual
Vera Lúcia Santiago Araújo ............................................................................................................................ 731
Quando preparei esta conferência recordei quantas vezes ti- adaptados a novas situações. Mas estas eram preocupações dos filó-
nha falado do carácter científico da linguística, e quantas vezes tam- sofos. O estudo das línguas seguiu outro rumo, com a notável excepção
bém a linguística me parecera multímoda e plurifacetada. Como em que foi a obra de Willelm Humboldt.
todas as ciências habitualmente denominadas sociais ou humanas, A mencionada preocupação de estabelecer a origem das lín-
pode afirmar-se que no âmbito do estudo da linguagem convivem guas e a relação entre elas foi responsável pela enorme aceitação que
diversas formas de conhecimento que vão das abordagens filosófi- teve a comunicação sobre o sânscrito feita, em 1786, por William
cas e históricas às construções teóricas e formalizadas, passando Jones à Sociedade asiática de Bengala. Ao afirmar que o sânscrito
pelas descrições pré-teoréticas e pelas aplicações em domínios de tem “uma estrutura maravilhosa”, mais perfeita que o grego e mais
grande diversidade. abundante que o latim, mas que, simultaneamente, ele tem um estrei-
Tal multiplicidade de tratamentos decorre da própria natureza to parentesco com essas duas línguas, o que mostra que “são deriva-
da linguagem verbal, forma preferencial de comunicação entre os das de uma fonte comum” que talvez já não exista, e ao acrescentar
homens. Essa linguagem é simultaneamente veículo de integração tentativamente a estas o céltico, o gótico e o antigo persa,3 William
do homem na comunidade e factor constituinte da sua construção Jones chama a atenção para a possibilidade de, através da compara-
como indivíduo. A inter-relação da actividade linguística com os factos ção do sânscrito com línguas europeias, se poder ir mais longe no
históricos e sociais, com o universo psicológico e com a criação ar- conhecimento da sua origem e das suas características gramaticais.
tística coloca o estudo da linguagem e das línguas no centro de uma Os estudiosos que se lhe seguiram, como Jacob Grimm, Franz Bopp
constelação formada por múltiplas comunicações com outras formas e Rasmus Rask, tomaram nas suas mãos o trabalho de estabelecer
de comportamento humano. Mais: a especificidade do uso da lingua- sistematicamente essa comparação, evidenciando as correspondên-
gem verbal, de que decorre uma coincidência entre o objecto de aná- cias fonéticas e morfológicas que eram detectáveis na análise das
lise e o meio com que se explicita e produz essa análise - é com várias línguas presumivelmente aparentadas.
palavras que se estudam as palavras -, permite, estimula e valoriza Estava-se então na primeira metade do século XIX, e florescia
interpretações e análises subjectivas e acientíficas. o método comparatista em áreas das ciências naturais mais avança-
Por todas estas razões tem sido longo e árduo o caminho dos das como a biologia, a anatomia e a paleontologia - áreas que
que acreditam que é possível tomar a linguagem e as línguas como directamente beneficiaram dos trabalhos taxonómicos e
objecto de análise científica. Como muitos outros linguistas, no con- classificatórios que, ainda no século XVIII, caracterizaram a
creto do meu trabalho sobre a língua não sei entender a análise dessa actividade científica do sueco Lineu. Os linguistas sabiam que as
magnífica faculdade humana senão como uma prática científica. Na ciências naturais tinham desenvolvido métodos aplicáveis ao estudo
verdade, estudar as palavras com palavras é levar ao extremo limite o das línguas, sem esquecerem, no entanto, a especificidade do seu
conceito de auto-referência1 que, embora produza uma circularidade próprio campo de análise pois que, como dizia Bopp a propósito de
em relação ao próprio objecto de análise, tem todavia a consequência um dos seus trabalhos, “as línguas de que trata esta obra são estuda-
positiva de trazer à consciência esse objecto, neste caso, a linguagem das por elas mesmas, quer dizer, como objecto e não como meio de
e as línguas. Mas trazê-lo à consciência não significa explicá-lo. Como conhecimento”.4
conciliar, então, estas duas questões, e por que insistir nesta perspec- A pouco e pouco a análise comparada das línguas foi abrindo
tiva científica? Façamos um pouco de história que é saudável, instru- caminho para o estabelecimento da relação genealógica entre elas.
tivo e esclarecedor. Também essa perspectiva se sintonizou com os métodos científicos
Lembremos a afirmação geralmente aceite de que a linguística contemporâneos: o entendimento da língua como um organismo vivo
surgiu como ciência na primeira década do séc. XIX, com o estudo que nasce, cresce e morre aproximou o seu estudo das hipóteses for-
comparado das línguas indo-europeias e com a tentativa de, através muladas por Darwin sobre a origem das espécies e a sua evolução
desse estudo, solucionar a questão da relação genealógica entre as por meio de uma selecção natural. A utilização deste método como
línguas. Antes desta época os estudos sobre as línguas eram marca- instrumento de conhecimento levou mesmo August Schleicher, pas-
dos por perspectivas culturais, filosóficas e ideológicas nas quais se sado que era o meio do século, a publicar em 1863 a obra intitulada A
destaca, a par de um objectivo normativo, a preocupação em estabe- teoria darwinista e a linguística (“Die darwinische Theorie und die
lecer a origem das línguas e da escrita, e em evidenciar a relação Sprachwissenschaft”). Surgem então as árvores genealógicas das lín-
entre categorias gramaticais e categorias lógicas.
Não podemos, no entanto, passar sem referência as obras de
matriz cartesiana em que a faculdade da linguagem é apresentada
como a diferença essencial entre o homem e o animal. 2 Esta linha de 1
Sobre o conceito de auto-referência e as suas consequências para o conheci-
pensamento sobre a linguagem ultrapassa muito a simples mento científico, ver Hofstadter (1999), sobretudo o prefácio à segunda edi-
categorização lógica das categorias gramaticais. A faculdade da lin- ção.
2
guagem é, já no século XVII, considerada inata e responsável pela A respeito da importância da ‘linguística cartesiana’ para o conhecimento
da faculdade da linguagem, ver Chomsy (1966) e obras posteriores.
criatividade da linguagem, ou seja, pela capacidade que o homem 3
Asiatic Researches, t. I, p.422.
tem de formar novos enunciados que exprimem pensamentos novos, 4
Vergleichende Grammatik, ed. franc., p. 8, citado por George Mounin (1967),
p.175.
Há um elemento da competência lingüística humana que parece des, participam na formação de uma maneira distintiva local de falar,
ser universal, mas que vem sendo negligenciado em nossa disciplina. e os habitantes de uma região em geral usam estes traços locais, os
Trata-se da capacidade que têm os falantes de identificarem muitas quais, por conseqüência, ficam sendo marcadores da identidade lo-
características de outros falantes somente na base de ouvir a pessoa cal.
falar. Sempre que ouvimos alguém falando uma língua humana, for- A mesma coisa acontece com outras dimensões sociais: classe
mamos impressões da identidade social do falante, em termos de ca- social, por exemplo. Reconhece-se a identidade de um falante brasi-
racterísticas como sexo, idade, por exemplo. E conforme nossa experi- leiro em uma escala social através de características lingüísticas como
ência com a língua que a pessoa está falando, podemos reconhecer a concordância, presença ou ausência de processos fonológicos como
também características como o dialeto do falante (pelo menos se a pes- desnasalização de vogais nasais e apagamento do –r final, etc. Quem
soa fala como nós ou não), se é falante nativo ou não, e até classe diz mais ‘os home’ ou ‘as mulhé’ é provavelmente de origem social
social, escolaridade, profissão, atitude, relação com o ouvinte, etc. Fa- mais baixa, em comparação com o falante que diz ‘os homens, as
zemos essas estimativas automática e facilmente, sem fazer muito es- mulheres’. Estes marcadores lingüísticos compartilham uma dupla
forço analítico. característica: reúnem os falantes de uma camada social e os distin-
Pois bem, se essa capacidade faz parte da competência lingüís- guem coletivamente dos falantes de outras camadas. Então, com base
tica, quais são as implicações para a disciplina de lingüística? Em nessas observações, podemos chegar a uma segunda conclusão: as
primeiro lugar, isso implica alguns aspetos fundamentais da natureza diferenças entre pessoas são sistemáticas e não aleatórias, isto é, elas
do nosso objeto de estudo – a linguagem. Um aspeto óbvio é que a correspondem à organização social e refletem subgrupos de falantes
língua deve ser finamente diferenciada, e não um objeto uniforme e que usam as mesmas características.
monolítico. Para podermos perceber essas distinções entre falantes, Finalmente, é importante notar um terceiro ponto: a diferenci-
devem existir diferenças lingüísticas a ser percebidas. Quando reco- ação que estamos discutindo não é limitada a diferenças entre falan-
nhecemos, por exemplo, que um falante desconhecido é homem ou tes, ela acontece também dentro do falar de cada pessoa. Isto é, os
mulher, estamos percebendo alguma diferença entre as vozes de ho- falantes não falam sempre do mesmo jeito, mas variam o uso por
mens e as de mulheres. Quando reconhecemos a voz de um conheci- vários motivos. Efetivamente, manipulam essas mesmas diferenças
do específico, isso implica que cada indivíduo tem características sociolingüísticas para fins comunicativos e sociais. Quando percebe-
distintivas. mos, pela maneira de alguém falar, que está mostrando formalidade ou
Esses dois exemplos podem ser explicados, talvez, na base de informalidade, polidez ou intimidade, etc., estamos percebendo carac-
qualidades acústicas ou fonéticas das vozes – por exemplo, as diferen- terísticas lingüísticas que distinguem o uso deste estilo ou registro de
ças entre homens e mulheres na freqüência fundamental da voz. Mas outros estilos ou registros.
a diferenciação entre falantes tem que ir além disso, abrangendo outras Para resumir, então, a competência que temos, de distinguir e
estruturas da língua. Quando reconhecemos que uma pessoa é ou não identificar outros com base somente na produção lingüística, sugere
é falante nativo de português, ou que é carioca, gaúcha, ou cearense, três conclusões sobre a natureza da linguagem: uma língua humana é
ou que é de classe média ou classe trabalhadora, não é um traço mera- extensivamente diferenciada, essas diferenças são sistemáticas e ocor-
mente acústico ou articulatório que estamos notando, porque não exis- rem tanto dentro de quanto entre os falares de indivíduos. Então,
te nenhum elemento fisiológico na estrutura do trato vocálico que dis- quais são as implicações dessa competência para a teoria lingüística?
tinga brasileiro de estrangeiro, ou carioca de gaúcho. Para fazer tais Me parece que nós, lingüistas, precisamos de duas ferramentas teóri-
avaliações das origens sociolingüísticas de um falante, devemos estar cas para trabalhar com esses fatos. Primeiro, precisamos de uma
percebendo diferenças em outros níveis estruturais: na fonologia, na maneira adequada de descrever semelhança e diferença entre varieda-
sintaxe, no léxico, etc. Portanto, concluímos que as diferenças entre des de língua. Não será adequado falar de diferenças amplas e categó-
falantes de uma língua devem ser EXTENSIVAS, isto é, devem atingir muitas ricas, assim como fazemos quando dizemos que uma estrutura ou uma
áreas da gramática mental. palavra É português ou NÃO É português, absolutamente. A diferencia-
Ao mesmo tempo, essa capacidade de reconhecer característi- ção fina que os falantes reconhecem e manipulam é em um nível mais
cas nas vozes dos outros implica não só diferença, mas também se- sutil: os falantes de diferentes dialetos ou classes sociais têm muitas
melhança! Os traços lingüísticos distintivos que nos permitem atri- coisas em comum, ao mesmo tempo em que têm algumas diferenças.
buir uma identidade social às vozes que ouvimos devem ser sistemá- Muitas vezes as diferenças são quantitativas e não qualitativas, como
ticos e gerais dentro dos grupos assim identificados. Se sabemos, os casos que citei do apagamento de –r final em português, ou a fre-
por exemplo, que um falante ‘é daqui’ ou ‘não é daqui’, isso implica qüência de concordância nominal. Precisamos então uma teoria que
que as pessoas ‘daqui’ (isto é, do nosso estado, ou município, ou fale dos vários aspectos de semelhança e diferença entre falantes, e até
dialeto) compartilham características lingüísticas entre si que pode- entre momentos de falar. No que segue, vou tratar disso usando algu-
mos reconhecer e que distinguem os falantes desta região de outros mas propostas provenientes do estudo da variação lingüística.
que não compartilham tais características. No português do Brasil, Segundo, precisamos de uma outra ferramenta teórica que nos
podemos citar vários traços regionais assim: por exemplo, os cario- permita justificar a organização social das diferenças lingüísticas e
cas, sistematicamente, palatalizam muito o –s final de sílaba, falam explicar por que certas pessoas são lingüisticamente semelhantes
muito chiado, enquanto as pessoas de outras regiões do Brasil não enquanto outras são diferentes. Qual a base teórica LINGÜÍSTICA de
fazem isso, ou não na mesma medida. Os gaúchos e catarinenses reunir falantes de uma região ou classe ou sexo, e procurar seme-
usam muito o pronome ‘tu’, que é pouco usado no resto do Brasil. lhanças entre eles? O elemento lingüístico – e não sociológico – será
Estas e muitas outras características lingüísticas, pequenas e gran- essencialmente as redes de comunicação: quem fala com quem. Aqui,
Tabela 4. Desnasalização no português do Brasil, por sexo do falante Todos esses exemplos indicam a validade da hipótese de que a
(Guy 1981, p. 233) diferenciação interna de uma comunidade reside fundamentalmente
Sexo % desnasalizada N peso no nível de uso geral, isto é, diferenças no parâmetro input entre
Masculino 74% 1300 0,61 falantes ou subgrupos da comunidade. Mas ainda temos uma coisa a
Feminino 59% 1425 0,39 considerar. Qual a evidência CONTRA a existência de diferenças de
efeitos de contexto dentro de uma comunidade? Pela hipótese que
Contudo, resultados como os que aparecem nas Tabelas 3 e 4 sugeri, as pessoas que formam uma comunidade de fala devem com-
ainda nos deixam com uma pergunta. Essas tabelas não mostram resul- partilhar os mesmos efeitos de contexto nos processos variáveis, en-
tados individuais para cada falante, só apresentam números para todos tre os traços lingüísticos que definem a comunidade. Paradoxalmente,
ABSTRACT: The connection between use and norm is evaluated in its relationship with the period of time, starting from the traditional relationship
between norm and “auctoritas” as well as between norm and “urbanitas”. The study puts forward the idea that the decision on prescriptive norm cannot
result from anybody’s authority.
PALAVRAS-CHAVE: gramática; uso lingüístico; norma prescritivista; padrão lingüístico.
Num confronto entre uso e norma que se pretenda iluminado ses sabores falava), não foi aí que deixamos de colocar autoridade nos
por princípios de uma ciência lingüística, o primeiro pecado seria “clássicos” portugueses (clássicos entre aspas, porque aí estavam ro-
fixar as bases do exame naquele esquema antigo clássico de associa- mânticos como Herculano, Garrett, Camilo, e aí estava Eça). A revira-
ção de uso (usus) com rusticidade (rusticitas) e de norma (auctoritas) volta foi muito depois, com certeza ligada à introdução da disciplina
com urbanidade (urbanitas). Sabemos que a marca desse fosso entre Lingüística nos Cursos de Letras. Basta examinar os livros didáticos a
autoridade de modelos e uso popular, entre garantia na fixidez e partir de meados do século XX1 e acompanhar a mudança em relação a
corrupção na mudança, permaneceu na tradição, e o que é mais inte- uma Antologia Nacional (de Carlos de Laet e Fausto Barreto) ou a um
ressante, na própria visão do povo, que, como percebemos claramen- Trechos seletos (de Sousa da Silveira). Note-se bem que, nas Observa-
te nos dias de hoje, fala como pode, mas considera e aceita que não ções gerais da Reforma Capanema, de 1941, ainda se lê que o profes-
fala como deve, quando não tem o padrão autorizado. sor deve zelar pela língua, “protegê-la das forças dissolventes que es-
No percurso dessa anteposição de forças, até mesmo a fixação tão continuamente a assaltá-la” (grifo meu).
do padrão da língua no uso de bons escritores contemporâneos – isto A desvinculação se deu atabalhoadamente: povoaram-se os li-
é, a fixação do bom uso sem vinculação com um determinado perío- vros didáticos de textos de autores contemporâneos, de crônicas, e,
do do passado – foi uma conquista. Com a desvinculação do passado até, de histórias em quadrinhos, que reproduziam, em balões, a língua
e a transposição do bom uso contemporâneo em norma, continua a falada da conversação. Entretanto, o que se apresentava como uma
imposição de padrões, continua a valorização de modelos, mas um total liberação de parâmetros instituídos não encontrava contraparte na
par componente daquele fosso clássico perde posição: a relação de condução das lições (especialmente lições de gramática) que acompa-
uso (usus) com modernidade (modernitas) e de autoridade (auctoritas) nhavam esses textos. Mantinha-se uma gramática de paradigmas, pos-
com “antiguidade” (vetustas). tos agora apenas como esquemas, desacompanhados de um discurso
Preciso fazer um parêntese para dizer que a mudança lingüística é normativo de orientação de emprego, algo como um molde de rótulos
obviamente reconhecida por qualquer usuário atento da língua. Vejamos de categorias a ser distribuído pela superfície das ocorrências. Com
que já dizia Dante (De vulgari eloquentia I, IX, 6-11, apud Schlieben- tanta teoria despejada nos livros e nas aulas de lingüística nas universi-
dades, no entanto o que os manuais didáticos ofereciam – e foram
Lange, 1994) que:
oferecendo seguidamente – eram lições vazias, exercícios mecânicos,
a) uma língua não pode ser durável (durabilis) porque os seres
uma gramática pífia. Foi a partir daí que a comunidade de falantes
humanos também não o são;
começou a pedir socorro, com base neste raciocínio: de que servem
b) as línguas não são contínuas (continuae), o que significaria
aulas de língua portuguesa se não só não fazem refletir sobre a língua
que elas mudam em saltos;
como também não oferecem ganho social, porque não logram colocar
c) as línguas variam como os costumes e os hábitos (mores et
o indivíduo na “aristocracia” da linguagem?
habitus), isto é, elas se comportam como os outros objetos culturais
Quando se diz - como disse Luft (1985, p.23) - que “a verda-
socialmente constituídos;
deira gramática” é “flexível” e que a disciplina normativa “tende à
d) as línguas não podem ser fixadas nem pela natureza nem
fixação e inflexibilidade, portanto à morte”, e, ainda, que “a Gramá-
por veredito jurídico (nec natura nec consortio), e ganham sua esta- tica completa de uma língua deveria registrar a variabilidade e evolu-
bilidade pela tradição (beneplacitum) e proximidade local ( locali ção”, com certeza não fica implicado que a norma é um conceito a ser
congruitate). descartado. Pelo contrário, a própria “variabilidade e evolução” - que
Lembremos, entretanto, que foi a ciência lingüística que, com a sociolingüística traduz em “variação e mudança” - é o suporte da
marco em Coseriu, mais que verificar e explicitar mudança na vida consideração da existência de diversos modos de uso, não só em lu-
das línguas, colocou a variação lingüística como uma manifestação gares e em tempos diferentes, mas, ainda, em situações diferentes
evidente da natureza e da essência da linguagem. (entendida situação não apenas como contexto, mas como o conjun-
Especialmente na história da língua portuguesa no Brasil, te- to que se assenta nos próprios sujeitos das enunciações, com toda a
mos ingredientes para ilustrar essa alteração do confronto entre uso e história, a natureza e o estatuto que eles carregam).
norma, menos preso à crença em uma invariabilidade das línguas. Ora, é a própria consideração da funcionalidade da língua que
Houve um Brasil colônia submetido política, jurídica e culturalmen- leva à consideração de que a noção de norma (e não apenas no sentido
te a Portugal, e, trezentos anos depois, um Brasil independente, ávi- que lhe dá Coseriu, mas também no sentido de modelo) é inerente à
do da construção de uma identidade nacional e disposto a um con- noção de uso lingüístico. A primeira ressalva, entretanto – que é liga-
fronto com a antiga metrópole nas questões de cultura e língua, os da, também, à consideração da funcionalidade da língua –, é que, se as
pontos nevrálgicos da afirmação de uma nacionalidade. Era, afinal,
uma nacionalidade que nascia marcante: nova nas cores das muitas
raças, nova nos sabores das muitas selvas).
Entretanto, com toda a retórica dos nossos autores românticos 1
Aponte-se, nos anos 60, o desenvolvimento da etnometodologia, com
nacionalistas (especialmente Alencar, que em nome dessas cores e des-
Dell Hymes, Gumperz, Erickson.
RÉSUMÉ: Le Grupo de Filologia Românica, dirigé par Nilton Vasco da Gama, fait des recherches qui analysent le procès de formation de quelques
caracteristiques des langues romanes. Les deux directions des études sont les fondaments de l’investigation – le texte – qui est à l’origine des éditions
critiques preparées. L’investigation des changements linguistiques ne s‘ éloigne du texte, le but le plus noble et le plus autentique de la Philologie.
PALAVRAS-CHAVE: Línguas românicas, mudanças lingüísticas; texto
Ao considerar-se que a Filologia estuda o fato cultural e que a fessor Nilton Vasco da Gama, a partir do enfoque da lexicografia em
língua é um dos elementos da cultura do homem, evidencia-se que os parte dos cursos de Filologia Românica, vem traçando um breve esboço
estudos filológicos tanto se ocupam dos textos escritos, como da da história da lexicografia francesa, comentando algumas das etimologias
língua falada. Desse modo, a base para o desenvolvimento das pesqui- justas, parcialmente justas, falsas e obscuras propostas por G. Ménage
sas em Filologia Românica é a noção de que a língua é um ser histórico no seu Dictionnaire étymologique ou Origines de la Langue Française.
e de que a sua história se confunde com a história do povo que a fala. Tece, desse modo, algumas considerações a respeito de uma das mais
A pesquisa em Filologia Românica na Universidade Federal da controvertidas figuras no campo da lexicografia no século XVII: Gilles
Bahia sempre privilegiou duas vertentes, o estudo das mudanças lin- Ménage. Célia Marques Telles estuda, a partir de documentos da litera-
güísticas e o das edições críticas de textos. No sentido de que as duas tura de viagens em quatro línguas românicas tanto o discurso desses
perspectivas são inseparáveis lembre-se o que já foi dito em outras textos, como as relações grafemático-fonéticas que permitem documen-
ocasiões e que se pode resumir dizendo dever ser o trabalho filológico tar neles o registro que corrobora a mudança fonética em processo,
acompanhado de uma tomada de consciência dos seus processos e das acompanhando a grafia das consoantes africadas e fricativas palatais em
limitações que eles não permitem ultrapassar. Realmente, não é possí- textos portugueses e espanhóis de finais do século XV a fins do século
vel distanciar-se daquilo que é o elemento fundamental do texto: a XVI. Teresa Leal Gonçalves Pereira estuda processos de gramaticalização
língua. E, ao enfocar-se a língua, é preciso considerar a problemática na morfologia verbal e relações grafemático-fonéticas também a partir
da natureza tempo-dependente (“tipe-dependent nature”) do sistema de textos quinhentistas.
lingüístico (Thibault, 1996:80-110). Nesse enfoque de interfaces, duas A outra linha de pesquisa, a Crítica Textual, acha-se alocada na
perspectivas podem ser consideradas: na primeira, o da mudança lin- área Teorias e Crítica da Literatura e da Cultura. Evidencia-se, assim,
güística, o texto é testemunho da língua; na segunda, a da crítica textu- pela distribuição nas duas áreas a compreensão de que os estudos
al, a língua é apenas um dos elementos do texto, embora o mais impor- filológicos, como estudos da cultura, sempre se situam sobre as duas
tante deles, pois, o texto é estruturado pelas possibilidades de uso da vertentes: a da descrição lingüística e a da exploração dos textos.
língua. (Telles, 2001). A linha Crítica Textual estuda os documentos relacionados
A linha Mudanças lingüísticas na România, inserida na área de com aspectos culturais do Recôncavo Baiano, visando à edição crítica
Lingüística Histórica enfoca especificamente o tratamento lingüístico de textos manuscritos e de textos modernos. Examina e edita textos
do texto e estuda dos elementos básicos da Romanística, buscando quinhentistas a fim de acompanhar a mudança em processo da língua
analisar fatos da formação das línguas românicas em diferentes níveis no seu momento de cristalização. Dedica-se, ainda, à análise e edição
lingüísticos. Desenvolvem-se dentro dela dois projetos coletivos: de um texto em letra gótica: o Libro de açedrex, dados e tablas de
• Estudo Diacrônico de Fenômenos Lingüísticos da România, Alfonso X. Os projetos distribuem-se em dois grandes programas: o
onde se faz o levantamento de fatos comprobatórios das mudanças Programa Edição Crítica da Obra de Arthur de Salles e o Programa
lingüísticas na România, especialmente a partir de textos quinhen- Edição de textos manuscritos.
tistas. O primeiro abarca seis projetos, um deles, participando de
• Estudos sobre a Lexicografia Românica, onde são desenvol- Projeto Integrado, com financiamento do CNPq, outro com financia-
vidos estudos diacrônicos sobre a formação do léxico românico. Por mento de bolsas de iniciação científica (PIBIC/CNPq).
outro lado, faz-se, também, a análise da historiografia dos estudos 1. Arthur de Salles: o homem e a obra, no qual se faz a análise
lexicais na França, em especial o século XVIII. dos dados obtidos na busca da obra dispersa, que permitem compre-
Nessa linha de pesquisa trabalham três professores, Nilton ender e descrever o homem e entender o processo de construção do
Vasco da Gama, Célia Marques Telles e Teresa Leal Gonçalves Perei- discurso do autor; enfim, preparam-se as edições crítico-genéticas,
ra. Acham-se desenvolvendo teses de doutorado dentro dela, três criticas e semidiplomáticas da obra do autor.
alunos: José Raimundo Galvão (orientado por Célia Marques Telles), 2. A Cultura Baiana: visão de Arthur de Salles nas cartas a
Samantha de Moura Maranhão (orientada por Teresa Leal Gonçalves Durval de Moraes, onde se procede à análise do registro dos fatos que
pereira) e Gustavo Ezequiel Etkin (orientado por Célia Marques Telles) marcaram a atividade cultural na Bahia, a partir da correspondência
que estudam a descrição do léxico românico e aspectos da evolução entre A. de Salles e D. de Moraes, na tentativa de procurar analisar a
semântica de formas românicas. Os trabalhos de mestrado, de modo cultura baiana na visão de Arthur de Salles. Os resultados desse pro-
geral estudam a descrição do vocabulário do português medieval, do- jeto são confrontados com aqueles do projeto integrado Resgates da
cumentado nas cantigas de escárnio e de maldizer. Em 2000 foi defen- memória cultural: acervos, imagens, identidades.
dida uma dissertação que estava sendo preparada segundo esse enfoque, 3. Estudo do vocabulário de Arthur de Salles, trata-se da reto-
a de Aurelina Ariadne Domingues Almeida, orientada por Nilton Vasco mada do estudo sistemático do vocabulário de Arthur de Salles. De-
da Gama (Almeida, 2000). senvolve análises e classifica o vocabulário de Arthur de Salles, a
Quanto ao trabalho desenvolvido pelos docentes têm-se concen- partir de cada uma das suas obras publicadas ou das edições que
trado quer na descrição funcional das mudanças, quer no estudo vierem a ser preparadas de sua obra dispersa.
grafemático-fonético, quer na análise das estruturas discursivas. O pro- O segundo programa, Edição de textos manuscritos, engloba
ABSTRACT: This paper summarizes origins, formation and implementation of the “Programa para a história da língua portuguesa – PROHPOR”.
This research group is linked at the Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia. It researches in the frame of Historical Linguistics and
of the history of the Portuguese language.
PALAVRAS-CHAVE: Lingüística Histórica, História da Língua Portuguesa, Filologia.
A linha de pesquisa, vinculada ao Departamento de Letras Poggio, em 1996, do Departamento de Fundamentos para o Estudo
Vernáculas e ao Programa de Pós-graduação em Letras e Lingüística do das Letras, do Instituto de Letras.
IL-UFBa, Constituição histórica da língua portuguesa é a reformulação Esse grupo tem tido desde 1992 bolsistas de Iniciação Científi-
da linha anterior Morfossintaxe do português arcaico, inscrita em ca, nunca muito numerosos e, na ordem cronológica são eles:
nosso Curso de Mestrado, iniciado em 1976, linha sob minha respon- Maximiliano Miranda Guimarães, Permínio Ferreira, Fabiana Cam-
sabilidade, como pesquisador individual, de 1976 a 1990 e fundamen- pos, Anna Maria Frascolla Calmon, Alex Simões, Uilton Santos, Síl-
ta o “Programa para a história da língua portuguesa – PROHPOR”. via Silva, Klebson Oliveira, José Mendes. Desses, dois estão se dou-
Em 1990, com outros professores do Departamento de Letras torando: Max Miranda, em Maryland (USA) e Permínio Ferreira, na
Vernáculas – Maria do Socorro S. Netto, Therezinha Barreto e Sônia USP; e já concluiu o seu Mestrado Sílvia Silva. O Grupo também teve
Borba Costa – começamos a nos estruturar no Grupo de pesquisa que e tem bolsistas de Iniciação Científica na UEFS e na UNIFACS, a
viria em 1991 a ser batizado de Programa para a história da língua partir da atuação da Drª. Ilza Ribeiro nessas universidades.
portuguesa – PROHPOR. Reformulamos a linha anterior, para torná- Outro aspecto a destacar na dinâmica do Grupo é o fato de que
la mais abrangente no campo da história da língua portuguesa e assim se iniciou com um doutor, eu própria; em 1994, Ilza Ribeiro se douto-
surgiu a linha Constituição histórica da língua portuguesa. rava na UNICAMP; em 1999 Therezinha Barreto e Rosauta Poggio
Em 1991 se integraram a essa linha e a esse Grupo de pesquisa se doutoraram pelo PPGLL-IL-UFBa – os primeiros doutores de
professores da Universidade Estadual de Feira de Santana (agora tam- nosso Programa de Pós-graduação; em agosto passado, doutorou-se
bém da UNIFACS as duas primeiras): Ilza Ribeiro, que iniciava seu Dante Lucchesi, que em 1993 concluía seu Mestrado na Universidade
doutoramento em diacronia gerativa na UNICAMP; Sílvia Rita Olinda, de Lisboa. Em processo de doutoramento estão Tânia Lobo, na USP,
Tânia Lobo e Dante Lucchesi, logo depois, os dois últimos, concursados com Mestrado também em Lisboa; Sônia Costa e Anna Maria Macedo,
para a UFBa. no PPGLL; Zenaide Carneiro e Norma Fernandes, na UNICAMP. É
Em 1992 nos apresentamos, os oitos antes nomeados, para soli- de notar que a formação acadêmica do Grupo tem se diversificado,
citação de nosso primeiro Auxílio Integrado ao CNPq, com o Programa evitando a endogenia – Universidade (Clássica) de Lisboa; UNICAMP;
para a história da língua portuguesa – PROHPOR. Programa, porque USP; UFRJ têm sido instituições em que os pesquisadores de nosso
reunia um conjunto de Projetos – projetos individuais de cada pesquisa- Grupo têm ido buscar aperfeiçoamento.
dor e um projeto coletivo que resultou em 1996 no livro A ‘Carta de Mestrandos e doutorandos do PPGLL vinculados à linha Cons-
Caminha’: testemunho lingüístico de 1500. tituição histórica da língua portuguesa têm se fixado ao Grupo ou a
Esse Programa de pesquisa, em seu texto inaugural, de 1992, se ele se vinculam enquanto dura a sua pós-graduação. Os que estão
estruturou em quatro campos de trabalho: a. Estudos da morfossintaxe filiados ao Grupo sem vínculo empregatício com a UFBa e em outras
e sintaxe na história do português; b. Fontes para a história da língua universidades são Permínio Ferreira, doutorando-se na USP; Américo
portuguesa no Brasil; c. Construção de um banco de textos Machado Lopes Filho, que defendeu seu Mestrado em março deste
informatizados para a história do português; d. Seminários de for- ano e que tem avançado o seu doutoramento no PPGLL e Juliana
mação contínua dos pesquisadores do grupo. Definiu-se, como arco Soledade Coelho, mestranda com vistas ao doutoramento. Esses dois
de tempo para pesquisa, a língua portuguesa das origens ao fim do últimos, além de seus projetos próprios para a pós-graduação, junta-
período arcaico (meados do séc. XVI), daí infletindo para a história do mente com Sílvia Silva, estão levando à frente um dos Projetos iniciais
português brasileiro. Como objetivo principal, o PROHPOR tem a do PROHPOR, pensado por Dante Lucchesi – o do Banco de textos
reconstrução de aspectos do passado do português, com base em informatizados para a história do português, que ficou em suspenso,
análise de novos dados e de velhos dados reanalisados. não só pela saída de Dante Lucchesi para seu Doutoramento, mas
Ao longo desses dez anos o quadro de pesquisadores vem se também por limitações técnicas.
refazendo, saindo dele Maria do Socorro S. Netto e Sílvia Rita Olinda, Quanto às linhas teóricas do PROHPOR: a. há pesquisadores,
por razões de ordem profissional; e agora o Professor, já Doutor, liderados por Ilza Ribeiro, que, com seus orientandos de Mestrado e
Dante Lucchesi, recém doutorado pela UFRJ e já está credenciado em Doutorado, trabalham no quadro teórico da teoria da gramática
nosso PPGLL na linha da Diversidade lingüística do Brasil. Por outro gerativa (ordem sintática, clíticos); b. no quadro teórico variacionista,
lado, outros pesquisadores entraram no Grupo e, pela via de Ilza Tânia Lobo, tanto no seu Mestrado como no Doutorado em andamen-
Ribeiro, da UEFS se integraram ao PROHPOR as professoras Zenaide to (clíticos), também Dante Lucchesi, na sua tese de doutoramento
Carneiro e Norma Fernandes, no momento doutorando-se na (variação de gênero em comunidade afro-brasileira isolada); c. no qua-
UNICAMP; da UFBa, pela via da pesquisa para o Mestrado e Dou- dro teórico funcionalista, centradas em questões de gramaticalização
torado se integraram ao Grupo, respectivamente, Anna Maria Macedo, – Therezinha Barreto (itens conjuncionais na história do portugu-
em 1994, do Departamento de Letras Vernáculas e Rosauta Fagundes ês); Rosauta Poggio (preposições do latim para o português arcai-
ABSTRACT: This paper analyses how the Portuguese Didatic Books treats the intertextuality fenomena of language . We pay atention to the forms
the exercices are proposed to the students and how the Teacher‘s Manual explains the concept of intertextuality..
PALAVRAS-CHAVE: Intelectualidade, vozes, discurso.
ABSTRACT: This article debates the analysis made from Portuguese teachers on ‘Guia de livros didáticos’ (1999) reviews. Note that not always the
review structure suggests the classification intended for the didactic manual, that is, “recommended with distinction, recommended and recommended
with provisos”.
PALAVRAS-CHAVE: Resenha. Livro didático. Leitura do professor.
ABSTRACT: This paper examines how (and if) writting exercises in portuguese school books (PSB) deal with complexity gradation. The corpus includes
5 didatic colections (19 books). Two principles guided the work: a) writting hability expands through the contact with different kinds of text; b) PSB, for
their didatic nature, shall consider complexity gradation in writting activities.
PALAVRAS-CHAVE: produção de texto, livro didático, ensino de português, gêneros textuais.
Este trabalho enfoca as propostas de produção de textos escri- Língua Portuguesa de 5a a 8a séries afirmam:
tos em livros didáticos de português (LDPs) quanto à gradação de “Nessa perspectiva, é necessário contemplar, nas atividades
complexidade. Dois princípios referentes à aprendizagem de língua de ensino, a diversidade de textos e gêneros, e não apenas em
materna nortearam esta análise: a) não é suficiente expor os aprendi- função de sua relevância social, mas também pelo fato de que
zes a uma tipologia textual variada; é preciso fazê-lo de modo a permi- textos pertencentes a diferentes gêneros são organizados de
tir, gradativamente, o domínio de diferentes recursos de textualização; diferentes formas.” (Brasil, 1998: 23-24).
b) os manuais didáticos, por sua natureza pedagógica – refletida na Outros autores, como Bronckart (1999: 103, apud Marcuschi,
sua organização interna – devem apresentar gradação de complexida- 2000: 6) também apontam essa necessidade: “A apropriação dos
de nas atividades de produção textual. gêneros é um mecanismo fundamental de socialização, de inserção
Nosso corpus é composto de 19 volumes: uma coleção de prática nas atividades comunicativas humanas”.
ensino médio e quatro coleções do ensino fundamental, sendo, dentre Quanto à constituição dos gêneros, dizem os PCN
estas últimas, duas destinadas aos dois primeiros ciclos e duas desti- “Todo texto se organiza dentro de determinado gênero em fun-
nadas aos dois últimos ciclos. Examinamos as propostas de produção ção das intenções comunicativas, como parte das condições de
textual quanto aos seguintes aspectos: a) tipologia pedida; b) relação produção dos discursos, as quais geram usos sociais que os
com a tipologia do(s) texto(s) de leitura da unidade; c) orientações determinam. São caracterizados por três elementos:
para a produção; d) orientações para a avaliação (seja por parte do • conteúdo temático: o que é ou pode tornar-se dizível por meio
aluno-autor, dos colegas ou do professor). Nossa preocupação não é do gênero;
quantitativa, portanto os comentários sobre os exemplos represen- • construção composicional: estrutura particular dos textos
tam a tendência dos LDPs examinados. pertencentes ao gênero;
• estilo: configurações específicas das unidades de linguagem deriva-
Mudança à vista: o livro didático e a Lingüística das, sobretudo, da posição enunciativa do locutor; conjuntos particu-
É preciso admitir: o livro didático melhorou e muito. Rangel, lares de seqüências que compõem o texto, etc.” (Brasil, 1998: 21)
em seu artigo Livro didático: o retorno do recalcado (2001), aponta
esse aprimoramento como uma conseqüência das cobranças feitas Podemos relacionar os três elementos acima com o que é neces-
tanto por parte das instâncias governamentais, através do Programa sário, segundo Geraldi (1997:137), para a atividade de produção de
Nacional do Livro Didático (PNLD) do MEC, quanto por parte da texto. Assim, é preciso: a) ter o que dizer (conteúdo temático); b) ter
ciência lingüística e dos professores, insatisfeitos com o que até então um razão para dizer; c) ter a quem dizer; d) constituir-se como sujeito
vinha sendo apresentado. do que diz (estilo); e) ter como dizer (construção composicional e
Antes da chamada “virada pragmática” no ensino de língua estilo). Diante dessas considerações de ordem teórica, vejamos como
(Rangel, 2001), os LDPs apresentavam: a) gramática como eixo cen- os LDs propõem as atividades de escrita.
tral de trabalho; b) exclusividade ou predominância do texto literário; Os exercícios de produção de texto dos LDPs, em geral, dei-
e c) deconsideração do funcionamento social dos textos. Cada um xam implícitas muitas das orientações fundamentais a respeito do
desses aspectos foi revisto, o que levou grande parte dos LDPs a gênero textual pedido. Há quem defenda essa postura por uma ques-
privilegiarem, respectivamente: a) enfoque centrado no texto; b) di- tão de simplificação pedagógica. No entanto, mesmo sem expor todos
versidade tipológica; e c) consideração de fatores situacionais, tanto os detalhes a respeito do gênero, é possível explicitar para o aluno o
para a leitura quanto para a produção. que, de fato, é esperado de seu texto, de modo que a avaliação possa
Apesar desses avanços, ainda não houve um aprimoramento alicerçar-se sobre critérios claros e previamente estabelecidos.
significativo no que diz respeito à gradação de complexidade1 das Reinaldo (2001), ao analisar as orientações para a produção
atividades de produção de texto. Tendo em vista o caráter pedagógico textual em LDPs, encontrou as seguintes tendências metodológicas:
dos LDs, ou seja, o seu compromisso com a aprendizagem do aluno,
é essencial considerar essa gradação.
Nesse momento, encontramos uma grande dificuldade: que 1
Esse é um dos critérios de avaliação de LDPs, estabelecidos pelo MEC,
parâmetro ou critério deve nortear a gradação de complexidade no que deve ser observado para todos os blocos de conteúdos da área:
caso da produção de texto nos LDs? leitura, conhecimentos lingüísticos e produção de texto.
2
Segundo Marcuschi (2000: 6), tipos são construtos teóricos que abrangem
em geral, cinco a dez categorias, designadas narração, argumentação, ex-
Produção de texto: muitos implícitos, poucas orientações
posição, descrição, injunção e, para alguns autores, diálogo. Os gêneros,
É consenso, entre os especialistas da língua, a necessidade de se por sua vez, são formas textuais estabilizadas, histórica e socialmente situ-
tratar a diversidade de tipos e gêneros textuais na escola. 2Os PCN de adas.
ABSTRACT: When proposing the orality treatment in the portuguese-speaking class book, the National Curricular Parameters (PCN) are contributing
to exclude from the teaching Portuguese language the belief that the orality while “mistake place”, of the informality, of the language bad use. This
work aims articulate PCN’s proposals, relative to the orality, and its treatment in the class book.
PALAVRAS-CHAVE: oralidade, ensino de português, livro didático, exercícios
O tratamento da oralidade passou a ser objeto de estudo no Pois apenas pinçam aquilo que é proposto nos PCNLP e apli-
livro didático de língua portuguesa (LD) a partir da implantação dos cam em seus manuais didáticos na forma de exercícios freqüentemente
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) em 1997. Até então, não desconexos e sem sentido, sem a articulação prometida na “atraente”
havia critérios para o ensino de língua materna – pautada apenas no apresentação do manual ao professor,concluindo que preencheram os
ensino da escrita - a não ser os estabelecidos pela gramática normativa. requisitos de um LD adequado.
A oralidade, ou melhor, a fala era encarada como o lugar do mau uso da Pode parecer que estou fugindo ao tema que diz respeito à
língua. Pois partia-se de uma perspectiva dicotômica da relação “fala oralidade, mas o que acontece é que a questão de fato é mais complexa
e escrita”, cabendo à primeira o erro e à segunda o acerto. do que imaginamos. Se o tratamento da oralidade vai mal no LD, esta
Tal perspectiva reflete uma tradição teórica Saussureana (1916) é somente a “ponta do iceberg”. Que reflete, entre outras coisas,
adotada ao longo da história da lingüística, a qual excluía de seus problemas referentes
estudos ‘a fala’, revelando ser ‘a língua’- enquanto estrutura – seu · ao papel dado ao ensino neste país, ou melhor às políticas
objeto ideal. Assim estruturou-se o ensino de língua portuguesa, ou públicas e privadas do ensino no país,
melhor, de gramática da língua portuguesa. · ao distanciamento entre pesquisa e a prática de sala de aula,
Com as mudanças ocasionadas pelos PCN muitos autores/ · à delimitação do próprio objeto língua materna.
editores passaram a se preocupar com a apresentação do material Se a oralidade é posta à escanteio nos manuais de ensino de
didático por eles produzidos. Por outro lado, o MEC inicia o Pro-
Língua Portuguesa, muito se deve não só aos problemas rapidamente
grama Nacional do Livro Didático (1998) visando avaliar a qualidade
destacados, mas também às próprias escolhas na delimitação do obje-
destes livros. Aos livros cujos critérios correspondem ao mínimo
to da lingüística e esta escolha sempre privilegiou a língua, que apre-
desejado pelos PCN, estes recebem “estrelas” classificatórias, quanto
senta regras/normas/ regularidades, e a fala, pela “crença” em seu cará-
maior a quantidade de estrelas, melhor a qualidade do LD. Este
ter individual e idiossincrático, foi deixada de lado. Mas com a emer-
material é disponibilizado ao professor, que a partir de resenhas e do
gência de trabalhos sociolingüísticos, de etnografia da fala,
número de estrelas classificando o manual, poderá adotá-lo em seu
etnometodologia, análise da conversação, as pesquisas lingüísticas
trabalho. Como mostra o trabalho de Elizabeth Marcuschi (O guia
voltam-se para fala. Com destaca Marcuschi (2001: 22):
de livros didáticos e a leitura do professor) tais resenhas nem sem-
pre são elucidativas quanto à qualidade do livro a ser escolhido pelo
professor. “Na sociedade atual, tanto a oralidade quanto a escrita são
Ao que parece a “mudança” na qualidade do LD deve-se muito imprescindíveis. Trata-se, pois, de não confundir seus papéis e
mais à uma demanda mercadológica, afinal o maior mercado consumidor seus contextos de uso, e de não discriminar seus usuários”.
destes livros é o próprio governo (MEC), pois nas escolas públicas o
material é gratuito, do que a uma vontade em melhorar a qualidade do É nesta perspectiva também que os PCNLP tomam o traba-
ensino e do material didático de Língua Portuguesa. lho com a oralidade quando destacam que o uso da língua envolve a
Vários são os critérios que estes manuais devem cumprir para prática de escuta, isto é,
serem considerados aceitáveis e ter direito às famosas estrelas. Mas o que
se tem visto é que muitos autores/editores não têm uma noção clara do “a escuta refere-se aos movimentos realizados pelo
que representa: sujeito para compreender e interpretar textos orais”
(PCNLP:35).
“o domínio da linguagem, como atividade discursiva e cognitiva, Diante deste panorama, partimos para a observação do traba-
e o domínio da língua, como sistema simbólico utilizados por uma lho proposto pelo LD, referente a esta modalidade de uso da língua: a
comunidade lingüística” (PCNLP1 , 1998:19). oralidade2 . Ao analisar três coleções referentes ao terceiro e quarto
ou ciclo do Ensino Fundamental (Coccó & Hailer, 1994; Guindaste et al,
1998; Lopes & Lara, 1997). Nestas coleções, o Manual do Professor
“a unidade básica do ensino só pode ser o texto” (PCNLP, explicita de maneira bastante genérica o tratamento que será dado à
op.cit.: 23) oralidade. Assim temos:
ou sequer que
1
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa.
“os conteúdos de Língua Portuguesa articulam-se em torno de 2
Marcuschi (2001) destaca a relação oralidade versus letramento e fala
dois eixos básicos: o uso da língua oral e escrita (...) “ versus escrita, cabendo ao primeiro grupo uma distinção entre práticas
(PCNLP:35) sociais e ao segundo, uma distinção entre modalidades de uso da língua.
RÉSUMÉ: Cet article a pour objectif d’analyser, dans la perspective théorique linguistique et discursive, les effets des commentaires rédigés par un
instituteur sur la première version qu’un élève de CE22 a écrite sur la fable “La cigale et la fourmi”. L’ auteur examine également les rapports entre
la première et la deuxiéme version écrite par l’ écolier.
PALAVRAS-CHAVE: texto em sala de aula, interferência do professor, singularidade, autoria.
Em relação ao discurso direto teríamos a estrutura “sujeito (3ª No início da 1ª versão destacado acima não há grandes surpre-
pessoa do singular, neste caso) + verbo dicendi + fala do personagem” sas. Apesar do texto ser menor, Yuri mostra, no enunciado “A cigarra
que poderia se apresentar através dos seguintes enunciados: cantava enquanto as formigas trabalhavam”, uma adequação se-
mântica e sintática que poderia ser indicada pela posição dos elemen-
- “a cigarra falou: eu posso [ficar até o verão/dormir]?” tos na cadeia sintagmática “X (a cigarra cantava) enquanto Y (as
- “a cigarra perguntou: eu posso dormir?” formigas trabalhavam)”. Estas posições dos termos X e Y apresen-
- “a cigarra pediu: eu podia/poderia dormir aqui?” tam-se de modo previsível e como possível na língua.
- “a formiga respondeu/disse: pois entre, cigarra.” Já o texto inicial da 2ª versão traz outros elementos que produ-
zem abalos nesta estrutura estabilizada. Depois de uma breve intro-
No discurso indireto a estrutura se apresenta como “sujeito (3ª dução “a cigarra morava em um tronco no topo de uma árvore...”,
pessoa do singular, neste caso) + verbo dicendi + o enunciado do perso- Yuri preserva a estrutura da cadeia sintagmática “X (a formiga cons-
nagem, introduzido por um elemento de ligação”. Este elemento de truía sua casa) enquanto Y (a cigarra cantava)”.
ligação pode se efetivar pelo “transpositor que, pela dubitativa se e O termo X marcado na 1ª versão (“a cigarra cantava”) sofre
pelos pronomes e advérbios de natureza pronominal quem, qual, onde, uma inversão de posição em relação ao termo Y (“as formigas traba-
por que, quando, etc.” (Bechara, 1999:482). lhavam”). Além disso, há uma metaforização entre “as formigas
trabalhavam” e “a formiga construía sua casa”, que se mantém
- “a formiga falou para ela dormir no formigueiro.” como uma espécie de paráfrase entre a ação de “trabalhar” e a ação de
- “a cigarra perguntou se podia dormir.” “construir sua casa”, que, de certa forma, retoma de modo mais espe-
- “a cigarra pediu para [ficar até o verão/dormir].” cificado a primeira ação. Esta relação de semelhança semântica entre
- “a formiga respondeu/disse para ela entrar.” os dois enunciados faz com que a emergência de “a formiga construía
sua casa” na posição de “X” restringisse o aparecimento de “a formi-
As formas “pediu”, “perguntou” e “falou” se mantêm tanto ga trabalhou”, mantendo-o na cadeia latente. No entanto, este enun-
no discurso direto como no indireto. Todavia, as restrições impostas ciado permanece na cadeia manifesta, fazendo com que ele soe estra-
pela cadeia não se estabelecem da mesma maneira, uma vez que a nho.
entrada do discurso direto amplia as possibilidades de continuidade, Assim, a emergência do enunciado “a formiga construía sua
enquanto que, no discurso indireto, a exigência do elemento de liga-
ção as restringe.
A semelhança entre as formas produzidas no estabelecimento
5
Para melhor compreender a noção de escuta sugerimos a leitura de
Calil (1997; 1998) e Calil & Nagamine (1999).
ABSTRACT: The propose of this work is to show, by means of exemplar cases, the illimited virtuality of the linguistic system in guaranteeing the
continuous renewal of language in the field of the lexicography.
We have tried, in the first place, to demonstrate the linguistic feeling of native speakers to put in practice the idiomatic rules that underlie the processes
of word formation un Portuguese, in spite of their taken for grandet ignorance.
In the second place, we have presented the special case of some not yet studied type of word formation, that’s to say, the singular oxytone words in
– é and ó – a kind of strange morphemes bearing the semic feature: “standard anatomic deviation”.
PALAVRAS-CHAVE: Virtualidade; canonicidade; variação; base paradigmática.
A prova provada da infinita potencialidade do sistema lingüístico acabado, mas uma ¦ν©ρνεια, uma criação contínua e que, tal como a
revela-se na produção ininterrupta de novas formas léxicas na suces- vida, está sempre se renovando. Colhemos o termo em gravação feita
são do tempo bem como na multiplicação dos espaços configurados com o Sr. Raimundo Carlos Filho, de Nova Russas, em que ele nos
como novos ecúmenos na constituição geopolítica dos povos. conta a peripécia de um caçador que se dispôs a pegar uma onça,
Com relação à língua portuguesa do Brasil cuja população re- munido apenas de uma corda e um cornimboque bem abastecido de
presenta a continuidade da herança lusitana a que se veio somar o tabaco ou rapé. No clímax do relato diz ele: quando a bicha saltou pra
aloglotismo dos aborígines e dos transplantados africanos, o panora- pegar o caboclo, ele destampou o cornimboque e sapecou o tabaco nas
ma lingüístico é dos mais variados e ricos que se possa imaginar. enxergas da onça. Aí ela, cegada pelo tabaco foi fácil amarrar e trazer
Focalizaremos nesta sumária comunicação algumas amostras pro curral.”
de variações lexicais representativas da criatividade do falante brasilei- Na realidade, o termo, claramente um deverbal de “enxergar”,
ro no processamento do seu direito de uso do sistema lingüístico por nos remete de imediato a “oiças”, deverbal de “ouvir”, de cunho
ele herdado e cujas regras ele nos dá continuamente provas de conhe- popular, e clicherizado na expressão deprecativa : “Deus tape-lhe as
cer à revelia das nossas cismas, suspeitas ou suposições em contrário. oiças.” Podemos, assim, estabelecer a seguinte quarta proporcional:
Decidimos apresentar alguns casos de formas lexicais margina- Enxergas: enxergar:: oiças (ou ouças): ouvir.
lizadas em face da canonicidade lexicográfica e procurar explicá-las à Observemos ainda que a base paradigmática por nós
luz de certos processos utilizados recorrentemente pelo sistema estabelecida, encontra igualmente um perfeito símile no francês, em
lingüístico, o que lhes confere, a nosso ver, o estatuto de legitimidade que o termo popular “Esgourde” designativo de “oiça” (ouvido ou
gramatical. orelha) representa o provençal “escouta”, ou seja, escuta, 3ª pessoa
AZUNHAR: Para significar “ferir ou riscar com as unhas” , do singular do verbo “escutar”. Neste particular, acrescente-se que
como se lê no dicionário ou no vocabulário ortográfico oficial. em português temos também o deverbal “escuta” do verbo “escutar”,
No registro popular do Ceará, no entanto, emprega-se corren- só que é sempre usado em acepção abstrata, o ato de escutar, e não
temente “azunhar’, forma de que se têm utilizado os escritores com valor concreto de órgão da audição.
regionalistas, conferindo-lhe assim, progressiva e irrestivelmente Em boa verdade, se de “ouvir” temos a “oiça”, e de “escutar”
foros de cidade, sob a canonização da literatura. (“Jacira, porém, não temos a “escuta”, por que não poderíamos ter de “enxergar” a
se deu por vencida: lutou ferozmente, azunhou-me o rosto, mordeu- “enxerga”? E assim, fortalece-se cada vez mais a nossa convicção de
me o braço, puxou meus cabelos.” Fran Martins, O amigo de infân- que não se pode pôr em dúvida ou sob suspeição o saber lingüístico do
cia, p. 80) falante e a sua capacidade para preencher as casas vazias da norma
Na verdade, a formação do termo revela-nos simplesmente o através da utilização dos modelos anteriores ou das regras inscritas na
resultado de uma juntura operada pela realização fonética do sintagma virtualidade do sistema.
as + unhas = /azuñas/ donde: azunhar. Compare-se o francês “zieuter”,
olhar, ao nível do “argot”, resultante do sândi ‘les+yeux+/lezieu/ em NACARÉ, CORÓ, TOCÓ, CARIJÓ, GOBÉ: Levantamos,
perfeita simetria com a nosso “azunhar”. nas cartas de n°s 54, 55,56 e 59 do Atlas Lingüístico do Paraná, as
Não admira, pois, que os nossos atlas lingüísticos registrem designações acima especificadas, designativas de raças ou variedades
formas autenticamente vigentes entre os nossos informantes, quer de galinha, baseadas em características descritivas como cor, disposi-
analfabetos, quer alfabetizados, como “zolhos”, “zorelhas”, ção e qualidade das penas e outras particularidades anatômicas.
“zouvidos”, etc. Dessas denominações chamou-nos particularmente a atenção a
Conceder a tais formas o estatuto de variantes lexicais não opacidade semântica das formas oxítonas em é e ó que caracterizam
estigmatizadas dependerá certamente de condicionamentos de ordem aquelas unidades lexicais.
vária de natureza sociológica, política, cultural, etc. Na verdade, o primeiro – Nacaré – aplicado à galinha arrepia-
Registra-se, aliás, na língua a forma canônica “zorate”, que sig- da, ou seja, de penas arrepiadas ou crespas, não se encontra registrado
nifica “maluco, doido”, oriunda, pelo mesmo processo, do sintagma em nenhum dicionário ou vocabulário da língua, e sua forma e consti-
“casa dos orates”, casa dos loucos, manicômio. tuição apresentam-se totalmente opacas. O segundo nome – Coró –
Não faltam, portanto, exemplos paradigmáticos suficientes para a aplica-se à “galinha do pescoço pelado”; trata-se de um vocábulo
validação de variantes da natureza das que ora acabamos de comentar. dicionarizado com outras acepções totalmente alheias à do nosso elen-
ENXERGAS – S.f.pl. – Este segundo exemplo enseja-nos lem- co, bem como desacompanhado de qualquer indicação etimológica. O
brar a tese de Humboldt de que a língua não é um ¨ργον, um produto terceiro – Tocó – é aplicado à “galinha sem rabo” e é dado por alguns
ABSTRACT: This paper presents some issues raised by a conversational approach of topics and discourse objects, within the framework of the
interactional linguistics. First, key assumptions of this approach are discussed, focussing on the interactional activities of the speakers. Then some
consequences for the study of topics and discourse objects are explicitated, with a special emphasis on various features specially underlined by this
approach, such as the configurating effect of the participants’ orientation, the interactive construction of discourse objects and the local exploitation
of grammar within sequentiality.
PALAVRAS-CHAVE: análise do discurso, etnometodologia, lingüística interacional, tópico, objeto do discurso, referenciação.
Encore une fois (cf. ex. 4) les participants exhibent leur orientation 6. Ressources grammaticales et organisation séquentielle
vers non seulement ce qui est le topic (l. 1) mais encore vers sa La littérature sur les processus de référenciation, de thématisation et
formulation, ses contours, ses caractéristiques sémantiques. Cela d’anaphorisation a buté contre la polyfonctionnalité des marqueurs
déclenche une reformulation du topic (4) effectuée par Présenti (4-6) grammaticaux des objets de discours: en effet ceux-ci ne sont pas
mais immédiatement concurrencée par Trovin en chevauchement (7- biunivoquement articulés à une fonction discursive précise – le pronom
8). La version de Présenti est donc confrontée à une double version ne marquant pas toujours une information ancienne ou connue, la
alternative de Trovin, la seconde n’étant que partiellement énoncée dislocation à gauche étant exploitée parfois pour introduire un nouvel
(“ou est-ce que c’est euh:: l-” 7-8) et complétée par Pasquin (9). objet, parfois pour en mettre un relief un ancien, etc. (cf.Apothéloz,
L’alternative est donc collaborativement formulée par Trovin et 1997; Cornish, 1999). Ces constats, dont la littérature abonde,
Pasquin (qui continue ligne 12), ratifiée par Trovin (10), niée par montrent la difficulté d’établir une articulation générale entre formes
Présenti (11) qui esquisse une double reformulation de la sienne (positive et fonctions, fondée implicitement sur une conception selon laquelle
11 et négative 14). La seconde nie celle de Trovin et Pasquin et est la langue “coderait” des statuts des référents ou des informations.
reprise par un autre participant, Carven (17), dans un passage où les Une approche alternative se penche plutôt sur les activités par
chevauchements sont multiples. Ce n’est qu’après une régulation lesquelles les locuteurs rendent localement et publiquement intelligibles
explicite du mode de l’échange de la part de Pasquin (18) que Présenti leur choix expressifs, en ne se limitant pas simplement à “coder” des
ABSTRACT: Starting from the premise that the process of referenciation is neither a simple activity of extensional designation nor of identification
or discrimination of beings, individuals, things, facts, situations, states, etc., but a complex interactive decision developed by individuals in specific
situations, this paper makes explicit how interlocutors arrive at referential consensus in the public and social use of language. It is based on the idea
that reference is much more a situated and interactive action than an explicitation of a language-world relation or an act of affirmation of successful
and conventionalized correspondences in the language. In the end, it postulates that our assertions are assertions of beliefs assumed as facts
because as Putman says, it is reasonable to take them as facts. Therefore, to refer is essentially a process of explicitation of beliefs, interactively and
publicly elaborated and admitted.
PALAVRAS-CHAVE: processos de referenciação (referentiation processes); uso social da língua (social use of language); interação colaborativa
(collaborative interaction).
1. A irrelevância da vericondicionalidade para a determi- comum acordo entre os atores sociais envolvidos numa dada tarefa
nação referencial comunicativa.3
Se eu afirmasse aqui que o processo referencial é muito mais uma Vejamos aqui um exemplo extraído de um diálogo ocorrido em
questão etnográfica do que uma questão semântica e epistemológica, de 1980 entre uma moça de 27 anos (N) que chega a um posto de gasolina
que tamanho seria a heresia? Imagino que para os devotos das teorias com seu carro e um frentista de 29 anos (F), coletado por Sette
semânticas vericondicionais eu deveria tirar umas longas férias distante (1980:153).
da comunidade lingüística e para os interacionistas e sócio-cognitivistas Exemplo (1)
eu seria elevado ao status de guru. Como não pretendo me afastar da 1 N: quer verificar água da bateria por favor
comunidade lingüística nem me tornar guru de ninguém, matizarei um 2 F: um momentinho moça (...) está baixa (..) vai pegar uma
pouco minha assertiva sem me afastar muito destas duas idéias centrais: meia garrafa
1. A noção de verdade como correspondência é irrelevante 3 N: quanto é a garrafa?
para o processo referencial; 4 F: é vinte e cinco (..) o resto você guarda que serve para
2. A referenciação na relação face a face é fruto de uma ativida outra vez
de colaborativa e não uma simples convenção lingüística. 5 N: o senhor quer verificar o óleo também? (...)
6 F: o óleo tá bom (..) tá um bocado sujo mas ainda agüenta
Disto decorrem várias conseqüências às quais me dedicarei aqui uns dias
mostrando como a referência, na relação face a face, é muito menos 7 N: se tiver muito sujo ‚ melhor mudar logo
uma determinação lingüística e muito mais uma ação conjunta num 8 F: olhe aqui (..) está preto já mas ele ainda tem visgo
processo interativo com atividades inferenciais realizadas na 9 N: visgo como?
enunciação, sem esquecer que a cognição situada exerce um papel 10 F: ainda tá grosso assim (..) quando ele tá ralo não
central. Disse ‘na relação face a face’, mas poderia certamente admi- presta mais
tir qualquer tipo de enunciação, tanto escrita como falada. Em suma, 11 N: então deixa (..) na semana que vem eu troco (..) dá uma
parece que a determinação referencial prevê um processo de arbitra- limpadinha no vidro por favor
gem interativamente controlado.
Interessam, no exemplo (1), as linhas 8 a 10, em que os
Quanto à primeira tese, convém frisar que a noção de referência interlocutores N e F constroem colaborativamente a noção de ‘visgo’
adotada não é a das teorias verifuncionais que vêem na correspondência
linguagem-mundo uma relação biunívoca, numa postura epistemológica 1 Este trabalho insere-se no contexto do Projeto Integrado Fala e
realista e com uma significação rígida. No caso, a linguagem, tida como Escrita: Características e Usos desenvolvido no Departamento
realidade mental, seria um espelhamento do mundo sendo este uma de Letras da Universidade Federal de Pernambuco com apoio do
realidade extra-mental. Daí surgiria a noção de correspondência. Não CNPq, (proc. nº 523612/96-6) e situado no NELFE (Núcleo de
adotando essa posição, afirmo ser a vericondicionalidade irrelevante Estudos Lingüísticos da Fala e da Escrita).
para a referenciação2 , já que esta é uma atividade interativa e não uma 2 Em parte, esta posição retoma a questão já levantada por
relação de correspondência convencional e fixa. Em conseqüência, a Donnellan (1966) quando ele distinguiu entre o uso referencial
e o uso atributivo de descrições definidas, postulando que no
referência será aqui definida como atividade de construção colaborativa caso dessas expressões poderia ocorrer um conteúdo descritivo
de referentes como objetos de discurso e não objetos do mundo falso sem prejuízo da determinação referencial.
(v. Mondada & Dubois, 1995). A idéia central neste ponto é a de que a 3 Na realidade, as posições aqui sugeridas são bastante comuns,
referência não se dá apenas na relação linguagem – mundo. só não têm sido desenvolvidas nesta perspectiva. Vejam-se, por
Quanto à segunda tese, que postula ser a referência uma questão exemplo, os conhecidos trabalhos de John L. Austin (1962), John
etnográfica, trata-se de situar a discussão no contexto das investiga- R. Searle (1969) sobre os atos de fala, e Herbert Paul Grice (1968
ções etnometodológicas (v. Goffman, [1979] e Gumperz, 1982) que e 1975) com o princípio de cooperação e as implicaturas basea-
postulam ser a racionalidade e a construção da própria realidade uma dos na distinção entre significação natural (do enunciado) e não-
natural (do falante) que, rigorosamente falando, não levaram a
atividade de enquadre cognitivo socialmente realizado. A rigor, gostaria quase nada de relevante na questão do tratamento das interações
de chegar a afirmar que a referência não se resolve na epistemologia nem verbais reais devido ao formalismo a que estão submetidos. É
na ontologia e sim na ação interativa. Trata-se de uma questão sócio- provável que nem Austin, nem Searle e muito menos Grice te-
cognitiva em que o processo referencial é melhor caracterizado como nham analisado uma única transcrição de fala ou tenham se dedi-
interativo. A referência poderia ser tida como aquilo que, na atividade cado a alguma audição de fita ou de indivíduos em situações
discursiva e no enquadre das relações interpessoais, é construído num interativas.
6. O que é ter uma língua em comum? Interessa aqui considerar a expressão definida ‘t’: ‘o filme que
Vale a pena insistir na indagação acima: o que é mesmo ter uma está passando no Roxy esta noite’, usada por Anne para referir o filme
língua em comum? Será que é o fato de dominar um conjunto de “Monkey Business”, como o referente ‘R’. Assim, a condição 1 é admi-
regras sintáticas e morfológicas, um léxico e uma fonologia? É a habi- tir que:
lidade de produzir um enorme conjunto de enunciados mutuamente a) Anne sabe que “ t é R “.
compreensíveis? Quais são os conhecimentos que fazem parte dos A questão é: do que deve Anne assegurar-se a fim de que sua
conhecimentos da língua? Estão ali incluídos os conhecimentos de referência seja bem-sucedida? Entre as condições que devem ser
mundo? São os conhecimentos de mundo parte integrante dos conhe- asseguradas para que Bob infira corretamente, Anne deve fazer uma
cimentos da língua? suposição de conhecimentos comuns partilhados para que ambos to-
Mais do que dominar regras, parece que conhecer uma língua é mem o mesmo referente pretendido. Ela não pode fiar-se em alguma
saber como lidar com ela nas atividades interativas, ou como dizia virtude intrínseca da expressão definida usada, pois o fato de Anne
Wittgenstein: é saber jogar o jogo dos atos de linguagem. O certo é que saber que “t é R” não garante o sucesso da referência para Bob. Uma
conhecimentos de mundo, conhecimentos sociais, conhecimentos de condição sine qua non para o sucesso da referência é que Bob saiba que
regras de comportamento etc. e conhecimentos lingüísticos não podem
“t é R”. Segundo Clark (1992:11), uma das maneiras de a referência de
ser distinguidos com muita precisão. Eles estão de tal modo imbricados
Anne falhar ocorre nesta segunda versão do caso:
que não conseguimos mais distingui-los. É essa imbricação que consti-
tui a racionalidade de um povo (como lembram os etnometodólogos)
Exemplo (5)
que vai dar origem à composição dos fenômenos comuns de procedên-
VERSÃO 2: Na quinta pela manhã Anne e Bob lêem a edição
cia diversa.
matutina do jornal e discutem o fato de que o jornal diga que “A Day at the
Certamente, fazem parte dos conhecimentos lingüísticos os co-
Races” está sendo exibido naquela noite no Roxy. Mais tarde, após Bob ter
nhecimentos que permitem entender as metáforas, as metonímias, as
saído, Anne compra a última edição do jornal que traz uma correção que diz
associações, as analogias e todos os demais usos lingüísticos que fogem
que é Monkey Business” que está sendo exibido naquela noite. Mais tarde,
ao controle rigoroso da vericondicionalidade. Não há correspondência a
Anne encontra Bob e pergunta: “Você já viu o filme que está passando no
priori, nem há correspondência descarnada.
Roxy esta noite?
Embora esta versão satisfaça a condição (a) posta acima de conheci-
7. Paradoxos do conhecimento comum
mento comum, Anne produziu sua descrição definida sem assegurar devi-
Não se trata de uma metáfora a idéia de que a referência é uma
damente o acesso à nova realidade. Ela não tem fundamento algum para
atividade conjunta, colaborativa e situada. Veja-se como é construída a
pensar que Bob saiba que se trata de Monkey Business e não de A Day at the
referência nesta tirinha de jornal.
Isto nos leva a uma quarta versão, já que esses três postulados A tese mais geral a defender é a de que não são os conhecimentos
devem ser satisfeitos. comuns que resolvem a situação, mas condições comuns e partilhadas
de construção de conhecimentos que permitem a referenciação. Assim,
Exemplo (7) para superar o paradoxo posto pela série de enunciados:
VERSÃO 4: Na quinta pela manhã Anne e Bob lêem a edição a) A sabe X
matutina do jornal e discutem o fato de que o jornal diga que “A Day at the b) A sabe que B sabe X
Races” está sendo exibido naquela noite no Roxy. Mais tarde, Anne vê a c) A sabe que B sabe que A sabe X
segunda edição do jornal e nota que o filme foi corrigido para “Monkey d) ...
Business”, e marca o fato com sua caneta azul. Mais tarde, enquanto Anne podemos propor o princípio de construção colaborativa da
observava sem Bob saber, ele toma a última edição e nota a marcação de referência, ou seja:
Anne. Nessa mesma noite Anne vê Bob e pergunta: “Você já viu o filme que - A partilha com B as condições de interação necessárias
está passando no Roxy esta noite? para, juntos, construírem o conhecimento X.
Esta versão satisfaz as condições (a), (b) e (c) postas acima, mas Esse partilhamento de condições necessárias se dá como proces-
embora Anne saiba que Bob viu sua marcação, ele não sabe que ela viu e ela so interativo em contextos sociais e culturais relevantes mediados pelo
sabendo que ele não sabe que ela o viu, pode imaginar que ele imagina que ela uso da língua. Veja-se a questão lustrada neste exemplo (8), também
vá pensar que ele não saiba o referente correto. Assim, precisamos de uma extraído de Bortoni (1984:19) em que uma entrevistadora universitária
quarta condição para haver partilhamento de referentes: (E) não entende a entrevistada (MP) em virtude de uma regra fonológica
d) Anne sabe que Bob sabe que Anne sabe que Bob sabe que “t é R” que interfere na identificação da expressão referidora que deve então ser
Pois bem, esta edificante historinha poderia ir adiante numa infi- trabalhada colaborativamente para atingir seu objetivo. Vejamos:
nidade de versões e nunca iríamos preencher todas as condições neces-
sárias para que a inferência se desse de modo seguro. Este é, em suma, Exemplo (8)
o paradoxo do conhecimento mútuo, que na verdade sugere haver 1 E - Depende de que o sucesso da gente? Pra gente conseguir
algumas condições a serem necessariamente satisfeitas ad infinitum. alguma coisa,
Por isso, não há saída plausível por esse lado. 2 depende de quê? de quem?
Imagino, como observa Clark (1992:19), que a versão de Grice 3 MP-uai, depende da... da sistença da gente e da boa vonta
(1957) a respeito da significação do falante (a intenção) depois desen- de, né? Num disisti
volvida em outros trabalhos, também não seja um bom caminho. Pois 4 daquilo í sempri..
distinguir entre significação do falante (intenção) e significação do 5 E - Mas que tipo de assitência seria essa?
enunciado (referência) não é suficiente nem leva longe. 6 MP - Não ... assistença assim da gente mesmo falá: i’eu vô
Contudo, o que se nota é que nestas elucubrações tudo se baseia fazê aquilo, aquilo que i’eu
em condições e suposições unilaterais e não em negociações ou 7 tenho vontade, né, de trabalhá pra... pra se consegui
partilhamentos úteis em função da convivência entre os indivíduos. A aquilo, a gente trabalha e
única via para superar o problema posto pelo paradoxo dos conheci- 8 consegue, o faiz aquilo que a gente tem vontade de fazê,
mentos comuns é conduzir o processo por mais caminhos. Clark né?
(1992:35-36) arrola tipos diversos de conhecimentos comuns. Podem
ser de uma maneira geral (1) duradouros ou (2) temporários. E os No caso da primeira resposta, a informante (linha 3) usou a
temporários podem subdividir-se em: (a) genéricos (sobre fatos gerais, expressão ‘sistença’, tendo aqui a palavra ‘insistência’ “sofrido uma
como o fato de os canários serem aves, os leões serem carnívoros etc.), aférese da sílaba inicial e redução do ditongo crescente na sílaba átona
ou (b) particulares (objetos, eventos, pessoas, coisas pessoais, indi- final” (Bortoni 1984:19). Com esta mudança fonética a entrevistadora
viduais etc.) . interpretou essa palavra como ‘assistência’ por não dominar a variante
Seguramente, os conhecimentos mútuos serão maiores se formos
RÉSUMÉ: Cette communication analyse les processus de référenciation et les formes meta- énonciatives dans les aphasies. Notre hipothèse est que
la compétence pragmatico-discursive des sujets aphasiques n’est pas détruite en raison des altérations des processus metalinguistiques ou cognitifs.
Les données presentés ont été extraits des interlocutions entre sujets aphasiques et non-aphasiques.
PALAVRAS-CHAVE: afasia; meta-enunciação; referenciação; interação.
ABSTRACT: This paper aims to discuss the cognitive, resumptive, cohesive, organizational and avaliative functions performed by nominal
expressions occurring in referential chains, in order to highlight their contribution to ther argumentative orientation of texts, and, by consequence,
to the construction of meaning.
PALAVRAS-CHAVE: referenciação; cadeias referenciais; expressões nominais; argumentação; sentido.
ABSTRACT: Facts about Brazilian Portuguese stress and vowel reduction are brought together to show that, contrary to recent claims, Articulatory
Phonology can deal successfully with grammatically-driven, lexicalized speech processes. The key to this success lies in the logical potential of the
spatial and temporal dimensions of the articulatory gesture.
PALAVRAS-CHAVE: Fonética, Fonologia, Dinâmica, Gramática.
A proposta da Fonologia Articulatória (doravante FAR; magnitude relativas conseqüências gramaticais observáveis? Veremos
Browman e Goldstein, 1990, 1992) de usar primitivos fônicos dinâ- abaixo que sim.
micos para tornar a Fonética e a Fonologia parcialmente comensuráveis
vem merecendo menos atenção ultimamente, embora tenha, de início, 1. Distinções Temporais e Espaciais no Léxico
ganhado adeptos entre foneticistas e fonólogos (Kingston e Beckman A FAR afirma que o contraste lexical discreto (i. e., as velhas
1990). A razão é que circula na comunidade uma crença de que a oposições “fonêmicas”) é passível de expressão por gestos tanto quanto
unidade de análise proposta – o gesto articulatório – só dá conta da a variação fonética contínua. Como em outras teorias fonológicas, são
alofonia gradiente, contínua e deixa de fora a alofonia clássica, categó- categóricas as distinções lexicais e gradientes as distinções fonéticas.
rica, gramatical (Nolan 1999, Zsiga 1997). A questão da representação lexical está, porém, mal resolvida. As
Este trabalho pretende mostrar que essa crença é equivocada. discussões não passam, até agora, da expressão gestual das oposições
Com base em dados do português brasileiro (doravante PB) argumen- distintivas.
É que o excesso de fisicalismo atribuído ao modelo obscurece
ta-se que o gesto articulatório é capaz de dar conta tanto de aspectos
uma pergunta potencialmente reveladora: seriam os gestos capazes de
concretos, ligados à produção da fala, como de aspectos abstratos,
expressar contrastes que a representação tradicional por segmentos e/
ligados à gramática, daquilo que os falantes sabem sobre o sistema
ou traços ignora? Por exemplo, seriam “reduzido” (no espaço) e “encur-
fônico da sua língua (Albano, 2001).
tado” (no tempo) úteis como categorias lexicais? Ou, ainda, é possível
Passemos rapidamente em revista o modelo em questão. A contrastar “seqüencial” a “sobreposto”? Dados do PB mostram que a
originalidade da FAR reside em afirmar que a fala é um caso particular, adoção de categorias dinamicamente interpretáveis ilumina a descrição
especial porque audível, da gestualidade, i. e., consiste em movimen- dos processos fônicos e simplifica o tratamento das restrições
tos discretos de partes do trato vocal – movimentos que comparti- fonotáticas lexicais.
lham com o resto da motricidade o fato de se sobreporem uns aos
outros no tempo e no espaço. 2. Reduzido como Categoria Lexical
A questão do movimento é tratada através das ferramentas É conhecida a hesitação dos estudiosos do português, tanto
muito gerais da Dinâmica (Kelso, Saltzman e Tuller, 1987). É justa- brasileiro como europeu, entre as orientações fonológica (p. ex., Bisol,
mente aí que costumam incidir as críticas ao modelo. A permeabilidade 1992) e morfológica (p. ex., Mateus, 1983) na análise do contraste
dos processos fônicos a explicações dinâmicas é, com efeito, muito lexical entre as paroxítonas e as oxítonas.
variável. Enquanto os da fala fluente tendem a se render a elas facil- As análises fonológicas acentuam a penúltima sílaba a menos
mente, os lexicalizados e gramaticalizados estão, geralmente, longe de que a última seja fechada sob certas condições, geralmente abstratas e
se reduzir a questões de movimento. passíveis de exceção. As análises morfológicas geralmente distinguem
Daí decorre a pergunta: seria o gesto articulatório um primitivo entre verbos e não-verbos e condicionam o acento à posição do radi-
tão útil à Fonologia quanto tem sido, até agora, à Fonética? A respos- cal. Ambos os tipos de análise obrigam-se a desacentuar, i. e., a anular
ta, negativa, de certos críticos da FAR é precipitada porque se baseia parte da prosódia lexical, para estruturar ritmicamente sintagmas rela-
no argumento, vicioso, de que qualquer evidência contra o tratamento tivamente longos.
dinâmico de um processo fônico é evidência contra o modelo. Ignoram Uma maneira de reunir as vantagens e superar as desvantagens
dos dois tipos de análise é efetivamente eliminar o acento lexical. A
eles que existe uma outra alternativa, também compatível com a FAR,
abordagem alternativa baseia-se na noção de inacentuabilidade ou
que prescinde de operações dinâmicas on line. Trata-se de conceber os
repulsão do acento e permite combinar informações fônicas e grama-
processos em questão em termos de gestos quase simbólicos, conge-
ticais de maneira bastante natural e econômica.
lados, ou seja, lexicalizados. Considerando que, no PB, as vogais postônicas são, fonetica-
É perfeitamente possível postergar a questão se a dinâmica é mente, muito mais reduzidas que as pretônicas, pode-se explorar a
capaz de se auto-organizar simbolicamente a fim de, antes, demons- hipótese de que a redução constitua uma marca lexical, dinamicamente
trar que “símbolos” com uma dimensão espaço-temporal iluminam a interpretável, da inacentuabilidade. Diferentemente de um diacrítico
descrição fonológica. Dado que o gesto articulatório é, até agora, o que marque uma vogal ou uma consoante como extramétricas, um gesto
único primitivo fônico sujeito a mudanças de magnitude e/ou articulatório de magnitude por definição reduzida repele naturalmente o
sobreposição à medida que se desdobra no tempo e no espaço, cabe a acento, i. e., não pode acoplar-se a batidas rítmicas fortes e delas receber
previsão de que a gramática, assim como a fonética, seja sensível a maior duração e energia (modo como o acento frasal é implementado por
essas duas variáveis. Em outras palavras, teriam a sincronização e a modelos rítmicos como o de Barbosa, neste volume).
A final
A m edial
600 Kingston e Beckman, pp. 341-376.
____. 1992. Articulatory phonology: an overview.
700
Phonetica, 49 (3-4): 155-180.
Golçalves Viana, A. 1973. Estudos de Fonética portuguesa.
Lisboa: Imprensa Nacional.
800
15 00 1400 13 00 12 00 11 00 10 00 Kelso, S.; E. Saltzman; B.Tuller. 1987. The dynamical
F2 perspective on speech production: data and theory. Journal
Figura 1 - F1 e F2, em Hz, de [a, X]: tônico, postônico medial e postônico of Phonetics, 14, 1, 29-59.
final. KINGSTON, J.; M. Beckman. 1990. (orgs.). Papers in laboratory
phonology: between the grammar and the physics of speech.
Juntos, esses dois achados apontam para um comportamento Cambridge: Cambridge University Press.
ora categórico, ora gradiente, da redução vocálica. Na Figura 1, por MATEUS, M.H. 1983. O acento de palavra em português: uma nova
exemplo, há categorias claramente insinuadas: a postônica final situa- perspectiva. Boletim de Filologia, 28:211-229.
se, no espaço vocálico, entre a medial e a tônica, mas não se confunde MCCARTHY, J.; A. Prince. 1997. Generalized alignment. Manuscri-
com elas. É preciso, entretanto, lembrar que os logatomas em que se to Inédito. Rutgers Optimality Archive.
fizeram as medidas preenchiam a lacuna de uma frase-veículo e, por- NOLAN, F. 1999. The devil is in the detail. In: Ohala, J. ; Y. Hasegawa;
tanto, carregavam o acento frasal. Considerando que, conforme o ou- M. Ohala; D. Granville & A. Bailey. Proceedings of the XIVth
tro achado, a redução pode variar com o grau de acentuação da palavra ICPhS. Berkeley: University of California, vol. I, p. 1-8.
na frase, tem-se que os três tipos de vogal se multiplicam pelo número ZSIGA, E. 1997. Features, gestures, and Igbo vowel assimilation: an
de níveis possíveis na hierarquia prosódica, formando, no espaço approach to the phonology/phonetics mapping. Language,
vocálico, uma “nuvem” muito densa e difícil de discretizar. 73(2):227-274.
Para um modelo fonológico padrão, surge a pergunta: seriam os
alofones categorizáveis do nível fonológico e os não-categorizáveis do
nível fonético?
Para um modelo gestual na linha da FAR, essa pergunta não 5
Conforme a terminologia clássica: glides (semivogais), nasais, laterais e
existe. Só existe a pergunta se a redução tem ou não valor distintivo, róticos. Todos são representados por gestos reduzidos por estarem
gerando contrastes semelhantes aos propostos, há mais de um século, sujeitos a processos de enfraquecimento no PB.
RÉSUMÉ: Cet article propose un modèle de production du rythme de la parole doublement dynamique : un système avec oscillateurs syllabique
et accentuel couplés et un réseau connexionniste qui réalise l’interaction prosodie-segments. Ce modèle rend compte des caractéristiques universelles
et spécifiques à langue de la composante rythmique.
PALAVRAS-CHAVE: Análise do ritmo, Duração, Modelo de ritmo, Português brasileiro
Referências bibliográficas
ABSTRACT: The paper presents a comparison between two adults, native speakers of Brazilian Portuguese, for duration measures. The focus is the
vowel duration, although consonant, syllable and word durations are considered for discussion. Vowel duration is seen as the more variable among
all, due to the character of the vowel gestures
PALAVRAS-CHAVE: duração, vogal, fala adulta, português brasileiro
1. Considerações sobre a Coleta e a Análise dos Dados realiza a maior proeminência da sentença, uma vez que, mudanças no
Este trabalho apresenta uma comparação, para medidas de du- contorno de pitch, combinadas à maior ou menor distensão dos seg-
ração, entre a fala de dois sujeitos adultos, do sexo feminino, com mentos acústicos em posição de acento, poderiam intervir (Vogel,
idade média de 40 anos na época da coleta, ambos paulistanos e falan- Bunnell e Hoskins, 1995).
tes do português brasileiro como primeira língua. Apesar de o foco do Quanto à análise estatística2, de onde emergiram os resultados que
trabalho ser a duração da vogal, os sujeitos serão primeiramente com- serão aqui apresentados e discutidos, os dois sujeitos adultos foram com-
parados para a duração de segmentos acústicos correspondentes a parados entre si para a média e o desvio-padrão das diferenças de duração
consoantes, sílabas e palavras de diferentes extensões, como do mesmo tipo de segmento acústico (vogal, consoante, sílaba ou pala-
contraponto necessário à discussão da duração da vogal. vra), numa mesma posição de acento (início de sentença, pré-tônica 1,
A gravação que serviu de base à realização das medidas de duração pré-tônica 2, tônica, pós-tônica ou final de sentença). Assim, tomando
foi feita por técnicos de um estúdio profissional, numa sala relativamente como exemplo vogais na primeira pré-tônica, para cada uma delas foi
silenciosa, mas sem tratamento acústico, uma vez que teve lugar em uma calculada, primeiramente, a diferença entre sua duração na fala da profes-
escola municipal da cidade de São Paulo, porque da coleta faziam parte sora e sua duração na fala da pesquisadora e, a seguir, a média e o desvio-
crianças da faixa etária de 4 anos (Gama-Rossi, 1999)1. padrão das diferenças de duração. Por fim, um teste t, com nível de
As medidas de duração foram feitas em um corpus de 17 sen- significância previamente fixado para 5%, foi realizado para verificar se
tenças, cada uma delas enunciada primeiramente pela pesquisadora e havia diferenças significativas entre as falas de ambos os sujeitos.
repetida, na seqüência, pelo outro adulto (professora da classe das Alguns aspectos devem ser ressaltados quanto aos dados: (1) a
crianças de 4 anos que participaram da coleta), sendo que a ordem do normalização dos valores de duração, parâmetro acústico muito suscetí-
conjunto de sentenças foi aleatorizada antes de cada repetição do vel a variações de acento e de fronteiras (dentro de e entre sentenças), deu-
mesmo. As medidas foram realizadas com o auxílio do software CSRE se por meio da comparação entre os sujeitos para o mesmo tipo de
4.5 (AVAAZ, 1995), a partir de critérios estabelecidos com base na segmento acústico, na mesma posição de acento; (2) os valores das médi-
forma da onda e em fomant trackings (ou espectrogramas via análise as das diferenças de duração são expressos por meio de barras, para cada
LPC), gerados para o sinal de fala digitalizado. tipo de segmento acústico, em cada posição de acento. Quando a barra
A análise dos dados teve como inspiração a proposta em graus está acima do eixo da abscissa, a média das diferenças de duração do
de acento de Câmara (1969). Assim, a comparação entre os sujeitos segmento acústico foi maior na fala da professora, e obviamente, quando
foi feita para cada tipo de segmento acústico (vogal, consoante, sílaba a barra está abaixo do eixo da abscissa (valores negativos), na fala da
e palavra) em cada uma das posições de acento por ele ocupada dentro pesquisadora; (3) os valores dos desvios-padrão são expressos por meio
da palavra e/ou da sentença. Para tanto, os segmentos acústicos foram de linhas sobrepostas às barras; (4) cada gráfico mostra ainda, nas duas
demarcados para 7 posições de acento: início absoluto da sentença, últimas posições, as médias e os desvios-padrão das diferenças de dura-
primeira pré-tônica da palavra, segunda pré-tônica da palavra, tônica ção dos agrupamentos de (4a) todos os segmentos acústicos átonos (pré
lexical, pós-tônica e final absoluto da sentença. Os segmentos de iní- e pós-tônicas) e de (4b) dos segmentos acústicos em todas as posições de
cio e final de sentença (respectivamente, primeira e última sílabas) acento, respectivamente; (5) somente o gráfico referente às sílabas con-
foram analisados separadamente por estarem sujeitos ao alongamento tém a posição de “início de sentença”, uma vez que todas as sentenças
de fronteira maior (Fougeron e Keating, 1997). começavam com artigos definidos (segmentos acústicos correspondentes
As divergências em relação à proposta mattosiana (Câmara, a vogais), os quais foram analisados separadamente nessa posição.
op. cit.) na demarcação dos segmentos acústicos referem-se à: (1)
análise das pré-tônicas da palavra separadamente, uma vez que, du- 2. Resultados
rante a inspeção prévia dos dados, análises qualitativas em contornos Primeiramente, serão expostos os resultados de consoantes,
duracionais mostraram que as pré-tônicas variavam entre apresentar: sílabas e palavras, para, então, chegarmos às considerações sobre a
mesma duração, durações diferentes ou durações gradativamente cres- duração da vogal na fala de ambos os adultos aqui investigados.
centes em direção à realização do acento lexical sobre a tônica; (2)
análise da maior proeminência da sentença juntamente com os demais
acentos lexicais, uma vez que a observação dos contornos duracionais
mostrara que nem sempre havia concordância entre os sujeitos de que
o local da maior proeminência da sentença era o último acento lexical 1
Tese de doutorado realizada no LAFAPE-IEL-UNICAMP, sob a orienta-
mais à direita. Além disso, apenas com base em medidas de duração, ção da Dra. Eleonora Cavalcante Albano, com bolsa CNPq.
não seria possível concluir de modo definitivo algo sobre como se
2
Agradeço ao estatístico Paulo Rehder.
3
Por estabilidade, entenda-se a menor variação na distensão na duração de
segmentos acústicos em posição átona, os quais, de acordo com Barbosa
e Bailly (1994) constituem as batidas de referência na realização do ritmo.
4
Relembrando, o valor negativo significa que a média das diferenças de
duração foi 17ms maior na fala da pesquisadora.
ABSTRACT: The study investigates the dynamic nature of speech production through a study on induced speech errors. During transcription there
was an auditory impression of gradience in the production of such errors. The tendency to palatalize was evident in these substitutions. Acoustic
analysis, evaluates relevant parameters for the description of gradience in these errors.
PALAVRAS-CHAVE: erros de fala – representações fonológicas - palatalização
Materiais e métodos
O material para análise foi obtido através de um estudo experi- repetições corretas, e para os erros de fala que resultaram em substi-
mental de indução de erros de fala com trava línguas (Navas, 2000). A tuições.
lista para indução de erros foi elaborada a partir de 24 palavras dissílabas As figuras 2 e 3 apresentam valores das médias de amplitude
paroxítonas, combinadas aos pares, obedecendo ao padrão /s V1 CV/ para os intervalos de freqüências de 0 a 11KHz para os fonemas
- /S V2 CV/, ex: /sopa/ -/Sapa/ ou /z V1 CV/ - /Z V2 CV/, ex: /zito/ - / fricativos /s/ e /S/ e para as substituições de /s/ por / S/.
Zato/. Os 12 pares foram repetidos seis vezes para um total de 72
pares de palavras (18 pares na ordem /s/-/S/, 18 /S/-/s/, 18 /z/-/Z/, 18 /
Z/-/z/). A apresentação da lista-estímulo para repetição foi feita atra-
vés de gravador simples da Sony e fones auriculares. As respostas dos As figuras 4 e 5 apresentam valores de médias de amplitudes
sujeitos foram gravadas em gravador semi-profissional em aparelho para os intervalos de freqüências de 0 a 11KHz para os fonemas
de alta fidelidade Sony II Pro, com microfone unidirecional, em ambi-
ente silencioso. Foram selecionadas para esta análise as respostas de
apenas um informante (s1).
ABSTRACT: This paper studies the text as an act of discourse, that is, a text as an instrument of communication between two actors in a determined
situation. In this way the text must be seen, not as a product of an interation, but as a result of some strategies, that transform Languaje in Discourse.
PALAVRAS-CHAVE: Língua, discurso, texto, processo interativo.
ABSTRACT: This paper is an analysis of questions on the Portuguese language structures in undergraduate courses National Exams. It shows that
poorly written questions or instructions can lead to difficulties taking the exam, such as: a) allowing more than one interpretation of the question;
b) leading the student to incorrect conclusions; c) confusing the student’s understanding of the language concepts and underlying rules for special
situations.
PALAVRAS-CHAVE: Provão, Exame Nacional de Cursos, Língua Portuguesa.
RÉSUMÉ: Cette étude propose une reflexion a propos du systeme d’évaluation des cours de Lettres proposés par le Ministere de l’Education. Elle
vise l’analyse des aspects positifs et négatifs de ce systeme d’évaluation de l’education qui est composé par l’Examen Nacional des Cours et par
l’Évaluation des Conditions de Fonctionnement des Cours de Graduation.
PALAVRAS-CHAVE: Letras; sistema de avaliação; avaliação das condições de oferta do curso.
A graduação, diferentemente, da pós-graduação, que já é avali- pontuação e ponderação diferenciada de diferentes indicadores, que
ada há mais de duas décadas, carecia de um sistema de avaliação que buscam refletir a combinação de variáveis qualitativas e quantitativas,
também viesse contribuir para a melhoria de sua qualidade, a exemplo previamente discutidas pelas Comissões de Especialistas em Ensino
do que ocorre com os cursos de pós-graduação. que assessoram a SESu.
Nesse sentido, um dos primeiros passos dados foi a aprovação Com esse exame preliminar como pano de fundo, dedico-me
da Lei no 9.131, de 24 de novembro de 1995, que estabeleceu a neces- agora à questão central de minha intervenção: os aspectos positivos e
sidade de recredenciamento periódico das instituições, baseado na os negativos desse sistema de avaliação educacional.
avaliação do desempenho dos alunos e do conjunto da instituição. A Quanto aos aspectos positivos, é importante ressaltar que a
seguir, a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as criação de um sistema de avaliação para o ensino superior, em nível de
diretrizes e bases da educação nacional, deu uma contribuição efetiva graduação, tem contribuído de forma extraordinária para promover, na
à construção do complexo sistema de avaliação, uma vez que, além de sociedade brasileira, a consciência da necessidade que temos de exigir
provocar profundas transformações na educação superior, no país, qualidade e relevância das instituições responsáveis pela educação su-
estabeleceu (Artigo 9o, Inc. VI) a responsabilidade de a União, sob perior. Os reflexos dessa tomada de consciência já se fazem sentir, por
regime de cooperação com Estados, Distrito Federal e Municípios, um lado, na melhoria da qualidade dos cursos, por meio, por exemplo,
assegurar o processo nacional de avaliação do rendimento escolar, nos da (re)elaboração de projetos pedagógicos que buscam responder aos
três níveis de ensino – fundamental, médio e superior. desafios propostos à educação superior diante das profundas transfor-
Assim, com base no disposto nessas duas leis e no Decreto do mações que têm ocorrido na sociedade atual, no mercado de trabalho e,
Ministério da Educação (MEC) no 2.026, de 10 de outubro de 1996, conseqüentemente, no exercício profissional. Por outro lado, as insti-
que estabelece procedimentos para o processo de avaliação dos cur- tuições têm procurado, entre outras coisas, investir na qualificação do
sos e das instituições de ensino superior, foi criado o sistema de corpo docente, melhorar suas instalações e ampliar e atualizar seus
avaliação desse nível de ensino. Esse processo, iniciado em 1996, acervos bibliográficos e seus laboratórios. É inegável, pois, que a
compreende dois procedimentos: retroalimentação, resultado do processo de avaliação ora desencadeado,
a) o Exame Nacional de Cursos, Provão, realizado anualmente, tem vivificado o ensino de graduação.
desde 1996, com o objetivo de avaliar a qualidade do curso por meio Entretanto, passado o impacto inicial provocado pela implanta-
dos conhecimentos demonstrados pelos graduandos; ção do sistema de avaliação e o calor das críticas inflamadas, é hora de
b) a Avaliação das Condições de Oferta de Cursos de Gradua- rever critérios e de apresentar sugestões que possam levar ao aperfeiço-
ção, iniciada em 1997, com a finalidade de avaliar a qualidade acadêmi- amento do sistema. Nesse sentido, examino agora alguns pontos que me
ca dos cursos com base num conjunto de indicadores sobre o corpo parecem cruciais para o avanço do processo de avaliação.
docente, a organização didático-pedagógica e as instalações, especial- Em primeiro lugar, creio que um dos pontos problemáticos
mente bibliotecas e laboratórios. desse processo consiste na falta de informação suficiente acerca do
A Avaliação das Condições de Oferta, objeto de minha inter- próprio processo. Muitos coordenadores de curso de algumas das
venção nesta mesa, é uma avaliação in loco, que dura em média dois instituições visitadas não tinham, até a visita da comissão, uma idéia
dias e é realizada por comissões compostas, normalmente, de dois clara do que é a Avaliação das Condições de Oferta e de como ela se
docentes que integram o cadastro de especialistas ad hoc da Secretaria realiza. O roteiro prévio de coleta de informações que visa a otimizar
de Educação Superior (SESu). No que concerne à Avaliação das Con- o trabalho dos avaliadores no momento da visita nem sempre dá o
dições de Oferta, o MEC tem como meta submeter, anualmente, a resultado esperado, uma vez que dá margem, por exemplo, a uma
essa avaliação todos os cursos que já participaram do Provão. dupla interpretação no item disciplina específica da habilitação refe-
O processo de Avaliação das Condições de Oferta ora em de- rida no relatório. Alguns professores interpretaram disciplina espe-
senvolvimento obedece a uma metodologia comum a todas as áreas do cífica como sendo todas as disciplinas da graduação, excetuando-se
conhecimento. Contudo, os procedimentos e os instrumentos respei- aquelas consideradas pedagógicas, no caso das licenciaturas. Outros,
tam a diversidade e as especificidades das áreas dos cursos examina- por sua vez, entenderam disciplina específica como sendo todas as
dos. disciplinas ofertadas no curso.
Aos três itens avaliados (Qualificação do Corpo Docente, Or- Para os especialistas ad hoc, membros das comissões de avali-
ganização Didático-Pedagógica e Instalações) podem ser atribuídos os ação, também faltaram alguns esclarecimentos com relação à produ-
seguintes conceitos: CMB – condições muito boas; CB - condições ção científica dos docentes: as publicações no prelo devem ou não ser
boas; CR – condições regulares ou CI – condições insuficientes. O consideradas.
conceito final de cada um desses itens é o resultado da combinação de O item titulação do docente também gerou discordâncias e crí-
ABSTRACT: This paper is a reflection on the methodology employed in the elaboration of the Literature questions in the Provão, from 1998 to 2000,
in the light of the abilities required for the interpretation of literary texts, their link with the culture of the period and their relation to other types of
discourse.
PALAVRAS-CHAVE: literatura, metodologia, interpretação, análise
O Exame Nacional de Cursos - o Provão -, como mecanismo árcade, a partir do poema Marília de Dirceu; as questões 23 e 24
integrante do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior - no abarcam o movimento romântico no Brasil sob o enfoque da poesia e
tocante ao Curso de Letras e, mais especificamente, às questões do romance; a questão 25 retoma uma cena de Dom Casmurro, ícone
relativas à Teoria da Literatura, Literatura Brasileira e Literatura do Realismo brasileiro; a questão 26 já se insere no Modernismo, na
Portuguesa, tem se revelado, ao longo desses três últimos anos (1998, sua primeira geração, com a sondagem sobre Macunaíma. Já as ques-
1999 e 2000), desde que foi implantado, equânime quanto ao perfil tões 27 a 33 abarcam as gerações seguintes do Modernismo, com
do graduando que procura compor, pressupondo as seguintes capa- exceção da questão 30 que se dirige à poesia de Manuel Bandeira. O
cidades: mesmo se verifica quanto às questões sobre Literatura Portuguesa,
“a) apreensão crítica das obras literárias, por meio do contato compartimentadas em seus respectivos movimentos histórico-literá-
direto com elas, e também pela mediação de obras de crítica e de teoria rios.
literárias; b) estabelecimento e discussão das relações dos textos lite- Não se evidencia, portanto, no Exame de 98, aprimoramento na
rários com outros tipos de discurso e com os contextos em que se elaboração das questões, na medida em que não trabalham a
inserem; c) relacionamento do texto literário com os problemas e con- interdisciplinaridade, com a relação direta entre língua e literatura, e a
cepções dominantes na cultura do período em que foi escrito e com os intertextualidade, com o diálogo profícuo entre os textos literários
problemas e concepções do presente.” (MEC, 1998: 9) brasileiros e portugueses coetâneos ou não. Afora essa divisão estan-
Quanto ao programa exigido a partir dos conteúdos curriculares que, a maioria das questões não suscita a reflexão a partir de fragmen-
dos Cursos de Letras, poucas são as diferenças entre os exames reali- tos das obras indicadas ou dos poemas recomendados para a leitura.
zados em 98, 99 e 2000. As mais significativas mudanças se verificam São objetivas demais para despertar uma atitude reflexiva e raciocina-
quando da indicação das obras e dos autores a serem enfocados nas da sobre a arte literária. Um exemplo claro dessa pobre visão da
questões concernentes à área da literatura. Assim, do elenco de obras literatura é a questão 37, assim formulada:
apresentado nesses três anos, 21 (vinte e uma) se repetem de um total “37 - Amor de perdição é uma obra tipicamente romântica,
de 27 (vinte e sete) obras em 1998; 28 (vinte e oito) em 1999 e 36 porque nela Camilo Castelo Branco valoriza
(trinta e seis) em 2000. Esse relativo aumento da indicação de obras (A) o sentimento nativista e o nacionalismo, presentes na recusa de
em 2000, em relação aos dois anos anteriores, representa igualmente Simão e Teresa em fugirem de Portugal, apesar de perseguidos pela
maior número de questões, dentre as 40 (quarenta) de múltipla esco- justiça.
lha com enfoque sobre a literatura. Já no que se refere às questões (B) a natureza, como fonte de vida e inspiração, em que Simão se
discursivas, duas obrigatoriamente, das 4 (quatro) sugeridas, se diri- refugia, no final da obra, quando não pode mais ter acesso à Teresa.
gem ao âmbito literário; isso desde o primeiro exame. (C) os valores espirituais do Cristianismo, a que Simão se apega
Dentre as obras referenciadas nos três exames estão os clássi- quando é condenado ao degredo.
cos: Iracema, de José de Alencar; Macunaíma, de Mário de Andrade; (D) o mundo das paixões, o excesso de sentimentos, evidentes no
Dom Casmurro, de Machado de Assis; as obras poéticas de Carlos modo violento como Simão assassina Baltazar Coutinho.
Drummond de Andrade, Fernando Pessoa e os Sermões, do Padre (E) a noite e o mundo sobrenatural, presentes como cenário ao longo
António Vieira; além de Os Lusíadas, de Luís de Camões e O crime do de todo o drama passional.” (MEC, 1998: 27)
Padre Amaro, de Eça de Queirós. Uma das novidades da lista de obras Já o Exame de 99, diferentemente do ano anterior, aborda o
para o Exame de 2000 foi o gênero crônica com o livro Ai de ti, contexto literário não mais com base em uma visão estritamente cro-
Copacabana, de Rubem Braga. nológica dos movimentos estéticos; tanto é assim que entremeia obras
Relativamente ao conteúdo de Literatura nos Exames, é pos- modernistas a obras do Romantismo e do Realismo, com a inclusão de
sível constatar que, nos dois primeiros, os de 98 e 99, respectivamen- alguns fragmentos, como a questão 25 que suscita a análise de A hora
te, o número de questões que tratam do universo literário é o mesmo, da estrela, de Clarice Lispector ou como nas questões 29, 35, 37 e 40,
impondo uma separação bem nítida entre o conteúdo de língua portu- em que se destacam poemas inteiros para análise e reflexão.
guesa e lingüística e o que compete à literatura de expressão portugue- Infelizmente a questão 38, que trata da abordagem do roman-
sa. Isso se evidencia mais fortemente no Exame de 98 quando da ce queirosiano, colocou em destaque não a obra O crime do Padre
referência quase que cronológica às obras da fortuna crítica da Litera- Amaro, conforme indicado no programa de Literatura Portuguesa,
tura Brasileira e Portuguesa, reportando-se aos movimentos ou esté- mas a obra A relíquia, o que incorreu num grave deslize, dada a exigên-
ticas literárias e seus respectivos representantes. cia da leitura previamente divulgada de O crime do Padre Amaro.
Assim, a questão 21 abrange a estética barroca com a figura de Em síntese, tal como o ocorrido no Exame de 98, as questões
Gregório de Matos; a questão 22, Tomás Antônio Gonzaga, poeta de literatura de expressão portuguesa do Exame de 99 permaneceram
ABSTRACT: This paper is a reflection on the professional profile of graduate of Letras, according Proposta para Elaboração das Diretrizes
Cuirriculares do Curso de Letras.
PALAVRAS-CHAVE: Letras; perfil profissional; mercado de trabalho.
Dando continuidade a esta reflexão sobre o sistema de avaliação O Ministro de Estado da Educação, Paulo Renato Souza, bai-
dos cursos de Letras, criado pelo MEC e composto do Exame Nacio- xou a Portaria no 11, de 4 de janeiro de 2001, que, baseada nas idéias
nal de Cursos e da Avaliação das Condições de Ofertas de Cursos de apresentadas na Proposta de Diretrizes Curriculares para o Curso de
Graduação, tratarei aqui, agora, do perfil do profissional de Letras, Letras, estabelece os objetivos do Exame Nacional de Cursos e deter-
notadamente no que diz respeito às capacidades, competências e ha- mina os procedimentos para sua realização, neste ano de 2001, em sua
bilidades, adquiridas durante sua formação acadêmica tanto no ambi- quarta edição. Quanto aos aspectos das capacidades, das competênci-
ente escolar quanto fora dele. as e das habilidades, a Portaria contém o seguinte:
Tanto a Avaliação das Condições de Ofertas de Cursos de Gra- Art. 1° O Exame Nacional de Cursos, parte integrante de um
duação quanto o Exame Nacional de Cursos tomam como um dos amplo processo de avaliação das instituições de ensino superi-
documentos orientadores básicos a Proposta para Elaboração das or, no que se refere a Letras, terá por objetivos:
Diretrizes Curriculares. A Proposta de Diretrizes Curriculares para o a) contribuir para a avaliação das instituições de ensino superior
Curso de Letras considera “os desafios da educação superior diante que ministram cursos de graduação em Letras, no intuito de pos-
das intensas transformações que têm ocorrido na sociedade contem- sibilitar ações permanentes voltadas para a melhoria da qualidade
porânea, no mercado de trabalho e nas condições de exercício profis- do ensino ministrado;
sional.”. Por isso, concebe a Instituição de Ensino Superior “não ape- b) integrar um processo de avaliação continuada da formação
nas como produtora e detentora do conhecimento e do saber, mas, pessoal e profissional do graduado em Letras;
também, como instância voltada para atender às necessidades c) fornecer elementos que possam contribuir para a discussão
educativas e tecnológicas da sociedade. Ressalta-se, no entanto, que a do papel do profissional de Letras na sociedade brasileira;
Universidade não pode ser vista apenas como instância reflexa da d) avaliar em que medida os cursos de Letras estão formando
sociedade e do mundo do trabalho. Ela deve ser um espaço de cultura profissionais dotados de repertório cultural e metalingüístico
e de imaginação criativa, capaz de intervir na sociedade, transforman- que lhes permita operar com diferentes questões e problemas
do-a em termos éticos.”. de linguagem e atuar como multiplicadores.
Portanto, para o Ministério da Educação (MEC), o perfil do Art. 2° Tendo como pressuposto que o graduando em Letras
profissional deve estar em consonância com o objetivo do Cursos de deverá demonstrar capacidade de utilizar os recursos da língua
Letras, que é “formar profissionais interculturalmente competentes, oral e escrita, de articular a expressão lingüística e literária com
capazes de lidar, de forma crítica, com as linguagens, especialmente a os sistemas de referência em relação aos quais os recursos ex-
verbal, nos contextos oral e escrito, e conscientes de sua inserção na pressivos da linguagem se tornam significativos e de desempe-
sociedade e das relações com o outro.”. nhar o papel de multiplicador, o Exame Nacional do Curso de
A Proposta de Diretrizes Curriculares para o Curso de Letras Letras de 2001 tomará como referência o seguinte perfil para o
ainda sugere: graduando:
Independentemente da modalidade e da habilitação escolhidas, o a) capacidade de organizar, expressar e comunicar o pensamento
profissional em Letras deve ter domínio do uso da língua ou das em situações formais e em língua culta;
línguas que sejam objeto de seus estudos, em termos de sua estrutu-
b) domínio teórico e descritivo dos componentes fonológico,
ra, funcionamento e manifestações culturais, além de ter consci-
ência das variedades lingüísticas e culturais. Deve ser capaz de morfossintático, léxico, semântico e pragmático da língua por-
refletir teoricamente sobre a linguagem, de fazer uso de novas tuguesa;
tecnologias e de compreender sua formação profissional como c) domínio de diferentes noções de gramática e (re) conheci-
processo contínuo, autônomo e permanente. A pesquisa e a ex- mento das variedades lingüísticas existentes e dos vários níveis
tensão, além do ensino, devem articular-se neste processo. O e registros de linguagem;
profissional deve, ainda, ter capacidade de reflexão crítica sobre d) capacidade de analisar, descrever e explicar, diacrônica e
temas e questões relativas aos conhecimentos lingüísticos e literá- sincronicamente, a estrutura e o funcionamento de uma língua, em
rios.
particular da língua portuguesa;
e) capacidade de analisar criticamente as diferentes teorias que
Abordadas essas idéias iniciais, sistematizadas pela Comissão de
fundamentam as investigações de língua e de linguagem;
Especialistas de Ensino para o Curso de Letras, examino, agora, a forma
f) domínio ativo e crítico de um repertório representativo de
de verificar se tais idéias estão sendo desenvolvidas a contento, no sentido
literatura em língua portuguesa e capacidade de identificar rela-
de obter respostas significativas que permitam avaliar os Cursos de Le-
ções intertextuais com obras de literatura universal;
tras existentes no país. Para tanto, passarei, agora, a examinar, sob os
g) domínio do conhecimento histórico e teórico necessário para
aspectos dos objetivos, das competências, das capacidades e das habili-
refletir sobre as condições sob as quais a expressão lingüistica
dades, um recente documento normatizador legal emitido pelo MEC.
ABSTRACT: The prefixal intensification has merited little attention from studentes of Semantic. This work demonstrates the persuasive force of the
intensification by analysing of intensive prefixed in Salvador oral language.
PALAVRAS-CHAVE: Língua portuguesa; Semântica.
O assunto abordado aqui está inserido numa pesquisa maior que consideram a prefixação um processo de composição. Opinião
(LOPES: 2000) que tem por alvo descrever os processos de intensifica- melhor parece ser a daqueles que consideram a prefixação uma moda-
ção encontrados na língua falada por informantes cultos de Salvador, lidade de derivação, dentre os quais se incluem ROCHA LIMA (1972:
tomando como corpus doze inquérios reunidos na obra organizada por 173), CUNHA & CINTRA (1985: 83-84) e BECHARA (1999: 357),
MOTA & ROLLEMBERG (1994). Por outro lado, ao eleger como em razão da ponderação de que, embora os prefixos não sejam capa-
objeto de pesquisa a intensificação, situa-se no âmbito da Análise do zes de realizar uma mudança de categoria, como ocorre com alguns
Discurso, e, neste, mais especificamente, nos estudos da enunciação e sufixos em determinados casos (ex.: digno à dignidade), são, por natu-
da argumentação. reza, morfemas presos cons-tituintes das palavras, visto que não so-
Por processos de intensificação prefixais entende-se todos os brevivem fora delas, como é o caso do prefixo HIPER- em hiperten-
mecanismos lingüísticos constituídos de gramemas presos são, salvo se vierem a sofrer um processo de lexicalização, a exemplo
posicionados antes de uma base lexemática que, numa determinada de manteiga extra, o que é algo incomum e bem diferente do que
situação enunciativa, podem funcionar como operadores da intensida- acontece com a esmagadora maioria dos prefixos.
de por transferência de sentido (hiperacidez) ou por natureza Ainda sobre os prefixos, convém observar que, assim como
(microfilme). Tais intensificadores se caracterizam ainda por expres- ocorre com os processos analíticos de intensificação, eles se prestam
sarem, respectivamente, uma visão global ou relativa do locutor. menos à expressão da emotividade do que os sufixos. Diz
A diferença entre os gramemas presos prefixais por natureza e SANDMANN (1988: 161) que “o emprego crescente dos prefixos de
os por transferência de sentido está em que, enquanto os primeiros aumento e diminuição macro-, maxi-, mega-, micro- e mini- [...] deve-
sempre expressaram a noção de grau, como é o caso do prefixo se provavelmente ao fato de serem emocionalmente mais neutros do
MICRO-, que tem o sentido de pequeno em microfilme (= filme que os sufixos de grau [...]”.
pequeno, reduzido), os últimos, originalmente portadores do sentido Por outro lado, RIO-TORTO (1987), apud CARREIRA (1997:
de localização, só posteriormente é que passaram a expressar a noção 182), fazendo um estudo acerca das estruturas morfo-lexicais da in-
de intensidade, como é o caso do prefixo HIPER- (de origem grega, tensificação no português contemporâneo, “considère que la
com o sentido de posição superior) que, por transferência semântica, suffixation et la préfixation font partie de la sémantique lexicale et
toma o sentido figurado de alto grau em hipermercado (= mercado envisage différents niveaux d’intensification selon une échelle de
enorme). gradation”. E depois menciona “quatre zones d’évaluation (diminutive-
Cabe esclarecer ainda que, a depender do caso, tais intensificadores atténuative, augmentative-intensive, superlative, excessive)” (Ibid.).
podem vir não-integrados, a exemplo de ultra-rápido, em que o A reflexão acerca dos prefixos conduz inevitavelmente à con-
intensificador é o próprio prefixo; ou integrados na base, a exemplo de clusão de que eles têm um comportamento similar ao dos adjetivos, de
super-secretária, como se vê, respectivamente, nos seguintes exemplos: modo que podem, inclusive, se organizar também em séries gradativas
através das quais expressam diversos níveis de intensificação, como
(1) Este trem é ultra-rápido (= extremamente rápido). se verifica na série “HIPER-, SUPER-, SEMI-, SUB-” exemplificada
(2) Esta é uma super-secretária (= demasiadamente boa se- em “hiperdesenvolvido ← superdesenvolvido, semidesenvolvido, sub-
cretária). desenvolvido” e que corresponde, respectivamente, aos graus de in-
Em (1), o prefixo ULTRA-, com o sentido original de ultrapas- tensidade máximo, superior, aproximativo-inferior e inferior, ilus-
sagem em relação a uma norma, a um limite (de velocidade, nesse trados na seguinte escala:
caso), passa a traduzir a noção de intensidade elevada em relação à
base (rápido) exterior a ele, razão pela qual se diz não-integrado.
Por outro lado, em (2), o prefixo SUPER-, com o sentido origi- + + – hiperdesenvolvido (=muitíssimo desenvolvido)
nal de posição superior, assume o sentido figurado de alto grau. Toda-
via, cabe observar que, nele, encontram-se a base (boa), como um dos + – superdesenvolvido (= muito desenvolvido)
seus semas, e, implícito, o intensificador (demasiadamente), razão
pela qual se diz integrado.
Antes, porém, de prosseguir na apreciação dos gramemas pre- 0 – desenvolvido
sos prefixais, uma questão deve ser colocada como pré-requisito para ^
a abordagem desse assunto, que é a de ser ou não prefixo o que aqui se
^ semidesenvolvido (= quase desenvolvido)
denomina prefixo, levando-se em conta o fato de não ser pacífica a
^
posição de se considerar o prefixo um morfema preso capaz de operar
a derivação, problema esse inexistente em relação aos sufixos e que - – subdesenvolvido (= pouco desenvolvido)
tem a ver com os processos de formação das palavras. Sobre essa
questão, não é sensato concordar com PEREIRA (1926), BUENO Os prefixos serão amplificadores quando funcionarem como
(1958) e J. J. NUNES, apud ROCHA LIMA (1972), dentre outros, modificadores capazes de aumentar a noção contida na base de forma
(4) INF Então, existem as máquinas de oito milímetros; geral ( 6) INF O clima é tropical no Brasil. Agora, clima tropical... eh...
mente essas de oito milímetros são usadas mais em casa, talvez semi-úmido, talvez, não sei, na região amazô-
ou naqueles fil... naqueles cinemas antigos, né? Depois, nica, talvez... eh... úmido, mas úmido não no sentido,
dezesseis milímetros, que há pouco tempo também era vamos dizer, de umidade... – não sei, talvez eu não
usada em cinemas. E agora as mais modernas são seten seja... não... não poss... não... não esteja me expres-
ta milímetros, que muitos até usam para aquelas telas sando bem –, mas úmido no sentido de umidade que
superpanorâmicas, pra dar idéia até do... terceira dimen dá lugar a suor e tal, no tempo de sol, aqui na área de
são, que na realidade não é terceira dimensão, né... Nordeste.
(INQ138, INF167, p.55-56, LINHAS 265-274) (INQ 135, INF164, p.130, LINHAS 81-88)
(5)INF Outro jogo que envolve animais é um quarteto, que Em “semi-úmido”, percebe-se que o grau de comprometimento
pode ser de animais. Eu tive um sobre os compositores do locutor acerca da umidade do clima é atenuado pelo prefixo SEMI-,
e que era super difícil nós dizermos aqueles nomes to que traduz a noção de um clima que não é úmido nem seco, mas quase
dos, quando nós nem falávamos português correto, ima úmido. A rigor, o prefixo supracitado (semi-) não marca com nitidez o
gine dizer os nomes em alemão; mas existe com ani grau de umidade, por estar situado numa zona medial imprecisa da
mais. escala gradativa próxima do grau médio. Entende-se aqui por grau médio
(INQ125, INF151, p.84, LINHAS 521-527) o ponto intermediário da escala, mais ou menos equidistante dos graus
superior e inferior. Outrossim, a imprecisão do sufixo SEMI- é acentu-
Em (3), o prefixo SOBRE-, aplicável a uma base pronominal ada aqui pela própria vacilação do informante, manifesta na sua insegu-
(tudo), resulta no intensificador sobretudo, sinônimo de especialmen- rança quanto à classificação do clima do Brasil.
te, principalmente, acima de tudo. Sendo assim, dizer que “Essa (a Os prefixos atenuadores minimais se caracterizam por situa-
Sociedade Brasileira de Química) congrega, [...], sobretudo, os quími- rem a intensificação no extremo inferior da escala gradativa básica e
cos e os engenheiros químicos”, corresponde a dizer que a Sociedade poderem se subdividir em prefixos atenuadores minimais de grande-
RÉSUMÉ: Le travail ici présenté analyse la variation linguistique selon la dimension diaphasique (les styles ‘réponses aux questions du questionnaire’
et ‘conversation libre’). Les données en examen appartiennent à 12 interviewes accomplies, à titre expérimental, dans le cadre du Projet Atlas Lingüístico do Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Variantes Fônicas, Variantes Diafásicas, Atlas Lingüístico do Brasil.
Voltada inicialmente para a investigação da diversidade espa- dos — o de escolaridade 1 (até a 4a. série do ensino fundamental) e o
cial, a geolingüística, sem deixar de lado o caráter prioritário da varia- de escolaridade 3 (universitária) — distinguem-se pelo desempenho
ção diatópica, que a distingue essencialmente dos estudos de natureza lingüístico que apresentam, o que parece relacionar-se com o modo
sociolingüística, tem incorporado outros parâmetros como o diastrático, pelo qual se encontram inseridos no mercado ocupacional, conforme
o diageracional, o diassexual (ou diagenérico) e o diafásico. O desen- quadros a seguir:
volvimento dos estudos geolingüísticos vem mostrando não só a im-
portância da inclusão desses outros parâmetros, como também as
inter-relações entre eles, de tal modo que, freqüentemente, uma varia-
ção diatópica ou diageracional é vista como diastrática pelos falantes
de outras áreas ou de outro grupo e uma variação diastrática assume
feição diafásica no registro coloquial de indivíduos de alto grau de
escolaridade.
Abordamos, nesta comunicação, a variação diafásica, no nível
fônico, documentada em inquéritos experimentais realizados dentro
dos princípios metodológicos previstos para o Atlas Lingüístico do
Brasil (ALiB).
Para a depreensão da variação diafásica prevê-se, na metodologia
do AliB, o registro não só das respostas a questões previamente
elaboradas, nos questionários destinados à apuração das variantes
fônicas (QFF), semântico-lexicais (QSL) ou morfológicas (QMS), que
se apresentam em um tipo de diálogo assimétrico e que ocupam a
maior parte da interação informante/documentador1, mas também o
de outros tipos de discurso. Esses outros tipos são: (a) o discurso
livre do informante, em elocuções mais descontraídas e mais coloqui-
ais, sobre um momento marcante de sua vida, a sua avaliação a respei-
to da atuação política de um governante, a descrição do seu próprio
trabalho ou o relato de um fato de seu conhecimento, temas que lhes
são sugeridos já ao final do inquérito, quando a tensão ou a desconfi-
ança iniciais desapareceram e, em geral, estabeleceu-se uma interação
mais próxima da situação normal de fala; (b) a descrição de gravuras
que são apresentadas no Questionário Morfossintático para o regis-
tro de formas plurais que apresentem variações importantes; e c) a
leitura de um texto, ao final do inquérito.
Embora restritos a fatos de natureza fônica ou morfossintática, Destacam-se, no 1º grupo, principalmente os informantes 11
esses diferentes tipos de registro podem fornecer elementos impor- (que exerce, na UFBA, a função de cozinheira e professa a religião
tantes para análise da variação diafásica, conforme tem sido observa- evangélica) e 12 (que, apesar de não haver concluído a 5a. série do
do nos inquéritos experimentais que vêm sendo realizados por diver- ensino fundamental, foi casado com uma pessoa de nível universitá-
sas equipes integrantes do Projeto ALiB, com o objetivo de formar rio, com quem trabalhou durante muito tempo).
inquiridores, testar a metodologia de recolha de dados e aperfeiçoar o No grupo 2, as universitárias identificadas como informantes
próprio questionário. 13 (dentista) e 17 (doutoranda) distinguem-se das que se identificam
Selecionamos para essa comunicação doze inquéritos experi- como 09 e 10, a primeira já fora do mercado ocupacional e a segunda,
mentais realizados na Bahia, em 1999 e em 2000: oito a informantes trabalhando como professora primária, em colégios públicos. Na fala
que cursaram até a 4a. série do ensino fundamental — quatro em
Salvador e quatro em Santo Amaro — e quatro a informantes
soteropolitanos, de nível universitário2. Esses informantes, de acordo 1
Cf. AGUILERA, Vanderci, ARAGÃO, Maria do Socorro, CARDOSO,
com a metodologia do ALiB, distribuem-se pelos dois gêneros e pelas Suzana, MOTA, Jacyra, KOCH, Walter, ZÁGARI, Mário Roberto. Atlas
duas faixas etárias — a primeira, de 18 a 30 anos — e a segunda, de 50 Lingüístico do Brasil Questionários. Londrina, UEL, 1998.
a 65 anos. 2
Os inquéritos foram realizados, com nossa orientação, pelas estudantes
Apesar de terem o mesmo grau de escolaridade formal, obser- bolsistas de IC-UFBA: Letícia Magalhães, Lair Farias de Aragão e Sira de
va-se que alguns informantes de cada um dos dois grupos considera- Souza Borges.
Abstract: The Linguistic Atlas of Brazil - ALIB Project, now at the beginning , intends to show that dialectology today is not merely geolinguistics,
as it was considered until a few years ago, studying only the regional or diatopics variations, that produce only monodimentional, monostratics,
monogeracional and monofasics results, as ELIZAINCIN and THUN (1992: 128-9) say, but also studies the social and stylistics causes that
determine the regional variations.
In this work, we will analyze some aspects the diastratics or sociocultural variations concerning school level and register found in the experimental
inquiries done in two states in the northeastern region of Brazil, Paraíba and Ceará.
Palavras-Chave: Dialetologia, Geolingüística, Variação social
Introdução
A pesquisa para a elaboração do Atlas Lingüístico do Brasil - social group in a different area than to people from a
AliB, seguindo as orientações das pesquisas dialetais e different social group in the same area.3
sociolingüísticas atuais, está levando em consideração não apenas os Para Chambers e Trudgill (1980:54) não pode haver dialeto
aspectos diatópicos ou regionais, mas, ao mesmo tempo, os aspec- social sem o regional pois todos os falantes têm uma background social
tos diastráticos, diafásicos, diageracionais, diassexuais e diacrônicos, mas têm, também, uma localização regional. Em suas palavras:
abrangendo, deste modo, a realidade lingüística e extra-lingüística do All dialects are both regional and social, since all
falante da Língua Portuguesa. speakers have a social background as well as a regi-
Esta Mesa-Redonda pretende mostrar que a Dialetologia atual onal location.4
não é uma mera Geolingüística, como se considerava até alguns anos Se tomarmos a definição de variável lingüística dada por Calvet
atrás, com o estudo, somente, das variações regionais ou diatópicas, (1997: 76) teremos que ela ocorre quando:
que produzia apenas resultados monodimensionais, monostráticos, ...deux formes différentes permettent de dire ‘la même
monogeracionais e monofásicos, no dizer de ELIZAINCÍN e THUN chose’, c’est-à-dire lorsque deux signifiants ont lê
(1992: 128-9), mas que estuda, também, as causas sociais e estilísticas même signifié [...] mais lê probléme est alors de savoir
que determinam as variações regionais, pois: à quelle fontion correspondent ces différentes formes.
“... el Atlas lingüístico tiene la obrigación y es además Et c’est là que commencent lês difficultés...5
capaz de dar uma imagen de la multidimensionalidad y Assim, a forma não terá tanta importância, mas, sim, a função
de las interrelaciones de los fenómenos variacionales”1 que ela possa exercer, quer lingüística quer socialmente. Esta é uma das
O corpus do AliB, constituído por informantes que têm as grande funções da sociolingüística: analisar o tipo de correlação entre as
mesmas características socioculturais de idade, sexo, profissão, esco- variantes lingüísticas e as categorias sociais dos grupos sociais em ob-
laridade, além de diferentes registros de fala para todo o país, confere servação. Mas, como afirma Calvet (1993: 81):
uma grande uniformidade ao material com o qual trabalharemos. ... cette distiction et fragile, car lês attitudes et les
Neste trabalho analisaremos alguns aspectos da variação sentiments linguistiques font que des caractéristiques
diastrática ou sociocultural no que diz respeito ao nível de escolarida- regionales peuvent être perçues socialement.6
de e ao registro, detectados nos inquéritos experimentais realizados Porém é importante que possamos fazer a distinção entre a
em dois estados da região nordestina do Brasil, Paraíba e Ceará, ao chamada variação intra-lingüística: a que se manifesta no uso e nas
mesmo tempo que minhas colegas falarão sobre os demais tipos de estruturas de um mesmo sistema e a variação inter-lingüística: a que
variação encontrados nos inquéritos experimentais do AliB em outras existe entre os próprios sistemas. Garmadi (1981: 26).
regiões do país. Em vez de falar em atitude lingüística, como Calvet, Garmadi
prefere falar em “afetação funcional”, ou seja, como as atitudes lin-
1. Variação diatópica e variação diastrática - considera- güísticas e os julgamentos de valores que a elas são associadas, afetam
ções teóricas o funcionamento da língua. O autor diz, também, que:
Para analisarmos a variação diastrática, no âmbito da dialetologia Il serai donc scientifiquement utile de pouvoir disposer
e da geolingüística, é necessário que se defina, rigidamente, ambos os d’une terminologie permettant de dissocier la varieté
campos de atuação. Assim, a definição de Wardhaugh (1992:46) nos lingusitique de son affectation fonctionelle et dês jugements
parece clara: de valeur qui sont attachés à celle-ci.7
Whereas regional dialects are geographically based, so- Sobre o caso da função, Sankoff acha que forma e função estão
cial dialects originate among social groups and depend sempre em distribuição complementar e que o problema é o conceito
on a variety of factors, the principal ones apparently
being social class, religion, and ethnicity.2
Mas, ao analisarmos o problema da variação regional em rela-
1
THUN, H. et al. El atlas lingüístico diatópico y diastrático del Uruguay.
Presentación de un proyeto. Iberoromânia, 3. Tübingen: 26-62, 1989,
ção à variação social, muitos problemas e muitas dúvidas surgem
p.28.
quanto aos limites de cada tipo de variação. Onde termina uma e onde 2
WARDHAUGH, R. An introduction to sociolinguistics. Oxford/Cambridge:
começa a outra. Qual a prevalência de uma sobre a outra, são questões Blackwell, 1992, p. 46.
que surgem aos primeiros estudos. 3
HUDSON, R.A. Sociolinguistics. Cambridge: Cambridge University Press,
Hudson (1980:43) diz que os dialetólogos falam de dialeto 1980, p. 43.
social ou socioleto para se referir às diferenças que não sejam regio- 4
CHAMBERS, J. K. et TRUDGILL, A. Dialectology. Cambridge: Cambridge
nais. Acrescentando que: University Press, 1980, p. 54.
Because of these factors, a speaker may show more
5
CALVET,L-J. La sociolinguistique. Paris: PUF, 1993, p.76.
6
CALVET,L - J. op. cit p. 81.
similarity in his language to people from the same 7
GARMADI,J. La sociolinguistique. Paris: PUF, 1981, p. 29.
Introdução dimensão social mas também política à vida nacional a qual, por certo,
Trato, nesta comunicação, de aspectos da variação do português se faz acompanhar de mudanças lingüísticas, cuja extensão ainda não
brasileiro, observando, especificamente, a relação entre fenômenos pôde ser plenamente avaliada.
lingüísticos e a variável gênero. Com esse entendimento, examino um conjunto de inquéritos
À guisa de introdução, mister se faz assinalar que a preocupação experimentais, descritos e identificados mais adiante, com vistas à ob-
com fatores sociais na pesquisa dialetal não se constitui em novidade do servação da variável gênero.
mundo contemporâneo, mas já foi objeto de consideração nos primórdios
da Dialectologia como ramo de estudo sistemático da variação lingüísti- O projeto ALIB e a variável gênero
ca. Fato ilustrativo está na atitude assumida por Millardet e pelo Abbé A metodologia do Projeto ALiB, como tem sido divulgado em
Rousselot, para me ater a duas citações exemplificativas (CARDOSO, diferentes momentos, contempla, para o estabelecimento da escolha
2000). O primeiro elege informantes jovens e informantes mais velhos de informantes, além do controle da variação diatópica, o referente a
do que advém a vantagem de, como afirma, saisir sur le vif, dans le variáveis sociais, sobre o que se debruça esta mesa-redonda. Dessa
même pays et la même famille, différentes étapes d’une transformation forma, passo a tratar da variável de gênero na tentativa de que,
linguistique (Apud POP, 1950, p. 325). O segundo considera o conhe- descrevendo fatos e fenômenos, venha a obter uma visão, ainda que
cimento da idade dos informantes indispensável, a fim de permitir com- preliminar e parcial, do comportamento dessa variável em dados
parar a fala dos mais jovens à dos mais velhos: geolingüísticos, colhidos, de forma experimental, para o atlas do
La connaissance de l’âge des sujets observés est Brasil.
indispensable afin de pouvoir comparer les divergences São tomadas para exame duas regiões, Bahia e Paraná. Da Bahia,
existant entre le parler des jeunes et celui des vieillards, et utilizo-me de 04 inquéritos realizados na cidade de Vitória da Conquista
déterminer leur point de départ (Apud POP, 1952, p. 43). e do Paraná, 04 inquéritos da cidade de Adrianópolis. Em cada uma das
cidades, examinam-se os resultados obtidos com dois informantes do
Também sobre a variação diastrática manifestou-se o Abbé
sexo masculino e dois do sexo feminino, todos eles com escolaridade
Rousselot, tomando, assim, uma outra variável sociolingüística para
que não ultrapassa a 4ª série do primeiro grau, como vem definido pela
consideração, levando-o, dessa forma e a propósito das diferentes mo-
metodologia do projeto. Dispomos, a essa altura, de inquéritos experi-
dalidades de uso da língua, a identificar entre os patois, celui du peuple
mentais feitos em Salvador e a informantes de nível universitário. A
et celui des messieurs, explicando, logo a seguir, que:
inexistência, porém, de inquéritos experimentais em outras capitais fez
Le patois des messieurs donne l’explication de certains anomalies com que a opção se fizesse pelo confronto entre dados de áreas do
qui se rencontrent dans le langage du peuple; il montre aussi de quel interior desses dois estados.
côté viennent les influences étrangères qui agissent sur le patois. Para estas considerações, foi tomada, sistematicamente, a variá-
Mais il n’est pas le patois du pays (Apud POP, 1950, p. 43). vel gênero, sendo as demais variáveis — idade e escolaridade — trazidas
A postura do Abbé Rousselot levou THUN a afirmar, recente- à cena sempre que necessárias à interpretação da variável selecionada.
mente (2000, p. 369), que C’est qui est encore plus remarquable, c’est Para efeito da descrição, os informantes numerados de 1 a 4 são da
que l’abbé ROUSSELOT esquisse un programme qu’on pourrait de bon Bahia e de 5 a 8, do Paraná, cabendo os dois primeiros números de cada
droit qualifier de “partiellement pluridimensionnel”(grifo nosso). série aos informantes masculinos e os dois últimos aos informantes
Reconhecendo, como o fazem CONTINI & TUAILLON femininos. Assim, os informantes 1, 2, 4 e 5 são masculinos e os de
(1996,7), que La dialectologie a pour tâche essentielle d’étudier la números 3, 4, 7 e 8, femininos.
variation géolinguistique, o Projeto ALiB, ao tempo em que prioriza o
registro da diversidade diatópica, leva em conta fatores sociais — idade, Aspectos fonéticos e variável gênero
gênero e grau de escolaridade —, adotando, assim, o controle de variá- Examino resultados obtidos com a aplicação experimental do ques-
veis sociolingüísticas que lhe vão imprimir um caráter pluridimensional. tionário fonético-fonológico (QFF) do projeto ALiB, nas duas cidades
Ao assumir essa posição metodológica de implicação social, mencionadas, servindo-me de levantamento geral feito por Mota1.
política e filosófica, o Projeto ALiB parte do princípio de que a realida- Os informantes são, para a Bahia, 2 homens de faixa etária I,
de do mundo contemporâneo e, conseqüentemente, do Brasil de hoje uma mulher de faixa etária 1 e outra de faixa etária 2; para o Paraná
apresenta-se bastante distinta do que se configurava há anos atrás. O são considerados 2 homens de faixa etária 2, uma mulher da faixa
novo perfil demográfico do País com o aumento de concentração da
população nos grandes centros urbanos, com o esvaziamento das áreas
rurais e com a intensa migração interna a que se pode acrescentar o papel 1
Jacyra Andrade Mota organizou dados de um conjunto de inquéritos
que vem desempenhando a mulher na construção da sociedade contem- experimentais, entre os quais se incluem os que são tomados para análise
porânea, seja pela sua inserção no mercado de trabalho seja pelo neste trabalho, produzindo um levantamento circunstanciado do qual
redimensionamento da sua atividade, tem trazido não só uma nova muito me beneficiei e pelo que registro os meus agradecimentos à colega.
RÉSUMÉ: L’ídée centrale concerne le rôle de l’adulte lettré et ses effets sur la construction de la connaissance du langage écrit par l’enfant.
L’objectif initial est de contraster ce rôle, dans la perspective piagétienne, avec celui de Vygotsky, et ensuite montrer que dans le modèle bakhtien
l’adulte occupe trois positions discursives.
PALAVRAS-CHAVE: adulto, criança, aquisição, escrita
Cada vez mais a literatura científica no âmbito da Psicolingüística, Dessa forma, estaríamos promovendo ao mesmo tempo a in-
da Etnografia da Comunicação, da Psicanálise vem se ocupando do serção dos sujeitos naquelas práticas letradas de sua cultura que fa-
estudo da aquisição da língua escrita por parte da criança pequena. Ao zem algum sentido dentro de suas atividades cotidianas de trabalho,
mesmo tempo, esta literatura demonstra que para algumas crianças o lazer, etc.
processo se inicia no momento da pré-escola, através de experiências Paralelamente, outra fonte de inspiração, respresentada pelos
significativas com a leitura e a escrita. trabalhos de F. François, no que concerne à influência bakhtiniana, e
Enfim, como Wallon, pensamos que as descobertas mais im- definição das categorias de análise, passou também a ter um papel
portantes se “fazem nas fronteiras”, isto é, na intersecção de várias importante nesta busca de caminhos, uma vez que se situam dentro de
disciplinas e abordagens científicas. Embora, nestes últimos anos, as uma perspectiva de linguagem em oposição a uma perspectiva lingüís-
pesquisas em psicolingüística tenham se multiplicado sobre o desen- tica stricto sensu.
volvimento da linguagem escrita, poderíamos dizer que há ainda muito Disto isto, passamos a levar em conta dois objetivos que con-
para ser feito, e que os próximos progressos serão provavelmente o sideramos como sendo relevantes e que precisam ser retomados e
fruto dos encontros desses especialistas. rediscutidos no estudo da aquisição da escrita:
Prosseguindo nesta linha de reflexão, verificamos numa pers- a) contrastar o “sujeito” em Ferreiro e Vygotsky;
pectiva psicolingüística, que a questão fundamental não seria mais b) descrever o papel do adulto letrado e seus efeitos na constru-
como ensinar a ler às crianças, o que supõe o problema resolvido, mas ção de conhecimento sobre a escrita pela criança pequena. Nesta em-
o que constitui problema às crianças quando aprendem a ler. O debate preitada, nos inspiraremos em Mayrink-Sabinson (1997 e 1998)
se desloca então do objeto-língua ao sujeito-aprendiz. Assim, parafra- * Quanto ao primeiro item, lembramos que o “sujeito”, em
seando os psicolingüistas, preferimos falar de “entrada na escrita”, e Ferreiro, é “o sujeito cognoscente, o sujeito que busca adquirir
não de “aprendizagem da leitura-escrita/escritura”. Neste sentido, a conhecimento, o sujeito que a teoria de Piaget nos ensinou a
entrada na escrita é um departamento da psicolingüística. descobrir (...) um sujeito que procura ativamente compreender
Ora, e lembrando Smolka (1993) para quem ‘não se ensina’ ou o mundo que o rodeia, e trata de resolver as interrogações que
‘não se aprende simplesmente a ler e escrever’, mas ‘aprende-se uma este mundo provoca. Não é um sujeito que espera que alguém
forma de linguagem, uma forma de interação...’, elegemos o diálogo que possui um conhecimento o transmita a ela (...) É um sujeito
como fio condutor de nossa pesquisa, realizada entre os anos 1997 e que aprende basicamente através de suas próprias ações so-
1998, no âmbito do Projeto de Cooperação Universitária USP/ bre os objetos do mundo, e que constrói suas próprias catego-
COFECUB (Brasil/França). rias de pensamento, ao mesmo tempo que organiza seu mun-
Foi precisamente, a necessidade de pensar e redimensionar a do”. (Ferreiro & Teberosky, 1989: 26)
visão da aquisição da escrita em termos de interação e interlocução que A partir deste fragmento, observamos que a autora privilegia o
nos fizeram buscar apoio em outras direções tendo em vista a análise conhecimento sobre o sujeito que constrói a linguagem e o desenvolvi-
que desejávamos fazer. mento das habilidades cognitivas que interagem nesse processo de
A partir dessa preocupação, as primeiras respostas para nos- construção. Este sujeito piagetiano não é um sujeito individual mas,
sas indagações começaram a ser encontradas na Teoria da Enunciação enquanto construto teórico, um sujeito idealizado, universal, que pas-
(Bakhtin) e nas abordagens interacionistas (ou na lingüística sa por etapas/estágios na construção do conhecimento. Por outro
interacionista). lado, embora o contexto esteja pressuposto, ele não é visto como
Por que justamente a adoção dessas perspectivas teóricas na con- constitutivo do processo de aquisição.. Ou melhor: segundo Mayrink-
sideração de questões aparentemente pedagógicas? A razão principal, Sabinson (1997: 39), seu eventual papel mediador não é teoricamente
sem dúvida, por vermos a leitura e a escrita, antes de mais nada, como explorado.
momentos discursivos. Já Vygotsky (1991: 33) afirma que: “Desde os primeiros dias do
A intenção, portanto, era mostrar que a ‘entrada da criança na desenvolvimento da criança, suas atividades adquirem um sig-
escrita’ não implica apenas a aprendizagem da escrita de letras, pala- nificado próprio num sistema de comportamento social e, sendo
vras e orações. Nem tampouco envolve apenas uma relação da criança dirigidas a objetivos definidos, são refratadas através do pris-
com a escrita. Ela vai muito além na medida em que implica, desde a ma do ambiente da criança. O caminho do objeto até a criança e
sua gênese, a construção do sentido e, mais profundamente, uma for- desta até o objeto passa através de outra pessoa.”
ma de interação com o outro. E, neste sentido, esta escrita precisa ser
permeada por um desejo e pressupõe um interlocutor, geralmente um Este autor atribui, portanto, um papel ao OUTRO: O papel do
adulto letrado. OUTRO, conforme Mayrink-Sabinson (ibid.), que consistiria
Surgiu, então, a idéia de recorrer, como alternativas de articula- em prover o que seria imitado, incorporado pela criança, num
ção de atividades e constituição da interdiscursividade, à “literatura momento de seu deenvolvimento e, mais tarde, internalizado,
infantil” e às “situações de narrativa”, sobretudo, em razão da dimen- por ela, transformado e modificado como novo conhecimento.
são lúdica e estética, suas marcas registradas.
ABSTRACT: This research debates, in linguistic terms, the social difference among children from different social classes concerning language uses.
It analyses what is common and individual among written narratives, produced by two subjects from different social groups, taking into consideration
the writing as secondary discoursive gender.
PALAVRAS-CHAVE: usos lingüísticos – escrita – classes sociais – diferenças.
Nessa exposição, partiremos do pressuposto de que não é tan- vamente, o que há de comum e de singular em narrativas escritas por
to a língua abstrata que pode distinguir as crianças de diferentes clas- dois alunos de 5ª série, de diferentes classes sociais (I., 10 anos, de
ses sociais, mas os modos diferentes da cultura de linguagem, classe média-alta, estudante de escola particular, imersa em um mun-
produzidos fundamentalmente pelos gêneros discursivos. François, do letrado e R., 12 anos, de classe social pobre, filho de pais com
(1996a), em seus estudos sobre narrativas orais de crianças, faz a primeiro grau incompleto, estudante de escola pública - único local
seguinte colocação: que poderia lhe possibilitar maior contato com a escrita).
“Se existem diferenças sociais entre crianças de classes sociais Para atingir o objetivo proposto, valemo-nos da categoria tex-
diferentes é mais, sem dúvida, no plano de tipos de uso de tos de criação, didaticamente formulada por Meserani (1995), ao
linguagem (...) Prescrevemos e proibimos, sem dúvida, a to- analisar como os gêneros discursivos circulam na escola. Esse tipo de
das as crianças. Há, certamente, crianças a quem damos ar- texto é caracterizado pelo novo, diferente, original, em que o aluno
gumentos, outras não. Há crianças que habituamos ao monó- articula o que ao como dizer.
logo, ao prazer da história contada e outras não. (op. cit. 120) Na realização dessa atividade, propusemos a I. e R. o relato de
Em nossa investigação, centrada na escrita, complementaremos experiências vividas, através do tema: um momento de grande feli-
a fala do autor, postulando que há sujeitos a quem foi dada, desde cidade.
tenra infância, a possibilidade de maior contato com textos escritos, Após interação inicial, os sujeitos construíram seus textos a
em suas diversas configurações, e à fala perpassada pela escrita, a partir de instruções de apoio, baseadas nos elementos da narrativa.
outras não. Puderam, também, elaborar as histórias, planejando-as, escrevendo a
Sem o objetivo de polemizar a respeito da classificação de gêne- lápis e lançando mão de reelaboração total ou de inserções, apagamen-
ros/tipos discursivos-textuais, procuraremos nos ater à proposição tos, substituições, etc.
bakhtiniana a esse respeito. Após afirmar a impossibilidade de definir Os textos elaborados foram os seguintes:
uma tipologia dos gêneros, Bakhtin (1992) propõe a diferença essen-
cial entre eles: a existência do gênero do discurso primário (do
cotidiano, mais simples, constituído em situações de comunicação
verbal espontânea, estabelecendo relação direta com a realidade exis-
tente e com a realidade dos outros) e a do gênero discursivo secun-
dário (que aparece em situação mais complexa e relativamente mais
“evoluída”, relacionado, sobretudo, à escrita).
Dessa forma, considerando a especificidade dos textos escritos
(a substituição da entonação e prosódia por sinais gráficos; a necessi-
dade de contextualização de elementos extra-lingüísticos; de maior
concisão temática e coesão entre as partes do texto, tendo o parágrafo
como marca de construção), tomaremos a escrita como um gênero
discursivo secundário, criadora de espaço para ampliação da subje-
tividade.
Assumiremos também a idéia de que aquilo que faz um gênero
funcionar – nesse caso narrativas escritas – é o fato de incorporar
outros gêneros a ele. Para François (1996b), tais subgêneros
discursivos, elementos não parafraseáveis e não diretamente cronoló-
gicos, mais ou menos equivalentes aos atos de fala, são relativos aos
pontos de vista produzidos pelo sujeito e responsáveis por tornar a
narrativa interessante. O mais interessante seriam as maneiras de
dizer - e não apenas aquilo que se diz. Isto porque, segundo o autor
(1996a), o problema não é ser contra ou a favor do estruturalismo,
mas saber o que se faz ao se analisar a estrutura de um texto ou de um
conjunto de textos. Tratar-se-ia, assim, de falar dos ingredientes antes Em sua produção, I. veicula o conteúdo da narrativa, ocupando
de se falar de como combiná-los. o lugar de filha, no mundo familiar de classe média alta, evocando,
Nesse sentido, procuraremos não perder de vista que os modos conforme tema proposto, lembranças de situações experimentadas,
de organização das histórias dizem respeito aos aspectos de narrando, por isso, em primeira pessoa.
heterogeneidade do sujeito, relativos aos lugares discursivos ocu- I., em seus movimentos textuais, encaixa com coesão os seguin-
pados e aos mundos em que o texto é produzido. tes subgêneros discursivos, concisamente, em quatro parágrafos:
Levando em consideração o exposto, analisaremos, comparati-
ABSTRACT: The increasing importance of text production in school life is a challenge for students and teachers, mainly in those difficulties they do
not quite understand. A number of corrective actions have been adopted, which included official skills development programs. In an attempt to
measure the responsiveness of such programs the research reported in this article was conducted with a language interactivity background.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino - Concepção - Produção - Texto
Embora as diretrizes teórico-pedagógicas dos Parâmetros Foi elaborado um instrumento de pesquisa, contendo dez ques-
Curriculares Nacionais (1998) persistam na ênfase ao caráter interativo tões (abertas e fechadas) fundamentadas nas visões (textual/cognitivista
pelo qual a linguagem deve ser percebida e estudada, Silva (1997) e interativo/discursiva) que têm norteado os estudos atuais a respeito
chama atenção para o fato de que o ensino-aprendizagem de produção do ensino de Língua Portuguesa mais especificamente de produção
de textos ainda carrega uma forte influência behaviorista e do estrutu- textual (enfoque específico do estudo).
ralismo nos seus modelos. A autora faz essa observação após realizar Geraldi ressalta em “Portos de Passagem” (1991) uma distin-
pesquisa no estado de São Paulo, constando de observação direta de ção entre produção de texto e redação. O autor concebe a redação
aulas, ações dos professores em sala, análise de redações e livros como uma produção estudantil para a escola, produto de uma obriga-
didáticos, dentre outros materiais e recursos levados a exame. ção escolar, ação sem interlocutor e considera produção de texto a
Geraldi (1991) cujas obras formam um conjunto de profundos produção estudantil realizada na escola, produto de uma atividade
ensinamentos acerca da visão interacionista (esta também a base da escolar, expressão livre do aluno, uma autêntica forma de expressão.
pesquisa objeto deste trabalho) sustenta que, para construir um texto, Reforçando a visão dialógica da escrita, Brandão (1997) enfatiza que
em qualquer modalidade, é necessário que o produtor assuma-se como “numa sociedade letrada, a escrita adquire função de suma importân-
locutor numa relação interlocutiva. Isto implica que ele tenha o que cia, porque, além de seu papel documental de guardiã da tradição, ela
dizer, supondo os interlocutores para quem dizer. Criar essa condição é instância instauradora de diálogos nas várias dimensões espaciais e
requer, da parte do professor, estabelecer as situações, organizar ex- temporais”.
periências e contextos adequados para que o aluno escreva sobre te- A concepção que entende a linguagem como forma de interação
mas que tenham sentido para ele próprio, sobretudo. Desse modo, portanto é a que interessa a esta pesquisadora e também se faz pre-
passa à condição de criador, já tendo sido assegurada a passagem pela sente nos Parâmetros Curriculares e propostas recentes pois repre-
fase preliminar da aquisição da linguagem, uma vez que, de tanto se senta mais do que conforme aponta Koch (1998) representação (“es-
desejar um usuário competente, esquece-se de deixá-lo à vontade para pelho”) do mundo e do pensamento; instrumento (“ferramenta”) de
seguir pela via de seu próprio ritmo. comunicação, a linguagem serve para que o locutor em uma relação
A idéia de realizar este trabalho que busca investigar a concep- interlocutiva assuma-se como locutor e para que esse autor aja, atue
ção dos professores do ensino fundamental sobre produção de textos sobre o outro, provocando reações, estabelecendo-se assim um espa-
nasceu de duas motivações importantes para a pesquisadora: dar con- ço dialógico de atuação entre autor/leitor.
tinuidade a uma pesquisa realizada em 1997 no norte do Paraná, em Trata-se, é importante observar, no entanto, que esta pesquisa
que buscou traçar o perfil do professor do primeiro grau e apontar o está em processo, tendo em vista que os questionários foram entre-
modo como os cursos, seminários oferecidos pela Secretaria de Edu- gues ao final do ano, que se conseguiu colher apenas 20% dos questi-
cação haviam influenciado a prática desse professor - em primeiro onários distribuídos, e no momento de recolhê-los no início de 2001,
lugar, e, em segundo, o desejo de fazer uso da experiência adquirida ocorreram problemas devido a falta de tempo dos professores, difi-
junto a professores da rede pública por meio da ligação proporcionada culdades em responder a questões e até perda dos mesmos. Os dados
pelo acompanhamento dos estágios supervisionados e dos relatos e colhidos até o momento serão completados com os que ainda estão
vivências dos alunos - estagiários. Outro dado que ainda motiva a por chegar, mas já podem servir como amostragem a respeito da con-
permanência na atitude de ida-a-campo é o discurso cada vez mais cepção e prática dos professores sobre produção de textos.
freqüente dos professores de língua materna ao afirmarem que os Como se afirmou, a presente pesquisa está em processo; mes-
alunos não sabem escrever. mo assim, uma análise dos dados já levantados é importante para abrir
Diante desse desafio, a proposta foi investigar questões relati- um caminho de discussão de questões com perspectivas de expandir
vas à formação do professor, à sua concepção de texto e produção de com posteriores análises de um corpus mais amplo.
texto e sua prática docente e, a partir das análises dos dados e informa- Na construção do questionário, as questões versaram sobre:
ções colhidas, efetuar proposta para realizar um trabalho interativo • Questão 1- Formação do professor / caminhos percorridos .
entre a Universidade Estadual de Londrina e escolas. Foram relaciona- • Questões 2, 3, 4, 9 e 11 - Concepção de texto / produção de
das as escolas de Londrina - PR de maior porte físico, situadas nas texto
regiões Norte, Sul, Leste, Oeste e Centro, totalizando 11 escolas pú- • Questões 6, 7, 8, 10 - Prática docente
blicas, o que correspondeu a 30% de cada região. A pesquisa, em sua Em relação ao processo de formação docente as respostas mais
totalidade, foi realizada no final do segundo semestre de 2000 em precisas foram as que afirmaram ter entrado na Universidade por
Londrina-Paraná (cidade de porte médio, com 500.000 habitantes gostar de literatura ou de Inglês. Ao definir texto somente um infor-
aproximadamente). mante contemplou a visão interativo - discursiva de ensino presente
RÉSUMÉ: Ce travail propose de mettre en vérification l’hypothèse qui considère l’école productrice d’inhibition de la manifestation du sujet-élève
- cette école le maintiendrait dans les modèles (ou “moules”) scolaires. À partir de lectures essentielles de Bakhtin et Vygotsky, nous examinons, pour
cette proposition, les productions textuelles de huit étudiants du lycée brésilien (l’enseignement moyen) participant d’un projet universitaire, afin
d’expliciter les marqueurs d’inhibition (ou inhibiteurs) dans le procès d’effacement du sujet-élève et par conséquent confirmer cette hypothèse.
PALAVRAS-CHAVES: assujeitamento, escola, escrita.
A função precípua e milenar da escola tem sido a transmissão ponto pelo qual passariam discursos prévios; acredito em su-
do conhecimento. As tentativas de mudança do perfil da escola, do jeitos ativos, e que sua ação se dá no interior de semi-sistemas
educador e do educando mostram-se um tanto tímidas. Prolongamos, em processo” (1996: 37).
ainda, a concepção de ensino como “educação bancária”, como afirma A leitura que Possenti faz de vários textos que tratam da Aná-
Paulo Freire, e não como construção do conhecimento. Aquele pro- lise do Discurso não é uma leitura pré-conceituada. Para ele, só forço-
cesso parece estar até hoje bem inculcado, tanto em professores, quanto samente, se pode deixar de ver que os vários textos não querem elimi-
nos alunos; já faz parte do “inconsciente coletivo escolar”. nar o eu, mas mostrá-lo; tais textos insistiriam na existência e impor-
O trabalho que apresentamos parte de um projeto de extensão tância do outro, e no seu aspecto multifacetado, e não uno do sujeito,
da Universidade Estadual de Londrina, o qual ministra aulas de Língua que seria efeito e nunca origem, pois sendo efeito, tem seu lugar e
Portuguesa (incluindo-se aí a produção de textos) a alunos da rede papel (idem).
pública, integrantes de um programa de preparação e colocação de Para esta terceira fase da AD, o centro da relação não é mais o
menores “carentes” no mercado de trabalho formal como office-boys. eu nem o tu, mas se desloca para o espaço discursivo entre eles. O
Queríamos verificar em um ambiente extra-classe, portanto, menos sujeito é ele mais a complementação do outro, em uma amálgama de
marcado pelas pressões escolares, quais efeitos ou resultados advindos subjetivo e social, influenciado, talvez, pela posição de Maingueneau,
da escola pública na/para a produção textual (após regularmente um a respeito da postura da AD diante da língua e do discurso:
aluno cursar ali onze dos principais anos de sua vida), mais precisa- “a AD afirma ... a dualidade radical da linguagem, a um só
mente, se a escola consegue constituir seus alunos em sujeitos. Era o tempo integralmente formal e integralmente atravessada pelos
primeiro encontro do ano (1998) entre os estagiários e alunos partici- embates subjetivos e sociais” (Maingueneau, 1993: 12).
pantes do programa. O projeto da Universidade desenvolve-se em Este é, como não poderia deixar de ser, o ambiente em que os
sintonia com as propostas mais atuais de ensino de LP, ou seja, levan- nossos sujeitos de pesquisa vão desenvolver sua subjetividade: nos
do-se em consideração aluno-professor-contexto-conhecimento. A embates com o professor (representante da escola e do status quo),
opção por estes alunos deve-se ao fato de que o segundo grau repre- com os outros alunos (influenciados também pelo professor), com os
senta o ponto final escolar para a maior parte de nossos alunos. Toma- textos e seus autores (via de regra escolhidos pelo professor) etc. A
mos como corpus os textos produzidos pelos 8 alunos da classe do posição ocupada pelos sujeitos-alunos, dificilmente, escapa à de sub-
projeto que compõem a classe de estudantes do terceiro ano do segun- missão, visto que a força ideológica escolar utilizada para manter o
do grau. status quo é sutilmente agressiva e totalizante.
Como arcabouço metodológico, tomei de empréstimo a Carlo O outro pressuposto que precisa ser discutido é a palavra, peça
Ginzburg, em Mitos, emblemas e sinais (1989), os paradigmas principal do jogo lingüístico que vai se desenvolver entre professor e
indiciários. O autor prega que os detalhes sempre foram pistas impor- alunos. Segundo Bakhtin, “a palavra é o fenômeno ideológico por
tantes para o cotidiano do ser humano, dependendo do olhar cuidado- excelência, [...] o modo mais puro e sensível da relação social” (1999:
so e carinhoso do observador, seja no desvendamento de fatos passa- 36), cujo sentido é totalmente determinado pelo contexto, seja no
dos ou na adivinhação de fatos futuros. Assim, creio ser possível a sentido mais restrito ou mais amplo. Sem dúvida, a escola está presen-
fundamentação teórica sobre a qual se erguem os paradigmas indiciários te em ambas as situações: tanto no meio social mais imediato, quanto
como instrumental analítico válido para pesquisas, principalmente no no mais amplo. É ela a responsável por grande parte da encarnação
âmbito das ciências humanas, nas quais se buscam resultados diferen- material do signos pelos alunos, que vão imprimir os matizes de toda
tes das pesquisas quantitativas, dominantes ainda na grande parte das criação ideológica dos indivíduos, que por sua vez, é a responsável
ciências, merecendo toda a consideração, uma vez que até o momento pela formação da consciência desses mesmos indivíduos; no dizer de
tem sido útil no desvelamento de várias questões, procurando apre- Bakhtin:
sentar soluções coerentes. “a consciência só se torna consciência quando se impregna de
Para iniciar as discussões, tomaremos alguns pressupostos que conteúdo ideológico (semiótico) e, conseqüentemente, somen-
se complementam. O primeiro e necessário aqui é uma pequena pon- te no processo de interação social” (1999: 34).
tuação sobre sujeito. Optamos pela releitura brasileira, sob o olhar de A escola é quem indica como devem ser interpretados os signos
Possenti (1996) da última fase da Análise do Discurso, a da novos e reinterpretados os antigos, tecendo o conteúdo semiótico que
heterogeneidade, para a qual o papel do O/outro é considerado crucial. formará a consciência desses indivíduos.
Possenti deixa claro que, para ele, o sujeito não é uno, não está sozi- Vygotsky (1984) reforça o ponto de vista de Bakhtin. Para
nho, não há sujeitos livres nem assujeitados, pois aquele autor, a relação do sujeito com o mundo é mediada por instru-
“sujeitos livres decidiriam a seu bel prazer o que dizer numa mentos e por signos, ou instrumentos psicológicos, que são proporci-
situação de interação; sujeitos assujeitados seriam apenas um onados essencialmente pelo outro (meio, cultura, etc) e visam realizar
ABSTRACT: This paper observes the necessary relationship between text and interaction by means of the investigation of correction in spoken
language. It highlights correction as a textual construction strategy – a linguistic phenomenon in the service of the text constitution – in its relation
to the interactional circumstances under which it is done.
PALAVRAS-CHAVE: texto falado, interação, correção.
1. Correções gramaticais
Em geral, a correção de erros morfossintáricos atribui ao falante 1
Brait, 1993:194.
corretor uma imagem positiva, a daquele que tem, ou pelo menos faz 2
v. Vion, 1992:41-44.
crer que tem, um bom domínio do código, e ao falante corrigido, uma 3
Cf. Goffman, 1992:22.
imagem negativa, a de uma certa falta de competência lingüística, prin-
4
Positivas e negativas, no sentido de serem ou não favoráveis ao que é
cipalmente no caso dos informantes desta pesquisa - alunos de Letras representado.
5
Gramática enquanto o conjunto das possibilidades e das restrições
da Universidade de São Paulo e professores de Língua Portuguesa. E a
morfossintáticas, fonético-fonológicas e semânticas de uma dada varie-
imagem de discurso que se constrói com a correção é a de um discurso dade da língua.
escorreito, adequado às exigências gramaticais da norma de referência. 6
O símbolo J indica que o enunciado foi produzido entre risos.
7
Destacada em itálico.
ABSTRACT: This article argues that referential interpretation is licensed by functional heads (FHs). It shows how null FHs license individual-level/
stage-level predication and generic/existential interpretation in Brazilian Portuguese predicative sentences with ‘ser’/’estar’. It is argued that the
generic / existential readings of German sentences with ‘ja doch’ likewise result from the effect of null FHs.
PALAVRAS-CHAVE: Leituras Genérica / Existencial, Núcleos Funcionais, Predicação de Indivíduo / de Situação, Referencialidade.
1. Introdução
Este trabalho defende a tese de que a interpretação semântica 3. Predicação de Indivíduo e de Situação
referencial é licenciada por meio de núcleos funcionais (NFs). A argu- Os exemplos (4) ilustram a distinção entre predicação de indi-
mentação se concentra especialmente nos NFs da sintaxe oracional víduo (PI) — (4a) —, e predicação de situação (PS) — (4b). Em (4a),
(NFSs) T e Asp, deixando para outra oportunidade a discussão sobre diz-se que as pessoas que são bombeiros são disponíveis, indepen-
o NFS C e os NFs da morfologia e da sintaxe sintagmática. A análise dentemente de sua profissão. Em (4b), diz-se que os bombeiros estão
se restringe a dados do português do Brasil (PB) e do alemão. Está disponíveis como bombeiros. Logo, na predicação de indivíduo há
sendo pressuposta a estrutura sintática em (1): predicação sobre a extensão da expressão nominal, como em (5a), e na
predicação de situação, predicação sobre a extensão e a intensão da
expressão nominal, simultaneamente, como em (5b):
Há também uma correlação entre o tipo semântico do predicativo (17) a. ... weil Ameisen ja doch einen Postbeamten
e a interpretação referencial do sujeito. Se o predicativo é interpretado gebissen haben
como predicador de propriedade de membro de espécie, o sujeito não já que formigas de fato um carteiro mordido têm
pode ser nú singular: já que formigas de fato morderam um carteiro
b. ... weil ja doch Ameisen einen Postbeamten
(13) a. *Criança está resfriada/altruista. gebissen haben
Diesing (1992) considera que ‘ja doch’ sempre ocorre na fron- Segundo a proposta deste artigo, a estrutura desses exemplos é como abaixo, onde os
teira do VP, logo, em IP, daí decorrendo que o sujeito pode estar em IP adjetivos também estão em AspP, dado o fato de que os adjetivos predicativos se comportam
ou VP, como em (18): como os particípios no alemão, colocando-se antes do verbo final flexionado:
(18) a. ... [CP weil [IP Ameisen ja doch (20') a..[CP weil [TP Linguisten T [AspP ja doch-Asp
[VP einen Postbeamten gebissen haben]]] [AspP Kammermusik Asp [VP spielen ]]]]]
b. ... [CP weil [IP ja doch [VP Ameisen einen Postbeamten gebissen b..[CP weil [TP ja doch-T [TP Linguisten T
haben]]] [AspP Kammermusik Asp [VP spielen ]]]]
Estou analisando diferentemente a estrutura das sentenças em (17), (21') a. [CP weil [TP Professoren T [AspP ja doch Asp
como em (19): [AspP t verfügbar Asp [VP sind ]]]]
b. [CP weil [TP ja doch-T [TP Professoren T
(19) a. [CP weil-C [TP Ameisen T [AspP ja doch Asp [AspP t verfügbar Asp [VP sind ]]]]
[AspP einen Postbeamten gebissen Asp
[VP haben]]]]] (22') a. [CP weil [TP Wildschweine T [AspP ja doch-Asp
b.[CP weil-C [TP ja doch T [TP Ameisen T [AspP t intelligent Asp [VP sind ]]]]
[AspP einen Postbeamten gebissen Asp [VP haben]]]]] b.*?[CP weil [TP ja doch-T [TP Wildschweine T
[AspP t intelligent Asp [VP sind ]]]]
(Por ser irrelevante para a argumentação estou deixando de lado
nas estruturas do alemão a questão de haver vestígios dentro do VP.) A questão relevante para a tese defendida neste artigo é o
As estruturas (19) mantêm o espírito da análise para ‘sempre’: a licenciamento, nos exemplos de (20) a (22), de LG para (a) e LE para
projeção de ‘ja doch’ leva à projeção de um novo Asp ou T nulo. Por (b). Ora, é exatamente quando ‘ja doch’ leva à projeção de um AspP
que considerar que há nessa nova projeção um NF nulo? Para manter adicional que se tem LG, e quando leva à projeção de um TP adicional
a generalidade da análise (haveria um certo tipo de licenciamento de que se tem LE. Aceitando que as partículas modais do alemão proje-
referencialidade na GU) e captar a gramaticalização que ocorreu com tam um AspP ou TP adicional completo, com um núcleo Asp ou T
as partículas modais do alemão, em contraste com as partículas do disponível, a conclusão natural é que a LG decorre do efeito do Asp
inglês, por exemplo (V. Abraham, 1991). adicional sobre o AspP que ele c-comanda imediatamente, e a LE, do
Há uma série de diferenças entre (18) e (19). Em (18), é ‘ja efeito do T adicional sobre o TP que ele c-comanda imediatamente.
doch’ que tem posição fixa, havendo duas posições estruturais dife- Esses exemplos do alemão levantam uma nova questão, relativa
rentes para o sujeito nessas orações — Espec,TP e Espec,AspP. Em ao licenciamento de PI e PS: Por que (22b) é agramatical, mas não a
(19), é o sujeito que tem posição fixa — sempre Espec,TP —., e é ‘ja sentença correspondente em português? Dado o contraste entre (22a)
doch’ que tem posição variável. Uma outra diferença é que em (19) o e (22b), podemos concluir que a agramaticalidade de (22b) decorre do
objeto também se move para uma projeção funcional, precisamente efeito do T adicional projetado por ‘ja doch’. A análise natural é que
para Espec,AspP, ao passo que em (18) é mantido dentro do VP. em (22b) há incompatibilidade entre a predicação estabelecida por
Além disso, em (19) o particípio também ocorre em AspP. A evidên- ‘intelligent’ (PI) e a decorrente do efeito do T adicional sobre o TP que
cia empírica para isso é a exigência do alemão de que os particípios ele c-comanda imediatamente (PS). Como a seqüência é gramatical no
ocorram antes do V final flexionado em subordinadas, como se vê em português, uma análise completa teria de investigar as propriedades
(17). Considerando que a ordem básica para uma seqüência de auxiliar dos adjetivos e dos licenciamentos sintáticos no português e no ale-
e verbo principal é Aux+V, a explicação para a ordem V+Aux nessas mão, contrastivamente.
estruturas está no posicionamento do particípio dentro de AspP.
5.3 Evidência Empírica Adicional
5.2 A Posição de ‘ja doch’ e a Interpretação A proposta estrutural acima explica diferentes fatos do alemão,
Referencial da Asserção como as estruturas com ‘denn’ (então, afinal), outra partícula modal.
Diesing mostra que, em estruturas com certos predicados e Em (23) temos exemplos com ‘denn’ extraídos de Diesing, mas com a
verbo no presente do indicativo, a alternância de posição para ‘ja estrutura defendida neste artigo:
doch’ leva a uma alternância entre LG / LE:
(23) a. [CP Was für Ameiseni haben-C [TP denn T [TP ti T
(20) a. weil Linguisten ja doch Kammermusik spielen G
[AspP einen Postbeamten gebissen Asp ]]]]
uma vez que lingüistas de fato música de câmera tocam
o que para formigas, tem então um carteiro mordido
uma vez que lingüistas tocam de fato música de câmera
Que tipo de formiga mordeu um carteiro afinal?
b. weil ja doch Linguisten Kammermusik spielen E
b. [CP Was haben-C [TP denn T [TP für Ameisen T
uma vez que há de fato lingüistas tocando música de câmera
[AspP einen Postbeamten gebissen Asp ]]]]
c.* [CP Was haben-C [TP für Ameisen T [AsoP denn Asp
(21) a. weil Professoren ja doch verfügbar sind G
[AspP einen Postbeamten gebissen Asp ]]]]
uma vez que professores de fato estão (em geral)
/ são disponíveis
Como esses exemplos mostram, em interrogativas Wh- com o
b. weil ja doch Professoren verfügbar sind E
sujeito topicalizado em Espec,CP, como em (23a), ‘denn’ se coloca
umavezquedefato professoresestão(nestemomento)disponíveis
imediatamente à esquerda do objeto. Se uma parte do sintagma Wh-
fica em Espec,CP, a outra ficando imediatamente à esquerda do obje-
(22) a weil Wildschweine ja doch intelligent sind G
to, como em (23b), ‘denn’ tem de ocorrer imediatamente à esquerda
uma vez que javalis de fato são (em geral) inteligentes