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ISSN 0102-7158
Conselheiros
José Luiz Fiorin (USP)
Leonor Scliar-Cabral (UFSC)
Lúcia Maria Pinheiro Lobato (UnB)
Maria Cecília Mollica (UFRJ)
Maria Denilda Moura (UFAL)
Rosemeire Selma Monteiro (UFC)
Anual
ISSN 0102-7158
1. Lingüística - Periódicos I. Associação Brasileira de Lingüística
Apresentação ................................................................................................................................................. 23
Maria Elias Soares
Conferências
A lingüística e o conhecimento científico da linguagem
Maria Helena Mira Mateus ............................................................................................................................ 27
Mesas Redondas
Perfil do profissional de Letras delineado nas diretrizes curriculares propostas pelo MEC
José de Ribamar Mendes Bezerra .................................................................................................................. 109
A CONSTRUÇÃO DO SIGNIFICADO
(Coordenadora: Lúcia Maria Pinheiro Lobato)
DISCURSO E SUJEITO
(Coordenadora: Maria Virgínia Borges Amaral)
O processo da concessão
Lúcia Helena Martins Gouvêa ........................................................................................................................ 212
Simpósios
SEMIÓTICA E ARGUMENTAÇÃO
(Coordenadora: Lúcia Teixeira)
DIMENSÕES DO PROCESSAMENTO
(Coordenador: Marcus Maia)
Criações estilísticas como senha de acesso ao mundo dos pacientes para exame radiológico
Maristela Botelho França ............................................................................................................................... 355
Colóquio
Sujeitos indeterminados em PE e PB
Maria Eugenia Lamoglia Duarte, Mary A. Kato e Pilar Barbosa .................................................................. 405
Comunicações Coordenadas
MÍDIA E DISCURSO
(Coordenador: Helenio Fonseca de Oliveira)
A LEITURA DO NÃO–VERBAL
(Coordenador: José de Souza Breves Filho)
VARIAÇÃO E ENSINO
(Coordenadora: Maria Denilda Moura)
Comparação entre algumas preposições portuguesas documentadas no século XVI e no século XIV
Rosauta Maria Galvão Fagundes Poggio ........................................................................................................ 660
O uso dos tempos verbais na construção da coerência textual: um estudo nas redações de
vestibular
Vivianne Braga de Araújo .............................................................................................................................. 690
O emprego da “abordagem com base em tarefas” como elemento conciliador entre as atuais
metodologias de aprendizagem de línguas e as limitações do ensino mediado pelo computador:
uma proposta a partir do Projeto AVAL
Vládia Maria Cabral Borges ........................................................................................................................... 698
Uma análise de cartas/bilhetes de alunos nas séries iniciais, ou “tia, eu te amo do fundo do
meu coração”
Jonê Carla Baião.... ........................................................................................................................................ 714
Ser ou não ser natural, eis a questão dos clichês de emoção na tradução audiovisual
Vera Lúcia Santiago Araújo ............................................................................................................................ 731
Quando preparei esta conferência recordei quantas vezes ti- adaptados a novas situações. Mas estas eram preocupações dos filó-
nha falado do carácter científico da linguística, e quantas vezes tam- sofos. O estudo das línguas seguiu outro rumo, com a notável excepção
bém a linguística me parecera multímoda e plurifacetada. Como em que foi a obra de Willelm Humboldt.
todas as ciências habitualmente denominadas sociais ou humanas, A mencionada preocupação de estabelecer a origem das lín-
pode afirmar-se que no âmbito do estudo da linguagem convivem guas e a relação entre elas foi responsável pela enorme aceitação que
diversas formas de conhecimento que vão das abordagens filosófi- teve a comunicação sobre o sânscrito feita, em 1786, por William
cas e históricas às construções teóricas e formalizadas, passando Jones à Sociedade asiática de Bengala. Ao afirmar que o sânscrito
pelas descrições pré-teoréticas e pelas aplicações em domínios de tem “uma estrutura maravilhosa”, mais perfeita que o grego e mais
grande diversidade. abundante que o latim, mas que, simultaneamente, ele tem um estrei-
Tal multiplicidade de tratamentos decorre da própria natureza to parentesco com essas duas línguas, o que mostra que “são deriva-
da linguagem verbal, forma preferencial de comunicação entre os das de uma fonte comum” que talvez já não exista, e ao acrescentar
homens. Essa linguagem é simultaneamente veículo de integração tentativamente a estas o céltico, o gótico e o antigo persa,3 William
do homem na comunidade e factor constituinte da sua construção Jones chama a atenção para a possibilidade de, através da compara-
como indivíduo. A inter-relação da actividade linguística com os factos ção do sânscrito com línguas europeias, se poder ir mais longe no
históricos e sociais, com o universo psicológico e com a criação ar- conhecimento da sua origem e das suas características gramaticais.
tística coloca o estudo da linguagem e das línguas no centro de uma Os estudiosos que se lhe seguiram, como Jacob Grimm, Franz Bopp
constelação formada por múltiplas comunicações com outras formas e Rasmus Rask, tomaram nas suas mãos o trabalho de estabelecer
de comportamento humano. Mais: a especificidade do uso da lingua- sistematicamente essa comparação, evidenciando as correspondên-
gem verbal, de que decorre uma coincidência entre o objecto de aná- cias fonéticas e morfológicas que eram detectáveis na análise das
lise e o meio com que se explicita e produz essa análise - é com várias línguas presumivelmente aparentadas.
palavras que se estudam as palavras -, permite, estimula e valoriza Estava-se então na primeira metade do século XIX, e florescia
interpretações e análises subjectivas e acientíficas. o método comparatista em áreas das ciências naturais mais avança-
Por todas estas razões tem sido longo e árduo o caminho dos das como a biologia, a anatomia e a paleontologia - áreas que
que acreditam que é possível tomar a linguagem e as línguas como directamente beneficiaram dos trabalhos taxonómicos e
objecto de análise científica. Como muitos outros linguistas, no con- classificatórios que, ainda no século XVIII, caracterizaram a
creto do meu trabalho sobre a língua não sei entender a análise dessa actividade científica do sueco Lineu. Os linguistas sabiam que as
magnífica faculdade humana senão como uma prática científica. Na ciências naturais tinham desenvolvido métodos aplicáveis ao estudo
verdade, estudar as palavras com palavras é levar ao extremo limite o das línguas, sem esquecerem, no entanto, a especificidade do seu
conceito de auto-referência1 que, embora produza uma circularidade próprio campo de análise pois que, como dizia Bopp a propósito de
em relação ao próprio objecto de análise, tem todavia a consequência um dos seus trabalhos, “as línguas de que trata esta obra são estuda-
positiva de trazer à consciência esse objecto, neste caso, a linguagem das por elas mesmas, quer dizer, como objecto e não como meio de
e as línguas. Mas trazê-lo à consciência não significa explicá-lo. Como conhecimento”.4
conciliar, então, estas duas questões, e por que insistir nesta perspec- A pouco e pouco a análise comparada das línguas foi abrindo
tiva científica? Façamos um pouco de história que é saudável, instru- caminho para o estabelecimento da relação genealógica entre elas.
tivo e esclarecedor. Também essa perspectiva se sintonizou com os métodos científicos
Lembremos a afirmação geralmente aceite de que a linguística contemporâneos: o entendimento da língua como um organismo vivo
surgiu como ciência na primeira década do séc. XIX, com o estudo que nasce, cresce e morre aproximou o seu estudo das hipóteses for-
comparado das línguas indo-europeias e com a tentativa de, através muladas por Darwin sobre a origem das espécies e a sua evolução
desse estudo, solucionar a questão da relação genealógica entre as por meio de uma selecção natural. A utilização deste método como
línguas. Antes desta época os estudos sobre as línguas eram marca- instrumento de conhecimento levou mesmo August Schleicher, pas-
dos por perspectivas culturais, filosóficas e ideológicas nas quais se sado que era o meio do século, a publicar em 1863 a obra intitulada A
destaca, a par de um objectivo normativo, a preocupação em estabe- teoria darwinista e a linguística (“Die darwinische Theorie und die
lecer a origem das línguas e da escrita, e em evidenciar a relação Sprachwissenschaft”). Surgem então as árvores genealógicas das lín-
entre categorias gramaticais e categorias lógicas.
Não podemos, no entanto, passar sem referência as obras de
matriz cartesiana em que a faculdade da linguagem é apresentada
como a diferença essencial entre o homem e o animal. 2 Esta linha de 1
Sobre o conceito de auto-referência e as suas consequências para o conheci-
pensamento sobre a linguagem ultrapassa muito a simples mento científico, ver Hofstadter (1999), sobretudo o prefácio à segunda edi-
categorização lógica das categorias gramaticais. A faculdade da lin- ção.
2
guagem é, já no século XVII, considerada inata e responsável pela A respeito da importância da ‘linguística cartesiana’ para o conhecimento
da faculdade da linguagem, ver Chomsy (1966) e obras posteriores.
criatividade da linguagem, ou seja, pela capacidade que o homem 3
Asiatic Researches, t. I, p.422.
tem de formar novos enunciados que exprimem pensamentos novos, 4
Vergleichende Grammatik, ed. franc., p. 8, citado por George Mounin (1967),
p.175.
Há um elemento da competência lingüística humana que parece des, participam na formação de uma maneira distintiva local de falar,
ser universal, mas que vem sendo negligenciado em nossa disciplina. e os habitantes de uma região em geral usam estes traços locais, os
Trata-se da capacidade que têm os falantes de identificarem muitas quais, por conseqüência, ficam sendo marcadores da identidade lo-
características de outros falantes somente na base de ouvir a pessoa cal.
falar. Sempre que ouvimos alguém falando uma língua humana, for- A mesma coisa acontece com outras dimensões sociais: classe
mamos impressões da identidade social do falante, em termos de ca- social, por exemplo. Reconhece-se a identidade de um falante brasi-
racterísticas como sexo, idade, por exemplo. E conforme nossa experi- leiro em uma escala social através de características lingüísticas como
ência com a língua que a pessoa está falando, podemos reconhecer a concordância, presença ou ausência de processos fonológicos como
também características como o dialeto do falante (pelo menos se a pes- desnasalização de vogais nasais e apagamento do –r final, etc. Quem
soa fala como nós ou não), se é falante nativo ou não, e até classe diz mais ‘os home’ ou ‘as mulhé’ é provavelmente de origem social
social, escolaridade, profissão, atitude, relação com o ouvinte, etc. Fa- mais baixa, em comparação com o falante que diz ‘os homens, as
zemos essas estimativas automática e facilmente, sem fazer muito es- mulheres’. Estes marcadores lingüísticos compartilham uma dupla
forço analítico. característica: reúnem os falantes de uma camada social e os distin-
Pois bem, se essa capacidade faz parte da competência lingüís- guem coletivamente dos falantes de outras camadas. Então, com base
tica, quais são as implicações para a disciplina de lingüística? Em nessas observações, podemos chegar a uma segunda conclusão: as
primeiro lugar, isso implica alguns aspetos fundamentais da natureza diferenças entre pessoas são sistemáticas e não aleatórias, isto é, elas
do nosso objeto de estudo – a linguagem. Um aspeto óbvio é que a correspondem à organização social e refletem subgrupos de falantes
língua deve ser finamente diferenciada, e não um objeto uniforme e que usam as mesmas características.
monolítico. Para podermos perceber essas distinções entre falantes, Finalmente, é importante notar um terceiro ponto: a diferenci-
devem existir diferenças lingüísticas a ser percebidas. Quando reco- ação que estamos discutindo não é limitada a diferenças entre falan-
nhecemos, por exemplo, que um falante desconhecido é homem ou tes, ela acontece também dentro do falar de cada pessoa. Isto é, os
mulher, estamos percebendo alguma diferença entre as vozes de ho- falantes não falam sempre do mesmo jeito, mas variam o uso por
mens e as de mulheres. Quando reconhecemos a voz de um conheci- vários motivos. Efetivamente, manipulam essas mesmas diferenças
do específico, isso implica que cada indivíduo tem características sociolingüísticas para fins comunicativos e sociais. Quando percebe-
distintivas. mos, pela maneira de alguém falar, que está mostrando formalidade ou
Esses dois exemplos podem ser explicados, talvez, na base de informalidade, polidez ou intimidade, etc., estamos percebendo carac-
qualidades acústicas ou fonéticas das vozes – por exemplo, as diferen- terísticas lingüísticas que distinguem o uso deste estilo ou registro de
ças entre homens e mulheres na freqüência fundamental da voz. Mas outros estilos ou registros.
a diferenciação entre falantes tem que ir além disso, abrangendo outras Para resumir, então, a competência que temos, de distinguir e
estruturas da língua. Quando reconhecemos que uma pessoa é ou não identificar outros com base somente na produção lingüística, sugere
é falante nativo de português, ou que é carioca, gaúcha, ou cearense, três conclusões sobre a natureza da linguagem: uma língua humana é
ou que é de classe média ou classe trabalhadora, não é um traço mera- extensivamente diferenciada, essas diferenças são sistemáticas e ocor-
mente acústico ou articulatório que estamos notando, porque não exis- rem tanto dentro de quanto entre os falares de indivíduos. Então,
te nenhum elemento fisiológico na estrutura do trato vocálico que dis- quais são as implicações dessa competência para a teoria lingüística?
tinga brasileiro de estrangeiro, ou carioca de gaúcho. Para fazer tais Me parece que nós, lingüistas, precisamos de duas ferramentas teóri-
avaliações das origens sociolingüísticas de um falante, devemos estar cas para trabalhar com esses fatos. Primeiro, precisamos de uma
percebendo diferenças em outros níveis estruturais: na fonologia, na maneira adequada de descrever semelhança e diferença entre varieda-
sintaxe, no léxico, etc. Portanto, concluímos que as diferenças entre des de língua. Não será adequado falar de diferenças amplas e categó-
falantes de uma língua devem ser EXTENSIVAS, isto é, devem atingir muitas ricas, assim como fazemos quando dizemos que uma estrutura ou uma
áreas da gramática mental. palavra É português ou NÃO É português, absolutamente. A diferencia-
Ao mesmo tempo, essa capacidade de reconhecer característi- ção fina que os falantes reconhecem e manipulam é em um nível mais
cas nas vozes dos outros implica não só diferença, mas também se- sutil: os falantes de diferentes dialetos ou classes sociais têm muitas
melhança! Os traços lingüísticos distintivos que nos permitem atri- coisas em comum, ao mesmo tempo em que têm algumas diferenças.
buir uma identidade social às vozes que ouvimos devem ser sistemá- Muitas vezes as diferenças são quantitativas e não qualitativas, como
ticos e gerais dentro dos grupos assim identificados. Se sabemos, os casos que citei do apagamento de –r final em português, ou a fre-
por exemplo, que um falante ‘é daqui’ ou ‘não é daqui’, isso implica qüência de concordância nominal. Precisamos então uma teoria que
que as pessoas ‘daqui’ (isto é, do nosso estado, ou município, ou fale dos vários aspectos de semelhança e diferença entre falantes, e até
dialeto) compartilham características lingüísticas entre si que pode- entre momentos de falar. No que segue, vou tratar disso usando algu-
mos reconhecer e que distinguem os falantes desta região de outros mas propostas provenientes do estudo da variação lingüística.
que não compartilham tais características. No português do Brasil, Segundo, precisamos de uma outra ferramenta teórica que nos
podemos citar vários traços regionais assim: por exemplo, os cario- permita justificar a organização social das diferenças lingüísticas e
cas, sistematicamente, palatalizam muito o –s final de sílaba, falam explicar por que certas pessoas são lingüisticamente semelhantes
muito chiado, enquanto as pessoas de outras regiões do Brasil não enquanto outras são diferentes. Qual a base teórica LINGÜÍSTICA de
fazem isso, ou não na mesma medida. Os gaúchos e catarinenses reunir falantes de uma região ou classe ou sexo, e procurar seme-
usam muito o pronome ‘tu’, que é pouco usado no resto do Brasil. lhanças entre eles? O elemento lingüístico – e não sociológico – será
Estas e muitas outras características lingüísticas, pequenas e gran- essencialmente as redes de comunicação: quem fala com quem. Aqui,
Tabela 4. Desnasalização no português do Brasil, por sexo do falante Todos esses exemplos indicam a validade da hipótese de que a
(Guy 1981, p. 233) diferenciação interna de uma comunidade reside fundamentalmente
Sexo % desnasalizada N peso no nível de uso geral, isto é, diferenças no parâmetro input entre
Masculino 74% 1300 0,61 falantes ou subgrupos da comunidade. Mas ainda temos uma coisa a
Feminino 59% 1425 0,39 considerar. Qual a evidência CONTRA a existência de diferenças de
efeitos de contexto dentro de uma comunidade? Pela hipótese que
Contudo, resultados como os que aparecem nas Tabelas 3 e 4 sugeri, as pessoas que formam uma comunidade de fala devem com-
ainda nos deixam com uma pergunta. Essas tabelas não mostram resul- partilhar os mesmos efeitos de contexto nos processos variáveis, en-
tados individuais para cada falante, só apresentam números para todos tre os traços lingüísticos que definem a comunidade. Paradoxalmente,
ABSTRACT: The connection between use and norm is evaluated in its relationship with the period of time, starting from the traditional relationship
between norm and “auctoritas” as well as between norm and “urbanitas”. The study puts forward the idea that the decision on prescriptive norm cannot
result from anybody’s authority.
PALAVRAS-CHAVE: gramática; uso lingüístico; norma prescritivista; padrão lingüístico.
Num confronto entre uso e norma que se pretenda iluminado ses sabores falava), não foi aí que deixamos de colocar autoridade nos
por princípios de uma ciência lingüística, o primeiro pecado seria “clássicos” portugueses (clássicos entre aspas, porque aí estavam ro-
fixar as bases do exame naquele esquema antigo clássico de associa- mânticos como Herculano, Garrett, Camilo, e aí estava Eça). A revira-
ção de uso (usus) com rusticidade (rusticitas) e de norma (auctoritas) volta foi muito depois, com certeza ligada à introdução da disciplina
com urbanidade (urbanitas). Sabemos que a marca desse fosso entre Lingüística nos Cursos de Letras. Basta examinar os livros didáticos a
autoridade de modelos e uso popular, entre garantia na fixidez e partir de meados do século XX1 e acompanhar a mudança em relação a
corrupção na mudança, permaneceu na tradição, e o que é mais inte- uma Antologia Nacional (de Carlos de Laet e Fausto Barreto) ou a um
ressante, na própria visão do povo, que, como percebemos claramen- Trechos seletos (de Sousa da Silveira). Note-se bem que, nas Observa-
te nos dias de hoje, fala como pode, mas considera e aceita que não ções gerais da Reforma Capanema, de 1941, ainda se lê que o profes-
fala como deve, quando não tem o padrão autorizado. sor deve zelar pela língua, “protegê-la das forças dissolventes que es-
No percurso dessa anteposição de forças, até mesmo a fixação tão continuamente a assaltá-la” (grifo meu).
do padrão da língua no uso de bons escritores contemporâneos – isto A desvinculação se deu atabalhoadamente: povoaram-se os li-
é, a fixação do bom uso sem vinculação com um determinado perío- vros didáticos de textos de autores contemporâneos, de crônicas, e,
do do passado – foi uma conquista. Com a desvinculação do passado até, de histórias em quadrinhos, que reproduziam, em balões, a língua
e a transposição do bom uso contemporâneo em norma, continua a falada da conversação. Entretanto, o que se apresentava como uma
imposição de padrões, continua a valorização de modelos, mas um total liberação de parâmetros instituídos não encontrava contraparte na
par componente daquele fosso clássico perde posição: a relação de condução das lições (especialmente lições de gramática) que acompa-
uso (usus) com modernidade (modernitas) e de autoridade (auctoritas) nhavam esses textos. Mantinha-se uma gramática de paradigmas, pos-
com “antiguidade” (vetustas). tos agora apenas como esquemas, desacompanhados de um discurso
Preciso fazer um parêntese para dizer que a mudança lingüística é normativo de orientação de emprego, algo como um molde de rótulos
obviamente reconhecida por qualquer usuário atento da língua. Vejamos de categorias a ser distribuído pela superfície das ocorrências. Com
que já dizia Dante (De vulgari eloquentia I, IX, 6-11, apud Schlieben- tanta teoria despejada nos livros e nas aulas de lingüística nas universi-
dades, no entanto o que os manuais didáticos ofereciam – e foram
Lange, 1994) que:
oferecendo seguidamente – eram lições vazias, exercícios mecânicos,
a) uma língua não pode ser durável (durabilis) porque os seres
uma gramática pífia. Foi a partir daí que a comunidade de falantes
humanos também não o são;
começou a pedir socorro, com base neste raciocínio: de que servem
b) as línguas não são contínuas (continuae), o que significaria
aulas de língua portuguesa se não só não fazem refletir sobre a língua
que elas mudam em saltos;
como também não oferecem ganho social, porque não logram colocar
c) as línguas variam como os costumes e os hábitos (mores et
o indivíduo na “aristocracia” da linguagem?
habitus), isto é, elas se comportam como os outros objetos culturais
Quando se diz - como disse Luft (1985, p.23) - que “a verda-
socialmente constituídos;
deira gramática” é “flexível” e que a disciplina normativa “tende à
d) as línguas não podem ser fixadas nem pela natureza nem
fixação e inflexibilidade, portanto à morte”, e, ainda, que “a Gramá-
por veredito jurídico (nec natura nec consortio), e ganham sua esta- tica completa de uma língua deveria registrar a variabilidade e evolu-
bilidade pela tradição (beneplacitum) e proximidade local ( locali ção”, com certeza não fica implicado que a norma é um conceito a ser
congruitate). descartado. Pelo contrário, a própria “variabilidade e evolução” - que
Lembremos, entretanto, que foi a ciência lingüística que, com a sociolingüística traduz em “variação e mudança” - é o suporte da
marco em Coseriu, mais que verificar e explicitar mudança na vida consideração da existência de diversos modos de uso, não só em lu-
das línguas, colocou a variação lingüística como uma manifestação gares e em tempos diferentes, mas, ainda, em situações diferentes
evidente da natureza e da essência da linguagem. (entendida situação não apenas como contexto, mas como o conjun-
Especialmente na história da língua portuguesa no Brasil, te- to que se assenta nos próprios sujeitos das enunciações, com toda a
mos ingredientes para ilustrar essa alteração do confronto entre uso e história, a natureza e o estatuto que eles carregam).
norma, menos preso à crença em uma invariabilidade das línguas. Ora, é a própria consideração da funcionalidade da língua que
Houve um Brasil colônia submetido política, jurídica e culturalmen- leva à consideração de que a noção de norma (e não apenas no sentido
te a Portugal, e, trezentos anos depois, um Brasil independente, ávi- que lhe dá Coseriu, mas também no sentido de modelo) é inerente à
do da construção de uma identidade nacional e disposto a um con- noção de uso lingüístico. A primeira ressalva, entretanto – que é liga-
fronto com a antiga metrópole nas questões de cultura e língua, os da, também, à consideração da funcionalidade da língua –, é que, se as
pontos nevrálgicos da afirmação de uma nacionalidade. Era, afinal,
uma nacionalidade que nascia marcante: nova nas cores das muitas
raças, nova nos sabores das muitas selvas).
Entretanto, com toda a retórica dos nossos autores românticos 1
Aponte-se, nos anos 60, o desenvolvimento da etnometodologia, com
nacionalistas (especialmente Alencar, que em nome dessas cores e des-
Dell Hymes, Gumperz, Erickson.
RÉSUMÉ: Le Grupo de Filologia Românica, dirigé par Nilton Vasco da Gama, fait des recherches qui analysent le procès de formation de quelques
caracteristiques des langues romanes. Les deux directions des études sont les fondaments de l’investigation – le texte – qui est à l’origine des éditions
critiques preparées. L’investigation des changements linguistiques ne s‘ éloigne du texte, le but le plus noble et le plus autentique de la Philologie.
PALAVRAS-CHAVE: Línguas românicas, mudanças lingüísticas; texto
Ao considerar-se que a Filologia estuda o fato cultural e que a fessor Nilton Vasco da Gama, a partir do enfoque da lexicografia em
língua é um dos elementos da cultura do homem, evidencia-se que os parte dos cursos de Filologia Românica, vem traçando um breve esboço
estudos filológicos tanto se ocupam dos textos escritos, como da da história da lexicografia francesa, comentando algumas das etimologias
língua falada. Desse modo, a base para o desenvolvimento das pesqui- justas, parcialmente justas, falsas e obscuras propostas por G. Ménage
sas em Filologia Românica é a noção de que a língua é um ser histórico no seu Dictionnaire étymologique ou Origines de la Langue Française.
e de que a sua história se confunde com a história do povo que a fala. Tece, desse modo, algumas considerações a respeito de uma das mais
A pesquisa em Filologia Românica na Universidade Federal da controvertidas figuras no campo da lexicografia no século XVII: Gilles
Bahia sempre privilegiou duas vertentes, o estudo das mudanças lin- Ménage. Célia Marques Telles estuda, a partir de documentos da litera-
güísticas e o das edições críticas de textos. No sentido de que as duas tura de viagens em quatro línguas românicas tanto o discurso desses
perspectivas são inseparáveis lembre-se o que já foi dito em outras textos, como as relações grafemático-fonéticas que permitem documen-
ocasiões e que se pode resumir dizendo dever ser o trabalho filológico tar neles o registro que corrobora a mudança fonética em processo,
acompanhado de uma tomada de consciência dos seus processos e das acompanhando a grafia das consoantes africadas e fricativas palatais em
limitações que eles não permitem ultrapassar. Realmente, não é possí- textos portugueses e espanhóis de finais do século XV a fins do século
vel distanciar-se daquilo que é o elemento fundamental do texto: a XVI. Teresa Leal Gonçalves Pereira estuda processos de gramaticalização
língua. E, ao enfocar-se a língua, é preciso considerar a problemática na morfologia verbal e relações grafemático-fonéticas também a partir
da natureza tempo-dependente (“tipe-dependent nature”) do sistema de textos quinhentistas.
lingüístico (Thibault, 1996:80-110). Nesse enfoque de interfaces, duas A outra linha de pesquisa, a Crítica Textual, acha-se alocada na
perspectivas podem ser consideradas: na primeira, o da mudança lin- área Teorias e Crítica da Literatura e da Cultura. Evidencia-se, assim,
güística, o texto é testemunho da língua; na segunda, a da crítica textu- pela distribuição nas duas áreas a compreensão de que os estudos
al, a língua é apenas um dos elementos do texto, embora o mais impor- filológicos, como estudos da cultura, sempre se situam sobre as duas
tante deles, pois, o texto é estruturado pelas possibilidades de uso da vertentes: a da descrição lingüística e a da exploração dos textos.
língua. (Telles, 2001). A linha Crítica Textual estuda os documentos relacionados
A linha Mudanças lingüísticas na România, inserida na área de com aspectos culturais do Recôncavo Baiano, visando à edição crítica
Lingüística Histórica enfoca especificamente o tratamento lingüístico de textos manuscritos e de textos modernos. Examina e edita textos
do texto e estuda dos elementos básicos da Romanística, buscando quinhentistas a fim de acompanhar a mudança em processo da língua
analisar fatos da formação das línguas românicas em diferentes níveis no seu momento de cristalização. Dedica-se, ainda, à análise e edição
lingüísticos. Desenvolvem-se dentro dela dois projetos coletivos: de um texto em letra gótica: o Libro de açedrex, dados e tablas de
• Estudo Diacrônico de Fenômenos Lingüísticos da România, Alfonso X. Os projetos distribuem-se em dois grandes programas: o
onde se faz o levantamento de fatos comprobatórios das mudanças Programa Edição Crítica da Obra de Arthur de Salles e o Programa
lingüísticas na România, especialmente a partir de textos quinhen- Edição de textos manuscritos.
tistas. O primeiro abarca seis projetos, um deles, participando de
• Estudos sobre a Lexicografia Românica, onde são desenvol- Projeto Integrado, com financiamento do CNPq, outro com financia-
vidos estudos diacrônicos sobre a formação do léxico românico. Por mento de bolsas de iniciação científica (PIBIC/CNPq).
outro lado, faz-se, também, a análise da historiografia dos estudos 1. Arthur de Salles: o homem e a obra, no qual se faz a análise
lexicais na França, em especial o século XVIII. dos dados obtidos na busca da obra dispersa, que permitem compre-
Nessa linha de pesquisa trabalham três professores, Nilton ender e descrever o homem e entender o processo de construção do
Vasco da Gama, Célia Marques Telles e Teresa Leal Gonçalves Perei- discurso do autor; enfim, preparam-se as edições crítico-genéticas,
ra. Acham-se desenvolvendo teses de doutorado dentro dela, três criticas e semidiplomáticas da obra do autor.
alunos: José Raimundo Galvão (orientado por Célia Marques Telles), 2. A Cultura Baiana: visão de Arthur de Salles nas cartas a
Samantha de Moura Maranhão (orientada por Teresa Leal Gonçalves Durval de Moraes, onde se procede à análise do registro dos fatos que
pereira) e Gustavo Ezequiel Etkin (orientado por Célia Marques Telles) marcaram a atividade cultural na Bahia, a partir da correspondência
que estudam a descrição do léxico românico e aspectos da evolução entre A. de Salles e D. de Moraes, na tentativa de procurar analisar a
semântica de formas românicas. Os trabalhos de mestrado, de modo cultura baiana na visão de Arthur de Salles. Os resultados desse pro-
geral estudam a descrição do vocabulário do português medieval, do- jeto são confrontados com aqueles do projeto integrado Resgates da
cumentado nas cantigas de escárnio e de maldizer. Em 2000 foi defen- memória cultural: acervos, imagens, identidades.
dida uma dissertação que estava sendo preparada segundo esse enfoque, 3. Estudo do vocabulário de Arthur de Salles, trata-se da reto-
a de Aurelina Ariadne Domingues Almeida, orientada por Nilton Vasco mada do estudo sistemático do vocabulário de Arthur de Salles. De-
da Gama (Almeida, 2000). senvolve análises e classifica o vocabulário de Arthur de Salles, a
Quanto ao trabalho desenvolvido pelos docentes têm-se concen- partir de cada uma das suas obras publicadas ou das edições que
trado quer na descrição funcional das mudanças, quer no estudo vierem a ser preparadas de sua obra dispersa.
grafemático-fonético, quer na análise das estruturas discursivas. O pro- O segundo programa, Edição de textos manuscritos, engloba
ABSTRACT: This paper summarizes origins, formation and implementation of the “Programa para a história da língua portuguesa – PROHPOR”.
This research group is linked at the Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia. It researches in the frame of Historical Linguistics and
of the history of the Portuguese language.
PALAVRAS-CHAVE: Lingüística Histórica, História da Língua Portuguesa, Filologia.
A linha de pesquisa, vinculada ao Departamento de Letras Poggio, em 1996, do Departamento de Fundamentos para o Estudo
Vernáculas e ao Programa de Pós-graduação em Letras e Lingüística do das Letras, do Instituto de Letras.
IL-UFBa, Constituição histórica da língua portuguesa é a reformulação Esse grupo tem tido desde 1992 bolsistas de Iniciação Científi-
da linha anterior Morfossintaxe do português arcaico, inscrita em ca, nunca muito numerosos e, na ordem cronológica são eles:
nosso Curso de Mestrado, iniciado em 1976, linha sob minha respon- Maximiliano Miranda Guimarães, Permínio Ferreira, Fabiana Cam-
sabilidade, como pesquisador individual, de 1976 a 1990 e fundamen- pos, Anna Maria Frascolla Calmon, Alex Simões, Uilton Santos, Síl-
ta o “Programa para a história da língua portuguesa – PROHPOR”. via Silva, Klebson Oliveira, José Mendes. Desses, dois estão se dou-
Em 1990, com outros professores do Departamento de Letras torando: Max Miranda, em Maryland (USA) e Permínio Ferreira, na
Vernáculas – Maria do Socorro S. Netto, Therezinha Barreto e Sônia USP; e já concluiu o seu Mestrado Sílvia Silva. O Grupo também teve
Borba Costa – começamos a nos estruturar no Grupo de pesquisa que e tem bolsistas de Iniciação Científica na UEFS e na UNIFACS, a
viria em 1991 a ser batizado de Programa para a história da língua partir da atuação da Drª. Ilza Ribeiro nessas universidades.
portuguesa – PROHPOR. Reformulamos a linha anterior, para torná- Outro aspecto a destacar na dinâmica do Grupo é o fato de que
la mais abrangente no campo da história da língua portuguesa e assim se iniciou com um doutor, eu própria; em 1994, Ilza Ribeiro se douto-
surgiu a linha Constituição histórica da língua portuguesa. rava na UNICAMP; em 1999 Therezinha Barreto e Rosauta Poggio
Em 1991 se integraram a essa linha e a esse Grupo de pesquisa se doutoraram pelo PPGLL-IL-UFBa – os primeiros doutores de
professores da Universidade Estadual de Feira de Santana (agora tam- nosso Programa de Pós-graduação; em agosto passado, doutorou-se
bém da UNIFACS as duas primeiras): Ilza Ribeiro, que iniciava seu Dante Lucchesi, que em 1993 concluía seu Mestrado na Universidade
doutoramento em diacronia gerativa na UNICAMP; Sílvia Rita Olinda, de Lisboa. Em processo de doutoramento estão Tânia Lobo, na USP,
Tânia Lobo e Dante Lucchesi, logo depois, os dois últimos, concursados com Mestrado também em Lisboa; Sônia Costa e Anna Maria Macedo,
para a UFBa. no PPGLL; Zenaide Carneiro e Norma Fernandes, na UNICAMP. É
Em 1992 nos apresentamos, os oitos antes nomeados, para soli- de notar que a formação acadêmica do Grupo tem se diversificado,
citação de nosso primeiro Auxílio Integrado ao CNPq, com o Programa evitando a endogenia – Universidade (Clássica) de Lisboa; UNICAMP;
para a história da língua portuguesa – PROHPOR. Programa, porque USP; UFRJ têm sido instituições em que os pesquisadores de nosso
reunia um conjunto de Projetos – projetos individuais de cada pesquisa- Grupo têm ido buscar aperfeiçoamento.
dor e um projeto coletivo que resultou em 1996 no livro A ‘Carta de Mestrandos e doutorandos do PPGLL vinculados à linha Cons-
Caminha’: testemunho lingüístico de 1500. tituição histórica da língua portuguesa têm se fixado ao Grupo ou a
Esse Programa de pesquisa, em seu texto inaugural, de 1992, se ele se vinculam enquanto dura a sua pós-graduação. Os que estão
estruturou em quatro campos de trabalho: a. Estudos da morfossintaxe filiados ao Grupo sem vínculo empregatício com a UFBa e em outras
e sintaxe na história do português; b. Fontes para a história da língua universidades são Permínio Ferreira, doutorando-se na USP; Américo
portuguesa no Brasil; c. Construção de um banco de textos Machado Lopes Filho, que defendeu seu Mestrado em março deste
informatizados para a história do português; d. Seminários de for- ano e que tem avançado o seu doutoramento no PPGLL e Juliana
mação contínua dos pesquisadores do grupo. Definiu-se, como arco Soledade Coelho, mestranda com vistas ao doutoramento. Esses dois
de tempo para pesquisa, a língua portuguesa das origens ao fim do últimos, além de seus projetos próprios para a pós-graduação, junta-
período arcaico (meados do séc. XVI), daí infletindo para a história do mente com Sílvia Silva, estão levando à frente um dos Projetos iniciais
português brasileiro. Como objetivo principal, o PROHPOR tem a do PROHPOR, pensado por Dante Lucchesi – o do Banco de textos
reconstrução de aspectos do passado do português, com base em informatizados para a história do português, que ficou em suspenso,
análise de novos dados e de velhos dados reanalisados. não só pela saída de Dante Lucchesi para seu Doutoramento, mas
Ao longo desses dez anos o quadro de pesquisadores vem se também por limitações técnicas.
refazendo, saindo dele Maria do Socorro S. Netto e Sílvia Rita Olinda, Quanto às linhas teóricas do PROHPOR: a. há pesquisadores,
por razões de ordem profissional; e agora o Professor, já Doutor, liderados por Ilza Ribeiro, que, com seus orientandos de Mestrado e
Dante Lucchesi, recém doutorado pela UFRJ e já está credenciado em Doutorado, trabalham no quadro teórico da teoria da gramática
nosso PPGLL na linha da Diversidade lingüística do Brasil. Por outro gerativa (ordem sintática, clíticos); b. no quadro teórico variacionista,
lado, outros pesquisadores entraram no Grupo e, pela via de Ilza Tânia Lobo, tanto no seu Mestrado como no Doutorado em andamen-
Ribeiro, da UEFS se integraram ao PROHPOR as professoras Zenaide to (clíticos), também Dante Lucchesi, na sua tese de doutoramento
Carneiro e Norma Fernandes, no momento doutorando-se na (variação de gênero em comunidade afro-brasileira isolada); c. no qua-
UNICAMP; da UFBa, pela via da pesquisa para o Mestrado e Dou- dro teórico funcionalista, centradas em questões de gramaticalização
torado se integraram ao Grupo, respectivamente, Anna Maria Macedo, – Therezinha Barreto (itens conjuncionais na história do portugu-
em 1994, do Departamento de Letras Vernáculas e Rosauta Fagundes ês); Rosauta Poggio (preposições do latim para o português arcai-
ABSTRACT: This paper analyses how the Portuguese Didatic Books treats the intertextuality fenomena of language . We pay atention to the forms
the exercices are proposed to the students and how the Teacher‘s Manual explains the concept of intertextuality..
PALAVRAS-CHAVE: Intelectualidade, vozes, discurso.
ABSTRACT: This article debates the analysis made from Portuguese teachers on ‘Guia de livros didáticos’ (1999) reviews. Note that not always the
review structure suggests the classification intended for the didactic manual, that is, “recommended with distinction, recommended and recommended
with provisos”.
PALAVRAS-CHAVE: Resenha. Livro didático. Leitura do professor.
ABSTRACT: This paper examines how (and if) writting exercises in portuguese school books (PSB) deal with complexity gradation. The corpus includes
5 didatic colections (19 books). Two principles guided the work: a) writting hability expands through the contact with different kinds of text; b) PSB, for
their didatic nature, shall consider complexity gradation in writting activities.
PALAVRAS-CHAVE: produção de texto, livro didático, ensino de português, gêneros textuais.
Este trabalho enfoca as propostas de produção de textos escri- Língua Portuguesa de 5a a 8a séries afirmam:
tos em livros didáticos de português (LDPs) quanto à gradação de “Nessa perspectiva, é necessário contemplar, nas atividades
complexidade. Dois princípios referentes à aprendizagem de língua de ensino, a diversidade de textos e gêneros, e não apenas em
materna nortearam esta análise: a) não é suficiente expor os aprendi- função de sua relevância social, mas também pelo fato de que
zes a uma tipologia textual variada; é preciso fazê-lo de modo a permi- textos pertencentes a diferentes gêneros são organizados de
tir, gradativamente, o domínio de diferentes recursos de textualização; diferentes formas.” (Brasil, 1998: 23-24).
b) os manuais didáticos, por sua natureza pedagógica – refletida na Outros autores, como Bronckart (1999: 103, apud Marcuschi,
sua organização interna – devem apresentar gradação de complexida- 2000: 6) também apontam essa necessidade: “A apropriação dos
de nas atividades de produção textual. gêneros é um mecanismo fundamental de socialização, de inserção
Nosso corpus é composto de 19 volumes: uma coleção de prática nas atividades comunicativas humanas”.
ensino médio e quatro coleções do ensino fundamental, sendo, dentre Quanto à constituição dos gêneros, dizem os PCN
estas últimas, duas destinadas aos dois primeiros ciclos e duas desti- “Todo texto se organiza dentro de determinado gênero em fun-
nadas aos dois últimos ciclos. Examinamos as propostas de produção ção das intenções comunicativas, como parte das condições de
textual quanto aos seguintes aspectos: a) tipologia pedida; b) relação produção dos discursos, as quais geram usos sociais que os
com a tipologia do(s) texto(s) de leitura da unidade; c) orientações determinam. São caracterizados por três elementos:
para a produção; d) orientações para a avaliação (seja por parte do • conteúdo temático: o que é ou pode tornar-se dizível por meio
aluno-autor, dos colegas ou do professor). Nossa preocupação não é do gênero;
quantitativa, portanto os comentários sobre os exemplos represen- • construção composicional: estrutura particular dos textos
tam a tendência dos LDPs examinados. pertencentes ao gênero;
• estilo: configurações específicas das unidades de linguagem deriva-
Mudança à vista: o livro didático e a Lingüística das, sobretudo, da posição enunciativa do locutor; conjuntos particu-
É preciso admitir: o livro didático melhorou e muito. Rangel, lares de seqüências que compõem o texto, etc.” (Brasil, 1998: 21)
em seu artigo Livro didático: o retorno do recalcado (2001), aponta
esse aprimoramento como uma conseqüência das cobranças feitas Podemos relacionar os três elementos acima com o que é neces-
tanto por parte das instâncias governamentais, através do Programa sário, segundo Geraldi (1997:137), para a atividade de produção de
Nacional do Livro Didático (PNLD) do MEC, quanto por parte da texto. Assim, é preciso: a) ter o que dizer (conteúdo temático); b) ter
ciência lingüística e dos professores, insatisfeitos com o que até então um razão para dizer; c) ter a quem dizer; d) constituir-se como sujeito
vinha sendo apresentado. do que diz (estilo); e) ter como dizer (construção composicional e
Antes da chamada “virada pragmática” no ensino de língua estilo). Diante dessas considerações de ordem teórica, vejamos como
(Rangel, 2001), os LDPs apresentavam: a) gramática como eixo cen- os LDs propõem as atividades de escrita.
tral de trabalho; b) exclusividade ou predominância do texto literário; Os exercícios de produção de texto dos LDPs, em geral, dei-
e c) deconsideração do funcionamento social dos textos. Cada um xam implícitas muitas das orientações fundamentais a respeito do
desses aspectos foi revisto, o que levou grande parte dos LDPs a gênero textual pedido. Há quem defenda essa postura por uma ques-
privilegiarem, respectivamente: a) enfoque centrado no texto; b) di- tão de simplificação pedagógica. No entanto, mesmo sem expor todos
versidade tipológica; e c) consideração de fatores situacionais, tanto os detalhes a respeito do gênero, é possível explicitar para o aluno o
para a leitura quanto para a produção. que, de fato, é esperado de seu texto, de modo que a avaliação possa
Apesar desses avanços, ainda não houve um aprimoramento alicerçar-se sobre critérios claros e previamente estabelecidos.
significativo no que diz respeito à gradação de complexidade1 das Reinaldo (2001), ao analisar as orientações para a produção
atividades de produção de texto. Tendo em vista o caráter pedagógico textual em LDPs, encontrou as seguintes tendências metodológicas:
dos LDs, ou seja, o seu compromisso com a aprendizagem do aluno,
é essencial considerar essa gradação.
Nesse momento, encontramos uma grande dificuldade: que 1
Esse é um dos critérios de avaliação de LDPs, estabelecidos pelo MEC,
parâmetro ou critério deve nortear a gradação de complexidade no que deve ser observado para todos os blocos de conteúdos da área:
caso da produção de texto nos LDs? leitura, conhecimentos lingüísticos e produção de texto.
2
Segundo Marcuschi (2000: 6), tipos são construtos teóricos que abrangem
em geral, cinco a dez categorias, designadas narração, argumentação, ex-
Produção de texto: muitos implícitos, poucas orientações
posição, descrição, injunção e, para alguns autores, diálogo. Os gêneros,
É consenso, entre os especialistas da língua, a necessidade de se por sua vez, são formas textuais estabilizadas, histórica e socialmente situ-
tratar a diversidade de tipos e gêneros textuais na escola. 2Os PCN de adas.
ABSTRACT: When proposing the orality treatment in the portuguese-speaking class book, the National Curricular Parameters (PCN) are contributing
to exclude from the teaching Portuguese language the belief that the orality while “mistake place”, of the informality, of the language bad use. This
work aims articulate PCN’s proposals, relative to the orality, and its treatment in the class book.
PALAVRAS-CHAVE: oralidade, ensino de português, livro didático, exercícios
O tratamento da oralidade passou a ser objeto de estudo no Pois apenas pinçam aquilo que é proposto nos PCNLP e apli-
livro didático de língua portuguesa (LD) a partir da implantação dos cam em seus manuais didáticos na forma de exercícios freqüentemente
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) em 1997. Até então, não desconexos e sem sentido, sem a articulação prometida na “atraente”
havia critérios para o ensino de língua materna – pautada apenas no apresentação do manual ao professor,concluindo que preencheram os
ensino da escrita - a não ser os estabelecidos pela gramática normativa. requisitos de um LD adequado.
A oralidade, ou melhor, a fala era encarada como o lugar do mau uso da Pode parecer que estou fugindo ao tema que diz respeito à
língua. Pois partia-se de uma perspectiva dicotômica da relação “fala oralidade, mas o que acontece é que a questão de fato é mais complexa
e escrita”, cabendo à primeira o erro e à segunda o acerto. do que imaginamos. Se o tratamento da oralidade vai mal no LD, esta
Tal perspectiva reflete uma tradição teórica Saussureana (1916) é somente a “ponta do iceberg”. Que reflete, entre outras coisas,
adotada ao longo da história da lingüística, a qual excluía de seus problemas referentes
estudos ‘a fala’, revelando ser ‘a língua’- enquanto estrutura – seu · ao papel dado ao ensino neste país, ou melhor às políticas
objeto ideal. Assim estruturou-se o ensino de língua portuguesa, ou públicas e privadas do ensino no país,
melhor, de gramática da língua portuguesa. · ao distanciamento entre pesquisa e a prática de sala de aula,
Com as mudanças ocasionadas pelos PCN muitos autores/ · à delimitação do próprio objeto língua materna.
editores passaram a se preocupar com a apresentação do material Se a oralidade é posta à escanteio nos manuais de ensino de
didático por eles produzidos. Por outro lado, o MEC inicia o Pro-
Língua Portuguesa, muito se deve não só aos problemas rapidamente
grama Nacional do Livro Didático (1998) visando avaliar a qualidade
destacados, mas também às próprias escolhas na delimitação do obje-
destes livros. Aos livros cujos critérios correspondem ao mínimo
to da lingüística e esta escolha sempre privilegiou a língua, que apre-
desejado pelos PCN, estes recebem “estrelas” classificatórias, quanto
senta regras/normas/ regularidades, e a fala, pela “crença” em seu cará-
maior a quantidade de estrelas, melhor a qualidade do LD. Este
ter individual e idiossincrático, foi deixada de lado. Mas com a emer-
material é disponibilizado ao professor, que a partir de resenhas e do
gência de trabalhos sociolingüísticos, de etnografia da fala,
número de estrelas classificando o manual, poderá adotá-lo em seu
etnometodologia, análise da conversação, as pesquisas lingüísticas
trabalho. Como mostra o trabalho de Elizabeth Marcuschi (O guia
voltam-se para fala. Com destaca Marcuschi (2001: 22):
de livros didáticos e a leitura do professor) tais resenhas nem sem-
pre são elucidativas quanto à qualidade do livro a ser escolhido pelo
professor. “Na sociedade atual, tanto a oralidade quanto a escrita são
Ao que parece a “mudança” na qualidade do LD deve-se muito imprescindíveis. Trata-se, pois, de não confundir seus papéis e
mais à uma demanda mercadológica, afinal o maior mercado consumidor seus contextos de uso, e de não discriminar seus usuários”.
destes livros é o próprio governo (MEC), pois nas escolas públicas o
material é gratuito, do que a uma vontade em melhorar a qualidade do É nesta perspectiva também que os PCNLP tomam o traba-
ensino e do material didático de Língua Portuguesa. lho com a oralidade quando destacam que o uso da língua envolve a
Vários são os critérios que estes manuais devem cumprir para prática de escuta, isto é,
serem considerados aceitáveis e ter direito às famosas estrelas. Mas o que
se tem visto é que muitos autores/editores não têm uma noção clara do “a escuta refere-se aos movimentos realizados pelo
que representa: sujeito para compreender e interpretar textos orais”
(PCNLP:35).
“o domínio da linguagem, como atividade discursiva e cognitiva, Diante deste panorama, partimos para a observação do traba-
e o domínio da língua, como sistema simbólico utilizados por uma lho proposto pelo LD, referente a esta modalidade de uso da língua: a
comunidade lingüística” (PCNLP1 , 1998:19). oralidade2 . Ao analisar três coleções referentes ao terceiro e quarto
ou ciclo do Ensino Fundamental (Coccó & Hailer, 1994; Guindaste et al,
1998; Lopes & Lara, 1997). Nestas coleções, o Manual do Professor
“a unidade básica do ensino só pode ser o texto” (PCNLP, explicita de maneira bastante genérica o tratamento que será dado à
op.cit.: 23) oralidade. Assim temos:
ou sequer que
1
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa.
“os conteúdos de Língua Portuguesa articulam-se em torno de 2
Marcuschi (2001) destaca a relação oralidade versus letramento e fala
dois eixos básicos: o uso da língua oral e escrita (...) “ versus escrita, cabendo ao primeiro grupo uma distinção entre práticas
(PCNLP:35) sociais e ao segundo, uma distinção entre modalidades de uso da língua.
RÉSUMÉ: Cet article a pour objectif d’analyser, dans la perspective théorique linguistique et discursive, les effets des commentaires rédigés par un
instituteur sur la première version qu’un élève de CE22 a écrite sur la fable “La cigale et la fourmi”. L’ auteur examine également les rapports entre
la première et la deuxiéme version écrite par l’ écolier.
PALAVRAS-CHAVE: texto em sala de aula, interferência do professor, singularidade, autoria.
Em relação ao discurso direto teríamos a estrutura “sujeito (3ª No início da 1ª versão destacado acima não há grandes surpre-
pessoa do singular, neste caso) + verbo dicendi + fala do personagem” sas. Apesar do texto ser menor, Yuri mostra, no enunciado “A cigarra
que poderia se apresentar através dos seguintes enunciados: cantava enquanto as formigas trabalhavam”, uma adequação se-
mântica e sintática que poderia ser indicada pela posição dos elemen-
- “a cigarra falou: eu posso [ficar até o verão/dormir]?” tos na cadeia sintagmática “X (a cigarra cantava) enquanto Y (as
- “a cigarra perguntou: eu posso dormir?” formigas trabalhavam)”. Estas posições dos termos X e Y apresen-
- “a cigarra pediu: eu podia/poderia dormir aqui?” tam-se de modo previsível e como possível na língua.
- “a formiga respondeu/disse: pois entre, cigarra.” Já o texto inicial da 2ª versão traz outros elementos que produ-
zem abalos nesta estrutura estabilizada. Depois de uma breve intro-
No discurso indireto a estrutura se apresenta como “sujeito (3ª dução “a cigarra morava em um tronco no topo de uma árvore...”,
pessoa do singular, neste caso) + verbo dicendi + o enunciado do perso- Yuri preserva a estrutura da cadeia sintagmática “X (a formiga cons-
nagem, introduzido por um elemento de ligação”. Este elemento de truía sua casa) enquanto Y (a cigarra cantava)”.
ligação pode se efetivar pelo “transpositor que, pela dubitativa se e O termo X marcado na 1ª versão (“a cigarra cantava”) sofre
pelos pronomes e advérbios de natureza pronominal quem, qual, onde, uma inversão de posição em relação ao termo Y (“as formigas traba-
por que, quando, etc.” (Bechara, 1999:482). lhavam”). Além disso, há uma metaforização entre “as formigas
trabalhavam” e “a formiga construía sua casa”, que se mantém
- “a formiga falou para ela dormir no formigueiro.” como uma espécie de paráfrase entre a ação de “trabalhar” e a ação de
- “a cigarra perguntou se podia dormir.” “construir sua casa”, que, de certa forma, retoma de modo mais espe-
- “a cigarra pediu para [ficar até o verão/dormir].” cificado a primeira ação. Esta relação de semelhança semântica entre
- “a formiga respondeu/disse para ela entrar.” os dois enunciados faz com que a emergência de “a formiga construía
sua casa” na posição de “X” restringisse o aparecimento de “a formi-
As formas “pediu”, “perguntou” e “falou” se mantêm tanto ga trabalhou”, mantendo-o na cadeia latente. No entanto, este enun-
no discurso direto como no indireto. Todavia, as restrições impostas ciado permanece na cadeia manifesta, fazendo com que ele soe estra-
pela cadeia não se estabelecem da mesma maneira, uma vez que a nho.
entrada do discurso direto amplia as possibilidades de continuidade, Assim, a emergência do enunciado “a formiga construía sua
enquanto que, no discurso indireto, a exigência do elemento de liga-
ção as restringe.
A semelhança entre as formas produzidas no estabelecimento
5
Para melhor compreender a noção de escuta sugerimos a leitura de
Calil (1997; 1998) e Calil & Nagamine (1999).
ABSTRACT: The propose of this work is to show, by means of exemplar cases, the illimited virtuality of the linguistic system in guaranteeing the
continuous renewal of language in the field of the lexicography.
We have tried, in the first place, to demonstrate the linguistic feeling of native speakers to put in practice the idiomatic rules that underlie the processes
of word formation un Portuguese, in spite of their taken for grandet ignorance.
In the second place, we have presented the special case of some not yet studied type of word formation, that’s to say, the singular oxytone words in
– é and ó – a kind of strange morphemes bearing the semic feature: “standard anatomic deviation”.
PALAVRAS-CHAVE: Virtualidade; canonicidade; variação; base paradigmática.
A prova provada da infinita potencialidade do sistema lingüístico acabado, mas uma ¦ν©ρνεια, uma criação contínua e que, tal como a
revela-se na produção ininterrupta de novas formas léxicas na suces- vida, está sempre se renovando. Colhemos o termo em gravação feita
são do tempo bem como na multiplicação dos espaços configurados com o Sr. Raimundo Carlos Filho, de Nova Russas, em que ele nos
como novos ecúmenos na constituição geopolítica dos povos. conta a peripécia de um caçador que se dispôs a pegar uma onça,
Com relação à língua portuguesa do Brasil cuja população re- munido apenas de uma corda e um cornimboque bem abastecido de
presenta a continuidade da herança lusitana a que se veio somar o tabaco ou rapé. No clímax do relato diz ele: quando a bicha saltou pra
aloglotismo dos aborígines e dos transplantados africanos, o panora- pegar o caboclo, ele destampou o cornimboque e sapecou o tabaco nas
ma lingüístico é dos mais variados e ricos que se possa imaginar. enxergas da onça. Aí ela, cegada pelo tabaco foi fácil amarrar e trazer
Focalizaremos nesta sumária comunicação algumas amostras pro curral.”
de variações lexicais representativas da criatividade do falante brasilei- Na realidade, o termo, claramente um deverbal de “enxergar”,
ro no processamento do seu direito de uso do sistema lingüístico por nos remete de imediato a “oiças”, deverbal de “ouvir”, de cunho
ele herdado e cujas regras ele nos dá continuamente provas de conhe- popular, e clicherizado na expressão deprecativa : “Deus tape-lhe as
cer à revelia das nossas cismas, suspeitas ou suposições em contrário. oiças.” Podemos, assim, estabelecer a seguinte quarta proporcional:
Decidimos apresentar alguns casos de formas lexicais margina- Enxergas: enxergar:: oiças (ou ouças): ouvir.
lizadas em face da canonicidade lexicográfica e procurar explicá-las à Observemos ainda que a base paradigmática por nós
luz de certos processos utilizados recorrentemente pelo sistema estabelecida, encontra igualmente um perfeito símile no francês, em
lingüístico, o que lhes confere, a nosso ver, o estatuto de legitimidade que o termo popular “Esgourde” designativo de “oiça” (ouvido ou
gramatical. orelha) representa o provençal “escouta”, ou seja, escuta, 3ª pessoa
AZUNHAR: Para significar “ferir ou riscar com as unhas” , do singular do verbo “escutar”. Neste particular, acrescente-se que
como se lê no dicionário ou no vocabulário ortográfico oficial. em português temos também o deverbal “escuta” do verbo “escutar”,
No registro popular do Ceará, no entanto, emprega-se corren- só que é sempre usado em acepção abstrata, o ato de escutar, e não
temente “azunhar’, forma de que se têm utilizado os escritores com valor concreto de órgão da audição.
regionalistas, conferindo-lhe assim, progressiva e irrestivelmente Em boa verdade, se de “ouvir” temos a “oiça”, e de “escutar”
foros de cidade, sob a canonização da literatura. (“Jacira, porém, não temos a “escuta”, por que não poderíamos ter de “enxergar” a
se deu por vencida: lutou ferozmente, azunhou-me o rosto, mordeu- “enxerga”? E assim, fortalece-se cada vez mais a nossa convicção de
me o braço, puxou meus cabelos.” Fran Martins, O amigo de infân- que não se pode pôr em dúvida ou sob suspeição o saber lingüístico do
cia, p. 80) falante e a sua capacidade para preencher as casas vazias da norma
Na verdade, a formação do termo revela-nos simplesmente o através da utilização dos modelos anteriores ou das regras inscritas na
resultado de uma juntura operada pela realização fonética do sintagma virtualidade do sistema.
as + unhas = /azuñas/ donde: azunhar. Compare-se o francês “zieuter”,
olhar, ao nível do “argot”, resultante do sândi ‘les+yeux+/lezieu/ em NACARÉ, CORÓ, TOCÓ, CARIJÓ, GOBÉ: Levantamos,
perfeita simetria com a nosso “azunhar”. nas cartas de n°s 54, 55,56 e 59 do Atlas Lingüístico do Paraná, as
Não admira, pois, que os nossos atlas lingüísticos registrem designações acima especificadas, designativas de raças ou variedades
formas autenticamente vigentes entre os nossos informantes, quer de galinha, baseadas em características descritivas como cor, disposi-
analfabetos, quer alfabetizados, como “zolhos”, “zorelhas”, ção e qualidade das penas e outras particularidades anatômicas.
“zouvidos”, etc. Dessas denominações chamou-nos particularmente a atenção a
Conceder a tais formas o estatuto de variantes lexicais não opacidade semântica das formas oxítonas em é e ó que caracterizam
estigmatizadas dependerá certamente de condicionamentos de ordem aquelas unidades lexicais.
vária de natureza sociológica, política, cultural, etc. Na verdade, o primeiro – Nacaré – aplicado à galinha arrepia-
Registra-se, aliás, na língua a forma canônica “zorate”, que sig- da, ou seja, de penas arrepiadas ou crespas, não se encontra registrado
nifica “maluco, doido”, oriunda, pelo mesmo processo, do sintagma em nenhum dicionário ou vocabulário da língua, e sua forma e consti-
“casa dos orates”, casa dos loucos, manicômio. tuição apresentam-se totalmente opacas. O segundo nome – Coró –
Não faltam, portanto, exemplos paradigmáticos suficientes para a aplica-se à “galinha do pescoço pelado”; trata-se de um vocábulo
validação de variantes da natureza das que ora acabamos de comentar. dicionarizado com outras acepções totalmente alheias à do nosso elen-
ENXERGAS – S.f.pl. – Este segundo exemplo enseja-nos lem- co, bem como desacompanhado de qualquer indicação etimológica. O
brar a tese de Humboldt de que a língua não é um ¨ργον, um produto terceiro – Tocó – é aplicado à “galinha sem rabo” e é dado por alguns
ABSTRACT: This paper presents some issues raised by a conversational approach of topics and discourse objects, within the framework of the
interactional linguistics. First, key assumptions of this approach are discussed, focussing on the interactional activities of the speakers. Then some
consequences for the study of topics and discourse objects are explicitated, with a special emphasis on various features specially underlined by this
approach, such as the configurating effect of the participants’ orientation, the interactive construction of discourse objects and the local exploitation
of grammar within sequentiality.
PALAVRAS-CHAVE: análise do discurso, etnometodologia, lingüística interacional, tópico, objeto do discurso, referenciação.
Encore une fois (cf. ex. 4) les participants exhibent leur orientation 6. Ressources grammaticales et organisation séquentielle
vers non seulement ce qui est le topic (l. 1) mais encore vers sa La littérature sur les processus de référenciation, de thématisation et
formulation, ses contours, ses caractéristiques sémantiques. Cela d’anaphorisation a buté contre la polyfonctionnalité des marqueurs
déclenche une reformulation du topic (4) effectuée par Présenti (4-6) grammaticaux des objets de discours: en effet ceux-ci ne sont pas
mais immédiatement concurrencée par Trovin en chevauchement (7- biunivoquement articulés à une fonction discursive précise – le pronom
8). La version de Présenti est donc confrontée à une double version ne marquant pas toujours une information ancienne ou connue, la
alternative de Trovin, la seconde n’étant que partiellement énoncée dislocation à gauche étant exploitée parfois pour introduire un nouvel
(“ou est-ce que c’est euh:: l-” 7-8) et complétée par Pasquin (9). objet, parfois pour en mettre un relief un ancien, etc. (cf.Apothéloz,
L’alternative est donc collaborativement formulée par Trovin et 1997; Cornish, 1999). Ces constats, dont la littérature abonde,
Pasquin (qui continue ligne 12), ratifiée par Trovin (10), niée par montrent la difficulté d’établir une articulation générale entre formes
Présenti (11) qui esquisse une double reformulation de la sienne (positive et fonctions, fondée implicitement sur une conception selon laquelle
11 et négative 14). La seconde nie celle de Trovin et Pasquin et est la langue “coderait” des statuts des référents ou des informations.
reprise par un autre participant, Carven (17), dans un passage où les Une approche alternative se penche plutôt sur les activités par
chevauchements sont multiples. Ce n’est qu’après une régulation lesquelles les locuteurs rendent localement et publiquement intelligibles
explicite du mode de l’échange de la part de Pasquin (18) que Présenti leur choix expressifs, en ne se limitant pas simplement à “coder” des
ABSTRACT: Starting from the premise that the process of referenciation is neither a simple activity of extensional designation nor of identification
or discrimination of beings, individuals, things, facts, situations, states, etc., but a complex interactive decision developed by individuals in specific
situations, this paper makes explicit how interlocutors arrive at referential consensus in the public and social use of language. It is based on the idea
that reference is much more a situated and interactive action than an explicitation of a language-world relation or an act of affirmation of successful
and conventionalized correspondences in the language. In the end, it postulates that our assertions are assertions of beliefs assumed as facts
because as Putman says, it is reasonable to take them as facts. Therefore, to refer is essentially a process of explicitation of beliefs, interactively and
publicly elaborated and admitted.
PALAVRAS-CHAVE: processos de referenciação (referentiation processes); uso social da língua (social use of language); interação colaborativa
(collaborative interaction).
1. A irrelevância da vericondicionalidade para a determi- comum acordo entre os atores sociais envolvidos numa dada tarefa
nação referencial comunicativa.3
Se eu afirmasse aqui que o processo referencial é muito mais uma Vejamos aqui um exemplo extraído de um diálogo ocorrido em
questão etnográfica do que uma questão semântica e epistemológica, de 1980 entre uma moça de 27 anos (N) que chega a um posto de gasolina
que tamanho seria a heresia? Imagino que para os devotos das teorias com seu carro e um frentista de 29 anos (F), coletado por Sette
semânticas vericondicionais eu deveria tirar umas longas férias distante (1980:153).
da comunidade lingüística e para os interacionistas e sócio-cognitivistas Exemplo (1)
eu seria elevado ao status de guru. Como não pretendo me afastar da 1 N: quer verificar água da bateria por favor
comunidade lingüística nem me tornar guru de ninguém, matizarei um 2 F: um momentinho moça (...) está baixa (..) vai pegar uma
pouco minha assertiva sem me afastar muito destas duas idéias centrais: meia garrafa
1. A noção de verdade como correspondência é irrelevante 3 N: quanto é a garrafa?
para o processo referencial; 4 F: é vinte e cinco (..) o resto você guarda que serve para
2. A referenciação na relação face a face é fruto de uma ativida outra vez
de colaborativa e não uma simples convenção lingüística. 5 N: o senhor quer verificar o óleo também? (...)
6 F: o óleo tá bom (..) tá um bocado sujo mas ainda agüenta
Disto decorrem várias conseqüências às quais me dedicarei aqui uns dias
mostrando como a referência, na relação face a face, é muito menos 7 N: se tiver muito sujo ‚ melhor mudar logo
uma determinação lingüística e muito mais uma ação conjunta num 8 F: olhe aqui (..) está preto já mas ele ainda tem visgo
processo interativo com atividades inferenciais realizadas na 9 N: visgo como?
enunciação, sem esquecer que a cognição situada exerce um papel 10 F: ainda tá grosso assim (..) quando ele tá ralo não
central. Disse ‘na relação face a face’, mas poderia certamente admi- presta mais
tir qualquer tipo de enunciação, tanto escrita como falada. Em suma, 11 N: então deixa (..) na semana que vem eu troco (..) dá uma
parece que a determinação referencial prevê um processo de arbitra- limpadinha no vidro por favor
gem interativamente controlado.
Interessam, no exemplo (1), as linhas 8 a 10, em que os
Quanto à primeira tese, convém frisar que a noção de referência interlocutores N e F constroem colaborativamente a noção de ‘visgo’
adotada não é a das teorias verifuncionais que vêem na correspondência
linguagem-mundo uma relação biunívoca, numa postura epistemológica 1 Este trabalho insere-se no contexto do Projeto Integrado Fala e
realista e com uma significação rígida. No caso, a linguagem, tida como Escrita: Características e Usos desenvolvido no Departamento
realidade mental, seria um espelhamento do mundo sendo este uma de Letras da Universidade Federal de Pernambuco com apoio do
realidade extra-mental. Daí surgiria a noção de correspondência. Não CNPq, (proc. nº 523612/96-6) e situado no NELFE (Núcleo de
adotando essa posição, afirmo ser a vericondicionalidade irrelevante Estudos Lingüísticos da Fala e da Escrita).
para a referenciação2 , já que esta é uma atividade interativa e não uma 2 Em parte, esta posição retoma a questão já levantada por
relação de correspondência convencional e fixa. Em conseqüência, a Donnellan (1966) quando ele distinguiu entre o uso referencial
e o uso atributivo de descrições definidas, postulando que no
referência será aqui definida como atividade de construção colaborativa caso dessas expressões poderia ocorrer um conteúdo descritivo
de referentes como objetos de discurso e não objetos do mundo falso sem prejuízo da determinação referencial.
(v. Mondada & Dubois, 1995). A idéia central neste ponto é a de que a 3 Na realidade, as posições aqui sugeridas são bastante comuns,
referência não se dá apenas na relação linguagem – mundo. só não têm sido desenvolvidas nesta perspectiva. Vejam-se, por
Quanto à segunda tese, que postula ser a referência uma questão exemplo, os conhecidos trabalhos de John L. Austin (1962), John
etnográfica, trata-se de situar a discussão no contexto das investiga- R. Searle (1969) sobre os atos de fala, e Herbert Paul Grice (1968
ções etnometodológicas (v. Goffman, [1979] e Gumperz, 1982) que e 1975) com o princípio de cooperação e as implicaturas basea-
postulam ser a racionalidade e a construção da própria realidade uma dos na distinção entre significação natural (do enunciado) e não-
natural (do falante) que, rigorosamente falando, não levaram a
atividade de enquadre cognitivo socialmente realizado. A rigor, gostaria quase nada de relevante na questão do tratamento das interações
de chegar a afirmar que a referência não se resolve na epistemologia nem verbais reais devido ao formalismo a que estão submetidos. É
na ontologia e sim na ação interativa. Trata-se de uma questão sócio- provável que nem Austin, nem Searle e muito menos Grice te-
cognitiva em que o processo referencial é melhor caracterizado como nham analisado uma única transcrição de fala ou tenham se dedi-
interativo. A referência poderia ser tida como aquilo que, na atividade cado a alguma audição de fita ou de indivíduos em situações
discursiva e no enquadre das relações interpessoais, é construído num interativas.
6. O que é ter uma língua em comum? Interessa aqui considerar a expressão definida ‘t’: ‘o filme que
Vale a pena insistir na indagação acima: o que é mesmo ter uma está passando no Roxy esta noite’, usada por Anne para referir o filme
língua em comum? Será que é o fato de dominar um conjunto de “Monkey Business”, como o referente ‘R’. Assim, a condição 1 é admi-
regras sintáticas e morfológicas, um léxico e uma fonologia? É a habi- tir que:
lidade de produzir um enorme conjunto de enunciados mutuamente a) Anne sabe que “ t é R “.
compreensíveis? Quais são os conhecimentos que fazem parte dos A questão é: do que deve Anne assegurar-se a fim de que sua
conhecimentos da língua? Estão ali incluídos os conhecimentos de referência seja bem-sucedida? Entre as condições que devem ser
mundo? São os conhecimentos de mundo parte integrante dos conhe- asseguradas para que Bob infira corretamente, Anne deve fazer uma
cimentos da língua? suposição de conhecimentos comuns partilhados para que ambos to-
Mais do que dominar regras, parece que conhecer uma língua é mem o mesmo referente pretendido. Ela não pode fiar-se em alguma
saber como lidar com ela nas atividades interativas, ou como dizia virtude intrínseca da expressão definida usada, pois o fato de Anne
Wittgenstein: é saber jogar o jogo dos atos de linguagem. O certo é que saber que “t é R” não garante o sucesso da referência para Bob. Uma
conhecimentos de mundo, conhecimentos sociais, conhecimentos de condição sine qua non para o sucesso da referência é que Bob saiba que
regras de comportamento etc. e conhecimentos lingüísticos não podem
“t é R”. Segundo Clark (1992:11), uma das maneiras de a referência de
ser distinguidos com muita precisão. Eles estão de tal modo imbricados
Anne falhar ocorre nesta segunda versão do caso:
que não conseguimos mais distingui-los. É essa imbricação que consti-
tui a racionalidade de um povo (como lembram os etnometodólogos)
Exemplo (5)
que vai dar origem à composição dos fenômenos comuns de procedên-
VERSÃO 2: Na quinta pela manhã Anne e Bob lêem a edição
cia diversa.
matutina do jornal e discutem o fato de que o jornal diga que “A Day at the
Certamente, fazem parte dos conhecimentos lingüísticos os co-
Races” está sendo exibido naquela noite no Roxy. Mais tarde, após Bob ter
nhecimentos que permitem entender as metáforas, as metonímias, as
saído, Anne compra a última edição do jornal que traz uma correção que diz
associações, as analogias e todos os demais usos lingüísticos que fogem
que é Monkey Business” que está sendo exibido naquela noite. Mais tarde,
ao controle rigoroso da vericondicionalidade. Não há correspondência a
Anne encontra Bob e pergunta: “Você já viu o filme que está passando no
priori, nem há correspondência descarnada.
Roxy esta noite?
Embora esta versão satisfaça a condição (a) posta acima de conheci-
7. Paradoxos do conhecimento comum
mento comum, Anne produziu sua descrição definida sem assegurar devi-
Não se trata de uma metáfora a idéia de que a referência é uma
damente o acesso à nova realidade. Ela não tem fundamento algum para
atividade conjunta, colaborativa e situada. Veja-se como é construída a
pensar que Bob saiba que se trata de Monkey Business e não de A Day at the
referência nesta tirinha de jornal.
Isto nos leva a uma quarta versão, já que esses três postulados A tese mais geral a defender é a de que não são os conhecimentos
devem ser satisfeitos. comuns que resolvem a situação, mas condições comuns e partilhadas
de construção de conhecimentos que permitem a referenciação. Assim,
Exemplo (7) para superar o paradoxo posto pela série de enunciados:
VERSÃO 4: Na quinta pela manhã Anne e Bob lêem a edição a) A sabe X
matutina do jornal e discutem o fato de que o jornal diga que “A Day at the b) A sabe que B sabe X
Races” está sendo exibido naquela noite no Roxy. Mais tarde, Anne vê a c) A sabe que B sabe que A sabe X
segunda edição do jornal e nota que o filme foi corrigido para “Monkey d) ...
Business”, e marca o fato com sua caneta azul. Mais tarde, enquanto Anne podemos propor o princípio de construção colaborativa da
observava sem Bob saber, ele toma a última edição e nota a marcação de referência, ou seja:
Anne. Nessa mesma noite Anne vê Bob e pergunta: “Você já viu o filme que - A partilha com B as condições de interação necessárias
está passando no Roxy esta noite? para, juntos, construírem o conhecimento X.
Esta versão satisfaz as condições (a), (b) e (c) postas acima, mas Esse partilhamento de condições necessárias se dá como proces-
embora Anne saiba que Bob viu sua marcação, ele não sabe que ela viu e ela so interativo em contextos sociais e culturais relevantes mediados pelo
sabendo que ele não sabe que ela o viu, pode imaginar que ele imagina que ela uso da língua. Veja-se a questão lustrada neste exemplo (8), também
vá pensar que ele não saiba o referente correto. Assim, precisamos de uma extraído de Bortoni (1984:19) em que uma entrevistadora universitária
quarta condição para haver partilhamento de referentes: (E) não entende a entrevistada (MP) em virtude de uma regra fonológica
d) Anne sabe que Bob sabe que Anne sabe que Bob sabe que “t é R” que interfere na identificação da expressão referidora que deve então ser
Pois bem, esta edificante historinha poderia ir adiante numa infi- trabalhada colaborativamente para atingir seu objetivo. Vejamos:
nidade de versões e nunca iríamos preencher todas as condições neces-
sárias para que a inferência se desse de modo seguro. Este é, em suma, Exemplo (8)
o paradoxo do conhecimento mútuo, que na verdade sugere haver 1 E - Depende de que o sucesso da gente? Pra gente conseguir
algumas condições a serem necessariamente satisfeitas ad infinitum. alguma coisa,
Por isso, não há saída plausível por esse lado. 2 depende de quê? de quem?
Imagino, como observa Clark (1992:19), que a versão de Grice 3 MP-uai, depende da... da sistença da gente e da boa vonta
(1957) a respeito da significação do falante (a intenção) depois desen- de, né? Num disisti
volvida em outros trabalhos, também não seja um bom caminho. Pois 4 daquilo í sempri..
distinguir entre significação do falante (intenção) e significação do 5 E - Mas que tipo de assitência seria essa?
enunciado (referência) não é suficiente nem leva longe. 6 MP - Não ... assistença assim da gente mesmo falá: i’eu vô
Contudo, o que se nota é que nestas elucubrações tudo se baseia fazê aquilo, aquilo que i’eu
em condições e suposições unilaterais e não em negociações ou 7 tenho vontade, né, de trabalhá pra... pra se consegui
partilhamentos úteis em função da convivência entre os indivíduos. A aquilo, a gente trabalha e
única via para superar o problema posto pelo paradoxo dos conheci- 8 consegue, o faiz aquilo que a gente tem vontade de fazê,
mentos comuns é conduzir o processo por mais caminhos. Clark né?
(1992:35-36) arrola tipos diversos de conhecimentos comuns. Podem
ser de uma maneira geral (1) duradouros ou (2) temporários. E os No caso da primeira resposta, a informante (linha 3) usou a
temporários podem subdividir-se em: (a) genéricos (sobre fatos gerais, expressão ‘sistença’, tendo aqui a palavra ‘insistência’ “sofrido uma
como o fato de os canários serem aves, os leões serem carnívoros etc.), aférese da sílaba inicial e redução do ditongo crescente na sílaba átona
ou (b) particulares (objetos, eventos, pessoas, coisas pessoais, indi- final” (Bortoni 1984:19). Com esta mudança fonética a entrevistadora
viduais etc.) . interpretou essa palavra como ‘assistência’ por não dominar a variante
Seguramente, os conhecimentos mútuos serão maiores se formos
RÉSUMÉ: Cette communication analyse les processus de référenciation et les formes meta- énonciatives dans les aphasies. Notre hipothèse est que
la compétence pragmatico-discursive des sujets aphasiques n’est pas détruite en raison des altérations des processus metalinguistiques ou cognitifs.
Les données presentés ont été extraits des interlocutions entre sujets aphasiques et non-aphasiques.
PALAVRAS-CHAVE: afasia; meta-enunciação; referenciação; interação.
ABSTRACT: This paper aims to discuss the cognitive, resumptive, cohesive, organizational and avaliative functions performed by nominal
expressions occurring in referential chains, in order to highlight their contribution to ther argumentative orientation of texts, and, by consequence,
to the construction of meaning.
PALAVRAS-CHAVE: referenciação; cadeias referenciais; expressões nominais; argumentação; sentido.
ABSTRACT: Facts about Brazilian Portuguese stress and vowel reduction are brought together to show that, contrary to recent claims, Articulatory
Phonology can deal successfully with grammatically-driven, lexicalized speech processes. The key to this success lies in the logical potential of the
spatial and temporal dimensions of the articulatory gesture.
PALAVRAS-CHAVE: Fonética, Fonologia, Dinâmica, Gramática.
A proposta da Fonologia Articulatória (doravante FAR; magnitude relativas conseqüências gramaticais observáveis? Veremos
Browman e Goldstein, 1990, 1992) de usar primitivos fônicos dinâ- abaixo que sim.
micos para tornar a Fonética e a Fonologia parcialmente comensuráveis
vem merecendo menos atenção ultimamente, embora tenha, de início, 1. Distinções Temporais e Espaciais no Léxico
ganhado adeptos entre foneticistas e fonólogos (Kingston e Beckman A FAR afirma que o contraste lexical discreto (i. e., as velhas
1990). A razão é que circula na comunidade uma crença de que a oposições “fonêmicas”) é passível de expressão por gestos tanto quanto
unidade de análise proposta – o gesto articulatório – só dá conta da a variação fonética contínua. Como em outras teorias fonológicas, são
alofonia gradiente, contínua e deixa de fora a alofonia clássica, categó- categóricas as distinções lexicais e gradientes as distinções fonéticas.
rica, gramatical (Nolan 1999, Zsiga 1997). A questão da representação lexical está, porém, mal resolvida. As
Este trabalho pretende mostrar que essa crença é equivocada. discussões não passam, até agora, da expressão gestual das oposições
Com base em dados do português brasileiro (doravante PB) argumen- distintivas.
É que o excesso de fisicalismo atribuído ao modelo obscurece
ta-se que o gesto articulatório é capaz de dar conta tanto de aspectos
uma pergunta potencialmente reveladora: seriam os gestos capazes de
concretos, ligados à produção da fala, como de aspectos abstratos,
expressar contrastes que a representação tradicional por segmentos e/
ligados à gramática, daquilo que os falantes sabem sobre o sistema
ou traços ignora? Por exemplo, seriam “reduzido” (no espaço) e “encur-
fônico da sua língua (Albano, 2001).
tado” (no tempo) úteis como categorias lexicais? Ou, ainda, é possível
Passemos rapidamente em revista o modelo em questão. A contrastar “seqüencial” a “sobreposto”? Dados do PB mostram que a
originalidade da FAR reside em afirmar que a fala é um caso particular, adoção de categorias dinamicamente interpretáveis ilumina a descrição
especial porque audível, da gestualidade, i. e., consiste em movimen- dos processos fônicos e simplifica o tratamento das restrições
tos discretos de partes do trato vocal – movimentos que comparti- fonotáticas lexicais.
lham com o resto da motricidade o fato de se sobreporem uns aos
outros no tempo e no espaço. 2. Reduzido como Categoria Lexical
A questão do movimento é tratada através das ferramentas É conhecida a hesitação dos estudiosos do português, tanto
muito gerais da Dinâmica (Kelso, Saltzman e Tuller, 1987). É justa- brasileiro como europeu, entre as orientações fonológica (p. ex., Bisol,
mente aí que costumam incidir as críticas ao modelo. A permeabilidade 1992) e morfológica (p. ex., Mateus, 1983) na análise do contraste
dos processos fônicos a explicações dinâmicas é, com efeito, muito lexical entre as paroxítonas e as oxítonas.
variável. Enquanto os da fala fluente tendem a se render a elas facil- As análises fonológicas acentuam a penúltima sílaba a menos
mente, os lexicalizados e gramaticalizados estão, geralmente, longe de que a última seja fechada sob certas condições, geralmente abstratas e
se reduzir a questões de movimento. passíveis de exceção. As análises morfológicas geralmente distinguem
Daí decorre a pergunta: seria o gesto articulatório um primitivo entre verbos e não-verbos e condicionam o acento à posição do radi-
tão útil à Fonologia quanto tem sido, até agora, à Fonética? A respos- cal. Ambos os tipos de análise obrigam-se a desacentuar, i. e., a anular
ta, negativa, de certos críticos da FAR é precipitada porque se baseia parte da prosódia lexical, para estruturar ritmicamente sintagmas rela-
no argumento, vicioso, de que qualquer evidência contra o tratamento tivamente longos.
dinâmico de um processo fônico é evidência contra o modelo. Ignoram Uma maneira de reunir as vantagens e superar as desvantagens
dos dois tipos de análise é efetivamente eliminar o acento lexical. A
eles que existe uma outra alternativa, também compatível com a FAR,
abordagem alternativa baseia-se na noção de inacentuabilidade ou
que prescinde de operações dinâmicas on line. Trata-se de conceber os
repulsão do acento e permite combinar informações fônicas e grama-
processos em questão em termos de gestos quase simbólicos, conge-
ticais de maneira bastante natural e econômica.
lados, ou seja, lexicalizados. Considerando que, no PB, as vogais postônicas são, fonetica-
É perfeitamente possível postergar a questão se a dinâmica é mente, muito mais reduzidas que as pretônicas, pode-se explorar a
capaz de se auto-organizar simbolicamente a fim de, antes, demons- hipótese de que a redução constitua uma marca lexical, dinamicamente
trar que “símbolos” com uma dimensão espaço-temporal iluminam a interpretável, da inacentuabilidade. Diferentemente de um diacrítico
descrição fonológica. Dado que o gesto articulatório é, até agora, o que marque uma vogal ou uma consoante como extramétricas, um gesto
único primitivo fônico sujeito a mudanças de magnitude e/ou articulatório de magnitude por definição reduzida repele naturalmente o
sobreposição à medida que se desdobra no tempo e no espaço, cabe a acento, i. e., não pode acoplar-se a batidas rítmicas fortes e delas receber
previsão de que a gramática, assim como a fonética, seja sensível a maior duração e energia (modo como o acento frasal é implementado por
essas duas variáveis. Em outras palavras, teriam a sincronização e a modelos rítmicos como o de Barbosa, neste volume).
A final
A m edial
600 Kingston e Beckman, pp. 341-376.
____. 1992. Articulatory phonology: an overview.
700
Phonetica, 49 (3-4): 155-180.
Golçalves Viana, A. 1973. Estudos de Fonética portuguesa.
Lisboa: Imprensa Nacional.
800
15 00 1400 13 00 12 00 11 00 10 00 Kelso, S.; E. Saltzman; B.Tuller. 1987. The dynamical
F2 perspective on speech production: data and theory. Journal
Figura 1 - F1 e F2, em Hz, de [a, X]: tônico, postônico medial e postônico of Phonetics, 14, 1, 29-59.
final. KINGSTON, J.; M. Beckman. 1990. (orgs.). Papers in laboratory
phonology: between the grammar and the physics of speech.
Juntos, esses dois achados apontam para um comportamento Cambridge: Cambridge University Press.
ora categórico, ora gradiente, da redução vocálica. Na Figura 1, por MATEUS, M.H. 1983. O acento de palavra em português: uma nova
exemplo, há categorias claramente insinuadas: a postônica final situa- perspectiva. Boletim de Filologia, 28:211-229.
se, no espaço vocálico, entre a medial e a tônica, mas não se confunde MCCARTHY, J.; A. Prince. 1997. Generalized alignment. Manuscri-
com elas. É preciso, entretanto, lembrar que os logatomas em que se to Inédito. Rutgers Optimality Archive.
fizeram as medidas preenchiam a lacuna de uma frase-veículo e, por- NOLAN, F. 1999. The devil is in the detail. In: Ohala, J. ; Y. Hasegawa;
tanto, carregavam o acento frasal. Considerando que, conforme o ou- M. Ohala; D. Granville & A. Bailey. Proceedings of the XIVth
tro achado, a redução pode variar com o grau de acentuação da palavra ICPhS. Berkeley: University of California, vol. I, p. 1-8.
na frase, tem-se que os três tipos de vogal se multiplicam pelo número ZSIGA, E. 1997. Features, gestures, and Igbo vowel assimilation: an
de níveis possíveis na hierarquia prosódica, formando, no espaço approach to the phonology/phonetics mapping. Language,
vocálico, uma “nuvem” muito densa e difícil de discretizar. 73(2):227-274.
Para um modelo fonológico padrão, surge a pergunta: seriam os
alofones categorizáveis do nível fonológico e os não-categorizáveis do
nível fonético?
Para um modelo gestual na linha da FAR, essa pergunta não 5
Conforme a terminologia clássica: glides (semivogais), nasais, laterais e
existe. Só existe a pergunta se a redução tem ou não valor distintivo, róticos. Todos são representados por gestos reduzidos por estarem
gerando contrastes semelhantes aos propostos, há mais de um século, sujeitos a processos de enfraquecimento no PB.
RÉSUMÉ: Cet article propose un modèle de production du rythme de la parole doublement dynamique : un système avec oscillateurs syllabique
et accentuel couplés et un réseau connexionniste qui réalise l’interaction prosodie-segments. Ce modèle rend compte des caractéristiques universelles
et spécifiques à langue de la composante rythmique.
PALAVRAS-CHAVE: Análise do ritmo, Duração, Modelo de ritmo, Português brasileiro
Referências bibliográficas
ABSTRACT: The paper presents a comparison between two adults, native speakers of Brazilian Portuguese, for duration measures. The focus is the
vowel duration, although consonant, syllable and word durations are considered for discussion. Vowel duration is seen as the more variable among
all, due to the character of the vowel gestures
PALAVRAS-CHAVE: duração, vogal, fala adulta, português brasileiro
1. Considerações sobre a Coleta e a Análise dos Dados realiza a maior proeminência da sentença, uma vez que, mudanças no
Este trabalho apresenta uma comparação, para medidas de du- contorno de pitch, combinadas à maior ou menor distensão dos seg-
ração, entre a fala de dois sujeitos adultos, do sexo feminino, com mentos acústicos em posição de acento, poderiam intervir (Vogel,
idade média de 40 anos na época da coleta, ambos paulistanos e falan- Bunnell e Hoskins, 1995).
tes do português brasileiro como primeira língua. Apesar de o foco do Quanto à análise estatística2, de onde emergiram os resultados que
trabalho ser a duração da vogal, os sujeitos serão primeiramente com- serão aqui apresentados e discutidos, os dois sujeitos adultos foram com-
parados para a duração de segmentos acústicos correspondentes a parados entre si para a média e o desvio-padrão das diferenças de duração
consoantes, sílabas e palavras de diferentes extensões, como do mesmo tipo de segmento acústico (vogal, consoante, sílaba ou pala-
contraponto necessário à discussão da duração da vogal. vra), numa mesma posição de acento (início de sentença, pré-tônica 1,
A gravação que serviu de base à realização das medidas de duração pré-tônica 2, tônica, pós-tônica ou final de sentença). Assim, tomando
foi feita por técnicos de um estúdio profissional, numa sala relativamente como exemplo vogais na primeira pré-tônica, para cada uma delas foi
silenciosa, mas sem tratamento acústico, uma vez que teve lugar em uma calculada, primeiramente, a diferença entre sua duração na fala da profes-
escola municipal da cidade de São Paulo, porque da coleta faziam parte sora e sua duração na fala da pesquisadora e, a seguir, a média e o desvio-
crianças da faixa etária de 4 anos (Gama-Rossi, 1999)1. padrão das diferenças de duração. Por fim, um teste t, com nível de
As medidas de duração foram feitas em um corpus de 17 sen- significância previamente fixado para 5%, foi realizado para verificar se
tenças, cada uma delas enunciada primeiramente pela pesquisadora e havia diferenças significativas entre as falas de ambos os sujeitos.
repetida, na seqüência, pelo outro adulto (professora da classe das Alguns aspectos devem ser ressaltados quanto aos dados: (1) a
crianças de 4 anos que participaram da coleta), sendo que a ordem do normalização dos valores de duração, parâmetro acústico muito suscetí-
conjunto de sentenças foi aleatorizada antes de cada repetição do vel a variações de acento e de fronteiras (dentro de e entre sentenças), deu-
mesmo. As medidas foram realizadas com o auxílio do software CSRE se por meio da comparação entre os sujeitos para o mesmo tipo de
4.5 (AVAAZ, 1995), a partir de critérios estabelecidos com base na segmento acústico, na mesma posição de acento; (2) os valores das médi-
forma da onda e em fomant trackings (ou espectrogramas via análise as das diferenças de duração são expressos por meio de barras, para cada
LPC), gerados para o sinal de fala digitalizado. tipo de segmento acústico, em cada posição de acento. Quando a barra
A análise dos dados teve como inspiração a proposta em graus está acima do eixo da abscissa, a média das diferenças de duração do
de acento de Câmara (1969). Assim, a comparação entre os sujeitos segmento acústico foi maior na fala da professora, e obviamente, quando
foi feita para cada tipo de segmento acústico (vogal, consoante, sílaba a barra está abaixo do eixo da abscissa (valores negativos), na fala da
e palavra) em cada uma das posições de acento por ele ocupada dentro pesquisadora; (3) os valores dos desvios-padrão são expressos por meio
da palavra e/ou da sentença. Para tanto, os segmentos acústicos foram de linhas sobrepostas às barras; (4) cada gráfico mostra ainda, nas duas
demarcados para 7 posições de acento: início absoluto da sentença, últimas posições, as médias e os desvios-padrão das diferenças de dura-
primeira pré-tônica da palavra, segunda pré-tônica da palavra, tônica ção dos agrupamentos de (4a) todos os segmentos acústicos átonos (pré
lexical, pós-tônica e final absoluto da sentença. Os segmentos de iní- e pós-tônicas) e de (4b) dos segmentos acústicos em todas as posições de
cio e final de sentença (respectivamente, primeira e última sílabas) acento, respectivamente; (5) somente o gráfico referente às sílabas con-
foram analisados separadamente por estarem sujeitos ao alongamento tém a posição de “início de sentença”, uma vez que todas as sentenças
de fronteira maior (Fougeron e Keating, 1997). começavam com artigos definidos (segmentos acústicos correspondentes
As divergências em relação à proposta mattosiana (Câmara, a vogais), os quais foram analisados separadamente nessa posição.
op. cit.) na demarcação dos segmentos acústicos referem-se à: (1)
análise das pré-tônicas da palavra separadamente, uma vez que, du- 2. Resultados
rante a inspeção prévia dos dados, análises qualitativas em contornos Primeiramente, serão expostos os resultados de consoantes,
duracionais mostraram que as pré-tônicas variavam entre apresentar: sílabas e palavras, para, então, chegarmos às considerações sobre a
mesma duração, durações diferentes ou durações gradativamente cres- duração da vogal na fala de ambos os adultos aqui investigados.
centes em direção à realização do acento lexical sobre a tônica; (2)
análise da maior proeminência da sentença juntamente com os demais
acentos lexicais, uma vez que a observação dos contornos duracionais
mostrara que nem sempre havia concordância entre os sujeitos de que
o local da maior proeminência da sentença era o último acento lexical 1
Tese de doutorado realizada no LAFAPE-IEL-UNICAMP, sob a orienta-
mais à direita. Além disso, apenas com base em medidas de duração, ção da Dra. Eleonora Cavalcante Albano, com bolsa CNPq.
não seria possível concluir de modo definitivo algo sobre como se
2
Agradeço ao estatístico Paulo Rehder.
3
Por estabilidade, entenda-se a menor variação na distensão na duração de
segmentos acústicos em posição átona, os quais, de acordo com Barbosa
e Bailly (1994) constituem as batidas de referência na realização do ritmo.
4
Relembrando, o valor negativo significa que a média das diferenças de
duração foi 17ms maior na fala da pesquisadora.
ABSTRACT: The study investigates the dynamic nature of speech production through a study on induced speech errors. During transcription there
was an auditory impression of gradience in the production of such errors. The tendency to palatalize was evident in these substitutions. Acoustic
analysis, evaluates relevant parameters for the description of gradience in these errors.
PALAVRAS-CHAVE: erros de fala – representações fonológicas - palatalização
Materiais e métodos
O material para análise foi obtido através de um estudo experi- repetições corretas, e para os erros de fala que resultaram em substi-
mental de indução de erros de fala com trava línguas (Navas, 2000). A tuições.
lista para indução de erros foi elaborada a partir de 24 palavras dissílabas As figuras 2 e 3 apresentam valores das médias de amplitude
paroxítonas, combinadas aos pares, obedecendo ao padrão /s V1 CV/ para os intervalos de freqüências de 0 a 11KHz para os fonemas
- /S V2 CV/, ex: /sopa/ -/Sapa/ ou /z V1 CV/ - /Z V2 CV/, ex: /zito/ - / fricativos /s/ e /S/ e para as substituições de /s/ por / S/.
Zato/. Os 12 pares foram repetidos seis vezes para um total de 72
pares de palavras (18 pares na ordem /s/-/S/, 18 /S/-/s/, 18 /z/-/Z/, 18 /
Z/-/z/). A apresentação da lista-estímulo para repetição foi feita atra-
vés de gravador simples da Sony e fones auriculares. As respostas dos As figuras 4 e 5 apresentam valores de médias de amplitudes
sujeitos foram gravadas em gravador semi-profissional em aparelho para os intervalos de freqüências de 0 a 11KHz para os fonemas
de alta fidelidade Sony II Pro, com microfone unidirecional, em ambi-
ente silencioso. Foram selecionadas para esta análise as respostas de
apenas um informante (s1).
ABSTRACT: This paper studies the text as an act of discourse, that is, a text as an instrument of communication between two actors in a determined
situation. In this way the text must be seen, not as a product of an interation, but as a result of some strategies, that transform Languaje in Discourse.
PALAVRAS-CHAVE: Língua, discurso, texto, processo interativo.
ABSTRACT: This paper is an analysis of questions on the Portuguese language structures in undergraduate courses National Exams. It shows that
poorly written questions or instructions can lead to difficulties taking the exam, such as: a) allowing more than one interpretation of the question;
b) leading the student to incorrect conclusions; c) confusing the student’s understanding of the language concepts and underlying rules for special
situations.
PALAVRAS-CHAVE: Provão, Exame Nacional de Cursos, Língua Portuguesa.
RÉSUMÉ: Cette étude propose une reflexion a propos du systeme d’évaluation des cours de Lettres proposés par le Ministere de l’Education. Elle
vise l’analyse des aspects positifs et négatifs de ce systeme d’évaluation de l’education qui est composé par l’Examen Nacional des Cours et par
l’Évaluation des Conditions de Fonctionnement des Cours de Graduation.
PALAVRAS-CHAVE: Letras; sistema de avaliação; avaliação das condições de oferta do curso.
A graduação, diferentemente, da pós-graduação, que já é avali- pontuação e ponderação diferenciada de diferentes indicadores, que
ada há mais de duas décadas, carecia de um sistema de avaliação que buscam refletir a combinação de variáveis qualitativas e quantitativas,
também viesse contribuir para a melhoria de sua qualidade, a exemplo previamente discutidas pelas Comissões de Especialistas em Ensino
do que ocorre com os cursos de pós-graduação. que assessoram a SESu.
Nesse sentido, um dos primeiros passos dados foi a aprovação Com esse exame preliminar como pano de fundo, dedico-me
da Lei no 9.131, de 24 de novembro de 1995, que estabeleceu a neces- agora à questão central de minha intervenção: os aspectos positivos e
sidade de recredenciamento periódico das instituições, baseado na os negativos desse sistema de avaliação educacional.
avaliação do desempenho dos alunos e do conjunto da instituição. A Quanto aos aspectos positivos, é importante ressaltar que a
seguir, a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as criação de um sistema de avaliação para o ensino superior, em nível de
diretrizes e bases da educação nacional, deu uma contribuição efetiva graduação, tem contribuído de forma extraordinária para promover, na
à construção do complexo sistema de avaliação, uma vez que, além de sociedade brasileira, a consciência da necessidade que temos de exigir
provocar profundas transformações na educação superior, no país, qualidade e relevância das instituições responsáveis pela educação su-
estabeleceu (Artigo 9o, Inc. VI) a responsabilidade de a União, sob perior. Os reflexos dessa tomada de consciência já se fazem sentir, por
regime de cooperação com Estados, Distrito Federal e Municípios, um lado, na melhoria da qualidade dos cursos, por meio, por exemplo,
assegurar o processo nacional de avaliação do rendimento escolar, nos da (re)elaboração de projetos pedagógicos que buscam responder aos
três níveis de ensino – fundamental, médio e superior. desafios propostos à educação superior diante das profundas transfor-
Assim, com base no disposto nessas duas leis e no Decreto do mações que têm ocorrido na sociedade atual, no mercado de trabalho e,
Ministério da Educação (MEC) no 2.026, de 10 de outubro de 1996, conseqüentemente, no exercício profissional. Por outro lado, as insti-
que estabelece procedimentos para o processo de avaliação dos cur- tuições têm procurado, entre outras coisas, investir na qualificação do
sos e das instituições de ensino superior, foi criado o sistema de corpo docente, melhorar suas instalações e ampliar e atualizar seus
avaliação desse nível de ensino. Esse processo, iniciado em 1996, acervos bibliográficos e seus laboratórios. É inegável, pois, que a
compreende dois procedimentos: retroalimentação, resultado do processo de avaliação ora desencadeado,
a) o Exame Nacional de Cursos, Provão, realizado anualmente, tem vivificado o ensino de graduação.
desde 1996, com o objetivo de avaliar a qualidade do curso por meio Entretanto, passado o impacto inicial provocado pela implanta-
dos conhecimentos demonstrados pelos graduandos; ção do sistema de avaliação e o calor das críticas inflamadas, é hora de
b) a Avaliação das Condições de Oferta de Cursos de Gradua- rever critérios e de apresentar sugestões que possam levar ao aperfeiço-
ção, iniciada em 1997, com a finalidade de avaliar a qualidade acadêmi- amento do sistema. Nesse sentido, examino agora alguns pontos que me
ca dos cursos com base num conjunto de indicadores sobre o corpo parecem cruciais para o avanço do processo de avaliação.
docente, a organização didático-pedagógica e as instalações, especial- Em primeiro lugar, creio que um dos pontos problemáticos
mente bibliotecas e laboratórios. desse processo consiste na falta de informação suficiente acerca do
A Avaliação das Condições de Oferta, objeto de minha inter- próprio processo. Muitos coordenadores de curso de algumas das
venção nesta mesa, é uma avaliação in loco, que dura em média dois instituições visitadas não tinham, até a visita da comissão, uma idéia
dias e é realizada por comissões compostas, normalmente, de dois clara do que é a Avaliação das Condições de Oferta e de como ela se
docentes que integram o cadastro de especialistas ad hoc da Secretaria realiza. O roteiro prévio de coleta de informações que visa a otimizar
de Educação Superior (SESu). No que concerne à Avaliação das Con- o trabalho dos avaliadores no momento da visita nem sempre dá o
dições de Oferta, o MEC tem como meta submeter, anualmente, a resultado esperado, uma vez que dá margem, por exemplo, a uma
essa avaliação todos os cursos que já participaram do Provão. dupla interpretação no item disciplina específica da habilitação refe-
O processo de Avaliação das Condições de Oferta ora em de- rida no relatório. Alguns professores interpretaram disciplina espe-
senvolvimento obedece a uma metodologia comum a todas as áreas do cífica como sendo todas as disciplinas da graduação, excetuando-se
conhecimento. Contudo, os procedimentos e os instrumentos respei- aquelas consideradas pedagógicas, no caso das licenciaturas. Outros,
tam a diversidade e as especificidades das áreas dos cursos examina- por sua vez, entenderam disciplina específica como sendo todas as
dos. disciplinas ofertadas no curso.
Aos três itens avaliados (Qualificação do Corpo Docente, Or- Para os especialistas ad hoc, membros das comissões de avali-
ganização Didático-Pedagógica e Instalações) podem ser atribuídos os ação, também faltaram alguns esclarecimentos com relação à produ-
seguintes conceitos: CMB – condições muito boas; CB - condições ção científica dos docentes: as publicações no prelo devem ou não ser
boas; CR – condições regulares ou CI – condições insuficientes. O consideradas.
conceito final de cada um desses itens é o resultado da combinação de O item titulação do docente também gerou discordâncias e crí-
ABSTRACT: This paper is a reflection on the methodology employed in the elaboration of the Literature questions in the Provão, from 1998 to 2000,
in the light of the abilities required for the interpretation of literary texts, their link with the culture of the period and their relation to other types of
discourse.
PALAVRAS-CHAVE: literatura, metodologia, interpretação, análise
O Exame Nacional de Cursos - o Provão -, como mecanismo árcade, a partir do poema Marília de Dirceu; as questões 23 e 24
integrante do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior - no abarcam o movimento romântico no Brasil sob o enfoque da poesia e
tocante ao Curso de Letras e, mais especificamente, às questões do romance; a questão 25 retoma uma cena de Dom Casmurro, ícone
relativas à Teoria da Literatura, Literatura Brasileira e Literatura do Realismo brasileiro; a questão 26 já se insere no Modernismo, na
Portuguesa, tem se revelado, ao longo desses três últimos anos (1998, sua primeira geração, com a sondagem sobre Macunaíma. Já as ques-
1999 e 2000), desde que foi implantado, equânime quanto ao perfil tões 27 a 33 abarcam as gerações seguintes do Modernismo, com
do graduando que procura compor, pressupondo as seguintes capa- exceção da questão 30 que se dirige à poesia de Manuel Bandeira. O
cidades: mesmo se verifica quanto às questões sobre Literatura Portuguesa,
“a) apreensão crítica das obras literárias, por meio do contato compartimentadas em seus respectivos movimentos histórico-literá-
direto com elas, e também pela mediação de obras de crítica e de teoria rios.
literárias; b) estabelecimento e discussão das relações dos textos lite- Não se evidencia, portanto, no Exame de 98, aprimoramento na
rários com outros tipos de discurso e com os contextos em que se elaboração das questões, na medida em que não trabalham a
inserem; c) relacionamento do texto literário com os problemas e con- interdisciplinaridade, com a relação direta entre língua e literatura, e a
cepções dominantes na cultura do período em que foi escrito e com os intertextualidade, com o diálogo profícuo entre os textos literários
problemas e concepções do presente.” (MEC, 1998: 9) brasileiros e portugueses coetâneos ou não. Afora essa divisão estan-
Quanto ao programa exigido a partir dos conteúdos curriculares que, a maioria das questões não suscita a reflexão a partir de fragmen-
dos Cursos de Letras, poucas são as diferenças entre os exames reali- tos das obras indicadas ou dos poemas recomendados para a leitura.
zados em 98, 99 e 2000. As mais significativas mudanças se verificam São objetivas demais para despertar uma atitude reflexiva e raciocina-
quando da indicação das obras e dos autores a serem enfocados nas da sobre a arte literária. Um exemplo claro dessa pobre visão da
questões concernentes à área da literatura. Assim, do elenco de obras literatura é a questão 37, assim formulada:
apresentado nesses três anos, 21 (vinte e uma) se repetem de um total “37 - Amor de perdição é uma obra tipicamente romântica,
de 27 (vinte e sete) obras em 1998; 28 (vinte e oito) em 1999 e 36 porque nela Camilo Castelo Branco valoriza
(trinta e seis) em 2000. Esse relativo aumento da indicação de obras (A) o sentimento nativista e o nacionalismo, presentes na recusa de
em 2000, em relação aos dois anos anteriores, representa igualmente Simão e Teresa em fugirem de Portugal, apesar de perseguidos pela
maior número de questões, dentre as 40 (quarenta) de múltipla esco- justiça.
lha com enfoque sobre a literatura. Já no que se refere às questões (B) a natureza, como fonte de vida e inspiração, em que Simão se
discursivas, duas obrigatoriamente, das 4 (quatro) sugeridas, se diri- refugia, no final da obra, quando não pode mais ter acesso à Teresa.
gem ao âmbito literário; isso desde o primeiro exame. (C) os valores espirituais do Cristianismo, a que Simão se apega
Dentre as obras referenciadas nos três exames estão os clássi- quando é condenado ao degredo.
cos: Iracema, de José de Alencar; Macunaíma, de Mário de Andrade; (D) o mundo das paixões, o excesso de sentimentos, evidentes no
Dom Casmurro, de Machado de Assis; as obras poéticas de Carlos modo violento como Simão assassina Baltazar Coutinho.
Drummond de Andrade, Fernando Pessoa e os Sermões, do Padre (E) a noite e o mundo sobrenatural, presentes como cenário ao longo
António Vieira; além de Os Lusíadas, de Luís de Camões e O crime do de todo o drama passional.” (MEC, 1998: 27)
Padre Amaro, de Eça de Queirós. Uma das novidades da lista de obras Já o Exame de 99, diferentemente do ano anterior, aborda o
para o Exame de 2000 foi o gênero crônica com o livro Ai de ti, contexto literário não mais com base em uma visão estritamente cro-
Copacabana, de Rubem Braga. nológica dos movimentos estéticos; tanto é assim que entremeia obras
Relativamente ao conteúdo de Literatura nos Exames, é pos- modernistas a obras do Romantismo e do Realismo, com a inclusão de
sível constatar que, nos dois primeiros, os de 98 e 99, respectivamen- alguns fragmentos, como a questão 25 que suscita a análise de A hora
te, o número de questões que tratam do universo literário é o mesmo, da estrela, de Clarice Lispector ou como nas questões 29, 35, 37 e 40,
impondo uma separação bem nítida entre o conteúdo de língua portu- em que se destacam poemas inteiros para análise e reflexão.
guesa e lingüística e o que compete à literatura de expressão portugue- Infelizmente a questão 38, que trata da abordagem do roman-
sa. Isso se evidencia mais fortemente no Exame de 98 quando da ce queirosiano, colocou em destaque não a obra O crime do Padre
referência quase que cronológica às obras da fortuna crítica da Litera- Amaro, conforme indicado no programa de Literatura Portuguesa,
tura Brasileira e Portuguesa, reportando-se aos movimentos ou esté- mas a obra A relíquia, o que incorreu num grave deslize, dada a exigên-
ticas literárias e seus respectivos representantes. cia da leitura previamente divulgada de O crime do Padre Amaro.
Assim, a questão 21 abrange a estética barroca com a figura de Em síntese, tal como o ocorrido no Exame de 98, as questões
Gregório de Matos; a questão 22, Tomás Antônio Gonzaga, poeta de literatura de expressão portuguesa do Exame de 99 permaneceram
ABSTRACT: This paper is a reflection on the professional profile of graduate of Letras, according Proposta para Elaboração das Diretrizes
Cuirriculares do Curso de Letras.
PALAVRAS-CHAVE: Letras; perfil profissional; mercado de trabalho.
Dando continuidade a esta reflexão sobre o sistema de avaliação O Ministro de Estado da Educação, Paulo Renato Souza, bai-
dos cursos de Letras, criado pelo MEC e composto do Exame Nacio- xou a Portaria no 11, de 4 de janeiro de 2001, que, baseada nas idéias
nal de Cursos e da Avaliação das Condições de Ofertas de Cursos de apresentadas na Proposta de Diretrizes Curriculares para o Curso de
Graduação, tratarei aqui, agora, do perfil do profissional de Letras, Letras, estabelece os objetivos do Exame Nacional de Cursos e deter-
notadamente no que diz respeito às capacidades, competências e ha- mina os procedimentos para sua realização, neste ano de 2001, em sua
bilidades, adquiridas durante sua formação acadêmica tanto no ambi- quarta edição. Quanto aos aspectos das capacidades, das competênci-
ente escolar quanto fora dele. as e das habilidades, a Portaria contém o seguinte:
Tanto a Avaliação das Condições de Ofertas de Cursos de Gra- Art. 1° O Exame Nacional de Cursos, parte integrante de um
duação quanto o Exame Nacional de Cursos tomam como um dos amplo processo de avaliação das instituições de ensino superi-
documentos orientadores básicos a Proposta para Elaboração das or, no que se refere a Letras, terá por objetivos:
Diretrizes Curriculares. A Proposta de Diretrizes Curriculares para o a) contribuir para a avaliação das instituições de ensino superior
Curso de Letras considera “os desafios da educação superior diante que ministram cursos de graduação em Letras, no intuito de pos-
das intensas transformações que têm ocorrido na sociedade contem- sibilitar ações permanentes voltadas para a melhoria da qualidade
porânea, no mercado de trabalho e nas condições de exercício profis- do ensino ministrado;
sional.”. Por isso, concebe a Instituição de Ensino Superior “não ape- b) integrar um processo de avaliação continuada da formação
nas como produtora e detentora do conhecimento e do saber, mas, pessoal e profissional do graduado em Letras;
também, como instância voltada para atender às necessidades c) fornecer elementos que possam contribuir para a discussão
educativas e tecnológicas da sociedade. Ressalta-se, no entanto, que a do papel do profissional de Letras na sociedade brasileira;
Universidade não pode ser vista apenas como instância reflexa da d) avaliar em que medida os cursos de Letras estão formando
sociedade e do mundo do trabalho. Ela deve ser um espaço de cultura profissionais dotados de repertório cultural e metalingüístico
e de imaginação criativa, capaz de intervir na sociedade, transforman- que lhes permita operar com diferentes questões e problemas
do-a em termos éticos.”. de linguagem e atuar como multiplicadores.
Portanto, para o Ministério da Educação (MEC), o perfil do Art. 2° Tendo como pressuposto que o graduando em Letras
profissional deve estar em consonância com o objetivo do Cursos de deverá demonstrar capacidade de utilizar os recursos da língua
Letras, que é “formar profissionais interculturalmente competentes, oral e escrita, de articular a expressão lingüística e literária com
capazes de lidar, de forma crítica, com as linguagens, especialmente a os sistemas de referência em relação aos quais os recursos ex-
verbal, nos contextos oral e escrito, e conscientes de sua inserção na pressivos da linguagem se tornam significativos e de desempe-
sociedade e das relações com o outro.”. nhar o papel de multiplicador, o Exame Nacional do Curso de
A Proposta de Diretrizes Curriculares para o Curso de Letras Letras de 2001 tomará como referência o seguinte perfil para o
ainda sugere: graduando:
Independentemente da modalidade e da habilitação escolhidas, o a) capacidade de organizar, expressar e comunicar o pensamento
profissional em Letras deve ter domínio do uso da língua ou das em situações formais e em língua culta;
línguas que sejam objeto de seus estudos, em termos de sua estrutu-
b) domínio teórico e descritivo dos componentes fonológico,
ra, funcionamento e manifestações culturais, além de ter consci-
ência das variedades lingüísticas e culturais. Deve ser capaz de morfossintático, léxico, semântico e pragmático da língua por-
refletir teoricamente sobre a linguagem, de fazer uso de novas tuguesa;
tecnologias e de compreender sua formação profissional como c) domínio de diferentes noções de gramática e (re) conheci-
processo contínuo, autônomo e permanente. A pesquisa e a ex- mento das variedades lingüísticas existentes e dos vários níveis
tensão, além do ensino, devem articular-se neste processo. O e registros de linguagem;
profissional deve, ainda, ter capacidade de reflexão crítica sobre d) capacidade de analisar, descrever e explicar, diacrônica e
temas e questões relativas aos conhecimentos lingüísticos e literá- sincronicamente, a estrutura e o funcionamento de uma língua, em
rios.
particular da língua portuguesa;
e) capacidade de analisar criticamente as diferentes teorias que
Abordadas essas idéias iniciais, sistematizadas pela Comissão de
fundamentam as investigações de língua e de linguagem;
Especialistas de Ensino para o Curso de Letras, examino, agora, a forma
f) domínio ativo e crítico de um repertório representativo de
de verificar se tais idéias estão sendo desenvolvidas a contento, no sentido
literatura em língua portuguesa e capacidade de identificar rela-
de obter respostas significativas que permitam avaliar os Cursos de Le-
ções intertextuais com obras de literatura universal;
tras existentes no país. Para tanto, passarei, agora, a examinar, sob os
g) domínio do conhecimento histórico e teórico necessário para
aspectos dos objetivos, das competências, das capacidades e das habili-
refletir sobre as condições sob as quais a expressão lingüistica
dades, um recente documento normatizador legal emitido pelo MEC.
ABSTRACT: The prefixal intensification has merited little attention from studentes of Semantic. This work demonstrates the persuasive force of the
intensification by analysing of intensive prefixed in Salvador oral language.
PALAVRAS-CHAVE: Língua portuguesa; Semântica.
O assunto abordado aqui está inserido numa pesquisa maior que consideram a prefixação um processo de composição. Opinião
(LOPES: 2000) que tem por alvo descrever os processos de intensifica- melhor parece ser a daqueles que consideram a prefixação uma moda-
ção encontrados na língua falada por informantes cultos de Salvador, lidade de derivação, dentre os quais se incluem ROCHA LIMA (1972:
tomando como corpus doze inquérios reunidos na obra organizada por 173), CUNHA & CINTRA (1985: 83-84) e BECHARA (1999: 357),
MOTA & ROLLEMBERG (1994). Por outro lado, ao eleger como em razão da ponderação de que, embora os prefixos não sejam capa-
objeto de pesquisa a intensificação, situa-se no âmbito da Análise do zes de realizar uma mudança de categoria, como ocorre com alguns
Discurso, e, neste, mais especificamente, nos estudos da enunciação e sufixos em determinados casos (ex.: digno à dignidade), são, por natu-
da argumentação. reza, morfemas presos cons-tituintes das palavras, visto que não so-
Por processos de intensificação prefixais entende-se todos os brevivem fora delas, como é o caso do prefixo HIPER- em hiperten-
mecanismos lingüísticos constituídos de gramemas presos são, salvo se vierem a sofrer um processo de lexicalização, a exemplo
posicionados antes de uma base lexemática que, numa determinada de manteiga extra, o que é algo incomum e bem diferente do que
situação enunciativa, podem funcionar como operadores da intensida- acontece com a esmagadora maioria dos prefixos.
de por transferência de sentido (hiperacidez) ou por natureza Ainda sobre os prefixos, convém observar que, assim como
(microfilme). Tais intensificadores se caracterizam ainda por expres- ocorre com os processos analíticos de intensificação, eles se prestam
sarem, respectivamente, uma visão global ou relativa do locutor. menos à expressão da emotividade do que os sufixos. Diz
A diferença entre os gramemas presos prefixais por natureza e SANDMANN (1988: 161) que “o emprego crescente dos prefixos de
os por transferência de sentido está em que, enquanto os primeiros aumento e diminuição macro-, maxi-, mega-, micro- e mini- [...] deve-
sempre expressaram a noção de grau, como é o caso do prefixo se provavelmente ao fato de serem emocionalmente mais neutros do
MICRO-, que tem o sentido de pequeno em microfilme (= filme que os sufixos de grau [...]”.
pequeno, reduzido), os últimos, originalmente portadores do sentido Por outro lado, RIO-TORTO (1987), apud CARREIRA (1997:
de localização, só posteriormente é que passaram a expressar a noção 182), fazendo um estudo acerca das estruturas morfo-lexicais da in-
de intensidade, como é o caso do prefixo HIPER- (de origem grega, tensificação no português contemporâneo, “considère que la
com o sentido de posição superior) que, por transferência semântica, suffixation et la préfixation font partie de la sémantique lexicale et
toma o sentido figurado de alto grau em hipermercado (= mercado envisage différents niveaux d’intensification selon une échelle de
enorme). gradation”. E depois menciona “quatre zones d’évaluation (diminutive-
Cabe esclarecer ainda que, a depender do caso, tais intensificadores atténuative, augmentative-intensive, superlative, excessive)” (Ibid.).
podem vir não-integrados, a exemplo de ultra-rápido, em que o A reflexão acerca dos prefixos conduz inevitavelmente à con-
intensificador é o próprio prefixo; ou integrados na base, a exemplo de clusão de que eles têm um comportamento similar ao dos adjetivos, de
super-secretária, como se vê, respectivamente, nos seguintes exemplos: modo que podem, inclusive, se organizar também em séries gradativas
através das quais expressam diversos níveis de intensificação, como
(1) Este trem é ultra-rápido (= extremamente rápido). se verifica na série “HIPER-, SUPER-, SEMI-, SUB-” exemplificada
(2) Esta é uma super-secretária (= demasiadamente boa se- em “hiperdesenvolvido ← superdesenvolvido, semidesenvolvido, sub-
cretária). desenvolvido” e que corresponde, respectivamente, aos graus de in-
Em (1), o prefixo ULTRA-, com o sentido original de ultrapas- tensidade máximo, superior, aproximativo-inferior e inferior, ilus-
sagem em relação a uma norma, a um limite (de velocidade, nesse trados na seguinte escala:
caso), passa a traduzir a noção de intensidade elevada em relação à
base (rápido) exterior a ele, razão pela qual se diz não-integrado.
Por outro lado, em (2), o prefixo SUPER-, com o sentido origi- + + – hiperdesenvolvido (=muitíssimo desenvolvido)
nal de posição superior, assume o sentido figurado de alto grau. Toda-
via, cabe observar que, nele, encontram-se a base (boa), como um dos + – superdesenvolvido (= muito desenvolvido)
seus semas, e, implícito, o intensificador (demasiadamente), razão
pela qual se diz integrado.
Antes, porém, de prosseguir na apreciação dos gramemas pre- 0 – desenvolvido
sos prefixais, uma questão deve ser colocada como pré-requisito para ^
a abordagem desse assunto, que é a de ser ou não prefixo o que aqui se
^ semidesenvolvido (= quase desenvolvido)
denomina prefixo, levando-se em conta o fato de não ser pacífica a
^
posição de se considerar o prefixo um morfema preso capaz de operar
a derivação, problema esse inexistente em relação aos sufixos e que - – subdesenvolvido (= pouco desenvolvido)
tem a ver com os processos de formação das palavras. Sobre essa
questão, não é sensato concordar com PEREIRA (1926), BUENO Os prefixos serão amplificadores quando funcionarem como
(1958) e J. J. NUNES, apud ROCHA LIMA (1972), dentre outros, modificadores capazes de aumentar a noção contida na base de forma
(4) INF Então, existem as máquinas de oito milímetros; geral ( 6) INF O clima é tropical no Brasil. Agora, clima tropical... eh...
mente essas de oito milímetros são usadas mais em casa, talvez semi-úmido, talvez, não sei, na região amazô-
ou naqueles fil... naqueles cinemas antigos, né? Depois, nica, talvez... eh... úmido, mas úmido não no sentido,
dezesseis milímetros, que há pouco tempo também era vamos dizer, de umidade... – não sei, talvez eu não
usada em cinemas. E agora as mais modernas são seten seja... não... não poss... não... não esteja me expres-
ta milímetros, que muitos até usam para aquelas telas sando bem –, mas úmido no sentido de umidade que
superpanorâmicas, pra dar idéia até do... terceira dimen dá lugar a suor e tal, no tempo de sol, aqui na área de
são, que na realidade não é terceira dimensão, né... Nordeste.
(INQ138, INF167, p.55-56, LINHAS 265-274) (INQ 135, INF164, p.130, LINHAS 81-88)
(5)INF Outro jogo que envolve animais é um quarteto, que Em “semi-úmido”, percebe-se que o grau de comprometimento
pode ser de animais. Eu tive um sobre os compositores do locutor acerca da umidade do clima é atenuado pelo prefixo SEMI-,
e que era super difícil nós dizermos aqueles nomes to que traduz a noção de um clima que não é úmido nem seco, mas quase
dos, quando nós nem falávamos português correto, ima úmido. A rigor, o prefixo supracitado (semi-) não marca com nitidez o
gine dizer os nomes em alemão; mas existe com ani grau de umidade, por estar situado numa zona medial imprecisa da
mais. escala gradativa próxima do grau médio. Entende-se aqui por grau médio
(INQ125, INF151, p.84, LINHAS 521-527) o ponto intermediário da escala, mais ou menos equidistante dos graus
superior e inferior. Outrossim, a imprecisão do sufixo SEMI- é acentu-
Em (3), o prefixo SOBRE-, aplicável a uma base pronominal ada aqui pela própria vacilação do informante, manifesta na sua insegu-
(tudo), resulta no intensificador sobretudo, sinônimo de especialmen- rança quanto à classificação do clima do Brasil.
te, principalmente, acima de tudo. Sendo assim, dizer que “Essa (a Os prefixos atenuadores minimais se caracterizam por situa-
Sociedade Brasileira de Química) congrega, [...], sobretudo, os quími- rem a intensificação no extremo inferior da escala gradativa básica e
cos e os engenheiros químicos”, corresponde a dizer que a Sociedade poderem se subdividir em prefixos atenuadores minimais de grande-
RÉSUMÉ: Le travail ici présenté analyse la variation linguistique selon la dimension diaphasique (les styles ‘réponses aux questions du questionnaire’
et ‘conversation libre’). Les données en examen appartiennent à 12 interviewes accomplies, à titre expérimental, dans le cadre du Projet Atlas Lingüístico do Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Variantes Fônicas, Variantes Diafásicas, Atlas Lingüístico do Brasil.
Voltada inicialmente para a investigação da diversidade espa- dos — o de escolaridade 1 (até a 4a. série do ensino fundamental) e o
cial, a geolingüística, sem deixar de lado o caráter prioritário da varia- de escolaridade 3 (universitária) — distinguem-se pelo desempenho
ção diatópica, que a distingue essencialmente dos estudos de natureza lingüístico que apresentam, o que parece relacionar-se com o modo
sociolingüística, tem incorporado outros parâmetros como o diastrático, pelo qual se encontram inseridos no mercado ocupacional, conforme
o diageracional, o diassexual (ou diagenérico) e o diafásico. O desen- quadros a seguir:
volvimento dos estudos geolingüísticos vem mostrando não só a im-
portância da inclusão desses outros parâmetros, como também as
inter-relações entre eles, de tal modo que, freqüentemente, uma varia-
ção diatópica ou diageracional é vista como diastrática pelos falantes
de outras áreas ou de outro grupo e uma variação diastrática assume
feição diafásica no registro coloquial de indivíduos de alto grau de
escolaridade.
Abordamos, nesta comunicação, a variação diafásica, no nível
fônico, documentada em inquéritos experimentais realizados dentro
dos princípios metodológicos previstos para o Atlas Lingüístico do
Brasil (ALiB).
Para a depreensão da variação diafásica prevê-se, na metodologia
do AliB, o registro não só das respostas a questões previamente
elaboradas, nos questionários destinados à apuração das variantes
fônicas (QFF), semântico-lexicais (QSL) ou morfológicas (QMS), que
se apresentam em um tipo de diálogo assimétrico e que ocupam a
maior parte da interação informante/documentador1, mas também o
de outros tipos de discurso. Esses outros tipos são: (a) o discurso
livre do informante, em elocuções mais descontraídas e mais coloqui-
ais, sobre um momento marcante de sua vida, a sua avaliação a respei-
to da atuação política de um governante, a descrição do seu próprio
trabalho ou o relato de um fato de seu conhecimento, temas que lhes
são sugeridos já ao final do inquérito, quando a tensão ou a desconfi-
ança iniciais desapareceram e, em geral, estabeleceu-se uma interação
mais próxima da situação normal de fala; (b) a descrição de gravuras
que são apresentadas no Questionário Morfossintático para o regis-
tro de formas plurais que apresentem variações importantes; e c) a
leitura de um texto, ao final do inquérito.
Embora restritos a fatos de natureza fônica ou morfossintática, Destacam-se, no 1º grupo, principalmente os informantes 11
esses diferentes tipos de registro podem fornecer elementos impor- (que exerce, na UFBA, a função de cozinheira e professa a religião
tantes para análise da variação diafásica, conforme tem sido observa- evangélica) e 12 (que, apesar de não haver concluído a 5a. série do
do nos inquéritos experimentais que vêm sendo realizados por diver- ensino fundamental, foi casado com uma pessoa de nível universitá-
sas equipes integrantes do Projeto ALiB, com o objetivo de formar rio, com quem trabalhou durante muito tempo).
inquiridores, testar a metodologia de recolha de dados e aperfeiçoar o No grupo 2, as universitárias identificadas como informantes
próprio questionário. 13 (dentista) e 17 (doutoranda) distinguem-se das que se identificam
Selecionamos para essa comunicação doze inquéritos experi- como 09 e 10, a primeira já fora do mercado ocupacional e a segunda,
mentais realizados na Bahia, em 1999 e em 2000: oito a informantes trabalhando como professora primária, em colégios públicos. Na fala
que cursaram até a 4a. série do ensino fundamental — quatro em
Salvador e quatro em Santo Amaro — e quatro a informantes
soteropolitanos, de nível universitário2. Esses informantes, de acordo 1
Cf. AGUILERA, Vanderci, ARAGÃO, Maria do Socorro, CARDOSO,
com a metodologia do ALiB, distribuem-se pelos dois gêneros e pelas Suzana, MOTA, Jacyra, KOCH, Walter, ZÁGARI, Mário Roberto. Atlas
duas faixas etárias — a primeira, de 18 a 30 anos — e a segunda, de 50 Lingüístico do Brasil Questionários. Londrina, UEL, 1998.
a 65 anos. 2
Os inquéritos foram realizados, com nossa orientação, pelas estudantes
Apesar de terem o mesmo grau de escolaridade formal, obser- bolsistas de IC-UFBA: Letícia Magalhães, Lair Farias de Aragão e Sira de
va-se que alguns informantes de cada um dos dois grupos considera- Souza Borges.
Abstract: The Linguistic Atlas of Brazil - ALIB Project, now at the beginning , intends to show that dialectology today is not merely geolinguistics,
as it was considered until a few years ago, studying only the regional or diatopics variations, that produce only monodimentional, monostratics,
monogeracional and monofasics results, as ELIZAINCIN and THUN (1992: 128-9) say, but also studies the social and stylistics causes that
determine the regional variations.
In this work, we will analyze some aspects the diastratics or sociocultural variations concerning school level and register found in the experimental
inquiries done in two states in the northeastern region of Brazil, Paraíba and Ceará.
Palavras-Chave: Dialetologia, Geolingüística, Variação social
Introdução
A pesquisa para a elaboração do Atlas Lingüístico do Brasil - social group in a different area than to people from a
AliB, seguindo as orientações das pesquisas dialetais e different social group in the same area.3
sociolingüísticas atuais, está levando em consideração não apenas os Para Chambers e Trudgill (1980:54) não pode haver dialeto
aspectos diatópicos ou regionais, mas, ao mesmo tempo, os aspec- social sem o regional pois todos os falantes têm uma background social
tos diastráticos, diafásicos, diageracionais, diassexuais e diacrônicos, mas têm, também, uma localização regional. Em suas palavras:
abrangendo, deste modo, a realidade lingüística e extra-lingüística do All dialects are both regional and social, since all
falante da Língua Portuguesa. speakers have a social background as well as a regi-
Esta Mesa-Redonda pretende mostrar que a Dialetologia atual onal location.4
não é uma mera Geolingüística, como se considerava até alguns anos Se tomarmos a definição de variável lingüística dada por Calvet
atrás, com o estudo, somente, das variações regionais ou diatópicas, (1997: 76) teremos que ela ocorre quando:
que produzia apenas resultados monodimensionais, monostráticos, ...deux formes différentes permettent de dire ‘la même
monogeracionais e monofásicos, no dizer de ELIZAINCÍN e THUN chose’, c’est-à-dire lorsque deux signifiants ont lê
(1992: 128-9), mas que estuda, também, as causas sociais e estilísticas même signifié [...] mais lê probléme est alors de savoir
que determinam as variações regionais, pois: à quelle fontion correspondent ces différentes formes.
“... el Atlas lingüístico tiene la obrigación y es además Et c’est là que commencent lês difficultés...5
capaz de dar uma imagen de la multidimensionalidad y Assim, a forma não terá tanta importância, mas, sim, a função
de las interrelaciones de los fenómenos variacionales”1 que ela possa exercer, quer lingüística quer socialmente. Esta é uma das
O corpus do AliB, constituído por informantes que têm as grande funções da sociolingüística: analisar o tipo de correlação entre as
mesmas características socioculturais de idade, sexo, profissão, esco- variantes lingüísticas e as categorias sociais dos grupos sociais em ob-
laridade, além de diferentes registros de fala para todo o país, confere servação. Mas, como afirma Calvet (1993: 81):
uma grande uniformidade ao material com o qual trabalharemos. ... cette distiction et fragile, car lês attitudes et les
Neste trabalho analisaremos alguns aspectos da variação sentiments linguistiques font que des caractéristiques
diastrática ou sociocultural no que diz respeito ao nível de escolarida- regionales peuvent être perçues socialement.6
de e ao registro, detectados nos inquéritos experimentais realizados Porém é importante que possamos fazer a distinção entre a
em dois estados da região nordestina do Brasil, Paraíba e Ceará, ao chamada variação intra-lingüística: a que se manifesta no uso e nas
mesmo tempo que minhas colegas falarão sobre os demais tipos de estruturas de um mesmo sistema e a variação inter-lingüística: a que
variação encontrados nos inquéritos experimentais do AliB em outras existe entre os próprios sistemas. Garmadi (1981: 26).
regiões do país. Em vez de falar em atitude lingüística, como Calvet, Garmadi
prefere falar em “afetação funcional”, ou seja, como as atitudes lin-
1. Variação diatópica e variação diastrática - considera- güísticas e os julgamentos de valores que a elas são associadas, afetam
ções teóricas o funcionamento da língua. O autor diz, também, que:
Para analisarmos a variação diastrática, no âmbito da dialetologia Il serai donc scientifiquement utile de pouvoir disposer
e da geolingüística, é necessário que se defina, rigidamente, ambos os d’une terminologie permettant de dissocier la varieté
campos de atuação. Assim, a definição de Wardhaugh (1992:46) nos lingusitique de son affectation fonctionelle et dês jugements
parece clara: de valeur qui sont attachés à celle-ci.7
Whereas regional dialects are geographically based, so- Sobre o caso da função, Sankoff acha que forma e função estão
cial dialects originate among social groups and depend sempre em distribuição complementar e que o problema é o conceito
on a variety of factors, the principal ones apparently
being social class, religion, and ethnicity.2
Mas, ao analisarmos o problema da variação regional em rela-
1
THUN, H. et al. El atlas lingüístico diatópico y diastrático del Uruguay.
Presentación de un proyeto. Iberoromânia, 3. Tübingen: 26-62, 1989,
ção à variação social, muitos problemas e muitas dúvidas surgem
p.28.
quanto aos limites de cada tipo de variação. Onde termina uma e onde 2
WARDHAUGH, R. An introduction to sociolinguistics. Oxford/Cambridge:
começa a outra. Qual a prevalência de uma sobre a outra, são questões Blackwell, 1992, p. 46.
que surgem aos primeiros estudos. 3
HUDSON, R.A. Sociolinguistics. Cambridge: Cambridge University Press,
Hudson (1980:43) diz que os dialetólogos falam de dialeto 1980, p. 43.
social ou socioleto para se referir às diferenças que não sejam regio- 4
CHAMBERS, J. K. et TRUDGILL, A. Dialectology. Cambridge: Cambridge
nais. Acrescentando que: University Press, 1980, p. 54.
Because of these factors, a speaker may show more
5
CALVET,L-J. La sociolinguistique. Paris: PUF, 1993, p.76.
6
CALVET,L - J. op. cit p. 81.
similarity in his language to people from the same 7
GARMADI,J. La sociolinguistique. Paris: PUF, 1981, p. 29.
Introdução dimensão social mas também política à vida nacional a qual, por certo,
Trato, nesta comunicação, de aspectos da variação do português se faz acompanhar de mudanças lingüísticas, cuja extensão ainda não
brasileiro, observando, especificamente, a relação entre fenômenos pôde ser plenamente avaliada.
lingüísticos e a variável gênero. Com esse entendimento, examino um conjunto de inquéritos
À guisa de introdução, mister se faz assinalar que a preocupação experimentais, descritos e identificados mais adiante, com vistas à ob-
com fatores sociais na pesquisa dialetal não se constitui em novidade do servação da variável gênero.
mundo contemporâneo, mas já foi objeto de consideração nos primórdios
da Dialectologia como ramo de estudo sistemático da variação lingüísti- O projeto ALIB e a variável gênero
ca. Fato ilustrativo está na atitude assumida por Millardet e pelo Abbé A metodologia do Projeto ALiB, como tem sido divulgado em
Rousselot, para me ater a duas citações exemplificativas (CARDOSO, diferentes momentos, contempla, para o estabelecimento da escolha
2000). O primeiro elege informantes jovens e informantes mais velhos de informantes, além do controle da variação diatópica, o referente a
do que advém a vantagem de, como afirma, saisir sur le vif, dans le variáveis sociais, sobre o que se debruça esta mesa-redonda. Dessa
même pays et la même famille, différentes étapes d’une transformation forma, passo a tratar da variável de gênero na tentativa de que,
linguistique (Apud POP, 1950, p. 325). O segundo considera o conhe- descrevendo fatos e fenômenos, venha a obter uma visão, ainda que
cimento da idade dos informantes indispensável, a fim de permitir com- preliminar e parcial, do comportamento dessa variável em dados
parar a fala dos mais jovens à dos mais velhos: geolingüísticos, colhidos, de forma experimental, para o atlas do
La connaissance de l’âge des sujets observés est Brasil.
indispensable afin de pouvoir comparer les divergences São tomadas para exame duas regiões, Bahia e Paraná. Da Bahia,
existant entre le parler des jeunes et celui des vieillards, et utilizo-me de 04 inquéritos realizados na cidade de Vitória da Conquista
déterminer leur point de départ (Apud POP, 1952, p. 43). e do Paraná, 04 inquéritos da cidade de Adrianópolis. Em cada uma das
cidades, examinam-se os resultados obtidos com dois informantes do
Também sobre a variação diastrática manifestou-se o Abbé
sexo masculino e dois do sexo feminino, todos eles com escolaridade
Rousselot, tomando, assim, uma outra variável sociolingüística para
que não ultrapassa a 4ª série do primeiro grau, como vem definido pela
consideração, levando-o, dessa forma e a propósito das diferentes mo-
metodologia do projeto. Dispomos, a essa altura, de inquéritos experi-
dalidades de uso da língua, a identificar entre os patois, celui du peuple
mentais feitos em Salvador e a informantes de nível universitário. A
et celui des messieurs, explicando, logo a seguir, que:
inexistência, porém, de inquéritos experimentais em outras capitais fez
Le patois des messieurs donne l’explication de certains anomalies com que a opção se fizesse pelo confronto entre dados de áreas do
qui se rencontrent dans le langage du peuple; il montre aussi de quel interior desses dois estados.
côté viennent les influences étrangères qui agissent sur le patois. Para estas considerações, foi tomada, sistematicamente, a variá-
Mais il n’est pas le patois du pays (Apud POP, 1950, p. 43). vel gênero, sendo as demais variáveis — idade e escolaridade — trazidas
A postura do Abbé Rousselot levou THUN a afirmar, recente- à cena sempre que necessárias à interpretação da variável selecionada.
mente (2000, p. 369), que C’est qui est encore plus remarquable, c’est Para efeito da descrição, os informantes numerados de 1 a 4 são da
que l’abbé ROUSSELOT esquisse un programme qu’on pourrait de bon Bahia e de 5 a 8, do Paraná, cabendo os dois primeiros números de cada
droit qualifier de “partiellement pluridimensionnel”(grifo nosso). série aos informantes masculinos e os dois últimos aos informantes
Reconhecendo, como o fazem CONTINI & TUAILLON femininos. Assim, os informantes 1, 2, 4 e 5 são masculinos e os de
(1996,7), que La dialectologie a pour tâche essentielle d’étudier la números 3, 4, 7 e 8, femininos.
variation géolinguistique, o Projeto ALiB, ao tempo em que prioriza o
registro da diversidade diatópica, leva em conta fatores sociais — idade, Aspectos fonéticos e variável gênero
gênero e grau de escolaridade —, adotando, assim, o controle de variá- Examino resultados obtidos com a aplicação experimental do ques-
veis sociolingüísticas que lhe vão imprimir um caráter pluridimensional. tionário fonético-fonológico (QFF) do projeto ALiB, nas duas cidades
Ao assumir essa posição metodológica de implicação social, mencionadas, servindo-me de levantamento geral feito por Mota1.
política e filosófica, o Projeto ALiB parte do princípio de que a realida- Os informantes são, para a Bahia, 2 homens de faixa etária I,
de do mundo contemporâneo e, conseqüentemente, do Brasil de hoje uma mulher de faixa etária 1 e outra de faixa etária 2; para o Paraná
apresenta-se bastante distinta do que se configurava há anos atrás. O são considerados 2 homens de faixa etária 2, uma mulher da faixa
novo perfil demográfico do País com o aumento de concentração da
população nos grandes centros urbanos, com o esvaziamento das áreas
rurais e com a intensa migração interna a que se pode acrescentar o papel 1
Jacyra Andrade Mota organizou dados de um conjunto de inquéritos
que vem desempenhando a mulher na construção da sociedade contem- experimentais, entre os quais se incluem os que são tomados para análise
porânea, seja pela sua inserção no mercado de trabalho seja pelo neste trabalho, produzindo um levantamento circunstanciado do qual
redimensionamento da sua atividade, tem trazido não só uma nova muito me beneficiei e pelo que registro os meus agradecimentos à colega.
RÉSUMÉ: L’ídée centrale concerne le rôle de l’adulte lettré et ses effets sur la construction de la connaissance du langage écrit par l’enfant.
L’objectif initial est de contraster ce rôle, dans la perspective piagétienne, avec celui de Vygotsky, et ensuite montrer que dans le modèle bakhtien
l’adulte occupe trois positions discursives.
PALAVRAS-CHAVE: adulto, criança, aquisição, escrita
Cada vez mais a literatura científica no âmbito da Psicolingüística, Dessa forma, estaríamos promovendo ao mesmo tempo a in-
da Etnografia da Comunicação, da Psicanálise vem se ocupando do serção dos sujeitos naquelas práticas letradas de sua cultura que fa-
estudo da aquisição da língua escrita por parte da criança pequena. Ao zem algum sentido dentro de suas atividades cotidianas de trabalho,
mesmo tempo, esta literatura demonstra que para algumas crianças o lazer, etc.
processo se inicia no momento da pré-escola, através de experiências Paralelamente, outra fonte de inspiração, respresentada pelos
significativas com a leitura e a escrita. trabalhos de F. François, no que concerne à influência bakhtiniana, e
Enfim, como Wallon, pensamos que as descobertas mais im- definição das categorias de análise, passou também a ter um papel
portantes se “fazem nas fronteiras”, isto é, na intersecção de várias importante nesta busca de caminhos, uma vez que se situam dentro de
disciplinas e abordagens científicas. Embora, nestes últimos anos, as uma perspectiva de linguagem em oposição a uma perspectiva lingüís-
pesquisas em psicolingüística tenham se multiplicado sobre o desen- tica stricto sensu.
volvimento da linguagem escrita, poderíamos dizer que há ainda muito Disto isto, passamos a levar em conta dois objetivos que con-
para ser feito, e que os próximos progressos serão provavelmente o sideramos como sendo relevantes e que precisam ser retomados e
fruto dos encontros desses especialistas. rediscutidos no estudo da aquisição da escrita:
Prosseguindo nesta linha de reflexão, verificamos numa pers- a) contrastar o “sujeito” em Ferreiro e Vygotsky;
pectiva psicolingüística, que a questão fundamental não seria mais b) descrever o papel do adulto letrado e seus efeitos na constru-
como ensinar a ler às crianças, o que supõe o problema resolvido, mas ção de conhecimento sobre a escrita pela criança pequena. Nesta em-
o que constitui problema às crianças quando aprendem a ler. O debate preitada, nos inspiraremos em Mayrink-Sabinson (1997 e 1998)
se desloca então do objeto-língua ao sujeito-aprendiz. Assim, parafra- * Quanto ao primeiro item, lembramos que o “sujeito”, em
seando os psicolingüistas, preferimos falar de “entrada na escrita”, e Ferreiro, é “o sujeito cognoscente, o sujeito que busca adquirir
não de “aprendizagem da leitura-escrita/escritura”. Neste sentido, a conhecimento, o sujeito que a teoria de Piaget nos ensinou a
entrada na escrita é um departamento da psicolingüística. descobrir (...) um sujeito que procura ativamente compreender
Ora, e lembrando Smolka (1993) para quem ‘não se ensina’ ou o mundo que o rodeia, e trata de resolver as interrogações que
‘não se aprende simplesmente a ler e escrever’, mas ‘aprende-se uma este mundo provoca. Não é um sujeito que espera que alguém
forma de linguagem, uma forma de interação...’, elegemos o diálogo que possui um conhecimento o transmita a ela (...) É um sujeito
como fio condutor de nossa pesquisa, realizada entre os anos 1997 e que aprende basicamente através de suas próprias ações so-
1998, no âmbito do Projeto de Cooperação Universitária USP/ bre os objetos do mundo, e que constrói suas próprias catego-
COFECUB (Brasil/França). rias de pensamento, ao mesmo tempo que organiza seu mun-
Foi precisamente, a necessidade de pensar e redimensionar a do”. (Ferreiro & Teberosky, 1989: 26)
visão da aquisição da escrita em termos de interação e interlocução que A partir deste fragmento, observamos que a autora privilegia o
nos fizeram buscar apoio em outras direções tendo em vista a análise conhecimento sobre o sujeito que constrói a linguagem e o desenvolvi-
que desejávamos fazer. mento das habilidades cognitivas que interagem nesse processo de
A partir dessa preocupação, as primeiras respostas para nos- construção. Este sujeito piagetiano não é um sujeito individual mas,
sas indagações começaram a ser encontradas na Teoria da Enunciação enquanto construto teórico, um sujeito idealizado, universal, que pas-
(Bakhtin) e nas abordagens interacionistas (ou na lingüística sa por etapas/estágios na construção do conhecimento. Por outro
interacionista). lado, embora o contexto esteja pressuposto, ele não é visto como
Por que justamente a adoção dessas perspectivas teóricas na con- constitutivo do processo de aquisição.. Ou melhor: segundo Mayrink-
sideração de questões aparentemente pedagógicas? A razão principal, Sabinson (1997: 39), seu eventual papel mediador não é teoricamente
sem dúvida, por vermos a leitura e a escrita, antes de mais nada, como explorado.
momentos discursivos. Já Vygotsky (1991: 33) afirma que: “Desde os primeiros dias do
A intenção, portanto, era mostrar que a ‘entrada da criança na desenvolvimento da criança, suas atividades adquirem um sig-
escrita’ não implica apenas a aprendizagem da escrita de letras, pala- nificado próprio num sistema de comportamento social e, sendo
vras e orações. Nem tampouco envolve apenas uma relação da criança dirigidas a objetivos definidos, são refratadas através do pris-
com a escrita. Ela vai muito além na medida em que implica, desde a ma do ambiente da criança. O caminho do objeto até a criança e
sua gênese, a construção do sentido e, mais profundamente, uma for- desta até o objeto passa através de outra pessoa.”
ma de interação com o outro. E, neste sentido, esta escrita precisa ser
permeada por um desejo e pressupõe um interlocutor, geralmente um Este autor atribui, portanto, um papel ao OUTRO: O papel do
adulto letrado. OUTRO, conforme Mayrink-Sabinson (ibid.), que consistiria
Surgiu, então, a idéia de recorrer, como alternativas de articula- em prover o que seria imitado, incorporado pela criança, num
ção de atividades e constituição da interdiscursividade, à “literatura momento de seu deenvolvimento e, mais tarde, internalizado,
infantil” e às “situações de narrativa”, sobretudo, em razão da dimen- por ela, transformado e modificado como novo conhecimento.
são lúdica e estética, suas marcas registradas.
ABSTRACT: This research debates, in linguistic terms, the social difference among children from different social classes concerning language uses.
It analyses what is common and individual among written narratives, produced by two subjects from different social groups, taking into consideration
the writing as secondary discoursive gender.
PALAVRAS-CHAVE: usos lingüísticos – escrita – classes sociais – diferenças.
Nessa exposição, partiremos do pressuposto de que não é tan- vamente, o que há de comum e de singular em narrativas escritas por
to a língua abstrata que pode distinguir as crianças de diferentes clas- dois alunos de 5ª série, de diferentes classes sociais (I., 10 anos, de
ses sociais, mas os modos diferentes da cultura de linguagem, classe média-alta, estudante de escola particular, imersa em um mun-
produzidos fundamentalmente pelos gêneros discursivos. François, do letrado e R., 12 anos, de classe social pobre, filho de pais com
(1996a), em seus estudos sobre narrativas orais de crianças, faz a primeiro grau incompleto, estudante de escola pública - único local
seguinte colocação: que poderia lhe possibilitar maior contato com a escrita).
“Se existem diferenças sociais entre crianças de classes sociais Para atingir o objetivo proposto, valemo-nos da categoria tex-
diferentes é mais, sem dúvida, no plano de tipos de uso de tos de criação, didaticamente formulada por Meserani (1995), ao
linguagem (...) Prescrevemos e proibimos, sem dúvida, a to- analisar como os gêneros discursivos circulam na escola. Esse tipo de
das as crianças. Há, certamente, crianças a quem damos ar- texto é caracterizado pelo novo, diferente, original, em que o aluno
gumentos, outras não. Há crianças que habituamos ao monó- articula o que ao como dizer.
logo, ao prazer da história contada e outras não. (op. cit. 120) Na realização dessa atividade, propusemos a I. e R. o relato de
Em nossa investigação, centrada na escrita, complementaremos experiências vividas, através do tema: um momento de grande feli-
a fala do autor, postulando que há sujeitos a quem foi dada, desde cidade.
tenra infância, a possibilidade de maior contato com textos escritos, Após interação inicial, os sujeitos construíram seus textos a
em suas diversas configurações, e à fala perpassada pela escrita, a partir de instruções de apoio, baseadas nos elementos da narrativa.
outras não. Puderam, também, elaborar as histórias, planejando-as, escrevendo a
Sem o objetivo de polemizar a respeito da classificação de gêne- lápis e lançando mão de reelaboração total ou de inserções, apagamen-
ros/tipos discursivos-textuais, procuraremos nos ater à proposição tos, substituições, etc.
bakhtiniana a esse respeito. Após afirmar a impossibilidade de definir Os textos elaborados foram os seguintes:
uma tipologia dos gêneros, Bakhtin (1992) propõe a diferença essen-
cial entre eles: a existência do gênero do discurso primário (do
cotidiano, mais simples, constituído em situações de comunicação
verbal espontânea, estabelecendo relação direta com a realidade exis-
tente e com a realidade dos outros) e a do gênero discursivo secun-
dário (que aparece em situação mais complexa e relativamente mais
“evoluída”, relacionado, sobretudo, à escrita).
Dessa forma, considerando a especificidade dos textos escritos
(a substituição da entonação e prosódia por sinais gráficos; a necessi-
dade de contextualização de elementos extra-lingüísticos; de maior
concisão temática e coesão entre as partes do texto, tendo o parágrafo
como marca de construção), tomaremos a escrita como um gênero
discursivo secundário, criadora de espaço para ampliação da subje-
tividade.
Assumiremos também a idéia de que aquilo que faz um gênero
funcionar – nesse caso narrativas escritas – é o fato de incorporar
outros gêneros a ele. Para François (1996b), tais subgêneros
discursivos, elementos não parafraseáveis e não diretamente cronoló-
gicos, mais ou menos equivalentes aos atos de fala, são relativos aos
pontos de vista produzidos pelo sujeito e responsáveis por tornar a
narrativa interessante. O mais interessante seriam as maneiras de
dizer - e não apenas aquilo que se diz. Isto porque, segundo o autor
(1996a), o problema não é ser contra ou a favor do estruturalismo,
mas saber o que se faz ao se analisar a estrutura de um texto ou de um
conjunto de textos. Tratar-se-ia, assim, de falar dos ingredientes antes Em sua produção, I. veicula o conteúdo da narrativa, ocupando
de se falar de como combiná-los. o lugar de filha, no mundo familiar de classe média alta, evocando,
Nesse sentido, procuraremos não perder de vista que os modos conforme tema proposto, lembranças de situações experimentadas,
de organização das histórias dizem respeito aos aspectos de narrando, por isso, em primeira pessoa.
heterogeneidade do sujeito, relativos aos lugares discursivos ocu- I., em seus movimentos textuais, encaixa com coesão os seguin-
pados e aos mundos em que o texto é produzido. tes subgêneros discursivos, concisamente, em quatro parágrafos:
Levando em consideração o exposto, analisaremos, comparati-
ABSTRACT: The increasing importance of text production in school life is a challenge for students and teachers, mainly in those difficulties they do
not quite understand. A number of corrective actions have been adopted, which included official skills development programs. In an attempt to
measure the responsiveness of such programs the research reported in this article was conducted with a language interactivity background.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino - Concepção - Produção - Texto
Embora as diretrizes teórico-pedagógicas dos Parâmetros Foi elaborado um instrumento de pesquisa, contendo dez ques-
Curriculares Nacionais (1998) persistam na ênfase ao caráter interativo tões (abertas e fechadas) fundamentadas nas visões (textual/cognitivista
pelo qual a linguagem deve ser percebida e estudada, Silva (1997) e interativo/discursiva) que têm norteado os estudos atuais a respeito
chama atenção para o fato de que o ensino-aprendizagem de produção do ensino de Língua Portuguesa mais especificamente de produção
de textos ainda carrega uma forte influência behaviorista e do estrutu- textual (enfoque específico do estudo).
ralismo nos seus modelos. A autora faz essa observação após realizar Geraldi ressalta em “Portos de Passagem” (1991) uma distin-
pesquisa no estado de São Paulo, constando de observação direta de ção entre produção de texto e redação. O autor concebe a redação
aulas, ações dos professores em sala, análise de redações e livros como uma produção estudantil para a escola, produto de uma obriga-
didáticos, dentre outros materiais e recursos levados a exame. ção escolar, ação sem interlocutor e considera produção de texto a
Geraldi (1991) cujas obras formam um conjunto de profundos produção estudantil realizada na escola, produto de uma atividade
ensinamentos acerca da visão interacionista (esta também a base da escolar, expressão livre do aluno, uma autêntica forma de expressão.
pesquisa objeto deste trabalho) sustenta que, para construir um texto, Reforçando a visão dialógica da escrita, Brandão (1997) enfatiza que
em qualquer modalidade, é necessário que o produtor assuma-se como “numa sociedade letrada, a escrita adquire função de suma importân-
locutor numa relação interlocutiva. Isto implica que ele tenha o que cia, porque, além de seu papel documental de guardiã da tradição, ela
dizer, supondo os interlocutores para quem dizer. Criar essa condição é instância instauradora de diálogos nas várias dimensões espaciais e
requer, da parte do professor, estabelecer as situações, organizar ex- temporais”.
periências e contextos adequados para que o aluno escreva sobre te- A concepção que entende a linguagem como forma de interação
mas que tenham sentido para ele próprio, sobretudo. Desse modo, portanto é a que interessa a esta pesquisadora e também se faz pre-
passa à condição de criador, já tendo sido assegurada a passagem pela sente nos Parâmetros Curriculares e propostas recentes pois repre-
fase preliminar da aquisição da linguagem, uma vez que, de tanto se senta mais do que conforme aponta Koch (1998) representação (“es-
desejar um usuário competente, esquece-se de deixá-lo à vontade para pelho”) do mundo e do pensamento; instrumento (“ferramenta”) de
seguir pela via de seu próprio ritmo. comunicação, a linguagem serve para que o locutor em uma relação
A idéia de realizar este trabalho que busca investigar a concep- interlocutiva assuma-se como locutor e para que esse autor aja, atue
ção dos professores do ensino fundamental sobre produção de textos sobre o outro, provocando reações, estabelecendo-se assim um espa-
nasceu de duas motivações importantes para a pesquisadora: dar con- ço dialógico de atuação entre autor/leitor.
tinuidade a uma pesquisa realizada em 1997 no norte do Paraná, em Trata-se, é importante observar, no entanto, que esta pesquisa
que buscou traçar o perfil do professor do primeiro grau e apontar o está em processo, tendo em vista que os questionários foram entre-
modo como os cursos, seminários oferecidos pela Secretaria de Edu- gues ao final do ano, que se conseguiu colher apenas 20% dos questi-
cação haviam influenciado a prática desse professor - em primeiro onários distribuídos, e no momento de recolhê-los no início de 2001,
lugar, e, em segundo, o desejo de fazer uso da experiência adquirida ocorreram problemas devido a falta de tempo dos professores, difi-
junto a professores da rede pública por meio da ligação proporcionada culdades em responder a questões e até perda dos mesmos. Os dados
pelo acompanhamento dos estágios supervisionados e dos relatos e colhidos até o momento serão completados com os que ainda estão
vivências dos alunos - estagiários. Outro dado que ainda motiva a por chegar, mas já podem servir como amostragem a respeito da con-
permanência na atitude de ida-a-campo é o discurso cada vez mais cepção e prática dos professores sobre produção de textos.
freqüente dos professores de língua materna ao afirmarem que os Como se afirmou, a presente pesquisa está em processo; mes-
alunos não sabem escrever. mo assim, uma análise dos dados já levantados é importante para abrir
Diante desse desafio, a proposta foi investigar questões relati- um caminho de discussão de questões com perspectivas de expandir
vas à formação do professor, à sua concepção de texto e produção de com posteriores análises de um corpus mais amplo.
texto e sua prática docente e, a partir das análises dos dados e informa- Na construção do questionário, as questões versaram sobre:
ções colhidas, efetuar proposta para realizar um trabalho interativo • Questão 1- Formação do professor / caminhos percorridos .
entre a Universidade Estadual de Londrina e escolas. Foram relaciona- • Questões 2, 3, 4, 9 e 11 - Concepção de texto / produção de
das as escolas de Londrina - PR de maior porte físico, situadas nas texto
regiões Norte, Sul, Leste, Oeste e Centro, totalizando 11 escolas pú- • Questões 6, 7, 8, 10 - Prática docente
blicas, o que correspondeu a 30% de cada região. A pesquisa, em sua Em relação ao processo de formação docente as respostas mais
totalidade, foi realizada no final do segundo semestre de 2000 em precisas foram as que afirmaram ter entrado na Universidade por
Londrina-Paraná (cidade de porte médio, com 500.000 habitantes gostar de literatura ou de Inglês. Ao definir texto somente um infor-
aproximadamente). mante contemplou a visão interativo - discursiva de ensino presente
RÉSUMÉ: Ce travail propose de mettre en vérification l’hypothèse qui considère l’école productrice d’inhibition de la manifestation du sujet-élève
- cette école le maintiendrait dans les modèles (ou “moules”) scolaires. À partir de lectures essentielles de Bakhtin et Vygotsky, nous examinons, pour
cette proposition, les productions textuelles de huit étudiants du lycée brésilien (l’enseignement moyen) participant d’un projet universitaire, afin
d’expliciter les marqueurs d’inhibition (ou inhibiteurs) dans le procès d’effacement du sujet-élève et par conséquent confirmer cette hypothèse.
PALAVRAS-CHAVES: assujeitamento, escola, escrita.
A função precípua e milenar da escola tem sido a transmissão ponto pelo qual passariam discursos prévios; acredito em su-
do conhecimento. As tentativas de mudança do perfil da escola, do jeitos ativos, e que sua ação se dá no interior de semi-sistemas
educador e do educando mostram-se um tanto tímidas. Prolongamos, em processo” (1996: 37).
ainda, a concepção de ensino como “educação bancária”, como afirma A leitura que Possenti faz de vários textos que tratam da Aná-
Paulo Freire, e não como construção do conhecimento. Aquele pro- lise do Discurso não é uma leitura pré-conceituada. Para ele, só forço-
cesso parece estar até hoje bem inculcado, tanto em professores, quanto samente, se pode deixar de ver que os vários textos não querem elimi-
nos alunos; já faz parte do “inconsciente coletivo escolar”. nar o eu, mas mostrá-lo; tais textos insistiriam na existência e impor-
O trabalho que apresentamos parte de um projeto de extensão tância do outro, e no seu aspecto multifacetado, e não uno do sujeito,
da Universidade Estadual de Londrina, o qual ministra aulas de Língua que seria efeito e nunca origem, pois sendo efeito, tem seu lugar e
Portuguesa (incluindo-se aí a produção de textos) a alunos da rede papel (idem).
pública, integrantes de um programa de preparação e colocação de Para esta terceira fase da AD, o centro da relação não é mais o
menores “carentes” no mercado de trabalho formal como office-boys. eu nem o tu, mas se desloca para o espaço discursivo entre eles. O
Queríamos verificar em um ambiente extra-classe, portanto, menos sujeito é ele mais a complementação do outro, em uma amálgama de
marcado pelas pressões escolares, quais efeitos ou resultados advindos subjetivo e social, influenciado, talvez, pela posição de Maingueneau,
da escola pública na/para a produção textual (após regularmente um a respeito da postura da AD diante da língua e do discurso:
aluno cursar ali onze dos principais anos de sua vida), mais precisa- “a AD afirma ... a dualidade radical da linguagem, a um só
mente, se a escola consegue constituir seus alunos em sujeitos. Era o tempo integralmente formal e integralmente atravessada pelos
primeiro encontro do ano (1998) entre os estagiários e alunos partici- embates subjetivos e sociais” (Maingueneau, 1993: 12).
pantes do programa. O projeto da Universidade desenvolve-se em Este é, como não poderia deixar de ser, o ambiente em que os
sintonia com as propostas mais atuais de ensino de LP, ou seja, levan- nossos sujeitos de pesquisa vão desenvolver sua subjetividade: nos
do-se em consideração aluno-professor-contexto-conhecimento. A embates com o professor (representante da escola e do status quo),
opção por estes alunos deve-se ao fato de que o segundo grau repre- com os outros alunos (influenciados também pelo professor), com os
senta o ponto final escolar para a maior parte de nossos alunos. Toma- textos e seus autores (via de regra escolhidos pelo professor) etc. A
mos como corpus os textos produzidos pelos 8 alunos da classe do posição ocupada pelos sujeitos-alunos, dificilmente, escapa à de sub-
projeto que compõem a classe de estudantes do terceiro ano do segun- missão, visto que a força ideológica escolar utilizada para manter o
do grau. status quo é sutilmente agressiva e totalizante.
Como arcabouço metodológico, tomei de empréstimo a Carlo O outro pressuposto que precisa ser discutido é a palavra, peça
Ginzburg, em Mitos, emblemas e sinais (1989), os paradigmas principal do jogo lingüístico que vai se desenvolver entre professor e
indiciários. O autor prega que os detalhes sempre foram pistas impor- alunos. Segundo Bakhtin, “a palavra é o fenômeno ideológico por
tantes para o cotidiano do ser humano, dependendo do olhar cuidado- excelência, [...] o modo mais puro e sensível da relação social” (1999:
so e carinhoso do observador, seja no desvendamento de fatos passa- 36), cujo sentido é totalmente determinado pelo contexto, seja no
dos ou na adivinhação de fatos futuros. Assim, creio ser possível a sentido mais restrito ou mais amplo. Sem dúvida, a escola está presen-
fundamentação teórica sobre a qual se erguem os paradigmas indiciários te em ambas as situações: tanto no meio social mais imediato, quanto
como instrumental analítico válido para pesquisas, principalmente no no mais amplo. É ela a responsável por grande parte da encarnação
âmbito das ciências humanas, nas quais se buscam resultados diferen- material do signos pelos alunos, que vão imprimir os matizes de toda
tes das pesquisas quantitativas, dominantes ainda na grande parte das criação ideológica dos indivíduos, que por sua vez, é a responsável
ciências, merecendo toda a consideração, uma vez que até o momento pela formação da consciência desses mesmos indivíduos; no dizer de
tem sido útil no desvelamento de várias questões, procurando apre- Bakhtin:
sentar soluções coerentes. “a consciência só se torna consciência quando se impregna de
Para iniciar as discussões, tomaremos alguns pressupostos que conteúdo ideológico (semiótico) e, conseqüentemente, somen-
se complementam. O primeiro e necessário aqui é uma pequena pon- te no processo de interação social” (1999: 34).
tuação sobre sujeito. Optamos pela releitura brasileira, sob o olhar de A escola é quem indica como devem ser interpretados os signos
Possenti (1996) da última fase da Análise do Discurso, a da novos e reinterpretados os antigos, tecendo o conteúdo semiótico que
heterogeneidade, para a qual o papel do O/outro é considerado crucial. formará a consciência desses indivíduos.
Possenti deixa claro que, para ele, o sujeito não é uno, não está sozi- Vygotsky (1984) reforça o ponto de vista de Bakhtin. Para
nho, não há sujeitos livres nem assujeitados, pois aquele autor, a relação do sujeito com o mundo é mediada por instru-
“sujeitos livres decidiriam a seu bel prazer o que dizer numa mentos e por signos, ou instrumentos psicológicos, que são proporci-
situação de interação; sujeitos assujeitados seriam apenas um onados essencialmente pelo outro (meio, cultura, etc) e visam realizar
ABSTRACT: This paper observes the necessary relationship between text and interaction by means of the investigation of correction in spoken
language. It highlights correction as a textual construction strategy – a linguistic phenomenon in the service of the text constitution – in its relation
to the interactional circumstances under which it is done.
PALAVRAS-CHAVE: texto falado, interação, correção.
1. Correções gramaticais
Em geral, a correção de erros morfossintáricos atribui ao falante 1
Brait, 1993:194.
corretor uma imagem positiva, a daquele que tem, ou pelo menos faz 2
v. Vion, 1992:41-44.
crer que tem, um bom domínio do código, e ao falante corrigido, uma 3
Cf. Goffman, 1992:22.
imagem negativa, a de uma certa falta de competência lingüística, prin-
4
Positivas e negativas, no sentido de serem ou não favoráveis ao que é
cipalmente no caso dos informantes desta pesquisa - alunos de Letras representado.
5
Gramática enquanto o conjunto das possibilidades e das restrições
da Universidade de São Paulo e professores de Língua Portuguesa. E a
morfossintáticas, fonético-fonológicas e semânticas de uma dada varie-
imagem de discurso que se constrói com a correção é a de um discurso dade da língua.
escorreito, adequado às exigências gramaticais da norma de referência. 6
O símbolo J indica que o enunciado foi produzido entre risos.
7
Destacada em itálico.
ABSTRACT: This article argues that referential interpretation is licensed by functional heads (FHs). It shows how null FHs license individual-level/
stage-level predication and generic/existential interpretation in Brazilian Portuguese predicative sentences with ‘ser’/’estar’. It is argued that the
generic / existential readings of German sentences with ‘ja doch’ likewise result from the effect of null FHs.
PALAVRAS-CHAVE: Leituras Genérica / Existencial, Núcleos Funcionais, Predicação de Indivíduo / de Situação, Referencialidade.
1. Introdução
Este trabalho defende a tese de que a interpretação semântica 3. Predicação de Indivíduo e de Situação
referencial é licenciada por meio de núcleos funcionais (NFs). A argu- Os exemplos (4) ilustram a distinção entre predicação de indi-
mentação se concentra especialmente nos NFs da sintaxe oracional víduo (PI) — (4a) —, e predicação de situação (PS) — (4b). Em (4a),
(NFSs) T e Asp, deixando para outra oportunidade a discussão sobre diz-se que as pessoas que são bombeiros são disponíveis, indepen-
o NFS C e os NFs da morfologia e da sintaxe sintagmática. A análise dentemente de sua profissão. Em (4b), diz-se que os bombeiros estão
se restringe a dados do português do Brasil (PB) e do alemão. Está disponíveis como bombeiros. Logo, na predicação de indivíduo há
sendo pressuposta a estrutura sintática em (1): predicação sobre a extensão da expressão nominal, como em (5a), e na
predicação de situação, predicação sobre a extensão e a intensão da
expressão nominal, simultaneamente, como em (5b):
Há também uma correlação entre o tipo semântico do predicativo (17) a. ... weil Ameisen ja doch einen Postbeamten
e a interpretação referencial do sujeito. Se o predicativo é interpretado gebissen haben
como predicador de propriedade de membro de espécie, o sujeito não já que formigas de fato um carteiro mordido têm
pode ser nú singular: já que formigas de fato morderam um carteiro
b. ... weil ja doch Ameisen einen Postbeamten
(13) a. *Criança está resfriada/altruista. gebissen haben
Diesing (1992) considera que ‘ja doch’ sempre ocorre na fron- Segundo a proposta deste artigo, a estrutura desses exemplos é como abaixo, onde os
teira do VP, logo, em IP, daí decorrendo que o sujeito pode estar em IP adjetivos também estão em AspP, dado o fato de que os adjetivos predicativos se comportam
ou VP, como em (18): como os particípios no alemão, colocando-se antes do verbo final flexionado:
(18) a. ... [CP weil [IP Ameisen ja doch (20') a..[CP weil [TP Linguisten T [AspP ja doch-Asp
[VP einen Postbeamten gebissen haben]]] [AspP Kammermusik Asp [VP spielen ]]]]]
b. ... [CP weil [IP ja doch [VP Ameisen einen Postbeamten gebissen b..[CP weil [TP ja doch-T [TP Linguisten T
haben]]] [AspP Kammermusik Asp [VP spielen ]]]]
Estou analisando diferentemente a estrutura das sentenças em (17), (21') a. [CP weil [TP Professoren T [AspP ja doch Asp
como em (19): [AspP t verfügbar Asp [VP sind ]]]]
b. [CP weil [TP ja doch-T [TP Professoren T
(19) a. [CP weil-C [TP Ameisen T [AspP ja doch Asp [AspP t verfügbar Asp [VP sind ]]]]
[AspP einen Postbeamten gebissen Asp
[VP haben]]]]] (22') a. [CP weil [TP Wildschweine T [AspP ja doch-Asp
b.[CP weil-C [TP ja doch T [TP Ameisen T [AspP t intelligent Asp [VP sind ]]]]
[AspP einen Postbeamten gebissen Asp [VP haben]]]]] b.*?[CP weil [TP ja doch-T [TP Wildschweine T
[AspP t intelligent Asp [VP sind ]]]]
(Por ser irrelevante para a argumentação estou deixando de lado
nas estruturas do alemão a questão de haver vestígios dentro do VP.) A questão relevante para a tese defendida neste artigo é o
As estruturas (19) mantêm o espírito da análise para ‘sempre’: a licenciamento, nos exemplos de (20) a (22), de LG para (a) e LE para
projeção de ‘ja doch’ leva à projeção de um novo Asp ou T nulo. Por (b). Ora, é exatamente quando ‘ja doch’ leva à projeção de um AspP
que considerar que há nessa nova projeção um NF nulo? Para manter adicional que se tem LG, e quando leva à projeção de um TP adicional
a generalidade da análise (haveria um certo tipo de licenciamento de que se tem LE. Aceitando que as partículas modais do alemão proje-
referencialidade na GU) e captar a gramaticalização que ocorreu com tam um AspP ou TP adicional completo, com um núcleo Asp ou T
as partículas modais do alemão, em contraste com as partículas do disponível, a conclusão natural é que a LG decorre do efeito do Asp
inglês, por exemplo (V. Abraham, 1991). adicional sobre o AspP que ele c-comanda imediatamente, e a LE, do
Há uma série de diferenças entre (18) e (19). Em (18), é ‘ja efeito do T adicional sobre o TP que ele c-comanda imediatamente.
doch’ que tem posição fixa, havendo duas posições estruturais dife- Esses exemplos do alemão levantam uma nova questão, relativa
rentes para o sujeito nessas orações — Espec,TP e Espec,AspP. Em ao licenciamento de PI e PS: Por que (22b) é agramatical, mas não a
(19), é o sujeito que tem posição fixa — sempre Espec,TP —., e é ‘ja sentença correspondente em português? Dado o contraste entre (22a)
doch’ que tem posição variável. Uma outra diferença é que em (19) o e (22b), podemos concluir que a agramaticalidade de (22b) decorre do
objeto também se move para uma projeção funcional, precisamente efeito do T adicional projetado por ‘ja doch’. A análise natural é que
para Espec,AspP, ao passo que em (18) é mantido dentro do VP. em (22b) há incompatibilidade entre a predicação estabelecida por
Além disso, em (19) o particípio também ocorre em AspP. A evidên- ‘intelligent’ (PI) e a decorrente do efeito do T adicional sobre o TP que
cia empírica para isso é a exigência do alemão de que os particípios ele c-comanda imediatamente (PS). Como a seqüência é gramatical no
ocorram antes do V final flexionado em subordinadas, como se vê em português, uma análise completa teria de investigar as propriedades
(17). Considerando que a ordem básica para uma seqüência de auxiliar dos adjetivos e dos licenciamentos sintáticos no português e no ale-
e verbo principal é Aux+V, a explicação para a ordem V+Aux nessas mão, contrastivamente.
estruturas está no posicionamento do particípio dentro de AspP.
5.3 Evidência Empírica Adicional
5.2 A Posição de ‘ja doch’ e a Interpretação A proposta estrutural acima explica diferentes fatos do alemão,
Referencial da Asserção como as estruturas com ‘denn’ (então, afinal), outra partícula modal.
Diesing mostra que, em estruturas com certos predicados e Em (23) temos exemplos com ‘denn’ extraídos de Diesing, mas com a
verbo no presente do indicativo, a alternância de posição para ‘ja estrutura defendida neste artigo:
doch’ leva a uma alternância entre LG / LE:
(23) a. [CP Was für Ameiseni haben-C [TP denn T [TP ti T
(20) a. weil Linguisten ja doch Kammermusik spielen G
[AspP einen Postbeamten gebissen Asp ]]]]
uma vez que lingüistas de fato música de câmera tocam
o que para formigas, tem então um carteiro mordido
uma vez que lingüistas tocam de fato música de câmera
Que tipo de formiga mordeu um carteiro afinal?
b. weil ja doch Linguisten Kammermusik spielen E
b. [CP Was haben-C [TP denn T [TP für Ameisen T
uma vez que há de fato lingüistas tocando música de câmera
[AspP einen Postbeamten gebissen Asp ]]]]
c.* [CP Was haben-C [TP für Ameisen T [AsoP denn Asp
(21) a. weil Professoren ja doch verfügbar sind G
[AspP einen Postbeamten gebissen Asp ]]]]
uma vez que professores de fato estão (em geral)
/ são disponíveis
Como esses exemplos mostram, em interrogativas Wh- com o
b. weil ja doch Professoren verfügbar sind E
sujeito topicalizado em Espec,CP, como em (23a), ‘denn’ se coloca
umavezquedefato professoresestão(nestemomento)disponíveis
imediatamente à esquerda do objeto. Se uma parte do sintagma Wh-
fica em Espec,CP, a outra ficando imediatamente à esquerda do obje-
(22) a weil Wildschweine ja doch intelligent sind G
to, como em (23b), ‘denn’ tem de ocorrer imediatamente à esquerda
uma vez que javalis de fato são (em geral) inteligentes
ABSTRACT: The study examines syntactic and semantic aspects of ditransitive constructions, in particular the dative alternation. It is shown that the
occurrence of this phenomenon is sensitive to quantificational properties of the nominal phrase in the syntactic position licensing accusative
(structural) Case, allowing to account for differences in the aspectual interpretation and restrictions to the occurrence of one of the constructions in
the alternating pair.
PALAVRAS-CHAVE: alternância dativa; estrutura argumental; aspecto; preposição
ABSTRACT: Starting from the current concept of citizenship, our proposal is to rethink the epistemological cuts that teaching of the Portuguese
language is based on in different times with the purpose of observing the citizen in each historical moment that the Brazilian educational politics
sought to build.
PALAVRAS-CHAVE: ensino, língua portuguesa, discurso, cidadania.
Nossa Carta Magna reza: Todos somos iguais perante a lei. valor é ser o que os outros não são (1970: 136). Cabe ao ensino de
Entendendo-se lei como exteriorização do direito que vigora em uma língua portuguesa a descrição desses valores que constituem a invariante
comunidade, um código de cidadania, pode-se concebê-la como uma homogênea, a língua padrão. É a estrutura dessa língua correta,
linguagem comum a todo cidadão que se manifesta por meio de uma figurativizada pelo mestre genebrino como um dicionário comum a
língua tida como nacional e, portanto, propor a paráfrase: Todos so- todos, que a parcela da sociedade que conseguia passar no exame
mos iguais perante a língua. Mas que igualdade é essa do cidadão escrito e oral de admissão ao ginásio teria que introjetar. Uma língua já
perante a língua? com feições luso-brasileiras, cujos exemplos clássicos são também
Partindo dessa paráfrase e do conceito de cidadão como indi- nossos escritores e nossa cultura, molda ainda uma elite, mas, nesse
víduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado, ou no momento, uma elite burguesa. Pelo distanciamento entre a língua ensi-
desempenho de seus deveres para com este, e lembrando que é o nada na escola e aquela em uso, pode-se dizer que, nas gramáticas, o
Estado que deve promover e garantir o ensino da língua pátria, a nossa nosso idioma era ensinado quase como uma língua estrangeira.
proposta é repensar os recortes epistemológicos que embasaram o Com a disseminação do ensino público, em virtude da sua
ensino de língua portuguesa em diferentes épocas com a finalidade de democratização, mais ou menos no final da década de 60, uma nova
verificar o cidadão que cada momento histórico a política educacional clientela, adentra à escola, principalmente pública, não só no antigo
brasileira visava construir. primário, mas principalmente no curso ginasial. Novas escolas come-
É sabido que as nossas primeiras gramáticas, fundamentadas çam a funcionar e é extinto o exame de admissão para o ginásio. A nova
no modelo greco-romano, pregavam a arte de bem falar e bem escre- clientela traz para a sala de aula o falar do povo, o falar coloquial,
ver. Para usar a língua com engenho e arte, o estudante devia memori- padrões culturais diferentes daqueles com que a escola estava habitu-
zar textos exemplares. No dizer de Edward Lopes (1986:2): ada a conviver. Para dar conta dessa nova realidade lingüística, os
Entender-se-ia, nesse caso, por memorização, a decoração do estudiosos de língua voltam os olhos para a Lingüística norte-america-
discurso que por sua perfeição merecesse ser estocado na com- na e fundamentam-se em Noam Chomsky. O conceito de competência
petência das pessoas como dispositivo a ser reproduzido ou lingüística na gramática gerativa de Chomsky (Borba, 1976:18), isto é,
imitado posteriormente, por meio da sua reescritura ou cita- a capacidade que tem o falante nativo de uma língua para entender e
ção, no todo ou em parte, como peça autônoma ou no corpo de produzir um número infinito de frases, ou seja, uma aptidão, um saber
outro discurso. implícito que ele desenvolve para usar a língua e que permite a comu-
nicação diária, ampara os livros didáticos da época. Salientando a
Como se pode observar no texto de Lopes, esse ensino decora-
diferença entre a postura que se fundamenta em uma escola francesa
tivo, nos dois sentidos do termo, como processo mnemônico e como
cujo representante é Saussure e a postura de Chomsky, escreve Borba
ornamento, privilegia a imitação ou a reescritura de modelos de perfei-
(!976:18):
ção da língua. Com esses modelos clássicos de textos verbais, ensina-
va-se ou dotava-se o aluno de um arquivo de textos ilustrativos de Costuma-se vincular essa dicotomia competência (=conheci-
uma língua que, certamente, pouco se distanciava daquela que usual- mento da língua) - atuação (=desempenho real) com a
mente ele utilizava. A presença na escola dessa elitização das formas saussuriana língua-fala. Na verdade, elas diferem pela base
do dizer tem como decorrência a formação de um cidadão da elite e filosófica: a chomskiana é de orientação racionalista, a de
para a elite. Freqüentar a escola e, em conseqüência, usar bem a língua Saussure é empirista (positivista). Enquanto a língua é
portuguesa é um privilégio para poucos. Até aproximadamente os supraindividual, coletiva, adquirida, inventário sistemático de
anos 50, o ensino no Brasil destinava-se, quase que, fundamentalmen- unidades e produto histórico, a competência é individual, ina-
te, a essa camada privilegiada da população. Os oriundos dessa elite ta, conhecimento da língua e atividade criadora. Desse modo,
chegavam com um razoável domínio da língua de prestígio, o portugu- a fala também difere da atuação porque é uso individual da
ês na sua variante culta, que a escola pregava. A função do professor língua e a atuação é a manifestação das habilidades lingüísti-
de língua era levar ao conhecimento do aluno, para muitos apenas o cas do falante-ouvinte nativo.
reconhecimento, o funcionamento das regras de bem falar e escrever. É essa competência que se manifesta nos atos concretos de fala
Esse ensino da língua dotava o aluno de um repertório metalingüístico, e que faz com que o falante reconheça frases gramaticais e frases
um saber sobre a língua que de certa forma ele já dominava. agramaticais da sua língua materna que o professor deve aprimorar. O
Com a divulgação das dicotomias saussurianas, a língua passa aluno é então visto, conforme essa nova postura teórica emprestada
a ser entendida como estrutura em que cada elemento tem um valor. dos Estados Unidos, não mais como tabula rasa, mas como um falan-
Para Saussure (1970:136), o valor é puramente diferencial, definido te ideal que já preencheu a sua memória lingüística com uma compe-
não positivamente por seu conteúdo, mas negativamente por suas tência ideal. O ensino de língua pátria, visando ao desenvolvimento de
relações com outros termos do sistema. A característica mais exata do habilidades lingüísticas, é programado a partir de exercícios que têm
ABSTRACT: The existence of postverbal negation in Romance has been accounted for in terms of contact with African languages. This work argues that
the emergence of double and final negatives in BP is the result of a process of change motivated by the interaction of rival pressures on the linguistic system.
PALAVRAS-CHAVE: Hipótese crioulista, negação, motivações competidoras.
Estudos sobre a negação oracional têm atribuído a existência de sistema lingüístico está sujeito. A hipótese crioulista justificaria as
negativas duplas e finais nas línguas românicas à teoria do contato diferenças entre o PB e o PE, que se desenvolveram a partir do século
com línguas africanas, o que evidenciaria a origem crioula do portugu- XVII.
ês do Brasil (Schwegler 1991, Holm 1988). Este trabalho tem por A gênese de negativas duplas e finais nas línguas românicas tem
objetivo apresentar evidências de que a emergência da negativa dupla sido apontada como um traço de crioulização resultante da influência
e da negativa final no português do Brasil (PB) é resultado de um da estrutura de línguas africanas (cf. Schwegler 1991, Holm 1988,
processo diacrônico, independentemente motivado pela atuação de Marroquim 1934, Silva Neto 1986, Elia 1979, Camara Jr. 1976, entre
pressões rivais sobre o sistema lingüístico. A análise combina dados outros). De um modo geral, esses autores não apresentam evidências
sincrônicos e diacrônicos, no que se caracteriza como uma abordagem que sustentem que o contato com línguas africanas tenha sido respon-
pancrônica, e toma como suporte teórico o modelo das motivações sável pela emergência da negativa dupla e da negativa final no PB.
competidoras, tal como formulado por Haiman (1985), Du Bois (1985) Schwegler (1991) relaciona a existência das negativas duplas e
e Givón (1995) no contexto da Lingüística Funcional Contemporânea. finais no PB, no francês, em alguns dialetos italianos e em outras
A conclusão é que as estratégias inovadoras de negação representam línguas hispanoamericanas, faladas na Colômbia, em Cuba e São Do-
estágios sucessivos de reanálise. A posição estrutural do marcador mingos, ao contato com línguas africanas, o que evidenciaria a origem
negativo aponta para um processo de variação/mudança na ordenação crioula do PB. Para esse autor as duas negativas pós-verbais do PB
vocabular das construções que codificam o domínio funcional da nega- estão associadas a funções pragmáticas distintas: a negativa padrão,
ção. pressuposicionalmente neutra, é usada para negar uma asserção, en-
A análise sincrônica tem como fonte de dados básica o Corpus quanto as negativas dupla e final, pressuposicionalmente marcadas,
Discurso & Gramática (D&G), composto por textos orais e seus são usadas para rejeitar uma expectativa (explícita ou implícita) no
correspondentes escritos produzidos pela comunidade estudantil de discurso precedente. Segundo Schwegler, a posição do morfema nega-
diferentes cidades do Brasil: Natal (RN), Rio de Janeiro (RJ), Niterói tivo acrescenta informação pragmática importante ao significado bási-
(RJ), Juiz de Fora (MG) e Rio Grande (RS). Para comprovação adici- co: a negativa padrão (a forma não-marcada) simplesmente declara um
onal da distribuição das negativas dupla e final, foram ainda consulta- fato, sem nenhuma pressuposição, enquanto as negativas dupla e
dos outros bancos de dados representativos da variedade falada no pós-verbal (as formas marcadas) assinalam contradição. A análise dos
Rio de Janeiro (PEUL – Amostras do português falado no Rio de meus dados não sustenta o argumento de Schwegler e revela que as
Janeiro e Banco de dados interacionais), Fortaleza (A linguagem negativas padrão, dupla e pós-verbal podem ser intercambiáveis uma
falada em Fortaleza) e Salvador (NURC – A linguagem falada culta na vez que são usadas para recusar, rejeitar ou contradizer uma expecta-
cidade de Salvador) e uma amostra do português europeu atual (Por- tiva ou asserção previamente mencionada ou pressuposta no texto
tuguês fundamental), a fim de verificar a ocorrência das negativas em (Furtado da Cunha 2000), como nos exemplos que se seguem.
foco. Em (4), a negativa dupla rejeita uma asserção presente no con-
Na análise diacrônica da negação, procedi ao levantamento das texto imediato, exemplificando, assim, uma negação explícita. O fa-
negativas em textos representativos do português escrito arcaico (do lante está narrando o filme Uma linda mulher. A negativa é usada para
século XIII até meados do XVI): A demanda do Santo Graal, Auto do refutar a informação dada pelo próprio falante de que o carro que
pastoril português, Obras-primas do teatro vicentino, Obras comple- seguia o persanagem principal estava sendo dirigido por seu próprio
tas de Gil Vicente, Crestomatia arcaica, A mais antiga versão portu- motorista. Assim essa negativa funciona como um recurso de auto-
guesa dos Quatro Livros dos Diálogos de São Gregório, Um tratado reparo:
da cozinha portuguesa do século XV, Crônica de D. Pedro I e Crônica (4)... e um motorista dele... nesse tempo ele... nun era... num era
de D. Fernando. Foram ainda verificados dois outros textos do portu- um motorista dele não... era do hotel... porque ele ficou sem motoris-
guês moderno: Auto dos dous ladrões (segunda metade do século ta... (D&G/Natal, fala, 2º grau, p. 244).No exemplo (5) o falante usa a
XVI) e A vingança da cigana (século XVIII). negativa pré-verbal para contradizer uma asserção apresentada no
O português do Brasil exibe três estratégias de negação contexto imediatamente precedente. Ela está falando sobre seu pri-
oracional:(1) a negativa canônica pré-verbal não + SV:... com a luz meiro namorado e como eles conseguiam namorar apesar da oposição
acesa a gente não conseguia dormir ... (D&G/Natal, fala, 2o grau, p. da sua mãe:
273).(2) a negativa dupla não + SV + não: ... mude pra um ambiente ... às vezes eu dizia pra minha mãe que tinha aula no sábado e
mais limpo ... porque sua rinite num tá muito boa não ... (D&G/Natal, num tinha... ligava pra ele e a gente se encontrava... (D&G/Natal,
fala, 8a série, p. 364).(3) a negativa final SV + não:... tudo eu faço ... fala, 2o grau, p. 228).
s
abe? tem isso comigo não ... (D&G/Natal, fala, 2o grau, p. 264). A negativa em (6) é usada para negar uma asserção implícita,
O estudo das estratégias de negação do PB se insere no debate algo que o falante assume que o seu interlocutor está inclinado a ouvir.
teórico sobre a mudança lingüística que se desenvolve em torno da Ou seja, a negativa desfaz uma expectativa “incorreta” (cf. Givón
questão de se construções características do PB decorrem de uma base 1979). Nesse trecho, a falante conta o filme Mudança de hábito, no
crioula ou se seriam o resultado de mudanças naturais a que qualquer qual a personagem principal, uma cantora de boate que procura abrigo
ABSTRACT: Interpretative analysis of the adjectival clause linking, under functionalist theoretical orientation, with a corpus composed by Christian
religious texts of four distinct synchronies; research of phenomena of linguistic stability and variability, in the cicle hipotaxis > subordination.
PALAVRAS-CHAVE: adjetivas; pancronia; estabilização; variação
2.3. Pausa
De acordo com a orientação funcionalista, quanto mais unidos
no plano conceitual estiverem dois termos, mais estarão próximos na
ordem linear da expressão lingüística. Segundo esse princípio, uma
das marcas formais da maior integração semântico-sintática entre ora- 3.4. Virgeu de Consolaçon (Sec. XV)
ções é a proximidade. A pausa, representada na modalidade escrita Tabela 4: incidência de graus e ocorrências de adjetivas em
geralmente pela vírgula, é um fator de quebra dessa unidade. Assim, a cinco capítulos
hipotaxe adjetiva, como organização sintática de menor integração,
costuma estar margeada por pausa (valor 1), enquanto a subordinação Graus Nº de Percentual
restritiva, pelo vínculo mais estreito em relação ao SN antecedente, ocorrências
0 15/50 30%
tende a se articular diretamente, sem pausa, numa única seqüência
1 17/50 34%
(valor 0). 18%
2 9/50
Os exemplos anteriores confirmam a estreita relação entre pre- 3 9/50 18%
sença de pausa e quebra de vínculo. Em (1) e (5), orações em que
predominam traços de não encaixamento, verifica-se a pausa como
uma marca estrutural ratificadora da menor integração semântico-sin-
tática. Já nas seqüências (3), (4), (7) e (8), em que prevalece o 4. O que apontam os resultados?
encaixamento, não há pausa, o que confirma a maior proximidade de Observados os índices das quatro sincronias, verificamos certa
sentido e forma entre o SN antecedente e a adjetiva. tendência à polarização no uso das adjetivas. Assim, os graus 0 e 1,
Como estamos propondo tratar as adjetivas como um continuum representativos de maior encaixamento, em três obras – as do século
pancrônico de integração, é interessante a observação dos exemplos XX, XVIII e XV – totalizam cerca de 65% dos dados, distribuindo-se
o restante – 35%, entre o grau 2 e, menos acentuadamente, o grau 3,
(2) e (6). Em ambas as seqüências, a ausência de pausa (valor 0) se
este de menor nível de integração.
combina com informatividade do SN (valor 1) e genericidade da adjetiva
Dessas sincronias, o que poderia ser interpretado como marca
(valor 1). Estruturas como essas são entendidas como não categóricas,
de possível tendência à hipotaxe – as nove ocorrências do grau 3 no
em posição marginal, desprovidas dos traços básicos da hipotaxe ou
Virgeu de Consolaçon, maior percentual desse grau nas três obras, de
da subordinação. Temos interpretado esses arranjos como motivados
certa forma se anula pelo registro aí de quinze estruturas de grau 0,
por pressões discursivas, artifícios comunicativos voltados para con-
nível de integração máxima.
vencimento ou ênfase.
Por outro lado, em apenas uma sincronia, do século XVII, re-
3. Graus de vinculação adjetiva - índices
presentada pelo Sermão de São Roque, do padre Antônio Vieira, os
Selecionados os corpora, levantadas as adjetivas e aplicadas as
dados encontram-se diversamente distribuídos. Aqui, a maior fre-
RÉSUMÉ: Ce travail examine, dans le cadre du parcours génératif de l’énonciation, la complexité structurale/fonctionnelle du concept; des
différences conceptuelles opposant concept et définition; une méthodologie permettant de formaliser les traits d’un concept donné, caractérisant
l’engendrement du concept dans les langues de spécialité et dans les discours littéraires et non-littéraires.
PALAVRAS-CHAVE: Conceito; Definição; Semântica Cognitiva; Terminologia.
RESUMÉ: Ce travail examine certains aspects des processus de cognition et de sémiosis, en tant que des phénomènes conceptuels et métalinguistiques,
des procédés déterminant l’intertextualité, l’interdiscursivité, la transcodification, suivant des articulations entre sémantique cognitive, sémantique
de langue et de discours, socio-sémiotique et sémiotique des cultures, conduisant à l’archi-texte et à l’archi-discours.
PALAVRAS-CHAVE: Cognição; semiose; arquitexto; arquidiscurso.
RÉSUMÉ: Ce travail a pour but de faire une réflexion sur le décalage existant entre la formation de l’enseignant de portugais et son travail en salle
de classe, en prennant en compte la tradition scolaire d’étudier la langue déporvue de son usage et le changement des conceptions d’enseignement-
apprentissage, de langue et de lecture/écriture.
PALAVRAS-CHAVE: Tradição escolar – Estudos lingüísticos – Curso de Letras
Introdução com esse aluno. Esses três elementos (formação técnica e científica,
O Curso de Letras, no Brasil, tem tradicionalmente duas grandes formação social e humanista e competência pedagógica) devem ser
habilitações – Bacharelado e Licenciatura - formando dois tipos de indissociáveis, para que o professor viabilize seu papel social. Formar
profissionais: o bacharel, voltado para a pesquisa, e o professor, volta- um professor de ensino fundamental, médio ou superior, como sim-
do para o ensino. Essa divisão demonstra a concepção de pesquisa e ples repetidor de aulas e repassador de fórmulas fará com que ele
ensino que se tinha desde a criação dos estudos universitários brasilei- perca a dimensão de educador e não questione o porquê de ensinar o
ros (década de 30 do século XX): de um lado um profissional produzin- que ensina, tornando-se elemento passivo no processo e fazendo o
do conhecimento, de outro, um profissional consumindo e repetindo mesmo com seu aluno que, se por ventura vier a ser professor, repe-
esse conhecimento. tirá o modelo, instalando-se o círculo vicioso do continuismo.
Com as mudanças sociais e mercadológicas, a formação do
profissional proporcionada pela universidade modificou-se, tentan- 2. Formação do professor de língua portuguesa
do atender não só o momento presente, mas também com visão de 2.1.Embate entre tradição escolar e renovações teóricas
futuro. E o profissional de Letras que influências recebe? De um As licenciaturas em Letras no Brasil seguem, em geral, duas verten-
lado, a do avanço nas pesquisas sobre linguagem, leitura e escrita, tes: uma mais próxima (não exclusivamente) dos estudos gramaticais e
informática, aprendizagem, etc., que tornaram ultrapassado o mode- filológicos e outra, dos estudos lingüísticos descritivos (também sem
lo tradicional do Curso de Letras; e de outro – e motivadas por esses exclusividade). Aquela reforça o modelo tradicional de estudo de língua
avanços – as diretrizes do MEC, identificadas na Lei de Diretrizes e portuguesa no ensino fundamental e médio e esta tenta uma mudança na
Bases da Educação (LDB), no Exame Nacional de Cursos (provão), perspectiva de abordagem da língua.
no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), no Sistema de Ava- A tradição escolar relativa ao ensino de língua portuguesa ba-
liação do Ensino Básico (SAEB) e nos Parâmetros Curriculares Na- seia-se ora na concepção da linguagem como expressão do pensamen-
cionais (PCN), que influenciam, pouco ou muito, os cursos de gra- to, ora como código, enfatizando o estudo da metalinguagem ou da
duação em geral. E as escolas de ensino fundamental e médio, prin- codificação/decodificação das mensagens inscritas em frases, perío-
cipal local de trabalho de professores de língua, exercem alguma dos ou textos. Essa postura é vista na escola básica, através dos livros
influência? Neste artigo tentaremos responder a essa questão além didáticos adotados, que, a despeito de objetivos muitas vezes volta-
de outras. dos para uma abordagem de língua em uso efetivo, continuam privile-
Se os estudos atuais da linguagem apontam para a variação giando o estudo da gramática normativa, prescrevendo formas do bem
lingüística, para a aquisição/aprendizagem de línguas em interação, falar e escrever.
para o estudo de línguas em uso efetivo; e se as concepções de educa- Não podemos obscurecer a presença do livro didático na esco-
ção defendem a autonomia do educando, o profissional de Letras deve la, pois para muitos professores e alunos ele é o único material im-
receber uma formação baseada na flexibilidade e abertura de currículo. presso a que têm acesso (quando o têm) e para outros ele é o
Essas flexibilidade e abertura favorecerão ao estudante conhecimentos determinador das práticas escolares, mesmo que professores e alunos
necessários ao seu desempenho profissional, mas também capacida- tenham outros recursos didáticos à mão. E aqui vemos o papel funda-
des e habilidades de produzir esse conhecimento e de continuar sua mental da tradição escolar reforçada pelos envolvidos na escola - dire-
formação. Dessa maneira já não há espaço para o profissional que se tores, coordenadores, professores, alunos, pais, etc. - que, à sua ma-
limita a repetir modelos ultrapassados, ele tem de ser um sujeito que neira, vão realizando/exigindo um estudo de língua portuguesa de acordo
sabe pensar, pesquisar e tomar decisões, de modo que influencie seu com seu imaginário, construído em torno do princípio de que para
ambiente de trabalho, isto é, seja um empreendedor. Em se tratando do aprender-se a ler e escrever precisa-se de antemão conhecer-se as
professor, sua função não é a de acomodar, adaptar seus alunos à regras gramaticais.
realidade. Acomodação e adaptação são sintomas de desumanização, A ausência do trabalho com pesquisa nos cursos voltados para
pois o que antes indignava passa a ser banal. Sua função é a de junto a tradição gramatical impede que o professor veja na sala de aula um
com os alunos investigar, descobrir, produzir, não simplesmente re- local de pesquisa, além de ensino. Por outro lado, não lhe dá condições
petir um modelo que se mostra esgotado e ineficaz. Para isso são de lidar facilmente com resultados de pesquisa, precisando, assim, da
necessárias uma formação técnica e científica, na área de sua especia- ajuda do pesquisador para “traduzir” seus dados (Cavalcanti e Moita
lidade, uma formação social e humanista, como agente de transforma- Lopes, 1991). Além disso, esses resultados não são incorporados
ção da sociedade, e uma competência pedagógica, que muito mais do facilmente ao ensino, de modo que as pesquisas avançam e o ensino
que truques didáticos e postura paternal ou amistosa significa uma permanece repetindo conhecimentos muitas vezes ultrapassados,
compreensão geral da situação em que está seu aluno e uma consciên- questionados ou reformulados. Assim, ao invés de se ter professores
cia dos objetivos gerais e específicos que o professor tem em comum criativos, perspicazes, tem-se repetidores das mesmas aulas, dos
RÉSUMÉ: Ce texte a le but de vérifier comment l’ENC-Lettres considère l’articulation du contenu spécifique avec la pratique dans la formation du
professeur de langue. La discussion est orientée par les contribuitions sur la formation reflexive du professionnel de l’enseigment.
PALAVRAS-CHAVE: Formação de professor - Ensino - Reflexão
ABSTRACT: This paper discusses the contribution of Bakhtin’s dialogism to the written language teaching and learning. Our point of depart was
his concept of uterance, the instauration of alterity, the dialogical relations, the voices, as means to a discoursive approach of text production in
school.
PALAVRAS-CHAVE: Dialogia, língua escrita,ensino e aprendizagem
A reflexão, a ser apresentada neste trabalho, sobre o ensino da mensão. Isso significa pensar a língua escrita como espaço de mani-
produção textual escrita realizada no âmbito da instituição escolar, festação de práticas discursivas inter e intra subjetivas, que se inscre-
decorre de resultados anteriores de pesquisas ( Oliveira, 1998(a); vem nas esferas do público e do privado, do institucional e do cotidi-
1998(b), 2000), e assenta-se em três pressupostos básicos. O primei- ano, percorrendo vários gêneros discursivos (Bakhtin, 1992).
ro deles, sem desconhecer a anterioridade filogenética da língua oral, Pensando o ato de escrever, nestas duas dimensões, ancoramo-
remete à necessidade de que seja ultrapassada uma concepção de lín- nos nos ensinamentos de Bakhtin(1969,1992) que insere o estudo
gua escrita enquanto um código substitutivo. Para tanto, apoiamo-nos do sistema de signos verbais no universo dos bens simbólicos, no
nos comentários de Vygotsky (1984) sobre o ensino desta modalida- “mundo da cultura”, ou seja, o mundo onde circulam valores,
de de língua e sua compreensão de que este ensino deva orientar-se na construídos socialmente, formulando uma concepção de linguagem
direção de torná-la autônoma, isto é, fazê-la funcionar como mediado- para além das relações que se estabelecem nos limites da língua,
ra nas interações entre o homem e o mundo sem a necessidade do condensando a idéia básica de que todo fato de significação é resul-
auxílio de outros sistemas de signos, sejam aqueles de natureza pictó- tado de um trabalho social, realizado por sujeitos ativos no proces-
rica, seja o próprio signo verbal, manifestado em sua face oralizada. so de interação/troca/comunicação verbal. Desta forma, é que as
Tal entendimento encontra eco nas palavras de Auroux(1998) para práticas discursivas e os enunciados, orais e escritos, através dos
quem a língua escrita é um dos mais importantes “transpostos” com quais estas se manifestam, não estão dissociadas das regras e valo-
a finalidade de comunicação à distância, não apenas por utilizar a res que regem o funcionamento da sociedade e da produção social
bidimensionalidade do espaço plano, mas porque permite à linguagem em seu conjunto.
humana subsistir sem a presença de som emissor. Admitir este pressu- Por outro lado, é necessário ter claro que não se trata de esta-
posto significa atribuir importância igual para as materialidades sonora belecer correlações mecânicas ou externas entre os fatos da linguagem
e gráfica do significante, diferentemente daquilo que preconiza F. De e a vida social, ou dito de outro modo, entre enunciados produzidos e
Saussure, ao afirmar que “língua e escrita são dois sistemas distintos de contexto da enunciação. Pelo contrário, o objetivo consiste em com-
signos; a única razão de ser do segundo é representar o primeiro” preender que as propriedades e traços de cada enunciado particular
(Saussure, 1952:34). constituem formas de materialização dos conflitos, acordos, consen-
Um segundo pressuposto diz respeito a considerar as ativida- sos, verdades e mentiras resultantes das ações produzidas nas diver-
des de produção textual escrita enquanto uma atividade discursiva sas formas de atividade humana, o que em síntese significa dizer que
reveladora de uma prática social, e portanto portadora de valores, as formas lingüísticas, não são , formas vazias, nem expressam apenas
inserindo-se nos marcos de uma pedagogia que vise à formação do relações entre elementos internos da língua, são, isto sim, expressões
cidadão crítico, consciente e participante, como resultante das ativi- constitutivas e construídas a partir de relações sociais entre pessoas,
dades que se realizam no espaço da própria escola, e não como uma grupos, ou classes, participantes de uma dada situação de interação
abstração, a ser atingida apenas a partir de mudanças estruturais verbal.
(McLaren, 2000). Isto é , com base em um ideário pedagógico que A linguagem assim concebida apenas apresenta-se para o outro
objetive superar a inoperância da instituição escolar e a formação de sob a forma de “texto”, que nas ciências humanas, diferentemente das
pensamentos mutilantes, aqueles que, no dizer de Morin ( 1986), não ciências exatas, não se propõe como um objeto neutro, posto que não é
são capazes de ordenar informações, saberes, por operar, possível nele, eliminar a consciência de seu interlocutor, virtual ou real,
prioritariamente, pela fragmentação. nem a presença das vozes alheias, pois o texto não é um “dueto” e sim
E, por último, decorrente deste segundo, que o professor seja um “trio”, vez que compartilham-no o “eu”, o “tu” e as “vozes dos
considerado, em sua prática docente, como um mediador no processo outros”. Além disso, pressupõe uma língua, podendo sua análise cami-
de construção e apropriação do conhecimento, e não apenas um ava- nhar no sentido de buscar os elementos reproduzíveis, idênticos em
liador, que “corrige” os desacertos presentes na organização estrutu- todos os textos, como em geral faz a escola, ou, para o “acontecimento”,
ral do texto produzido pelos alunos. sua face irreproduzível, com sua constituição enquanto enunciado,
Parece-nos, pois, colocar-se como necessário, uma concepção evento único, elo na cadeia da comunicação verbal, dotado de autoria.
de língua escrita que possibilite um processo ensino/aprendizagem Nosso objeto de interesse, neste trabalho, dirige-se para o texto
orientado não apenas para atividades de reconhecimento, identifica- em seu funcionamento enquanto enunciado, vez que em nosso entendi-
ção e organização das unidades estruturais do sistema lingüístico, mas mento, esta a direção a ser seguida ao se pretender considerar o proces-
que incorpore atividades que considerando o modo semântico de fun- so ensino/aprendizagem da produção textual escrita enquanto uma ati-
cionamento da língua, conceba o ensino como uma atividade que vidade discursiva, uma prática social, e este funcionamento do texto
remete aos processos de significação e construção/interpretação de implica em levar em conta a concepção de dialogia (Bakhtin,
sentidos, atribuindo às atividades de produção textual uma nova di- 1962,1981,1992), em seus dois momentos. O primeiro, aquele que
RÉSUMÉ: Ce texte analyse certains concepts bakhtiniens utilisés dans une recherche sur la lecture et production de textes en salle de classe. Ces
concepts sont mis en relation avec d’autres conceptions qui en constituent les bases théoriques. Ensuite, il expose l’utilité de ces concepts dans
l’observation en salle de classe
PALAVRAS-CHAVE: dialógica, compreensão, produção.
ABSTRACT: This paper presents an overview of some approaches related to the learning process such as the behaviourism, the cognitive psychology
and Vygotsky’s conceptions of learning and development. It also discusses how these different approaches have influenced language teaching and
points out the advantages of the social interactionism to the teaching of reading-writing.
PALAVRAS-CHAVE: reading-writing, mediation, learning, development.
ABSTRACT: This paper aims to examine the concept of semiotic mediation in Vigosky and its implications in Wertsch, Smolka e Goés, presenting the
status of this concept and focusing the results of the particular reading that those authors suggest. Special emphasis will be given to the following
relation: language activity - subject - knowledge, as a dynamic movement of reciprocal constitution of language, subject and knowledge.
PALAVRAS-CHAVE: mediação semiótica - interação - linguagem
Introdução utilização de meios originais sem os quais o trabalho não teria apare-
Minhas reflexões, as que venho realizando e das quais a proposta cido. Da mesma forma, a questão central para explicar as formas
dessa minha intervenção é uma conseqüência, têm gerado muito mais superiores de comportamento é a dos meios que permitem ao homem
perguntas e questionamentos a serem pesquisados, do que propriamen- dominar os processos de seu próprio comportamento.” (p. 199, grifo
te respostas conclusivas. No entanto, vou ensaiar/arriscar-me a expor nosso)
alguns aspectos sobre o tema proposto. Ainda (...) “Todas as funções psíquicas superiores são unidas
A estruturação que vou perseguir é a seguinte: a partir da obra por uma característica comum, a de serem processos mediados, quer
de Vygotsky, mais especificamente, (1987, 1996, 1997) procurarei dizer, de incluírem em sua estrutura, enquanto parte central e essenci-
caracterizar o conceito mediação semiótica; 2º.) a proposta de exame al desse processo em seu conjunto, o emprego do signo como meio
das implicações do emprego desse conceito nas leituras vygotskyanas fundamental de orientação e de domínio de processos
empreendidas por Wertsch e Smolka/Góes seguirá a essa primeira psíquicos.”(idem:199, tradução e grifo nossos).
parte. Assim, temos: o domínio da natureza, por um lado, pela utili-
zação de instrumentos criados pelo homem e, por outro, o domínio de
Mediação Semiótica – em Vygotsky
seu próprio comportamento, de seus processos psíquicos, decorrente
Inicio por uma afirmação do autor: “O fato central de nossa
da utilização do signo enquanto mediador. Ambos, formas que carac-
Psicologia é o fato da ação mediada.” (Vygotsky, 1996:188)
terizam e diferenciam a espécie/ação humanas.
Conceito chave que perpassa todo o sistema teórico construído
Considerando o signo enquanto instrumento psicológico o au-
por Vygotsky e articula seus elementos, o conceito de mediação
tor destaca, dentre os diversos sistemas de signos existentes, os sig-
semiótica não poderia ser compreendido isoladamente. Assim sendo,
nos lingüísticos, atribuindo-lhes um papel fundamental na constitui-
é preciso contextualizá-lo no interior desse sistema.
ção dos processos psíquicos superiores, sobretudo da consciência.
Com esse propósito e, seguindo Baquera(1998), aponto para
Duas funções principais são atribuídas ao signo lingüístico:
três postulados básicos da abordagem estritamente vinculados entre si:
comunicação e representação, - funções estas interligadas, embora
1º.) Os processos psicológicos superiores têm uma origem histórica e
funcionalmente diferentes.
social; 2º.) Na sua relação com o outro e com a natureza, os seres
“A primeira função da linguagem é a função de comunicação. A
humanos fazem uso de instrumentos de mediação (ferramentas e sig-
linguagem é, antes de tudo, um meio de comunicação social, um meio
nos). Esses instrumentos são fundamentais na constituição dos PPS, na
de expressão e de compreensão” (idem: 56).
internalização, pelo homem, das práticas sociais de seu cotidiano, de
Referindo-se, ainda, a essa função e à importância da lingua-
sua cultura. 3º) os PPS devem ser estudados a partir de uma perspectiva
gem, o autor afirma: “Sabemos, também, que a comunicação não me-
genética. Esse postulado não será desenvolvido aqui.
diada pela linguagem ou outro sistema de signos, como se observa no
O 1º postulado - a origem social dos processos psíquicos supe-
mundo animal, não pode ser senão a mais primitiva e limitada. A
riores ou funções psicológicas superiores - “aquelas que caracterizam
comunicação, fundada sobre a compreensão racional e sobre a trans-
o funcionamento psicológico tipicamente humano” - como postulado
missão intencional do pensamento e das experiências vividas, exige
central da perspectiva sócio-histórica têm, como referencial básico, a
um certo sistema de meios, em que o prototípico era, e permanecerá
teoria marxista. Concebido como um ato que se passa entre o homem
sempre, a linguagem humana, nascida da necessidade de se comunicar
e a natureza, o trabalho é uma atividade em que, “o homem (...) põe em
no processo de trabalho.”(idem: 57; grifo e tradução nossos)
movimento as forças de que seu corpo está dotado, braços e pernas,
No entanto, essa função não está desvinculada da função repre-
cabeça e mãos, a fim de assemelhar-se aos materiais e conferir-lhes
sentativa: “assim como a comunicação é impossível sem os signos, ela
uma forma útil para a sua vida” (Marx, 1977, In: Pino, 1991:35)
é impossível, também, sem a significação” (idem:57); “a comunicação
Através do trabalho o homem, agindo sobre a natureza externa a mo-
supõe necessariamente a generalização e o desenvolvimento da signi-
difica ao mesmo tempo em que modifica sua própria natureza e “de-
ficação da palavra.” (idem: 58). Expressa-se aqui a função representa-
senvolve as faculdades adormecidas nela.”
tiva/intelectual da linguagem, isto é, o desenvolvimento de condições
Em Vygotsky (1997) o autor traça um paralelo entre a atividade
diferenciadas de ação e ordenação do real, dos objetos, dos eventos e
de trabalho e as formas superiores de comportamento, no que se
situações proporcionadas pelo desenvolvimento da linguagem, ativi-
refere à intermediação de algo, na realização dessas atividades. Aqui,
dades essas, presentes no nosso cotidiano mas, privilegiadas pela
já estamos no domínio do segundo postulado. Assim, temos: “para
instituição escolar.
explicar de maneira satisfatória o trabalho enquanto atividade do ho-
Falando sobre os processos de formação de conceitos, portan-
mem ... nós devemos explicá-lo pelo emprego de instrumentos, pela
to, de construção do conhecimento e do emprego de signo nesses
ABSTRACT: In order to discuss the subject of the educational quality control, this paper presents some reflections on what seems to exist behind the
plans or government strategies for the Brazilian education. We suggest, starting from the analysis of true facts and the situation of the public
education, that perhaps the essential concern is not to guarantee an excellence level to the instruction, but to keep the socio-economic inequality
in the country, in consonance with the purpose of globalization.
PALAVRAS-CHAVES: Ensino, Avaliação, Educação Brasileira, Escola pública.
Para darmos uma interpretação sobre o que está ocorrendo no favorecimento começaram a ser postos em prática, o que tornou a
ensino dito superior, talvez seja útil relembrar, a título de compara- educação privada um dos negócios altamente rendosos. E, à medida
ção, algumas possíveis táticas utilizadas pelos órgãos governamen- que as escolas particulares enobreciam, as públicas se degradavam de
tais na época da ditadura militar, no sentido de desqualificar ou prati- modo assombroso.
camente destruir o ensino de nível secundário das redes públicas. Foram, para esse objetivo, utilizadas as mais cínicas estraté-
gias. Basta lembrar que os vencimentos dos professores do Estado
Vamos tomar como exemplo ilustrativo o caso do Ceará. do Ceará, além de se tornarem aviltantes, chegavam a atrasar vários
meses consecutivos, o que naturalmente provocava insatisfação,
Antes da década de 1960, havia poucos estabelecimentos de desânimo e mesmo descaso. É possível hoje até interpretar que os
educação mantidos pelo governo. Mas, em geral, eram colégios que movimentos grevistas, tão comuns em várias fases desse processo
causavam um sentimento de orgulho aos cearenses, tais como o Liceu de desqualificação, fossem algo desejado pelos próprios governantes
do Ceará e o Instituto de Educação. Grandes vultos da literatura e do que se mantinham impassíveis, observando a falência geral do ensi-
saber científico, a exemplo de Gustavo Barroso, foram alunos do no público.
Liceu, onde atuaram professores do renome, que se projetaram até Tudo isto nos leva a crer na existência de um plano elaborado
nacionalmente, como foi o caso do filólogo Martinz de Aguiar. Mas com a finalidade de não permitir que as classes desfavorecidas tives-
era uma educação elitizada, de que se beneficiavam preferencialmente sem uma escola de boa qualidade, ensejando que o saber não fosse
os filhos de pessoas abastadas. Enquanto isso, as escolas particulares democratizado. Em suma, o que mais interessava era manter um esta-
em grande parte eram de qualidade duvidosa, não tinham boa infra- do de alienação geral, para que o sistema político-econômico não
estrutura, funcionavam em salas improvisadas de prédios antigos e pudesse ser ameaçado. E tal plano esteve respaldado pela Lei 5692,
algumas delas se caracterizavam pelo lema “pagou, passou”. pelo famigerado Acordo MEC-USAID e por uma série de propostas
Com a expansão do setor industrial, a demanda por mão-de- metodológicas que levaram os professores a fingir que ensinavam e os
obra barata aumentou enormemente e, com isso, não houve outra alunos a fingir que estavam aprendendo alguma coisa.
alternativa a não ser exigir-se do governo que facilitasse um pouco Nesse sentido, embora os teóricos pregassem o envolvimento
mais o ingresso ao ensino secundário às camadas pobres da popula- do sujeito no processo ensino-aprendizagem, nunca se deixou o estu-
ção, em razão de que essa oferta de mão-de-obra não iria interessar dante tão calado na sala de aula, jamais se exigiu tão pouco que ele
evidentemente aos filhos de pais ricos. A escola, antes quase um manifestasse o seu pensamento, já que o importante para a concepção
privilégio de poucos, teve que ser democratizada. E essa democrati- da aprendizagem era conduzi-lo à habilidade de saber escolher entre
zação tem sido desde então objeto de muitos estudos, entre os quais diversas alternativas absurdas a que fosse obviamente menos absurda.
o de Libâneo (1987), que definem bem a necessidade de novas políti- Em conseqüência, de forma paradoxal, quando tanto se enfatizou o
cas governamentais. ideal de integrar o homem pela comunicação, mais e mais o jovem foi
No caso específico do Ceará, o início da chamada proletarização acurralado a um mutismo constrangedor.
do ensino representou um impacto no quadro estável de nosso siste- Aliás, conforme enfatizamos em outro estudo (Monteiro, 1981),
ma educacional. Em 1964, o então governador Virgílio Távora inaugu- não foi apenas o aluno que passou a sofrer em conseqüência dessa
rou dezenas de colégios, alguns deles rotulados de “anexos do Liceu”, castração mental. O próprio professor se tornou um alienado e perdeu
e milhares de vagas foram ofertadas. De repente, em todos os bairros a importância que antes possuía. Iludido pelos livros ilustrados, chei-
de Fortaleza, foram construídos prédios escolares, cujas salas logo os de desenhos coloridos, já feitos para lhe tirar a obrigação de prepa-
ficaram lotadas. Uma verdadeira maravilha! Finalmente, era o que se rar a aula, ele passou a limitar-se a ler as respostas certas, muitas
afirmava, todos teriam direito à educação. vezes sem saber fundamentá-las. Antes, como os livros apresentavam
Contudo, parece-nos que, tal como se verifica hoje em dia, os os textos puros, o professor tinha que estudar, consultar dicionários,
órgãos governamentais se preocuparam apenas em elevar a quantida- refletir sobre as idéias do autor para poder expressá-las, elaborar
de de alunos, permitindo que o padrão de qualidade do ensino des- exercícios, escolher os textos que mais afinassem com sua sensibilida-
pencasse. A lógica foi e continua a ser a de que os pobres devem de. Isso tudo era de qualquer modo uma atividade criativa, que exerci-
contentar-se com o lixo e o luxo deve ser reservado aos ricos. A tava sua mente para o diálogo com as turmas. Com os livros moder-
solução para que estes não fossem prejudicados seria, pois, possibi- nos, ele se tornou um mero repetidor das lições planejadas, talvez sem
litar que as escolas particulares, a curto e médio prazo, atingissem um nem mesmo imaginar que lhe usurparam o direito de refletir e o trans-
grau de excelência, o que implicaria que nelas ingressassem todos formaram também num agente da opressão, forçando-o a manter o
aqueles que pudessem pagar. E assim aconteceu: vários tipos de aluno no estado de total passividade e alienação.
ABSTRACT: This paper stresses the importance of the verb as a determining factor in the construction of the specificity of terminological units in
specialized texts. Under the light of speeech act theory concepts, it is shown how law terms are likely to occur as arguments of performative verbs in
legal texts.
PALAVRAS-CHAVE: textos especializados, verbos perfomativos, terminologia jurídica
O objetivo deste trabalho é propor uma reflexão sobre o papel cionalmente associados a uma só categoria gramatical básica, que é a
desempenhado pela forma verbal na configuração de uma terminolo- nominal, quando aparecem no discurso podem assumir a feição de
gia. Parto de considerações sobre a posição dos verbos nos estudos outras categorias. Em La Terminología, Cabré (1993: 180), afirma que
terminológicos em geral. Enfatizo a sua importância na comunicação funcionalmente os termos participam das mesmas categorias que o
jurídica e demonstro como, na linguagem do Direito, os verbos reali- léxico comum. Em que pese tal afirmação e o objetivo de propor uma
zam ações, constituindo-se em verbos performativos, cujos argumen- concepção lingüístico-comunicativa da Terminologia, a forma nominal
tos são agentes e objetos jurídicos, referenciados por termos jurídicos. continua gozando de preferência por parte dos pesquisadores que
Destaco o texto legislativo, dentre as diferentes categorias de textos empreendem uma releitura da TGT.
jurídicos, para contextualizar minha exposição. Nos instrumentos de referência, glossários, dicionários e nos
Até agora, as formas nominais têm sido privilegiadas nos estu- bancos de dados, a presença dos verbos é rara. Com efeito, pouco
dos terminológicos e na coleta de termos destinados a repertórios freqüentes são os registros de termos em outra categoria gramatical
terminográficos. O objetivo de denominar conceitos explica essa pri- que não substantivos. Observa-se mesmo que, na prática
mazia concedida à categoria nominal. É por esse motivo que também terminográfica, a entrada de verbos em uma nomenclatura é, de tal
Rey enfatiza o papel dos nomes na construção do conhecimento. maneira, considerada excepcional, que o dicionarista costuma usar o
Ensina Rey (1992: 48-49) que é necessário nomear os objetos para expediente de substituir a forma verbal encontrada no corpus de cole-
distinguí-los, reconhecê-los e por fim conhecê-los e, sublinhando a ta pela a forma nominal, para mais tranqüilamente incluí-la em um
estreita relação que existe entre termos, nomes e conceitos, intitula repertório. Com efeito, no inventário de termos de inúmeros campos
seu livro Terminologie: noms et notions. de conhecimento ou de atividade profissional, os verbos se constitu-
A Escola de Viena é geralmente responsabilizada por essa pre- em em minoria ou simplesmente não aparecem.
ferência, que se acredita tenha sido ditada pela Teoria Geral da Termi- No Direito, no entanto, a relevância dos verbos é tal que são
nologia, TGT. No entanto, não se encontra nenhuma afirmação nesse publicados dicionários, glossários, vocabulários e manuais de referên-
sentido nos textos publicados, quer pelo pioneiro da Escola, Wüster, cia que tratam exclusivamente deles. Como exemplos, podem ser cita-
quer por seus discípulos, quer nas normas e recomendações da dos o “Dicionário de Verbos Jurídicos” de Henriques e Andrade (1996)
INFOTERM e da ISO. Na verdade, tais recomendações não excluem e “O Verbo na Linguagem Jurídica” de Kaspary (1996). Afirma
os verbos, quando falam de categorias gramaticais de termos. Kaspary: “Dentre as diversas classes de palavras, o verbo ocupa lugar
Nesse sentido, dois fieis seguidores dos ensinamentos de especial relevo na linguagem jurídica, em face de seu substrato
wüsterianos, Felber e Budin, (1989; p. 69. apud Sager; Kageura, 1995), semântico básico, que se caracteriza pela função específica de indica-
mencionam os verbos, quando definem os conceitos como representa- ção de processos, quer se trate de ações, de estado ou da passagem de
ções mentais de seres, propriedades, ações, lugares, situações e rela- um estado a outro” (Kaspary, id. p. 17).
ções. Esclarecem eles que as entidades são expressas por substanti- Ora, o Direito contempla o universo com o propósito de orga-
vos, as propriedades por adjetivos ou também substantivos, enquan- nizar e regulamentar as relações humanas, assim, é parte de sua natu-
to as ações podem ser expressas por meio de verbos ou substantivos reza ordenar, tanto no sentido de dar ordens, como no de colocar as
e os lugares, situações e relações, por advérbios, preposições e con- coisas em ordem. Para tanto, a realidade é examinada e codificada em
junções. um sistema de leis. Na comunicação dessas leis, a categoria gramatical
A Escola Canadense também não se opõe à classificação de do verbo desempenha um papel relevante.
verbos como termos. De acordo com sua metodologia de pesquisa Realmente, no mundo da lei, a enunciação de um verbo liga e
(Auger et alii, 1990), os termos podem pertencer à categoria de subs- desliga pessoas, faz nascer e desaparecer instituições, concede e tira a
tantivos, adjetivos e verbos. Abordagem semelhante é proposta em liberdade, absolve e condena o réu, celebra a paz e declara a guerra. Os
Barcelona pelo Centro de Terminologia, conforme divulgada no manu- verbos, quando proferidos, causam alterações da realidade jurídica,
al de trabalho terminológico (TERMCAT, 1990). fazendo com que algo aconteça: um novo compromisso é assumido,
Paradoxalmente, reforçando a preferência pelos nomes, pes- um órgão estatal surge, um procedimento legal é estatuído, um Estado
quisas feitas em textos especializados afirmam que a categoria lexical é criado, algo diferente acontece e muda a configuração de um determi-
do verbo tem um papel secundário, enquanto a dos substantivos de- nado segmento do universo, que se encontra sujeito aos ditames da lei.
sempenha um papel importante. Hoffmann (1985: 105, apud Arntz; Enfim, tais verbos não descrevem coisas, eles fazem coisas.
Picht, 1995: 43), que investigou textos especializados em quatro lín- Nesse contexto, valho-me da teoria dos atos de fala de Austin
guas, alemão, francês, inglês e russo, apresenta dados estatísticos para (1978) e Searle (1981), que sempre interessou aos juristas, porque
demonstrar que o verbo tem função secundária na transmissão do proferir palavras que realizam ações é bem próprio do universo jurídico.
conhecimento científico e do conhecimento técnico. Conforme a concepção de base de Austin e Searle, quando usamos a
Cabré (1999: 135) admite que os termos, embora estejam tradi- língua, não só descrevemos um estado de coisas, mas realizamos ações,
RESUMO: Os estudos terminológicos de orientação lingüística, aos quais nos filiamos, passaram a vivenciar o problema do enfrentamento de
estruturas textuais complexas e a deparar-se com os problemas do texto, do seu acesso e da comunicação no interior de uma área de conhecimento.
Com este ensaio descritivo, dispomo-nos a contribuir para o desenvolvimento do estudo do chamado texto técnico-científico, temático ou
especializado, representado pelo manual acadêmico de Química Geral. O manual de Química, instrumento didático e porta-voz de uma
determinada linguagem especializada, desempenha um papel importante e, por isso, integra nosso ponto referencial de observação e de discussão
sobre possíveis metodologias analítico-descritivas. Para que se possa alcançar uma descrição da organização e estrutura do texto especializado
do tipo manual acadêmico, é fundamental percebê-lo além da mera junção de parágrafos, frases, sujeitos ou regências gramaticais. É importante
que ele seja visto também como uma totalidade de significação que se particulariza como um objeto social e culturalmente construído em
diferentes dimensões e níveis.
PALAVRAS-CHAVE: terminologia, textos especializados, manuais de química.
Referenciais para uma metodologia analítico-descritiva Entre essas dimensões, encontramos duas em especial mencionadas
do manual de química no trabalho de Selov e Mjasnikov (1993:38), autores que apontam
O texto especializado é fruto da ação perceptiva e dois grandes planos das terminologias, extensíveis aos textos
transformadora de um sujeito enunciador, individual e múltiplo, sobre especializados: a esfera do lexis e a do logos, ou a dimensão da língua
um conjunto de conhecimentos e textos com os quais se relaciona. e a dimensão do conhecimento.
Essa ação, que pode ser vista como um redizer algo ou o recontar a Partindo dessa primeira dupla articulação do texto e também
estruturação de um conhecimento tornado-o acessível ao outro, está inspirados nas idéias de Hoffmann (1998), criamos uma proposta de
materializada e sobremodalizada (ou particularizada) no amplo con- abordagem também fundada em dois planos de observação. Detemo-
junto de enunciados que estabelece o texto e também envolve relações nos, entretanto, apenas no plano estrutural e conteudístico do “lexis
de intertextualidade. Isto é, o texto do Manual de Química, nosso textual” do livro, de modo que nos interessaram os aspectos macro
objeto de observação particular, é construído pelo enunciador e é, e microestruturais o texto. Como há, naturalmente, a inclusão de
igualmente, uma síntese de diversos outros textos: os que o precedem elementos intertextuais e também a influência de condições históri-
e o acompanham, compartilhando com ele a constituição sócio-histó- co-sociais e epistemológicas da Química como área de conhecimento
rica da área e do continuum de conhecimentos que é a Química. sobre os textos dos manuais, ficaram as considerações sobre os as-
Ainda que não reconheça isso de um modo tão explícito, no pectos atinentes ao logos químico a cargo dos colegas da AEQ/
desenvolvimento de uma teoria terminológica que leva em considera- UFRGS 1 .
ção o texto, um trabalho que se destaca, é o de Kocourek (1991), autor O manual de Química, então, na parte que nos coube observar,
que trata da relação entre termos e textos por uma perspectiva léxico- passou a ser compreendido, no plano desse lexis, pelo entrecruzamento
textual. Segundo sua visão, o texto representa, num primeiro eixo, o de dois grandes eixos estruturais. Cada um dos eixos situa um nível de
emprego de recursos da língua numa seqüência sintagmática. Em se- composição do manual. O primeiro corresponde à estrutura global da
guida, constitui um eixo “fonte de dados” porque permite a observa- obra; o segundo a cada uma da suas estruturas mais nucleares. Numa
ção de todos os planos da língua. E, numa terceira dimensão postulada analogia com o eixos saussureanos de sintagmas e paradigmas, imagi-
pelo autor, o texto é um plano suprafrásico de análise lingüística, no namos um eixo vertical e outro horizontal para a representação da
qual a coesão gramatical e a coerência semântica são fundadas sobre estrutura interna do manual de Química. O primeiro corresponde às
planos inferiores, no qual há uma rede complexa de relações semânti- relações de encadeamento entre os elementos que integram seu siste-
cas e formais interfrásicas. O texto-plano opõe-se, assim, ao de outros ma estrutural, enquanto que o segundo eixo diz respeito às relações de
planos da língua, sobretudo ao plano lexical e gramatical. semelhança e de substituição entre esses mesmos elementos.
Ora, como sabemos, os termos são as unidades semânticas No primeiro nível, que corresponde à macroestrutura2 , vemos
dominantes nos textos de especialidade. Não obstante, o termo é uma o texto como um signo-livro com determinada seleção e ordenação de
unidade lexical e sua acepção está definida no texto, integrando a assuntos ou temas, apresentados em uma determinada seqüência em
totalidade da tecitura textual . Nessas condições aparecem em discus- sumários, capítulos, índices e anexos. O modo de organização da obra,
são duas dimensões: a da “palavra técnico-científica” que se busca portador de valores de significação, mostra o modo pelo qual seu(s)
isolar por meio de uma marcação sintático-semântica ou morfossintática autor/autores concebem a própria arquitetura desses conhecimentos,
e a dimensão mais ampla do texto, na qual uma série de fatores estão num arranjo capaz de espelhar também uma determinada opção teóri-
envolvidos. Nesse processo de reconhecimento, o texto e o sistema da co-metodológica e didática.
língua são complementares; e, como explica Kocoureck (op.cit.), os
termos não são somente elementos do sistema, mas também ocorrên-
cias no interior dos textos. A complementaridade da abordagem textu-
al e sistêmica, assim, parece-lhe essencial. 1 Como sabemos, a pesquisa terminológica envolve necessariamente
Acreditando nessa idéia, pareceu-nos produtivo importante interdisciplariedade. Nossa pesquisa sobre o texto especializado de Quí-
enfocar o texto técnico-científico além da junção e relação entre pará- mica situa-se em uma cooperação com a Área de educação Química da
grafos, frases, sujeitos ou regências gramaticais. Afinal, trata-se de UFRGS. Maiores informações, aeq@iq.ufrgs.br
uma totalidade de significação que se particulariza como um objeto 2 Na constituição da metodologia analítico-descritiva do manual de Quí-
mica, tomamos como referência as idéias de Hoffmann (1998) sobre
social e culturalmente construído em diferentes dimensões e níveis.
macro e microestrutura do texto especializado.
ABSTRACT: Discursive genres are categories that are unstable and in constant transformation. This is part of a wider and farther-reaching tendency
that affects a number of categories viewed up until very recently as fixed and unchanging but revealed themselves to be sensitive to decentering and
dispersion—categories that have become the trade mark of so-called postmodern condition.
PALAVRAS-CHAVE: gêneros discursivos – instabilidade – hibridização – pós-modernidade
Uma tarde de verão em Paris, mais precisamente um restauran- Acredito que as reflexões de Barthes são de enorme valia para
te badalado situado à margem da avenida mais famosa daquela cidade, todos aqueles que se interessam no fenômeno de gêneros discursivos.
a Champs Elysées. Quando a câmera faz um “close up”, vê-se um O cerne das teorias contemporâneas sobre o gênero está na idéia de
casal de jovens se divertindo numa mesa ao ar livre na calçada, “jogan- que os gêneros são na verdade estratégias padronizadas socialmente.
do conversa fora” e degustando um bife mal passado—ou “sangran- Os gêneros se materializam em formas típicas do discurso que evolu-
do”, como preferem dizer os franceses—devidamente regado por um em em resposta às situações e exigências retóricas recorrentes. Ao
copo de vinho tinto, como manda o figurino da gastronomia gaulesa. contrário das teorias clássicas que identificavam os gêneros discursivos
Ainda, para acompanhar o bife, uma porção de batata frita à moda formalmente—ou seja, mediante as marcas formais como a voz (ativa
local. Alias, uma cena comum em qualquer cidade européia e, se pen- vs. passiva), o tempo verbal (presente do indicativo vs. presente
sarmos bem, em várias outras partes do mundo, guardadas as devidas histórico), a construção sintática (parataxis vs. hipotaxis) etc.—as
proporções. Uma descrição mais prosaica do acontecimento seria di- teorias mais recentes optam por uma abordagem eminentemente fun-
zer que estava em curso um encontro de namorados que também cional, onde a ênfase recai sobre as estratégias retóricas específicas
aproveitavam o momento para saciar sua fome e adicionar uma bela que são utilizadas bem como os tipos de efeitos desejados.
dose de descontração com o auxílio indispensável de Baco. Em outras palavras, os gêneros não se constituem em categori-
Ledo engano. Quem nos assegura isso é Roland Barthes. Para as estanques. Eles estão em um processo constante de transformação,
Barthes, uma leitura mais acurada do que está acontecendo terá que ora se aproximando, ora se distanciando uns dos outros—e, às vezes,
levar em conta uma série de fatores adicionais. Por exemplo, o mo- até se sobrepondo entre si. Quem os molda, os vigia constantemente,
mento histórico em questão. No caso, a cena tem como pano de e garante sua sobrevida é a sociedade ou a “comunidade interpretativa”,
fundo a malfadada aventura francesa na Argélia e as constantes notí- para lembrar um termo popularizado por Stanley Fish (1980). Segun-
cias do revés após revés das tropas francesas em serviço naquele do Carolyn Miller (1984), “a quantidade de gêneros em qualquer
país estrangeiro. Em conseqüência da repercussão negativa na im- sociedade [...] depende da complexidade e diversidade daquela socie-
prensa mundial como também por motivo da percepção por parte dade”. Bazerman (1988) argumenta que os gêneros nascem das metas,
dos próprios franceses de que se tratava de uma batalha pressupostos epistemológicos, e as práticas da produção de conheci-
irrecuperavelmente perdida e moralmente injustificável, o orgulho mento que distinguem cada comunidade discursiva e, em troca, nu-
nacional francês se encontra seriamente abalado. Contra um pano de trem-nos o tempo todo.
fundo como esse, diz Barthes, o acontecimento deve ser compreen- E é a mesma comunidade que desencadeia qualquer eventual
dido, não como um simples encontro de namorados ou divertimento mudança na forma como são traçados os contornos conceituais dos
gastronômico, mas como um ato de auto-afirmação por parte do diferentes gêneros. Como diz Williams (1981), qualquer passo em
jovem casal, uma forma de “vestir a camisa” do patriotismo, de direção a uma inovação na constituição de um determinado gênero
mostrar através do seu gesto algo que em palavras poderia ser dito— sempre se dá na forma de uma “articulação, mediante descoberta téc-
de forma muito menos contundente, é claro—como “Somos cida- nica, das mudanças a nível de consciência, que são, elas mesmas,
dãos franceses e temos orgulho disso”. formas de consciência de mudança” (citado em Fairclough, 1995: 31).
Para Barthes, no entanto, a passagem da gastronomia para pa- Nesse respeito, os gêneros compartilham com os “mitos” o seu mais
triotismo na leitura daquilo que se passa naquela tarde de verão na importante traço distintivo na concepção de Barthes. Para Barthes,
calçada da Champs Elysées só se dá desde que esteja ao alcance de um mito é uma “forma de comunicação” ou um “modo de significa-
quem observa a cena uma série de outros conhecimentos. Por exem- ção”. Jamais pode ser tomado como “um objeto, um conceito, ou uma
plo, é preciso que o observador saiba o valor simbólico que o vinho e idéia”. A cena vislumbrada no começo deste trabalho e sua interpreta-
a batata têm no imaginário francês. Como diz o autor em sua obra ção proposta passam pelo processo daquilo que Barthes chama de
Mitologias: “O vinho é sentido pela nação francesa como um bem que “naturalização”: “O mito transforma a história em natureza” (Barthes,
lhe pertence com exclusividade, tal como as suas trezentas e sessenta 1982: 150). Barthes chama a nossa atenção para a forma como nasce
espécies de queijo e a sua cultura” (Barthes, 1982: 51). Em relação ao o (macro)gênero chamado a ‘Literatura”:
prato principal, o bife com batatas, eis o comentário do mesmo autor:
“O bife participa da mesma mitologia sangüínea do vinho” (Barthes, O aquiescer voluntariamente ao mito pode aliás definir toda a
1982: 55). nossa Literatura tradicional: normativamente esta Literatura é um sis-
RÉSUMÉ: Ayant pour objectif de discuter la construction identitaire du sujet-chercheur em sciences humaines en particulier, nous avons analyseé
deux collections de revues spécialisées em Linguistique (Appliquée). Cela nous a permis de conclure que les deux perspectives – moderne et post-
moderne - apparemment opposées se chevauchent pour aider à bâtir chez le chercheur actuel une identité conflictuelle qui glisse entre la certitude
et l’incertitude, le vrai et le faux, le même et le différent.
PALAVRAS-CHAVE: pós-modernidade, subjetividade, identidade, ciência
Quase todo o mundo - acadêmico ou não – fala, hoje, de identi- Babel. Com base nesse pressuposto, defendemos a hipótese de que é
dade, na busca de resposta para uma pergunta existencial: quem sou impossível separá-las e dicotomizá-las: uma penetra na outra de modo
eu?, quem somos nós?, em um mundo cada vez mais fragmentado, a ser difícil senão impossível determinar onde cada uma se encontra a
apesar das pretensões globalizantes que assediam tanto a economia não ser quando se apresentam de forma radical numa obra de arte, num
quanto os setores educacionais, seja em nível mundial, seja em nível fenômeno qualquer.
local. Ora, a identidade só se torna um problema quando está em crise, Dentro dessa visão, como fica a questão da identidade e do
quando algo que se supõe fixo, coerente e estável é deslocado pela sujeito? Várias questões se colocam: podemos falar de verdade ou
experiência da dúvida e da incerteza (Mercier, 1990:4, apud Woodward, apenas de efeitos de verdade? Como ficam os mitos de toda sorte que
2000:19). O mesmo se pode dizer da pós-modernidade ou da nos constituem a todos? É possível vislumbrar a heterogeneidade se
modernidade tardia que tem, aliás, como uma de suas características entrecruzando num emaranhado de fios para formar uma verdadeira
básicas a crise da identidade teia, num universo em que, culturalmente, se busca e valoriza a
A pós-modernidade tem recebido várias definições e tem sido homogeneidade? Afinal, nessa teia, a heterogeneidade se confunde
alvo de inúmeras críticas por parte daqueles que ora a consideram uma com a homogeneidade, deixando que esta conserve a ilusão da unidade,
excrescência de alguns intelectuais, que se colocam em patamares aci- da totalidade, da completude. Como ficam os estudos da linguagem
ma das realidades sociais, ora a consideram simplesmente inexistente nesse contexto?
porque o que dela se diz não passa de um prolongamento da Antes de mais nada, parece-nos importante situar a ciência nas
modernidade, visão bastante expandida segundo Robertson, 1992:193). visões da modernidade e da pós-modernidade para, buscarmos ele-
Giddens (1990), por exemplo, considera que a pós-modernidade é mentos que confirmem ou desconfirmem nossa hipótese e nos ajudem
uma extensão do “projeto” da modernidade, basicamente inerente a a encontrar respostas para as questões acima colocadas. Sabemos que
ele. O autor vê na modernidade um grande impacto. Segundo ele, o a visão clássica de ciência se insere no projeto da modernidade, visão
prenúncio da pós-modernidade é completamente enganoso: seus pro- essa que tem sido criticada pelos defensores da pós-modernidade e,
ponentes não conseguiram cooptar a natureza da própria modernidade em particular pelo pós-estruturalismo - que assumimos como um
e por isso vislumbraram o mundo num outro momento. Se a desdobramento da pós-modernidade - pela recusa da ciência em acei-
modernidade funde tendências tanto restritivas (vigilância, contro- tar que ela constitui uma prática humana, social, mais do que uma
le...) quanto libertadoras (capitalismo, conforto, independência...), a atividade transcendental exterior à história, à cultura, aos valores, à
pós-modernidade seria, para Giddens, “uma versão radicalizada da subjetividade e ao poder (Heelan, 1990: 214, apud Usher & Edwards:
modernidade”, ou seja, ela não existiria como fim das grandes narrati- 1996: 33).
vas. Poder-se-ia opor a este argumento o fato de que, como se sabe, O discurso da ciência coloca-a firmemente fora de todo contex-
hoje, a perspectiva da pós-modernidade não anula a existência dessas to social e, sobretudo político (e, portanto, ideológico), afirmando que
narrativas, mas as insere na identidade de um povo ou grupo social... uma característica do conhecimento legitimado é justamente o fato de
Na modernidade radicalizada, como quer Giddens (1990:150), o eu é estar fora ou à parte do sujeito pesquisador ou cientista e da atividade
tratado como algo “mais do que apenas um lugar de forças de conhecer. Foucault e Deleuze seguindo Nietzsche questionam essa
entrecruzadas”, enquanto que, segundo ele, na perspectiva da pós- exterioridade defendendo a impossibilidade de um conhecimento fora
modernidade, o ser é visto como “desintegrado ou desmembrado pela do sujeito conhecedor. Muitos pós-modernos questionam ainda: a) a
fragmentação da experiência” (ver também LATOUR); aliás, se pu- construção discursiva da ciência como um projeto transcendental e a
déssemos ousar encontrar alguma característica comum a todas as conseqüente projeção de uma cientificidade apoiada em universais
visões pós-modernas, diríamos que é a fragmentação, desintegração (lingüísticos, por exemplo); b) a validade universal das ciências natu-
de tudo: do sujeito, do discurso, dos fenômenos... rais, em cujas fontes foram beber as ciências sociais e todas as ciências
Outra visão que servirá como ponto de partida para nossas humanas, como comentam Usher & Edwards (1996:34).
considerações vê a modernidade e pós-modernidade como duas pers-
pectivas que coexistem no tempo e no espaço, mas que são à primeira “O modo como a ciência compreende a si própria, o modo
vista antagônicas e irredutíveis (Usher & Edwards, 1994): se uma se como ela se projeta e o modo como ela é vista enquanto modelo
concentra na busca da verdade, da essência dos fenômenos, no pro-
gresso linear (Torre de Marfim onde impera a segurança, a coerência
ainda que ilusórias...), a outra, enfatiza a descontinuidade, a relativida- 1 Este trabalho se insere no Projeto Integrado CNPq Interdiscursividade
de de tudo, a inexistência de uma verdade absoluta e universal, o e Identidade no Discurso Didático-Pedagógico (LM e LE), sob minha
ecletismo, trazendo, portanto, a dúvida, a insegurança, a Torre de coordenação geral.
ABSTRACT: This work analyses the process of the sense production in the discourse, trying to demonstrate that the signification happens in some
conditions that the relation between the subjetivity and the objetivity operates. It proposes a relecture of the notin of reference, redefining this theoric
category from a perspective discoursive, considering that the objct and its designation are dialectly constituted by the social-historic basis, that is
really the basis of the process of the sense production.
PALAVRAS-CHAVE: Sentido, referência, objetividade, subjetividade.
1 – O histórico-concreto como base da significação interpretação de superfícies discursivas [para nós, seqüências
discursivas a partir de Courtine, 1981] dadas, tal ou tal regra particu-
Embora as categorias de análise da língua sirvam à AD (Análise lar intervém; a única coisa que se pode dizer é que tais regras necessa-
do Discurso), não é possível ‘aplicá-las’ tal qual são concebidas por riamente intervêm (12)”4. Então, para a AD, a linha fronteiriça que
uma teoria de natureza lógico/formalista. Isso significa que a AD revi- separa uma análise da língua e uma análise do discurso estará sempre
sa essas categorias e as re-significa dentro de uma outra concepção por ser definida. As hipóteses dessa demarcação, necessárias à prática
teórica, a do materialismo-histórico, na qual apóia o seu referencial da análise dos processos discursivos, conforme sugere Henry, contri-
teórico-metodológico. A noção de ‘expressão referencial’,1 por exem- buem para o procedimento da análise lingüística e da análise discursiva.
plo, poderá servir como um recurso lingüístico usado pelo locutor Entretanto, é bom lembrar o que já dissemos no início deste trabalho:
para se referir (ou não referir explicitamente, como ocorre no processo o objeto sobre o qual a análise é feita não é um objeto lingüístico stritcu
de ‘silenciamento’) a um sujeito, uma coisa, ou a um acontecimento. É senso, é um objeto sócio-histórico, onde o lingüístico intervém como
nesse sentido que o termo expressão referencial poderá responder aos pressuposto. (cf. Pêcheux, 1988).
nossos propósitos, se compreendido como uma ocorrência lingüística Isso posto, podemos avançar nessa reflexão verificando-se que
que se dá em um acontecimento discursivo, marcado pelo interdiscurso na AD se distinguem marcas lingüísticas – aquelas que dizem respeito
de uma formação ideológica. Assim é que consideramos, a partir de à propriedade do discurso - e propriedades do discurso – que estão
Bakhtin (1992:37), a não neutralidade da palavra ou da expressão na relacionadas ao contexto sócio-histórico, à cultura, à ideologia (cf.
constituição do discurso. Orlandi, 1988:25). Dessa forma, convenhamos, as marcas sozinhas
Assim, também, o sentido não se define unicamente como ‘sig- não são suficientes para produzir sentidos, para fazer funcionar os
nificado’ da palavra, nem como uma questão de ‘denotação’; o sentido efeitos do discurso. O funcionamento discursivo deve ser observado
é efeito do processo de relação de uma palavra com outras palavras em relação às suas condições de produção, que permitem remetê-lo
dentro de uma formação discursiva,2 “as palavras mudam de sentido à(s) formação(ões) discursiva(s) e, consequentemente, à(s)
segundo as posições daqueles que as empregam” (Orlandi, 1988:58). formação(ões) ideológica(s). É por isso que a AD procura pensar a
Trata-se das posições enunciativas, definidas nas formações questão do sentido e da referência em termos de processos constitutivos
discursivas, enquanto representantes das formações ideológicas. Em de significação, o que implica considerar a relação entre língua, histó-
outras palavras, ao enunciar algo o sujeito estará, sempre, falando de
algum lugar discursivo; representará um saber discursivo com o qual
estará concordando ou discordando, apoiado em um saber oposto,
1 Estamo-nos referindo à noção de expressão referencial na forma como é
mas sempre será uma posição que se efetiva em relação com um saber. definida por Lyons (1980:147), para quem a referência implica uma
Por isso, as posições enunciativas são efeitos das posições do sujeito relação existente entre uma expressão e aquilo que essa expressão desig-
no mundo, porque o sujeito que enuncia o faz em condições específi- na ou representa em ocasiões particulares da sua enunciação.
cas, constituídas por um complexo de dizeres que se sustentam em 2 As formações discursivas são o espaço onde os sentidos já dados,
formações ideológicas. Os dizeres, memória discursiva ou sedimentados em uma memória discursiva, se encontram e se constituem
interdiscurso, já existentes formam a memória do dizer do sujeito que em sentidos diferentes, os efeitos de sentido. As formações discursivas
enuncia. As posições do sujeito que enuncia no mundo são, pois, são, por isso, os sítios de significação, espaço no qual se constituem os
sentidos (Pêcheux, 1988:177). Nas formações discursivas se estabele-
afetadas pelo interdiscurso. É por isso que se reconhece, na AD, o
cem relações de formulações/reformulações, implicando os processos
primado do interdiscurso no processo de significação, “de tal modo discursivos: relações de significação que funcionam entre elementos
que os sentidos são sempre referidos a outros sentidos e é daí que eles lingüísticos.
tiram sua identidade”(Orlandi, 1996:30-1), da memória do dizer (do 3 Onde o sentido adquiriu um caráter material. Para a lógica formal, o
interdiscurso). sentido seria resultado de uma justaposição entre a língua que representa
O sentido na AD, pois, ganha um estatuto diferente do da o pensamento e a pessoa ou coisas referidas pela língua. Nessa linha de
perspectiva da lógica formal,3 para a qual o sentido estaria diretamen- pensamento teórico, o sentido de um enunciado seria o que ele represen-
te ligado àquilo que uma expressão traz para uma sentença; formaria ta do mundo, dos objetos, de um estado de coisas (cf. Guimarães, 1995:
23). Representação, sentido e referência teriam, todos juntos, confluência
uma unidade constituída pelos elementos que atribuem à sentença
na sentença submetida à condição de verdade ou falsidade.
relações sintagmáticas: o objeto referido e o que ele representa no 4 Na nota 12, Henry acrescenta que sempre há língua, como base mate-
mundo, a sua predicação. Definir e delimitar o que é da língua e o que rial do discurso [...]. A linha de demarcação que separa efetivamente em
é do discurso não é uma atitude que antecede à análise. A língua - em todo processo discursivo concreto língua e discurso está, em princípio,
suas seqüências sintagmáticas - é o lugar material de realização dos sempre por ser definida. A nosso ver, a base da linha de demarcação
efeitos de sentido. Mas segundo explicita Henry (1990: 59), “de um pode ser as seqüências discursivas que constituem o corpus da pesquisa. A
ponto de vista teórico, não se pode decidir a priori se na produção e na partir delas pode-se passar do funcionamento lingüístico para o funciona-
mento discursivo.
ABSTRACT: The work has the objective of reput the subject dicussion in discuss analisys (DA), instigating the debate about the authory possibility
in the discusses. For that we recorate to the theoric referential of DA, pricipally that one expressed by Pêcheux and Courtine; the Bakhtin position
about the intencionality of wanting to say and we propose a rescue of Marx’s formulations about the relations between subjetivity and objetivity.
PALAVRAS-CHAVES: discurso, sujeito, autora
Com este texto nos propomos recolocar a discussão acerca dos de gestão da produção, que se instala, principalmente na França, uma
limites e possibilidades da autoria. discussão propondo uma nova forma de compreensão da linguagem
A partir dos anos sessenta a discussão da relação subjetividade/ que discute com a lingüística e dialoga com as ciências sociais e a
objetividade ganha nova dimensão, tanto no discurso filosófico como psicanálise, que se denominou Análise do Discurso -AD.
no científico e, principalmente, no político. Há um deslocamento da Na verdade, todo o debate que a AD suscita tem por fundamen-
classe como única identidade coletiva, o sujeito de classe, e uma incor- to a reflexão do processo de apreensão do mundo e dos diversos níveis
poração de outras particularidades ao cenário que estuda o sujeito. A em que isso pode efetuar-se. A apreensão cognitiva desse real só é
possibilidade de interferência do sujeito na lógica da objetividade é possível através de categorias intelectivas que tornem possível a cap-
questionada a partir de duas posições aparentemente contraditórias tação da relação entre singular e universal. Temos, portanto, duas
mas que levam ao mesmo lugar epistemológico. Uma delas decreta a ordens de fenômenos: uma, que diz respeito à coisa em si, e outra, que
morte da teoria do sujeito coletivo atrelado à noção de classe, na se refere à possibilidade de apreensão efetiva da lógica das coisas.1 A
medida em que as contradições que mantinham esses sujeitos estari- primeira faz parte do objeto; a segunda, do sujeito cognoscente. O
am sendo substituídas por contradições entre grupos de identidade, processo do conhecimento exige dois tipos de categorias: as ontológicas
não necessariamente antagônicos. A outra desloca o conflito de gru- – que embora recriadas pela razão, pelo sujeito, buscam retratar fiel-
pos para conflitos interpessoais resolvidos pelas identidades, a partir mente o movimento do objeto e as categorias reflexivas, criadas pela
de uma identificação societária baseada em parâmetros que negam a razão, que partem do conhecimento do real e criam estruturas lógicas,
noção de classes sociais. As duas posições, ao mesmo tempo que representações que surgem na mente humana, são reflexos do real
exaltam os sujeitos, matam a possibilidade de interferência substanci- captados como representações da consciência. Não possuem estas
al na realidade, pois a subjetividade ou tem apenas o papel de propor uma existência autônoma em si mesmas. (Pontes,1995:59).
rearranjos da objetividade ou pode tudo, mas apenas no campo das Toda práxis humana pressupõe a existência de duas categorias
individualidades e dos relacionamentos individuais. ontológicas – subjetividade e objetividade2 , que possuem autonomia,
Para a crítica dessas concepções sobre a subjetividade segui- mas que não podem ser pensadas separadamente. O mundo real e o
mos com Marx, quando este elabora a crítica ao idealismo e ao mate- sujeito cognoscente não se confundem, embora estejam essencialmen-
rialismo vulgar, incapazes de uma compreensão correta da realidade. te imbricados.
O materialismo – vulgar – anula o autor ao não compreendê-lo en- A materialidade discursiva traz a marca da subjetividade que a
quanto sujeito sensível, capaz de interferir na objetividade, através de produziu, não no sentido de ser a expressão da individualidade do
uma teleologia que tem implícita a compreensão da lógica dessa obje- autor, pois o que está ali expresso é a relação entre uma individualida-
tividade; na verdade, há um “assujeitamento” do sujeito à lógica do de, posta em um tempo e espaço definidos historicamente, e uma
real, sendo anulada qualquer possibilidade de transformação a partir realidade que está sendo representada por essa individualidade, com
da subjetividade. consciência do que está fazendo, mas sem o domínio de todas as
Por outro lado, o idealismo, procurando dar vida ao sujeito, faz alternativas postas por essa mesma realidade. Marx sintetiza a relação
isso de forma abstrata, permitindo ao sujeito apreender o real prescin- entre subjetividade e objetividade:
dindo do efetivo conhecimento do mesmo, retirando do real sua lógica A produção de idéias, de representações, da consciência está,
própria, e imputando ao sujeito a capacidade de imprimir lógica ao desde o início, diretamente entrelaçada com a atividade mate-
real, tornando o sujeito autor absoluto da objetividade, fonte de senti- rial dos homens, como a linguagem da vida real. O represen-
do que acaba por imobilizá-lo na medida em que admite tantos discur- tar, o pensar, o intercâmbio espiritual, dos homens, aparecem
sos quanto são os indivíduos, impossibilitando a comunicação, o que aqui como emanação direta do seu comportamento material.
fragmenta a relação social em geral. (Marx,1965:21).
Marx, ao refutar essas duas vertentes de possibilidades do co- A teleologia3 que cada sujeito imprime ao discurso só é possí-
nhecimento, dá um passo decisivo para estabelecer o papel da subje- vel porque essa individualidade foi capaz de antever aspectos do
tividade na construção do ir-sendo do ser social, ou seja, é a subjetivi- movimento da realidade. No entanto, após esse ato, não há condições
dade que instaura a possibilidade de um mundo humano/social, mas de prever a forma como o discurso será absorvido socialmente, nem o
não uma subjetividade autônoma que se impõe idealmente à realidade.
Na verdade, tem-se uma subjetividade objetivada, isto é, um sujeito
que possui história, e por isso, limites na construção ideal e efetiva de
suas realizações. O fato de não absolutizar a capacidade do sujeito de
criar o que quiser, a partir única e exclusivamente de sua vontade, não
1 Coisa aqui não significa apenas objetos, mas também idéias, ciência,
retira da subjetividade a capacidade criadora nem a importância crucial produção artística.
de sua ação para a reprodução do ser social. 2 Para melhor desenvolver esse tema, veja Marx, 1978.
É no bojo dessa crise do pensamento contemporâneo, refletin- 3 Teleologia aqui significa o pensar, a partir das necessidades práticas, com
do as mudanças ocorridas nas formas de produzir e, consequentemente, o objetivo de imprimir marcas na objetividade.
RÉSUMÉ: Cet article développe une réflexion sur l’efficace idéologique, dans le cadre théorique de l’Analyse de Discours, en particulier dans
l’espace ouvert par la figure de l’interpellation idéologique du sujet du discours. On présente un essai de délimitation du concept de lieux
d’énonciation par rapport à ceux de forme-sujet et des positions-sujet qu’y se définent.
PALAVRAS-CHAVE: enunciação, ideologia, subjetivação, poder
Gostaria de começar esse trabalho fazendo uma referência au- que esse lugares estão representados nos processos discursivos
tobiográfica. O título de um trabalho publicado na Argentina (1992), em que são colocados em jogo. Entretanto, seria ingênuo su-
incluía como subtítulo: EL PODER DE ENUNCIAR. Observando à por que o lugar como feixe de traços objetivos funciona como
distância (temporal e teórica) esse subtítulo, percebo e faço trabalhar tal no interior do processo discursivo; ele se encontra aí re-
a ambigüidade do sintagma O poder de enunciar, na sua dupla leitura presentado, i.e., presente, mas transformado [...] Se assim ocor-
como possibilidade de dizer/eficácia do dizer. Em um texto mais re, existem nos mecanismos de qualquer formação social re-
recente (o livro Cidadãos modernos. Discurso e representação polí- gras de projeção, que estabelecem as relações entre as situa-
tica, 1997), volto a encontrar essa antiga inquietação, agora já nomea- ções (objetivamente definíveis) e as posições (representações
da como lugar de enunciação na análise que desenvolvo sobre o dessas situações). (Pêcheux, 1969: 82)
discurso da transição na Argentina e mais especificamente sobre o Algumas páginas antes dessa citação, no mesmo texto, ainda
funcionamento da figura do porta-voz. Nesse texto, cujo objetivo é descrevendo as condições de produção do discurso, Pêcheux ilustra
trabalhar o fundamento discursivo da representação política, conside- com o exemplo de um discurso pronunciado por um diputado e afirma:
ro a figura do porta-voz como um lugar de enunciação e enquanto tal, O que diz, o que anuncia, promete ou denuncia não tem o
como uma das formas históricas do sujeito de enunciação (Guilhaumou, mesmo estatuto conforme o lugar que ele ocupa; a mesma
1989). Na análise apresentada nesse meu livro gostaria de destacar, declaração pode ser uma arma temível ou uma comédia ridí-
em primeiro lugar, a relação estabelecida entre certos funcionamentos cula segundo a posição do orador e do que ele representa, em
enunciativos e o processo de configuração (e de legitimação) das rela- relação ao que diz [...] Podemos citar aqui o conceito de “enun-
ções de representação política em um espaço institucional ( no caso, ciado performativo” introduzido por J.L. Austin, para subli-
a presidência da Nação). Em segundo lugar, a afirmação teórica da nhar a relação necessária entre um discurso e seu lugar em
determinação dos funcionamentos enunciativos pelo interdiscurso, o um mecanismo institucional extralingüístico. (Pêcheux, 1969:77)
que leva a estabelecer uma relação necessária de um lugar de enunciação Queremos destacar nessas citações, por uma lado, a considera-
(a figura do porta-voz, p.e.) com as posições de sujeito que o definem ção dos efeitos produzidos por uma enunciação em relação ao lugar a
e das quais é uma dimensão constitutiva. Em terceiro lugar, a decisão partir do qual ela é proferida, por outro lado, a relação desse lugar com
metodológica de descrever um lugar de enunciação a partir de funcio- um mecanismo institucional do qual retira sua eficácia.
namentos discursivos tais como metáfora, metonímia e dêixis discursiva, Essas formulações, que foram revisadas criticamente pelo pró-
o que supõe não reduzir essa descrição ao jogo polifônico das figuras prio autor em textos posteriores (Pêcheux, 1975, 1983) encontravam
enunciativas (locutor, enunciador). seu fundamento nos procedimentos de construção do corpus adotados
Retomando essas questões, e especificamente as elaborações na AAD69, que privilegiavam condições de produção estáveis e um
sobre a noção de lugar de enunciação, neste trabalho gostaria de desen- conceito de formação discursiva homogênea, fechada sobre si mesma
volver algumas considerações que são fruto de um trabalho de reflexão e fortemente ancorada em uma inscrição institucional. Porém, vale a
desenvolvido em conjunto com alunos e orientandos1 . A problemáti- pena destacar que no mesmo texto já se encontram os elementos que
ca que abordamos através da noção de lugar de enunciação poderia bloqueiam uma interpretação pragmática, retórica ou sociológica das
resumir-se como uma reflexão sobre a divisão social do direito de CP, ao definí-las como sedimentação de discursos anteriores. Assim,
enunciar e a eficácia dessa divisão e da linguagem em termos da já é possível descobrir nesse texto inicial o germe da noção de
produção de efeitos de legitimidade, verdade, credibilidade, autoria, interdiscurso, que será o carro-chefe da teoria no seu desenvolvimen-
circulação, identificação, na sociedade. Posto dessa maneira, o tema já to posterior.
foi objeto de numerosos estudos, principalmente de orientação soci- Por oposição à tese fenomenológica que colocaria a apreen-
ológica, etnográfica e pragmática. Minha reflexão se inscreve em uma são perceptiva do referente, do outro e de si mesmo como
posição teórica que se define em relação à Teoria da Análise do Dis- condição pré-discursiva do discurso, supomos que a percep-
curso (doravante AD), filiada a M. Pêcheux. Gostaria também de ção é sempre atravessada pelo “já ouvido” e o “já dito”,
frisar que as colocações que se seguem apresentam o estado atual de através dos quais se constitui a substância das formações
uma reflexão que está em andamento, o que justifica o caráter incom- imaginárias enunciadas [...] um estado dado das CP deveria
pleto e provisório de algumas afirmações. ser compreendido como resultado de processos discursivos
Em seu texto Análise automática do discurso de 1969 (doravante sedimentados: vê-se que é pois impossível definir uma origem
AAD69), Pêcheux, ao explicitar os elementos que constituem as con- das CP (p. 85-87)
dições de produção do discurso afirma:
A e B designam lugares determinados na estrutura de uma
formação social, lugares dos quais a sociologia pode descre-
ver o feixe de traços objetivos característicos: assim, p.e., no 1
Por isso, quero fazer pública minha dívida e citar seu nomes como
interior da esfera da produção econômica, os lugares do “pa- interdiscurso dessa minha prática de escrita. Sou grata a: Neuza Zattar,
trão” (diretor, chefe de empresa, etc.), do funcionário de re- Ana Josefina Ferrari, Vera Regina Martins e Silva, José Guillermo Milán
partição, do contramestre, do operário, são marcados por Ramos, Águeda Cruz Borges, Lucimar Ferreira, Gislaine Pinto Ferreira,
propriedades diferenciais determináveis. Nossa hipótese é a de Lúcia Insarraulde, Josefa Gomes Farias, Mônica Oliveira Santos, Carmen
Agustini e M. Virgínia Borges Amaral.
ABSTRACT: The paper discusses learning and teaching problems, pointing the faillures in teacher’s formation.
PALAVRAS-CHAVE: N-Gen, ensino, aprendizagem, formação de profissionais
No século XXI, rapidamente caminhamos da sociedade da constantes nos cursos da Universidade Católica: a) alunos que, já ao
informação para a sociedade do conhecimento, o que implica o predo- ingressar na Universidade, revelam uma capacidade de reflexão, de
mínio da Robótica e da Informática. O abandono de atividades manu- análise e de crítica bastante desenvolvida, mas que apresentam um
ais, repetitivas e monótonas, e mesmo de parte do trabalho intelectu- baixo desempenho de língua escrita, chegando a graduar-se, uma vez
al, decorrentes do grande desenvolvimento da tecnologia, caracteriza o que os processos de avaliação dão destaque à capacidade reflexiva e
novo mundo digital. É importante considerar-se o impacto da Internet crítica; b) alunos que, por serem falantes bilingües, normalmente ori-
na vida moderna, determinando profundas alterações na vida diária entais, acabam por concluir a graduação depois de várias retenções,
dos cidadãos comuns. Assim, relações pessoais e interpessoais preci- mas não se transformam em escritores competentes, embora seu de-
sam ser repensadas bem como a Educação necessita ser revista, sempenho final, se comparado ao inicial, revele grandes progressos.
objetivando preparar o homem para o mundo digital. Esses dois grupos têm preocupado os professores, pois tra-
Nessa perspectiva, já se ouve falar da geração Net (Tapscott, ta-se de alunos que, apesar de acompanharem as aulas de língua,
1999:3), composta de jovens entre 02 e 22 anos de idade, criada em ainda continuam apresentando um conjunto de dificuldades na orga-
meio à mídia digital e altamente familiarizada com ela. Valoriza a nização e compreensão de textos. Foi esse cenário que incentivou
interatividade propiciada, principalmente pela Internet, embora, em professores da PUCSP a criarem um espaço na Universidade onde
sua totalidade, esses jovens não tenham ainda acesso à grande rede. fosse possível discutir-se a produção textual tanto no âmbito da
Para Tapscott, a N-Gen utiliza o computador para tudo desde leitura quanto no da escritura. Assim, surgiu o Laboratório de Pro-
divertir-se, fazer “ciberamizades”, buscar informações até participar dução Textual: Redação e/ou Leitura (LPTRL), objetivando desen-
de movimentos sociais, só para citar algumas das atividades nas quais volver habilidades de produção textual tanto na dimensão cognitiva
os jovens de uma sociedade altamente tecnologizada estão envolvi- quanto na dimensão comunicativa, buscando diagnosticar as dificul-
dos. A maioria dos alunos dos cursos de graduação pode ser incluído dades de aprendizagem e propor atividades que possibilitem a
na N-Gen, mas, certamente, não desfruta desses avanços científicos. aquisição de estratégias cognitivas, culturais, interacionais, pragmá-
Contrapondo-se a esse cenário, é muito freqüente defrontarmo- ticas, lingüísticas e textuais.
nos com universitários que não dominam nem a leitura nem a escritu- O LPTRL recebe alunos dos diferentes cursos da PUCSP,
ra, e mais ainda, nem são capazes de aplicar em atividades acadêmicas principalmente aqueles encaminhados por professores que detectam
as operações superiores de raciocínio2 . Não apresentam as condições falhas na produção textual, lendo ou escrevendo. Foi esse o caso de
mínimas para acompanhar o curso de formação de sua escolha. Repre- Joana3 , aluna do curso de Pedagogia.
sentam fortes rupturas em face do quadro acima delineado. Quando da apresentação dos alunos e da explicitação de suas
Nossa prática como professora de Língua Portuguesa tem- expectativas, Joana disse ao grupo-classe, em uma variante não culta
nos mostrado que alguns pressupostos, nem sempre fundamentados, do Português, ter muitos problemas no uso da língua escrita. Acres-
estão presentes na atuação dos professores dos cursos de graduação. centou ainda que esperava que o LPTRL resolvessem essas falhas,
Podemos citar entre eles a crença de que o simples fato de o aluno ter além de melhorar a sua compreensão, principalmente de textos teóri-
passado pelo vestibular seja condição suficiente para que ele não só cos. Verificamos, posteriormente, a precisão dessa caracterização .
tenha autonomia frente ao processo de ensino e aprendizagem como Nesse semestre, como forma de desinibir os alunos, optamos
também não mais apresente problemas de aprendizagem. Assim, es- por iniciar enfatizando o aspecto lúdico que pode estar presente no
pera-se que o aluno seja capaz de relacionar todas as informações que uso da língua. Começamos fazendo poemas, para depois passarmos
recebe bem como seja também capaz de encontrar os caminhos ade- para o texto não poético, principalmente o expositivo-argumentativo.
quados para solucionar os problemas com que, por ventura, venha a A primeira atividade foi a criação de um pequeno poema, em que as
defrontar-se na construção de novos conhecimentos. letras do nome do autor deveriam estar presentes nos vários versos.
Os professores, por sua vez, apontam como causas do fracas- Escolhemos essa prática para os alunos pensarem em si próprios a
so a falta de base decorrente da escolarização anterior, a ausência de partir de seu nome e para reforçar a auto-estima, que, em geral ,nesses
empenho dos estudantes, a aceitação de resultados medíocres por alunos, é muito baixa. Joana produziu um texto com muitas falhas
parte dos jovens e muitos outros fatores que tangenciam as dificulda- microestruturais, tendo ele sido bastante discutido pelo grupo-classe
des de aprendizagem, mas que não são o cerne da questão. Tal postura
leva à retenção de muitos alunos, numa mesma disciplina, por vários
semestres letivos, sem que a maioria dos docentes se questione sobre 1 ) Texto apresentado na mesa redonda Estudos Gramaticais: História e
as causas reais que geram essa situação. Contraditoriamente, é a per- Ensino
tinácia desses estudantes que os impede de desistir, conseguindo, 2 ) Vygotsky denomina operações superiores de raciocínio aquelas, que,
por não serem respostas automáticas do organismo, são passíveis de o
muitas vezes, a aprovação desejada, mas sem a garantia da qualidade
indivíduo refletir sobre elas, como descrever, resumir, interpretar, classi-
necessária. ficar, inferir e criticar, entre muitas outras.
Podemos acrescentar a esses pressupostos, duas situações 3 ) Informamos que o nome da estudante é fictício.
RÉSUMÉ:Cette étude a pour but une réflexion de nature pédagogique sur des questions liées à l’enseignement de la Grammaire. On ajoutera à cet
aspect des considérations concernant l’ensemble Grammaire / Texte, tout en évoquant la possibilité d’une intégration entre les études grammaticales
et l’interprétation / production textuelle.
PALAVRAS – CHAVE: Gramática – Texto – Articulação – Linguagem
A amplitude do assunto de que se vai tratar requer o cuidado da Gramática (conforme se procedeu na referida pesquisa), grau exa-
de restringi-lo a alguns eixos que possam disciplinar-lhe o desenvolvi- gerado de insistência sobre os exercícios de análise sintática – o que
mento e a análise – eixos que passamos a apresentar como: seria louvável numa perspectiva de integração da análise sintática com
1 – Problemas do ensino da Gramática na Escola. exercícios que levam à clareza e à lógica da expressão. Não é, contudo,
2 – Gramática e Texto: implicações. o que geralmente se faz em sala de aula, onde se reduz o ensino da
3 – Propostas para uma possível solução dos problemas refe- análise sintática seja à memorização de fastidiosa nomenclatura seja à
rentes ao ensino da Gramática. distinção de funções.
4 – Propostas para o trabalho de integração Gramática / Texto. Perde-se, assim, o verdadeiro sentido de qualquer estudo gra-
matical: justificar o significado desse ou daquele aspecto no âmbito
1 – Problemas do ensino da Gramática na Escola. geral da linguagem.
Não se nega o fato de que, não obstante a enfatização da
Gramática no ensino da Língua Portuguesa, vem sendo notório, nas 2 – Gramática e Texto: implicações
escolas, o rendimento insatisfatório, senão nulo, dessa questão. A procura de uma definição satisfatória para texto torna pos-
De recente pesquisa realizada no Departamento de Letras sível uma reflexão sobre sua bidimensionalidade: enquanto processo
Clássicas e Vernáculas da USP, na área de Filologia e Língua Portugue- discursivo, enquanto trajetória estrutural, um texto é acabado; en-
sa, em torno do tema “Fases do ensino de Língua Portuguesa, nas quanto campo semântico, dada a expansão desse campo, um texto é
décadas de 60, 70 e 80”, pudemos aferir largo percentual de ocorrência inesgotável.
de estudos gramaticais sobrepujando de muito as demais atividades Tem-se, pois, a um só tempo, um processo linear com encer-
efetivadas em sala de aula. ramento e um processo de folheamento vertical – aberto, conseqüen-
Estudos que, no entanto, parecem fugir ao objetivo que deve temente, – o que deve ser levado em conta no exercício de abordagem
nortear o professor na tarefa do ensino da Gramática, ou seja, levar o de textos.
aluno a apreender a Gramática como o sistema de regras da Língua em A noção de abordagem vem implicando a concepção de texto
funcionamento. apenas como dado, como algo que é trazido para a sala de aula. O que
Limita-se o ensino, conforme observações da referida pesqui- nos parece mais correto, no entanto, é ver o texto como algo que
sa, a dois pólos: à apresentação da Gramática normativa como o também se produz na própria aula.
repositório de regras de bom uso da Língua; à exploração da Gramática Já se vem tornando tradição a utilização do texto na simples
descritiva que apresenta a descrição das entidades da Língua e suas função valorativa de exemplo, como se vem atribuindo ao texto fun-
diferentes funções. ção quase só ilustrativa como forma de preencher uma determinada
Ora, essa visão distancia-se enormemente da possibilidade de unidade temática.
se mostrar ao aluno a situação do uso da Língua ou a Língua em Ambas as restrições representam visão redutora da função do
funcionamento – o que parece ser a proposta mais adequada para o texto enquanto instrumento de estudo da Gramática.
estudo eficaz da Gramática. Como se operará, então, a conexão exata entre Gramática e
É verdade, por outro lado, que os professores de Língua Por- Texto?
tuguesa vêm sendo despertados para uma crítica e um posicionamento É no exercício da operação sobre a linguagem que se apreende,
em relação aos valores tradicionais, o que os leva a alimentar a inten- por exemplo, a articulação das estruturas sintáticas, bem como as
ção de dar aulas de gramática não normativa – intenção que, todavia, diversas funções exercidas pelos termos que constituem tais estrutu-
não se concretiza. Mantêm-se aulas sistemáticas de gramática ras. Assim também se apreende o papel da morfologia nos processos
normativa. sintáticos e o valor das diversas classes de palavras na construção do
O que se torna patente, então, é a presença de um embate texto.
entre a convicção daquilo que seria um exercício eficiente com a gramá- Mais importante do que dividir e classificar orações é captar
tica e os resultados díspares em relação a essa consciência. Trava-se os nexos que as integram umas nas outras, por procedimentos diver-
um conflito, uma vez que se institui na prática escolar uma atividade sificados: relações de causa e efeito, por exemplo, traços de caracteri-
lingüística artificial. zação apontados pela oração adjetiva, processos circunstanciais ex-
Não se discute o fato de que, enquanto sistema nacional des- pressos na oração adverbial, etc.
critivo, a gramática tem sob sua guarda dados importantes sobre a Só assim será possível recuperar no estudo de aspectos gra-
linguagem. Estes, contudo, mantêm-se à sombra de dadas definições maticais a dimensão da Língua em funcionamento.
que estão longe de explicar fatos reais da Língua em funcionamento. O ponto-eixo desse exercício é o texto nas suas diferentes
À luz de definições e classificações, reduz-se o ensino da modalidades, nas diversas possibilidades de ser produzido e interpre-
Gramática a técnicas insatisfatórias de descoberta e tipificação de tado.
termos, segmentos e orações. Só o texto aponta para a descoberta paulatina de noções,
Constata-se, quando se procura conhecer os rumos do ensino relações, conceitos com os quais se opera na teoria do texto e na teoria
ABSTRACT: The aim of this work is to show how the use of engaged terms (positive and negative vocabulary) interfers in the newspaper image
construction and can confirm that the jourmalistic impartiality is a myth.
PALAVRAS-CHAVE: Enunciador – argumentação – subjetividade
2. Melioratividade e pejoratividade
1 KERBRAT-ORECCHIONI, C. 1980., p.73
Afirmar que um certo termo é engajado e além do mais pejo-
2 KERBRAT-ORECCHIONI, C. (1986), p. 22
O presente estudo situa-se na linha de pesquisa da Lingüística Textual francesa, tendo como representantes, principalmente, Ducrot
(1981, 1987), Maingueneau (1991) e Charaudeau (1992), e está filiado ao projeto Aplicação Pedagógica da Gramática Textual (UFRJ).
Este trabalho tem como objetivo estudar o problema da “heterogeneidade enunciativa demonstrada”, fazendo divisão entre polifonia e
outras maneiras de pôr sujeitos enunciativos dentro de uma mesma enunciação.
Cada unidade discursiva pode ter, conforme as possibilidades que a língua oferece, inscritas muitas vozes na mesma enunciação. Os
fenômenos estudados são: a citação, as palavras entre aspas, as interferências (resultantes de plurilingüismo) e o metadiscurso do locutor. Tais
fenômenos são pesquisados em corpus de matéria jornalística opinativa, sobre o qual se pretende elucidar como a heterogeneidade enunciativa
está a serviço do éthos do locutor e das manobras argumentativas que visam à adesão do leitor/interlocutor a uma dada tese.
RÉSUMÉ: Cette recherche présente un étude de la répresentation de l’éthos à travers quelques mécanismes de l’hétérogeneitée enonciative
demonstrée, selon les formulations explicitées par Maingueneau (1995, cap. IV), dans quelques textes argumentatifs (éditoriaux).
PALAVRAS-CHAVE: discurso; heterogeneidade; enunciação; editorial.
I – Introdução nha em mente que a instituição jornalística é bem definida e que cada
Nesta pesquisa, composta de 11 textos jornalísticos de opi- empresa dessa natureza veicula um arquivo determinado2 . O mesmo
nião veiculados por JB, O Globo e Folha de São Paulo, procurou-se se dá em relação ao gênero editorial e opinativo.
verificar como se representa o éthos do enunciador e do co-enunciador É através da polarização que o texto opinativo institui a polê-
nos termos de Mainguenau (1995), no estudo dos elementos mica e gera conclusões, posicionamentos, adesões.
lingüísticos da representação da heterogeneidade enunciativa demons- Com todos esses impulsos que a situação enunciativa põe em
trada, segundo o capítulo IV de L’Analyse du discours (1991), em que “cena” é que é possível concluir que há uma cenografia aí inscrita. Essa
o autor, de maneira sintética, expõe os mecanismos, até então estuda- cenografia é responsável pelas condições de enunciação e co-enunciação,
dos, de tal fenômeno. espaço e tempo.
Não foram estudados todos os elementos que comportam tal O gênero discursivo do corpus deste trabalho tem uma cenogra-
fenômeno. Foram considerados somente os menos divulgados por fia aproximada àquela das fábulas, uma vez que há um dialogismo gene-
outras pesquisas e os que apareceram no corpus, a saber: citação, ralizado: há um contador que intervém em sua narrativa e estabelece
aspas, metadiscurso. uma relação de conivência com o leitor, criando uma aproximação entre
Para desenvolver essa pesquisa contou-se com as obras O eles. Interessa assinalar o fato de que “esse contador apresenta-se como
Contexto da obra literária e L’Analyse du discours, ambas de D. um homem de bem, culto, que se dirige a gente honesta, ela própria culta
Maingueneau (1995 e 1991, respectivamente). e submetendo-se às regras da conversação mundana: necessidade de ser
Em relação à organização deste estudo, encontram-se: na se- espiritual, de variar seu discurso, de não ser prolixo demais, de adotar
ção II, o aporte teórico que viabilizou a análise dos fenômenos; na uma distância irônica, de manejar a alusão e o duplo sentido, etc. É
seção III, a análise propriamente dita dos mecanismos de portanto através de uma cenografia vinculada à sociabilidade de uma
heterogeneidade enunciativa demonstrada; na seção IV, as conclusões elite refinada que as Fábulas mostram a crueldade de um mundo de
a que se chegou; na seção V, a bibliografia consultada. predadores. Existe tensão entre o humanismo (nos dois sentidos do
termo) da cenografia e a desumanidade das histórias que esta permite
II – Aporte teórico contar.” (Maingueneau, 1995: 125).
O presente estudo situa-se na linha de pesquisa da Lingüística Deve-se salientar ainda a definição que Maingueneau dá à
Textual francesa, tendo como representantes, principalmente, Ducrot cenografia, segundo a qual ela não se reduz a um procedimento nem a
(1981, 1987), Maingueneau (1991) e Charaudeau (1992), e está filiado um contexto contingente, ela é mesclada com a obra que sustenta e é
ao projeto Aplicação Pedagógica da Gramática Textual (UFRJ). sustentada por ela.
Nesta oportunidade, devem ser consideradas as relações que Esse dado é especialmente relevante para o tipo de
o texto estabelece com o exterior, na medida em que essas relações heterogeneidade enunciativa demonstrada realizado pelo enunciado
compõem sua identidade. Esse foi um dos interesses de Baktine e de
outros autores que desenvolveram estudos a partir dele, como Ducrot,
com a teoria polifônica e J. Authier, no estudo da heterogeneidade
enunciativa demonstrada. 1
É preciso deixar claro que sempre há um interlocutor, real ou imaginário,
Como os mecanismos que engendram a heterogeneidade individual ou coletivo. Somente a partir desse quadro figurativo (com
enunciativa demonstrada estudados são a citação, as aspas e o essas duas figuras locutor e alocutário) é que é possível apreender a
metadiscurso do locutor, interessa a esta pesquisa o estudo da situa- língua (Benveniste, 1974): para o locutor, a atividade de referir pelo
ção enunciativa. Segundo Maingueneau (1995), ela envolve as cir- discurso, e para o outro, a possibilidade de co-referir, no consenso
cunstâncias empíricas e, principalmente, os próprios enunciador e co- pragmático que faz de cada locutor um co-locutor (p. 82).
2
Entende-se por arquivo a definição de Maingueneau (1995) como enunci-
enunciador1 , o espaço e o tempo relacionados.
ados pertencentes a um mesmo posicionamento sócio-histórico,
No caso do corpus escolhido, é muito importante que se te- inseparáveis de memória e instituições.
RÉSUMÉ: A partir de la présentation de quelques approches syntaxiques du proccès de la concession, on montre l’importance d’une vision
discursive, en considérant que cette vision éclaire des aspects pas expliqués par la syntaxe et qu’il demontre le rôle des connecteurs concessifs et celui
des adversatifs.
PALAVRAS-CHAVE: argumento; tese; polifonia; “ topos”.
Este trabalho tem como proposta um estudo do processo da Analisando-se o assunto, então, de uma perspectiva discursiva,
concessão e sua relação com os conectores concessivos e adversativos, em primeiro lugar, destaca-se o fato de que o valor de concessão não
sob uma perspectiva discursiva. é veiculado somente por estruturas com conectores que tradicional-
O valor de concessão costuma ser objeto de referência das mente são chamados de concessivos (embora, apesar de, mesmo, ain-
gramáticas, no capítulo dedicado à sintaxe, mais especificamente na da que, mesmo que).
parte em que elas estudam as orações subordinadas adverbiais. A O processo da concessão teve seu enfoque discursivo em des-
abordagem que se encontra é sobre a oração concessiva – “é uma taque, a princípio, em 1976, por intermédio de Oswald Ducrot e Jean
oração que expressa um fato, real ou suposto, que poderia opor-se à Claude Anscombre (1983: 31). Os autores, ao descreverem, em suas
realização de outro fato, principal, porém não frustrará o cumprimen- pesquisas, enunciados do tipo “p mas q”, registraram o valor
to deste” (Rocha Lima, 1986: 248). É o que se pode observar em “Irei concessivo dessa construção. Isso significa que as estruturas com os
vê-la ainda que chova” em que a hipótese apresentada na segunda conectivos adversativos (mas, porém, todavia, contudo, entretanto,
oração não impedirá o propósito manifestado na oração precedente, etc) também veiculam a idéia de concessão.
embora pudesse constituir obstáculo à sua consumação. Imagine-se uma situação em que uma mãe quer convencer a
Uma abordagem semelhante à das gramáticas é a de Adriano da filha de que esta deve distrair-se, ir à praia, e recebe como resposta
Gama Kury, em Novas lições de análise sintática (1987: 92). No uma negativa. O diálogo é mais ou menos este:
capítulo destinado às orações subordinadas adverbiais, ele diz que
as orações concessivas equivalem a um adjunto adverbial e indicam (1) - O dia está lindo. Você deve ir à praia.
que um obstáculo, real ou suposto, não impedirá ou modificará a - O dia está lindo, mas estou com uma enxaqueca terrível.
declaração da oração principal. Um dos exemplos que ele apresenta é [logo não devo ir à praia]
este: “Apesar de estar doente, saiu para o trabalho”.
José Carlos Azeredo, em sua Iniciação à sintaxe do portugu- O que se observa é que a mãe se utilizou do enunciado “O dia
ês (1990: 103-105), trata do valor concessivo, quando estuda o está lindo” como argumento para convencer a filha a ir à praia. O seu
sintagma adverbial do tipo orações adverbiais. Ele distribui os con- argumento, na verdade, conduziu o raciocínio para a conclusão “Você
teúdos expressos pelas adverbiais em cinco grupos, caracterizados deve ir à praia”. A filha, por seu turno, ao repetir-lhe as palavras,
por um sentido genérico fundamental. Os sintagmas adverbiais reconhece o fato de o dia estar lindo (bom motivo para ir à praia), isto
concessivos estão inseridos no grupo que indica idéia de contraste. é, concede-lhe razão, porém dá continuidade ao seu discurso com um
Sobre eles, o autor diz que há um contraste de sentido entre as propo- outro enunciado, introduzido pelo conector mas. Este enunciado fun-
sições, contraste que é estabelecido por meio de conectores. Dentre ciona como argumento para uma outra conclusão, exatamente contrá-
os casos que apresenta, tem-se “Você não deve ir à festa, embora ria à primeira, ou seja, para a conclusão “Não devo ir à praia”.
tenha sido convidado.” O que se tem aqui é o fenômeno da concessão veiculado por
Em Fundamentos de gramática do português (2000: 237), uma estrutura com o conector mas. Por meio do primeiro enunciado
Azeredo, além de ratificar a relação de contraste já registrada em (a primeira oração), concedeu-se razão ao argumento do outro, argu-
1990, diz que concessão é a relação de sentido em que um fato ou idéia mento que defendia a tese “Você deve ir à praia”, no entanto apresen-
é representado como um dado irrelevante para o conteúdo do restan- tou-se um argumento mais forte (segunda oração) em favor da própria
te do enunciado. Concessiva, para ele, é a oração que expressa o dado tese “Não devo ir à praia”.
irrelevante. Em “O lutador derrubou todos os seus adversários, em- Por intermédio desse tipo de construção, tem-se o seguinte:
bora fosse magrinho”, seria irrelevante a constituição física do atleta.
Abordagens como as apresentadas são as mais freqüentes e, a) o primeiro enunciado constitui o argumento mais fraco e vei
por aparecerem em trabalhos de caráter sintático, seu enfoque semân- cula a idéia de concessão;
tico é mínimo, o que explica a presença de termos como “obstáculo”, b) o segundo enunciado, introduzido pelo conector mas, consti
“contraste”, “dado irrelevante” e a ausência de dados que explicitem a tui o argumento mais forte e veicula a idéia de restrição;
verdadeira relação entre as orações (principal e concessiva) e os ter- c) o argumento mais forte é o que prevalece, portanto a orienta
mos “concessivo” ou “concessão”. ção argumentativa do enunciado “O dia está lindo, mas
Uma abordagem discursiva, ao contrário, além ter um alcance estou com uma enxaqueca terrível” é “Não devo ir à praia”,
maior, na medida em que se estende ao nível macroestrutural, cobre vale dizer, o sentido, a direção para a qual o enunciado aponta
essa falha dos enfoques sintáticos. Por meio do estudo do processo é “Não devo ir à praia”.
da concessão sob o ponto de vista argumentativo, entende-se a razão
pela qual as orações se chamam concessivas, fato que facilita sobre- Este exemplo (1) representa um caso concreto de diálogo em
maneira o trabalho do professor e, conseqüentemente, o aprendizado que se concede razão a outra pessoa. A concessão, entretanto, não se
do aluno. dá somente numa situação de interlocução; ela ocorre, por exemplo,
*
Segue-se, aqui, a conduta adotada por Guimarães (1987) no que se refere
à utilização das letras X e Y e sua correspondência com os argumentos.
Tem-se: X mas Y; X embora Y; embora Y, X.
ABSTRACT: Interaction between the segmental and prosodic levels in acquisition of non-lateral consonants of Brazilian Portuguese is discussed.
Evidence is presented for the role of the syllable and of the metric foot in normal and disordered acquisition, as are similarities and differences
between normal and disordered acquisition. Failure to achieve the adequate language-specific constraint ranking is taken as a possible explanation
for phonological delay or disorders.
PALAVRAS-CHAVE: aquisição fonológica; desvios fonológicos evolutivos; líquidas não-laterais; restrições.
ABSTRACT: In this paper, I will address the issue of phonological acquisition by observing portuguese children’s productions when faced with
target structures with alveolar and palatal laterals in non-branching Onset position. The goals of the study are: (i) to identify developmental stages
in the acquisition of place of articulation within this class of segments and (ii) to compare the results obtained for European Portuguese with those
reported for Brasilian Portuguese.
PALAVRAS-CHAVE: Aquisição, Fonologia, Ponto de Articulação, Laterais
1. Introdução e definição do problema. Nos trabalhos sobre a ramificado é o único em que ambas as laterais fonológicas /l, ´/ ocor-
aquisição da estrutura interna dos segmentos que adoptam um modelo rem, centrar-nos-emos no tratamento que as crianças fazem destes
representacional com hierarquização de traços distintivos, como é o dois segmentos nesta posição silábica, no percurso da aquisição.
da Geometria de Traços (Clements 1985, Sagey 1986 e Clements & Segundo Hernandorena 1990 e 1999, a estabilização de /l/ pre-
Hume 1995), as duas questões que se colocam são: (i) qual a estrutura cede a de /´ /, sendo a palatal um dos segmentos de estabilização mais
interna dos segmentos nas diferentes fases de desenvolvimento? (ii) tardia no PB. Hernandorena 1999 define as estratégias de reconstru-
qual a ordem de aquisição dos diferentes traços ou grupos de traços? ção mais frequentes face a alvos com a lateral /´/:
No que diz respeito à aquisição das laterais, sabemos da literatura
que estas não se encontram representadas no inventário segmental
universal, não surgem nas primeiras produções das crianças e, em
conjunto com as vibrantes, são normalmente referidas como um dos
grupos consonânticos mais problemáticos na aquisição. A sua é
aquisição tardia e depende dos constituintes silábicos que as dominam
mas pouco é dito sobre a discriminação de pontos de articulação
dentro da classe, uma vez que muitos inventários segmentais A aparente semelhança entre os alvos em foco no PE e no PB
contemplam apenas a lateral /l/ (cf. Ingram 1992, Rice & Avery 1995). (/l, ´/ em Ataque não ramificado) levar-nos-ia a prever um comporta-
Assumindo que as crianças adquirem uma língua formulando mento semelhante por parte das crianças portuguesas. Tal não se
hipóteses sobre o funcionamento das várias estruturas que a constituem, verifica: nesta posição silábica, a emergência e a estabilização de /l, ´/
à partida, estruturas idênticas nos sistemas-alvo são submetidas aos no PE faz-se em simultâneo. As crianças portuguesas passam por um
mesmos processos. Neste sentido, sabendo que tanto o Português longo período de não diferenciação entre os dois segmentos, após o
Europeu (PE) como o Português do Brasil (PB) possuem as laterais que a discriminação é feita e os segmentos são produzidos em confor-
/l,´/ no seu inventários segmental, esperar-se-ia que as crianças midade com o sistema-alvo:
portuguesas e as brasileiras revelassem o mesmo comportamento face (3) Luís ler ['´e] (1;9.29)
a estas estruturas-alvo. Como se verá, tal não acontece. Assim, o leite ['let®] (1;9.29)
problema que colocamos nesta comunicação é o seguinte: perante um palhaço [p'lasu] (2;0.27)
inventário fonológico aparentemente idêntico (as laterais fonológicas
flores [f®'´oRZ] (2;0.27)
/l, ´/), por que razão a aquisição destes segmentos revela padrões
olho ['´u] (2;11.2)
parcialmente distintos nas crianças brasileiras e nas crianças
lâmpada ['lâpd] (2;11.2)
portuguesas?
Nesta comunicação, discutiremos este comportamento
verbal diferenciado das crianças portuguesas e brasileiras1 tendo em A tipologia de estratégias de reconstrução apresentada por
conta (i) a interferência de propriedades fonológicas do input na Hernandorena 1999 só parcialmente é usada no PE:
ordem de aquisição das estruturas e (ii) a capacidade que as crianças
demonstram em discriminar diferentes configurações fonológicas de
alvos aparentemente semelhantes.
1
A descrição do PE será feita com base num corpus com produções de 7
crianças portuguesas monolingues, com idades entre os 0;10 e os 3;7. A
2. Descrição dos dados. No Português, os segmentos laterais surgem
recolha dos dados foi de base naturalista, e decorreu em casa da criança,
nas seguintes posições silábicas: em sessões mensais durante 1 ano (o João foi acompanhado durante 2
anos), com durações entre os 30 e os 60 minutos. Estavam presentes, na
gravação, a mãe e a investigadora. Foram usados como estímulos os
objectos do quotidiano da criança (livros, brinquedos e utensílios domés-
ticos), integrados nas situações de brincadeira, de banho e de refeição. A
estrutura da recolha é longitudinal transversal.A base de dados que inte-
gra as produções das crianças foi constituída no formato CHILDPHON,
uma aplicação do 4th Dimension para Macintosh, desenvolvida no Max
Com se verifica em (1), a distribuição das laterais no PE e no PB
Planck Institut for Psycholinguistics, usada em Fikkert (1994) e em Levelt
é idêntica em Ataque; a diferença reside no formato da lateral /l/ na (1994). A referência aos dados do PB terá na base as descrições de
Rima: é [Â] em PE e [w] em PB. Dado que o constituinte Ataque não Hernandorena 1990, 1995 e 1999.
ABSTRACT: This paper analyses the functioning of liquids in the process of acquisition of Brazilian Portuguese (BP) and of European Portuguese(EP);
it shows a different order of emergency of these consonants in BP and EP, attributed to segmental constraints, but it concludes that all children,
acquiring this class of segments, present identical strategies and stages.
PALAVRAS-CHAVE:aquisição da fonologia, consoantes líquidas, Português Brasileiro e Português Europeu
Como segmentos marcados e de pouca freqüência nas línguas das líquidas em Ataque silábico simples evidenciam a tendência, na
do mundo (Maddieson, 1984), as consoantes líquidas emergem em aquisição do PB, ao ordenamento mostrado em (1) (Hernandorena,
estágios mais avançados do processo de aquisição das línguas – pes- 1990; Lamprecht, 1990; Miranda, 1996; Azambuja, 1997; Rangel,
quisas referentes ao processo de aquisição da fonologia de diferentes 1998).
línguas têm referido tal fato; são exemplos os estudos de Ingram (1989) (1) PB: [l]> [{]> [´] > [r]
sobre o Inglês, de Fikkert (1994) sobre o Holandês, de Freitas (1997) Diferentemente, o estudo sobre a aquisição do PE mostra a ten-
sobre o Português Europeu, de Hernandorena (1990) e de Lamprecht dência a outro ordenamento, como se vê em (2) (Freitas, 1997).
(1990) sobre o Português Brasileiro. Centrado no processo de aquisi- (2) PE: [l] / [´] > [{]> [r]
ção dessa classe de consoantes, o presente trabalho apresenta consi- Cabe questionar-se por que há uma hierarquia na emergência
derações sobre (a) a emergência das líquidas no processo de aquisição dessa classe de consoantes e por que crianças brasileiras e portuguesas
tanto do Português Europeu (PE) como do Português Brasileiro (PB), mostram hierarquias diferentes nesse processo
(b) a relação dessa emergência com a estrutura interna que caracteriza desenvolvimental.Tomando-se as líquidas em um mesmo constituinte
os segmentos dessa classe fonológica, (c) a relação da emergência das silábico – Ataque simples –, a investigação tem de ser direcionada a
líquidas com dois constituintes prosódicos: a sílaba e o pé métrico, (d) unidades fonológicas menores: a traços distintivos que integram a estru-
os estágios de desenvolvimento no processo de aquisição dessas con- tura interna que caracteriza cada segmento. É a organização dos traços
soantes no PB e no PE e (e) algumas semelhanças e diferenças no que constituem os segmentos que também poderá explicar por que
funcionamento das líquidas na aquisição do PB e do PE. determinados sons e não outros são empregados em lugar das consoan-
Para este trabalho foram usados dois corpora: o primeiro foi tes líquidas-alvo, durante as etapas do desenvolvimento fonológico.
formado por dados de 72 crianças em fase de aquisição do PB, com Constituindo Ataque simples na estrutura silábica, as quatro
idade entre 1:3 e 2:5 (anos: meses, dias), constituindo um corpus de líquidas do sistema-alvo das crianças aqui acompanhadas, até a sua
corte transversal, que integra o Banco de Dados AQUIFONO, forma- emergência e estabilização, ou não foram produzidas, ou tiveram outros
do junto aos Cursos de Pós-Graduação em Letras da UCPEL e da segmentos empregados em seu lugar. Na Tabela 1 tem-se o registro
PUCRS, no sul do Rio Grande do Sul, refletindo, portanto, a varieda- desse emprego variável.
de lingüística dessa região do Brasil; o segundo foi constituído
pelo conjunto de dados apresentado na Tese de Doutoramento
de Freitas (1997), que analisa 7 crianças em fase de aquisição
do PE, com idade entre 1:0 e 3:0, aproximadamente, acompa-
nhadas longitudinalmente durante cerca de 10 sessões.
As duas laterais e as duas róticas do Português mos-
tram algumas características semelhantes e outras diferentes
no processo de aquisição do PE e do PB. As semelhanças
podem ser resumidas em dois pontos basilares: (a) apresen-
tam estágios desenvolvimentais e (b) sofrem influência de
constituintes prosódicos, como a sílaba e o pé métrico. O que os dados da Tabela 1 mostram é que, até o seu emprego
Quanto à influência de constituintes prosódicos na aquisição adequado em Ataque simples, as líquidas apresentam comportamento
das líquidas, todos as pesquisas, tanto sobre a aquisição de PB como semelhante em crianças brasileiras e portuguesas em fase de aquisição
de PE, apontam, incontestavelmente, para a influência direta da sílaba da fonologia, respeitadas as diferenças individuais. As semelhanças
no ordenamento no processo de aquisição: dependendo do constituin- verificadas no funcionamento dessa classe de consoantes no processo
te silábico que integram, as líquidas emergem em estágios diferentes – de aquisição podem ser resumidas em generalizações conforme aparece
primeiro na posição de Ataque simples, depois como Coda e, por fim, em (3).
constituindo Ataque complexo. (3)
Também as líquidas são adquiridas em etapas diferenciadas do (a) todas as consoantes líquidas podem deixar de ser produzidas,
desenvolvimento fonológico, tanto em crianças falantes de PB como o que gera, como conseqüência, um Ataque foneticamente vazio;
em crianças falantes de PE; nesse ponto, no entanto, já pode ser (b) todas as consoantes líquidas podem ter o emprego do glide
identificada também uma diferença – os estudos sobre a emergência [j] em seu lugar;
ABSTRACT: This paper presents some points of view relating to the phonological representation of rhotic consonants in the Iberian languages,
exposes the results of a research that has investigated the acquisition of these consonants by Brazilian children and brings evidences which can
contribute to the definition of the phonemic status of rhotics in the language system.
PALAVRAS-CHAVE: aquisição de linguagem; fonologia; consoantes róticas
Este estudo recupera a discussão sobre o status fonêmico das Para o autor, o ‘r-fraco’ seria uma variante enfraquecida do ‘r-forte’
consoantes róticas a partir de um olhar sobre as produções infantis de à semelhança do que ocorreu na diacronia quando consoantes simples
crianças brasileiras. Após a apresentação da distribuição dessas con- se tornaram fracas em posição intervocálica.
soantes no sistema da língua, será discutido o problema da sua repre- Wetzels (1995) defende a posição que originalmente foi de
sentação e as principais propostas sobre o assunto encontradas na Câmara Jr.. Segundo ele, seria mais simples para a teoria a afirmação
literatura sobre a fonologia do português e do espanhol. A seguir, os de que no PB há a integração dos ‘r’s na matriz fonológica, sendo que
dados estudados por Miranda (1996)1 fornecerão evidências que con- no léxico está presente o ‘r-forte’. Considerando que o ‘r-forte’ ocor-
tribuem para a definição da representação das róticas no sistema re em todas as posições, menos em ataque complexo, o lingüista
fonológico das crianças. sustenta sua hipótese postulando a necessidade de apenas duas re-
São chamados róticos, todos os sons de ‘r’ que, por terem gras, uma para explicar o ‘r’ de seqüências tautossilábicas e outra para
similaridades acústicas e padrão fonológico comuns com as laterais, dar conta do ‘r-fraco’ intervocálico.
constituem com elas a classe das líquidas. Foneticamente os sons
róticos manifestam-se com grande variedade, tanto no ponto como no
modo de articulação. No português do Brasil, constata-se a mudança
de ponto de articulação que resulta na posteriorização, fazendo com
que o ‘r-forte’ deixe de ser produzido como alveolar e passe a velar. A
posteriorização, conseqüência do enfraquecimento da pronúncia, cau-
sa também mudança de modo de articulação, fazendo com que a vi- A regra 1 diz que ‘r-forte’ passa para ‘r-fraco’ quando for o caso
brante passe a ser produzida como uma fricativa (Malmberg, 1954). de ataque complexo, como em ‘prato’ e ‘cobra’, por exemplo. A regra 2
No caso dos dados de aquisição examinados, a produção esperada de explica a única posição em que há contraste no português; segundo ela, o
‘r-forte’ foi sempre a de uma fricativa velar, pronúncia característica ‘r-forte’ passa para ‘r-fraco’ quando estiver entre vogais. Por essa análi-
da região de coleta dos dados. se, a forma subjacente de ‘caro’ é /kaRo/ e a de ‘carro’ é /kaRRo/, e, pela
regra 2, no primeiro caso, o ‘r’ enfraquece; no segundo, por ser uma
Tanto no português como no espanhol são encontrados con-
geminada, o ‘r’ torna-se [R] na forma fonética.
trastes entre o ‘r-forte’ e o ‘r-fraco’2 . Levando-se em conta a posição
na sílaba, a distribuição no português mostra que:
PROPOSTA 2 - há apenas um ‘r’ na subjacência e esse ‘r’ é
a) em posição de ataque, início de palavra, só encontramos o
um ‘r-fraco’
[R], como em ‘rato’;
b) em posição de coda [r] e [R] são alofones, como na pronún-
Essa posição é defendida por López (1985), Harris (1983),
cia carioca e na gaúcha - ma[R] e ma[r], po[R]ta e po[r]ta, respectiva- Monaretto (1994) e Mateus e Andrade (2000). Para Harris, duas
mente; regras explicam o que acontece com o ‘r’ no sistema:
c) em posição de ataque, dentro da palavra, [r] e [R] são
contrastivos intervocalicamente, como em ‘ca[r]o’ e ‘ca[R]o’;
d) em posição de ataque, seguindo sibilantes /S/ ou soantes /l/ e
/N/, só é possível [R], como em ‘is[R]ael’, ‘en[R]olar’ e ‘guel[R]a’;
e) depois de obstruintes tautossilábicas, só encontramos o [r], A regra 1 é a regra de reforçamento que explica a presença de
como em ‘p[r]ato’e ‘ped[r]a. [R] em início de palavra (‘rosa’). A regra 2 expressa a passagem da
forma subjacente /r/ para a forma fonética [R] dentro da palavra,
Conforme pode-se observar, r-forte’ e ‘r-fraco’ contrastam quando o /r/ do ataque vier seguindo uma sílaba pesada (‘israel’). Nos
unicamente em ambiente intervocálico. A assimetria no comporta- contextos intervocálicos, onde há contraste entre fraco e forte, o autor
mento desses segmentos é o fato gerador da discussão a respeito da afirma que a distintividade deriva de uma geminada heterossilábica
existência fonêmica de uma ou duas róticas no português e também em (‘carro’® /kar-ro/).
outras línguas ibéricas. Dessa controvérsia surgem três propostas
diferentes, atendendo às três possibilidades lógicas:
PROPOSTA 1 - há apenas um ‘r’ na subjacência e esse ‘r’ é
um ‘r-forte’ 1 Trabalho realizado a partir do banco de dados AQUIFONO, criado
pelas pesquisadoras Regina Lamprecht (PUCRS) e Carmen Matzenauer
Hernandorena (UCPel).
Em 1953, Câmara Jr. levantou a tese de que no PB só existe 2 r-forte(trill) e r-fraco(tap) estão sendo representados nesse trabalho
um fonema vibrante na subjacência, que seria, segundo ele, o ‘r-forte’. por [R] e [r], respectivamente.
Escala de Soância
Obstruintes < fricativas e /R/ < nasais < laterais < glides e /r/ <
vogais
Deste modo, o ‘r-fraco’, assim como o glide e a lateral, possui Em relação ao ‘r-fraco’, a posição de coda final, conforme pode-
um maior índice de soância e, por isso, pode ocupar o lugar de segundo se ver no gráfico, é aquela em que primeiro o ‘r’ passa a ser produzido
elemento do ataque, enquanto o ‘r-forte’, assim como as plosivas e as pelas crianças, mantendo-se com o maior índice em praticamente to-
fricativas, ocorre como elemento único do ataque. dos os grupos etários. Já a posição de coda medial é uma das últimas
O Ciclo de Soância, em conjunto com a reformulação da Esca- a serem adquiridas (cf. Hernandorena,1990; Freitas, 1997; Rangel,
la de Soância proposta por Bonet & Mascaró, explicam a distribuição 1998; Mezzomo, 1999).
de ‘r-forte’ em casos de ataque simples de início de palavra (‘rato’ e
A produção de ‘r-fraco’ em ataque simples, posição conside-
‘relógio’) e de ataque de início de sílaba seguindo rima ramificada
rada como das primeiras a serem preenchidas durante a aquisição,
(‘guelra’ e ‘israel’). Explicam, também, a presença de ‘r-fraco’ em
atinge um índice maior do que 80% para a produção de ‘r’ somente no
coda (‘mar’ e ‘porta’) e como segundo elemento do ataque (’preto’ e
GRUPO 4, enquanto a produção de ‘r-forte’ supera esse índice nos
‘cobra’). Segundo essa explicação, falta ainda dar conta dos casos em
dados das crianças do GRUPO 2. A diferença cronológica entre a
que há contraste, ou seja, aqueles casos de posição intervocálica em
produção das róticas na mesma posição silábica é de 1 ano e 4 meses.
que /r/ e /R/ são distintivos (‘muro’ e ‘murro’). Os autores, a partir da
Essa comparação é importante, uma vez que é nessa posição, dentro
falta de unanimidade encontrada na literatura no que diz respeito aos
da palavra, que reside o poder distintivo desses segmentos (‘caro’ v
traços fonológicos caracterizadores das róticas, propõem a existência
de um traço [a] ligado a essas consoantes. Subjacentemente o ‘r-forte’ ‘carro’, ‘foro’ v ‘forro’, ‘era’ v ‘erra’).
possui o valor não marcado para [a], enquanto o ‘r-fraco’ possui o Quanto às substituições encontradas nos dados, vale salientar
valor marcado [+a]. Por essa abordagem existe uma diferença aspectos referentes à natureza dos segmentos que podem ser produ-
representacional entre o ‘r-fraco’ e o ‘r-forte’, que pode ser assim zidos ao invés de ‘r-fraco’ e ‘r-forte’. Onde se produz ‘r-fraco’ na
expressa: fala adulta, encontra-se, basicamente, consoante lateral anterior e, no
lugar de ‘r-forte’, são encontrados vários casos de produção de conso-
antes plosivas.
ABSTRACT:This paper focuses on analytical difficulties within Genre Analysis, discussing examples including the semi-academic article, software
ads, letters of complaint and detective story blurbs, in both English and Portuguese, from research at UFF. The need to adapt analytical tools in
order to account for possible rhetorical tensions is highlighted.
PALAVRAS-CHAVE: Análise de Gênero; Tensões Retóricas
I. Introdução
a mapear também elementos externos ao gênero, como por exemplo o
O entendimento textual a partir do conceito de gênero não é
contexto e o co-texto. Em resumo, os enfoques e tratamentos genéricos
algo recente. A maioria dos trabalhos sobre gênero começam,
podem ser resumidos em dois grande blocos, o dos textualistas e o dos
invariavelmente, atribuindo a paternidade do enfoque genérico a
contextualistas (ver Stainton, 1987).
Aristóteles. Este trabalho não é diferente: começamos também citando
A decisão de se fazer Análise de Gênero é uma alternativa
Aristóteles e sua divisão de formas genéricas em épico, lírico e
atraente de pesquisa em comparação às posições metodológicas da
dramático. Citamos, também , Frye (1965), segundo quem todo o
pesquisa lingüística tradicional. De acordo com Potter (1997: 146),
arcabouço de gêneros literários do século 20 foi construído a partir
por exemplo, trabalhar com o conceito de gênero “…é um compromisso
desse tripé.
analítico de estudar o discurso sob forma de texto e a conversa
Distante da abordagem literária, nos últimos 20 anos aconteceu
dentro das práticas sociais…o enfoque não é na língua enquanto
o que se rotula de genre revival, através do ressurgimento do interesse
entidade abstrata, mas enquanto meio de interação e de ação dos
acadêmico sobre os gêneros não ficcionais. Como todo ressurgimento,
participantes”. Através da Análise de Gêneros, garante Titcher (2000:
este vem acompanhado de controvérsias e áreas nevrálgicas, de 05), os textos não são vistos isoladamente, mas como parte de um co-
multiplicidade de termos para um mesmo conceito e vice-versa. texto lingüístico e de um contexto social. As metodologias analíticas,
Quanto à multiplicidade de termos pelos quais o conceito de por sua vez, não são atos isolados de interpretação, mas estão sempre
gênero pode ser conhecido, podemos citar texto, modo, registro, sub- relacionadas a pressupostos teóricos. Segundo o mesmo autor (op.cit:
gênero, discurso, gênero discursivo, gênero textual (cf. Martin, 2000). 6) um procedimento analítico fundamentado em pressuposto teórico
As definições de gênero vão desde gênero como artefato cultural pode, como o fio de Ariadne, garantir ao pesquisador uma viagem de
(Kent, 1985); gênero como processo social com objetivos específicos descoberta e uma volta segura ao ponto de partida.
(Martin 1986) e gênero como forma típica reconhecida pela sociedade1
(Dudley-Evans, 1987). Martin, mais recentemente, diz, de forma II. As pesquisas sobre gênero realizadas na UFF: uma
bem simples: amostragem
A motivação inicial para o desenvolvimento de um grupo de
Em sua forma mais simples Gênero significa uma espécie de pesquisa em gênero na UFF originou-se, indiretamente, em Shepherd
alguma coisa; e todos nós fazemos uso desta noção todas às (1992). O autor necessitava achar um arcabouço teórico abrangente
vezes que vamos a livraria comprar um livro (de crime, fantasia, para melhorar a compreensão de leitura de professores de inglês do
ficção científica…) ou à loja de vídeos e encontramos a setor público no Paraná. Optou por replicar Edge (1986) ao usar os
prateleira com o rótulo que procuramos (drama, ação, macropadrões populares sugeridos por Hoey (1997 e 2001), que são
comédia). Na gramática sistêmica, gêneros são interpretados atrelados a alguns gêneros específicos. Foram analisados 19 artigos da
sob uma perspectiva semântica como conjuntos de significados, revista English Teaching Forum, apontada pela população-alvo da
e as diferentes culturas podem ser interpretadas como sistemas pesquisa como sua única leitura profissional. Três macropadrões deram
de gêneros. Por conseguinte não existe significado fora dos conta, de uma maneira relativamente simples, da organização global
gêneros. (Martin, 2000)2 da informação nesses textos.
Para exemplificar, em Ndoma, abaixo, o título e parágrafos
Todas as definições acima reconhecem o gênero como um refletem as seções canônicas do macropadrão ‘Situação-Problema-
construto social. Há, entretanto, teóricos que consideram gênero Resposta-Avaliação’, formato este que organiza os textos da revista,
como uma abstração psicológica (Olson et al., 1981) e Schmidt (1987). e que não deriva de nenhuma imposição/sugestão editorial.
Quanto à extensão do conceito de gênero, há teóricos que vêm A partir deste trabalho inicial, pesquisas de mestrado por nós
gênero como um conjunto de convenções inerentes ao objeto a ser orientadas nos últimos 5 anos2 , sobre textos contemporâneos
descrito, como por exemplo Hoey (2001: 13). Há outros que vêm publicados em inglês e português, se propuseram a:
gênero como um conjunto de estratégias do escritor em sua tentativa
de atingir um objetivo e uma audiência específica, como Swales
(1990:27). Há outros, ainda, que vêm gênero como elo de ligação 1
Todos as traduções dos originais em língua inglesa são nossas.
entre produtores de texto e consumidores. Para Hodge e Kress (1988:
2
As pesquisas citadas refletem também o interesse de professores de
7), por exemplo, os gêneros são formas típicas que ligam produtores, língua inglesa em analisar gêneros talvez, porque esta alternativa oferece
uma base teórica para a adoção das várias normas do enfoque comunica-
consumidores, tópicos, meios, maneira e ocasião e que controlam o
tivo, ou as palavras pedagógicas em voga, como autenticidade, função
comportamento dos produtores e as expectativas dos consumidores comunicativa, realidade. Meurer (2000) já mostrou a importância do
em potencial. Os teóricos da Escola de Sidney, por outro lado, tendem conhecimento de gêneros para a formação do profissional da linguagem.
ABSTRACT: In this paper we propose to examine certain aspects of the construction of the discoursive genre of the medical inserts which accompany
medicine sold in Brazilian drugstores. The discoursal hybridity of the genre reflects attempts of interaction with different discoursive communities
and, although legally controlled, the texts are not entirely socially sanctioned.
PALAVRAS-CHAVE: gênero discursivo, bulas de remédios
A portaria Nº 110/97 da Vigilância Sanitária é, entre outros, um Eventos discursivos específicos variam em sua determinação
dos principais dispositivos de controle associados à elaboração e estrutural de acordo com o domínio social específico ou infraestrutura
veiculação das bulas em nosso país. Segundo este documento, as bulas institucional nos quais são gerados (Fairclough 1992). Nesta ótica, a
devem conter, na ordem em que se apresentam abaixo, as seguintes análise da seção Informações ao paciente das bulas analisadas revela
informações (cf. Santos, 1999): as contradições entre a prática discursiva legalmente imposta e a es-
trutura sócio-cultural em que está inserida. Conforme indicam as aná-
I- Identificação do Produto lises da estrutura lingüística e da identidade do paciente já realizadas
Este item deve conter: informações sobre o nome do produto, nome (cf. Carvalho et al., 1999, 2000), o modelo de leitor que se depreende
genérico, composição do produto e, em destaque, a indicação se de da estrutura textual desta seção é um brasileiro com alto grau de
uso pediátrico ou adulto. escolarização, com domínio do português formal escrito e conhecedor
de terminologia médico-farmacêutica. Algumas marcas lingüísticas
II- Informação ao Paciente analisadas a seguir ilustram o argumento.
Também obrigatória, esta parte do texto deve ser escrita em
linguagem de fácil compreensão para o consumidor em geral. Devem (1) X não deve ser usado por pacientes hipersensíveis à
estar presentes informações acerca da ação esperada do medicamento, nifedipina ou por aqueles com angina instável ou que tenham tido
cuidados de armazenamento, prazo de validade, cuidados na gravidez infarto do miocárdio recentemente ou choque cardiovascular. Paci-
e amamentação, cuidados na administração do medicamento, reações entes com pressão arterial muito baixa ou com insuficiência cardíaca
adversas, ingestão concomitante com outras substâncias, contra-indi- ou com estenose aórtica grave devem receber cuidados especiais. Em
cações e precauções. Devem também aparecer algumas frases obriga- pacientes com alteração da função hepática, pode ser necessário re-
tórias, tais como: TODO MEDICAMENTO DEVE SER MANTI- duzir-se a dose.
DO FORA DO ALCANCE DAS CRIANÇAS; NÃO TOME RE-
MÉDIO SEM O CONHECIMENTO DO SEU MÉDICO, etc. Observe-se que a complexidade do exemplo acima não se dá
apenas no nível lexical, mas também no nível sintático. Para qualificar
III- Informação Técnica o agente da passiva de X não deve ser usado por ..., o laboratório se
Este item deve conter informações acerca das características utiliza de uma seqüência de orações coordenadas pela conjunção ou,
químicas e farmacológicas, indicações, contra-indicações, precauções recurso que aumenta a dificuldade de processamento do texto. A mes-
e advertências, interações medicamentosas, reações adversas, posologia, ma estratégia é utilizada no segundo período.
superdosagem, conduta nas reações adversas graves, advertências so-
bre o uso do medicamento em pacientes idosos, etc.
ABSTRACT: The present article offers a discussion on the analytical category of genre, through the analysis of a sample of twenty articles published
in the field of literary research in English. It draws on studies by Hunston (1989; 1994) and Martin (1992), within the theoretical framework of
systemic functional linguistics.
PALAVRAS-CHAVE: gênero - discurso disciplinar - prosa sobre a literatura
Insiste-se muito no problema da unidade do discurso da crí- 3 - A prosa sobre a literatura sob uma perspectiva genérica
tica literária, que apresenta uma multiplicidade de manifestações. De “formal”
fato, este discurso tem sido pouco estudado sob o ponto de vista
lingüístico/discursivo, freqüentemente sob a alegação de que a prosa Prosseguindo em nosso percurso, passamos à análise
acadêmica nesta área inscreve-se numa tradição de estudos “ensaísticos” empírica dos artigos da amostra e ocupamo-nos dos modos de orga-
que, em princípio, não admitiria aproximação a partir dos modelos nização daqueles textos. Quando nos ocupamos dos modos de orga-
usados no estudo das convenções do discurso acadêmico. Parte do nização dos artigos da amostra, estamos adotando uma outra unida-
argumento aqui apresentado é o de que a categoria de gênero textual de de análise (o texto) e buscando responder às seguintes questões:
permite lidar, em parte, com a heterogeneidade de manifestações como se inicia, se desenvolve e se acaba o artigo? Há marcas
discursivas da prosa sobre a literatura. Esta categoria analítica permite lexicogramaticais que permitem identificar fronteiras entre segmen-
um recorte no discurso da crítica literária, ao viabilizar a identificação tos textuais? Há estruturas discursivas (narrativas, descritivas,
de diferentes formas de intervenção crítica, como o manifesto literá- expositivo/argumentativas) que se associam mais facilmente a este
rio, a resenha literária acadêmica, o ensaio, o artigo acadêmico pu- gênero textual?
blicado em periódicos especializados, o artigo de divulgação publica- As perguntas levantadas remetem a critérios de diferentes
do em páginas literárias de veículos de grande circulação, dentre ou- ordens e a diferentes níveis de análise. A pergunta sobre como se
tros. Uma pergunta que emerge imediatamente aqui é a seguinte: o que inicia, se desenvolve e se conclui o artigo associa-se à noção de função/
significa gênero textual nesta etapa de análise? Que perspectiva relação de Nichols, que diz respeito à “contribuição de um elemento
metodológica é adotada para diferenciar estes diferentes tipos de in- estrutural a uma unidade de nível superior”. Este é o sentido de função
tervenção crítica? implícito em Martin (1992), quando o autor propõe a noção de estru-
Nesta etapa da análise, as diferentes formas de intervenção tura esquemática como instrumento na caracterização de gêneros tex-
crítica são identificadas a partir de uma base funcional tomada a priori. tuais: a estrutura esquemática é uma descrição dos elementos estrutu-
Ou seja, nossas próprias intuições, baseadas em conhecimento de rais de um gênero. Ao relacionarmos a estrutura esquemática de Martin
ABSTRACT: This paper discusses, from the perspective of the mental spaces theory, the process that subjetcs import voices from other subjetcs, across
cognitive domains and mental spaces in the blending space. The relevant context of interpretation is a persona-bound (face-to-face) interaction
work, embedded space within which the reality is constructed.
PALAVRAS-CHAVE: Mesclagem de vozes, perspectiva, modos de discurso, trabalho de face.
RÉSUMÉ. Ce travail présente quelques remarques sur le processus de qualification que nous avons analysé sur le corpus constitué de rédactions
scolaires, en y appliquant la semiolinguistique de Patrick Charaudeau (1992). Les résultats indiquent des aspects de l´identité de l’ennonciateur,
aux niveaux gramatical, semantique et pragmatique. Pour cela, nous avons le but d’interpréter les donnés recueillis des analyses de textes narrartifs
produits par des élèves de l’enseignement fondamental
PALAVRAS-CHAVE. Discurso; identidade; gramática; produção de texto.
Em minha apresentação retomo a problemática da aprendiza- estratégicas) que minimizem as dificuldades do ensino-aprendizagem
gem da escrita, citando três testemunhos de pesquisadores que tratam da redação. Sobre a questão: Como tornar os textos mais discursivos?
de aspectos da questão e a seguir mostro alguns resultados – os mais a autora justifica s sua pesquisa: Contrariamente aos avanços
relevantes – da pesquisa sobre qualificação e identidade em que busco tecnológicos que espetacularizam a comunicação humana, ainda nos
a relação entre gramática e discurso, através da interpretação dos dados vemos diante de uma clientela escolar imersa num mar de dificuldades
obtidos na análise do processo de qualificação em textos narrativos, que lhe impede a produção... “( Simões, 1999: 90)
produzidos, em sala de aula, por alunos do ensino fundamental. A O centro do problema é o fazer discursivo. Por isso mesmo,
partir dos dados quantitativos e qualitativos verifico a hipótese de que buscando preservar as condições do direito à fala, que Charaudeau (1996)
a identidade escolar do aluno/autor é marcada por padrões lingüísticos fundamenta no reconhecimento do saber, do poder e do saber fazer, não
que podem estar interferindo na discursividade. A base teórica adotada
podemos deixar de tratar a questão dialógica e a questão da produção
é a semioling|üística de Patrick Charaudeau (1992).
Um aspecto da enunciação que é salientado na teoria é o de que de sentidos que são oriundos das relações de poder observadas nas
para haver intencionalidade (cada parceiro deve ter um propósito para práticas comunicativas dos interlocutores. Estes são atores sociais, su-
que a comunicação se efetive) é condição básica a aceitação mútua, por jeitos marcados pelos modos de controle institucionais.
parte dos sujeitos participantes, dos papéis de parceiros do intercâm- A complexidade do discurso envolve problemas de construção
bio de mensagens. Charaudeau (1992) observa que é necessário que se do sentido no circuito das interferências mútuas e dinâmicas dos ele-
efetive um contrato de discurso: cada um dos sujeitos (comunicante e mentos situacionais e lingüísticos. Estes aspectos combinados coope-
interpretante), externos ao texto, tem o que dizer e quer dizer. Na reda- ram na diversidade de textos em que cada elemento, por menor que seja,
ção escolar esse contrato de discurso apresenta desvios decorrentes de integra-se a um todo sistematizado, orquestrado pelo propósito
um desacordo nessa instância: o aluno recebe a proposta de exercício de discursivo. Esse quadro delimita a problemática das análises de reda-
redação para a qual não tem propósito definido e o professor se investe
ções escolares em nossa pesquisa.
do papel de leitor institucionalizado. A situação de produção de sentido
atribui aos sujeitos comunicante e interpretante papéis não assumidos Estou me referindo a um aspecto minimizado da produção de
espontaneamente o que interfere na discursividade. sentido quando se tratam as questões sobre a discursividade. Em artigo
Outro aspecto do ato de produzir redações escolares que de- intitulado Criatividade e Gramática, Carlos Franchi (1987) critica, entre
corre do próprio ato da interlocução, baseada no contrato de discurso, outros aspectos, a inadequação dos métodos de ensino da gramática;
que pressupõe o postulado da intencionalidade é o fato de que simulta- o fato de que essa gramática não é relacionada a um melhor entendi-
neamente à troca de signos, os sujeitos, externos ao texto, se empenham, mento dos processos de produção e compreensão de textos. Sugere
em graus variados de esforço, em desfazer mal-entendidos na medida algumas práticas de sala de aula para o que ele considera criatividade e
em que um e outro não reconhece seus propósitos comunicativos na assim a define como processo de construção conduzido pelo próprio
fala do interlocutor. Na redação escolar encontram-se diversos sinais
sujeito no domínio da gramática mesmo que esta atividade tenha suas
desse esforço para prevenir o mal-entendido do leitor/professor na
restrições de regras e princípios. Franchi (1987:42) destaca a necessi-
manifestação da identidade do sujeito enunciador no interior do texto.
Dois desses sinais tornaram-se evidentes nas análises feitas: o primeiro dade de se incluir no comportamento criativo a questão central da gra-
é o permanente ajuste da gramática às normas prescritas em sala de aula; mática: as condições lingüísticas da significação. Deixa implícita a no-
o outro, decorrente desse, é a baixa diversidade de uso de recursos que ção de discurso quando reafirma que o falante deve ter sempre em
dêem força ilocucionária ao texto. Enfim, falta às condições de produ- mente a questão fundamental da significação: não somente no sentido de
ção de sentido do texto escolar, portanto à possibilidade da discursividade representação do mundo, mas no sentido também de uma ação pela
e às escolhas linguageiras, o postulado da intencionalidade. linguagem sobre os interlocutores.
Pesquisas nesse âmbito têm buscado e testado soluções. Em Chegamos, afinal, ao ponto de definir as duas idéias que norteiam
trabalho recente, Simões Conceição (2000) expõe sua experiência com esta apresentação:
atividades de reescrita de redações de alunos do terceiro grau (!!!) em
a) a redação escolar permanece uma atividade pouco eficiente
busca da reconstrução da discursividade em textos que , segundo ela
constatou são: pobres de significados, repetitivas e repletas de quanto aos
estereótipos o que as tonam cansativas e chatas de serem lidas. (Simões propósitos de discursividade;
Conceição, 2000: 110). São constatações que se perpetuam em todos b) a consciência dos efeitos discursivos da gramática é tão rele-
os níveis de escolaridade. vante para a eficiência dos exercícios de redação escolar quanto o conhe-
Em trabalho recente, Simões (1999) propõe que se recorra à cimento dos mecanismos discursivos que influenciam na organização
ciência semiótica com vistas a formular propostas metodológicas (ou do texto enquanto manifestação de discurso.
1 Conto, nesta pesquisa, com a participação de duas Constatamos a tendência à visão objetiva, no texto narrativo, o
Bolsistas de Iniciação Científica da UERJ.
RESUMÉ: Discussion sur l’ampliation de l’objet de la Linguistique causée par l’ inclusion des phénomènes discursifs dans son champ et sur la
délimitation et la spécificité de celui-ci aujourd’hui.
PALAVRAS-CHAVE: objeto da Lingüística; delimitação e especificidade da Lingüística.
RÉSUMÉ: Le présent travail présente une analyse réalisée dans une perspective d’analyse du discours de la ligne française, des formations
discursives propes au mouvement anarchiste international, montrant que la discursivité opére en produi sant des sens propres á l’anarchiste. Cette
recherche met l’accent sur des questions relatives au monde politique e aux relations entre la politique et les mouvements syndicaux, a partir de
concepts tels que la mémoire discursive, la paraphrase et l’hétérogénéité.
PALAVRAS-CHAVE: anarquismo, paráfrase, formações discursivas, heterogeneidade
RÉSUMÉ: Ce texte, qui se fonde sur les préssuposés théoriques de l’Ecole Française d’Analyse du Discours, a pour objectif d’étudier l’interlocution
discursive dans le discours politique de Luís Inácio Lula da Silva, marquée par une forme de fonctionnement discursif dans lequel l’affirmation produit des
effets de sens négatifs.
PALAVRAS-CHAVE: interlocução discursiva, discurso, sentido.
Contextualizando a pesquisa chama a atenção para o fato de que a FD determina uma posição, mas
O presente trabalho analisa a interlocução discursiva, no interi- não a preenche de sentido. As FDs são um princípio de organização
or do discurso político de Luís Inácio Lula da Silva3 entre duas forma- para o analista; não são definidas a priori como evidências ou lugares
ções discursivas politicamente antagônicas e tem como campo estabilizados, mas como regiões de confronto, como sítios de
conceitual da Escola francesa da Análise do Discurso4 , que se cons- significância (correspondentes a gestos de interpretação.
titui entre o espaço de conhecimento da Lingüística, das Ciências Essa autora (1999:42-45) apresenta a noção de FD como sen-
Sociais e daise. Na perspectiva teórica da AD, entende-se que no do uma regionalização do interdiscurso e reafirma que a mesma,
processo discursivo estão da Psicanálise. Na perspectiva teórica da embora seja polêmica, é básica, na AD, pois permite compreender o
AD, entende-se que no processo discursivo estão presentes a língua e processo de produção dos sentidos, a sua relação com a ideologia e
a história em suas materialidades e o sujeito descentrado5 e interpe- também dá ao analista a possibilidade de estabelecer regularidades
lado pela ideologia. A língua, como base material do discurso, é tra- no funcionamento do discurso.
balhada enquanto processo discursivo inscrito na história - a
historicidade e a ideologia são constitutivas do discurso. Este é en- Sobre a historicidade, a ideologia e a interlocução discursiva
tendido como efeito de sentido entre locutores, sem um sujeito fonte
do dizer. O funcionamento lingüístico (ordem interna da língua) e as A história, para o analista de discurso, liga-se à prática e não
condições extralingüísticas em que o discurso se realiza estão de tal ao tempo em si. Organiza-se, de acordo com o pensamento de Orlandi
forma imbricados que são considerados simultânea e integradamente
e os efeitos de sentido do discurso se remetem e são apreendidos no
horizonte de sua historicidade e da dimensão ideológica que os cons- 1 Este trabalho insere-se no âmbito da pesquisa sobre o funcionamento do
titui. A teoria do discurso apresenta-se como uma semântica discursiva discurso político de L. I. Lula da Silva, a qual venho realizando desde 1994,
que, como afirma Orlandi (1999:15-18), tem como objetivo compre- cobrindo, no seu espaço discursivo, o período de 1978 até os dias atuais.
ender6 , através da atividade de um sujeito social e historicamente Uma primeira versão deste texto foi apresentada no II SENALE - Seminá-
rio Nacional sobre Linguagem e Ensino, Pelotas, RS, 1999.
situado, a linguagem a partir do discurso.
2 Doutoranda na área das Teorias do Texto e do Discurso / UFGRS e profes-
Em um primeiro movimento textual, entendo importante, para sora do Departamento de Estudos de Linguagem, Arte e Comunicação da
sustentar o trabalho de análise, precisar como é concebida as noção UNIJUÍ, RS.
de formação discursiva7 e como a historicidade e a ideologia se fa- 3 Luís Inácio Lula da Silva também será tratado, neste texto, por L. I. Lula da
zem presentes na constituição do discurso e como é entendida, na Silva ou, simplesmente, por Lula.
AD, a noção de interlocução discursiva. Por último, apresento a aná- 4 Escola francesa da Análise do Discurso será também tratada, neste texto,
lise de um recorte discursivo8 , procurando evidenciar a regularidade por AD.
do funcionamento discursivo em pauta. 5 Segundo Orlandi (1999:20) o sujeito da linguagem é descentrado, pois é
afetado pelo real da língua e também pelo real da história, não tendo o
Formação Discursiva é um conceito básico para os estudos da
controle sobre o modo como elas o afetam. Isso redunda em dizer que o
AD, fundamental na determinação dos processos de significação. sujeito discursivo funciona pelo inconsciente e pela ideologia.
Segundo Pêcheux & Fuchs (1990:166- 168), uma formação discursiva 6 Orlandi (1999:26) estabelece a distinção entre inteligibilidade, interpreta-
é aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma ção e compreensão: a inteligibilidade refere o sentido à língua - ‘ele disse
posição dada, numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta isso’ é inteligível; a interpretação é o sentido pensando-se o co-texto (as
de classes, determina o que pode e deve ser dito. Uma FD existe outras frases do texto) e o contexto imediato; a compreensão é saber
historicamente no interior de determinadas relações de classe e deri- como um objeto simbólico (enunciado, texto, pintura, música, etc.) pro-
va de condições de produção específicas. Identifica um domínio de duz sentidos - é saber como as interpretações funcionam.
7 Formação discursiva será também tratada, neste trabalho, como FD.
saber e dissimula, pela transparência de sentido que nela se constitui,
8 Segundo Orlandi (1984:14), o recorte é uma unidade discursiva - consti-
sua dependência com respeito ao interdiscurso9 das formações tui-se de fragmentos correlacionados de linguagem e situação. Um re-
discursivas, imbricado no complexo das formações ideológicas. corte é um fragmento de situação discursiva; é fruto de um trabalho de
Segundo Courtine (1982:244-249), uma FD deve ser conside- construção teórica - não é automático, nem pré-determinado. Distin-
rada como uma unidade divizível, uma heterogeneidade em relação a gue-se da segmentação que visa à relação entre unidades dispostas line-
si mesma. Suas fronteiras são fundamentalmente instáveis e, por isto, armente; o analista de discurso não vê o recorte como linear - é fragmen-
uma FD não consiste em um limite traçado uma vez por todas, sepa- to de discurso.
rando um interior de um exterior do saber. Uma FD se inscreve entre 9 Pêcheux (1988:162 e 163) propõe nomear o interdiscurso como “o todo
complexo com dominante de formações discursivas”, imbricado no com-
diversas FDs e suas fronteiras se deslocam em função dos jogos da
plexo das formações ideológicas, que toda a FD dissimula, na ilusão da
luta ideológica. transparência do sentido que nela se forma. O interdiscurso é o lugar onde
Orlandi, filiando-se aos estudos de Pêcheux e de Courtine, se constituem os objetos do saber (os enunciados).
RÉSUMÉ: Je présente une réflexion au sujet des relations entre théorie et pratique, dans le domaine de l´Analyse du discours. En partant de la
critique que Michel Pêcheux dirige à Michel Foucault, je soutiens l’idée que la pratique concerne les différents positions de ´l´analyste, ce que
l´oblige á changer e trahir la théorie.
PALAVRAS-CHAVE: discurso, prática, ideologia, teoria
Quando se pensa o que, no campo da Análise de Discurso, estudiosos da linguagem, um singular exercício de produção de saber
implica as relações inéditas entre teoria e prática, trata-se antes de lingüístico. A modo de esclarecimento, cito aqui esta outra passagem
articulações a serem quebradas. Desde Michel Pêcheux, ficou esta- da comunicação de Michel Pêcheux:
belecido que na escola francesa de análise do discurso a prática ana-
lítica tem a primazia. Deste modo, fica então posto o problema de “ …basta pensar no que se passa com o trabalho político
como apresentar a Análise de Discurso como domínio teórico, já que sobre os textos (através de sua redação, sua leitura, sua dis-
seu primado consiste em uma prática que põe em questão a teoria. cussão, etc.): vê-se imediatamente aparecer as interrogações
Mais precisamente, quero aqui refletir em torno da seguinte pergun- sobre o sentido do que é dito ou escrito, acarretando proposi-
ta: sob que condições a Análise de Discurso pode se desarticular em ções de retificação clarificação, simplificação, etc., de modo
teoria e prática? que, durante o espaço de uma discussão, os militantes pare-
De saída, evoco o próprio Pêcheux para propor que, em Análi- cem funcionar como especialistas da linguagem: eles fazem
se de Discurso, mesmo quando o foco é teórico, o analista está sem- distinções entre a forma e o fundo, entre a palavra e a coisa,
pre na prática. Em uma comunicação proferida no Simpósio sobre evocam o espírito do texto, falam de contexto, de ressonância
Discurso Político: teoria e , análises, realizado no México, em 1977, e de conotação; a propósito da introdução ou da retratação
Michel Pêcheux, remetendo-se ao tema língua, ideologia e discurso, de tal termo ou expressão, referem-se a intenções, (o que quer
não só denuncia, relativamente à sua época, o estado insolúvel da dizer ´fazer passar”) e a expectativas (as massas “esperam”
questão, como principalmente a localiza no ãmbito de duas práticas: uma tomada de posição sobre tal problema, elas “compreen-
a política e a universitária. Vale a pena citá-lo neste ponto de sua fala: derão” e “não compreenderão” tal formulação, etc.)”
Ora, justamente toda questão se condensa aqui, a meu ver, so- Certamente a preocupação de Pêcheux nesse texto não é tanto
bre a relação entre prática política e prática universitária: é o reinvidicar a quebra do muro que separa teoria e prática, mas sim
momento de se lembrar que o termo “universidade” rima, mui- abrir um espaço teórico no qual há lugar para muitas práticas no que
tas vezes, com o de universalidade, no sentido de generalidade diz respeito ao exercício da análise do discurso. Insisto contudo no
abstrata inutilizável. Coloco a questão, sem, de nenhum modo, principio que baliza a reflexão do autor, a saber, quer se trate de
me excluir daqueles a quem me dirijo: estamos certos de que militantes ou de universitários, a questão não é reinvindicar quem
com a análise do discurso, não estamos uma vez mais em pre- tem maior domínio de especialidade sobre uma matéria, mas sim quais
sença de alguma coisa que, sobre o terreno particular da lin- são os lugares díspares que se toma no interior de dada formação
guagem, se assemelharia a uma dialética universal, tendo a pro- ideológica Dito de outro modo, a distância entre leigos e especia-
priedade, totalmente universitária, de produzir sua própria listas universitários tem um único e mesmo critério medidor: a práti-
matéria? ca política como causa da eleição de um entre vários interesses histo-
ricamente em jogo no horizonte teórico das relações de força . “Não
Antes de tudo, quero chamar atenção para o apagamento da se pode pretender falar de discursos políticos sem tomar imediata-
dicotomia dialética que Pêcheux opera entre teoria e prática, criti- mente posição na luta de classes”, diz Pècheux. Com esta afirma-
cando negativamente o fato de a primeira pretender ter a primazia ção, ele ressalta a importãncia da tomada de posição na determinação
sobre a outra. Em outros termos, minha leitura é de que o autor dos modos pelos quais as idéias adquirem forma material e partici-
revoga o principio universalizante e universitário de que a práti- pam da correlação de forças na história.
ca, e trata-se aqui da linguagem, deve se submeter aos principios Neste ponto, quero desenvolver uma proposição invertendo o
e parãmetros da teoria, e esta, por sua vez, deve estar aberta a ditado popular, re-inventando a premissa na seguinte formulação:
sínteses reformuladoras nos pontos em que a prática resiste aos na teoria a prática é outra. Com este ponto de partida, não propo-
seus postulados. nho, a exemplo de Michel Pêcheux, negar a existencia da cópula
teoria/prática, mas colocar em discussão, notadamente, no campo da
Penso que Pêcheux não invalida a posição de especialistas escola francesa da Análise do Discurso, outro regime de relação
atribuída aos teóricos da linguagem, instiuídos na universidade, mas entre dois termos. Para tornar possível o desenolvimento desta idéia,
atenta para o modo paradoxalmente excludente com que se constitui vou retomar do texto citado de Michel Pêcheux um tema que é recor-
e se exerce tal posição. A exclusão, implicitamente apontada na fala rente nas múltiplas análises de discurso praticada no contexto uni-
do autor, está no lugar normatizante e universalizante e idêntico a si versitário brasileiro. Refiro-me às interpretações que um sujeito pode
mesmo, que promove a divisão irrerversível entre teoria e prática. atribuir a um texto. O que se coloca em causa aqui é o estatuto das
O resultado desta divisão é tornar a prática orfã de especialistas, pos- análises de discurso que se processam no âmbito da prática
to que estes, na prática, perdem o estatuto para ocupar a posição que universiitária em confronto com as que se faz no quadro das práticas
lhes demanda a teoria para falar. Algo de revolucionário aparece em militantes.
sua explanação, quando salta do que chama prática universitária para Desde logo, no âmbito desta reflexão, faz-se necessário, loca-
a prática política, localizando, para incómodo dos mais ortodoxos lizar um problema teórico e nele perseguir as práticas que buscam
ABSTRACT: The aim of this study is to show how the registers of the Second Congress of Workers in Brazil(1913) can explain the ideology concerned
to education elected by members of the congress in order to preserve their domains of memory, and at the same time, to accuse the official schools
of effective incapacity and manipulation of workers’ brains.
PALAVRAS-CHAVE: Educação – Proletariado – Ensino racionalista – Congresso operário
Sd1[or1] “ considerando que a burguesia, inspirada no misti- As relações de aliança entre a burguesia, as castas aristocráti-
cismo,.. pelas castas aristocráticas e pelas igrejas de todas as seitas, cas e a igreja, deste modo, passam a caracterizar uma primeira evi-
que visavam manter o povo na mais absoluta ignorância, próxima à dência, em termos de orientação argumentativa: I) os ensinamentos
bestialidade para melhor explorarem-no e governarem-no” religiosos não emancipam a classe proletária porque a igreja tem
interesses comuns aos da burguesia e das castas.
Conforme se observa, a or1. institui o movimento argumentativo Se a Or1, instaura relações de antagonismo nos domínios eco-
inicial colocando em destaque as relações de aliança entre classes e nômico e religioso, a Or2 fortifica tais relações através da retomada
instituições, de modo a vincular determinados saberes/práticas a po-
de movimentos argumentativos anteriores, a fim de sustentar outras
sições que se antagonizam aos interesses proletários. Assim, em pri-
posições antagônicas inscritas nos domínios do conhecimento cien-
meiro lugar, a or1 aponta para alianças entre a burguesia, as castas
tífico Em seqüência, portanto os movimentos argumentativos que
aristocráticas e as igrejas em geral, para, a seguir, relacionar tais ali-
anças a práticas de dominação comuns, que emergem, no discurso, constituem a Or2 colocam em destaque a equiparação entre saberes
como evidências que atendem a interesses mútuos; isto é, “manter o burgueses e doutrinas, dando ênfase a outras formas de aliança
povo na ignorância para explorá-lo e governá-lo.”. Deste modo, os estabelecidas pelas classes que detêm o poder econômico, conforme
movimentos argumentativos que abrem a pauta interpelam o sujeito representamos a seguir
proletário a identificar-se como manipulado diante da segmentação
de classes e das práticas coercitivas institucionais religiosas.
No plano das formulações, ou seja , na materialidade discursiva
dos enunciados, o modo de apresentação desses lugares de incompa- 4Cabe observar que as sds em análise compreendem conjuntos de orien-
tações argumentativas que dão sustentação às deliberações finais da COB.
ABSTRACT: In this paper we start a reflection about demonstrative noun phrase. From the concept of memory deixis, we infer a associated
“subjectivity” to determiner demonstrative, through wich the speaker calls the addressee’s attention to an object, wich gives a discoursive dimension
to this determiner.
PALAVRAS-CHAVE: determinante demonstrativo, sintagma nominal
No presente trabalho focalizamos a questão do sintagma no- fície do texto, mas ancoram em elementos do discurso, da situação
minal demonstrativo1 (SND), tema que vem ocupando cada vez mais cognitiva ou outros para ativar ou introduzir um referente novo como
a atenção de estudiosos. Não temos a pretensão de formular uma se fosse dado. Mesmo inexistindo um vínculo de retomada direta
hipótese sobre o princípio de funcionamento do demonstrativo que entre uma AI e um cotexto antecedente ou posterior, persiste um vín-
se aplicaria a todos os empregos desse determinante e seu uso em culo coerente na continuidade temática que não compromete a com-
português, nem traçar uma diferenciação entre ele e o definido, que é preensão.” (Marcuschi, texto não publicado)
aqui abordado de forma episódica e a título de comparação, mas ape- Se substituirmos o demonstrativo pelo definido, teremos “as
nas apresentar algumas considerações que servem de ponto de parti- pessoas” ocorrendo aqui um caso de uso genérico do definido. Essa
da para uma reflexão sobre o tema. Para iniciar essa reflexão, tome- substituição alteraria o conjunto em que se deve identificar o referen-
mos como exemplo (1) te: tratar-se-ia de todas as pessoas e não só aquelas que deveriam
receber cestas básicas. Aqui o determinante demonstrativo e defini-
(1) Cestas básicas do não se encontram em variação livre.
Será que enfim resolveram acabar com a síndrome ‘vítima- Em vários trabalhos, a abordagem do demonstrativo limita-
coitado’ que assola a mentalidade deste país? Essa maneira de se à oposição dêixis-anáfora, concebida quanto à localização do refe-
pensar é uma das principais causas da indigência social em rente, respectivamente, na situação de enunciação e no contexto
que vivemos. Acabar com a entrega de cestas básicas gratuitas lingüístico. Mas Gary-Prieur e Noailly (1996) apontam um uso insó-
demonstra que estamos começando a tomar consciência de que lito do demonstrativo em textos literários, caso em que o SND não é
para resolver os problemas sociais, temos de iniciar pela pro- usado nem deiticamente (mesmo porque a situação de enunciação de
moção humana, recuperando a auto-estima e a auto-valoriza- um texto literário se reveste de características muito particulares, es-
ção de cada cidadão. tatuto que não cabe discutir aqui) nem anaforicamente (porque não
Claro que há que se buscar alternativas a esse corte, mas que há antecedente explícito). Isso significa que não há nem a presença
sejam alternativas inteligentes, que proporcionem a essas pes- do denotatum no campo perceptivo dos interlocutores (emprego
soas a possibilidade de participar efetivamente das relações de dêitico in praesentia) nem uma menção do referente no contexto ver-
consumo inerentes a qualquer sociedade. (Santiago Torrente bal (emprego dito anafórico). No uso insólito do demonstrativo, ocor-
Perez , Folha de S.Paulo, 29/11/00 – A-3 ) re uma imposição cognitiva, psicológica ou memorial do referente
nas representações mentais do locutor (situação descrita sob o nome
Interessa-nos em (1) a ocorrência de dois SND2 : “esse cor- de dêixis in absentia ou dêixis memorial, entre outros termos usados
te” e “essas pessoas”. No primeiro caso, temos uma nominalização3 , na literatura). Podemos citar como exemplo “extremo”, por se tratar
cuja informação-suporte é “acabar com a entrega de cestas básicas de um texto poético, o poema Retrato, de Cecília Meireles:
gratuitas”, processo que não exige do leitor uma estratégia inferencial
mais complexa. Apothéloz e Chanet (1997: 165) inclusive afirmam (2) Eu não tinha este rosto de hoje,
que, de modo geral, os SN utilizados nas nominalizações manifestam Assim calmo, assim triste, assim magro
uma clara propensão a uma determinação demonstrativa. E acrescen- Nem estes olhos tão vazios
tam que praticamente é possível sempre substituir uma nominalização Nem o lábio amargo.
definida por um demonstrativo, mas não o contrário. Mas, fazendo o
percurso inverso, podemos perfeitamente substituir “esse corte” por Eu não tinha estas mãos vazias
“o corte”. Isso nos leva a reconhecer que em alguns contextos as Tão paradas e frias e mortas
duas formas de determinante se encontram em variação livre.
Caso mais interessante constitui o SND “essas pessoas”. De
* A autora é doutoranda em Lingüística na UNICAMP, sob a orientação da
que pessoas se trata? O determinante demonstrativo aponta para que
Profª Drª Ingedore V. Koch.
antecedente? O uso desse SN pode ser considerado anafórico? Se 1 Abordamos aqui apenas os casos do demonstrativo adjetivo.
buscarmos no contexto prévio, veremos que não há um antecedente 2 Não abordaremos aqui os SND “este país” (emprego dêitico) e “essa
claro para a descrição demonstrativa. No entanto, a expressão em maneira de pensar”., SND constituído de det. + nome + verbo. Apothéloz
questão não oferece qualquer problema interpretativo. Mas, se reti- (1995: 287) aponta que expressões como “esse tipo de...”, “essa espécie
rarmos o primeiro parágrafo, fica evidente que se cria um problema de... “esse gênero de...” – seguidos de substantivos - são operadores que
de interpretação, pois é ele que estabelece o contexto englobante para permitem construir objetos genéricos a partir de uma referência específica
o emprego do SND: trata-se das pessoas que não mais receberão ces- ou, numa outra interpretação, são expressões que problematizam a
categorização lexical do objeto.
tas básicas, actante implícito de “acabar com a entrega de cestas
3 A nominalização constitui uma operação discursiva que consiste em refe-
básicas.” Poderíamos considerar esse SN como um dos casos das rir, por meio de um sintagma nominal, a um processo ou um estado ex-
anáforas indiretas, que constituem “relações referenciais produzidas presso anteriormente por uma proposição. Ao lexema utilizado como
por sintagmas nominais definidos, verbos, adjetivos, pronomes ou núcleo da expressão que marca essa operação denomina-se substantivo
até mesmo orações que não retomam pontualmente ou explicitamen- predicativo; à proposição a que o substantivo-predicativo remete denomi-
te elementos anteriormente (ou posteriormente) presentes na super- na-se informação-suporte. (cf. Apothéloz e Chanet, 1997).
ABSTRACT - Reading comprehension requires the explanation of how to shift from a digital, discrete reality (text) to an analogic, continuous one
(thought). Such transformation cannot be explained by means of a serial processing of abstract and fixed symbols stored in mind, but rather by a
parallel distributed processing of flexible and fine-grained constituents engrammed across neural networks (brain), where mind is nothing but such
neural functioning.
PALAVRAS-CHAVE - Compreensão leitora - Conexionismo - Conhecimento - Sinapses
ABSTRACT - Connectionism can be considered a new alternative to explain how linguistic knowledge is acquired. However, this new approach
appears to have emerged already with Vygotsky. So, in spite of some differences, both Vygotsky and connectionism share some ideas: concepts are
unstable entities, subject to changes provided by new experiences.
PALAVRAS-CHAVE - Formação de Conceitos, Vygotsky, conexionismo
ABSTRACT - In order to study the acquisition of passive constructions, two techniques have been used: analysis of empirical data and computer
simulation. The empirical data come from two studies testing English and Portuguese monolingual speakers in a language production task. The
crosslinguistic results provided evidence for modelling the acquisition and processing of passives in a computer neural network
PALAVRAS-CHAVE - aquisição da linguagem - conexionismo – regras sintáticas - redes neuroniais artificiais
Referências bibliográficas
ABSTRACT:This paper examines constructions with the modals poder (can) and dever (should) in modern Brazilian Portuguese, archaic Portuguese
and archaic Latin. The objective of the study is to find evidence of the semantic and syntactic stability of the constructions and support for a
panchronic approach to the development of modal meaning.
PALAVRAS-CHAVE: polissemia; verbos modais; pancronia
ABSTRACT: this paper aims to discuss some semiotics foundations. It particularly focuses argumentation, suggesting that not only the syntactic
devices that stablish connections between enunciator and enunciatee – as person, time and space projection – should be taken into consideration:
semantic choices also play an important hole in supporting the commitment of the enunciatee to the ideas of the enunciator.
PALAVRAS-CHAVE: semiótica; argumentação; práxis enunciativa; paixão discursiva
Há cerca de 10 anos venho examinando, sob a perspectiva sofrer uma transformação que o leva a um estado final de conjunção
teórica da semiótica, o discurso da crítica de arte brasileira publicada com este valor.
em jornais e revistas, do pré-modernismo ao período contemporâ- Há ainda um primeiro nível do percurso, mais abstrato que o
neo. Ao longo dessa pesquisa, apoiada pelo CNPq, concentro mi- narrativo, o nível fundamental, em que estão em jogo as oposições
nhas reflexões em torno de dois pólos: de um lado, examino as semânticas fundamentais geradoras do sentido do texto. A análise do
relações de produção de sentido estabelecidas entre o verbal e o percurso, considerando didaticamente a existência dos três níveis,
não-verbal representado pela pintura, baseando-me nos conceitos cada um com uma sintaxe e uma semântica próprias, é o caminho
de figuratividade e plasticidade; de outro, dedico-me ao estudo da mais interessante para observar a construção do sentido como um
argumentação, considerando a natureza formadora de opinião do mecanismo de reiterações e transbordamentos, marcado por
texto crítico. previsibilidade e surpresa. É também por meio da análise de cada
É sobre argumentação que desejo aqui falar, procurando sis- nível que se pode perceber a operacionalidade da utilização de cate-
tematizar algumas formulações teóricas fundamentais para o estudo gorias de um nível de análise para compreender procedimentos de
desse tema, em bases semióticas. As expositoras que me sucederão, outro nível.
que vêm trabalhando comigo nos projetos de pesquisa a que me refe- É essa possibilidade de articulação entre os níveis do percur-
ri, apresentarão exemplos de análise de textos críticos. so que permite o tratamento da argumentação, que é um mecanismo
As bases para o estudo da argumentação como um programa discursivo, como um programa de manipulação.
de manipulação foram sistematizadas por Diana Luz Pessoa de Bar- Um programa de manipulação, tal como o concebe a
ros, em seu fundamental Teoria do discurso. Já ali, a autora mostrava semiótica, não se reduz ao sentido corrente da palavra manipulação,
que a argumentação precisava ser revista e considerada como uma muito gasta em tempos de juízos simplificados, concretizados, por
estrutura de “programas narrativos de busca ou de construção do sa- exemplo, em pesquisas de opinião ligeiras, do tipo “a televisão mani-
ber ou de procura de adesão e de confiança” (BARROS, 1988: 111) pula o comportamento das pessoas?”, “a propaganda eleitoral conse-
e considerava três procedimentos utilizados pelo enunciador para gue manipular a vontade do eleitor?” etc. Não é esta a manipulação
influenciar o enunciatário: a implicitação ou explicitação de conteú- de que fala a semiótica, não um mero ato mecânico comunicacional
dos, a prática de atos ilocucionais para atingir fins perlocucionais e a de imposição de vontade de um locutor sobre um ouvinte apático e
argumentação em sentido restrito. Os três procedimentos se apresen- amorfo.
tam confundidos no fazer persuasivo do enunciador e constituem a A relevância da abordagem semiótica da narrativa prende-se
argumentação em sentido lato (BARROS, 1988: 98-113). à sua articulação com o espetáculo do homem no mundo, querendo
É justamente essa idéia de “confusão”, a idéia de que vários isso dizer que a semiótica pretende, ao analisar os textos, analisar o
procedimentos e mecanismos sintáticos e semânticos estão envolvi- modo de o homem existir no mundo. Compreendendo a existência
dos na argumentação, que me leva a considerar a relação entre os humana na linguagem, não mediada pela linguagem, não possível
níveis narrativo e discursivo do percurso de sentido como uma outra através da linguagem, mas na linguagem, a semiótica recupera, na
“confusão” a ser levada em conta, também esta assinalada por Bar- metodologia de análise, as coerções, as impossibilidades, as
ros, que vai mostrar, com exemplos, o modo como esquemas obrigatoriedades, bem como a possibilidade da rebeldia e da recusa
argumentativos explicam-se narrativamente. que caracterizam a vida social. Impulsionados por tentações e provo-
Estão em jogo, portanto, dois níveis do percurso gerativo de cações, seduções e intimidações, vamos aceitando ou recusando os
sentido: o narrativo e o discursivo. O primeiro é mais abstrato que o contratos que definem nosso caminho e nossas ações, moldam nos-
segundo; nele se articulam relações entre sujeitos e objetos, num ní- sas vontades e dirigem nossos gostos, ainda que precisemos da ilu-
vel esquemático, que se manifesta em estados e transformações são de que mantemos a vida sob controle. Quase nunca somos capa-
redutíveis a operações de conjunção ou de disjunção entre sujeitos e zes de perceber a inclusão de nossa rebeldia em um sistema de valo-
objetos. O segundo nível, o discursivo, recobre o anterior, por meio res aceitos, em que o rebelde perde a causa, porque ali a rebeldia é a
da intervenção de um sujeito da enunciação que projeta as categorias regra e por isso mesmo já não é mais contestação, nem coragem, nem
de tempo, espaço e pessoa, além de selecionar temas e figuras. As- desafio, é a normalidade de um outro sistema de valores. Oscilamos
sim, por exemplo, a narrativa da trajetória profissional de um pintor, entre manipulações de diferentes ordens, e nossa luta não é entre o
redutível a um esquema de passagem de um estado inicial disjunto bem e o mal, o certo e o errado como escolhas possíveis e objetivas,
para um estado final conjunto, considerando como os dois pólos da mas é a luta de estar imerso em linguagem e viver no entrechoque de
operação de junção um sujeito /pintor/ e um objeto-valor /sucesso/, redes discursivas.
pode ser discursivizada num verbete de dicionário, num texto crítico, É esta mesma aventura humana que se realiza nos textos e
numa louvação, num poema, numa pintura. Cada uma dessas mani- que a semiótica formula como um programa de manipulação. Origi-
festações discursivas dá forma textual a uma narrativa em que um nalmente a primeira etapa da seqüência canônica da narrativa, a ma-
pintor, em estado inicial de disjunção com o sucesso, termina por nipulação argumentativa realiza-se no discurso, mediante a ação de
ABSTRACT: This paper makes the analyses of Oswald de Andrade´s art critiques, in order to understand the construction of the argumentation, in
the light of Discoursive Semiotics. Direct discourse and indirect discourse are examined like a sort of influence over the enunciatee by the enunciator.
PALAVRAS-CHAVE: Semiótica; Argumentação; Modernismo; Oswald de Andrade
Este trabalho é uma amostra do projeto que vem sendo desen- agir sobre o outro — e para que este outro realize um fazer
volvido como dissertação de mestrado, “Oswald de Andrade crítico interpretativo sobre aquilo que foi dito, sendo levado a fazer o que
de arte”, sob a orientação da profª. Drª. Lucia Teixeira. Constituí para foi proposto. Para tanto, é fundamental que o discurso construído
análise um corpus com 17 críticas de artes plásticas (T1 a T17), assi- seja credível, isto é, passível de crença, confiança, o que só é possí-
nadas por Oswald e publicadas em jornais e revistas da época em que vel quando o enunciador, construindo um simulacro de verdade, faz
atuou (1909 – 1954). Desse total, apenas 4 encontram-se reeditadas parecer verdadeiro o seu discurso e o enunciatário assim o reconhe-
em livro. Os textos do corpus abrangem um período que vai de 1915 ce. Entende-se, portanto, a argumentação como um programa de
a 1952, com algumas lacunas, evidentemente, já que o escritor atuou manipulação em que o enunciador (destinador-manipulador) age so-
nas mais diversas áreas, possuindo, assim, uma extensa produção bre o enunciatário (destinatário), levando-o a crer ou a fazer, ou seja,
intelectual entre ensaios, crônicas, romance, teatro, poesia e crítica a reconhecer a “verdade” do discurso.
literária, teatral, de música, além da de arte. Sem falar no seu Incorporando as contribuições de Perelman e Olbrechts-Tyteca,
engajamento político, nas diversas viagens e no longo período de podemos dizer que
moradia na Europa, coincidentes com o maior hiato registrado no
corpus, entre 1922 e 1934. Esse contrato entre orador e seu auditório não concerne unica-
O início da atividade crítica de Oswald de Andrade se dá em mente às condições prévias da argumentação: é essencial também
um momento histórico de construção dos valores basilares do movi- para todo o desenvolvimento dela. Com efeito, como a argumenta-
mento modernista no Brasil. Ainda que os anos antecedentes à Se- ção visa obter a adesão daqueles a quem se dirige, ela é, por inteiro,
mana de Arte Moderna tenham sido de alguma maneira marcados relativa ao auditório que procura influenciar. (1996: 21)
por uma “lerdeza de comentários”, como quis fazer crer Oswald em
um dos textos a serem analisados neste trabalho, foi nesse período Dessa forma, percebemos, com Fiorin, que “o enunciatário,
das primeiras décadas do século XX que começou a surgir um debate como filtro e instância pressuposta no ato de enunciar, é também
caloroso em torno da arte nacional. Digo caloroso reportando-me ao sujeito produtor do discurso” (1996: 65), na medida em que o fazer
texto de Oswald, “A exposição Malfatti” (T5), que é uma amostra do enunciador é manipulado pelo crer do enunciatário, ambas posi-
bastante clara da polêmica rede discursiva que se tecia então. Escrito ções actanciais projetadas pelo sujeito da enunciação.
no dia do encerramento da exposição da pintora Anita Malfatti, mar- Para analisar essa relação entre enunciador e enunciatário, ob-
ca a atuação do escritor como o único intelectual a sair em defesa da servarei alguns procedimentos sintáticos do discurso, mais especifi-
artista após a publicação da famosa crítica “A propósito da exposi- camente a debreagem actancial, responsável pela delegação de vo-
ção Malfatti”, da autoria de seu colega Monteiro Lobato. Não é des- zes, que demonstra a “heterogeneidade mostrada” no discurso
conhecido o impacto causado tanto pela exposição de Anita quanto (Authier-Revuz, 1990). Evidenciarei a utilização da voz do outro,
pela crítica contundente de Lobato. Tão contundente que a única res- através das formas direta e indireta de discurso reportado, como re-
posta obtida em um órgão de imprensa, a crítica de Oswald, não teve cursos de argumentação, uma vez que “quando se produzem enunci-
fôlego suficiente para aplacar, nas palavras de Chiarelli, “o inegável ados, podem-se incorporar contratual ou polemicamente enunciados
mal-estar que o artigo de Lobato provocara em Malfatti e no grupo de outrem” (Fiorin, 1996: 69).
nascente dos modernistas” (1995: 24-25). É de fundamental impor- Todos os textos do corpus possuem um enunciador que delega
tância o fato de a exposição da pintora ter sido um dos fatores e instala no enunciado um narrador e um observador1 — que se en-
aglutinadores do grupo, como aponta Mario de Andrade, em célebre contram por vezes sincretizados em um único ator. O narrador, en-
artigo sobre o movimento (1972). Para Mario, só foi possível a reali- tendido como aquele que relata fatos, assume a narrativa invariante
zação da Semana de Arte Moderna, em 1922, porque houve um perí- nos textos, a da circulação de uma pintura nacional e moderna entre
odo anterior marcado pelo início de uma discussão sobre o que era sujeitos manipulados por diferentes sistemas de valores, que se en-
arte e o que significava fazer arte brasileira. É também o próprio contra subjacente no nível do discurso. É nesse nível, no entanto,
Oswald quem destaca, no texto intitulado “Do Modernismo”, de 1952, que essa narrativa de base recebe um preenchimento semântico e
o papel central das artes plásticas: concretiza-se de maneiras diferentes em cada texto.
A delegação de voz pelo narrador a uma actante do enunciado,
1. O Sr. Mário Pedrosa acentuou muito bem a influência das decorrente de uma debreagem interna, caracteriza o discurso direto,
artes plásticas no nosso movimento. Sem a presença de Anita, de Di, que cria um efeito de sentido de realidade e, com isso, um vínculo
de Brecheret, qual teria sido o nosso caminho? (T17)
ABSTRACT: In this article, in the light of Discursive Semiotics, themes and figures are analysed like resources to construct the argumentation. We
investigate art critiques about the “salons” in the early 20th century in Brazil.
PALAVRAS-CHAVE: Semiótica, Arte, Salões, Crítica de arte.
No mundo colorido das artes que descobri durante minha par- sintaxe e uma semântica próprias. Vou me deter na qualidade
ticipação nos projetos de pesquisa sobre crítica de arte no Brasil, no argumentativa das escolhas da semântica discursiva que concretiza o
pré-modernismo e no Modernismo, sob orientação da professora dra. sentido dos valores disseminados nos níveis fundamental e narrati-
Lucia Teixeira, os Salões de Belas Artes me interessaram desde o vo, por meio de temas e figuras. A tematização é um processo de
início e por isso pretendo, em minha dissertação, analisar as críticas organização lexemática de natureza conceitual, vinculada a categori-
aos Salões de Belas Artes. Para tanto, utilizarei a teoria semiótica, as abstratas, enquanto a figurativização representa o mundo natural,
concentrando-me no seu último patamar de geração de sentido, o o mundo concreto e sensível, criando os efeitos de sentido de reali-
nível discursivo. Para a análise, trabalharei com os textos críticos do dade. Pretendo observar de que modo os percursos temáticos e figu-
período de 1894 a 1933. A maioria dos textos já foi encontrada e rativos representam elementos de persuasão do leitor.
fazem parte dos três corpora constituídos nos projetos de pesquisa Picasso, certa vez, indagado sobre os efeitos que sua tela
pioneiro da professora Lucia Teixeira. Estou formando o corpus para Guernica produzia nas pessoas, afirmou que: “todos sabemos que el
minha dissertação, acrescentando outros textos de críticos sobre o arte no es la verdad, por lo menos la verdad que no es dada a
tema. Através dessas críticas, pode-se perceber a importância dos comprender. El artista debe encontrar el modo de convencer a los
Salões como representação da arte produzida no Brasil. O demás de la verdad de sus mentiras.” Assim também se compreende
academicismo era preponderante na Academia de Belas Artes, sendo a argumentação como o conjunto dos mecanismos utilizados pelo
a estética neoclássica consagrada: enunciador para convencer o enunciatário das suas verdades. A
Os padrões neoclássicos obedecem a uma hierarquia de temas semiótica entende a argumentação como um programa de manipula-
e de gêneros. A prioridade fica com a pintura histórica e a retratística ção construído pelo enunciador, considerado destinador/manipulador,
em geral, sendo a representação da figura humana mais valorizada para agir sobre o enunciatário/ destinatário. Ao fazer cognitivo do
que a pintura de paisagens. Retratos e cenas históricas são tratados destinador corresponde o fazer interpretativo do destinatário mani-
de forma hierática, através de um desenho rígido, contornado. O co- pulado no sentido de entrar em conjunção com o objeto valor /opi-
lorido baseia-se na luminosidade e nos tons europeus trazidos pela nião/ . A análise deverá descrever esse programa de manipulação
experiência dos mestres da Academia. A construção pictórica obede- invariante nos dois textos, buscando a especificidade dos investi-
ce às regras do Renascimento, devendo a pintura ser cópia do real, mentos semânticos de cada um. O estudo da argumentação está rela-
representação das figuras e coisas do mundo, tal como acreditavam cionado à sintaxe discursiva, que se caracteriza pela investigação não
que o olho podia percebe-las, isto é, dentro de um espaço em pers- só das projeções da instância da enunciação no enunciado por meio
pectiva, com ilusão de profundidade. (FUNARTE, 1986:25) das categorias de pessoa, tempo e espaço, mas também das relações
Evento marcante e esperado durante todo o ano pelos artistas, entre enunciador e enunciatário, desdobramentos do sujeito da
o Salão era o momento de consagração dos artistas e estudantes da enunciação. Penso, porém, com Barros, que “todas as opções feitas
Escola Nacional de Belas Artes. Era também o momento em que o pela enunciação na produção do discurso são argumentativas” (1988,
público tinha a oportunidade de apreciar a arte produzida no período. p.110) e, por isso, investigarei os efeitos de sentido produzidos pelos
Criado em 1894, reunia os melhores artistas da época que buscavam procedimentos semânticos, para analisar sua eficácia argumentativa
o reconhecimento e as premiações, sendo a maior delas, o prêmio de nos dois textos críticos. Vou me fixar no texto de Lobato, mais vigo-
viagem à Europa. Pouco a pouco, os artistas procuraram a inovação, roso e opinativo que o texto do Jornal do Commercio.
principalmente aqueles que viviam em São Paulo, distante da oficia- O enunciador de T1, figurativizado como Monteiro Lobato,
lidade da Academia. As obras realizadas nos Salões já não eram no- começa sua crítica discorrendo sobre a indiferença popular em rela-
vidade e sim passadismo, sobretudo após a Semana de Arte Moder- ção ao meio artístico e louvando os artistas que, mesmo sem estímu-
na, pois artistas como Anita Malfatti e Tarsila do Amaral mostraram lo, escolhem seguir esse caminho. Assim, o enunciador constrói a
os novos padrões de arte realizados na Europa. A análise dos textos imagem de uma “exposição às moscas”, em que penetram os “mur-
deverá mostrar os valores artísticos em choque na sociedade: de um múrios da rua, a poeira do asfalto, fonfonadas”, enquanto “a goma
lado, os acadêmicos, e de outro, os modernistas. Cabe ressaltar que alta do Rio disputa a chuçadas de cotovelo cadeiras de cinema para
só em 1931 torna-se permitido que os artistas “modernos” exponham emparvecer o olho”. Contribuem para obnubilar esse ambiente os
no Salão oficial. “gases asfixiantes da indiferença pública” e a “estupidez” “duns
Farei aqui a análise dos recursos argumentativos de dois textos Mecenas de 160 réis”. Essas expressões arroladas constroem uma
do corpus por mim constituído. O primeiro, de autoria de Monteiro idéia de turvação, diluição, indefinição, termos que podem ser
Lobato, foi publicado em outubro de 1917 (T1), no número 22 da subsumidos por embaçamento, revelando uma incapacidade de olhar
Revista do Brasil. O segundo compõe-se de três partes, publicadas e apreciar a arte com nitidez. Para Lobato, produzir arte em “terra
nos dias 12, 19 e 21 do mesmo mês e ano, no Jornal do Commercio, assim” só poderia mesmo ser um sintoma de heroísmo ou loucura,
na coluna “Notas de Arte” (T2). Ambos os textos fazem a crítica à melhor dizendo, em suas próprias palavras, “heroísmo tangencial à
Exposição Geral de Belas Artes, ou o Salão de 1917. loucura”. Ainda nessa introdução, há uma construção de figuras e
Para a análise dos dois textos, utilizarei o instrumental teórico temas recorrentes que opõem um “bem-querer às artes”, ligado ao
da semiótica de base greimasiana, que considera a produção de sen- tempo do “insubstituível Pedro II”, a uma “falência da arte”, relacio-
tido de um texto como um percurso gerativo que se desdobra nos nada a um “vácuo democrático duns imperantes de chinelas”, deixa-
níveis fundamental, narrativo e discursivo, cada um composto de uma do pela instauração da República. Mostra-se, assim, uma visão con-
ABSTRACT:This paper intends to review issues in Sentence Processing, comparing aspects of its main models, namely, the DTC (Fodor, Bever and
Garrett, 1974), Garden-Pathy (Frazier & Rayner, 1982), Construal (Frazier & Clifton, 1996), Incremental-interactive (Altmann & Steedman,1988),
constraint satisfaction(MacDonald, Perlmutter & Seidenberg, 1994 ) and a minimalist model (Weinberg, 1999).
PALAVRAS-CHAVE: Processamento sintático, ambiüidade estrutural, parsing
2.3. O Modelo Incrementacional-Interativo Os modelos desse tipo propõem que não há limites
arquiteturais aos tipos de informação que podem ser assessados pelo
O objetivo principal das teorias atuais em Compreensão de parser, sendo que algumas condições podem influenciar o
Frases é identificar os tipos de informação que as pessoas utilizam ao processamento mais cedo do que outros, em função de uma estraté-
ler ou ouvir frases e determinar os princípios seguidos ao usar a in- gia de competição de pesos. A influência da informação lexical é
formação disponível. A hipótese de que o conhecimento lingüístico é um dos fatores preponderantes na análise sintática, bem como fato-
usado de forma modular tem levado a avanços substanciais na com- res pragmáticos e discursivos. Assim, por exemplo, esse modelo
preensão destes princípios. Obviamente, todas as informações rele- explicaria o garden path que se obtém na frase abaixo em termos do
vantes podem ser usadas em algum momento da compreensão. As- maior peso dado ao acesso da forma de pretérito imperfeito do ver-
sim, uma teoria modular deve especificar a natureza e o como/quan- bo entrar do que à forma de presente do verbo entravar, muito me-
do dos módulos. A teoria “interativa-incrementacional” de Altmann nos freqüente: (3) Um navio brasileiro entrava na baía um navio
& Steedman (1988) é uma teoria modular que permite interação mais japonês. Além de conceber o mecanismo de processamento como
elaborada entre os módulos sintático e semântico/referencial. Altmann sensível à freqüência de ocorrência dos itens lexicais, os proponen-
& Steedman (1988) escolheram um subconjunto dos fenômenos ex- tes desse modelo têm procurado demonstrar a importância das con-
plicados pela TGP (construções com modificadores pós-nominais) dições de natureza pragmática na resolução das ambigüidades es-
para explicá-lo em termos de processos referenciais. Nestes exem- truturais. Por exemplo, Thornton, MacDonald & Gil (1997) desen-
plos, a modificação do SN é a alternativa não preferida. A&S suge- volvem experimentos de leitura auto-monitorada que indicam a in-
rem que tal ocorre não por causa de fatores estruturais, mas em virtu- fluência do fator modificabilidade na aposição de SPs ao SN mais
de de fatos referenciais: a modificação do SN não é licenciada pelo alto ou mais baixo. Segundo esses autores, um SN mais modificado
contexto discursivo. É o Princípio de Suporte Referencial: Uma aná- é identificado de maneira mais inequívoca no discurso, sendo me-
lise de SN que seja referencialmente apoiada é preferível a uma que nos provável que receba modificação adicional. Assim, para esses
não o seja. Em “o livro” pressupõe-se a existência de um único livro autores, a aposição mais alta da relativa seria menos favorecida
no modelo de discurso; já em “o livro que eu comprei” pressupõe-se em (4) do que em (5): (4) A filha do coronel que sofreu o acidente.
um conjunto de entidades. O Princípio de Suporte Referencial é, de (5) A filha mais velha à direita do coronel que sofreu o acidente.
ABSTRACT: This work proposes that a productive dialogue is viable between Generative Morphology and Experimental Psycholinguistics. We argue
that the results of psycholinguistic experiments might be useful in the evaluation of different theoretical proposals of lexical representations.
PALAVRAS-CHAVE: representação lexical, léxico mental.
Nosso trabalho coloca-se na interseção das linhas de pesquisa sos fatores lingüísticos no acesso lexical, tais como produtividade,
sobre a regularidade na constituição do léxico e sobre a relação aqui- transparência semântica, natureza do radical (livre ou preso), tipo de
sição/processamento da linguagem. Temos, por diretiva geral, a crença afixo (prefixo ou sufixo).
na viabilidade de um diálogo produtivo entre as discussões da teoria Porém, tendo em vista a limitação de tempo de que dispuse-
morfológica de base gerativa sobre a representação das palavras de- mos, nosso objetivo específico foi mais modesto, pois o presente
rivadas no léxico e, por outro lado, as questões relativas à representa- trabalho, a partir dos experimentos de Tyler, Waksler e Marslen-Wil-
ção e ao acesso lexical desenvolvidas em torno de resultados forneci- son (1993) e Marslen-Wilson e Zhou (1999), mas tendo como base
dos pela psicolingüística experimental. as propostas de Basílio (1980, 1987, 1990) para estruturas lexicais
Durante muito tempo, a investigação psicolingüística sobre do português, pretende ser um primeiro passo para fornecer resulta-
processamento lexical e a discussão teórica em abordagens gerativas dos psicolingüísticos em língua portuguesa que possam servir como
sobre o léxico seguiram caminhos diferenciados, definindo espaços subsídios para propostas teóricas de constituição e organização do
virtualmente incomunicáveis, principalmente nas décadas de 1970 e léxico.
1980. Dentro desse quadro, devemos lembrar que os primeiros mo- Do lado da teoria psicolingüística na área voltada para a repre-
delos de estruturação do léxico numa abordagem gerativa, a saber sentação lexical, podemos dizer que tem sido aceita a distinção entre
Halle (1973), Jackendoff (1975) e Aronoff (1976), datam do período representações de acesso e representações centrais, criando-se, as-
de afastamento entre ambas as áreas, o que explica por que a teoria sim, mais de um léxico: o léxico central e os léxicos de acesso (visu-
psicolingüística, ao tratar da questão do reconhecimento lexical, não al/gráfico e auditivo/fonológico). Tal distinção tem aparecido em
leva em conta problemas relativos à estruturação morfológica em uma uma série de modelos psicolingüísticos, tais como o modelo serial de
abordagem gerativa. Forster, o AAM, de Caramazza, Laudanna e Romani e o MRM, de
Ilustra esse afastamento o grande interesse desenvolvido pela Schreuder e Baayen.
teoria psicolingüística, nas décadas de 70 e 80, nos processos envol- Segundo Tyler, Waksler e Marslen-Wilson (1993), pistas para
vidos no acesso à representação das palavras derivadas, deixando de a estrutura morfológica que apareçam em uma modalidade (visual ou
lado questões sobre o conhecimento do falante nativo acerca do léxi- auditiva), mas não em outra, como o caso da diferença de pronúncia
co de sua língua e sobre como compatibilizar mecanismos de acesso do prefixo re- em return, com /i/, e rebuild, com /i:/ são argumentos
com o subjacente conhecimento estruturado desse falante nativo, as- importantes para a aceitação de um nível de processamento inicial
sim como as relações que ele é capaz de fazer entre os itens lexicais, que leve em conta aspectos ortográficos e/ou fonológicos. Assim, as
questões centrais para a Morfologia Gerativa. representações de acesso são específicas da modalidade por meio da
Pretendemos, portanto, explorar essa possibilidade de diálogo qual o estímulo é percebido. Já as representações centrais são inde-
e sugerir que resultados de experimentos em psicolingüística podem pendentes da modalidade e constituem-se na representação dos atri-
ser usados como subsídios na avaliação de hipóteses sobre a repre- butos sintáticos e semânticos dos itens lexicais, bem como de suas
sentação de palavras derivadas no léxico. Embora não esquecendo propriedades fonológicas abstratas. Tal distinção já havia sido feita
que o léxico, definido em uma teoria formal gerativa, e o léxico psi- por Taft (1988). O sistema de entrada compreende as representações
cológico, definido em teorias psicolingüísticas, constituem espaços que são usadas para encontrar correspondência com os estímulos re-
teóricos distintos, de modo que uma ligação entre quaisquer resulta- cebidos. Há dois sistemas de entrada: um para os estímulos recebi-
dos não pode ser transferida sem alguma cautela de uma área para a dos visualmente e outro para os estímulos recebidos auditivamente.
outra, não podemos deixar de observar, no entanto, que, tendo como Depois que se obtém uma correspondência satisfatória entre a pala-
horizonte o ideal de uma integração entre representação e vra apresentada e a representação do sistema de entrada, a informa-
processamento, na avaliação de propostas teóricas em Morfologia, ção acerca da palavra torna-se acessível em um sistema central, inde-
sendo equivalente outros fatores, poderá ser considerada mais ade- pendente de modalidade, que contém informação acerca da pronún-
quada aquela que for mais compatível com resultados em experimen- cia e ortografia da palavra, assim como de seu significado e caracte-
tos psicolingüísticos. rísticas sintáticas.
A idéia não é nova. Já em 1989, por exemplo, Badecker e Em 1993, embora ainda aceitando a distinção entre represen-
Caramazza, a partir de evidências encontradas em pacientes afásicos, tações de acesso e representações centrais, Tyler, Waksler e Marslen-
colocaram questões a serem respondidas pelos teóricos em Morfologia Wilson (1993), por meio da realização de 3 experimentos de priming
preconizadores de uma não-separação entre flexão e derivação. E, morfológico bimodal, investigaram questões a respeito da configura-
por outro lado, na direção contrária, não há como negar que algum ção do léxico central (entradas lexicais). Este trabalho, segundo seus
tipo de estruturação morfológica tem que ser tomada como pressu- autores, constitui-se no início de uma pesquisa visando dar explica-
posto na base de qualquer experimento psicolingüístico que lide com ções para a representação das palavras complexas em inglês. A justi-
as questões de representações de formas derivadas e com o acesso a ficativa para o uso de experimentos bimodais está no fato de que,
essas representações. Podemos citar, como exemplo, a preocupação neste tipo de tarefa, em que são utilizados pares de palavras, como
de Bergman, Hudson e Eling (1988) em investigar o papel de diver- uma palavra do par é apresentada em uma modalidade e a outra, em
RÉSUMÉ: A partir d’un corpus constitué de discours présidentiels du 1er mai, cette étude a pour macrocatégorie d’analyse la scénographie
discursive. On conclut sur la présence d’images d’énonciateur et co-énonciateur qui articulent des caractéristiques et des comportements imputés
aux acteurs de l’interlocution, organisées autour d’une topographie et une scénographie de l’ordre.
PALAVRAS-CHAVE: linguagem/trabalho, memória, interação governo/trabalhador, locução discursiva
RÉSUMÉ: Cette étude est centrée sur la stratégie d’identification du discours rapporté dans des nouvelles publiées dans deux quotidiens (Clarín et
Folha de S. Paulo), dans le but d’établir des relations entre ces discours et une conception d’espace discursif, afin de mieux saisir ce qu’on appelle
monde du travail dans le cadre du Mercosul.
PALAVRAS-CHAVE: práticas discursivas; notícia, Mercosul; trabalho
Referências bibliográficas
ABSTRACT: The aim of this work is to question cognitivist approaches as well as successful communication as the criterion for describing both the
speaker’s and the addressee’s move. What is suggested, instead, is the possibility of replacing the view on knowledge as mental representations by one
which includes the subject-speaker in language structural functioning.
PALAVRAS-CHAVE: pragmática; teoria da relevância; língua/fala; aquisição de linguagem.
No livro Les mots et les choses Michel Foucault diz que no processos cognitivos que sustentam o uso da linguagem, dissociados
Renascimento “perguntava-se como era possível reconhecer que um do funcionamento da língua e de todas as conseqüências que decor-
signo designava realmente aquilo que ele significava; a partir do sé- reriam da sua inclusão.
culo XVII perguntar-se-á como pode um signo estar ligado àquilo Para Sperber e Wilson toda interpretação de um enunciado é
que ele significa. Questão à qual a idade clássica responderá pela um processo de construção e avaliação de hipóteses, baseado no prin-
análise da representação; e à qual o pensamento moderno responderá cípio da relevância. Este princípio é sustentado por um sistema de
pela análise do sentido e da significação” (Foucault apud Lahud, representações de primeira e segunda ordem, ou seja, de representa-
1977:28. Tradução do segundo autor). ções e metarepresentações que garantem o sucesso da comunicação.
Como já observou Lahud, ao citar a passagem acima, a ques- Palavras e dispositivos lingüísticos transmitem ao mesmo tempo re-
tão configurada por Foucault ao mesmo tempo em que “nos é dada presentações conceituais e informações sobre o seu processamento.
como decorrência da organização específica do saber clássico, pare- Um conectivo, por exemplo, tem o seu papel assegurado na interpre-
ce resistir às transformações ‘arqueológicas’ constitutivas do ‘pensa- tação de um enunciado na medida em que indica para que tipo de
mento moderno’, nele encontrando um espaço igualmente acolhe- comunicação ele contribui.
dor” (Lahud, op cit: 29). A teoria da relevância propõe uma radicalização cognitivo-psi-
Não seria exagero dizer que os estudos pragmáticos atuais ins- cológica de certos princípios da pragmática. Há um diálogo constan-
crevem-se nesta problemática de um modo peculiar. De um lado te com Grice, o reconhecimento do valor de suas hipóteses, mas, por
porque estão centrados na questão do significado e da representação outro lado, críticas a vários pontos fundamentais da teoria. Os auto-
na comunicação, isto é, no eixo da continuidade apontada por Foucault res reconhecem em Grice uma idéia fundamental na pragmática é a
e, de outro, porque há um movimento explícito para a superação de de que o ato comunicativo cria expectativas, podendo-se dele inferir
limites no tratamento da questão. Tomo aqui como referência o pro- implicaturas; estas não são linguisticamente “codificadas”, mas
jeto da teoria da relevância que, segundo Sperber e Wilson, recusa os depreendidas das evidências fornecidas, no próprio ato, sobre as in-
velhos moldes no estudo da comunicação, adotando uma nova abor- tenções do falante.
dagem construída a partir do funcionamento da cognição humana. Contudo, a teoria de Grice seria, para Sperber e Wilson, ape-
Para os autores, desde Aristóteles até a semiótica moderna, nas um ponto de partida. Suas idéias devem ser reelaboradas em ter-
todas as teorias da comunicação basearam-se em um único modelo, mos psicologicamente realistas. Distanciando-se de Grice, para quem
denominado “o modelo do código”. os princípios e máximas devem ser conhecidos por falantes e ouvin-
Nele a comunicação é explicada por “um sistema que põe em tes para se obter sucesso na comunicação, os autores partem da
correspondência mensagens internas com sinais externos, permitin- assunção de que falantes e ouvintes não precisam saber mais sobre
do então que dois dispositivos de processamento de informação (or- o princípio da relevância do que aquilo que necessitam saber sobre
ganismos ou máquinas) se comuniquem” (Sperber and Wilson, 1987: os princípios da genética para reproduzir (Sperber e Wilson,
697. Minha tradução). 1986:162).
O princípio da relevância pretende oferecer, entretanto, um Enquanto para o primeiro autor o sucesso não é dado, para
outro modelo da comunicação, o “modelo inferencial” suficiente, Sperber e Wilson. ele é garantido pelo trabalho de um aparato
segundo Sperber and Wilson, para explicar a “interação entre o sig- cognitivo. Os comunicadores não seguiriam o princípio da relevân-
nificado lingüístico e os fatores contextuais” na desambigüização, na cia, eles simplesmente não poderiam violá-lo mesmo se assim o qui-
atribuição de referência, identificação de implicaturas, interpretação sessem (Sperber and Wilson op cit:162).
de metáforas e ironia e outros tantos aspectos lingüisticamente
indeterminados da interpretação de enunciados (Sperber and Wil-
son, op cit).
1
A problemática configurada por Foucault e comentada por Este artigo é o prolongamento de uma discussão que se iniciou com um
Lahud, que atravessa séculos de reflexão sobre a linguagem, tem aqui primeiro trabalho apresentado como participação no painel intitulado
o papel de chamar a atenção para o fato mencionado acima, isto é, de “Error as an empirical challenge to cognitivist approaches to
language use”, coordenado por Claúdia de Lemos na 7th International
que a teoria da relevância aí se inscreve pela via da dissolução do
Pragmatics Conference em Budapeste, Hungria, em julho de 2000. O títu-
problema, de seus mistérios e equívocos, para em seu lugar oferecer lo do primeiro artigo foi: “ Questioning cognitive approachs to
uma hipótese da “comunicação bem sucedida”. Ao fazê-lo procede a argumentation and communication in language acquisition”. Por outro lado,
uma naturalização da linguagem pelas questões de comunicação e embora tenha mantido no título do presente trabalho a questão da argu-
cognição, como já anuncia o título do livro no qual os autores desen- mentação, devo considerar que ele evoluiu de tal forma que a sua questão
volvem sua teoria: “ Relevance: communication and cognition”. central, o leitor verá, não é mais esta. Entretanto, por fidelidade ao resu-
Operação que se desdobra nas inúmeras questões sobre os diversos mo já publicado, nada tirei nem acrescentei ao que fora anunciado.
ABSTRACT: The concept of representation is largely present in studies about language, including language acquisition. This paper discusses the
penetration of this concept in works on narrative acquisition and defends that child narratives must be considered a matter of language functioning.
PALAVRAS-CHAVE: narrativas infantis, representação, funcionamento da linguagem
A idéia de representação está presente em grande parte dos Ao que acrescenta: “Posso ainda ver toda a cena e até situá-la
estudos sobre a linguagem. Ela sustenta o dualismo que opõe, por próximo da estação do metrô [...]” (Piaget, op. cit.). À referencialidade
exemplo, mundo extralingüístico e linguagem, pensamento e lingua- da narrativa propriamente dita - ou seja, à configuração de uma se-
gem, no qual, obviamente, a função do segundo membro do par é qüência temporal de eventos, constituindo um fato, isto é, uma reali-
sempre representar o primeiro. Ou seja, a linguagem ora é tomada dade externa ao texto que se apresenta como dizendo respeito a algo
como instrumento utilizado para representação do mundo, ora como efetivamente vivido por alguém – juntam-se os comentários referin-
um meio para representação do pensamento ou da cognição, verten- do-se à clareza da lembrança do ocorrido, tornando o relato ainda
tes de uma mesmo princípio básico: a função da linguagem é, antes mais convincente. Na seqüência do relato uma surpresa:
de tudo, representar algo que lhe é exterior. Esse estado de coisas “Quando eu tinha cerca de 15 anos, meus pais receberam uma
prevalece desde os primórdios da Gramática Tradicional até as teori- carta da minha antiga babá, dizendo que se convertera ao Exército da
as lingüísticas mais modernas, incluindo ainda teorias do âmbito da Salvação. Ela desejava confessar suas faltas passadas e, em particu-
Filosofia da Linguagem e da Lógica. lar, devolver o relógio que tinha recebido como prêmio na ocasião.
Afinados à perspectiva representacionista, muitos estudos so- Ela havia inventado toda a história, simulando arranhões. Eu devo,
bre a aquisição de narrativas assumem que a capacidade referencial portanto, ter ouvido, quando criança, o relato dessa história em que
da linguagem provém da sua correspondência com o mundo, e, nesse meus pais acreditaram e a projetei no passado sob a forma de me-
sentido, relacionam o relato à fidelidade ao vivido e a ficção à imagi- mória visual, que foi uma lembrança de uma lembrança, apesar de
nação, à criação. Esse é, por exemplo, o pressuposto de Rojo (1989): falsa. Muitas lembranças reais são da mesma ordem, sem dúvida al-
“Se, no relato, “eu” narro o acontecido no mundo real e tenho guma” (Piaget, apud Slobin, op. cit.: 223 – nossas ênfases).
por base da estruturação deste relato a estrutura de ação que realmen- Ou seja, um texto narrado é capaz de suscitar em uma pessoa
te se verifica no real, i.e, a fidelidade aos fatos; na estória, a fidelida- lembranças, sensações de um episódio do qual ela jamais participou.
de ao imaginário a ser compartilhado com um leitor virtual obriga à O fato relatado, como se vê, não passou de uma realidade construída,
criação não só de personagens, mas também de uma voz que viabiliza e fixada na memória como vivenciada pelo narrador, pela linguagem.
a ação dos personagens: o narrador” ( op. cit.: 144). O próprio Piaget vê que o efeito de referencialidade, de algo
Essa perspectiva coincide com aquela do modelo proposto por experienciado, vem da fala do outro. Mesmo se o evento não aconte-
Labov e Waletsky (1967) para relatos de experiência pessoal, muitas ceu, as palavras fazem com que ele tenha acontecido. Piaget é sur-
vezes tomado como base descritiva para as narrativas infantis em preendido por um fato lingüístico: a linguagem está no próprio even-
trabalhos com essa concepção. A função referencial está na base da to. A realidade é, para usar as palavras de Riffaterre (1989), um suce-
principal definição de narrativa oferecida pelos autores: “uma técni- dâneo do texto. Trata-se, pois, de ver o relato não a partir do referen-
ca verbal para recompor experiência, em particular, uma técnica de te externo ao texto, nem de um significado que o antecede e que será
construir unidades narrativas que encaixam na seqüência temporal por ele codificado, mas do efeito que as combinações entre os
daquela experiência” (op. cit.: 13), encaixamento que é condição para significantes promove, ou seja, sua capacidade de estabelecer um
“a interpretação semântica original” da narrativa. Ou seja, “a inter- sistema de referências passível de ser imaginariamente identificado
pretação [...] depende da expectativa de que os eventos descritos ocor- com a realidade externa.
reram, de fato, na mesma ordem que eles foram contadas” (op. cit.: Labov e Waletsky reconhecem no relato uma estrutura com-
30). Note-se que o fato de os autores condicionarem essa interpreta- posta de orientação, complicação, avaliação, resolução e coda1 . Van
ção à ordem em que os eventos efetivamente se deram no mundo Dijk e colaboradores (cf., entre outros, Van Dijk e Kintsch, 1983)
exclui qualquer possibilidade de se tomar a temporalidade produzi-
da pela narrativa como efeito do próprio texto. Ou seja, eles atrelam
o produto narrativo ao acontecimento “real” que lhe deu origem.
Sugerem, pois, que o relato de experiência pessoal seria uma repre- 1 A “orientação” desempenha uma função referencial, ou seja, orienta “o
sentação dos eventos narrados. ouvinte com a respeito da pessoa, lugar, tempo, e situação
comportamental” (op. cit.: 32 - ênfase dos autores). No entanto, ela não
Tal concepção mostra-se, de imediato, um tanto quanto pro-
está presente em todas as narrativas e nem mesmo abrange sempre essas
blemática frente à simples consideração de relatos como esse de quatro funções, além de poder aparecer em outras posições da narrativa;
Piaget, cujo objeto são reminiscências de algo que teria ocorrido no a “complicação” diz respeito ao “corpo principal” das orações narrativas,
segundo ano de idade do autor, cena que ele pode “ainda ver, mui o qual, geralmente, engloba uma série de eventos (essa seção termina
claramente”: sempre onde começa o resultado, embora essa distinção nem sempre seja
“Estava sentado no meu carrinho, que a babá ia empurrando clara); a “avaliação” cuja função é revelar “a atitude do narrador em rela-
nos Champs Elysées, quando um homem tentou raptar-me. Fiquei ção à narrativa enfatizando a importância relativa de algumas unidades com-
preso pelo cinto, enquanto minha babá tentava corajosamente colo- paradas a outras” (op. cit.: 37); a “resolução” resulta da “complicação” e é
a parte da seqüência narrativa que segue a “avaliação” (isso significa que,
car-se entre mim e o seqüestrador. Ela sofreu vários arranhões, e eu
se a “avaliação” for a última seção da narrativa, a “resolução” coincide com
posso ainda ver vagamente os do seu rosto. Depois uma multidão se ela); e a “coda” é um dispositivo funcional para fazer voltar a perspectiva
ajuntou, um policial com uma capa curta e um bastão branco apare- verbal para o momento presente. De todas elas somente a “complicação”
ceu, e o homem saiu correndo” (Piaget, apud Slobin, 1980: 222). e a “resolução” são indispensáveis no relato.
ABSTRACT: This paper proposes some reflection on a possible interrelation between the traces of drawing and the ones of letter. By adopting
the interactive perspective developed in Lemos (1992, 1998, 2000 and others), Pereira de Castro (1998) and Mota (1995) works, we will try
to point out that the reciprocal movement of drawings into letters reveal the constitution of the infant writing as an effect of the work with the
significant (Bosco, 1999).
PALAVRAS-CHAVE: aquisição da linguagem; escrita; desenho; significante.
1. O cognitivismo e a aquisição da linguagem escrita alfabética de linguagem e a hipótese relativa aos esforços infantis para
responder à pergunta: o que é que a escrita representa e de que maneira
Os estudos sobre aquisição da linguagem escrita sustentam representa? No caso particular da linguagem escrita, segundo a autora,
suas reflexões teóricas em um campo interdisciplinar que aproxima a a natureza complexa do signo lingüístico torna difícil a escolha dos
Lingüística da Psicologia. Da primeira, retiram-se os argumentos parâmetros a serem privilegiados na compreensão desse sistema de
necessários à descrição do material lingüístico produzido pela crian- representação pela criança, sem correr o risco de dissociar significante
ça e/ou a definição dos pré-requisitos lingüísticos indispensáveis à sonoro e significado e, assim, destruir o signo lingüístico.
aquisição da linguagem; e da segunda, as noções de sujeito, ausente Na proposta de Ferreiro, encontramos a noção de represen-
das considerações teóricas da Lingüística, e de desenvolvimento, para tação sob dois sentidos: (a) é conceitual e operacional, relacionada
explicitar as transformações que ocorrem na linguagem infantil no aos processos cognitivos em jogo nas conceitualizações da lingua-
decorrer do processo de aquisição. Fundamentadas em princípios da gem escrita pela criança; é construtiva e responsável pela formação
Psicologia, especialmente a Psicologia do desenvolvimento, essas de conceitos e, portanto, determinante do modo como se estruturam
discussões apresentam a linguagem escrita como um objeto de co- os estágios de desenvolvimento. Por outro lado, as operações con-
nhecimento a ser adquirido pela criança, entendida como sujeito cretas da criança necessitariam ter como suporte uma outra repre-
epistêmico, cujas propriedades perceptuais e cognitivas precedem e sentação: a (b) figurativa, que se limita às configurações da realida-
determinam o processo de aquisição da linguagem escrita. de; são imagens, símbolos que evocam o objeto-escrita, sem trans-
A noção de representação, argumento central no campo da formar as estruturas internas do sujeito; representação é, nesse sen-
Psicologia cognitiva, apresenta-se como eixo de convergência em tido, reprodução.
torno do qual se alinham as diversas teorias sobre aquisição da lin- Esses seriam, respectivamente, os aspectos conceituais e os
guagem escrita. Considerada como um fenômeno psíquico consci- aspectos figurativos considerados por Ferreiro. Seguindo a hipótese
ente e intencional, a representação tem no sujeito epistêmico sua piagetiana, a autora vai considerar as atividades de produção escrita
origem. A linguagem escrita, objeto do conhecimento a ser adquiri- da criança como reveladoras dos níveis de conceitualizações sobre o
do, é considerada como representação, seja da linguagem oral, sen- objeto-escrita, a partir das quais, por apresentar uma evolução regu-
do esta entendida como expressão ou veículo de comunicação do lar e ordenada, é possível identificar três grandes períodos: (a) o pe-
pensamento, seja de significados prévios dados (e a serem encon- ríodo pré-silábico, no qual inexistria a correspondência entre som e
trados) no texto. A noção de signo lingüístico, em seu caráter ex- grafia; (b) período silábico, ponto de virada do processo, quando a
pressivo e representativo, alinha-se à de representação e as concep- criança principiaria a correspondência entre som e letra, sustentan-
ções de linguagem e conhecimento identificam-se a um processo do-se numa hipótese híbrida constituída de duas hipóteses, a silábica
de compreensão pelo sujeito da base alfabética da escrita ou dos e a alfabética, com algumas letras representando sílabas, outras
sentidos dados no texto. fonemas; e (c) período alfabético, quando a escrita da criança se or-
Nesse campo de reflexão sobre a linguagem escrita, a cons- ganizaria em termos de correspondência termo a termo, entre grafema
tância da noção de representação sustenta-se na tradição do pensa- e fonema.
mento ocidental que impõe a primazia do oral e a secundariedade/ O período pré-silábico caracteriza-se pela atividade da criança
exterioridade da escrita. Essa tradição, então, não deixa de surtir seus em busca de parâmetros que possibilitem introduzir certas diferenci-
efeitos nas reflexões sobre aquisição da linguagem escrita pela rede ações dentro do universo das marcas gráficas. Em função disso, a
de relações conceituais que põe em cena, pré-determinando outras criança buscaria inicialmente estabelecer uma distinção entre modo
concepções no interior da cadeia discursiva que se instaura, dentre de representação icônico e não-icônico, a fim de realizar a ruptura
elas, as de percepção e memória; ambas, assim como a noção de básica e necessária, no sentido lógico do termo, que sustentaria as
representação, importadas da Psicologia. construções subseqüentes: a distinção entre desenho e escrita.
O campo teórico que se delineia a partir do estabelecimento Segundo Ferreiro, nos primeiros traços infantis, desenho e es-
desses pressupostos não deixa espaço para o reconhecimento dos efei- crita não possuiriam diferenças substanciais. Ambos consistiriam em
tos da língua como um sistema em funcionamento, impedindo a iden- marcas visíveis sobre o papel que iriam paulatinamente se diferenci-
tificação da natureza lingüística do processo de aquisição da lingua- ando em função daquilo que o sujeito pretende representar, com al-
gem escrita e limitando sua descrição aos passos que a criança dá na gumas grafias adquirindo formas figurativas de objetos do mundo e
construção da relação (de representação) entre oralidade e escrita. outras evoluindo em direção à imitação dos caracteres escritos.
Nesse sentido o trabalho de Emília Ferreiro é exemplar. Apoi- Em determinado momento do processo de aquisição, ocorre-
ando-se nos princípios da teoria psicogenética piagetiana, a autora ria uma ruptura definitiva que possibilitaria a constituição de rotas
busca verificar as estruturas lógicas que seriam mobilizadas na aqui- paralelas de evolução e, conseqüentemente, o estabelecimento da
sição da linguagem escrita, centrando sua atenção no processo de especificidade de cada um, permitindo o que a autora chama de pri-
construção conceitual das relações entre oralidade e escrita. Em suas meiro critério organizador de um material composto por várias mar-
considerações teóricas, levará em conta o sistema de representação cas gráficas, resultando na dicotomia entre figurativo e não-figurati-
ABSTRACT: In this paper we intend to identify adult literacy as a process of social production and control of social change at a discourse level and
in relation to literacy studies. Based on the Social Theory of Discourse, we analyse data related to discursive literacy practice in the Adult Literacy
Course at the Centre for the Development and Culture of Paranoá (CEDEP). Based on the conception of the technologization of discourse, we are
investigating practices of collective text production.
PALAVRAS-CHAVE: discurso; letramento; tecnologização; texto coletivo.
1. Introdução parte do fato de que a linguagem não é apenas uma forma de represen-
tação do mundo, mas também de ação sobre o mundo e sobre o outro.
“Todo sistema de educação é uma maneira política de manter Por outro, supera a caracterização do uso da linguagem como ativida-
ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os de puramente individual ou como reflexo de variáveis sociais, apon-
poderes que eles trazem consigo.” (Foucault, 1996) tando para a relação dialética que existe entre a prática discursiva e a
estrutura social: a estrutura social é, ao mesmo tempo, condição e
Em trabalhos anteriores (Costa, 1999 e 2000), procuramos efeito da prática discursiva (ou, melhor, da prática social)2 .
identificar processos de mudança nos usos da linguagem relativos à Para tratar da relação entre sociedade e evento discursivo,
educação de jovens e adultos, de modo a podermos explicar o cará- Fairclough propõe uma concepção de discurso e um modelo de aná-
ter de tecnologização discursiva desse tipo de prática pedagógica. lise de discurso tridimensionais: todo evento discursivo é considera-
Com base na Teoria Social do Discurso (Fairclough, 1999; 1992) e do, simultaneamente, como texto, como prática discursiva (proces-
nos novos estudos do letramento (Magalhães, 1995; Kleiman, 1995), sos de produção, distribuição e consumo textuais) e como prática
analisamos um conjunto de dados ligados ao fenômeno do analfabe- social (tipos de ação social). Esse modelo permite relacionar o exa-
tismo no Distrito Federal, investigando o relacionamento da capaci- me detalhado dos produtos dos eventos discursivos à orientação da
dade dos cursos de alfabetização para gerar contrapralavras (Bakhtin, prática social, ou seja, a posição dos textos face às estruturas da soci-
1997) com a reversão da desigualdade social nessa área. edade, por meio do exame da prática discursiva.
Nesse artigo, estamos interessados em aprofundar a caracte- Nesse sentido, considera-se que todo evento discursivo é
rização do processo de tecnologização do discurso, mediante a análi- derivado de conjuntos ordenados de práticas discursivas associados
se de práticas específicas, como a produção de textos coletivos, e de a instituições ou domínios sociais particulares, relativos aos diferen-
seu relacionamento com os diferentes gêneros discursivos. Desta- tes contextos de interação. Fairclough usa o termo criado por Foucault,
cam-se, no processo de avaliação das mudanças discursivas produzi- ‘ordem de discurso’, para denominar esses conjuntos, considerados
das por esses programas, as categorias de intertextualidade manifes- em suas relações complexas, variáveis e historicamente determina-
ta e de intertextualidade constitutiva, uma vez que a geração de das. Assim, em cada domínio social, instituição e mesmo em níveis
contrapalavras nessas práticas de linguagem depende de escolhas sociais mais amplos, pode-se especificar a que tipos de texto, gêne-
acerca da representação das diferentes vozes e das possibilidades de ros discursivos e discursos é possível recorrer no exercício das práti-
passagem da oralidade para a escrita, tendo conseqüências diretas cas sociais: tipos de texto são atualizações muito particulares de gê-
sobre as identidades constituídas para professores e alunos, bem como neros discursivos, termo que se refere aos usos da linguagem associ-
para a comunidade em geral. ados a atividades sociais particulares, descritos em termos de suas
propriedades organizacionais; discursos são formas lingüísticas de
2. A Análise de Discurso Crítica representação das práticas sociais que são construídas a partir de um
ponto de vista particular e ganham relevância quando relacionados
A Análise de Discurso Crítica tem-se configurado como um às duas categorias anteriores (p. ex.: ‘aula expositiva’, ‘aula’; ‘dis-
campo de estudos desenvolvido por pesquisadores interessados em curso da pedagogia tradicional’).
descrever e explicar o envolvimento da linguagem no funcionamen- Outra questão importante diz respeito ao uso dessas conven-
to da sociedade contemporânea, também referida como modernidade ções da prática discursiva, que pode ser reprodutor ou inovador e, de
tardia. A abordagem que indicaremos a seguir é uma das formula-
ções dessa linha teórico-metodológica.
Direcionada ao estudo das dimensões discursivas da mudan- 1
Endereço eletrônico: alexandre@letras.ufg.br
ça social, a Teoria Social do Discurso (Fairclough, 1999; 1992) apre- 2
Fairclough (op. cit.: 57) define prática como “exemplos reais de pessoas
senta uma concepção de linguagem e um quadro analítico construídos fazendo ou dizendo ou escrevendo coisas”, ou seja, refere-se a pessoas
a partir do conceito de prática social. Por um lado, essa concepção agindo socialmente, por meio da linguagem.
Texto 2
Produção de texto Referências bibliográficas
Eu diria que este é um momento único, onde o alfabetizando é BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 8 ed. São Paulo:
convidado subtilmente a expressar a sua opinião, ou seja, a Hucitec, 1997.
maneira como ele ver as coisas acontecerem ao seu redor e a COSTA, A. Alfabetização de jovens e adultos e mudança social: uma
forma como as enfrentam, este é um momento delicado para o abordagem discursiva para o fenômeno do alfabetismo. In: MA-
alfabetizando, pelo receio de se expor e a insegurança de não GALHÃES, I. (Org.). Discurso, Gênero e Educação. Brasília,
acertar, e, para o alfabetizador, na condução do processo , por- EdUnB, no prelo.
que é iminente o perigo da indução no momento da elaboração COSTA, A. Alfabetização de jovens e adultos e mudança social: práti-
do texto, é quase impossível manter á imparcialidade. Pelo visto, cas discursivas de letramento em conflito. Dissertação (Mestrado)
terei que me trabalhar muito, para não incorrer na intromissão - Programa de Pós-Graduação em Lingüística, Universidade de
do trabalho criativo do outro. Brasília, Brasília, 1999.
FAIRCLOUGH, N. Discourse and social change. Cambridge: Polity
Como se pode perceber, os “problemas” relativos à produção Press, 1992.
de textos coletivos indicados pelas professoras têm orientações total- FAIRCLOUGH, N. e CHOULIARAKI, L. Discourse in late modernity.
mente opostas. No texto 1, a professora refere-se apenas a dificulda- Edinburgh University Press, 1999.
des ortográficas comuns e desconhece ou despreza outras questões FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola,
importantes que serão colocadas no texto 2. A autora do segundo 1996.
texto, parece ter mais clareza do verdadeiro papel desse tipo de ativi- KLEIMAN, Angela (Org.).Os significados do letramento: uma nova
dade dentro da proposta do programa e relaciona a estratégia de gera- perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado
ção de contrapalavras aos riscos de manipulação e de enfraqueci- de Letras, 1995.
mento inerentes a esse tipo de tecnologia. MAGALHÃES, I. “Práticas discursivas de letramento: a construção
Por hipótese, a primeira professora opera com discursos di- da identidade em relatos de mulheres”. In A. Kleiman, (Org.). Os
ferentes da autora do segundo texto no gerenciamento de suas práti- significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática
cas; ou seja, recorre a conjuntos de conhecimentos verbais acerca da social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 1995.
produção de textos coletivos que privilegiam aspectos diferentes das REIS, R. H. A constituição do sujeito político, epistemológico e amo-
concepções privilegiadas pelo programa. As questões relacionadas a roso na alfabetização de jovens e adultos. (tese de doutorado).
língua padrão evidentemente não podem ser desprezadas, mas não Universidade Estadual de Campinas, 2000.
são de modo algum o item mais importante desse tipo de tecnologia RODRIGUES, Elenita. Escrita, Identidade e Gênero discursivo: A
discursiva. As formas de representação das diferentes vozes dos alu- Análise de Discurso Crítica na formação de alfabetizadores(as)
nos, a operação com os enunciados produzidos na oralidade e suas de jovens e adultos do movimento popular. Universidade de
conseqüências sobre as identidades dos alunos certamente são de Brasília, dissertação de mestrado em andamento.
ABSTRACT: This paper discuss a conception of Education built upon learners’ linguistic experience, focusing the development of a Critical
Language Awareness - CLC (Fairclough, 1992b). Firstly, we analise data from the implementation of the principles of CLC. Secondly, we discuss the
role of local discourse orders in CLC and on the empowerment of social identities.
PALAVRAS-CHAVE: Discurso; Identidade; Educação; Fortalecimento.
ABSTRACT: The aim of this paper is to analyze how different theoretical linguistic approaches constitute productive instruments for the teaching
practice and how the “cursos de letras” can deal with this different approaches. When we emphasize the text as the unit for the teaching-learning
process we do not break off with traditional practices but reorient these practices. Thus, the interactional – or discursive – language approach can
be a productive contribution to the learning of future teachers
PALAVRAS-CHAVE: Língua. Discurso. Texto. Ensino.
Desde que a Lingüistica passou a fazer parte, como discipli- (3) À concepção de língua como interação ou atuação social
na, dos currículos de Letras, uma preocupação, por vezes exagera- corresponde uma ênfase na unidade “texto”.
da, com a sistematicidade tem freqüentemente afastado a prática
escolar do foco que ora se coloca com ênfase no texto. As razões Reconhecemos, em nossa prática pedagógica, ora o privilé-
para isso são várias, desde a dificuldade para tratar o texto com o gio de uma dessas tendências ora de outra, mas a adoção de uma
aparato formal utilizado para outras áreas de estudo da língua até o delas nas nossas escolas não se faz de maneira inocente ou neutra:
comodismo criado pela proliferação de literatura previamente pre- as conseqüências nas atividades didático-pedagógicas são visíveis
parada – descontextualizada e “homogeneizada” – de exercícios e inevitáveis.
estruturais e “interpretações de texto”. Mas talvez a principal des- A partir do crescente prestígio das abordagens discursivas em
sas razões tenha a ver com o objeto que os estudos lingüísticos têm todo mundo, a terceira dessas concepções tem trazido para as práti-
colocado no horizonte de sua análise, de seu trabalho: a língua. cas escolares valores lingüísticos que não constituíam preocupação
Diferentes maneiras de conceber a língua conduzem a diferentes em outras práticas que valorizavam prioritariamente a estrutura. No
escolhas nas estratégias de ensino-aprendizagem. E neste âmbito se atual estádio dos estudos lingüísticos, pode-se acreditar hoje que a
instala a responsabilidade da ciência lingüística, nos cursos de le- ênfase no texto não prescinde de sistematicidade – ou de rigor cien-
tras, ao formar novos professores. tífico. Isso porque compreender e utilizar adequadamente os siste-
Para Ilari (1992:14), “hoje em dia estamos livres dos compro- mas simbólicos que constituem o vernáculo é, além de reconhecer o
missos filosóficos que deram origem à gramática tradicional; nosso valor social da linguagem e o papel que ela representa no estabeleci-
compromisso é preparar o futuro professor para compreender a ativi-
mento das distinções sociais e na legitimação dos saberes escolares,
dade da fala de seus alunos.” No entanto, tem sido difícil para profis-
reconhecer que a tomada de consciência sobre o funcionamento de
sionais formados em “compromissos filosóficos” diferentes dar uma
um objetivo é a maneira mais imediata e natural de se apreender e
feição sistemática e coerente ao objetivo proposto de “compreender
conhecer tal objeto.
a atividade de fala”, seja dos próprios nossos alunos, seja dos alunos
E é pelo caminho dos estudos discursivos da linguagem que a
de nossos alunos. Por isso, ressalta Ilari (1992: 16) o grande potenci-
al formativo da Lingüística para introduzir na formação do professor sistematicidade desses conhecimentos nos é colocada à disposição.
“um elemento de participação ativa na análise da língua, que o habi- Sabe-se hoje – mais do que há algumas décadas – que os “jogos de
litará a agir de maneira crítica às opiniões correntes, e lhe permitirá, linguagem” (cf. Wittgenstein, 1953) são constitutivos da interação
em sua vida profissional, avaliar com independência os recursos di- lingüística. E que os sujeitos se constituem pelo uso do código
dáticos disponíveis e as observações e dificuldades de seus alunos”. lingüístico em específicas formações discursivas. Mas, embora a ên-
Com esse perfil, entende-se um professor pronto a assumir o fase na mensagem também traga para o “jogo lingüístico” a presença
papel de condutor do processo ensino-aprendizagem que se constrói dos interlocutores, é numa abordagem discursiva que eles ganham
na tomada de consciência acerca do funcionamento e das proprieda- sistematicidade. Segundo Orlandi (1999:20-21), “a noção de discur-
des da língua; um condutor que, ao mesmo tempo que reconhece sua so, em sua definição, distancia-se do modo como o esquema elemen-
responsabilidade em dar continuidade a uma tarefa culturalmente tar da comunicação dispõe de seus elementos” porque “não se trata
legada, também é capaz de articular esses fatores históricos com a de transmissão de informação apenas, pois, no funcionamento da lin-
realidade diversificada. Para atender às necessidades de um profes- guagem, que põe em relação sujeitos e sentidos afetados pela língua
sor assim preparado, que contribuições tem uma teoria lingüística a e pela história, temos um complexo processo de constituição desses
dar? Ou seria “teorias lingüísticas”? sujeitos e produção de sentidos.” Não há essa aparente linearidade
Recuperando grosseiramente a história dos estudos lingüísticos na disposição dos elementos da comunicação, como se mensagem
nos cursos de letras, encontramos o objeto língua como o ponto cen- resultasse de um processo serializado. Daí a produtividade do apara-
tral e em comum desses estudos. No entanto, o que tem sido conside- to fornecido por abordagens discursivas para compreender – e traba-
rado, ou definido, como língua tem variado mais do que de imediato lhar – a língua como um objeto simbólico que produz sentidos.
estamos prontos a reconhecer. Já em trabalho anterior destacamos Por isso o que se entende por texto passa a se tornar o
(Coroa, 2000) três grandes tendências que agrupam as teorias mais ponto crucial de um processo de ensino-aprendizagem que se
conhecidas sobre o objeto de estudo língua. insira explicitamente na terceira abordagem acima mencionada.
Com o apoio em autores que sistematizaram o tema (como, por
(1) À concepção de língua como estrutura corresponde uma ên- exemplo, Orlandi, 1988 e 1999, e Brandão, 1995), pode-se con-
fase no código (na unidade morfológica, signo, palavra ou sentença). ceber, então, o texto como:
(2) À concepção de língua como comunicação corresponde
uma ênfase na mensagem, por sua vez constituída estruturalmente (a) o ponto de encontro – e dispersão – das diversas realidades
como sentença. (lingüísticas e sociais) que conduzem a essa construção;
ABSTRACT:In this paper, I want to analyze the discursive and ideological practices in children’s fiction worked in schools. I focus aspects about the
actual situation of the teaching of reading and I contemplate the contributions of the Analysis of Discourse to the more critical and conscious
readers’ formation.
PALAVRAS-CHAVE: leitura, ensino, ideologia, discurso.
ABSTRACT: This paper is report to an ethnographic research carried on in public school of Brasília-DF, according to the theorical view of the
Critical Discourse Analysis. Here the teaching-learning process is concieved as a social pratice both constituing reality and constituted by it..
Refletir sobre o sujeito professor(a) e sua prática social de constituição dos(as) alunos(as) como sujeitos capazes de participa-
ensino envolve várias questões. Para pensar estas questões funda- rem ativamente da vida em sociedade. Acerca da Professora 5, esta
mentadas na realidade concreta da escola, partimos de uma pesquisa concluiu sua formação acadêmica em 1996 em uma universidade do
etnográfica que realizamos com professores(as) de Língua Portuguesa interior do Paraná. Sua formação parece não ter sido tradicionalmen-
(de agora em diante LP), nos últimos ciclos do ensino fundamental, te gramatical, mas, durante a pesquisa, só verificamos eventos de
em uma escola regular da periferia, da rede oficial de ensino de letramento em que a gramática foi a base.
Brasília-DF. Abordemos também o contexto conjuntural e discursivo da
O ponto de vista teórico partiu da consideração de que o ensi- pesquisa. No primeiro momento, os encontros com os(as)
no é uma prática que envolve crenças, valores, sentimentos, atitudes professores(as) se deram apenas com o objetivo de apresentar a idéia
e relações sociais, já que é letramento (Barton e Hamilton, 1998). da pesquisa. Depois, os contatos se realizaram por meio de discus-
Assim, cremos que, de alguma forma, o(a) professor(a), tendo ideo- sões de textos, eventos em que pudemos discutir diversos pontos a
logicamente uma prática intencional nesse sentido ou não, pode pro- respeito da prática docente e da fundamentação teórica da pesquisa.
porcionar condições de os(as) alunos(as) lutarem socialmente para Concomitantemente, também assistimos a algumas aulas. Em termos
serem sujeitos sociais. Pois, além de outras questões que determi- de recursos metodológicos, a pesquisa se realizou por meio de entre-
nam o ensino - sendo o letramento uma prática social -, vista, de discussões, questionário, assistência à aulas registradas em
imbrincadamente, relaciona aluno(a) e professor(a) na prática de notas de campo.
sala de aula, em que ambos se constituem dialeticamente nessa prá- Acerca da análise dos eventos da pesquisa, registramos que as
tica discursiva de letramento. discussões com os(as) professores(as) revelaram uma das primeiras
E partindo disso, procuramos, durante a pesquisa, desenvol- dificuldades visíveis: o embate de ideologias, seja esta ideologia ad-
ver reflexões conjuntamente com os(as) professores(as), com o in- quirida pela formação acadêmica ou profissional dos(as)
tuito de provocar uma consciência lingüística crítica dessa situação, professores(as), ou pela história de vida de cada um(a), ou dos dois
e articularmos, também em conjunto, formas viáveis de sistematiza- fatores em conjunto. Resumindo, podemos dizer que uma grande
ção de suas(nossas) práticas de letramento, objetivando contribuir questão ou é o fato de os(as) professores(as) terem tido uma forma-
para constituição de sujeitos sociais, de cidadãos(ãs) críticos(as). Isto ção, basicamente, gramatical, dissociada de outros eventos de
porque a tomada de consciência dos usos da linguagem e a capacida- letramento de sala de aula, ou uma formação apenas, incipientemente,
de de “usar” essa linguagem, tendo consciência crítica dela, pode discursiva ou interacional, no sentido de propor um trabalho pouco
instrumentalizar e capacitar intelectual e lingüisticamente os sujei- consistente com textos.
tos, para atuarem socialmente como cidadãos(ãs), capazes de agirem Outra questão que se revelou bem explícita é que a história de
criticamente ( Fairclough, 1992b). vida de cada um(a), como também, as condições de trabalho influen-
Agora, como neste trabalho nos propomos, basicamente, a re- ciam, consideravelmente, na prática de cada professor(a). Talvez mais
latar a pesquisa, apresentemos um breve perfil dos(as) professores(as) do que a formação acadêmica, cultural e social de cada um(a).
colaboradores(as). Eles(as) eram em número de cinco, e compunham Partindo disso, e considerando que os sujeitos da pesquisa
o corpo docente na área de linguagem, do ensino fundamental, do constituem a prática pesquisada - pois que cada um(a) é um sujeito
Centro Educacional 03, de Brazlândia, cidade satélite do Distrito particular, que constitui dentro do contexto escolar, a própria prática
Federal. Em termos de formação e de prática, eram caracteristica- nessa prática discursiva social -, conheçamos como os sujeitos da
mente bem diferentes. Tratando de formação, eles(as) podem ser as- pesquisa constituem suas práticas, a partir de como se apresentam
sim delineados: Professor 1 ainda não concluiu sua formação acadê- nela, e do que sobre ela dizem. Como afirmam Chouliaraki e
mica, que está sendo feita em uma universidade federal, mas já se Fairclough (1999), a prática tem seu aspecto reflexivo. Ou seja, o(a)
percebe que ele busca trabalhar próximo a uma abordagem professor(a) também constrói sua prática, a partir do que diz e do que
interacional ou discursiva. A Professora 2 concluiu sua graduação pensa sobre ela, e, assim, constitui uma prática particular, dentro da
na década de 1980, em uma universidade federal no interior de Mi- prática social de letramento como um todo.
nas Gerais, e desde essa época, leciona. Ela teve uma formação Para os fins deste trabalho, selecionamos a análise sobre a prá-
marcadamente gramatical e, apesar de ter participado de vários cur- tica de dois(uas) dos(as) professores(as), para evitar um alongamen-
sos de atualização, sua prática continua seguindo o alinhamento da to não desejado do texto. Tem-se, então, sobre a prática da Professo-
formação acadêmica. O Professor 3 concluiu sua formação em 1995, ra 2, que sua formação foi marcadamente gramatical, e, possivel-
no Distrito Federal, e já leciona há oito anos. Ele teve uma formação mente, por conseqüência disso, mesmo fazendo cursos sobre dife-
que se propôs interacional; e, além disso, ele realiza um trabalho rentes abordagens de ensino de LP, ela mesma considera muito difí-
muito dinâmico e de agrado dos(as) alunos(as). A Professora 4 con- cil pôr em prática o que vê nos cursos. O que nos leva a hipótese de
cluiu sua formação acadêmica em 1995, em uma universidade parti- que os cursos falham por darem pouca – ou nenhuma – orientação
cular no Distrito Federal. Sua formação foi conforme uma aborda- metodológica de aplicação da teoria discutida. Apesar de que com
gem predominantemente gramatical. Ela já participou de vários cur- isso, não queremos dizer que tenha de existir um modelo pronto. Até
sos de atualização e revela preocupação com a questão da transfor- porque, se assim pensássemos, a criatividade e o contexto histórico-
mação social. Reconhece o importante papel do(a) professor(a) na social do(a) professor(a) seriam desconsiderados. No entanto, a ques-
RESUMÉ: J’adopte l’approche modulaire du discours développée à Genève pour traiter des emplois du “onde” dans les textes académiques. Je
présente des structures hierarchiques et relationnelles proposées à partir de l’interprétation que je fais de ses empois et j’analyse son fonctionnement
comme un connecteur qui relie des constituants discursifs et contextuels.
PALAVRAS-CHAVE: discurso; conectores pragmáticos; abordagem modular; pragmática
Os conectores pragmáticos têm despertado o interesse dos sentidos como tal, ou podem servir à intenção do autor de produzir
estudiosos do discurso, desde os anos setenta, devido ao importan- um texto de feição menos formal. Mas, via de regra, quanto mais
te papel a eles atribuído na estruturação do discurso. Eles podem atento está o autor ao gênero do texto que produz, mais ele se em-
ser conjunções, advérbios ou locuções adverbiais, pronomes relati- penha em empregar estratégias que considera próprias a esse gêne-
vos, enfim, cuja função é a de, como assinala Rossari (inéd.:4), ro de texto.
“significar uma relação (donde o termo conector), relação que se Assim, as ocorrências de “onde” nos textos acadêmicos escri-
estabelece entre entidades lingüísticas ou contextuais (donde o ter- tos pelos universitários me levam a perguntar sobre um outro uso
mo pragmático)”. desse item. Levanto, então, a hipótese de que ele atua na organização
Nas diferentes abordagens da análise do discurso, essas mar- do discurso como elemento que encadeia enunciados entre os quais
cas lingüísticas2 que pertencem a categorias gramaticais variadas re- se interpreta a existência de relações argumentativas.
cebem tratamentos diferentes. A Pragmática, que reativou o interesse Colocada a hipótese de que, além de seu funcionamento tradi-
pelo estudo da argumentação, trata com especial atenção dos cional, esse item atua na organização discursiva como um conector
conectores, considerados “um dos mecanismos essenciais da persua- discursivo4 , passo a examinar diversas ocorrências do “onde” en-
são da linguagem” (Maingueneau,1996:63). A Pragmática integrada contradas em textos produzidos por alunos de graduação na UFMG.
de Ducrot concebe os conectores como morfemas que possuem uma Para investigar essas ocorrências, utilizo, como referencial te-
significação instrucional, uma vez que oferecem instruções órico-metodológico, o Modelo de Análise Modular do discurso que
argumentativas para a interpretação dos enunciados. Para a Pragmá- vem sendo desenvolvido por Roulet e sua equipe em Genebra. A
tica conversacional desenvolvida pela equipe liderada por E. Roulet, escolha desse modelo se deve ao fato de que, inspirando-se nos di-
os conectores pragmáticos são definidos como marcadores das rela- versos trabalhos de várias correntes de pesquisa no domínio da prag-
ções existentes entre os diversos tipos de constituintes da estrutura mática (Roulet et al., 1985: 1-7) e influenciado principalmente pela
hierárquica; são eles que oferecem instruções sobre as relações hie- concepção bakhtiniana de discurso como interação verbal, o autor
rárquicas entre constituintes discursivos e/ou relações pragmáticas propõe-se a integrar e a ultrapassar essas diferentes abordagens de-
entre constituintes discursivos e informações estocadas na memória senvolvendo uma concepção de discurso como a combinação de in-
discursiva3 (Roulet, 1995). Para a Pragmática cognitiva, uma cor- formações das dimensões lingüística, textual e situacional e propon-
rente mais recente nos estudos da linguagem, os conectores são vis- do, em versões posteriores do modelo, um instrumento de análise da
tos como guias para a interpretação, e portanto como facilitadores da organização do discurso, que recebe o nome de abordagem modular
compreensão dos enunciados nos quais aparecem. (Roulet, 1991).
Os conectores, então, nas diferentes abordagens, são vistos
como elementos que desempenham funções no discurso, já que são A análise dos usos discursivos do “onde”
marcas que indicam conexões cujo lugar de realização é o discurso
(Reboul e Moeschler, 1998). Seu emprego pode ser de fundamental Segundo Roulet et al.(1985), os conectores articulam as uni-
importância para a interpretação, uma vez que guiam o interlocutor dades discursivas que são o ato (unidade mínima do discurso), a in-
em seu percurso interpretativo, dando-lhe instruções sobre a maneira tervenção (maior unidade monológica) e a troca (menor unidade
de interpretar a relação entre os constituintes discursivos. dialógica). Sendo assim, têm uma função de estruturação do discurso
Um conector cujo emprego pode ser considerado problemáti- e por isso recebem um tratamento que os associa a um papel funda-
co, na medida em que é visto como responsável por problemas de mentalmente organizacional. É principalmente na forma de organi-
estruturação de frases quando usado de forma diferente do previsto zação relacional do discurso que se focalizam os conectores.
pela tradição gramatical, é o item “onde”. Por ser considerado pelas Segundo Roulet (1996, 1999, 1999b), a forma de organização
gramáticas do português padrão como advérbio relativo que “indica relacional é a que trata das relações que existem entre os constituin-
lugar em que se situa a ação verbal”, recomenda-se que seja empre- tes do texto, definidos na estrutura hierárquica, e as informações pre-
gado apenas com referência a lugar, estando seu antecedente expres-
so ou latente. No entanto, trabalhando com textos acadêmicos escri-
1 Este trabalho se insere em minha pesquisa de Doutorado em que objeti-
tos, produzidos por alunos universitários, chama a minha atenção um
vo apresentar uma interpretação lingüístico-discursiva para o item “onde”.
novo uso desse item que parece indicar uma ampliação no seu campo 2 Chamam-se de marcas lingüísticas as “pontes” que asseguram uma ligação
de atuação. entre as formas lingüísticas apresentadas no enunciado e seus dados extra-
O aluno-autor de um texto acadêmico geralmente procura dis- lingüísticos. (Luscher, 1989)
ciplinar o seu texto, tendo em vista o seu destinatário, o professor ou 3 A memória discursiva é entendida como “conjunto de saberes consciente-
a própria academia. Dessa forma, empenha-se em planejá-lo, a fim mente partilhados pelos interlocutores” (Berrendonner, 1983: 230).
de dar-lhe uma feição mais formal (ou menos coloquial). Isso não 4 Como assinala Reboul e Moeschler (1998), a terminologia não é fixa. Fala-
quer dizer, entretanto, que não se possa nele encontrar traços do tex- se em conectores pragmáticos, conectores discursivos (Blakemore),
conectores interativos (Roulet et el.), palavras do discurso (Ducrot et. al.),
to oral, já que esses traços podem não ser, muitas vezes não o são,
marcas de conexão (Luscher), etc.
ABSTRACT: The goal of this paper is to present empirical evidence in order to distinguish two approaches for optionality in optimality-theoretic
syntax. The data come from wh-questions in Brazilian-Portuguese. It will be shown that one approach, named ‘global ties’, accounts for the data,
while the other, named neutralization, makes wrong predictions.
PALAVRAS-CHAVE: Teoria da Otimalidade ; sintaxe ; interogativas-Q ; variação.
1. Introdução ótimo de outro input, com a ressalva de que os dois inputs possuem
A Teoria da Otimalidade (OT) define ‘gramaticalidade’ como estruturas minimamente diferentes. Esse caminho é denominado
sendo o resultado ótimo de uma competição de candidatos em rela- “neutralização”, pois as diferenças dos inputs podem ser neutraliza-
ção a um determinado input lingüístico. No caso da sintaxe, tem-se das nos outputs (Müller, 1999).
que do input (geralmente, a estrutura argumental de um verbo Schmid (1999) utilizou três conjuntos de dados que continham
lexicalmente realizada; ver Grimshaw 1997) são gerados todas suas ‘opcionalidade’ (e sua ausência em determinados contextos) para
possíveis análises. Essas, por sua vez, entram em competição de acordo comparar as duas abordagens. Sua análise concluiu que ambas da-
com a hierarquia das restrições violáveis da Gramática e a análise vam conta dos conjuntos de dados. A autora comparou, então, as
que se relacionar de modo mais ‘harmônico’ com essas restrições vantagens e desvantagens conceptuais de cada abordagem: se, por
constituirá o output, a realização do input. um lado, a abordagem do “empate global” possibilitava visualizar
De imediato, dois problemas surgem para essa abordagem. O melhor os conflitos inerentes à Gramática, por outro abria espaço
primeiro vem sendo tratado como o problema da ‘inefabilidade’, ou para que um indivíduo possuísse mais de uma Gramática; se, por um
seja, o caso de um input não possuir um output em uma determinada lado, a abordagem da “neutralização” se utilizava apenas de caracte-
língua (ver Pesetsky 1998 para uma discussão do assunto). O segun- rísticas básicas da Teoria da Otimalidade (eliminado o conceito de
do diz respeito à possibilidade de haver mais de uma análise ótima de “empate”), por outro aumentava em complexidade o input e o con-
um mesmo input, um problema que vem sendo abordado como junto de análises competindo para ser o output ótimo. Schmid optou
‘opcionalidade’. A questão da opcionalidade na sintaxe, do ponto de pela abordagem da “neutralização”, ressalvando, no entanto, que
vista da Teoria da Otimalidade, é o foco deste trabalho. evidência empírica em favor dessa abordagem ainda estava para ser
encontrada.
2. Duas abordagens para a ‘opcionalidade’
Nos estudos de sintaxe baseados na Teoria da Otimalidade, 3. Testando as abordagens: os dados
tem-se considerado como ‘opcionalidade’ a situação de haver duas Nesta seção, será apresentado um novo conjunto de dados a
formas para expressar um mesmo sentido. Um dos exemplos mais fim de testar as duas abordagens: trata-se das interrogativas-Q com
discutidos (Grimshaw 1997, Pesetsky 1998) é o da opcionalidade do elemento-Q argumental no Português do Brasil (PB), tanto a Gramá-
complementizador em sentenças encaixadas do Inglês, conforme os tica do adulto quanto a infantil.
pares abaixo, em (1): Vários estudos (Duarte 1992, Sikansi 1999b, Lima 2000) têm
mostrado que as interrogativas-Q com elemento-Q argumental são
(1) (a) “I think that it will rain”. formadas no PB com a presença de um expletivo “(é) que”. Os dados
(b) “I think it will rain”. de Duarte (1992, p.42) revelam que 94% das interrogativas-Q do ano
de 1989 possuíam algum expletivo; nos dados dos adultos do estudo
Há dois caminhos dentro da Teoria da Otimalidade para dar de Sikansi (1999b), as interrogativas-Q com expletivo são 73,75%;
conta da opcionalidade em sintaxe. e, em um trabalho que coletou dados de três novelas no final do ano
O primeiro é considerar que duas análises do mesmo input 2000, 80% das interrogativas-Q são formadas com expletivo.
podem ser vencedoras em uma competição. Isso é possível se for Nesse mesmo estudo, observou-se que os elementos-Q em
considerada a premissa de que, em algum ponto da hierarquia das função argumental são seguidos do expletivo “que” em 96% dos da-
restrições, existe uma indeterminação que permite mais de uma orde- dos; já os elementos-Q em função de adjunto têm o expletivo “que”
nação das restrições. Assim, em uma ordenação a análise (a) seria o em apenas 1,6% dos dados. A correlação só não é completa porque
output ótimo e na outra ordenação a análise (b) o seria. Esse caminho os elementos-Q “por que” e “para que” são seguidos sempre pelo
é denominado “empate global” (global tie), pois considera que duas expletivo “que”, um resultado semelhante ao encontrado por Sikansi
(ou mais) restrições não possuem uma ordem rígida e que essa (1999a). Esse desvio da correlação, no entanto, não será levado em
indeterminação é resolvida de maneira total (ou seja, observando-se conta.
as duas ordenações possíveis). Com isso, a interrogativa-Q com elemento-Q em função
O segundo caminho tenta desfazer o próprio conceito de argumental a ser considerada como padrão do PB é aquela que con-
opcionalidade. Fazendo uso de uma das características da Teoria da tém o expletivo “que”. Segue-se assim a opinião de Mioto et al. (1999):
Otimalidade, propõe-se que um output pode ser ótimo mesmo vio- “Estamos utilizando sistematicamente a forma interrogativa WH que,
lando a restrição de Fidelidade (Faithfulness) ao input. Assim, análi- por considerarmos esta a forma mais comum em PB coloquial.”
ses que contenham elementos que não estão no input e/ou análises (p.188, n.1).
que não possuem elementos que estão no input também poderiam A estruturação da Gramática infantil do PB está baseada nos
competir. Voltando ao exemplo (1), tem-se a possibilidade de que a dados de Sikansi (1999b): 97,5% dos dados são de interrogativa-Q
forma (a) seja o output ótimo de um input e a forma (b) o output sem expletivo, enquanto que apenas 2,5% (3 dados) contêm expletivo.
Gramática do PB (adulto): “O que que você quer?” Para dar conta das interrogativas-Q na Gramática infantil do
Gramática do PB (infantil): “O que você quer?” PB, altera-se a hierarquia das restrições, conforme o Quadro 3:
4. Testando as abordagens: as análises Note-se que o output ótimo não tem um CP em sua estrutura.
As restrições em comum para as duas abordagens são aque- Tal fato está de acordo com hipóteses sobre aquisição da linguagem
las elaboradas por Ackema & Neeleman (1998) e utilizadas por que propõem que essa categoria funcional seja a última a ser adquiri-
Schmid (1999): da pela criança. Além disso, ressalte-se o fato de que o input “O que
você quer?” é ambíguo pois permite que seja analisado como uma
• Q-MARK: Em uma interrogativa, designe um traço [+Q] ao estrutura com um elemento-Q movido para o CP ou adjungido ao IP.
constituinte que corresponde à proposição. A Gramática da criança, talvez não por acaso, escolhe a opção mais
• Q-SCOPE: Elementos [+Q] devem c-comandar o constituin- simples.
te que corresponde à proposição. Conclui-se que a abordagem de “empate global” consegue
• SPC (Shortest Path Condition): Minimize os nós cruzados dar conta do conjunto de dados apresentado.
por movimentos. Seguindo o exposto por Schmid (1999), é possível “tradu-
zir” a abordagem do “empate global” para a abordagem da
Além dessas, a abordagem da “neutralização” utiliza a se- “neutralização”: basta que, mais uma vez, a restrição Q-MARK eli-
guinte restrição: mine análises que a violem. Tal fato é visualizado nos Quadros 4 e 5:
ABSTRACT: We pretend to reflect about the process of text construction done in scholar environment for two young girls of high school, trying to
appropriate of a discourse gender, to introduce new elements to the discussion of subject-language relationship.
PALAVRAS-CHAVE: gender; process; writting
A produção de textos (orais e escritos) ocupa um lugar privi- microtransformações escriturais têm sido emprestados quase direta-
legiado no processo de ensino/aprendizagem de língua, pois os tex- mente do arsenal conceptual da Lingüística. Evidentemente, quando
tos são resultados diretos da atividade verbal de indivíduos social- nos referimos à busca do arsenal conceptual da Lingüística, não
mente atuantes, visando a alcançar um fim social, em conformida- estamos pensando nas correntes ligadas ao Estruturalismo (conside-
de com as condições sob as quais a atividade verbal se realiza (con- rando o sujeito inexistente), nem à Gramática Gerativa (assumindo
forme Koch, 1997). um sujeito que é senhor absoluto de seus atos e que segue a tradição
Quando o assunto é a análise de um texto, vários são os pontos idealista de que pensamento precede a linguagem). Na verdade, bus-
de vista que se pode adotar: semântico, formal, pragmático etc. Na camos amparo nas correntes de estudo que podem ser reunidas sob o
reflexão aqui empreendida a produção escrita será vista como resul- rótulo de lingüística da enunciação1 . Destas correntes, utilizaremos
tado de um processo de construção, operado em uma dimensão tem- basicamente a Lingüística Textual e a Teoria do Discurso para em-
poral que inclui esboços, plano da obra, elaboração, até chegar às preender a análise dos dados apresentados neste artigo.
correções finais. Dadas as considerações iniciais acima esboçadas, passemos
Acreditamos que uma das maneiras de que o lingüista pode aos objetivos desta reflexão. Duas adolescentes do Ensino Médio de
dispor para entender o processo de escrita seja através de índices, uma escola comunitária-particular da cidade de Valinhos-SP elabo-
pistas, deixados no texto, como os processos de apagamentos, subs- raram um texto, conjuntamente, a fim de que pudéssemos analisar
tituições, acréscimos, novas ordenações, pausas etc. São pistas privi- como se deu a apropriação de um determinado gênero do discurso.
legiadas para a compreensão das hipóteses que o escrevente formula Mais especificamente, pretendemos analisar de que forma as
sobre o texto e da relação que mantém com ele e com o discurso que alunas em questão, sob determinadas condições de produção, mos-
o envolve. Estas pistas de produção de escrita, portanto, podem nos traram ter se apropriado do gênero notícia. Buscamos, ainda, apreen-
ajudar a compreender melhor a relação entre o sujeito e a linguagem. der o que esses sujeitos demonstraram conhecer sobre tal gênero e
O estudo dos índices, das pistas deixadas no texto não nos como a construção social desse gênero apareceu na escrita e fala de-
oferece unicamente uma informação suplementar que venha comple- les. Também foi nosso objetivo apreender o que expressaram sobre a
tar aquela do texto: ele nos comunica um saber diferente. E é justa- configuração textual do gênero e quais recursos lingüísticos utiliza-
mente esse saber diferente que queremos explicitar. A Lingüística ram para realizarem o gênero.
decifra as marcas de um processo de enunciação que ela pode assim Para alcançar os propósitos expressos acima, mostraremos al-
compreender e penetrar na sua própria realidade. Vejamos o que nos guns aspectos do caminho percorrido pelas alunas na elaboração de
informa Levaillant: tal texto, pontuando e interpretando as reflexões e alterações feitas
nesse percurso, pondo em evidência o trabalho constitutivo da lin-
“o rascunho não conta a história ‘certa’ de uma gênese, a guagem através das diversas operações lingüísticas e epilingüísticas
história bem orientada por este fim feliz: o texto; o rascunho que as alunas realizaram, ressaltando sempre que suas escolhas não
não conta, ele mostra: a violência das escolhas, os acaba- tiveram para elas a chancela de definitivas, uma vez que refizeram
mentos impossíveis, a escola, a censura, a perda, a emergên- continuamente seu texto, ora rejeitando palavras/expressões, ora cri-
cia das intensidades, tudo o que o ser inteiro escreve, e tudo o ando, ora reaproveitando, garimpando, pinçando aqui e ali, acres-
que ele não escreve. O rascunho não é apenas a preparação, centando, substituindo, consultando a colega ao lado, enxugando etc.
mas o outro do texto” (apud Biasi, 97:31-32). O grande diferencial deste nosso trabalho em relação à tentati-
va de captar a linguagem em seu status nascend está na metodologia/
Buscamos na Crítica Genética os elementos que nos permiti- coleta de dados que utilizamos. Fizemos uso de um software francês
ram fazer algumas escolhas de natureza conceitual e metodológica. chamado Genèse, desenvolvido pela Association Française pour la
Com uma reconhecida experiência e tradição de tratamento dos ma- Lecture, em 1993, com objetivos pedagógicos. Com ele pudemos
nuscritos essencialmente literários, esta área do conhecimento é a acompanhar todo o processo de produção desse texto. Suas idas e
que melhor conseguiu operacionalizar métodos de investigação de vindas, suas substituições, novas ordenações, pausas, acréscimos etc.
rascunhos e melhor compreender o estatuto das rasuras, no caso dos puderam ser registrados em forma de relatórios impressos com a pre-
manuscritos de grandes escritores da literatura mundial. sença das modificações operadas no texto. Além do software Genèse,
A noção de texto, a partir do aparecimento da Crítica Genéti- todo o momento de elaboração do texto foi filmado em fita de vídeo,
ca, sofre uma reviravolta. Sua realidade mais profunda não se encon-
tra mais no produto (acabado, pronto, definido, separado do prototexto
e do pós-texto, como pensava a teoria estruturalista), mas na sua pro- 1
Travaglia (1998:23) inclui, sob esse rótulo de lingüística da enunciação,
dutividade, no “sem-fim de operações possíveis”. correntes e teorias como a Lingüística Textual, a Teoria do Discurso, a
No entanto, a maioria dos meios de que dispõe o geneticista Análise do Discurso, a Análise da Conversação, a Semântica Argumentativa
para classificar os rascunhos ou para interpretar as e todos os estudos de alguma forma ligados à Pragmática.
J.: pode ser várias coisas aqui. G.: ...E se você...é... se você não dizia muito do que se tratava, cha-
G.: a mulher dormindo... ma a atenção
J.: é uma criança. Pesquisador: então vocês queriam alguma coisa que chamasse a
G.: é uma criança? Ah, tá, então a criança e a mãe dormindo e atenção, é isso?
houve um vazamento de gás, aí a casa estava fechada, a mãe acor- J.: é, e que fosse meio curta, porque se a gente colocasse “vazamen-
dou assustada porque não estava conseguindo respirar direito, quan- to de gás ia ter que explicar toda a notícia só na manchete e nin-
do ela se deu conta ela viu que a filha dela estava desacordada por- guém ia ver.
que havia ingerido muito gás, né. Saiu pela vizinhança, pediu socor-
ro pelo telefone e o socorro veio socorrer a filha dela. Para as alunas, a escolha da manchete “O PERIGO DENTRO
J.: porque não tá com cara de que a menina foi baleada ou coisa DE CASA” atendia satisfatoriamente a necessidade de uma manche-
assim, né. te de despertar a curiosidade do leitor para o assunto em questão, daí
G.: por isso que eu pensei logo em gás, ainda mais que tem alguma a mudança. Como salienta J., se optassem por uma manchete come-
coisa assim no rosto dela para a respiração, foi logo o que eu pen- çando por “vazamento de gás” já estariam explicitando, na própria
sei. manchete, o assunto da notícia, não instigando o leitor a lê-la. Em
J.: pode ser... não ia fazer uma notícia. relação à apropriação do gênero em questão, podemos apreender,
G.: também acho que não. nesse momento de produção textual, que o gênero notícia deve con-
J.: porque a menina desmaiou, não tem nada de mais. Acho que tem ter uma manchete (ou título) que deve ser curta, deve chamar a aten-
que ser isto mesmo. ção do leitor para ler a notícia e, portanto, não deve conter todas as
G.: então a gente pensa num título.
G.: é, transtorno seria só bagunça, né, mas não foi só uma confusão Referências bibliográficas
que aconteceu. A menina passou mal.
J.: Mais sério a menina ter desmaiado, assim, ter ido para o hospi- BAKHTIN, M.M. Estética da criação verbal. São Paulo, Ed. Martins
tal do que simplesmente transtorno. E nem comoveu muita gente, Fontes. 1997.
que seria assim transtorno, dá a idéia de... BIASI, P.M. A crítica genética, in: BERGEZ, Daniel et al. Métodos
G.: de ter apavorado o bairro inteiro, de... que foi mais uma confu- críticos para a análise literária. São Paulo, Ed. Martins Fontes.
são. 1997.
J.: e não ser uma coisa muito séria. FIAD, R.S. (Re) escrita e estilo, in: ABAURRE et al. Cenas de aqui-
sição da escrita. Campinas, Ed. Mercado Mercado Aberto. 1997.
O uso de “transtorno”, para elas, daria uma idéia de bagunça, FRANCHI, C. Linguagem-atividade constitutiva, in: Cadernos de
de confusão, de que o fato havia apavorado muitas pessoas. Como Estudos Lingüísticos. Campinas, IEL- Unicamp, n.22. 1992.
queriam veicular a idéia de um acontecimento sério, afinal a menina GERALDI, F.W. Portos de Passagem. São Paulo, Ed. Martins Fon-
havia desmaiado e estava muito mal, tal palavra foi rejeitada. Essa tes. 1997.
troca é um bom exemplo para mostrar que as estudantes, em seu KOCH, I.V. e TRAVAGLIA, L.C. A coerência textual. São Paulo,
processo de criação verbal, realizam intervenções no sentido de subs- Contexto. 1998.
tituir itens, frases ou até mesmo parágrafos inteiros. Assim fazendo, LEBRAVE, J.L. La critique génétique: une discipline nouvelle ou
ao construir sua própria linguagem, lançam mão dos modos básicos un avatar moderne de la philologie? Geneses n.1, p.33-71. 1982.
de arranjos utilizados no comportamento verbal: os eixos SALLES, C.A A Crítica Genética: uma introdução. São Paulo,
paradigmáticos e sintagmáticos. EDUC. 1992.
ABSTRACT: This work investigates, in texts produced by worker students of a technical public high school, (i) the marks, strategies and
expressive means operated by subjects at work with language; (ii) the marks which may point out dialogy with other texts and with other
“sayings” the students might have come across.
PALAVRAS-CHAVE: dialogismo; sujeito; intertextualidade, interdiscursividade
ABSTRACT: Taking into account that discourse genres are produced in different social activities, this study explains how second grade elementary
school students move through discourse genres - such as “legends” - that emerge in school event “Retelling stories”.
PALAVRAS-CHAVE: ensino-aprendizagem da escrita; gênero discursivo; narrativa infantil.
RÉSUMÉ: Ce travail s’agit d’une réflexion sur la pratique pédagogique et il propose des alternatives pour faire face aux défis actuels de l’enseignement
du portugais, vers un savoir-faire qui favorise le développement des habilités expressives et interprétative et possibilite une conscientisation des
contingences socio-idéologiques.
PALAVRAS-CHAVE – leitura, cidadania, prática- pedagógica.
Após essa atividade, perguntamos aos alunos se eles achavam Acreditamos que, trabalhando dessa maneira, estaremos trans-
que essa panfletagem seria suficiente para, pelo menos, reduzir os formando as aulas em um espaço impregnado de realidade e de dife-
problemas dos transportes coletivos. Após muita discussão eles re- rentes possibilidades de leitura, trazendo para dentro delas, não con-
solveram que teriam de ir à câmara de vereadores, convidar um vere- teúdos vazios, mas problemas reais, que permitam ao aluno questio-
ador para discutir o problema com eles, em sala de aula. Perguntaram nar a realidade, dissecá-la, enriquecer sua consciência através do con-
se isso era possível. Respondemos que, dependendo do compromis- tato com diferentes concepções de mundo. Estaremos possibilitando
so político do vereador em atender os interesses da população, seria ao aluno uma certa autonomia na produção do conhecimento, através
perfeitamente possível. Elegeram uma comissão que foi à câmara, de uma interação/intervenção consciente. Estaremos possibilitando
fez o convite e uma vereadora aceitou ir à sala de aula, debater o o acesso a um conhecimento que lhe permitirá entender melhor não
assunto com os alunos. só o texto escrito, mas a realidade em que vive, desvelando-a, desco-
Para o debate, que foi riquíssimo, reservamos um dia de duas brindo sua identidade e buscando formas de nela atuar. A prática
horas seguidas de aula. A entrevista foi planejada com antecedência. social será, pois, ponto de partida e ponto de chegada.
Os alunos bombardearam a vereadora com perguntas (transcritas a Assim será possível superar a assimilação servil do conheci-
seguir) que impressionaram pela maturidade e seriedade. mento via transmissão/recepção passiva. Será possível estabelecer
1. como são feitos os cálculos dos percentuais de aumento de uma unidade entre a relação teoria/prática do conhecimento
passagens e dos índices de lucro; lingüístico/conhecimento pedagógico/realidade social, fornecendo ao
2. quais os critérios para concessão e distribuição de linhas de educando uma visão crítica da realidade em que se insere.
ônibus; Por outro lado, a escola estará cumprindo o seu papel social de
3. existe fiscalização das empresas, por parte do município; formar cidadãos críticos, forjadores conscientes de um projeto histó-
4. quais os critérios para a gratuidade de passagens; rico. Dessa maneira, é possível existir unidade entre escola e vida,
5. existe verba para a conservação das vias; pois, estaremos trabalhando não com uma língua código, inerte, sem
6. de onde vem essa verba e como é distribuída; nenhuma significação para o aluno, mas, ao contrário, estaremos for-
7. como é a relação empresários/governo municipal; necendo meios para que ele busque formas de reivindicar seus direi-
8. por que o transporte coletivo do município é feito por empre- tos, solucionando problemas do cotidiano.
sas privadas, até de outros Estados?
Finalizando, entregaram à vereadora o documento 4. Referências bibliográficas
reivindicatório (transcrito a seguir), elaborado coletivamente, em aulas
anteriores. A parlamentar assumiu o compromisso de lê-lo no plená- BAKHTIN, Mikhail – Marxismo e Filosofia da linguagem. São Pau-
rio da câmara. lo, Hucitec, 1981.
FREIRE, Paulo – Extensão ou Comunicação? Rio de Janeiro, Paz e
Maceió, 14/04 de 1998 Terra, 1975.
____________ - A importância do ato de ler São Paulo, Cortez,
Senhores vereadores, 1987.
GERALDI, João Wanderley – O texto na sala de aula: leitura e pro-
Após discutirmos em sala de aula, os problemas referentes ao dução. Cascavel1985
transporte coletivo do nosso município, constatamos que o nosso LAFER, Celso – A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo
sistema de transportes urbanos encontra-se em situação bastante com o pensamentode Hannah Arendt. São Paulo, Companhia das
precária. Os veículos, além de insuficientes para atender à popula- letras. 1988.
ção, são velhos, mal conservados, não apresentando condições de LIBÂNEO, José Carlos – “Tendências pedagógicas na prática esco-
conforto e segurança. Além disso, enfrentamos problemas com os lar” In: LUCKESI Cipriano Carlos – Filosofia da educação São
funcionários incapacitados. Paulo, Cortez, 1994.
Essa situação provoca sérios prejuízos à população que além ORLANDI, Eni Puccinelli – Interpretação autoria, leitura e efeitos
de não ser bem servida, está sujeita a desentendimentos e acidentes do trabalho simbó-lico. Petrópolis, Vozes, 1996.
ABSTRACT: Based on the French Discourse Analysis theoretical perspective and on the Bakhtin’studies, this paper aims to explore the discorsive
genres. To this discussion, we intends to take the discousrive genres as a means of teaching.
PALAVRAS-CHAVE: Gênero discursivo – leitura –análise do discurso -ensino
ABSTRACT: Based on Bakhtin’s gender conception and on J. Authier-Revuz’s theory, we intend to discuss, in this paper, how the northeastern space
is built in the touristic advertisement´gender.
PALAVRAS-CHAVE: 1. Análise do Discurso 2. Gênero 3.Materialidade discursiva 4. Propaganda turística
1. Discurso, Gênero e Sentido cípio estruturador da linguagem, posto que ela se constitui a partir de
um incessante diálogo que se estabelece entre um eu e um tu, sujeitos
Nestas considerações inicias, pretende-se discutir a relação entre
historicamente instaurados em uma dada esfera da comunicação ver-
o discurso, o gênero e o sentido. Para tanto, utilizaremos, como apa-
bal e entre discursos sociais que configuram uma cultura, uma socie-
rato teórico, as reflexões de Mikhail Bakhtin sobre os gêneros do
dade. Portanto, a alteridade constitutiva do discurso apresenta, para
discurso, sobretudo em sua obra Estética da Criação Verbal (1997),
Bakhtin, uma dupla e indissociável dimensão: a da intersubjetividade,
bem como os pressupostos da Análise do Discurso de linha francesa,
o discurso do eu se constitui pelo discurso do outro e a da
edificada por Michel Pêcheux.
interdiscursividade, em que se entrelaçam discursos sociais. É por
Tanto Bakhtin como Pêcheux entendem o discurso enquanto
este viés que o pensamento bakhtiniano se encontra com a Análise
processo social, determinado, regulado pela ideologia. Isto significa
do Discurso, cujo objeto de estudo é o interdiscurso
entendê-lo indissoluvelmente ligado ao contexto histórico, social.
(Maingueneau:1989), ou seja, a relação de um discurso com outrem,
Em sua materialidade (seja ela verbal ou não-verbal), o discurso re-
através da qual se delineia o vínculo da língua com o social e, conse-
vela a articulação do lingüístico (ordem estrutural) com a sua
qüentemente, com a história e a memória.
exterioridade constitutiva (ordem sócio-ideológica).
Baseada no princípio bakhtiniano de constituição dialógica do
A grande diferença entre essa forma de pensar o discurso
discurso, Jacqueline Authier-Revuz (1982) desenvolve a teoria da
(e a língua, por extensão) e a lingüística da imanência é que esta se
heterogeneidade enunciativa. Percebendo a importância do Outro no
preocupa em estudar a língua como um sistema abstrato de signos,
processo discursivo, ela afirma que:
possíveis de serem descritos em níveis como o fonológico, o sintáti-
“sous nos mots, ‘dautres mots ‘ se disent: que derrière la
co, o morfológico. Dessa perspectiva, exclui-se a relação da língua
linéarité conforme a l’emission par une seule voix, se fait
com o contexto sócio-ideológico que ela se insere, limitando-se à
entendre une ‘poliphonie’ et que ‘tout discours s’avère s’aligner
abordagem dos fatos lingüísticos ao aspecto estrutural, à descrição
sur le plusieurs partées d’une position’; que le discours est
sincrônica do sistema formal da língua. De acordo com Fiorin
constitutivement traversé par ‘le discours de l’Autre’. “(p. 140-
(1990:5):
141)
“A partir do momento em que se constitui como ciência au-
Portanto, todo discurso é sempre habitado por outros discur-
tônoma, a lingüística passou a estudar internamente a lin-
sos e se destina a um interlocutor, daí ser ele constitutivamente he-
guagem. A maioria dos lingüistas não mais se preocupou com
terogêneo. Em alguns discursos, essa relação não está explícita, o
as relações entre a linguagem e a sociedade, não mais cuidou
Outro se “esconde” no nível enunciativo da heterogeneidade. Quan-
das vinculações entre a linguagem e os homens que dela fa-
do isso ocorre, J. Authier-Revuz afirma que ocorre a heterogeneidade
zem uso.”
constitutiva. Entretanto, esta também pode se encontrar “marcada”,
Por outro lado teóricos como Bakhtin e Pêcheux consideram a
“mostrada” na materialidade do discurso, evidenciando o movimen-
língua enquanto estrutura viva, dinâmica, em funcionamento, por-
to de inscrição do exterior no interior discursivo, ao explicitar a pre-
tanto, trazem, para os estudos lingüísticos, o sujeito (construído
sença do Outro no fio do discurso. A esse processo, Authier-Revuz
discursivamente) e a História. Ocorre então uma mudança de
(op.cit.) nomeia de heterogeneidade mostrada, manifesta explici-
paradigma e a língua passa a ser estudada, não somente em relação a
tamente na superfície textual. O conceito de heterogeneidade refere-
seus elementos internos, mas também na dimensão sócio-histórica
se, portanto, às diversas perspectivas, aos diversos pontos de vista,
que a determina.
às diversas vozes que, articuladas pelo enunciador, são incorporadas
Em suas profícuas reflexões sobre a linguagem, Bakhtin enfoca
ao seu discurso.
três conceitos que a regulam: a ideologia, o dialogismo e o gênero.
Sendo o discurso de natureza social, heterogênea, deduz-se
Para o mestre soviético, a palavra é o veículo ideológico, por exce-
que não é possível falar o que se quer no momento em que se quer,
lência. Segundo ele, “as palavras são tecidas a partir de uma multi-
uma vez que o discurso é determinado pelas estruturas sociais. Se-
dão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações soci-
gundo Bakhtin, cada esfera da atividade e da comunicação humana é
ais em todos os domínios” (1992:41)
composta por “formas típicas de enunciados, isto é, os gêneros do
A natureza social da linguagem está diretamente relacionada
discurso”.(1997: 301)
com a ideologia. Esta, por sua vez, funda-se no princípio da contra-
O pensador russo distingue os gêneros em primários (simples)
dição, isto é, no interior de uma dada ideologia, confrontam-se os
e secundários (complexos). Os primários dizem respeito à atividade
valores sociais, que refletem a luta de classes. Por isso, afirma
lingüística relacionada com os discursos orais – linguagem cotidia-
Bakhtin ( op.cit.) que “ a palavra é a arena onde se desenvolve a
na, familiar, a carta pessoal, etc., já os secundários – discursos literá-
luta de classes”, é o palco de vozes, polêmicas, contraditórias, con-
rios científico, entre outros -, são elaborados por meio de uma comu-
vergentes, sempre plural.
nicação cultural mais complexa, principalmente escrita. Entretanto,
Em conseqüência disso, ele institui o dialogismo como o prin-
Bakhtin assinala que os gêneros não são categorias estanques, pelo
ABSTRACT: This paper presents a reflexion on employee’s and employer’s representations during labor herings with the aim of apprehending
meaning effects out constructed images especially concerning position permanence assumed in discourse.
PALAVRAS-CHAVE: prática discursiva, atividade de trabalho, dialogismo, alteridade
1. Práticas discursivas e atividade de trabalho seu respectivo advogado, uma testemunha por parte do empregado,
duas por parte do empregador, o escrivão e a assessora da juíza3 .
Analisando práticas discursivas em situação de trabalho, espe- Nessa audiência não houve acordo entre as partes (empregado e em-
cificamente em audiências trabalhistas, sessões formais de concilia- pregador), isto é, não houve entendimento sem discutir o mérito da
ção e instrução processual para o julgamento de conflitos oriundos causa, o que resultaria no encerramento da questão. Assim, as partes
das relações de trabalho entre empregado e empregador, percebemos e suas respectivas testemunhas foram ouvidas em juízo. Os depoi-
a inscrição de uma complexa relação entre homem/linguagem e tra- mentos e fatos relevantes, conforme o critério da juíza, foram
balho, que, em determinadas condições histórico-sociais, produz uns registrados pelo escrivão no Termo de Audiência (TA), documento
ou outros sentidos entre os interlocutores. Tais práticas discursivas que passa a constituir o processo e serve de base para o julgamento
(Maingueneau, 1993), entendidas como a indissociabilidade entre a do caso.
face textual e a face social, abrem-se para o entendimento do traba- Com a materialidade discursiva eleita e considerando a mu-
lho em situação nas suas diversas materialidades. dança de esfera de mediação, isto é, a transferência do enfoque da
Na inter-relação linguagem e trabalho, o coletivo do trabalho relação empregado / empregador que deixa de ser uma relação de
apresenta-se numa tensão entre a estabilidade e a instabilidade. Nes- trabalho strictu sensu para ser objeto de trabalho de uma outra esfera,
sa perspectiva, Faïta & Clot (2000) tratam a atividade de trabalho a jurídica, mais especificamente a do trabalho, a qual possui coer-
como um teatro permanente de um movimento em duas direções: ções próprias, temos por objetivo analisar como o empregado e o
uma impessoal, genérica; outra pessoal, variação de si. A coletivida- empregador se instituem nas próprias práticas discursivas, como eles
de de trabalho, então, apresenta relações discursivas renovadas de são instituídos por seus representantes legais (advogados) e como
situação em situação, as quais, por meio de um movimento dialógico, são instituídos pelo juiz. Observaremos, com essas representações,
oferecem a cena em que os interlocutores se encontram, trazendo as imagens que são construídas e os posteriores efeitos de sentido,
histórias e experiências para a atividade. Esta orientação advém da principalmente em relação à permanência ou não das posições (vo-
concepção constitutivamente dialógica da linguagem, postulada por zes) assumidas no discurso.
Bakhtin (1995, 1997, 1998), em que o processo de interação verbal
pressupõe a intersubjetividade e a referência a outras enunciações 2. “Eu” X “outro”: alteridade constitutiva
reais e virtuais, assinalando a heterogeneidade própria da língua.
Para verificar as formas de instituição do empregado e do em-
É também a partir do embasamento dialógico bakhtiniano
pregador, consideramos a dimensão dialógica “eu” X “outro”, sendo
que a Análise do Discurso de orientação francesa propõe o princípio o “outro” constitutivo do “eu” e vice-versa, a alteridade constitutiva.
da heterogeneidade discursiva, isto é, o princípio de que a tessitura Nesse sentido, em nossa análise, procuramos principalmente o “ou-
do discurso se configura a partir de outros discursos (Authier-Revuz, tro” como uma característica (ou indício de uma) do empregado ou
1984)1 . O exterior, desse modo, é constitutivo, ou seja, todo discurso do empregador a qual, num espaço interacional, dá pistas ou forma
é atravessado pelo discurso do “outro”; ou ainda, constrói-se sobre o imagens do referente. Entendemos por imagens, conforme
“já-dito”. Assim entendido, Maingueneau (1984) ressalta a Maingueneau (1998b), as formas de representação que se apresen-
heterogeneidade própria da linguagem e propala o primado do tam como produtos de uma atividade discursiva, na qual um certo
interdiscurso sobre o discurso, a interdiscursividade, um espaço de universo de sentido se reconstrói articulando as diversas imagens
trocas entre vários discursos. Com efeito, a heterogeneidade da lin- presentes no discurso: assim, a imagem que o enunciador traz do co-
guagem, sua alteridade constitutiva, configurada na relação com o enunciador não se separa da imagem que ele faz de si mesmo ou do
“outro” é o fundamento de toda discursividade. tema do discurso.
Partindo dessa intrínseca relação com o “outro”, entendemos
que seja possível estudar as imbricações discursivas que suportam e 1 Authier-Revuz (1984) distingue a “heterogeneidade mostrada” da
atravessam a atividade de trabalho, a alteridade que constitui as prá- “heterogeneidade constitutiva”. A primeira apresenta marcas explícitas da
ticas discursivas das audiências trabalhistas. Nesse sentido, selecio- inscrição do “outro”. A segunda não apresenta marcas do “outro” na su-
namos de um corpus discursivo composto por 09 audiências, coletadas perfície lingüística. Sobre as influências bakhtinianas em Authier-Revuz ler
no primeiro semestre de 2000, em uma Vara do Trabalho do municí- Beth Brait (no prelo), Alteridade, dialogismo, heterogeneidade: nem sempre o
pio de São Paulo, uma audiência para análise2 . Tal audiência é oriun- outro é o mesmo.
da do conflito de uma relação de trabalho em que um operário/pe- 2 As audiências trabalhistas acontecem em Varas do Trabalho (antigas Juntas
dreiro reivindica de uma empreiteira de construção civil o cumpri- de Conciliação e Julgamento). A totalidade do corpus discursivo faz parte
de um projeto maior que desenvolvemos como pesquisa de doutoramento,
mento de direitos lesados durante a vigência da sua prestação de ser- na PUC-SP, sob orientação da Profª. Drª. Maria Cecília Pérez de Souza-e-
viço. Participam da atividade um juiz singular, no caso uma juíza, o Silva.
empregado com seu respectivo advogado, no caso uma advogada, o 3 O escrivão é o responsável pelos registros no Termo de Audiência. A
empregador, no caso uma firma representada por um dos sócios, com assessora é a responsável pela organização do fluxo das audiências.
Dando aulas na disciplina de Expressão oral e escrita em cur- ção do trabalho através de uma organização dividida entre concebedores
sos de graduação da UNIRIO, ouço contente a expressão de temor e executores de tarefas. As tarefas cientificamente pensadas pelos
dos alunos preocupados com o risco de que os métodos apresenta- concebedores exigiriam muito pouco dos executores. Elas seriam tão
dos para a elaboração do plano dos textos e para a produção de intelectualmente simples que, para eles, chegaria a ser constrangedor
idéias os privem de sua capacidade criativa. Mas não menos feliz, falar sobre elas. Assim, falar do trabalho não seria da competência dos
escuto o ponto de vista daqueles que, sentindo-se incapazes de en- executores cujo trabalho dispensava o pensar ou o falar sobre a ativi-
frentar o trabalho de escrita acadêmica, se dizem aliviados pelo fato dade. Para eles, as suas próprias verbalizações não seriam adequadas
de esses métodos e ferramentas existirem. Mas o mais rico nesses e mesmo a linguagem criada pelos coletivos de trabalho, comenta
dois posicionamentos está no que eles deixam transparecer de uma Schwartz (1992), seria considerada simplesmente como a vulgariza-
verdadeira questão: a relação entre o saber formalizado, a media- ção da linguagem adequada, aquela apoiada nas prescrições e nas
ção desse saber em vista de uma prática, no caso, a escrita, e o codificações normatizadas. Esse estigma social e histórico explicaria
espaço da instância do singular face a normas pré-estabelecidas. porque, quando se fala do próprio trabalho, tenta-se fazer com que o
Parece-me que essa tríade encerra uma profunda questão sobre a discurso coincida com o plano da tarefa prescrita, bastante codificado.
construção do conhecimento em seu estreito laço com o desenvol- A ideologia taylorista foi de tal forma assimilada pelo senso
vimento dos indivíduos enquanto sujeitos. Encerra também toda a comum que não é raro ouvirmos comentários preconceituosos sobre a
problemática que vive o professor ao lidar com o ensino e aprendi- nulidade intelectual deste ou daquele trabalho. Foi num enquadramento
zagem, o que, aliás, permite a alguns considerar o magistério como desse tipo que encontrei o trabalho de recepcionistas atuando no gui-
parte das profissões impossíveis. chê de atendimento para marcação e registro de exames radiológicos
Mas retomemos do medo de se perder a criatividade face aos de um hospital público da cidade do Rio de Janeiro.
planos de textos e, como não, da norma representada pela língua e Entre outras razões que se constituíram numa demanda de aná-
mais particularmente de seu uso na esfera da atividade acadêmica. lise das situações de trabalho neste posto por uma lingüista (França,
Teria a aplicação de um método, ou melhor, de uma determinada 2001), estava o fato de se perceber que ele era visto pela chefia como
metodologia de produção escrita bem como as coerções sociais da um trabalho simples, mera repetição de procedimentos rotineiros.
língua força para arrancar do sujeito o que lhe é singular? A No entanto, a observação da comunicação que acontecia entre
formalização acadêmica pode resultar num dizer congelado, recepcionistas e pacientes evidenciou um trabalho de estilização de
monofônico, sem alma, sem estilo, sem autor? gêneros disponíveis para a atuação no posto que orienta uma gestão
Sempre que fazemos algo não o fazemos como um outro e de fluxo de pacientes por caso particular em oposição a uma gestão
nem mesmo repetimos exatamente o que fizemos antes. burocrática e padronizada. Neste artigo, tentarei mostrar em que con-
Essa certeza obtive ao dar início ao estudo da atividade de siste essa estilização o que imprescinde de uma apresentação sobre
trabalho humana. Tomei conhecimento de que, durante boa parte do gêneros discursivos e, no caso específico de nossa pesquisa, sobre
século passado, acreditou-se que o homem poderia funcionar no tra- gêneros de atividades.
balho como uma máquina de repetir gestos. A partir dessa crença,
experimentou-se uma “organização científica do trabalho” cuja es- A noção de gênero aplicada à atividade de trabalho
tratégia visava recrutar o homem certo para a tarefa certa. De um
A obra de Bakhtin e de seu círculo tratou de construir uma
modelo ideal estudado para cada atividade, a seleção do efetivo de
teoria geral do enunciado. Seu fio condutor consistiu na demonstra-
trabalho se pautava nas características humanas minuciosamente pen-
ção do fato de que não dispomos diretamente da língua, dispomos
sadas como necessárias para a realização de determinada tarefa. Nes-
dela através de um outro patrimônio social para a comunicação que
sa primeira fase do modo de organização do trabalho que tomou o
são os gêneros discursivos recuperáveis na memória impessoal rela-
nome de seu idealizador, o taylorismo teve no trabalho repetitivo nas
tiva a cada esfera da atividade humana. Os gêneros são assim conce-
linhas de montagem a situação ideal para que esse tipo de organiza-
bidos como formações relativamente estáveis que se distinguem das
ção fosse visto como salutar para os trabalhadores bem como para a
formas estáveis da língua. Essa relatividade se apóia na característica
manutenção dos índices positivos de produção.
dinâmica de sua apropriação. Um gênero discursivo não é nunca cri-
Ao lado do aspecto perverso de se tolir do homem a iniciativa
ado, mas recriado no uso que cada grupo, cada sujeito faz dele.
de seu gesto, o taylorismo e sua extensão no mundo pós-moderno
Desse fato consiste o contra argumento de Bakhtin em relação
serviu para revelar essa impossibilidade de se viver a repetição, de se
à dicotomia saussuriana entre fala e língua. Para Saussure a fala é um
apagar o singular em cada sujeito em cada momento e em cada situ-
ato apenas individual oposto à língua como fenômeno social. Na con-
ação sem custos altos à saúde. Tomando as palavras de Wallon (1947
cepção do uso da língua intermediado pelas formas de gêneros, a fala
apud Clot, 1998) o taylorismo serviu para impor o que ele tendia a
é também um fenômeno de natureza social, na medida em que os
desconhecer ou a suprimir: essa capacidade a que se referiu
gêneros fazem parte de um patrimônio social.
Canguilhem (1966) de o sujeito engendrar renormatizações em fun-
Durante a análise das situações de trabalho resultou produtivo
ção das infidelidades do meio.
tomar o gênero discursivo de Bakhtin enquanto gênero de atividade
(v. Clot e Faïta, 2000) pensado para abarcar, além do discurso, as
Uma tarefa simples: marcar e registrar exames radiológicos
técnicas – técnica aqui em sentido amplo - que fazem parte do desen-
O taylorismo foi desenvolvido no sentido de uma simplifica- volvimento das situações de trabalho. Sem visar uma discussão neste
ABSTRACT: Although there is a clear preference for the demonstrative as the determinant of labelling expressions, there are some contexts in which
the substitution for the definite article is possible and even more appropriate. This work discuss some of the criteria that determine the choice between
the two forms.
PALAVRAS-CHAVE: nomeação, demonstrativos, artigos definidos
1. Introdução imediata; nos usos dentro da situação ampla; nos usos por relaciona-
mento associativo.
Tem-se preservado, algumas vezes, o falso pressuposto de que
o artigo definido estaria vinculado ao status de informação conheci- 2.1 Na situação imediata
da, dada, definida, já introduzida no texto. Mas, embora os objetos
Nos usos na situação imediata, os referentes podem estar visí-
formalmente definidos correspondam muitas vezes a entidades ve-
veis para os participantes, os quais, neste caso, terão a alternativa de
lhas para o ouvinte, essa correlação, como afirma Prince (1992), não
se referir aos objetos discursivos por meio de SNs definidos no sin-
é sempre garantida. Hawkins (1977) constata que a maioria dos em-
gular ou no plural. Neste contexto de campo visível comum, os de-
pregos do artigo definido não exige a referência a um objeto previa-
monstrativos seriam perfeitamente intercambiáveis com os artigos
mente introduzido, que porta, por isso, um conteúdo novo para o
definidos, como se pode perceber em:
discurso.
(1) Não entre. O cachorro morde. / Não entre. Esse cachorro
Convém, pois, distinguir dois tipos de definitude. Uma, tam-
morde.
bém designada como “identificabilidade” (ver Chafe, 1994; Du Bois,
Note-se que, com o emprego do definido, o ouvinte, em (1),
Thompson, 1991, dentre outros), é de natureza cognitiva, e se define
está sendo instado apenas a conceber a existência do referente na-
por um parâmetro pragmático-discursivo. Numa perspectiva sócio-
quele momento da interação. Ao contrário do que se verifica com o
interacional, podemos dizer que um referente será encarado como
uso do demonstrativo, ele não está sendo instruído a percebê-lo de
definido (identificável) sempre que o falante supuser que o destina-
fato, mas somente a particularizá-lo no contexto em que se encontra.
tário é capaz de, por algum meio, reconhecê-lo no universo do dis-
Como afirma Hawkins (1977), não é função do artigo definido, em si
curso criado e negociado durante a interação. Outra, de natureza for-
mesmo, indicar visibilidade, mesmo que o referente esteja presente
mal, se descreve por critérios gramaticais e é assinalada, quando em
na situação imediata da enunciação.
SNs, pela presença de artigos definidos, demonstrativos, possessi-
Observa o autor que, se o referente não fosse visível, princi-
vos, ou certos quantificadores1 . Sabe-se que as duas definitudes não
palmente para o ouvinte, como no caso de uma placa deixada no
são, no entanto, isomórficas: há casos, por exemplo, de sintagmas
portão com os dizeres de (1), o emprego do demonstrativo não seria
nominais formalmente definidos que estabelecem referentes inteira-
autorizado, pois o destinatário estaria sendo orientado a identificar
mente novos para o destinatário.
precisamente o objeto referido no espaço real de fala, sem que as
Nosso interesse, neste trabalho, é analisar certas expressões
circunstâncias o permitissem. Diferentemente dos artigos, os demons-
referenciais, a que temos chamado de “expressões nomeadoras”, do-
trativos expressam, como vemos, uma espécie de comando para o
tadas de “definitude formal”, mas apenas parcialmente providas de
ouvinte encontrar no entorno situacional o referente que está sendo
“definitude informacional” (cf. a distinção em Prince, 1992). As ex-
ressaltado, e para distingui-lo em meio a outros objetos discursivos.
pressões nomeadoras se caracterizam pela definitude formal porque
Segundo Ducrot (1977), as expressões contendo demonstrati-
são marcadas por artigos definidos ou por elementos indiciais (de-
vo não exercem o mesmo tipo de função referencial que as expres-
monstrativos ou circunstanciais). Mas nem sempre podemos atri-
sões com artigo, pois um demonstrativo está necessariamente condi-
buir-lhes definitude informacional, ou não de todo, porque elas acres-
cionado a um pressuposto existencial, enquanto que um definido não
centam, geralmente, a um conteúdo dado certas nuanças de sentido,
se prende a tal exigência2 . Ducrot argumenta que um ato de demons-
com um teor de novidade que é muitas vezes decisivo para a progres-
tração só se viabiliza na presença de um nome, pois é o substantivo
são referencial e, principalmente, para a delimitação de pontos de
que institui o universo em que o referente deve estar perceptível para
vista do enunciador. Koch (2001), com base em Schwarz (2000),
o interlocutor, para ser focalizado. O fato é que, quando se usa um
chama a esse traço peculiar das nomeações de “tematização remática”,
demonstrativo, o destinatário encara o referente como estando obri-
por seu comportamento híbrido de tema e de rema: de informação
gatoriamente presente, quer seja no contexto lingüístico, quer seja na
dada, com função referencial, e de informação nova, com função
predicativa.
Mostraremos, aqui, pautando-nos pelos estudos de Apothéloz,
1
Chanet (1997) e de Koch (2001) a que funções pragmático-discursivas Tais expedientes de definitude se opõem à indefinitude formal, marcada
costumam estar associadas as expressões nomeadoras indicializadas geralmente por artigos indefinidos, por outros quantificadores, como pro-
nomes indefinidos ou numerais, ou pelo zero.
por demonstrativos e quais as restrições estruturais das nomeações 2
Esta constatação é decorrente do ponto de vista do autor, segundo o qual
que favorecem o uso do artigo definido, embora não impeçam a todas as descrições definidas pressupõem indicações existenciais, conquan-
intercambialidade com o demonstrativo. to isso não as obrigue a ser usadas exclusivamente com função referencial
(designadora) - há numerosos exemplos de descrições definidas emprega-
2. Demonstrativos x definidos – a condição de saliência das com função atributiva. O pressuposto de existência e unicidade instau-
rado por qualquer “emprego substantivo” independe, portanto, segundo
Hawkins (1977) distingue basicamente três tipos de situações o autor, das funções referenciais que ocasionalmente uma descrição defini-
em que se costuma empregar o artigo definido de primeira menção, da venha a desempenhar. Mas é por causa dessas indicações existenciais
ou seja, aquele que é novo para o discurso: nos usos dentro situação das descrições definidas que elas são freqüentemente usadas para referir.
É interessante observar como os fatores sugeridos por Apothéloz; 4.2 Assinalam, com mais ênfase, o ponto de vista que os no-
Chanet (1997) e por Koch (2001) como condicionadores do uso do mes axiológicos acrescentam:
definido são de ordem estrutural: ou pela construção sintática da ex- (13) Sem se confundir com a imagem de fragilidade, as mu-
pressão nomeadora, ou pela derivação morfológica do nome rotulador, lheres reivindicam cada vez mais políticas públicas específicas vol-
ou pelos traços mais estritamente lexicais do rótulo. Os fatores podem tadas para o seu bem-estar. Para garantir essas conquistas, tem cres-
ser assim resumidos e exemplificados: cido nos últimos anos o número de leis federais, estaduais e munici-
ABSTRACT: This paper aims to characterize the different semantic and pragmatic values of the operator portanto in a sample of written and spoken
sentences that represents European and Brazilian varieties of contemporary Portuguese.
PALAVRAS-CHAVE: conjunção, conector, portanto, articulador discursivo
Esta premissa, por sua vez, apoia-se/instancia/particulariza uma (12) As estradas estão cortadas porque houve cheias.
assunção geralmente aceite, que pode ser expressa por meio da con- (13) Houve cheias, daí as estradas estarem cortadas.
dicional genérica exemplificada em (7) e semanticamente equivalen-
te a (8): Nas construções conclusivas, a relação causa/conseqüência
opera no nível do domínio epistêmico: o conector assinala que a pro-
(7) Se alguém é muçulmano, não bebe álcool. posição que introduz é a conclusão (ou consequência lógica) de uma
(8) Os muçulmanos não bebem álcool. inferência dedutiva legitimada pela articulação de uma premissa im-
plícita com a premissa expressa. Uma paráfrase aceitável destas cons-
Noutros casos, a premissa omitida pode resultar do conheci- truções será: o fato de o falante saber que p (ou acreditar que p, sendo
mento do falante acerca dos hábitos do seu interlocutor. Veja-se (9): p a premissa expressa) é a causa que o leva a asserir/concluir q, dada
a assunção de uma premissa genérica implícita. Verifica-se, assim,
(9) A Ana está mal-humorada, portanto está fechada no quarto. que a caracterização cabal desta conexão convoca necessariamente
uma dimensão pragmática.
A premissa omitida - se/quando a Ana está mal-humorada, A premissa expressa é normalmente uma proposição
fecha-se no quarto - é expressa novamente através de uma frase ge- epistemicamente necessária (é certo para o falante que p). A frase
nérica, mas a assunção veiculada por esta frase não integra, obvia- declarativa simples, sem qualquer lexicalização das modalidades
mente, conhecimento enciclopédico sobre o mundo. É um conheci- epistêmicas, é a expressão lingüística que manifesta por excelência
mento ‘local’, que pragmaticamente se pressupõe partilhado pelo uma atitude de certeza por parte de falante: é porque sabe que p que
interlocutor. o falante deduz q. Assim, a premissa p funciona como prova ou evi-
Note-se que, em todos os casos comentados, a noção de pres- dência (no plano epistêmico) que legitima a asserção categórica da
suposição pragmática parece adequada para dar conta da natureza da conclusão q. Não é aceitável uma construção conclusiva em que a
premissa omitida. Adota-se a definição de Stalnaker (1974), segun- premissa seja modalizada como epistemicamente possível ou prová-
do a qual pressuposições pragmáticas são “propositions whose truth vel e a conclusão seja apresentada como epistemicamente necessária,
S [speaker] takes for granted, or seems to take for granted, in making como acontece em (14):
his statement”.
Note-se, ainda, que os conectores conclusivos estão automati- (14) *É possível/provável que/talvez o João esteja doente, portanto
camente excluídos se a segunda frase revestir a forma de uma frase está mal-humorado.
exclamativa, como se pode ver em (10):
(10) O Luís está doente, *portanto que insuportável que ele está!3 3
Exemplo adaptado de Ferrari e Rossari (1998).
Parafraseável por ‘assim’, o advérbio conectivo, em contextos (24) “Eu pesco com dois colegas meus, mais ou menos da mesma
como (22) abaixo, parece ter um valor semântico que só poderá ser idade, que um pesca com iscos vivos, portanto a minhoca, no caso,
cabalmente descrito se tivermos em conta o nível da estrutura temática não é, e outro pesca à pluma, ou seja a mosca artificial”. (PE, oral.)
e informacional do texto/discurso. A frase em que ocorre portanto
dá continuidade ao tema/tópico discursivo- o programa da SIC sobre Em (24) o falante introduz um comentário que funciona como
Pedro Caldeira- elaborando-o; por outras palavras, a informação con- reformulação não parafrástica do sintagma anterior. Parece-nos tra-
tida na frase em que ocorre ´portanto’ concorre para a progressão tar-se ainda de um uso susceptível de ser integrado no âmbito da
temática do texto, mas decorre simultaneamente da informação pre- estruturação informacional do texto, embora num plano micro-estru-
viamente introduzida. A referência à utilização do próprio Pedro tural, já que aqui se articulam dois sintagmas. Portanto pode também
Caldeira como protagonista está já de alguma forma contida na frase funcionar como reformulador parafrástico, refletindo, no registro
anterior, em que se caracteriza o programa como docu-drama, ou verbal, a preocupação do falante com as circunstâncias vigentes de
seja, um produto híbrido/misto, em que documentário e ficção se interação social, como se observe em (25).
misturam. portanto assinala que há uma relação discursiva de elabo- (25) então o tecido subcutâneo...abaixo da pele portanto...nós va-
ração entre os dois segmentos do texto, sendo que o último explicita mos encontrar os elementos vasculares de::.../ hormônios responsá-
e especifica informação já sugerida ou já contida no primeiro. O va- veis pela...vasc/...irrigação...e pela inervação da glândula (PB, oral,
lor conclusivo que prototipicamente associámos a portanto mantém- EF-SSA-49)
se, mas desta vez ele é projetado do plano epistêmico para o plano da
organização discursiva/textual. portanto sinaliza continuidade e pro- 4.4. Portanto sinalizador de interação
gressão temáticas: esbate-se a componente lógica e reforça-se a rela-
ção de consequencialidade no plano textual/discursivo. Veja-se agora o exemplo seguinte, que ilustra
(22) “A SIC chama-lhe “Docu-drama sobre fatos reais com algumas paradigmaticamente um uso metadiscursivo de portanto. Enquadram-
cenas reconstituídas” e chamar-se-á talvez “Pedro Caldeira, o último se aqui os sinalizadores direto da interação, responsáveis pela ex-
corretor”. Teremos portanto a utilização do próprio Pedro Caldeira pressão das relações entre os interlocutores, pela checagem ou con-
firmação do funcionamento do canal comunicativo e pela sinaliza-
como protagonista na reconstituição de cerca de cinco cenas, nome-
ção de seus papéis de locutor/alocutário, no desenvolver do evento
adamente uma em que se encontra na correctora”(PE, sub-corpus
discursivo. Operam no plano da atividade enunciativa, assegurando
escrito, J19972).
a ancoragem pragmática do conteúdo, ao definirem, entre outros pon-
tos, a força ilocutória com que ele pode ser tomado, as atitudes assu-
4.3.3. Fechador de tópico
midas em relação a ele, a checagem de atenção do ouvinte para a
mensagem transmitida, a orientação que o falante imprime à nature-
‘Portanto” pode ser ainda utilizado para encerramento de dis- za do elo seqüencial entre entidades textuais. Servem também, como
curso, com uma clara função de introdutor de uma coda. A coda6 tem
também a propriedade de fazer a ligação entre o momento do início
e fim do discurso e o presente da enunciação, trazendo produtor e 6
O termo coda foi primeiramente sugerido por Labov (1978: 365) como
leitor de volta ao ponto do início do discurso. É exatamente o que segue: there are also free clauses to be found at the ends of narratives; (...)
ocorre no texto abaixo, retirado do corpus do PB. Depois de uma This clause forms the coda. It is one of the many options open to the narrator
longa discussão sobre livros, ensino e escola, o autor, no final do for signalling that the narrative is finish. (...) Codas may also contain general
texto, retoma o título Queimamos os livros?, respondendo à pergun- observations or show the effects of the events on the narrator(...). Alarga-
mos o seu uso ao utilizá-lo para definir sentenças que tenham essas carac-
ta nele contida.
terísticas em qualquer discurso, não apenas no narrativo.
Vejamos finalmente um exemplo que ilustra um dos usos mais Referências bibliográficas
freqüentes (50%) de portanto na oralidade, no PE:
CASTILHO, A . T. Para uma gramática do português falado. Traba-
(27) “(...) o urbanismo, portanto, o urbanismo deve acabar, portan- lho apresentado na 40ª Reunião Anual da SBPC. São Paulo,
to, o urbanismo como necessidade da, portanto da, do modo de pro- 1988. (Cópia xerografada).
dução capitalista (...)” DIK, S.. The theory of Functional Grammar I. Dordrecht: Foris, 1989.
___. The theory of Functional Grammar II. New York: Mouton, 1997.
Em casos deste tipo, portanto funciona como mero bordão FERRARI, A. e ROSSARI, C. “De donc á dunque et quindi: les
linguístico ou marcador conversacional, e a sua colocação depende
connexions par raisonnement inférentiel”. Cahiers de
apenas das pausas que o falante introduz no seu discurso. O locutor
Linguistique Française, 15, 1994, 7-49.
recorre ao operador em momentos de hesitação, quando o
processamento do discurso não flui. Contextos deste tipo atestam a PERES, J. A. “Sobre conexões proposicionais em português”, In:
dessemantização completa do operador, que apenas assume um va- BRITO, A. M et alii. Sentido que a vida faz. Estudos para Óscar
lor pragmático de tipo fático: o locutor sinaliza que a sua interven- Lopes. Porto: Campo das Letras, 1997, 775-788.
ção não está concluída, apesar das pausas, e mantém assim o seu PEZATTI E, E. G. & CAMACHO, R.G. Aspectos funcionais da or-
turno de fala. dem de constituintes. D.E.L.T. A, v. 13, n. 2, p. 191-214, agos-
to1997.
Considerações Finais RISSO, M. S. O articulador discursivo “então”. In: CASTILHO, A.
T. e BASÍLIO, M. Gramática do português falado. vol. IV. São
Como podemos perceber, de acordo com seu papel, esse ope- Paulo:FAPESP/ Campinas:Editora da Unicamp, 1996a.
rador, como Conector, deixa-se comutar por logo, apresentando um
RISSO, M. S.et al. Marcadores discursivos: traços definidores. In:
valor conclusivo epistêmico; como Advérbio, pode ser substituído
KOCH, I. G. V. Gramática do português falado. vol. VI. São
por por isso ou por causa disso e tem um claro valor causal; como
Articulador Discursivo, permite diferentes paráfrases assim, em suma, Paulo: FAPESP/ Campinas: Editora da Unicamp, 1996b.
concluindo e sinaliza sempre que a informação do fragmento textual SWEETSER, E. From etimology to pragmatics. Cambridge:
que prefacia ancora em informação precedente, vem na seqüência do University Press, 1991.
ABSTRACT: The observation of data of a dialect of Brazilian Portuguese has attested an increase in the use of the periphrastic infinitive in contexts that
differ from those prescribed by the normative grammar of Brazilian and European Portuguese. The purpose of this paper is to explain why speakers of
standard Portuguese have a deviant interpretation of this new use of the periphrastic infinitive.
PALAVRAS-CHAVE: infinitivo perifrástico; semântica de eventos; progressivo.
A observação de dados de fala de um dialeto do português Há aproximadamente três anos, falantes do dialeto padrão do
brasileiro contemporâneo—que vamos chamar aqui, por conveni- português do Brasil vêm observando e comentando sobre o uso
ência, de dialeto α2 — revela um aumento significativo do uso do particular do infinitivo perifrástico feito por falantes do dialeto α.
infinitivo perifrástico [estar + -ndo] em contextos diferentes dos Muitas são as especulações sobre as causas para esse uso. Alguns
que são estabelecidos pela gramática normativa do português bra- acham que é influência do inglês, outros acham que se trata de um
sileiro, e dos contextos em que esse infinitivo é empregado no fenômeno de hiper-correção, outros pensam que se trata de um re-
dialeto que tem sido chamado de “norma urbana culta”. Os con- gionalismo. Entretanto, o motivo de essa “novidade” ter desperta-
textos em que esse novo uso do infinitivo perifrástico aparece di- do nossa curiosidade, deve-se ao sentido que nós, enquanto falan-
ferem, também, dos contextos em que, em português europeu, se- tes do português padrão, atribuímos ao infinitivo perifrástico tal
ria usada a perífrase equivalente [estar+a+infinitivo]. Em uma como usado no dialeto α. Quando ouvimos uma sentença como
sentença como (1) do português do Brasil, e (2) do português eu- (3), a interpretação que atribuímos a ela é a de que não existe qual-
ropeu, quer comprometimento, por parte do falante, de que a ação vai ser
levada a cabo. Ou seja, não existe qualquer garantia de que a recla-
1) No ano 2004, provavelmente a gente ainda vai estar estu- mação vai ser anotada, ou de que o problema vai ser verificado.
dando construções verbais. Tendo em vista que o dialeto α é largamente utilizado por pessoas
2) No ano 2004, provavelmente nós ainda vamos estar a es- responsáveis pelo atendimento ao público, não é de se estranhar
tudar construções verbais. que o uso do infinitivo perifrástico feito por esse dialeto, gerando
essa interpretação de falta de comprometimento em falantes do di-
observa-se o uso canônico da perífrase em questão. O que se tem aleto padrão, tenha chamado nossa atenção.
verificado no dialeto a é o uso do infinitivo perifrástico em uma
sentença como (3), que é estranha em português canônico: Alguns casos são também interessantes, à medida que, apesar
de serem considerados aceitáveis pelos falantes do dialeto padrão,
3) Eu vou estar anotando a sua reclamação imediatamente e detonam uma leitura particular que não parece ser totalmente ade-
hoje mesmo vou estar verificando qual é o problema. quada ao contexto em que eles aparecem. Assim, uma sentença como
O objetivo deste trabalho é fazer observações preliminares 4) No Capítulo 2, estarei discutindo a questão da morfologia,
sobre algumas propriedades exibidas pelo uso do infinitivo peri- usada na introdução de uma dissertação, se comparada à sua
frástico em dialeto α, sugerindo uma hipótese para explicar uma contraparte
das possíveis interpretações feitas por falantes do português
canônico, ao ouvirem o infinitivo perifrástico tal como usado pelo 5) No Capítulo 2, discutirei (ou vou discutir) a questão da
dialeto α. morfologia.
Parece gerar a interpretação de que a questão da morfologia será
O texto se organiza da seguinte maneira. No item 2, nós
vamos apresentar uma visão informal de interpretações geralmen-
te atribuídas por falantes do português padrão ao uso feito pelo 1
Evani Viotti está desenvolvendo a pesquisa que embasa este trabalho como
infinitivo perifrástico em dialeto α. No item 3, mostramos como
parte de seu projeto de pós-doutoramento financiado pela FAPESP, pro-
os dados da pequena amostra de fala natural do dialeto α que cole- cesso n. 99/10345-5.
tamos se distribuem entre as categorias estabelecidas por Vendler 2
O dialeto a tem sido chamado, informal e pejorativamente, de “secretariês”,
(1967), e utilizadas por um grande número de semanticistas do “burocratês”, ou “zero-oitocentês”. Esses nomes provavelmente se de-
evento. No item 4, vamos apresentar as linhas gerais da teoria de vem ao fato de que esse dialeto é mais comumente usado por uma larga
eventos defendida por Parsons (1990), para descrever, de maneira faixa profissional, que inclui recepcionistas, secretários, operadores de
mais formal, a estranheza causada pelo uso do infinitivo perifrásti- telemarketing, operadores de serviços de atendimento ao consumidor, e
co em dialeto α. Mostramos, ainda, como a combinação do uso do outros funcionários que são, de maneira geral, intermediários entre o pú-
blico e as pessoas que são efetivamente responsáveis pela tomada de deci-
infinitivo perifrástico de um modal com o infinitivo perifrástico de
são e pela ação. Entretanto, deve-se ressaltar que o uso desse dialeto já
um accomplishment ou achievement deve ser um fator que contri- está se expandindo e tem sido observado em falantes que não pertencem a
bui para aumentar ainda mais a estranheza desses usos, aos ouvi- esse segmento profissional, mas que, em geral (mas não necessariamente),
dos dos falantes do português padrão. estão em uma faixa etária abaixo dos 30 anos.
3
Assim, por exemplo, uma eventualidade do tipo accomplishment Programas “Espaço Informal” ou “Eldorado à tarde”, ambos parte de pro-
como gramação diária da Rádio Eldorado AM.
4
O termo “eventualidade” é usado aqui no sentido de Bach (1986).
16) No Capítulo 2, estarei discutindo a questão da morfologia. Vamos imaginar que esse operador In-progress pode tomar,
como argumento, não só eventos, mas também atividades e estados.
Segundo a qual a questão da morfologia vai ser discutida, mas Dentro dessa perspectiva, quando uma atividade p ou um estado s
não esgotada. Isso se deve ao fato de que eventualidades de estão expressos em forma progressiva, existe um estado de coisas s’,
accomplishment, no progressivo, não precisam (necessariamente) ter que corresponde ao “estado in-progress da atividade p ou do estado
um ponto de culminância. s”. É como se s’ fosse um estado circunstancial (In-progress),
dentro de uma atividade durativa, ou dentro de um estado maior,
Passamos, agora, a tratar das expressões, no dialeto α, do permanente (Hold). Assim, as formas lógicas de (21) e (22) seriam
infinitivo perifrástico de atividades, de estados, e de verbos modais— as seguintes:
que vamos equiparar a estados—e ver qual é o tipo de interpretação
que um falante do dialeto padrão pode dar a elas. 23) (∃p)[Correr(p) ∧ Agente(p, a Maria) ∧ (∃t)[t<agora ∧
Hold((s’), t)]]
Como visto acima, no modelo de Parsons anterior a 1984, ati- 24) (∃s)[Ser-esperta(s) ∧ Tema(s, a Maria) ∧ (∃t)[t<agora ∧
vidades e estados são vistos como eventualidades que não têm um Hold ((s’), t)]]
ponto de culminância. Portanto, seu uso na forma progressiva não
deve ter o mesmo efeito que tem o progressivo aplicado aos eventos. A forma lógica em (23) significa que, para uma atividade p
No caso dos achievements e dos accomplishments, o uso do progres- de correr, a Maria é o agente de p, e p dura (holds), em um estado
sivo tem a propriedade de afastar a necessidade da culminância da particular de progressão s’, antes de agora. A forma lógica em
eventualidade. Mas no caso das atividades e estados, essa proprieda- (24) significa que, para um estado s de ser-esperto, a Maria é o
de não se aplica. Como se explica, então, que nós tenhamos sentido tema de s, e s dura (holds), em um estado particular de progressão
alguma estranheza na expressão do infinitivo perifrástico de ativida- s’, antes de agora.
des e estados, ainda que em menor grau e quantidade do que em
relação a achievements e accomplishments? Essa idéia não só parece fazer sentido dentro do modelo propos-
to por Parsons, mas também captura algumas das intuições que temos
Vamos supor que sentenças que expressam atividades ba for- sobre a expressão de atividades e estados em forma progressiva.
ma não-progressiva, como (17), tenham a forma lógica em (18):
25) Aí vai (es)tar dando pra (es)tar atendendo pelo menos Este trabalho apresenta alguns pontos interessantes. Do pon-
quatro alunos de uma vez. to de vista empírico, nós chamamos a atenção para uma possível
mudança em curso do português do Brasil, que precisa ser bem estu-
Nela, aparecem um modal no infinitivo perifrástico (em itáli- dada pela gramática e pela sociolingüística. O uso do infinitivo pe-
co), e a expressão de um evento no infinitivo perifrástico (em negrito). rifrástico, da maneira feita pelos falantes do dialeto α, cresce dia a
Duas forças conspiram aqui, para criar a sensação de insegurança dia, e parece estar se alastrando rapidamente. A cada dia que passa,
mencionada no início deste trabalho, relacionada à interpretação de os falantes do português padrão se acostumam mais e mais com esse
que a ação não vai ser levada a cabo. Primeiro, a forma progressiva uso, a ponto de já não terem tanta certeza de suas intuições a esse
de uma expressão de evento não requer a culminância da eventuali- respeito. O que inicialmente parecia restrito ao uso do infinitivo já
dade para ser verdadeira. Assim, quando um falante do dialeto pa- está se aplicando a outras formas, como o subjuntivo—“eu quis que
drão ouve a perífrase estar atendendo, ele pode dar a ela a interpreta- ele estivesse me dando uma receita do creme com vitamina C”, “não
ção de que a culminância desse atendimento não é necessária para é um material que a gente esteja precisando reciclar”—e o futuro
que a sentença seja verdadeira. Portanto, ele não tem certeza de que do pretérito—“a senhora estaria recebendo o jornal gratuitamente
o atendimento vai, de fato, ser completado. e, durante o período de 15 dias, estaria analisando e decidindo se
quer ser assinante ou não.
Em segundo lugar, o estado de possibilidade expresso pelo
modal dar, segundo os padrões de interpretação de um falante do Esses fatos parecem sugerir que o uso dessas perífrases de
dialeto padrão, deveria durar ilimitadamente. Entretanto, quando gerúndio é apenas a ponta de um iceberg, que representa um amplo
usado na forma progressiva, esse modal passa a expressar um estado conjunto de mudanças mais radicais em andamento no português do
temporário e limitado. Brasil.
ABSTRACT: In this paper, I concentrate on the contrastive study of anaphoric temporal locators in European Portuguese and in Brasilian Portuguese,
focusing on three different types of anaphoric expressions - anaphors with hyponyms or with predicative content, anaphors with hyperonyms and pro-forms.
PALAVRAS-CHAVE: anáfora temporal, advérbios de tempo
0. Introdução
As sequências em (1) ilustram o tipo de anáfora temporal de Notas:
que me ocupo e que designo de anafóra de localização temporal. (i) Considero apenas as expressões que designam um único inter
valo de tempo. Não terei em conta expressões que designam
(1) a. A Ana nasceu em [1970]i. O Paulo também nasceu n[esse
mais de um intervalo, como, por exemplo, essas alturas, os
ano]i.
b. [A Ana mudou-se para Paris]i em 1999. Vivia em Lisboa mesmos anos.
até [então / aí]i. (ii) Há casos em que é defensável a presença de uma expressão
c. A Ana foi a Londres em [Dezembro de 2001]i. O Paulo foi anafórica nula, que não aparece representada no quadro acima
ao Brasil n[essa altura]i. (cf. Móia (2000: 224) a propósito de (a)). Não desenvolverei
esta questão aqui.
As expressões temporais anafóricas esse ano, então, aí e essa altura – (3) a. O Paulo chegou a casa à meia-noite. A Maria chegou meia
que integram adverbiais de localização temporal – retomam expressões hora depois Ø de isso.
representando intervalos de tempo que foram mencionadas no contexto b. O Paulo foi ao cinema ontem à noite. Passou por casa dos
linguístico anterior.
pais antes Ø de isso.
Neste artigo, terei apenas em conta os casos em que as expressões
anafóricas integram expressões adverbiais, ignorando os contextos, acei- c. O Paulo demitiu-se no dia 10 de Janeiro. Foi substituído no
táveis para algumas, em que elas ocupam posições argumentais (cf. (2)). dia seguinte Ø a isso.
(2) a. O Paulo teve dois acidentes em [1999]i. [Esse ano]i foi 1.1. Algumas diferenças entre expressões anafóricas
terrível.
1.1.1. As expressões anafóricas com hipónimos / com conteúdo
b. [A Ana foi a Londres]i em [Dezembro de 2001]i. O Paulo
escolheu [essa altura]i para ir ao Brasil. predicativo
(4) O Paulo nasceu em Maio de 1966. A Ana nasceu no mesmo
1. Subclasses de expressões temporais com destaque para as ex mês.
pressões anafóricas. (5) O Paulo foi a Paris em 1999. A Ana também foi a França nesse
No Quadro I abaixo, apresento a classificação das expressões ano.
temporais no que respeita à sua (in)dependência referencial com desta- (6) A Ana acabou o curso em 1990. Começou a trabalhar nesse
que para as expressões anafóricas. Na coluna da esquerda, incluo as ex- mesmo ano.
pressões dêicticas, ie, aquelas que exibem uma dependência referencial As expressões anafóricas deste tipo são decomponíveis em duas par-
relativamente ao tempo da enunciação; na coluna da direita, as expres-
tes: uma anáfora (esse / o mesmo / esse mesmo) e um predicado de
sões autónomas, ou seja aquelas que do ponto de vista referencial têm
plena autonomia. Na coluna do meio, incluo as expressões anafóricas, tempo hiponímico (e.g., ano / mês / hora / dois dias / cinco minutos).
ie, aquelas que são referencialmente dependentes do contexto linguístico Em termos formais, e no quadro da Discourse Representation Theory,
anterior. Divido-as em três classes – expressões com hipónimos ou com as expressões anafóricas do tipo esse mês, e o mesmo ano introdu-
conteúdo predicativo, expressões com hiperónimos e pro-formas – que zem na DRS uma condição de tipo predicativo - mês(t), ano(t) – e
caracterizarei mais abaixo. uma condição de identidade não resolvida – [t=?].
1.1.3 As pro-formas
(9) O Paulo mudou-se para Paris em 1999. Vivia em Londres até
{então / aí}.
(10) O Paulo fez o jantar ontem à noite. {Entretanto / enquanto
ABSTRACT: Portuguese aspectual verbs have two different structures: 1. a+Inf./Ger., 2.de+Inf.. EP and BP can differ w.r.t. the availability of these
constructions (Ger. is not acceptable in standadd EP), the functional structure of the embedded domain and the stative/eventive nature of the ‘inputs’
corresponding to each construction.
PALAVRAS–CHAVE: operadores aspectuais, ‘input’ estativo/eventivo, T dependente, clíticos
1. Introdução diz respeito aos verbos de operação aspectual, prende-se com a pos-
O objectivo deste trabalho consiste em caracterizar semântica sibilidade de surgimento, na segunda destas variedades, de formas
e sintacticamente verbos de operação aspectual em PE e em PB. As envolvendo o Ger., a par com a utilização de a + Inf., em contextos
construções analisadas podem englobar-se em dois grandes grupos, em que a norma do PE apenas aceita, tipicamente, o recurso à última
Vasp+a+Inf /Vasp+Ger e Vasp+de+Inf, em que a distinção sintáctica configuração referida:
se articula com a semântica, quer no contraste entre os dois grupos, (1) O João está a comer/* comendo a maçã.
quer nas diferentes possibilidades de construção nas duas varieda- (2) A Maria ficou a chorar/* chorando.
des. Quanto ao primeiro caso, em PE só existe Vasp+ a+Inf, enquan- (3) A Lígia anda a ler/* lendo o livro.
to em PB também Vasp+Ger ocorre. As construções Vasp+de+Inf (4) O Rui começou a escrever/* escrevendo a tese.
distinguem-se sintáctica e semanticamente das anteriores, pois não (5) A Rita passou a viver/* vivendo na Holanda.
só apresentam uma única construção como, quando surgem com (6) O Guilherme continuou a beber/* bebendo o leite.
gerúndio em PB, não são aspectuais. (7) Cecon esteve inspecionando os estragos causados pela chu
va na avenida. (NILC, par 280628)
2. Semântica dos verbos de operação aspectual em PE e (8) A barca perdeu o leme e ficou dando voltas, em círculos.
em PB (NILC, par 20492)
Do ponto de vista semântico, é fundamental distinguir (9) Para completar, São Pedro andou lavando o céu e o ralo
predicação base de input e de output dos operadores, na medida em ficou bem em cima da gente. (NILC, par 22842)
que se considera que não só se altera o resultado da operação (10) Muitas meninas começaram a chorar. (NILC, par 8774)
aspectual, como também é necessário fazer algumas transições nas (11) O delegado Hélio Luz passou a suspeitar de Anísio. (NILC,
predicações base para ser possível que os verbos aspectuais operem par 10857)
as referidas mudanças (cf. Moens 1987). (12) Caído sobre o volante, continuou acelerando. (NILC, par
Consideramos que um operador aspectual é um “elemento 275520)
linguístico” cuja principal função é a de alterar a perspectivação ou a Enquanto as frases de (1) a (6), que ilustram (a norma padrão
focalização das situações. Uma opção por um tratamento deste tipo d)o PE, nos revelam que os verbos de operação aspectual representa-
advém da necessidade de dar conta de certas assimetrias resultantes dos seleccionam, de modo consistente, a + Inf., os exemplos de (7) a
de diferenças na interacção entre o operador e o tipo aspectual da (12) tornam claro, pelo contrário, que, em PB, parece existir uma
situação em causa, pois os operadores parecem ser sensíveis à classe certa alternância entre a configuração considerada e formas do Ger.
das eventualidades com que se combinam. Será possível encontrar algum tipo de explicação para este facto?
Assim, propõe-se para este tipo de construções uma análise A distribuição de a + Inf. e de Ger., no que respeita aos ver-
essencialmente baseada na noção de operação aspectual, que consis- bos de operação aspectual do PB, está longe de ser homogénea. De
te na conversão de um determinado input num dado output. Deste facto, os dados desta variedade apontam, inequivocamente, para a
modo, as categorias aspectuais básicas são comutadas por forma a existência de divergências significativas ao nível do tipo de configu-
obtermos o input desejado, que, por sua vez, sofre nova transição, rações em que os diferentes operadores aspectuais estão envolvidos.
por efeito do operador aspectual, com vista à obtenção de um output Assim, o número de ocorrências em verbos de operação aspectual
final (Cunha 1998). como estar (Ger. 33; a + Inf. 3), andar (Ger. 90; a + Inf. 0) ou ficar
Procura-se, assim, determinar tanto as classes aspectuais que (Ger. 320; a + Inf. 22) revela uma nítida tendência para estes compa-
se constituem como input, como as que surgem como output relati- recerem com formas do Ger., contrastando, nesse aspecto, com co-
vamente a uma transição aspectual. O input é tipicamente determi- meçar (Ger. 15; a + Inf. 3626) ou com passar (Ger. 0; a + Inf. 2748),
nado pelas condições necessárias para que se dê uma transição. Isto que seleccionam preferencialmente a + Inf. Finalmente, continuar
é, que parte(s) de um evento é/são indispensável(eis) como já exis- parece ser o único operador que se mostra capaz de surgir com ambas
tentes ou decorridas para que o operador possa operar sem provocar as estruturas de um modo relativamente equilibrado (Ger. 248; a +
anomalias semânticas. O output aparece reflectido na frase que inte- Inf. 167).
gra o operador, e a categoria aspectual resultante determina-se recor- Devemos, além disso, ter em conta que nem todas as ocor-
rendo a vários testes. rências que integram as configurações sob análise se reportam a ca-
sos de operação aspectual. Estruturas do género de começar +
3. Vasp + a + Infinitivo Vs. Vasp + Gerúndio Gerúndio ou de passar + Gerúndio podem revestir outras significa-
Um problema de grande relevância que se nos depara, quan- ções distintas. Assim, a primeira destas construções recebe, muito
do procuramos estabelecer um contraste entre o PE e o PB, no que frequentemente, uma interpretação de cariz basicamente temporal,
1
Para o conceito de estado faseável, veja-se Cunha (1998).
2
Com efeito, em 73 ocorrências analisadas com terminar de, apenas 4 po-
dem ser temporais, enquanto em 135 sequências analisadas com acabar de
só duas não são temporais.
3
Em PB acabar pode ocorrer com Gerúndio, mas não se trata de um opera-
dor aspectual, sendo paralelo à construção acabar por em PE. Terminar
Se compararmos Acabar de / parar de / deixar de, pode dizer-se que por também se pode encontrar mas, novamente, não se trata de um ope-
o primeiro indica a culminação do processo, o segundo a sua inter- rador aspectual, tal como acontece em PE em construções com acabar
rupção e o terceiro a cessação de um estado habitual. Tal é ilustrado por.
(i) Estas imperfeições podem aparecer na forma de verrugas, que acabam
por (42)-(47):
prejudicando a suavidade de sua pele. (Cláudia 38,nº6, p.147)
(42) O Rui acabou de fumar. (ii) Nossa cultura é muito machista e terminamos por reproduzir essa cultu-
(43) O Rui parou de fumar. ra quando botamos só as meninas para cuidar de casa. (revista Domingo,
(44) O Rui deixou de fumar. nº1. 199)
RESUMO: Neste trabalho procederemos à caracterização de Elipse do VP e à determinação das propriedades responsáveis pela sua ocorrência e o seu
diferente comportamento em Português Europeu e Brasileiro. Mostraremos que o mesmo factor de legitimação está presente nas duas variedades e que as
diferenças registadas decorrem do Léxico.
In this paper we will characterize VP Ellipsis and isolate the properties responsible for its occurrence and different behaviour in European and Brazilian
Portuguese. We will show that the same licensing factor is at work in both varieties and that the differences rely on the Lexicon.
PALAVRAS-CHAVE: Elipse do VP, movimento/subida do verbo, legitimação do VP elíptico.
1. Elipse do VP em Português Europeu (PE) e Brasileiro d. Eles estão preocupados e nós também estamos [-].
(PB): aspectos comuns [-] = preocupados.
(5) (PB) a. Ela está enviando o livro para a editora e ele também
1.1. Caracterização de Elipse de VP está [-].
A Elipse do VP é caracterizada como um fenómeno que ocorre [-] = enviando o livro para a editora.
prototipicamente em Inglês, em exemplos como (1), em que o verbo b. — Eu já pude constatar que você é uma avó muito
principal e os seus complementos ou adjuntos são o alvo da elipse coruja.
(cf. (1a)-(1d)). A elipse pode, no caso do verbo copulativo be, res- — Mas tenho que ser [-], a minha neta é lindérrima.
tringir-se ao núcleo da oração pequena seleccionada pelo verbo, como (V. Loyola.Entrevista Benedita da Silva.
em. (2). Domingo,nº199, 25/ABR/1999)
[-]= uma avó muito coruja.
(1) a. John loves Mary, and Peter does [-], too
[-]= love Mary (Sag, 1980:10) Porém, a existência de subida generalizada do verbo nesta lín-
b. Sandy should go to Boston, and Betsy should [-], too. gua (cf. Pollock 1989, Belletti 1990) permite casos de Elipse do VP
[-]= go to Boston (Sag, 1980:11) identificados por verbos principais distintos dos verbos de cópula
c. Paul apologized, but Bob won’t have [-] (cf. Raposo 1986, Matos 1992, Kato 1993, Cyrino 1994/1997b, 1997a,
[-]=apologized (Sag, 1980:17) Martins 1994). As frases em (6) e (7) ilustram esta propriedade. Nes-
d. Betsy wanted to go home, but Peter didn’t want to [-]. tes exemplos, na explicitação do conteúdo da elipse, [t] está pela
[-]= go home (Sag 1980: 12) cópia do verbo.
2) Harry seems upset, but Bill doesn’t seem to be [-]
[-]= upset. (Sag, 1980:20) (6) A Ana trouxe o computador para a Faculdade hoje e a
Paula também trouxe [-].
O contraste entre (1)-(2) e (3), sugere que o factor determinante [-] = [t] o computador para a Faculdade hoje
para a existência de Elipse do VP é a possibilidade de um verbo ou (7) A: Escute, senhor Magnussen, esse seu Fernado
de um indicador da morfologia verbal (como to em (1d)) instanciar o Enríquez....
núcleo da projecção funcional que selecciona o VP elíptico. Os ver- B: ...Henrique.
bos auxiliares e be copulativo estão neste caso, um verbo como seem A: ...OK, Henrique, não tomou posse em Janeiro?
em (3) ou outros verbos principais não estão (cf. Pollock 1989, B: Tomou [-] sim, porquê?
Chomsky 1995). [-]= [t] posse em Janeiro
(Fritz Utzeri, Det ar Logn. Jornal do Brasil 6/9/99)
(3) *Harry seems (to be) upset, but Bill doesn’t seem [-]
[-]= upset. (Sag, 1980:20) 1.2. Elipse do VP vs. outros tipos de Elipse
Elipse do VP estabelece fronteiras com outras construções
As frases em (4) e (5) mostram que tanto o PE como o PB elípticas que afectam o predicado frásico ou os complementos do
possuem a construção de Elipse do VP prototípica, legitimada pela verbo principal.
presença de verbos auxiliares e copulativos.
1.2.1. Elipse do VP vs. Despojamento e Respostas
(4) (PE) a. Nenhum de nós tinha votado nesse candidato nem Fragmentárias
admitiamos que alguém tivesse [-]. Poderiamos admitir que a Elipse do VP em Português é uma
[-]= votado nesse candidato. construção ainda mais radicalmente diferente da inglesa, incluíndo
b. A: Alguém tem telefonado ao Pedro regularmente? na elipse o próprio verbo, como ilustrado em (8). Esta proposta foi
B: Tem a Ana [-] / A Ana tem [-]. defendida para o Espanhol por Brucart (1999) e Lopez (1999).
[-] = telefonado ao Pedro regularmente
c. Quanto às últimas aquisições bibliográficas, podemos (8) a. Algumas bibliotecárias catalogaram os livros mas ou
dizer que as revistas ainda não foram catalogadas, tras não [-]
mas há livros que já foram [-]. [-]= não catalogaram os livros.
[-] = catalogados b. A: Alguém tem telefonado ao Pedro regularmente?
(9) a. Elas catalogaram os livros mas as revistas não [-] (18) a. (PE) Ainda que queiras [-], não podes resolver esse pro
[-]= Eles não catalogaram [tObj Dir]. blema facilmente.
b. A: A Ana tem telefonado a alguém regularmente? b. (PE,PB) Nosso time é superior aos adversários. Sei [-].
B: Só ao Pedro [-]. (Mauro Ventura, Jornal do Brasil, 2/Out/1999)
[-] = A Ana tem telefonado [tObj Indir] regularmente c. (PE,PB) E se você quiser deitar, também pode [-].
(Cláudia, Junho 1999, n´º 6, Ano 38, pp.46-47)
(ii) Despojamento está excluído de contextos-ilha, em que a Elipse
do VP é admitida: (i) Elipse do VP em Português exige paralelismo lexical en-
tre o verbo que identifica a categoria elíptica e um verbo do VP ante-
(10) a. A Maria só vai ao cinema se tu também fores [-]. cedente, o que não acontece com Anáfora do Complemento Nulo.
[-] = [t] ao cinema
(Elipse do VP) (19) * Ele não tinha ainda sido apresentado ao professor, mas vai
b. * A Maria só vai ao cinema se tu também [-]. [-] em breve
(Despojamento) (20) E se você quiser deitar, também pode [-].
[-] = fores ao cinema Revista Cláudia, Junho 1999, n´º 6, Ano 38, pp.46-47.
1.2.2. Elipse do VP vs. Complemento Nulo (ii) Elipse do VP pode mobilizar qualquer verbo. A ocorrên-
Elipse do VP distingue-se de Objecto Nulo, ilustrado em (15) por um cia da Anáfora do Complemento Nulo é lexicalmente determinada:
conjunto de propriedades estruturais e distribucionais. só é possível com verbos semi-auxiliares modais ou aspectuais e com
certos verbos de complementação (veja-se o contraste entre (21) e
(12) a. (PB) E se arma é poder, então o estado deve contro (22)).
lar [-]. (L.Vieira. Entrevista F. Monteiro. Domingo,
nº210, 11/JUL/1999) (21) a. Ainda que precises /necessites /possas /devas [-], não vais
b. (PE,PB) Ela tirou o anel do dedo e guardou [-] no cofre. resolver esse problema com facilidade.
c. O João olhou para a fotografia daquele homem. Reconhe b. A Maria ainda não escreveu o livro todo, mas já começou
ceu [-] [-].
imediatamente: era um dos seus colega de Faculdade. c. A Maria já começou a escrever a tese, e vai acabar [-] em
breve
(i) Elipse do VP pode ser legitimada por verbos auxiliares (cf. (4) e (22) a. * Ainda que pretendas [-], não podes resolver esse pro
(5a)); Objecto Nulo só pode ser legitimada por verbos principais (cf. blema com facilidade.
(12c)vs (13)): b. ?? Os médicos não queriam que a doente voltasse logo
para casa, mas ela
(13) O João olhou para a fotografia daquele homem. implorou [-].
* Tinha [-] imediatamente: era um dos seus colega de Facul [-] = voltar para logo casa
dade.
(cf. Tinha reconhecido [-] imediatamente: ...) Em suma, Elipse do VP em Português constitui um objecto
de estudo autónomo.
(ii) Em Elipse do VP, a elipse abarca a cópia do verbo, os seus com-
plementos e adjuntos; Objecto Nulo coincide com um único argu- 2. A Legitimação/identificação do VP elíptico
mento do verbo (cf. (14) vs (15)). Para dar conta da legitimação da Elipse do VP duas questões centrais
se colocam:
(14) Ana trouxe o computador para a Faculdade hoje e a Paula (i) Que mecanismo ou propriedade legitima Elipse do VP?
também trouxe [-]. (ii) Que mecanismo ou propriedade impede a sua existência?
[-]= [t] o computador para a Faculdade hoje
(15) Ela tirou o anel do dedo e guardou [-] no cofre. No âmbito do Programa Minimalista, Cyrino 1999 considera que a
legitimação dos constituintes elípticos pós-verbais em geral, e de
(iii) Elipse do VP em Português não pode ser legitimada por Elipse do VP em particular, implica o movimento do Verbo para Iº.
um verbo distinto de um dos verbos do VP antecedente; Objecto Só assim se explica a existência de Elipse do VP apenas com verbos
Nulo pode (cf. (16) vs. (17)). auxiliares no Inglês e a possibilidade de Elipse do VP com verbos
auxiliares e principais no Português. Adoptando uma proposta de
ABSTRACT: The purpose of this work is to examine the possibilities of VS order in declarative sentences in PE and PB. The analysis shows that in both
varieties the VS order is grammatical in unaccusative contexts under specific syntactic-semantic conditions of focalization.
PALAVRAS-CHAVE: PB/PE; ordem VS; inacusatividade; focalização.
1. Introdução
Este trabalho procura investigar as possibilidades de ocorrên-
cia da ordem verbo-sujeito (doravante VS), considerando os dados do
português europeu (doravante PE) e do português brasileiro (doravante
PB). Para buscar evidências que atestem ou não nossas hipóteses a
respeito dos condicionadores da ordem VS, investigamos dois corpora
de língua escrita, pertencentes às variedades do PB e do PE (Projeto
PE/PB2000).
Este estudo procura também construir uma explicação alterna- A tabela mostra, em um primeiro momento, resultados favorá-
tiva para a correlação desde muito observada entre a propriedade do veis à postulação de que as duas variedades apresentam a mesma curva
sujeito nulo e a inversão do sujeito, de modo a incorporar observa- probabilística com respeito ao condicionamento do verbo na ordem VS,
ções correntes sobre outras propriedades destas duas variedades, o que leva a evidências favoráveis de que verbos inacusativos, em espe-
cial inacusativos não-existenciais e existenciais (não-copulares), apre-
entre elas a de que o PB perde progressivamente contextos de ocor-
sentam ambientes propícios à ordem VS (.77 e .99 no PB; e .55 e .93 no
rência do sujeito nulo, contextos que se mantêm firmes em favorecer
PE), enquanto verbos intransitivos apresentam-se como contextos
o sujeito nulo no PE. Adicionalmente, sujeito nulo e inversão do
inibidores da posposição, apenas .24 no PE.
sujeito ainda devem se relacionar com outras características de cada Examinemos agora o grupo de fatores traços de definitude e de
uma das variedades em discussão, particularmente sobre as estrutu- especificidade do DP, baseando-nos em Enç (1991). A autora relacio-
ras de expressão de foco e as possibilidades de expressá-lo via meca- na especificidade com definitude, propondo a seguinte formulação:
nismo entonacional. enquanto sintagmas [+definidos] e [+específicos] exigem que seus
referentes discursivos sejam ligados a referentes discursivos previa-
2. Os dados mente estabelecidos, sintagmas [-definidos] e [-específicos] exigem
2.1. Os resultados estatísticos que seus referentes sejam novos. A natureza da ligação é o que distin-
A seleção dos dados só levou em conta construções com ver- gue essas noções: a ligação relevante para estabelecer os critérios de
bos intransitivos e inacusativos, por não encontrarmos nenhuma ocor- definitude é a relação de identidade e para estabelecer os de
rência de posposição do sujeito em construções transitivas nesse especificidade é a relação de inclusão (grifos nossos). No primeiro
primeiro momento, nem na variedade do PB nem na do PE. Dos 612 caso, os referentes têm de ser idênticos. No segundo caso, os referen-
dados analisados (253 no PB e 359 no PE), encontramos 73 ocorrên- tes em questão devem estar (ou não) incluídos no conjunto de referen-
cias de V DP (29%) no PB e 121 no PE (34%). Após postulados os tes previamente mencionados no discurso.
Para discutir tais traços, considerem-se as sentenças abaixo:
grupos de fatores, categorizamos todos os dados e fizemos várias
rodadas estatísticas, utilizando-nos do pacote VARBRUL; o progra-
(1) a. (Fala do encontro com os adolescentes) A conversa acon
ma selecionou como estatisticamente relevantes, por ordem de teceu a meio de manhã (entrevista/PE, p.5)
significância, os seguintes grupos de fatores: b. Toda vez que eu reencontro Gaiarsa (...) a minha admira
Variedade do PB: ção cresce ainda mais (Entrevista/PB, p. 60)
1o. Grupo - Tipo de verbo
2o. Grupo - Forma de realização do DP (2) a. às vezes basta um empurrão, outras é preciso um apoio
3o. Grupo - Estatuto [+/- pesado] do DP mais sólido (entrevista/PE, p. 10)
4o. Grupo - Traços de definitude e de especificidade do DP b. Daí surgiram forças que atropelaram tudo ao seu redor (ma
Variedade do PE: téria assinada/PB)
1o. Grupo - Tipo de verbo Podemos dizer que em (2) os sintagmas indefinidos um em-
2o. Grupo - Traços de definitude e de especificidade do DP purrão/forças são partes não pressupostas da informação que se quer
3o. Grupo - Estatuto [+/- pesado] do DP veicular, por não estabelecerem relação nem de identidade, nem de
Interessam-nos nesse trabalho, em especial, os grupos de fatores inclusão com o discurso precedente, diferentemente do que acontece
tipo de verbo e traços de definitude e de especificidade do DP. Vale com os sintagmas definidos A conversa/a minha admiração em (1).
ressaltar que o grupo de fatores tipo de verbo foi o primeiro a ser seleci-
onado nas duas variedades de língua pelo pacote estatístico VARBRUL 1 Para efeitos de rodada do pacote estatístico VARBRUL, foi atribuída à
e seus resultados podem ser observados na tabela 1, abaixo: variedade do PB uma ocorrência de VS com verbos intransitivos.
Como podemos observar no gráfico 1, devem existir diferenças (4) Fizeram a matrícula todos os alunos que estavam no corredor
significativas relacionadas principalmente aos traços de definitude entre
construções intransitivas e inacusativas no PB, apontando para a exis-
tência de uma complementaridade entre tais construções. À medida que Por outro lado, quando falamos de contextos de
o DP é marcado por traços negativos de definitude (e de especificidade) monoargumentalidade, falantes nativos e dados estatísticos dizem o
cresce o percentual de ordem VS em certos contextos de inacusatividade; mesmo e com a mesma veemência: com verbos monoargumentais,
quando, porém, o DP é marcado por traços positivos, a preferência é em PE são possíveis as ordens VS quer em construções intransitivas,
para a ordem SV (exceto em contextos existenciais). Essa correlação como em (5), quer em construções inacusativas, onde a ordem VS é
mostra que o grupo de fatores traços semânticos do DP não tem rele- gramatical tanto com focalização sobre o sujeito, como em (6a), quan-
vância independente nessa variedade do português.
to com focalização sobre a frase (Costa 1999), como em (6b):
Já no PE a curva não é a mesma, como podemos observar no
gráfico 2, abaixo.
(5) Viajou o João
b. - O que aconteceu?
- Chegou o João.
Por seu turno, o PB só admite a inversão com inacusativos, e
ainda impõe restrições severas em contextos em que o sujeito é foca-
lizado (aparentemente apenas interpretações de lista e de exclusivida-
de são permitidas a frases como (6a)). Aliás, essa não é uma observa-
ção nova: vários trabalhos sobre o PB já mostraram uma restrição
forte de monoargumentalidade para a ordem VS no PB (cf. Kato
2001, Berlinck 1995), em especial, para contextos de inacusatividade
ABSTRACT: The paper addresses some properties of the constructions involving so-called structural (or sentential) negation, both in European and
Brazilian Portuguese. Two issues will be tackled: (i) sentential negation operators and directly related constructions, namely “reinforced negation”, and
(ii) some aspects of the arrangements that have been considered instances of negative concord.
PALAVRAS-CHAVE: negação, reforço da negação, concordância negativa.
1. Operadores de Negação Frásica em Português (9) “[A norma NBR 6023] destina-se a orientar a preparação e
1.1. Fixação de conceitos compilação de referência de material utilizado para a pro
Na terminologia de Payne (1985), as formas de negação em dução de documentos e para inclusão em bibliografias, resu
causa constituem realizações de “standard negation”. Esta, por sua mos, resenhas, recensões e outros. Aplica-se às descrições
vez, constitui uma das “syntactic forms of sentential negation”, con- usadas em bibliotecas e nem as substitui.”
juntamente com “negated quantifiers” (não muitos), “inherently
negative quantifiers” (nenhum estudante), “negated adverbials” (não Seguem-se exemplos de aplicações dos outros operadores
muitas vezes) e “inherently negative adverbials” (nunca) – cf. pp. negativos referidos:
197 ss.. (10) O Paulo não / nem jantou nem almoçou
Na terminologia de Horn (1989), a negação de que aqui se (11) A Ana saiu sem avisar os pais.
trata corresponde ao que ele designa “predicate denial” (com possí- (12) Sem te esforçares, não consegues nada.
vel variação de escopo). Este tipo de negação constitui, conjunta- (13) Deixei de fazer um bom negócio por tua causa.
mente com a “predicate term negation” (os relatórios não analisa- (14) Como não podia deixar de ser, vamos chegar atrasados.
dos, não muito longe daqui), um subtipo de “descriptive negation”. (15) Não deixa de ser curioso o que me estás a dizer.
Esta caracteriza-se por ser sempre verifuncional, assim se distinguindo
da “metalinguistic negation”. 1.3. Uma diferença nas tag-questions
1.2. Os operadores de negação frásica em português De passagem, note-se uma diferença entre português euro-
Se ignorarmos o plano morfológico, podemos dizer que a peu e português brasileiro (doravante, PE e PB, respectivamente) no
língua portuguesa dispõe de várias formas de expressão da negação que respeita à forma das chamadas tag-questions, no caso em que a
frásica padrão, não necessariamente em variação livre. Se a essas frase a que a tag é aplicada é negativa:
associarmos formas que envolvem coordenação ou subordinação, as
quais, para Payne, já não seriam estritamente negação-padrão ( “that (16) a. A Vera saiu, *(não) saiu / não foi / não é? [PE, PB]
type of negation that can apply to the most minimal and basic (17) b. A Vera não saiu, (*não) saiu? [PE, PB]
sentences”), obtemos o quadro seguinte: A Vera não saiu, pois não? [PE]
1.4. Negação reforçada
O fenómeno da negação reforçada, em que o operador nega-
tivo ou um sintagma com palavra negativa são usados para reforçar o
valor de negação já expresso por um outro operador negativo, verifi-
ca-se nas duas variantes, se bem que com muito mais frequência em
Importa salientar que o operador NEM envolve em muitos casos PB. É atestado por exemplos como:
implicatura convencional: (18) (…) assim como a tourada também eu não considero
(1) Nem em dez anos o país vai recuperar desta crise. muito esporte não...
(2) A – Vamos ao cinema? B – Nem penses! (RJ-DID 12:208)
(3) Você portou-se que nem um herói. (19) (…) não, não é só Ipanema... Copacabana... não...
(4) Se me convidarem para publicar nessa editora, nem pen |-114 L1 (PROJETO NURC/RJ-D2 147:113)
so duas vezes. (20) (…) isso não quer dizer que eu... sou muito contente com
Noutros casos tal valor parece estar ausente ou ser menos evi- a minha classe média não...
dente, podendo eventualmente reconhecer-se um valor informacional |-120 L1 (PROJETO NURC/RJ-D2 147:119)
do tipo da ênfase: (21) Mas se há a possibilidade de mexer em alguma coisa na
(5) O público nem sabe o que o espera! história do país – como aconteceu com o Pasquim –, se
(6) Nem imaginas o que me aconteceu ontem à noite! você continua com espaço para poder interferir, aí você
(7) Nem queiras saber o que andam para aí a dizer de ti! não vai para casa, não fecha o botequim não.
(8) O presidente da mesa nem cumprimentou os congressis
tas!
1 O texto foi encontrado pelo o primeiro autor, ao consultar o sítio da
Pela estranheza que causa, note-se a seguinte ocorrência, que, ABNT na Internet, a fim de procurar as normas de referência bibliográfica
a não ser desviante, constitui facto digno de registo1 : recomendadas pela ABRALIN.
Merece ainda ser ressaltado o interessante facto de que, quan- cases under scrutiny, in the sense of involving contradiction
do o reforço é construído com a palavra negativa nada ou uma ex- and being antiadditive3 – is deprived of its negative value,
pressão similar, o operador negativo pode não vir expresso na lin- while keeping its form, even if it involves a (more or less
guagem coloquial (com mais facilidade em PB, mas também em PE): recognisable by present day speakers) negative morpheme. As
is well known, this is not the exact pattern found in French,
(29) A: Você ‘tá muito preocupado.
B: (Não) ‘tô nada.
(30) A: Foi você que perdeu o mapa.
B: (Não) fui nada eu! 2 A ideia de que há em português manifestações do Ciclo de Jespersen vem
(31) A: Ele é professor da USP. sendo defendida desde há vários anos pelo primeiro autor deste texto,
B: É nada! nomeadamente na sua docência, desde 1994, e em conferências proferi-
(32) A: O Paulo fez monte de besteira. das em 1998 no Brasil, nas Universidades de Campinas, de São Paulo, Fe-
B: Fez nada, foi a Maria que fez! deral de Alagoas e Federal da Paraíba. Note-se, porém, que nunca nessas
(33) A: Vai chover. intervenções fez qualquer referência às construções em que o elemento
de reforço é outra expressão que não o operador típico de negação.
B: (Não) vai chover nada. / (Não) vai nada chover. /
3 “For an n-word like English no, asserting that this operator is anti-additive
(Não) vai chover coisa / coisíssima nenhuma. is tantamount to stating that the following equivalence (where N1 and N2
Dados como os apresentados acima podem constituir evidên- stand for any nouns and X stands for any predicative expression) holds (see
cia da manifestação em português – muito mais intensamente em PB Zwarts 1995 for deeper analysis):
(i) [no (N1 OR N2) X] IF AND ONLY IF [no (N1) AND no (N2) X]” (Peres, no
do que em PE – do fenómeno descrito na literatura como Ciclo de
prelo)
(74) a. A Ana não foi à Faculdade nem ontem nem hoje. b. [falou o Pedro] e [mais ninguém (falou)]
b.Nem ontem nem hoje a Ana foi à Faculdade. (90) a. Foram à festa poucos ou nenhuns rapazes.
b.[foram à festa poucos (rapazes)] ou [nenhuns rapazes
2.3. CN explícita alargada – II (um operador de grau de Adj e de (foram à festa)]
Adv) (91) a. Como secretária, quero a Ana ou ninguém.
Introduzimos aqui um tipo de CN que envolve um sintagma-n com b. como secretária [quero a Ana] ou [ninguém (quero)]
função de operador de quantificação escalar nos domínios da signifi- (92) a. Quero tudo ou nada. (Je veux rien ou tout - Racine, cf.
cação adjectival e adverbial: Horn 89: 454)
(75) O director não é nada simpático. b [quero tudo] ou [nada (quero)]
(76) A história em causa não era nada edificante. (93) a. Comprei fruta e mais nada.
(77) Esta banda não toca mesmo nada. b. [comprei fruta] e [mais nada (comprei)]
(78) O Pedro não falou nada. [PB: ARGUMENTO, GRAU OU RE (94) a. Tive muitas despesas e nenhum lucro.
FORÇO] b. [tive muitas despesas] e [nenhum lucro (tive)]
(95) a. Comprei muitos livros, mas nenhum disco.
2.4. CN implícita b. [comprei muitos livros] mas [nenhum disco (comprei)]
Na presente secção, propomos pistas para a explicação de (96) a. Eu só usava avião para transporte. Mais nada.
casos de CN implícita. b. (...) [mais nada (usava)]
2.4.1. Resolução sintáctica da CN implícita 2.4.1.4. Construções comparativas
2.4.1.1. Orações pequenas (97) A Maria canta melhor do que ninguém.
A solução de casos do tipo dos exemplificados em (79)-(80) (98) A Maria convidou mais vezes o Paulo do que nenhum ou
pela consideração de orações pequenas (“small clauses”) é proposta tro colega.
em Peres1995/1997, que contrapõe a sua análise à de Zanuttini 1991. Perante dados deste tipo, estão disponíveis pelo menos duas
(79) Demoliram a nunca acabada ponte da Madalena. vias em alternativa. Uma, adoptada por Giannakidou 1998, consiste
(80) Ele gosta de trabalhar com ninguém à sua volta. em considerar que o licenciamento dos sintagmas-n é feito nestes
2.4.1.2. Adjuntos de frase casos por implicatura, assumindo-se que qualquer das frases deste
tipo convoca no seu processamento uma proposição com caracterís-
Os casos aqui focados envolvem adjuntos de frase em que, sem ticas de anti-veridicidade (em (97), a proposição de que “ninguém
legitimador visível, ocorre um sintagma-n. canta melhor do que a Maria”).
(81) Foi tudo para nada. [RESULTATIVA]
A segunda via envolve uma solução estrutural, acerca de cuja
(82) Tive todo este trabalho para nada. / Fartei-me de trabalhar
pertinência em relação às comparativas em geral se tem discutido na
para nada. [idem]
literatura. Dentro desta via, distinguem-se duas orientações. Uma é a
(83) Você lutou tanto para nada. [idem]
(101) Neste momento, as esperanças de encontrar os náufragos Research Institute, Universidade de Salford, UK, 29 de Outubro
são praticamente nenhumas. a 1 de Novembro de 1998, handout.
(102) Os estudantes que ele orientou foram praticamente ne PERES, João Andrade. 2000. “Towards a Comprehensive View
of Negative Concord”. In K. Jaszczolt and K. Turner (org.),
nhuns.
Contrastive Semantics and Pragmatics II, Elsevier Science, Oxford,
no prelo.
Referências bibliográficas
STECHOW, Arnim von. 1989. “Comparing Semantic Theories of
GIANNAKIDOU, Anastasia. 1998. Polarity Sensitivity as Comparison”. Journal of Smeantics 3, 1-79.
(Non)Veridical Dependency. John Benjamins, Amsterdão. ZANUTTINI, Rafaella. 1991. Syntactic Properties of Sentential
HORN, Laurence. 1989. The Natural History of Negation. University Negation, A Comparative Study of Romance Languages, Ph.D.
of Chicago Press, Chicago. dissertation, University of Pennsylvania.
HORNSTEIN, N e D. LIGHTFOOT. (1987) Predication and PRO.
ABSTRACT: In the last two decades different aspects of variation found in wh-interrogatives have deserved the attention of many linguists. The aim of this
paper is to describe the cross-linguistic variation in such structures and, more specifically, to compare European and Brazilian Portuguese wh-interrogative
and their internal variation.
PALAVRAS-CHAVES: Interrogativas-Q Ordem Português Europeu Português Brasileiro
2. Variação inter-linguística
2.1.3.2. Húngaro
O Húngaro, que, como vimos, não aceita ausência de inversão,
apresenta outra estratégia para formular interrogativas com valor eco:
as chamadas interrogativas de confirmação (cf. (18)). Nestas surge
uma forma de complementador (que aparece normalmente também
nas interrogativas encaixadas – cf. (20)) à cabeça da frase, estratégia (iii) línguas em que um Q-in-situ é possível se outro elemento-Q
também disponível na construção de exclamativas-Q (cf. (19a-b)). tiver sido movido, e.g. Inglês:
No entanto, ao contrário do que acontece no Português Europeu, tam-
bém nas exclamativas a ausência de inversão é impossível (cf. (19c)) (34) a. Who bought what?
e não há restrições sobre a forma do constituinte-Q: b. * John bought what?
c. What did john buy?
(iv) línguas mistas, i.e., línguas que permitem as duas opções (Fran-
cês, PE, PB, Tetum), com alguma (micro) variação: PB e Tetum
permitem movimento-Q visível, mas, contrariamente ao PE e ao Fran-
cês, as interrogativas qu-in-situ são mais frequentes (cf. Rossi 1993
para o PB e secção 3).
PB
2.1.4. Interrogativas encaixadas – ausência vs. presença de (35) a. Você comprou que livro ? (36) a. Você vai onde ?
assimetrias matriz/encaixadas
Em relação ao fenômeno da inversão sujeito verbo nas Tetum
interrogativas encaixadas existem dois tipos de línguas, dentro do (37) a. O hasoru se ?
grupo estudado: (i) sem assimetria de comportamento matriz vs. en-
caixada (Húngaro, exigindo sempre inversão (cf. (21)-(22)) e PB e
Tetum – exigindo sempre ausência de inversão (cf. (23)-(24)) e (ii) 4
Note-se que a escala de referencialidade dos constituintes-qu se reflecte
com assimetria de comportamentos (PE e Francês, exigindo inversão na inversão, já que para a maioria dos falantes as estruturas eco sem inver-
nas matriz com verdadeiro valor interrogativo, mas não nas encaixa- são são melhores se o constituinte integrar um N foneticamente realizado
das, com excepção para que, o constituinte [- r], que exige inversão (e.g. que livro vs. quem). Note-se ainda que derivar o efeito de adjacência
também na subordinada em PE (cf. (25) e (26)): do estatuto clítico de que não só náo dá conta desta gradação como tam-
bém não explica porque se mantém o mesmo tipo de restrição sobre que
nas interrogatives in situ (cf. 2.2.2).
2.3. Complementador
Em relação à legitimação de um complementador nas
interrogativas-Q encontramos dois tipos de línguas: um, que engloba
o Português do Brasil, o Húngaro, o Francês do Quebec, e o Tetum, 3.2.. Clivadas (Q-é que): encontrado no PE e no PB
que para formular interrogativas “factivas” recorre à estratégia de
inserção do complementador. Saliente-se que existe contudo alguma
O trabalho diacrônico de Lopes Rossi (1996) constata que as
(micro)variação em relação à posição em que o complementador é
interrogativas com é que começam a aparecer nas duas variedades
inserido: em posição inicial (Húngaro, cf. (42)); entre o constituinte-
do português quando a clivagem passa a ser um processo amplo de
Q e o sujeito (PB, cf. (43), (cf. Kato 1993, Mioto e Figueiredo 1995)
– e Francês do Québec, cf. (44)); em posição final (Tetum, cf. (45) –
neste caso ainda há outra diferença: a partícula ka7 só ocorre nas
interrogativas polares): 5 Os únicos casos em que o que simples do PE pode ocorrer in situ – na sua
forma tónica quê – é quando está regido de preposição (“Eles falaram de
(42) Hogy mennyi pénzt fizettem ki ezért a házért? (per quê?”), podendo nesse caso discutir-se se será efectivamente uma forma
gunta de confirmação) [- r]. Note-se que em vez das formas o que (PE) ou ce que (Francês) nas in-
que_compl quanto dinheiro_ac paguei part esta_por art situ surgem as formas tónicas o quê e quoi.
casa_por 6 As interrogativas qu-in-situ não podem ser confundidas com as chamadas
interrogativas eco, em que o constituinte-qu também ocorre in-situ (cf.
Inglês). Limites de espaço impedem-nos de descrever aqui as proprieda-
PB Francês (Québec) des das estruturas eco.
(43) Onde que você vai ? (44) Où que tu vas ? 7 Não se pode dizer que a particula ka que surge neste tipo de estruturas do
Tetum é o complementador. Com efeito, o complementador desta língua é
(45) João sosa livru ka ? katak; resta saber se haverá alguma relação entre a referida partícula e a
João comprou livro part sílaba inicial do complementador, que talvez seja um morfema residual da
língua.
-in-situ 3%
(62) a. E foi lá fazer o quê? (Pires p.55)
3.4. Q-in-situ: é periférico no PE e extremamente pro b. Então, é o quê? (Machado p.88)
dutivo no PB
Assim, se na escrita há divergências consideráveis entre as
O trabalho diacrônico de Lopes Rossi revela outra mudança no duas variedades, na fala, há maior convergência, com o aparecimen-
PB: o aumento gradativo de Q–in-situ, chegando a 30% no século to maior de padrões comuns, com exceção dos in-situ.
XX. A comparação mostra diferença de produtividade.
4. Conclusões
O trabalho envolveu dados naturais de língua escrita , onde
presumimos haver uma forte presença de regras prescritivas entre-
meando o verdadeiro sistema-I dos falantes das duas variedades. Mas
podemos concluir que:
a) inexistência no corpus retrata inexistência no sistema: mo-
vimento longo de V, ou VS, no PB e complementizador quewh no
PE ;
b) marginal no corpus significa: a) licenciado no sistema, po-
3.5. Sujeito nulo e sujeito expresso rém ainda banido pelas normas escritas (Q-in-situ no PE) ou b) resi-
dual no sistema, e ainda mantido pelas normas (sujeito nulo no PB);
Os estudos brasileiros vêm detectando a perda do sujeito nulo c)conforme gênero, as diferenças entre PE e PB podem se
(Duarte 1995) e da inversâo VS (Berlinck 1995) nessa variedade do neutralizar por haver um domínio de intersecção de padrões nas
português, mudança que não parece afetar o PE. Assim sendo, a ex- duas variedades.
pectativa na análise comparativa era de que o PE apresentaria uso d) as similaridades podem ser superficiais, como nos casos de
produtivo de sujeito nulo em interrogativas-Q e o PB apresentaria o VS com inacusativos e com cópula . No PE a estrutura apresenta o
sujeito expresso e a ordem SV. A expectativa se confirma. verbo flexionado em Comp e no PB em I , com sujeito expletivo.
ABSTRACT: This study describes Europen (EP) an Brazilian Portuguese(BP) indefinite subjects. EP prefers the “se”constructions, with and without
agreement, while BP tends to use both the overt personal pronouns (você, a gente) and the “se”construction without agreement. The differences are
attributed to the on-going loss of the null subject , and of clitics.
PALAVRAS-CHAVE: European Portuguese Brazilian Portuguese Indefinite subjects “se”
Em resumo, PB e PE se distinguem na representação dos su- (19) Limpam-se as cebolas e cortam-se às rodelas não muito finas,
jeitos indeterminados em sentenças finitas, com aquele preferindo limpam-se os pimentos das sementes e cortam-se também os
tomates às rodelas..... (PE)
formas pronominais nominativas enquanto este prefere o uso de “se”.
(20) Coza os espargos em água temperada com sal. Quando bem
Nas sentenças infinitivas, ambas as variedades preferem o sujeito
cozidos, escorra-os e corte-lhes os talos. (PE)
nulo, com o “se” aparecendo em cerca de 10% das sentenças. A dife-
(21) Aquecer o óleo num tacho Adicionar a cenoura, alho, ramos
rença está no fato de que o PB já começa a usar “você” em substitui-
de tomilho, cebola, pau de canela, ... .(PE)
ção ao “se”.
Quanto à concordância com o argumento interno plural ou
3. A variação nas construções com “se” composto, o”default” nas receitas portuguesas é usar concordância
3.1. Estudos diacrônicos do PB (ex.19 acima.), mas encontram-se, surpreendentemente casos sem
concordância (ex 22):
Evidências diacrônicas (Nunes 1990) mostram que o portugu-
ês europeu (PE) e o português brasileiro (PB) contam historicamen-
te com dois tipos de construções com se para a indeterminação do
agente, como se vê em (13) e (14): 1 Nunes (1995) mostra que a supressão do se atinge outros domínios como,
(13) Vendem-se casas. por exemplo, -se ergativo:
(14) Vende-se casas. “Um super reformista leva tempo para esquecer de hábitos tão arraigados.
(Nunes p.233)
-se reflexivo
A segunda , denominada impessoal (ou de se-indeterminador) “[Ele] ∅ sentara na cadeira de presidente.” (Nunes, p. 233)
ABSTRACT: Bare Nouns are known to be subject to both syntactic and semantic restrictions in Romance languages. We discuss these restrictions both in
European and Brazilian Portuguese against the background of Generative Grammar and Formal Semantics.
PALAVRAS-CHAVE: nomes simples; português europeu; português brasileiro; ‘bare nouns’
ABSTRACT: In this paper, the subsystem of duration of European and Brazilian Portuguese is analysed. The differences between these two variants
with respect to the use of por-phrases are focussed and some intriguing interactions between the temporal subsystem of duration and (temporal and
non-temporal) subsystems or values such as Aktionsart, prospectivity and intentionality are revealed.
PALAVRAS-CHAVE: tempo, duração, adverbiais, “por”.
ABSTRACT: In Portuguese there is a set of predicates, formally identified by a non-coreferential use of the pronoun ‘se’, which supports the notion of middle
diathesis. This paper aims to provide evidence of formal and semantic conditions that allow to distinguish middle constructions from reflexive-reciprocal
ones.
PALAVRAS-CHAVE: voz, diátese, voz média, voz reflexiva.
ABSTRACT: This paper aims to analyze doctoral theses in the area of discourse analysis, written by native speakers of Portuguese and English, in order to
examine discursive practices in this type of academic text as well as to identify linguistic markers that realize such practices. The results will help to orient
future researchers in the production and comprehension of the genre in focus.
PALAVRAS-CHAVE: texto acadêmico – gênero textual – estratégias discursivas
2.1.1 As referências textuais são definidas pela direção da 2.2 Marcadores de atos comunicativos do texto: esta estraté-
referência e pelo nível em termos de escopo e distância. No que diz gia é expressa pelos marcadores explícitos de atos do discurso de-
respeito à direção, as referências têm a função de antecipar, sumarizar sempenhados no texto, como, por exemplo, sumarizar, definir, dis-
ou referir-se a um segmento posterior no texto, que aqui denomina- cutir, comparar, rever, etc. Exemplos:
mos de antecipações. Elas estabelecem relações catafóricas. Ou ainda
as referências têm a função de repetir, recapitular, ou referir-se a um Ex. 12 I shall examine the notion of the scientist-as-writer as
segmento apresentado anteriormente no texto. Estabelecem relações a constructor of facts (Section 2.4) (TI, ch. 2, p. 16)
• Formas pronominais de referência ao leitor: outra forma Esse estudo preliminar pretendeu identificar estratégias
de buscar a impessoalidade no discurso científico e identificado nas discursivas em teses de doutorado escritas em duas línguas:português
teses em estudo é o uso da forma pronominal “nós”, considerada e inglês. A análise dos dados, a princípio revelou que a natureza
universal, e que indica uma forma de envolver o leitor e proteger o deste gênero é bastante complexa, principalmente, se considerarmos
escritor de possíveis refutações das proposições apresentadas no tex- a construção de sentidos em culturas diferentes. Várias estratégias
to. Convém salientar que na tese em português a predominância foi o foram utilizadas de forma semelhante nas duas teses como: a
uso do pronome “nós” e na tese em inglês, houve uma mistura do estruturação do texto em seis movimentos retóricos – introdução,
pronome “we” e do “I”, principalmente, quando a autora avaliava fundamentação teórica, metodologia, resultados e discussão e con-
teorias e argumentos apresentados no texto. Exemplos: clusão, o uso de mecanismos lexicais e gramaticais, a linguagem
avaliativa, estratégias de referenciação. No entanto, houve também
Ex. 14 I shall then re-examine the theories of discourse diferenças, percebidas na estrutura interna dos capítulos, na extensão
mentioned in the light of this investigation. (TI, Ch. 1, p. 1) dos parágrafos (em inglês são mais longos), no emprego das formas
Ex. 15 Queremos dizer, com isso, que o gênero tem uma pronominais de referência ao escritor, e nas citações longas que, na
força tanto maior quanto mais se aproxima da forma consagra língua portuguesa, foram realizadas de várias maneiras. Essas dife-
da. (TP, cap. 2, p. 44) renças podem ser justificadas tanto pelas normas que a comunidade
discursiva em que o escritor está inserido estabelece, quanto pelas
• Modalização da linguagem: expressa através do uso dos próprias escolhas pessoais que o escritor faz para construir o texto
verbos, adjetivos e advérbios modais, que tem a função de avaliar, científico e produzir efeito no leitor. A variedade de estratégias
ABSTRACT: This paper aims at presenting the results of a genre analysis. The corpus selected and analysed for this studyes composed of twenty petitions
as parts of civil processes. The analysis is based on Swales (1990) notion of genre. The generic description of the legal pieces shows that the rhetorical
moves are conventionalized as well as steps are apened to criativity.
PALAVRAS-CHAVE: Gênero, análise de gênero, petição, movimento.
Estes 7 incisos foram utilizados, no nosso trabalho, como • Discussão dos resultados
parâmetros para a identificação dos movimentos/passos das petições
Observando os movimentos e passos, já estabelecidos, apon-
do corpus, como será demonstrado a seguir.
tamos aspectos conceituais e sinalizadores léxico-gramaticais que
caracterizam a descrição geral das funções retóricas presentes no
Resultados da pesquisa
corpus em análise:
• Movimentos e passos das petições em análise
Movimento 1 - Escolher o juízo competente
A petição se destina segundo a lei ao juiz ou tribunal compe-
Utilizando os incisos acima referidos e observando a estrutura
tente. O juiz é indicado não pelo nome mas pelo grau ou cargo. Indi-
das petições pertencentes ao corpus em análise, chegamos à estrutu-
ca-se também a vara a que pertence. Como são várias, deixa-se um
ra prototípica do gênero petição inicial.
espaço em branco, para o preenchimento do número correspondente
Esta se constitui, pois, em movimentos, os quais correspondem
à vara o qual se dará pelo distribuidor do documento.
aos incisos apresentados pelo CPC, com algumas modificações, e,
Esse movimento se materializa no cabeçalho da petição cujo
em passos, que se comportam como facultativos ou obrigatórios. E
formato é convencionalizado e estratificado.
assim teremos a seguir o padrão de organização ou distribuição das
informações do gênero petição inicial.
Movimento 2 - Apresentar as partes
Aqui se individualizam as partes, promovente e réu, caracteri-
Movimento 1- Escolher o juízo competente
zam-se pelo registro civil, profissão, domicílio e residência. Também,
neste movimento, informa-se o tipo de ação que se vai proceder.
Movimento 2 - Apresentar as partes
2.1 Qualificar o promovente (nome, nacionalidade, profis
Passo 2.1 Qualificar o promovente
são, endereço, constituir advogado)
Neste passo obrigatório, qualifica-se o autor ou promovente,
2.2 Informar o tipo de ação e o seu procedimento
considerando dados pessoais e de residência. Enuncia-se ainda, o
2.3 Qualificar o promovido ( nome, nacionalidade, profis
seguinte igualmente obrigatório, através das expressões de base ver-
são, endereço, constitui advogado)
bal, que lhes servem de conexão, quais sejam promover ou propor,
como no exemplo extraído do corpus:
Movimento 3 - Apresentar os fatos e os fundamentos jurídicos
3.1 Apontar os fatos
MARIA APARECIDA DE OLIVEIRA, brasileira, viúva,
e/ou
do lar, residente e domiciliada nesta cidade, na Rua Pires
3.2 Expor as tentativas de solução
do Rio, 989, por seu procurador no fim assinado,
e/ou
3.3 Citar resolução semelhantes
Passo 2.2 Informar o tipo de ação e procedimento
e/ou
Neste passo, informa- se o tipo de ação e seu procedimento, e
3.4 Citar pesquisas
ele se conecta ao passo seguinte, através da preposição contra.Temos
e/ou
o exemplo: “ Ação de despejo por falta de pagamento, cumulada
3.5 Citar a doutrina
com cobrança de aluguéis”, contra...
e/ou
3.6 Citar jurisprudência
Passo 2.3 Qualificar o promovido
e/ou
Qualifica-se o promovido, ou réu, através de dados pessoais e
3.7 Citar a lei
de residência. Ainda neste passo obrigatório constitui-se também o
e/ou
advogado.
3.8 Fazer comentários
Este passo conecta-se ao movimento posterior por meio de
expressões do tipo: dizendo e requerendo, passa a expor e reque-
Movimento 4 - Requerer a citação do promovido
rer, e outros: “JOÃO CARLOS BARBOSA, brasileiro, casado...,
dizendo e requerendo o seguinte:”
Movimento 5 - Fazer o pedido
e/ou
Movimento 3 - Apresentar os fatos e os fundamentos jurídicos
5.1 Apresentar as evidências
O autor deve expor os fatos claramente, podendo ou não se
e/ou
utilizar dos dispositivos legais. Tal ausência não invalida a exordial.
5.2 Fazer comentários sobre a impossibilidade
e/ou
Passo 3.1 Apontar os fatos
5.3 Sugerir algo ou alguma quantia para solucionar o litígio
Este passo é o único obrigatório neste movimento, por reali-
e/ou
zar o tópico central.
5.4 Solicitar a fixação de honorários advocatícios, multa, custas
Seguem-se a este passo, subordinando-se a ele, vários passos
facultativos em uma série numerada, cada um funcionando como base
Movimento 6 - Requerer todos os meios de prova previstos em lei
de argumento para condenar o réu. Estes argumentos podem ser: ci-
tar uma doutrina, citar a lei etc.
Movimento 7 - Dar-se o valor da causa
ABSTRACT: The impact of information technology on the traditional forms of learning can be strikingly felt in writing, which has undergone changes as
deep as its own invention, paper and press invention. Adopting a new technology for reading, writing and circling the words leads to the emergence of new
text practices and styles, among other changes. In this context, we present a characterization of electronic text as compared to the typographic text, placing
the hypertext between the multiplicity of emerging formats or styles in transition. We discuss redefining such categories as space/time (ubiquity/ simultaneity,
presence/absence), cohesion/coherence, as well as the form of “handling” the electronic document, the mode of text production/transmission, and the new
relationships established between author/text/reader. Concomitantly, we point out some challenges represented by this new form of virtual communication
for users, research and teaching.
PALAVRAS-CHAVE: Texto eletrônico, hipertexto, estilo de texto, informação tecnológica.
ABSTRACT: Based on the conception that orality and literacy are not a simple dichotomy, this paper analyses 20 messages recorded by an
answering-machine as an example of what was called ‘secondary orality’ by Ong (1982). The aim of the study is to identify how the lack of spatial
and temporal commonality affects the message.
PALAVRAS-CHAVE: oralidade secundária, secretária eletrônica, papel da audiência.
ABSTRACT: This work aims at presenting an analysis of the toponymy of the Pantanal region in Mato Grosso do Sul state. The study of toponymy, in which
the physical and cultural environment is represented, is very important.
PALAVRAS-CHAVE: toponímia, realidade regional.
O estudo da Toponímia1 é de suma importância para o conhe- de de valores, representando a realidade do grupo social. Pode-se
cimento da realidade social, histórica, econômica, política e geográ- dizer que a recuperação de aspectos extralingüísticos torna-se im-
fica de uma comunidade, uma vez que através do estudo das desig- prescindível para a explicação da motivação que deu origem à maio-
nações atribuídas aos lugares, pode-se recuperar aspectos subjacentes ria dos topônimos do corpus analisado neste trabalho.
à realidade nomeada. Partindo desse princípio, este trabalho apre- Na análise da toponímia do Pantanal sul-mato-grossense, to-
senta resultados parciais de uma pesquisa mais ampla acerca da mamos como hipótese o pressuposto de que devido a imensa riqueza
toponímia do Pantanal sul-mato-grossense e objetiva estabelecer a ambiental peculiar do Pantanal, a realidade local seria retratada nas
relação entre língua/cultura no processo de nomeação de acidentes denominações dos acidentes físicos da região pantaneira.
físicos da região, como as baías, corixos, córregos, rios e vazantes. Os dados para a realização deste trabalho foram obtidos atra-
A ação de nomear as coisas sempre esteve presente na huma- vés de consulta às cartas cartográficas elaboradas pelo Ministério do
nidade. Anteriormente a uma geografia humana (país, estado, muni- Exército no ano de 1979, na escala 1:1250 e a livros que focalizam
cípio, distrito, bairro) existiu uma geografia física com característi- aspectos histórico-geográficos do Pantanal.
cas específicas, de acordo com as peculiaridades locais (hidrografia, O Pantanal sul-mato-grossense situa-se aproximadamente en-
orografia, vegetação). Juntamente com os elementos físicos, há tam- tre os paralelos 18° e 21° e os meridianos de 55° e 58°, à Noroeste do
bém os elementos de ordem sociocultural influenciando e determi- Estado do Mato Grosso do Sul, limitando-se com a Bolívia e o
nando a vida do homem nesse ambiente. Segundo Salazar-Quijada Paraguai, Mato Grosso e o Planalto Central Brasileiro. A área do
(1985: 09) Pantanal é plana, com altitudes que não ultrapassam os 200 metros
acima do nível do mar com declives entre os extremos norte e sul de
“o mais antigo tesouro da lingüística e de outras realidades 3 centímetros por quilômetro. Devido a essa característica, dois ter-
que não hajam prescrito, encontram- se na toponímia. Os no- ços de seu território se transformam periodicamente em imensas la-
mes de muitos acidentes geográficos, de todo o mundo pro- goas que impõem os hábitos da população e da fauna local.
vêm de épocas nas quais, o homem não conhecia a escritura A região foi alcançada por uma expedição branca pela primei-
em nenhuma de suas formas. Estes nomes chegaram a nós por ra vez no século XIV. Como estava inundada, recebeu o nome de
tradição oral.” “Mar de Xaraiés, em homenagem a uma tribo de índios com esse
nome, da família dos guarani. No entanto, descobriu-se depois, a
Tradicionalmente a toponímia era definida como o estudo da inexistência do mar . Atualmente é conhecido como Pantanal, cuja
origem e significação dos nomes de lugares. Devido à limitação des- denominação também é considerada inadequada, de acordo com
se conceito, atualmente na conceituação da toponímia são valoriza- Calheiros, Fonseca (1996: 19), “... pois a área não exibe característi-
dos tanto a etimologia, como o aspecto humano. Conforme as afir- cas de pântano, mas engloba um conjunto de diferentes feições, de
mações do estudioso do assunto Salazar-Quijada, a toponímia é o denominação tipicamente regional, cuja existência é reconhecida pelos
“...ramo da Onomástica que se ocupa do estudo integral, no espaço e pantaneiros e corroborada pelos pesquisadores”. A autora cita as
no tempo, dos aspectos geo-históricos, sócio-econômicos e antropo- baías, os corixos, os córregos e as vazantes, entre outros, como for-
lingüísticos que permitiram e permitem que o nome de um lugar se madores da geografia pantaneira. A caracterização do Pantanal em
origine e subsista” (1985: 18). 11(onze) sub-regiões, é devido a existência dessas feições regionais,
Apesar de o signo toponímico estar inserido entre os demais associadas a aspectos geopolíticos. (Silva, apud Calheiros, 1996:19).
signos no sistema lingüístico, há algumas diferenças que precisam ser É importante ressaltar que as sub-regiões de Cáceres, Poconé,
consideradas. Primeiramente, sua função é identificar e não significar. Barão de Melgaço localizam-se no Estado do Mato Grosso, tendo
Além dessa identificação, seu estudo fornece subsídios para a mani- como ponto de divisa o Rio Correntes, enquanto as sub-regiões do
festação de índices da realidade regional. Outro aspecto de grande Paiaguás, Nhecolândia, Abobral, Miranda, Aquidauana, Nabileque,
relevância do signo toponímico é a questão da presença da motivação, Porto Murtinho e Paraguai pertencem ao Estado do Mato Grosso
pois, de maneira geral, ele é estimulado pela realidade circundante, do Sul.
valorizado pelo denominador no momento da nomeação. Ao analisar-se a toponímia do Pantanal, verifica-se, em um
Assim, de acordo com a realidade de cada comunidade, há a primeiro momento, a manifestação da realidade peculiar do
escolha por determinadas maneiras de se expressar. Conforme o lin- ecossistema pantaneiro já nas próprias designações atribuídas aos
güista Sapir (1969: 20), “...a trama de padrões culturais de uma civi-
lização está indicada na língua em que essa civilização se expressa
(...) a linguagem é um guia para a realidade social”. Salienta-se, 1 - A Toponímia é a disciplina que se ocupa com o nome de lugares e faz
assim, a interdependência entre fatores lingüísticos, culturais e soci- parte da Onomástica. Além da Toponímia, a Onomástica também envolve
ais. Nessa perspectiva, os topônimos, como integrantes do léxico e em seus estudos a Antroponímia, que estuda o nome de pessoas. (Salazar-
conseqüentemente da língua, podem representar toda uma infinida- Quijada, 1985: 15).
ABSTRACT: This paper discusses the question of archaisms and regionalisms on Helio Serejo’s linguistic works and it also analyses some works employed
by the author which evidentiates by the archaic and regionalist aspects of the language.
PALAVRAS-CHAVE: arcaísmo, regionalismo
Entende-se que o léxico de uma língua é a soma de toda a expe- por longo tempo.
riência sociolingüística cultural de uma comunidade. Os membros des- O presente trabalho apresenta resultados preliminares de uma
sa comunidade funcionam como sujeitos perpetuadores ou transfor- pesquisa, ainda em andamento, sobre a questão dos regionalismos na
madores do léxico por isso são os usuários da língua que criam ou obra do escritor sul-mato-grossense Hélio Serejo (HS)2 . Focalizando
conservam o vocabulário dessa língua. Nesse sentido, o léxico é o nível temas regionais como a vida e as atividades dos peões de boiadeiros,
lingüístico que melhor registra as mudanças sociais, culturais ocorri- dos ervateiros, dos caboclos, o autor registra hábitos culturais e
das na sociedade, razão por que é considerado “o patrimônio social da lingüísticos da região da fronteira Brasil/Paraguai e, para tanto, vale-se
comunidade por excelência, juntamente como outros símbolos da he- de uma linguagem permeada de unidades lexicais e expressões que
rança cultural. Dentro desse ângulo de visão, esse termo léxico é trans- deixam transparecer tanto a influência das línguas em contato nessa
mitido de geração para geração como signos operacionais por meios faixa da fronteira - português, espanhol e guarani – como dos vários
dos quais os indivíduos de cada geração podem pensar e exprimir seus processos migratórios que trouxeram para região povos oriundos de
sentimentos e idéias” (Biderman, 1981: 132). diferentes estados brasileiros. Nessa comunicação, discutiremos aspec-
Assim, pode-se observar no léxico de determinados grupos tos do vocabulário empregado por HS, nas obras “De galpão em galpão
sociais lexias que representam diferentes momentos da história da (GG)”, “O tereré que me inspira (TI)”, “Balaio de bugre especial (BBE)”,
língua. A língua portuguesa no Brasil, por exemplo, reúne em seu “Vida de Erval (VE)” e “Caraí Ervateiro” (CE)3 , destacando-se parti-
léxico unidades lexicais que revelam tanto nuances da língua do co- cularmente a questão dos arcaísmos/regionalismos.
lonizador quanto de línguas de povos nativos. Em vista disso, no Para o presente estudo, foram selecionadas unidades lexicais
léxico de uma língua é freqüente a presença de “marcas” regionais que demonstram tendências quanto ao tipo de vocabulário utilizado
que configuram a norma de uma determinada região. Norma esta aqui por HS.
sendo “entendida como costume, a tradição continuada que se verifi- Na análise das unidades lexicais selecionadas tomamos como
ca nos hábitos lingüísticos de uma comunidade” (Pires de Oliveira, referência o sentido atribuído pelo autor às lexias e os dados obtidos
1998: 107). No nível do léxico, essas particularidades regionais são através da consulta a dois dicionários: Novo Aurélio o Dicionário da
denominadas de regionalismos. Essa questão do regional suscita Língua Portuguesa séc. XXI, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira,
questionamentos quanto ao ponto de referência. O vocábulo é regio- 1999 (AB) e o Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa,
nal de qual região? É regional com relação a que falar? Biderman de Caldas Aulete, 1964 (CA). Foi consultado também o Dicionário
(1998: 134) , adaptando o conceito de regionalismo proposto por de Regionalismos do Rio Grande do Sul, de Nunes e Nunes, 2000
Boulanger (1985), registra que o regionalismo pode ser definido (NN) para complementação de informações.4
como: Assim, do conjunto do vocabulário já levantado das obras
“...qualquer fato lingüístico (palavra, expressão ou seu senti- pesquisadas, tomou-se como objeto de estudo 13 lexias que foram
do) próprio de uma ou de outra variedade regional do portu- agrupadas segundo os seguintes critérios: influência indígena – cunhã,
guês do Brasil, com exceção da variedade usada no eixo caraí e curuba; influência espanhola – assoleado, invernada e
lingüístico Rio/São Paulo, que se considera como o português arranchamento; marcas de conservadorismo – atoleimado, avoen-
brasileiro padrão, isto é, a variedade de referência e com ex- gos, procela e longeva; regionalismos locais – mineiro, habilitado e
clusão também das variedades usadas em outros território barbaquazeiro.
lusófonos”. Iniciando a análise do primeiro grupo, o que reúne lexias que
É importante mencionar, ainda, o conservantismo dos textos denotam a influência indígena, temos a lexia cunhã que é registrada
históricos e literários da língua, uma vez que encontramos neles ter- por AB como mulher, jovem e por CA, com acepção de a mulher do
mos arcaicos. Na literatura sul mato-grossense, por exemplo, obser- caboclo. E é justamente nessa acepção de mulher que a lexia aparece
va-se autores cujas obras evidenciam essa questão da utilização de no corpus pesquisado: “Corria, gritava. Batia palmas. Pisava no pró-
vocábulos caídos em desuso dentre eles: Manoel de Barros, Helio ximo. Empurrava a cunhã”5 (GG, p. 11); “... dobra as forças do peão
Serejo. Nas obras de Hélio Serejo, por exemplo, encontramos vocá-
bulos arcaicos que lhes são conferidos uma marca regional1 . Vocá-
bulos que não são criações do autor, nem revelam ser neologismos,
mas registram uma linguagem própria da geração do autor, da sua
1 A temática regionalista conferida ao autor é devido a sua exploração no
vivência diária. E como sua infância e grande parte da sua vida foi
vocabulário do peão, do ervateiro, do caboclo pantaneiro, etc.
vivida em contato com o campo, com o peão, com o ervateiro, com o 2 Doravante utilizaremos a sigla HS para referir-se ao escritor Hélio Serejo.
homem pantaneiro, em regiões isoladas com pouco acesso à informa- 3 Na indicação das fontes dos exemplos serão utilizadas as siglas apontadas
ção, em razão da distância do meio urbano, a sua linguagem é marcada entre parênteses.
por itens lexicais que evidenciam o caráter conservador da língua. E 4 A referência a essas obras lexicográficas no corpo do trabalho será indicada
essa tendência ao conservadorismo é muito evidenciada em comuni- através das siglas especificadas entre parênteses.
dades rurais ou em indivíduos que mantiveram por muito tempo con- 5 Em todos os exemplos citados na análise dos dados, o destaque na unida-
tato com o meio rural, ou que tenha vivenciado atividades do campo de lexical objeto do estudo constituí-se “grifo nosso”.
ABSTRACT: This work presents partial results of study accomplished concerning the vocabulary of Manoel of Barros aiming at to verify the incidence of
factors cultural partner in the configuration of the regional lexicon.
PALAVRAS-CHAVE: Manoel de Barros; regionalismo; léxico.
A língua tem como função primeira ser instrumento de comuni- usadas em outros territórios lusófonos” (Biderman, 1998: 134).
cação e de interação social, exprimindo valores e satisfazendo as ne- Assim, a partir dessa concepção fizemos o levantamento das
cessidades de determinados grupos sociais. Essa influência da língua lexias encontradas nas obras de Manoel de Barros focalizadas neste
no ambiente social reflete a realidade e a visão de mundo de um indiví- estudo: Poemas concebidos sem pecado (1999), O guardador de
duo através da linguagem. águas (1998), Retrato do Artista Quando Coisa (1998). Desse le-
O presente trabalho apresenta resultados parciais de pesquisa, vantamento foram selecionadas 13 lexias para a presente análise.2
ainda em andamento, acerca do vocabulário do poeta sul-mato- Considerando que o Novo Dicionário Aurélio da Língua Por-
grossense Manoel de Barros e discute a questão dos regionalismos, tuguesa (1986) apresenta um número considerável de verbetes clas-
objetivando verificar a incidência de fatores de natureza sócio-cultu- sificados como brasileirismos gerais ou regionais e também por ser
ral na configuração do vocabulário do autor. essa obra considerada o dicionário geral do português do Brasil de
A visão de mundo apresentada pelo poeta é cercada pela natu- maior circulação nacional, tomamos como referência essa obra
reza e por pessoas simples (bugres, mendigos, loucos, bêbados), é a lexicográfica para a análise dos dados apresentados neste trabalho.
visão de um menino que conheceu uma realidade além daquela que Embora os critérios utilizados para a classificação das unidades
lhe é natural demonstrando através de sua poesia que a língua reflete lexicais em brasileirismos não sejam explicitados na obra, infere-se
o mundo e a realidade cultural com que ela se conjuga. pela observação dos verbetes que o dicionarista marca como “Bras” as
Barros nos leva a uma viagem pelo mundo das palavras com lexias supostamente de uso em todo o país e como “Bras. N, Bras.
uma sensibilidade única, mostrando-nos que é através do povo que a NE, Bras. S, Bras. MS” – as que nomeiam referentes específicos de
língua se faz; assim, temos a visão de que o sistema lingüístico iden- uma região. Assim, poderíamos considerar as unidades marcadas como
tifica e diferencia os falantes de uma região, além de valorizar a iden- “Bras.” regionalismos gerais do português do Brasil, se contrastando
tidade histórica e os aspectos culturais do povo que carrega e utiliza com as demais variedades do português, e como regionalismos espe-
a língua. cíficos de uma região as lexias marcadas com a abreviatura “Bras.”
Nesta perspectiva, para viabilizar o alcance do propósito de seguida da sigla da região.
nossa pesquisa trabalhamos com a seguinte hipótese: em que propor- Desta forma, na análise dos dados serão consideradas as defi-
ção o vocabulário de Manoel de Barros apresenta lexias1 típicas da nições apresentadas por Ferreira (1986) quando se tratar de unidades
região do Pantanal sul-mato-grossense. dicionarizadas na acepção utilizada por Manoel de Barros. Quando o
Um aspecto que merece especial atenção na linguagem é a ques- item lexical não estiver dicionarizado ou quando registrado por
tão da relação entre léxico e vocabulário. Em uma visão geral, léxico Ferreira (1986) com acepções diferentes da apresentada por Barros,
designa o conjunto das unidades que formam a língua de uma comu- considerar-se-á a concepção inferida no contexto da obra. Portanto,
nidade, enquanto vocabulário é uma amostra do léxico de um na apresentação dos dados, as lexias foram distribuídas em três gru-
interlocutor ou vários interlocutores; através do estudo vocabular, pos: I – Regionalismos classificados por região, II – Regionalismos
seja este, de um ou vários interlocutores, pode-se estabelecer um re- gerais, III – Regionalismos locais.3
gistro e uma descrição para compor o léxico da língua de uma comu-
nidade. É conveniente ressaltar que, por mais considerável que seja a I – Regionalismos classificados por região:
lista de ocorrências que figuram o vocabulário estudado, não se pode 1. “Ilhota de pedra no meio de um corixo4 é de nome sarã”.
ter uma visão precisa da totalidade do léxico, pois este só se estabe- (GA, p. 42)
lece após a reunião de vários vocabulários. Nessa totalidade do léxi-
co, situam-se unidades lexicais classificadas como regionalismos. Im-
portante registrar que o próprio conceito de regionalismo suscita,
não raras vezes, polêmicas e reflexões.
Biderman (1998: 133) considera o conceito regionalismo am-
bíguo e afirma que “os dicionários são lacônicos e até contraditórios
1 Utilizaremos o termo lexia no sentido proposto por POTTIER, B.,
no tratamento desta matéria e formulam um conceito incompleto e
AUDUBERT, A., PAIS, C. T., (1973: 26-30) “Unidade lexical memorizada”.
inadequado de regionalismo”. Essa mesma autora retomando e adap- 2 Para a identificação das fontes de onde foram extraídos os exemplos, uti-
tando o conceito de regionalismo apresentado por Boulanger (1985) lizaremos a seguinte convenção:
define-o como “qualquer fato lingüístico (palavra, expressão, ou seu PCSP – Poemas Concebidos Sem Pecado, 1999. GA – O Guardador de
sentido) próprio de uma ou de outra variedade regional do português Águas, 1998. RAQC – Retrato do Artista Quando Coisa, 1998.
do Brasil, com exceção da variedade usada no eixo lingüístico Rio/ 3 Nos dois primeiros grupos, considerou-se a classificação apresentada por
São Paulo, que se considera como o português brasileiro padrão, isto Ferreira (1986) no que tange aos brasileirismos. No terceiro grupo consi-
é, a variedade de referência, e com exclusão também das variedades derou-se a acepção apresentada no contexto da obra.
4 Grifo nosso.
ABSTRACT: We investigate the labels discursive functions in the textual organization of academic abstract genre. The analysis of 40 abstracts in different
modalities showed that the information units constitute thematic cells juxtaposed that, generally, aren’t connected each other by means of sequential explicit
cohesive links. The labels with evaluation purposes don’t occur frequently in academic abstracts; these cohesion devices have, in general, a resumptive
function, introducing some thematic units.
KEYWORDS: academic abstracts; cohesion; labels.
ABSTRACT: This paper examines discourse labelling as a signalling element to the organization of moves in book reviews. We analyze 10 reviews written
by proficient writers, and 10 by college students. Results allow us to conclude that discourse labelling may be considered as a relevant instrument to the
investigation of lexical aspects in genre organization.
PALAVRAS-CHAVE: Referenciação; rotulação; gênero; resenha.
1. Introdução 2. Metodologia
A estrutura retórica dos diversos gêneros é, reconhecidamen- Examinarei 20 resenhas, tomadas aleatoriamente de um corpus
te, sinalizada por marcadores léxico-gramaticais na superfície do texto, maior, composto de resenhas produzidas por especialistas e rese-
conforme demonstrado, e.g., por Rodrigues (1998), para resumos de nhas produzidas por escritores iniciantes, alunos do ensino superi-
dissertações de mestrado, e Araújo (1996) e Motta-Roth (1995), para or, como tarefa acadêmica proposta pelo professor/professora. As
resenhas de livros. Outrossim, a relevância de uma análise de gêne- 20 resenhas aqui enfocadas estão divididas em dois grupos iguais,
ros que dê espaço a esses mecanismos concretos de articulação retó- conforme sua produção ou por especialistas ou por alunos. As 10
rica do texto já era sugerida, entre outros, por Swales (1984), quando resenhas produzidas por especialistas foram publicadas no periódi-
da primeira formulação de seu modelo de análise. Segundo esse au- co Vox Scripturae, dirigido à academia teológica de confissão evan-
tor, os moves precisam ser claramente sinalizados para o leitor (Swales, gélica ou protestante na América Latina; o outro grupo de 10 rese-
1984: 80). No caso específico das introduções de artigos de pesqui- nhas foi produzido por alunos do curso de bacharelado em Teolo-
sa, conforme Swales (op. cit.), essa sinalização ocorre no começo do gia do Seminário Teológico Batista do Ceará, em Fortaleza. Para
segmento textual que introduz cada move. fins de referência, designarei as resenhas de especialistas pela sigla
Na análise do gênero resenha, Araújo (1996), elegeu como RE mais um número seqüencial (RE1, RE2, etc.) e as resenhas dos
sinalizadores lexicais os chamados “substantivos inespecíficos” alunos por RA1, RA2 e assim por diante.
(unspecific nouns), categoria proposta por Winter (1992, apud Araú-
jo, 1996: 12). Por sua vez, Motta-Roth (1995) aplica, ao mesmo gê- 3. Resultados e discussão
nero, o conceito de metadiscurso, derivado de Crismore (1990). 3.1. Rótulos prospectivos (advance labels): nos exemplos a
Francis (1994), propõe, como uma das formas de organização seguir, esse tipo de rótulo é destacado pelos itálicos.
do discurso escrito, na superfície léxico-gramatical, o conceito de (1) A reflexão do autor encaminha-se para encontrar resposta a
rotulação (labelling). De acordo com essa autora, um rótulo discursivo quatro questões fundamentais:
pode ser utilizado para “permitir ao leitor a predição exata da infor-
mação que se segue” (Francis, 1994: 84) ou para “encapsular ou 1. O que determinou a sobrevivência dos judeus ... (RA1)
acondicionar um trecho do discurso” (p. 85). No primeiro caso, o A dupla rotulação, começando com a reflexão, revela ao leitor
rótulo é prospectivo (advance label); no segundo, retrospectivo que o resenhista vê o trabalho do autor da obra sob análise (neste
(retrospective label). Ambos exercem a função de organização do caso, um artigo), como um processo mental. Segundo a visão do
discurso, catafórica ou anaforicamente. Nesse sentido, enquanto os resenhista, o autor do artigo empenha-se em refletir sobre o assunto e
rótulos prospectivos apontam para o que se pode esperar a seguir, os tenta encontrar uma resposta para quatro questões fundamentais. Este
rótulos retrospectivos exercem a função de sinalizar uma mudança último rótulo anuncia que tipo de organização se imprimirá ao dis-
de tópico ou de ligar entre si tópicos no interior do discurso. curso. O modificador fundamentais caracteriza a postura avaliativa
A noção de encapsulamento, relacionada com os rótulos re- do resenhista.
trospectivos, é vista por Conte (1996: 1) como “um dispositivo coesivo Esse procedimento de rotulação reaparece no exemplo (2),
pelo qual um sintagma nominal funciona como a paráfrase sumária em que o resenhista anuncia o conteúdo a ser desenvolvido na se-
de uma porção precedente do texto”. Essa anáfora “lexicalmente ba- qüência através do grupo nominal duas respostas, retomado no pará-
seada” apresenta um “nome geral” como núcleo do sintagma nomi- grafo seguinte por a outra mostra:
nal e “uma clara preferência por um determinante demonstrativo” (2) Por que haveria esse destaque para a pobreza na Bíblia? Barth
(idem). Os grupos nominais, entretanto, nem sempre são oferece duas respostas: a pobreza não é condição natural de
“atitudinalmente neutros” (Francis, 1994: 93). Assim, muitos rótulos vida...
são explicitamente avaliativos, sendo realizados lexicalmente atra- A outra mostra de Barth para o destaque que a Bíblia dá à
vés de “axiônimos”, i.e., nomes avaliativos (Conte, op. cit.: 1). pobreza é que em grande humilhação Deus, em Jesus Cristo, tornou-
Os rótulos discursivos apresentam um potencial não explora- se o Senhor da humanidade... (RA2)
do na análise da estrutura do gênero resenha. Considero, com Bhatia Sobre o papel do rótulo prospectivo em permitir ao leitor “a
(1997: 637), que a avaliação é um dos “valores genéricos” mais rele- predição exata da informação que se seguirá” (Francis, 1994: 84),
vantes como “estratégia persuasiva para atingir o efeito promocional cabe um importante reparo: o rótulo não possibilita saber o conteúdo
ideal” em uma resenha. Dessa forma, os rótulos avaliativos serão da informação, e sim o tipo de organização que se dará ao discurso.
especialmente significativos na presente análise. Pretendo, assim, Em casos como o exemplo (1), o acréscimo do modificador funda-
examinar a aplicabilidade da noção de rótulos discursivos como es- mentais revela ainda como o resenhista encara o material que apre-
tratégia de referenciação e sinalização lexical na estrutura do gênero sentará em seguida. No exemplo (2), a rotulação é “atitudinalmente
acadêmico resenha. neutra” (Francis, op. cit.: 93), não avaliativa. A “outra mostra”, apre-
ABSTRACT: In this research, we investigate the relationship among the forms of manifestation of the DD and their discoursive functions, considering
the texts correspondence across speech and writing. We observe that when manifested by NPs, besides their role as a cognitive guide, DD has an
argumentative function.
PALAVRAS-CHAVE: dêiticos discursivos, funções discursivas, monitor cognitivo
ABSTRACT: This work investigates the behavior of deixis in the discourse organization of e-mail. In the perspective of a continuum speech-writing,
we consider that the utterance in e-mail is similar, in many aspects, to spontaneous conversation. The study examines to that extent the deictic forms
reflect these aspects giving the e-mail messages an intermediate status between oral and written discourse.
PALAVRAS-CHAVE: fala – escrita; e-mail; dêixis
Referências bibliográficas
Conforme se pode ver, esses resultados se aproximam dos que
foram encontrados por Marcuschi, principalmente no que se refere à BIBER, Douglas (1988). Variation across speech and writing.
predominância dos dêiticos pronominais e à baixa produtividade dos Cambridge: Cambridge University Press.
espaciais. Uma diferença, contudo, aparece quando se compara a pro- CAVALCANTE, Mônica Magalhães. (2000). Expressões indiciais
porção de dêiticos temporais e discursivos nas duas amostras. Na em contexto: por uma caracterização dos dêiticos discursivos.
pesquisa do autor, os primeiros revelaram-se bastante produtivos em Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco.
relação aos últimos. Em nossa amostra, as duas categorias se igualam FERREIRO, Emília (1992). Com todas as letras. São Paulo: Cortez.
em número de ocorrências. HERMAN, Vimala. (2000). Deictic projection and conceptual blending
in epistolarity. http://www.press.jhu.edu/journals/poeticstoday/
6. Considerações finais v020/20.3herman.html.
O fato de estarmos apenas iniciando esta pesquisa não nos MARCUSCHI, Luiz Antônio (1997). A dêixis discursiva como es-
permite ir muito além nas conclusões quanto à participação dos tratégia de monitoração cognitiva. In: KOCH, Ingedore G.V.;
diferentes tipos de dêiticos no e-mails. As semelhanças entre a amos- BARROS, Kazuê S.M. (orgs.). Tópicos em lingüística de texto e
tra aqui estudada e a que foi analisada por Marcuschi (freqüência análise da conversação. Natal: EDUFRN. p. 156-171.
alta de formas pronominais e baixa de formas espaciais) apenas ______. (1999). Por uma proposta para a classificação dos gêneros
confirmam a conclusão do autor em relação ao discurso de um modo textuais. Recife: UFPE. /Versão provisória. Xerocopiado/.
geral: a maior remissão às noções de tempo e pessoa em relação às de PAREDES SILVA, Vera Lúcia. Variações tipológicas no gênero textual
espaço). Vale ressaltar que o corpus analisado por ele envolve diver- carta. In: KOCH, I. G.V.; BARROS, K.S. M. de. (orgs.) Tópicos
sos gêneros textuais. em Lingüística de Texto e Análise da Conversação. Natal:
Um dado que nos parece singular nesta amostra, em relação à EDUFRN, 1997. p.118-24.
pesquisa de Marcuschi, é a diferença quanto à distribuição dos STRENSKY, Ellen (1995). Electronic epistolariry: e-mail as gift
dêiticos temporais e discursivos. Especificamente em relação à fre- exchange. Fourth Annual Cultural Studies Symposium.
qüência dos temporais (os quais, como vimos, mostraram-se em Manhattan.
nossos dados proporcionalmente menos produtivos que no levanta- TAUSTE, Ana Maria Vigara (2000). Sobre deixis coloquial. http://
mento feito por Marcuschi), poderíamos levantar a hipótese de que www.ucm.es/info/circulo/no1/vigara.htm.
a diluição do tempo no gênero, conforme afirma Voili (2000), teria VIOLI, Patrizia.(2000). Electronic dialogue between orality and literac
exercido alguma influência. - a semiotic approach. http://se.unisa.edu.au/vc/9-echat.html.
Em termos qualitativos, o contato inicial com os textos nos ZUBIN, David A. & HEWITT, Lynne E. The deitic center: a theory
chamou a atenção para o tipo de ancoragem das formas dêiticas. Per- of deixis in narrative. In: DUCHAN, F. Judith et al. (1995).
cebemos que, em muitos casos, a recuperação dos referentes depende Deixis in narrative. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates.
RÉSUMÉ: L’inter-relation entre la critique textuel et l’ étude de la langue du texte est bien connue. On voit l’importance de cette leçon
conservatrice, nécéssaire aux éditions des textes anciens aussi qu’ à celles des textes modernes et contemporains. On donne des exemples d’éditions
qui suivent une leçon conservatrice, en les comparant aux éditions faites d’après des critères moins conservatrices ou même très modernisées.
PALAVRAS-CHAVE: filologia, análise, lingüística; mudanças lingüísticas; crítica textual.
Em artigo recente (Telles, 2000), ao tratar das relações entre as O mais importante é que se usem textos fidedignos, não nos
mudanças lingüísticas e a crítica textual, recorre a Carolina Michaëlis esquecendo de que enquanto não dispomos de um texto fidedigno,
de Vasconcelos, que, relembrando Francisco Adolpho Coelho, assi- todas as operacões hermenêuticas e críticas podem tornar-se arbitrá-
nalava que o estudo filológico tem de compreender algumas etapas. rias, intempestivas e inseguras (Tavani, 1988:53).
Ora, essas etapas são, na sua essência as mesmas com que se depara Ao lado do texto fidedigno é preciso recordar a importância e o
o filólogo na atualidade: o estudo da língua, o estudo da métrica, o valor das chamadas edições modernizadas, reproduzindo um texto
estudo das alusões históricas, os estudos dos autores (das particula- antigo segundo padrões ortográficos e lingüísticos modernos (Spina,
ridades biográficas, retiradas em especial da documentação sobre ele), 1994: 19), advertindo que para a crítica literária estas edições não têm
o estudo das relações entre a sua obra e as demais representações valor algum. (Spina, 1988). Essas edições buscam levar ao alcance do
literárias, a história dos manuscritos, a determinação da autenticidade público de hoje a fruição de uma obra extraordinária, sem desvirtuar o
dos testemunhos, a restituição do “texto do autor” e, finalmente, a primitivo sabor de sua linguagem (Spina, 1988:xv), não se devendo
determinação do valor literário e histórico do texto (Vasconcelos, prejudicar a legitimidade do texto, além de permitir a leitura fluente
1946:143). do mesmo.
Essas nove etapas constituem, a bem dizer, três grupos de Ora, se os objetivos a serem alcançados pelo editor é o estudo
objetivos: o estudo da língua, a determinação do valor literário e da língua, é melhor conservar os textos na sua grafia original. Os
histórico do texto e a Crítica Textual. Mas, se a preocupação central critérios de transcrição e de reprodução adotados devem levar em
da filologia são os textos literários, nenhuma pesquisa filológica pode conta a especificidade dos manuscritos estudados, bem como a neces-
prescindir do conhecimento lingüístico (uma vez que o estudo das sidade de se tornar esta transcrição o mais rigorosa e inequívoca pos-
línguas e dos dialetos faz parte da lingüística e a filologia, no sentido sível, respeitando o movimento da escrita, suas hesitações, seus equí-
próprio da palavra, incide sobretudo na análise dos textos literários) vocos e as marcas dos incidentes caligráficos (Reis, Milheiro, 1989:
e nenhuma pesquisa filológica é possível sem sólidas bases lingüísti- 201)1 .
cas; por outra parte os limites entre lingüística e filologia não são Que a lição conservadora é a mais aconselhável na edição de um
sempre bem nítidos (Tagliavini, 1969: 1-2). Se o filólogo se engana na texto, qualquer que seja ele, não resta dúvida e os exemplos que per-
transcrição, cria um fato linguístico novo, que, embora pareça perten- mitam o confronto entre um comportamento conservador e outro
cer ao texto original do autor, se deve ao seu editor. É, pois, indispen- modernizador são esclarecedores.
sável que o trabalho filológico seja acompanhado de uma tomada de
Se tomamos, a título de exemplo, os critérios preconizados
consciência dos seus processos e das limitações que eles não permi-
utilizados pela maioria dos editores de textos medievais, veremos que
tem ultrapassar. Realmente, não é possível distanciar-se daquilo que
a grande maioria deles prefere uma lição modernizadora. Alguns exem-
é o elemento fundamental do texto: a língua. E, ao enfocar a língua, é
plos desse comportamento servem para demonstrar a necessidade de
preciso considerar a problemática da natureza tempo-dependente
se optar pela lição conservadora.
(“tipe-dependent nature”) do sistema lingüístico (Thibault, 1996:80-
O estudo das relações grafemático-fonéticas que permite, a partir
110). Nesse enfoque de interfaces, duas perspectivas podem ser con-
dos dados textuais, inferir a realização de alguns fonemas só é possí-
sideradas: na primeira, o da mudança lingüística, o texto é testemunho
vel se a edição mantém fielmente a grafia do manuscrito. Assim, Ramón
da língua; na segunda, a da crítica textual, a língua é apenas um dos
elementos do texto, embora o mais importante deles, pois, o texto é Menéndez Pidal pode afirmar sobre a língua da gesta Roncesvalles,
estruturado pelas possibilidades de uso da língua. datada do século XIII: “El lenguaje del fragmento en parte corresponde
Em qualquer situação, quer se trate de filologia do manuscrito geográficamente al carácter de la letra del escriba; es decir, ofrece
ausente ou crítica textual tradicional ou de filologia do manuscrito algunos rasgos propios de la región navarro-aragonesa.”(Menéndez
presente ou crítica textual moderna, o conhecimento da língua do Pidal, 1976: 21)2 . Assinala, em seguida, que o documento apresenta a
texto é de suma importância para o editor (Gama et al., 1996). Desse grafia navarro-aragonesa para as palatais:
modo, três tipos de dados lingüísticos são fundamentais para o editor • <yll> a mais geral, <eyll> <yl> equivalem a [λ]: “Fiz uos
de textos: aqueles ligados à rima, à métrica e ao ritmo; aqueles ligados cavayllero aun preçio tan grande” (v. 68), ao lado da leitura
às chamadas lectiones difficiliores, e, finalmente, as variantes (Contini, crítica “fizvos cavallero a un preçio tan grande”; “Prenden agoa
1990:165-73). Dessas variantes – lugar do texto em que ocorre diver- fria al Rej com eilla dauan” (v. 100), ao lado de “prenden agua
gência entre dois ou mais testemunhos – de fundamental importância fria, al rei com ella davan.”; “Sa que la de mororos uostornastes la
(Xavier, Mateus, 1990:s.v.) importam-nos as textuais, nos manuscri- ayla”, junto a “saquéla de moros, vos tornástesla alláe.”
tos anteriores à difusão da imprensa, e as autorais, nos manuscritos
modernos (autógrafas portanto, que podem ser encontradas em ma-
nuscritos e em datiloscritos ou mesmo em impressos com interven- 1
Por sua vez, é bom sempre lembrar que as normas da ABNT recomendam
ção do autor). a: “transcrição literal da fonte”.
2
Traduzindo: “A linguagem do fragmento coresponde em parte geografica-
mente ao caráter da letra do escriba; isto é, oferece alguns traços próprios
da região navarro-aragonesa”.
3
A propósito desse exemplo, ressalta tratar-se de uma grafia estranha, úni-
co exemplo junto à forma apocopada muyt (Menéndez Pidal, 1976:23).
4
Na verdade a edição data de antes de 1934.
ABSTRACT: Based on a model for studying lexical variation previouslyused by Luiz Fagundes Duarte, this paper is concerned with the observatioon of the
impublished work produced by Arthur de Salles, wherein the author´s punctuation usage and wall relatede corrections are analyzed as a sign of his
intencional creative process.
PALAVRAS-CHAVE: Criação textual – Correções autógrafas – Pontuação – Fragmentos manuscritos
Como se dá a criação textual? Como se faz a organização frasal, ainda entre testemunhos que formam a série contínua ou linear da
de modo a oferecer ao possível leitor um dado sentido? Que cami- narrativa. Em termos macronarrativos, esta progressão se faz de tes-
nhos possíveis percorre o autor para conferir à sua obra um efeito de temunho a testemunho, numa dinâmica textual, que confirma o mo-
sentido? Todas essas indagações, já anteriormente por outros coloca- vimento do texto no seu em se fazendo. Este caminho porém nem
das, pressupõem respostas que ainda não foram plenamente respon- sempre se faz linearmente, mas, ás vezes, como no caso dos testemu-
didas. As teorias levantam hipóteses. Os teóricos tentam explicitá- nhos de A planta am(a)rga, segue uma linha sinuosa que, ao que
las. A prática evidencia o quanto é difícil e complexo assinalar a parece, seria uma característica do usus facciendi de Arthur de Salles.
trajetória da construção de um escritor, quando ele deixa manuscri- Para a ordenação do conjunto dos testemunhos da série A planta
tos emaranhados de rasuras e de emendas, obras inacabadas, textos am(a)rga, adotaram-se, além da perspectiva funcional, os critérios
incompletos, rascunhos, fragmentos, possíveis planos de elabora- sintáticos da organização frasal e os aspectos coesivos da pontuação,
ção, passíveis de retomadas posteriores. porquanto os signos pontuacionais, além de conferir a combinação
No entanto, é um trabalho apaixonante. O debruçar-se sobre sintático-frasal, possibilita a criação de novos efeitos de sentido aos
aquelas rasuras, destrinçá-las, quando possível, e tentar envolver-se enunciados.
na trilha da construção textual, é um trabalho exaustivo e difícil, to- Com base, então, na perspectiva funcional da frase, ou seja, na
davia possível. Através de pistas, dados e marcas deixadas escritas dinâmica textual que os testemunhos oferecem, é que se tenta forma-
na superfície do papel, pode traçar-se a trajetória dessa construção. lizar a ordenação dos testemunhos 004:0098, 004:0097, 004:0094,
Alguns dados parecem insignificantes. Todavia, é preciso verificar 004:0108, que se constituem, ao que parece, uma primeira fase, mo-
se eles contribuem para o achamento do caminho indicado pelas pis- mentos de tentativa de escrita. Em seguida, ordenar-se-ão os teste-
tas maiores, se contribuem para o aclaramento da hipótese levantada. munhos 004:0096, 004:0087 e 003:0051, os quais, se acredita, per-
Nada é desprezível, quando se pretende enveredar pelos caminhos tencem a uma segunda fase de releitura do escritor do mesmo texto.
do autor. Um terceiro momento, poderia ser o testemunho 003:0051, que pare-
O caminho genético de qualquer obra literária ou não atraves- ce terminalizar, de certo modo, o texto A planta am(a)rga.
sa um longo e árduo labor, sempre atualizado pelas sucessivas
3 Operações de confronto
releituras e sucessivas reescritas rumo à obtenção do seu objeto-de-
sejo: o texto definitivo. Em função dessa trajetória, o escritor realiza Depois que se analisou o documento 004:0093, o qual consi-
ajustes, substituições, supressões e acréscimos, de modo a atingir a derou inicial nas condições da dimensão percursional da escrita dos
evolução desejada. testemunhos constituintes de A planta am(a)rga, ou como se deno-
Nos testemunhos que ora se estudam, Arthur de Salles segue minou “Os caminhos de Simão Mutuca”, tenta-se agora estabelecer
esse mesmo percurso. Mas para chegar às correções, ele concretizou o confronto entre os manuscritos 004:0098, 004-0097, 004:0094 e
seu projeto mental de escrita. Por isso, os testemunhos em apreço 004:0108, que, segundo a hipótese levantada, dão continuidade ao
seguem seu trajeto a partir de um projeto concretizado pré-existente trabalho de escrita de Arthur de Salles nesse processo concretizador
no mundo visível, e nele calcado. da “geração de idéias”, delineadas no plano inicial, ou seja, no teste-
munho 004:0093.
2 Ordenação dos documentos
É importante ressaltar que um conjunto de versões
Para que se possa seguir o percurso de uma escritura, neces-
constitutivas de um mesmo testemunho pode abrir a porta à análise
sário se faz que se ordenem os testemunhos que integram o conjunto
lingüística em virtude de certos elementos que se podem ver atra-
da série em questão. A estratégia utilizada para tal instrumentalização
vés da sucessão das seqüências do processo produtivo. Dito de ou-
reside justamente nos critérios da organização hierarquizada da pro-
tra forma, através das similaridades ou seqùências parafrásticas que
gressão textual em sua globalidade, da coerência, da coesão lexical
se relacionam de testemunho para testemunho. Também, é bom as-
de frase a frase e da pontuação vista como elemento de coesão sintá-
sinalar que Szlles tem uma forma sinuosa de escrever. Assim, neste
tica e semântica do enunciado. Estes instrumentos asseguram a con-
momento, a partir do conhecimento das passagens retidas e daque-
tinuidade dos enunciados e a progressão temática que encaminha a
las que foram canceladas nos escritos subseqüentes, se fará a com-
trajetória dessa escritura.
paração das outras versões do documento inicialmente reproduzido
A perspectiva funcional oferece o modo pelo qual se observa
e considerado como o plano de construção textual. Desse modo,
essa progressão temática, veiculando, através da organização das
poder-se-ão estabelecer paradigmas de correspondência às substi-
estruturas frásicas, da ordem das palavras, as informações dadas numa
tuições, supressões e acréscimos efetuados entre as expressões va-
frase ou num segmento frasal, ou seja, no enunciado, de modo a cons-
riantes bem como de sua pontuação.
tatar que no segmento seguinte aparecem informações novas. Estas
Obedecendo às medidas operacionais adotadas em O Dote de
informações podem acontecer no interior sintático-semântico da pró-
Mathilde, acrescentar-se-ão outras, se for o caso. O quadro de n. 1
pria estrutura frasal como também entre períodos ou parágrafos e
ABSTRACT: João Gumes’ literary documents, whick have aleady been amolized before, offer some elements which allow us to observe some language
facts. One of these facts results from the analysis of the author’s variables registered in the manuscript documetns. It is focused in this study the matrix of
the stylistic grammar of the document.
KEY WORDS: stylistic grammar, manuscript, literary documents.
1. aquella <antiga> opulencia de que fallam os antigos (L.50) 1. teu corpo é teu e <todos> [↑ ambos] juntos pertenceis ao
2. em todo <o> caso. é preciso examinal-a primeiro (L.88) Sr Alferes Bonifacio (L.111)
3. Um rapaz <de futuro> como o Sr. Xico, que espera<r> conquis 2 .pullular <na> [↑em] epocha não mui remota. (L.241)
tar um bonito futuro, e <que espera> algum dia galgar altas 3.<fazer em minha alma> [ ↑n’ella fazer] um attrito por
posições (L.98, 99) demais doloroso. (L.372)
4. Tenho 15 annos, <e tenho> meu Senhor, bastante intelligencia 4. pois é esse o merito da miseravel raça de <onde>
(L.119) [↑que] descendem. (L.504)
5. suppõe não ter força<s> bastante<s> 5. Alli, <lagrimas e lamentos,> o[↑soffrimento da vitima,]
para repellil-o!? (L.126) aqui < a tempestade de remorso!>
6. morrerei <com a minha honra>(L. 192) [↓ as agruras do remorso.] (L.519-521)
7. Vou de uma cajadada matar dous coelhos” <E aqui está o filho 6. és a <inocencia> [↑ingenuidade] personificada. (L.557)
meu pai.> (L. 248)
8. teria a obrigação de vir aqui <constantemente> a meudo IV. Acrescentamento na entrelinha
(L. 267)
9. refrigerio da alma ao fazer<se> um bem como este! (L.285) 1. encontrar pessoas [↑que pensassem] de modo differente
10. não é crime <, antes é naturalismo,> (L. 378)
rasgar-se essa (L.343) 2. fica o negocio concluido entrando/ o molecote
11. essa sublime essencia manada de Deus [↓pr1:200#000]. (L. 20)
<,a verdade> (L.354) 3. És [↑de] uma loquacidade intoleravel
12. Tudo isso < é muito e> seria muito bom (L.419) (L. 545)
13. Mas pode<re>mos d’aqui sahir! (L. 446) 4. a sua linguagem e [↑vendo] o seu porte magestoso?!
14.amor que debalde queres <indirectamente> recalcar no íntimo de (L. 550 -552)
teu coração! (L.558) 5. pois até desgosto-me [↑de] possuir (L.576)
15. Socega, <minha amiga> e veremos (L..592) 6. uma vez em [↑nossa] casa (L.534)
16. é tempo de esquecermos <os> antigos 7. pois até desgosto-me [↑de] possuir (L.575)
preconceitos! (L.610) 8. appellidam uma facção com um nome, [↑que tornam odioso]
17. protejamos uma <pequena> fracção do aggremiam (L.614)
povo brazileiro (L.611) 9. exercer sobre [↑mim]uma tyrannia (L.640)
18. Meu pai <tambem> anda em tua procura.<(faz um sinal quasi 10. És [↑de] uma loquacidade intoleravel (L. 545)
imperceptivel dirigindo a Emilia)> (L.629/630)
19. uma tyrannia que fará a minha eterna desgraça, <( sabes que Gênese do texto
alguem tem sobre elle tal ascendente, que conseguiria vencer
todos os obstaculos)> e ficas em uma O prólogo do drama Abolição não apresenta características de um
perenne inacção (L.641-643) texto definitivo, apesar de escrito em boa letra, não foi passado a
20. Impressionou-me o caracter do Dr., é exacto; porem como <im limpo. Rico em correções, perfazendo um total de 68 correções: 43
pressionaria> a qualquer. (L. 550) no momento de escrita (ME), 25 no momento posterior (MP).
21. <Mas> <s>[S]ocega, minha chara (L.586) A supressão é o caso mais freqüente. Das 68 correções 28 fo-
22. <Mas> < o> [O] que hei de fazer agora? ? ram supressões. Recurso utilizado pelo autor como mecanismo
Diz-me<!>[.] (L.559) equilibrador do texto responsável pelo processo de anulação da re-
23. <Mas> <i>[I]sto é intoleravel! (L.661)
dundância discursiva. A substituição à frente é a segunda mais fre-
24. Eu irei. <Mas...> <o> [O] velho me aceitará? (L.667)
qüente, registram-se 12 ocorrências. Normalmente, o autor risca can-
celado e o substituto se coloca de imediato à frente do substituído.
III. Substituição
Essa correção parece pertencer ao primeiro jato de escrita, ou seja,
3.1 Substituição no curso da escrita
substituição em curso. Palavras lexicais e gramaticais fazem parte
deste tipo. Apresenta 06 substituições na entrelinha superior, ocu-
1. vive sonhando com <o> [um] futuro a que não
pando quase sempre espaço material deixado livre pelo texto primiti-
tem direito. (L.62)
ABSTRACT: A lexical analysis of a random sample of 12 inedited manuscript documents of Arthur de Salles was carried out. In his vocabulary there are
marked, personal choice and common use lexias. The classification of the poet as a parnassian and symbolist was confirmed since 47% of marked lexias are
parnassian and 53% are symbolist.
PALAVAS-CHAVE: Arthur de Salles, léxico, Simbolismo, Parnasianismo
Considerações finais
Apesar de este trabalho ter se ocupado apenas de uma peque-
na parte dos documentos pertencentes ao Acervo de Arthur de Salles,
influências de ambas as escolas literárias ficam evidentes na obra do
poeta. E, o que mais chama a atenção, é que os ideais do Parnasianismo
e do Simbolismo tiveram, ao que podemos constatar, praticamente
igual importância sobre a criação poética de Arthur de Salles.
Referência bibliográficas
ABSTRACT: This paper is about the use of poetry and music as effective activities in the process of learning the phonetics of languages.
PALAVRAS-CHAVE: pronúncia, estratégias, ensino, línguas estrangeiras.
Ludicidade
ABSTRACT: The study of the process of creation of advertising can be enlightening to second language acquisition. How could the learning facilitator
profit from analyzing the advertising strategies? Wouldn’t both the facilitator and the advertiser be trying to make a dream come true?
PALAVRAS-CHAVE: Publicidade, estratégias, aquisição, linguagem.
Introdução manter determinada atitude, que, por conseguinte, estará menos sus-
cetível a mudanças (McConnell, 1978: 577).
A palavra propaganda vem de propagare, técnica de jardina- Solomon Asch (apud McConnell, 1978: 580) mostrou que
gem que consiste em enterrar sucessivamente mudas de plantas no há duas formas básicas de induzir a mudança de atitudes em relação
solo para que continuem se reproduzindo. Trata-se de uma ação a um objeto: 1. mudar o próprio objeto ou produto, de modo que a
repetitiva, de uma arte cultivada (Brown, 1971:12). Quanto ao con- sua própria percepção não seja mais consoante com os fatos; 2. dei-
ceito propaganda, está associado à técnica de conceber, criar, execu- xar o objeto “como está”, mas de alguma forma conseguir que o
tar e difundir idéias, conhecimentos (Ferreira, 1999:1649). observador mude a sua percepção dos atributos bons ou ruins daque-
Já a publicidade, consiste em um esforço individual ou grupal, le mesmo objeto.
que visa persuadir o outro através dos meios de comunicação para Dentre os traços mais influentes que um comunicador possui
obter vantagens financeiras. Envolve o meio de comunicação que está a credibilidade. Aparentemente, tendemos a nos mover em dire-
apresenta o produto (...), como também o produto em si, a sua emba- ção a alguém em quem confiamos ou admiramos, e para longe de
lagem, marca, preço e mensagem que se deseja transmitir. É fruto do alguém de quem desconfiamos. Logo, é a credibilidade do
marketing, que por sua vez, estabelece uma ponte entre consumidor comunicador, que, em primeiro lugar, parece levar alguém a prestar
e produtor; faz sondagens de comportamento, objetivos e atitudes de atenção à sua mensagem; se bem que, por outro lado, somos inclina-
um consumidor em potencial, visando a satisfação desse consumidor dos a “desafinar” ao ouvirmos um comunicador em quem não confi-
e os lucros da empresa. Logo, se detém em analisar o mercado, suas amos, muito antes dele acabar de transmitir a sua mensagem.
necessidades e motivações, bem como, os produtos propostos, as Quanto às mensagens de maior apelo emocional, essas apa-
motivações, previsões, concorrentes, vendas e questões de comuni- rentemente terão, a curto prazo, mais efeito sobre as atitudes e os
cação (Lampreia, 1995:65). comportamentos das pessoas do que as de maior apelo racional; en-
Para Claude Marti, a publicidade não pode criar necessidades tretanto, as primeiras não possuem consistência suficiente para influ-
até então inexistentes, mas “recupera apetites”, atuando como uma enciar as mudanças de atitude a longo prazo. Também observamos
força catalisadora no mercado consumidor (Marti apud Lampreia que as comunicações, as quais tendem a amedrontar o interlocutor,
1995:61). As campanhas publicitárias exercem um poder persuasivo focalizam apenas a sua atenção sobre os problemas e suas respecti-
sobre a população, tornando imperiosas certas necessidades que po- vas dificuldades, e não sobre possíveis soluções.
deriam passar quase desapercebidas. Ainda no que diz respeito à mensagem, ela tem de ser ex-
pressa claramente, em poucas palavras e de forma sugestiva. Deve
As leis da publicidade e sua linguagem envolvente ser sempre positiva; assim, em vez de “não gaste dinheiro”, o anún-
cio dirá “poupe dinheiro”. Tentará, ainda, evitar o uso do condicio-
A publicidade mitifica e converte em ídolo o objeto de con- nal, a fim de não dar margem a dúvidas; em vez de “você poderia
sumo, revestindo-o de atributos que ultrapassam as qualidades que ganhar mais...”, dirá “você ganhará mais...”. Assim, um anúncio terá
lhe são inerentes, a sua própria realidade. Atua, então, sobre as moti- sempre mais possibilidades de êxito, caso se mostre positivo. Deve
vações inconscientes do público, compelindo-o à ação e levando-o a apontar para o lado feliz e atraente da vida, como se indicasse um
tomar certas atitudes (Lampreia, 1995: 24). Estas são formas de per- caminho a seguir, e nunca para o lado triste, escuro e pouco convida-
cepção, que envolvem sentimentos, afetos, tendências emocionais, e tivo. Uma pasta dental, então, não deve mostrar dentes estragados
que nos predispõem a agir de determinada maneira. Assim, a atitude por falta do seu uso, mas evidenciará dentes bonitos e saudáveis,
que assumimos perante alguém ou algum objeto permite-nos predi- graças à utilização do produto; pois é preferível que se fale das con-
zer o comportamento futuro daquela pessoa ou identificar a natureza dições futuras em vez das existentes, ou daquilo que as pessoas dese-
de determinada coisa, pois armazenamos as nossas experiências na jam ser ou ter, e não do que são ou têm, atualmente. Uma agência de
memória (de longo-prazo) de acordo com as impressões que guarda- viagens dirá “venha ao país do sol e da alegria”, em vez de “esqueça
mos dos acontecimentos que vivenciamos. Isto é, atribuímos “rótu- o inverno, o frio e a chuva”.
los verbais” ou rótulos abstratos às vivências que experimentamos, e As afirmações gerais, também, devem ser evitadas. Quanto
então, preenchemos o arquivo de nossa memória com esses rótulos. mais específica e definida for a assertiva, melhor será, mais força
É por isso que quanto mais conhecemos uma pessoa, uma coisa, ou dará aos argumentos empregados. Então, uma boutique que anuncie
uma idéia, mais estável será, geralmente, a nossa atitude frente aqui-
lo que conhecemos; e quanto mais inclinados nos sentimos em rela-
ção a alguma coisa, mais difícil será mudar os “rótulos de memória”,
que atribuímos àquela coisa. Além disso, quanto mais a atitude que • Trabalho apresentado no II Congresso Internacional da ABRALIN- Forta-
assumimos em relação a alguém nos permita predizer futuros aconte- leza/Março/2001
1- Prof. Titular do Departamento de Letras Germânicas ILUFBA/UFBA
cimentos e futuras entradas, mais nos sentiremos recompensados a
2 Prof. Adjunto do Departamento de Neuropsiquiatria FAMED/UFBA
ABSTRACT: Pretende-se, através de textos musicais, resgatar a gênese e identificar o valor poético desses textos através de critérios literários.
The aim of this paper is to rescue the genesis and identify the poetical value of some musical texts through literary criteria.
PALAVRAS-CHAVE: Verso, música.
1. Introdução 2. Trajetória
Este trabalho faz parte de um projeto maior, intitulado Começando a caminhada no início da década de 40, me
Resgatando Versos Através da Música Popular Brasileira. utilizarei da canção intitulada Emília de autoria de Haroldo Barbosa e
Como parte inicial da proposta de trabalho, pretendo aqui, Wilson Batista, grande sucesso da época, para ilustrar a imagem da
através de textos poéticos selecionados da música popular brasileira, mulher dentro do universo masculino, naquele momento.
fazer um passeio enfocando o signo mulher e o seu papel na relação
amorosa como temática central. São textos representativos que datam Emília
do início da década de 40 e vão até o final dos anos 90. (1942, Haroldo Barbosa & Wilson Batista)
Não tenho a pretensão de esgotar este tema, mas de ressaltar Interprete: Vassourinha (Mário Ramos)
algumas diferenças que vão surgindo de um texto para outro à medida Eu quero uma mulher
que o tempo vai passando, e a imagem da mulher brasileira se Que saiba lavar e cozinhar
modificando perante toda a sociedade. Que de manhã cedo
A multiplicidade de formas em que ela se apresenta nestes Me acorde na hora de trabalhar
textos me leva a pensar na atualização de elementos da lírica amorosa Só existe uma
romântica, utilizando para isto de recortes de situações relatadas de E sem ela eu não vivo em paz
relações amorosas, que se concretizaram ou não, mas que ficaram na Emília, Emília, Emília
memória. O passado, o presente, e o futuro por vezes se defrontam Eu não posso mais
através da memória. Ninguém sabe igual a ela
As semelhanças entre os textos de autores diferentes, de Preparar o meu café
épocas e contextos culturais diferentes são várias e muito Não desfazendo das outras
representativas. As associações podem ser feitas imediatamente ao Emília é mulher
compará-las. Papai do céu é quem sabe
Escolhi o texto lírico como base para estudo, porque ele se A falta que ela me faz
adequa ao tipo de análise que me proponho a fazer. Recortes de Emília, Emília, Emília
situações de relações amorosas de primeira pessoa ou de primeira Eu não posso mais
voz. O eu-lírico. A expressão individual. Pensando em termos da identidade social, que é uma
A poesia lírica que nasceu da necessidade de uma expressão conquista do ser humano, e da identidade biológica que é uma atribuição
individual, e por ser habitualmente acompanhada pela flauta e pela da natureza, fica claro que o autor se utiliza de um discurso que
lira passou a chamar-se lírica, e traz imagens sonoras e plásticas. O inferioriza a mulher e também que os papéis sexuais são estereotipados
elemento musical é intrínseco às palavras. A musicalidade dos textos na sociedade patriarcal da época. Emília faz falta, não porque seria a
se faz presente numa leitura cuidadosa, quer os instrumentos musicais outra parte que o complementaria, mas principalmente, para
se apresentem ou não. desempenhar funções que condenam a mulher apenas à condição natural
O texto lírico romântico acredita na poesia como expressão
de ser biológico. A mulher fica impossibilitada de construir sua própria
do “eu”. A relação amorosa é muitas vezes abordada num tom
identidade social, estigmatizada pela diferença entre os sexos. O
nostálgico. A solidão e a falta que o outro faz, também se apresentam
discurso cultural da época obrigava a mulher a aceitar um lugar
no texto, assim como, a incompreensão, a dúvida e a infidelidade. O
subalterno. Ela apenas podia exercer as atividades que sua natureza
amor por vezes é correspondido e por outras vezes não. Mas, o
biológica lhe permitia.
sentimento e a expectativa do autor em relação ao outro, parecem
Nos anos 70, Antônio Carlos Jobim, produz a canção
muito explícitos nos textos. O que nos confirma que a produção
Falando de Amor que comentaremos a seguir:
literária da lírica romântica é uma expressão individual de
pessoalização do poético que se utiliza das relações entre som,
sentido, ritmo e imagem. O sujeito lírico comanda essas relações
através da visão subjetiva. * Membro do Grupo de Pesquisa de Lingüística Aplicada do Departamento
em Letras Germânicas da UFBA desde 1995.
ABSTRACT: Report of a research in Instrumental English for Computer Sciences which resulted in a textbook for classroom use. It describes the
steps, the objectives, the schedule, the need to write the book inglês.com.textos para informática, the result of the analysis of the material
investigated, and the theoretical fundamentals of the book.
PALAVRAS-CHAVE: inglês instrumental, ensino de línguas estrangeiras, inglês técnico para informática, metodologia de ensino de inglês.
Apresentação contexto; o leitor passa a ser visto como um sujeito ativo, um bom
usuário de estratégias e um aprendiz cognitivo. Com base nesses
Este trabalho é o resultado de um dos projetos de pesquisa pressupostos, os pesquisadores de leitura acreditam que o significado
desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa em Lingüística Aplicada do não está contido nas palavras impressas na página. O leitor constrói
Departamento de Letras Germânicas da Universidade Federal da Bahia. significados, fazendo inferências e interpretações. A informação é
O projeto teve como finalidade a escrita de material de ensino de armazenada na memória de longo-prazo em estruturas de conhecimento
estratégias de leitura em língua inglesa voltadas para a área de informática organizadas. A essência da aprendizagem constitui em ligar novas
para ser utilizado, em forma de livro didático, no terceiro grau. O projeto informações ao conhecimento prévio sobre o tópico, a estrutura ou o
originou-se da necessidade de material didático-pedagógico que gênero textual e as estratégias de aprendizagem. A construção de
contivesse textos em língua inglesa na área de informática e se adequasse significados depende, em parte, da metacognição, da habilidade do
às características de um curso de inglês instrumental no Brasil de hoje. leitor de refletir e controlar o processo de aprendizagem (planejar,
Havia uma necessidade premente, nos meios acadêmicos, de material monitorar a compreensão, e revisar os usos das estratégias e da
atualizado com instruções e explicações em língua portuguesa que compreensão); e das suas crenças sobre desempenho, esforço e
englobasse não somente o ensino instrumental da língua inglesa, com as responsabilidade.
diversas estratégias de leitura, como também o ensino de um vocabulário A leitura vem, justificadamente, readquirindo posição de
técnico da área de informática. Havia, assim, uma lacuna de material destaque no ensino de línguas: ela é fonte de diversos tipos de
específico que viesse a satisfazer as exigências dos currículos dos cursos informação sobre a língua estrangeira, o povo que a fala e sua cultura,
de Processamento de Dados, Análise de Sistemas, Ciência da além de ser o contexto ideal para a apreensão de vocabulário e sintaxe
Computação e até mesmo de Ciências da Informação, e que munisse os em contextos significativos, permitindo ao aprendiz mais tempo
profissionais dessas áreas com a habilidade de leitura de textos técnicos, para a resolução de problemas e a assimilação das novas informações
essencial para o desenvolvimento de seus estudos. Assim, os apresentadas. A leitura, portanto, é fundamental ao aperfeiçoamento
pesquisadores envolvidos com esse projeto decidiram investigar os das demais habilidades e à expansão do conhecimento.
diversos materiais existentes com a finalidade de proceder à escrita de
Assim, o número de estudos sobre a leitura e os seus múltiplos
um material que suprisse as falhas neles encontradas. Para isso, foi feito
aspectos cresceu muito nas últimas décadas, principalmente após
um estudo das diversas teorias de ensino/aprendizagem de leitura e das
os desenvolvimentos da análise do discurso. Nessa linha, destacam-
diferentes estratégias envolvidas no processo.
se os estudos centrados na aquisição e no processamento da leitura,
na teoria de esquemas e nas estratégias de leitura para o uso
Introdução / Pressupostos teóricos
instrumental da língua, estratégias estas que constituem o tema da
pesquisa a que o nosso projeto se dedicou.
Historicamente, o enfoque dado à leitura dentro do processo de
ensino-aprendizagem de língua estrangeira tem variado de acordo com a
Objetivos
corrente metodológica em voga. Até o final da década de 40, esse processo
estava centrado na leitura e tinha por base o método do ensino da
gramática e da tradução. A partir e por causa da Segunda Guerra Mundial, O projeto tinha como principal objetivo criar, com base na
desenvolveu-se o método audio-lingual baseado nas teorias behavioristas investigação de aspectos da prática do ensino-aprendizagem de leitura
em voga na época, com o propósito de ensinar línguas européias aos em inglês instrumental para a área de informática, um livro-texto que
soldados americanos que partiam para o campo de batalha. Com o contemplasse estratégias de leitura e o estudo de estruturas
desenvolvimento desse método, a leitura foi praticamente ignorada, gramaticais contextualizadas para a compreensão e interpretação de
tendo sido, inclusive, considerada prejudicial à aquisição de uma boa textos técnicos. Para tanto, tivemos que estabelecer um cronograma
pronúncia quando apresentada ao aprendiz antes que este tivesse de atividades que nos permitisse, a partir de uma série de hipóteses
adquirido fluência oral. O objetivo da leitura era o domínio de habilidades levantadas, baseadas em nossa própria experiência docente, atingir
e fatos isolados através da decodificação mecânica de palavras e da os seguintes objetivos específicos:
memorização pela repetição. O aprendiz possuía um papel passivo, de • identificar os objetivos do ensino-aprendizagem de leitura
um instrumento receptor de conhecimentos vindo de fontes externas. instrumental em idioma estrangeiro;
Com o desenvolvimento das ciências cognitivas, essa idéia foi • analisar os conteúdos programáticos do ensino instrumental
aos poucos sendo reavaliada. Os objetivos da leitura passam a ser a da língua em termos de sua adequação aos fins que se destinam;
construção de significados e o aprendizado auto-regulado. O processo • definir, a partir da pesquisa bibliográfica e da pesquisa de
de leitura é concebido como uma interação entre o leitor, o texto, e o campo, as estratégias, estruturas gramaticais, exercícios de expansão
ABSTRACT: Some considerations will be about phonological abilities and their relations to the learning of alphabetical systems, and about the
relevance of determining the developmental course of the acquisition of phonological abilities. The objectives and some methodological procedures
used in this research will also be presented.
PALAVRAS-CHAVE: sensibilidade fonológica, consciência fonológica.
ABSTRACT: This work shows the preliminaries results of a research made with 32 children, with ages between 2;1 to 7;0, whose parents had the complete
universitary education, about the diphtongs’ acquisition in Brazilian Portuguese.
PALAVRAS-CHAVE: Aquisição, Fonologia, Semivogais.
1. O Problema 3. Metodologia
As semivogais são, até hoje, uma fonte de discussão entre vá- A coleta de dados para este trabalho foi efetuada através da
rios autores que se dedicam ao estudo destes segmentos na Língua metodologia transversal de coleta de dados, isto é, foram coletados
Portuguesa, havendo discordância desde a nomenclatura a ser utili- dados por meio de um contato rápido e dentro de uma situação con-
zada para estes segmentos, até a sua posição na estrutura silábica, trolada, e, para que esta metodologia pudesse ser aplicada com su-
isto é, se elas são vogais, consoantes ou se formam um grupo a parte. cesso, foi elaborado um exame fonético-fonológico especialmente
Neste trabalho será adotado o termo clássico semivogais para para a classe das semivogais, exame este que tem como objetivo fa-
se referir a tais segmentos, que serão definidos e classificados segun- zer uma avaliação do tipo “screening” (INGRAM,1976) da maturação
do TEIXEIRA (1988a), ou seja, semivogais são sons produzidos com fonológica da criança, verificando sua capacidade de produzir sons
movimentos rápidos de língua e com um canal oral quase desimpedi- de sua língua distintivamente.
do, semelhante ao da vogal, sendo que a natureza rápida e transitória Inicialmente se pensou em escolher apenas palavras substanti-
desses sons, em associação com a força expiratória presente durante vas, mas isso não foi possível devido ao fato de que alguns ditongos
a sua produção, caracterizam esses segmentos como consonantais. só se mostraram produtivos no vocabulário infantil quando faziam
Para resolver este problema Teixeira abandona o binarismo na classi- parte da classe verbal. Assim, dentre as 53 palavras do teste, 47 delas
ficação dos segmentos fônicos e propõe um modelo ternário no qual são substantivos, 04 são verbos, 01 é um advérbio de lugar e 01 é
as semivogais são classificadas como elementos de transição entre uma onomatopéia, o que causou a necessidade de serem feitas pe-
vogais e consoantes, sendo que, no português, estes segmentos são quenas adaptações para a eliciação destes vocábulos.
mais de natureza vocálica que consonantal. Para a seleção das palavras que constam no teste foram leva-
Este estudo terá como base teórica a noção de Processos dos em consideração os seguintes fatores:
Fonológicos, inicialmente desenvolvida por STAMPE (1973) com a • tipo de técnica de eliciação a ser utilizadas, no caso, a nome-
Teoria da Fonologia Natural, e posteriormente revisada e aprimorada ação de figuras através da eliciação espontânea em condições con-
por INGRAM (1976/1989), GRUNWELL (1982/1987) e TEIXEIRA troladas;
(1985/1988b). A escolha dessa linha teórica de estudos sobre a aqui- • faixa etária das crianças a partir de 2;1 anos, para evitar um
sição fonológica é justificada por sua proposta de uma investigação número elevado de formas com repetição;
sistemática da aquisição a partir de processos fonológicos, grupo no • boa representação pictórica das palavras, para facilitar a
qual se encontram inseridos o processo de Simplificação de Diton- estimulação visual;
gos e as estratégias utilizadas na implementação deste processo. • representatividade dos contextos fonológicos;
Há diversos tipos de processos fonológicos que atuam no perí- • extensão e acentuação lexical, sendo evitadas palavras
odo de aquisição da linguagem pela criança, tornando a fala infantil, proparoxítonas e polissílabas;
fonologicamente, mais simples que a adulta. O processo de Simplifi- • tempo de testagem, que, para ser otimizado, determinou a
cação de Ditongos é aquele no qual o encontro vocálico deixa de escolha de palavras que continham, de preferência, mais de uma va-
existir devido a estratégias utilizadas pelas crianças, como a Elisão riável a ser estudada, evitando, assim, o cansaço e o desinteresse por
ou queda da semivogal, a Silabificação ou separação dos elementos parte das crianças.
do ditongos em sílabas diferentes, a Migração, que é a permuta da Foram entrevistadas 27 crianças de 2;1 a 7;0 anos, mas apenas
semivogal para outra sílaba e a Reduplicação do ditongo em outra os dados de 16 compõem o corpus deste trabalho, sendo que estas
sílaba. crianças pertenciam à classe sócio-escolar A, que é aquela cujos
pais (ou pelo menos um deles) possuem o 3º grau completo. Foram
2. Objetivos da Pesquisa utilizados, no teste, 41 estímulos visuais para a eliciação de 53 pala-
vras e 54 variáveis.
Pretende-se verificar nesta pesquisa: A distribuição das 53 palavras que compõem o teste, quanto
a) se há diferenças entre a aquisição de ditongos crescentes e ao contexto fonológico e ao tipo de ditongo, é a seguinte:
decrescentes;
b) que estratégias são mais e menos recorrentes durante a aqui-
sição dos ditongos;
c) em que faixa etária o processo é descartado pelos falantes; e
d) contribuir para o estabelecimento de padrões maturacionais.
ABSTRACT: The Word sertão taken as simple lexia is studied here. It is looked for as source of data: the columnists’ of the centuries texts XVI and XVII,
printed sources (Interesting Documents, Inventories and Testaments and other), literature said regionalista, elements picked in field research.
PALAVRAS-CHAVE: literature regionalista, documentação, lexia simples sertão
Albert Dauzat (1932: 21-40) classifica, de uma maneira geral, “... inventaram exército para ir ao sertão traze-los à
os topônimos em duas grandes classes: designações espontâneas e marinha...” (13)
designações sistemáticas. Afirma, em relação às primeiras: “Ces
désignations collectives sont em general, à l’origine, dês surnoms, au “Além disso, a nação dos tapuias (que como se lê à p. 466
sens linguistique du mot, ou, suivant l’expression de M. Camille habitava o sertão da baía) que tem diversas línguas não se dá
Jullian, dês épithètes de condition, qui deviennent plus tard dês noms bem a beira-mar, ...” (14)
propres consacrés par l’usage puis par l’emploi officiel” (1932: 21).
Daí podermos dizer que sertão pode ser considerado como Bluteau (1720: 612-613) registra sertão como “região apar-
topônimo espontâneo, que no temário do I Congresso Brasileiro de tada do mar, e por todas as partes metida entre terras. Mediterranea
Dialetologia e Etnografia1 leva o nome de oficioso, se bem que, pou- Régio”, que Rodrigo Fontinha (s/d) diz ser também “Floresta no
cas vezes figurando na cartografia atual, mas de larga circulação no interior do continente, longe do mar, o interior das terras...”, afir-
linguajar nordestino culto ou popular, na literatura oral e regionalista, mando Cândido de Figueiredo (1926) que se trata de “lugar incul-
na documentação antiga e nos trabalhos geográficos e históricos, sendo to, geralmente distante de povoações ou de terrenos, cultivados”. O
que, nos estudos lingüísticos e nos dicionários não se deu muita aten- vocábulo encontra estes vários sentidos em diferentes pontos do
ção às suas mais diferentes conotações. território brasileiro.
A “carta de Pero Vaz de Caminha”2 é aceita geralmente como
Assim, na Ilha de Búzios (Estado de São Paulo), entende-se
o primeiro documento local da história do Brasil e dentro de nossos
por sertão área florestada não necessariamente longe do mar, onde
propósitos, em seus devidos termos, a considerarmos como o primei-
se pode obter madeira para construção de casas e de embarcações.
ro documento de índole lingüística sobre a área de domínio portugu-
Entre as pessoas de mais idade anotamos a expressão designando
ês na América. O escrivão faz referência a ribeira3 , a chã4 , a sertão,
etc. que além de guardarem a mesma acepção que possuem em Por- também local anteriormente revestido por vegetação espessa e agora
tugal, na terra descoberta ganharam nova significação, seja como ocupado ou não por uma incipiente capoeira7 .
vocábulo de uso corrente, seja como topônimo. Ainda em se tratando do litoral paulista recolhemos outras
No documento citado tem-se sertão como região florestal. Se- acepções para o termo. Em Icapara (município de Iguape – SP) con-
não vejamos a descrição que faz do quadro físico: sidera-se sertão a área que não está compreendida dentro dos limi-
tes, um tanto imprecisos, da “vila”, sendo geralmente ocupada por
“Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, cultivos e mata, não estando situada entre o mar e a “vila”. Em
a estender olhos, não podíamos ver senão terra com arvoredos, Ubatumirim (município de Ubatuba – SP) sertão é a designação
que nos parecia muito longa. dada ao interior da costa onde habitam os “caipiras”8 , cujas ativida-
des se restringem à coleta de palmitos, à agricultura de subsistência e
Trabalhos posteriores a Carta de Caminha ainda conservam a secundariamente à pesca fluvial, com limites interiores imprecisos.
expressão com sentido de floresta. É o caso do estudo de Gabriel
Soares de Souza5 e dos Diálogos das Grandezas do Brasil (9).
Nos Diálogos... (1956: 33) lê-se: “Como não se vemos que em 1 Vd. Inérida, nº 2, p. 160. Rio de Janeiro, 1959.
tanto tempo que habitam o Brasil não se alargam para o Sertão para 2 Utilizamos a edição crítica de Jaime Cortesão. Rio de Janeiro, 1943.
haverem de povoar nele dez léguas, contentando-se de, nas fraldas 3 Ao sentido “porção de terreno banhado por um rio” junte-se a acepção
do mar se ocuparem somente em fazer açúcar”. Com a légua medin- restrita do Nordeste, “zona própria para a criação de gado vacum”. In
do cerca de seis quilômetros poder-se-á facilmente observar que esse Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, p. 1050. Rio de Janeiro,
sertão era muito próximo da linha litorânea e essa distância indicaria, 1961.
4 No Brasil com “significação peculiar de planície elevada, chapada...” In
para a época, área coberta de matas.
Dicionário da Terra e da gente do Brasil, p. 104. São Paulo, 1961. Leia-se
Talvez pelo não conhecimento da natureza da paisagem vege-
estudo sobre o termo por Joseph M. Piel in “Nomes de lugar referentes ao
tal de outros pontos de território o autor dos Diálogos... (1956: 74) relevo do solo”. Separ. da Revista Portuguesa de Filologia, vol. I, tomo I, p. 5-
tenha escrito: “... na capitania de São Vicente e outra mais para o 6. Coimbra, 1947.
sertão chamada de São Paulo”6 . 5 Vd. “Tratado Descritivo do Brasil em 1587” In Boletim Geográfico, nº 174,
O mesmo sentido não ocorre em Fernão Cardim (1964), que p. 319. Rio de Janeiro, 1963 onde se lê “... e no sertão d’ella tem grandes
sempre distingue apenas duas regiões no Nordeste, a costa e o ser- mattas de páobrazil”, em referência à costa, do Rio Sergipe até o Rio
tão, este sempre longe da costa e não dando nunca a impressão de ser Real.
terreno coberto pela floresta tropical litorânea. 6 Luis D’Alincourt escreve que “os primeiros vicentistas deram o nome de
Transcrevendo (1964: 461), temos as especificações desejadas: campo ao terreno de serra acima para o diferenciar das terras do
beiramar, os quais acharam muito cobertas de arvoredo” In Memó-
“... toda a costa de Pernambuco, que começa no rio de São ria sobre a Viagem do Porto de Santos à cidade de Cuiabá, p. 39. São Paulo,
1953.
Francisco para além, ..., e maior parte do sertão...”
7 Observação registrada “in loco” nos anos de 1964 e 1966. A mesma vale
para a anotada na Ilha Monte de Trigo.
E costa (1964: 463, 470) corresponde a marinha e beira-mar, 8 Em Búzios são chamados de “caipiras” todos os que habitam o continen-
em contraposição ao longínquo sertão: te, sendo considerado termo depreciativo.
ABSTRACT: The aim of this paper is to investigate if there is identity or difference between the Elementary School students and dictionarycultural
imaginary
PALAVRAS-CHAVE: Imaginário, identidade, escola.
Se compreender o simbolismo de uma sociedade é desvendar “Coube ao autor a iniciativa de tentar reconciliar a ciência com
as significações que ela carrega e sendo que o simbolismo pressupõe o sonho, entendendo que, na própria inovação tecnológica, está
o imaginário, nosso objetivo é investigar se há identidade ou diferen- presente a potência criadora da imaginação.” (Dagonet, 1986 )
ça entre o imaginário cultural de alunos do ensino fundamental, espe-
cificamente, alunos da 5ª ‘serie e dos dicionários e enciclopédias. Assim percebemos que o valor eufórico dado ao imaginário
Como o dicionário e a enciclopédia constituem o arquivo surge em várias áreas do conhecimento num momento em que se
cultural e léxico de uma sociedade, nossa investigação pretende ana- discute as certezas cartesianas que, no momento atual não são mais
lisar se esses alunos mantém ou alteram os paradigmas culturais e totalmente eficientes para explicar o mundo.
sociais em seus textos, por meio de estratégias de apagamento e Como afirmam Chevalier e Gheerbrant “ A imaginação já
explicitação dos intediscursos que permeiam seus textos. não é mais desprezada como a louca da casa. Está reabilitada, consi-
Também pretendemos revelar o papel da instituição escola na derada gêmea da razão, inspiradora das descobertas e do
formação desse imaginário cultural. progresso.”(1999:XII)
O tema do imaginário tem sido bastante discutido em várias Temos refletido sobre imaginário e para tanto, faz-se neces-
áreas do conhecimento neste fim de século, talvez porque estejamos sário explicarmos os termos imaginário, símbolo, uma vez que exis-
vivendo um momento de transição, de crise dos paradigmas tem muitas concepções diferentes desses termos.
Acreditamos que antes de definirmos o imaginário, faz-se
norteadores da vida do homem.
necessário entendermos o que seja representação.
Por muito tempo, o imaginário foi renegado. Para os filóso-
Segundo o dicionário Aurélio, representação [do lat.
fos antigos, a busca pela verdade estava relacionada a experiência
Representatione].......4. Reprodução daquilo que se pensa......9. Filos.
dos fatos, às certezas lógicas. Como a imagem não se reduz a ser
Conteúdo concreto apreendido pelos sentidos, pela imaginação, pela
verdadeira ou falsa, ela foi desvalorizada pelos lógicos.
memória ou pelo pensamento”( Aurélio,1986 :1489)
No século 17, privilegiava-se o racionalismo cartesiano e mais
Assim, podemos afirmar que a representação é um tipo de
uma vez o imaginário é excluído. tradução mental de uma situação exterior percebida e que o imaginá-
rio é sempre uma representação que pode manifestar-se por meio de
“O racionalismo cartesiano instituiu-se como método univer- imagens ou discursos.
sal de uma pedagogia do saber científico, podendo mesmo ser Contudo, esses discursos e imagens que representam o ima-
dito que os renomados estágios evolutivos positivistas são eta- ginário não são neutros no sentido de que eles sofrem influências
pas de extinção do simbólico”(Durand, 1989 ) socio-culturais, ou seja não há um pensamento ou idéia que não se-
jam influenciados pelas ideologias, como afirma Bourdieu (1982),
Percorrendo os vários momentos da história, percebe-se que o “as representações mentais envolvem atos de apreciação, conheci-
imaginário é confundido, considerado como sonho, loucura, delírio. mento e reconhecimento e constituem um campo onde os agente so-
Todavia, nem todos os pensadores da antigüidade renegaram ciais investem seus interesses e sua bagagem cultural.
veementemente o imaginário. Essas representações do imaginário irão existir nos símbo-
Platão reconhecia que nem todas as verdades poderiam ser com- los, ou como afirma Castoriades “o imaginário deve utilizar o simbó-
provadas logicamente e reconhecia a existência do mito, da alma. lico, não apenas para “exprimir-se”, o que é obvio, mas para “exis-
Assim, influenciado por Platão, alguns outros filósofos partem tir”, para passar do virtual a qualquer coisa a mais” (1986, :154), ou
para a defesa das imagens. seja, o símbolo pressupõe o imaginário e nele se apoia. Contudo, o
O cristianismo também pode ser considerado um momento autor complementa dizendo que isto não significa que o símbolo seja
importante de valorização do imaginário com a adoração das ima- apenas constituído pelo imaginário pois também possui um compo-
gens de Cristo e dos santos. nente “racional-real”.
Segundo Durand “ ...é pela imagem que a alma humana repre- Neste sentido, as sociedades constroem suas representações
senta com maior exatidão ainda as virtudes da santidade”. (Durand, coletivas e cada indivíduo irá apreender essas imagens e manifestá-
1998 :19) las nos seus discursos. Contudo, esta construção simbólica nas soci-
Há muitos outros momentos na história ocidental, já no século edades não são totalmente livres, uma vez que se baseiam no que já
XX, em que se observa uma tentativa de resgate das imagens: o ro- existe.
mantismo, o simbolismo, o surrealismo são exemplos de tendências Quanto ao termo imagem, segundo o dicionário Aurélio’:
de valorização do sonho e da imaginação. imagem: [Do lat. Image] S.F. 1. Representação gráfica, plástica ou foto-
Contudo, três momentos se fazem realmente notados: a psica- gráfica............8. Aquilo que evoca uma determinada coisa, por ter com
nálise , a antropologia e, o mais importante deles, as pesquisas de ela semelhança ou relação simbólica; símbolo.9. Representação mental
Bachelar. de um objeto de uma impressão....”(Aurélio,1986: 917-918)
RÉSUMÉ: Ce que je vais présenter ici, c´est une réflexion sur l´opinion préconcue souvent imposée dans l´inseigment de la langue portugaise.
PALAVRAS-CHAVE:Ensino,Língua Portuguesa,Preconceito.
No ensino da língua portuguesa pouca tem sido a atenção dada al, sujeita a “toda alteração da estrutura social” (Meillet, 1948), o que
à questão do preconceito que o falante enfrenta em certas situações pressupõe não somente o contexto verbal mas também o contexto de
de uso efetivo da língua. situação.
Temos observado,nesses muitos anos de ensino, que certos fa- Nessa perspectiva, a língua é apenas um conjunto de regras
tos lingüísticos são tidos como “problemas” para muitos alunos. Pen- abstratas e se compara a qualquer ciência “dita” exata, como bem
semos, por exemplo, no uso de um tempo verbal por outro: do imper- esboça Stálim (in Jakobson,1970:75):
feito pelo presente do indicativo. Não são poucos os falantes que já
se sentiram constrangidos ao fazerem uso do fato descrito e serem Neste sentido, a gramática se assemelha à geometria que ,
mal interpretados. com suas leis, abstrai-se a si própria dos objetos
Na verdade, quantos de nós não nos vimos diante de reprova- concretos,considera os objetos como corpos despojados de
ções como “quer ou não quer?”, “queria ou quer?”, “queria, não quer sua existência concreta e define suas mútuas relações não como
mais.” Quando expressamos um desejo através do imperfeito? relações concretas de determinados objetos concretos, mas
O que nos chama a atenção é que essa atitude conservadora, como relações de corpos em geral, isto é, como relações des-
entretanto, não reflete apenas a visão de alguns falantes. Muitos alu- tituídas de toda concretude.
nos universitários continuam encarando a língua como um fenômeno
isolado, descontextualizado, fora da situação de interlocução. Diante dessa situação, certamente o fato de o falante dizer, por
Ao nosso ver, para esses alunos, as abordagens teóricas que exemplo,droga viciosa ao invés de dizer droga viciante é apenas
concebem a linguagem como um instrumento de interação social, uma das várias “escorregadas” cometidas pelo usuário que “desco-
ação entre sujeitos “uma forma de ação interindividual, nhece” a regra gramatical.
finalisticamente orientada” (Kock,19970), são, no mínimo, tentati- A estranheza causada pela formação adjetiva viciosa, conside-
vas “confusas” de explicação de fatos da língua falada que a gramá- rando o contexto dado,mostra o teor do preconceito decorrente, ao
tica normativa “sabiamente” considera como erros. nosso ver, da pressão exercida pela tradição normativista que não
É muito comum ouvirmos de alunos queixas do tipo: “eu não deixa o usuário perceber que a linguagem se insere num cruzamento
sei como é que um aluno que será professor continua dizendo eu não de informações. Neste caso, o adjetivo teria sido usado numa reda-
vou não, estou indo embora, vou vir amanhã, entre outras observa- ção de vestibular, cujo tema motivador fora um texto jornalístico que
ções. noticiava que 38% dos jovens brasileiros fumantes começaram o ví-
Essas queixas nos revelam que o conservadorismo gramatical cio aos treze anos.
está cada dia mais forte.Daí BAGNO (1999:13) se expressar nos se- O uso da formação viciosa se justifica plenamente uma vez
guintes termos: que o falante depreendeu, a partir da estatística apresentada, que o
número de viciados é muito grande.Os adjetivos em –oso, em geral,
Parece haver cada vez mais, nos dias de hoje, uma forte ten- têm leitura “que tem muito” o que não acontece, em regra, com os
dência a lutar contra as mais variadas formas de preconceito, adjetivos terminados em –nte, cuja leitura é de “que (verbo)”. O
a mostrar que eles não têm nenhuma justificativa, e que são falante,nesse caso, eficientemente, condensou as informações para
apenas o resultado da ignorância, da intolerância ou da ma- melhor especificá-las.
nipulação ideológica. (grifo nosso) Infelizmente, porém, essa Naturalmente, o exemplo acima é apenas um dos vários casos
tendência não tem atingido um tipo de preconceito muito co- de “erros” que temos em português, mas é o suficiente para ilustrar o
mum na sociedade brasileira:o preconceito lingüístico.Muito efeito negativo de uma tradição escolar que enaltece a exceção, o
pelo contrário,o que vemos é esse preconceito ser alimentado particular, o idealizado.
diariamente em programas de televisão e de rádio, em colu- Para finalizar, gostaríamos de acrescentar que em nossas ob-
nas de jornal e revista, em livros e manuais de ensino que servações percebemos que o preconceito lingüístico é mais palpável
pretendem ensinar o que é “certo” e o que é “errado”, sem entre alunos de cursos ditos de “elite”, como Medicina, Direito, en-
falar, é claro, nos instrumentos tradicionais de ensino da lín- tre outros. Para esses alunos é muito difícil passar de um registro
gua: a gramática normativa e os livros didáticos. para outro ,ou seja, fazer a adequação lingüística.Ao nosso ver temos
aí pelo menos duas possibilidades: ou o falante não conhece outra
Como se observa, além do livro didático e da gramática variedade do português do Brasil ou acredita que fazendo a adequa-
normativa, o preconceito lingüístico é reforçado através dos meios ção lingüística não terá o prestígio social relativo à função profissio-
de comunicação em geral. nal. Alguns supõem que“se um médico falar igual ao paciente não
Com efeito, concordamos com o ponto de vista do autor citado terá a mesma credibilidade de outro que não o faz e pode até perder
porque acreditamos que um dos problemas mais graves no tocante à clientes porque fala errado”.
abordagem lingüística desses instrumentos consiste no fato de eles Tal posicionamento contraria um princípio inerente à lingua-
atribuírem à linguagem a propriedade única do poder de abstração, gem humana que afirma ser “a heterogeneidade parte integrante da
ao invés de percebê-la também como um fenômeno de interação soci- economia lingüística da comunidade e necessária para satisfazer as
ABSTRACT: Building on Whorf ’s Principle of Linguistic Relativity, this article aims at discussing issues of intercultural language use. By analyzing
examples of verbal aspect marking in English, German, Turkish, and Portuguese, it attempts to revisit Whorf ’s concepts of overt and covert categories in the
light of connectionist and pragmatic approaches.
PALAVRAS-CHAVE: Relatividade Lingüística, Lingüística Antropológica, Conexionismo, Pragmática
ABSTRACT: This paper discusses on how the audience influences in argumentative and rhetorical discourses. The theoretical basis for the work hereafter
is the New Rhetoric. The corpus to be analyzed is extracted from two articles about Northeast region of Brazil that were published in newspapers of other
different regions.
PALAVRAS-CHAVE: Discurso, Argumentação, Auditório, Mídia.
Como base teórica para este trabalho, têm-se os estudos de- Considerando que toda pessoa, ao argumentar, ao escrever ou
senvolvidos a partir da Nova Retórica ou Teoria da Argumentação falar o seu texto e defender uma tese, já tem em mente o auditório ao
(Perelman e Tyteca, 1996), cujas reflexões respaldam-se, entre ou- qual está direcionando o seu discurso, supõe-se, então, que qualquer
tros, nos estudos de Aristóteles (1998). Foi nessa teoria que se deli-
mitaram os conceitos de argumentação e auditório utilizados neste
ensaio. 1
A imagem que o orador deseja passar de si mesmo, ou o seu ethos, para o
A argumentação aqui é vista como uma ação humana, uma auditório, relaciona-se à que Aristóteles (1998: 07) apresenta, em sua Arte
ação que implica o ato de convencer o outro sobre a validade de uma Retórica, pois, para este filósofo, o orador deve fazer “crer que se encon-
opinião defendida; uma ação que, para ser efetivada, necessita de tra em determinadas disposições a respeito dos ouvintes, e, além disso,
uma interação entre o orador e o auditório. encontrar estes nas mesmas disposições a seu respeito”.
ABSTRACT: Man, power and language. Different histories? No. All those elements seem to be related in such a way that is impossible to isolate them. This
work intends to reflect on “man, language and power’, as an omnipresent and omnipotent trinity in all socially organized situations.
PALAVRAS-CHAVE: Homem, linguagem, poder.
0 - Introdução ser social, capaz de modificar esse mundo de acordo com suas neces-
sidades e/ou suas aspirações.
Homem. Poder. Linguagem. Histórias diferentes? Ou uma Por razões históricas, culturais, psicológicas, políticas, entre
mesma história fortemente entrelaçada, de forma que é quase im- outras, as necessidades e aspirações humanas são, geralmente, diver-
possível isolá-los e abordá-los distintamente? Onde está o homem, sas e é nessa busca de realização de seus diferentes desejos que nas-
está a linguagem; onde está a linguagem, está o poder. Tem-se as- cem as lutas sociais e surge assim o ambiente propício para o exercí-
sim uma trindade onipresente em qualquer situação socialmente cio do poder. Intrinsecamente ligado à linguagem, o poder se apro-
organizada, por mais corriqueira que está possa parecer. Inevitável veitará do signo para se fazer eterno. Como “um signo não existe
então será falar de qualquer um desses três elementos sem aludir, apenas como parte de uma realidade, ele também reflete e refrata
ainda que de forma indireta, aos outros. Assim será a proposta des- uma outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser lhe fiel, ou apreendê-
se estudo: um percurso por esta via tripartida - homem, linguagem la de um ponto de vista específico”, (Bakhtin, 1995: 32) o poder se
e poder – buscando, não só apresentar e discutir algumas questões beneficia dessas possibilidades fazendo do signo (e conseqüentemente
que definem o caráter coercitivo da linguagem, mas também res- da linguagem) um instrumento de sua expressão e expansão.
saltar determinadas formas de poder que se manifestam através da E isso é possível porque, segundo Bakhtin (1995: 46) “clas-
linguagem - como o silêncio e a censura - e que afetam diretamen- ses sociais diferentes servem-se de uma só e mesma língua”. O signo
te, e de certa forma determinam, as relações entre os indivíduos na ideológico, que emerge do processo de interação de uma consciência
sociedade. Servirá de suporte teórico para esta breve incursão teó- individual e uma outra, torna-se assim o lugar onde se dão as lutas de
rica, os pensamentos de Bakhtin (1995) e de Barthes (1978; 1993) classes . E a classe dominante, valendo-se do caráter deformador do
como principais fios condutores deste trabalho, além da contribui- signo, tenta torná-lo monossêmico - possuidor de um significado
ção de outros estudiosos como Orlandi (1987; 1995), Rodrigues único, no caso aquele que mais lhe convém - e colocá-lo acima das
(1985) e Citelli (1991), entre outros. diferenças de classe como uma das formas de preservar o seu poder.
Mas o que torna o signo, ou a palavra, tão importante e necessária à
1 - Linguagem: reduto e instrumento do poder manutenção e à difusão do poder nas relações sociais, em geral? Sem
Presente em todos os mecanismos de intercâmbio social como dúvida, é a sua ubiqüidade social, ou seja, sua capacidade de pene-
os grupos, as modas, os espetáculos, as relações familiares, o poder trar em todas as relações entre indivíduos.
é plural no espaço social e perpétuo no tempo histórico. Por mais
que se combata, ele nunca perece porque vive (ou sobrevive) associ- 2 - O poder e a censura
ado, de forma simbiótica, a um objeto ligado a toda história humana Se o poder é perpétuo e está presente na mais simples das
que é a linguagem (Barthes: 1978). situações quotidianas, pode-se dizer que, por mais democrática que
É possível inferir que só a extinção da linguagem faria desa- seja uma sociedade, ela conviverá, em maior ou menor intensidade,
parecer o poder. Por ser isso uma utopia e por fazer uso contínuo da com essa filha legítima do poder - a censura. Segundo Rodrigues
linguagem, como falante ou ouvinte, o homem está sempre exposto (1985): “A censura é uma das dimensões intrínsecas de qualquer
ao poder: seja ao poder político-econômico-ideológico que tem como sistema de poder” e enfatiza “... não existe sociedade sem censura”.
canal de expressão a linguagem; seja ao poder da própria linguagem Assim ela é instrumento dos regimes totalitários e o é também dos
na sua expressão obrigatória, a língua. regimes democráticos. Se em nenhum desses regimes ela é benéfica,
Falar de linguagem e poder implica falar em signos e ideolo- penso que a censura do poder totalitário é mais fácil de ser enfrenta-
gia, fato este que, neste quadro teórico, remete a Bakhtin (1995: 31) da, driblada, vez que ela é visível e sem máscaras. Já nos regimes
quando afirma: “Tudo que é ideológico possui um significado e re- democráticos ela é sutil, “difusa e amorfa, legitimada pelo rosto anô-
mete a algo situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é nimo das maiorias, pela categoria moderna do povo” (Rodrigues:
ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia”. Por essa 1985). É a censura que não faz calar determinadas vozes que inco-
afirmação pode-se perceber quão íntima e profunda é a relação lin- modam, mas é aquela que obriga a dizer.
guagem/ ideologia; relação esta que vai definir e/ou delimitar a for- Tanto é assim que o poder sobrevive atualmente da falsa liber-
mação da consciência individual do homem que, segundo o pensa- dade de expressão. Ele fala sempre em nome de uma maioria e dessa
mento bakhtiniano, “é um fato sócio-ideológico, ou seja, ela não forma exerce e expande seu controle e seu domínio. E faz isso através
pode derivar diretamente da natureza... A consciência adquire forma dos programas de TV, dos grandes acontecimentos esportivos, das gran-
de existência nos signos criados por um grupo organizado no curso des concentrações populares, como shows de cantores famosos e car-
de suas relações sociais”(1995: 35). E são esses, os signos constitu- navais fora de época, no caso do Brasil. A censura das sociedades
ídos num terreno inter-individual, socialmente organizado, que per- democráticas é uma censura que abomina o silêncio, justamente por-
mitem ao homem perceber o mundo ao seu redor e se definir como que ele é pleno de significação, como veremos mais adiante.
Procurou-se apresentar, pelo que foi dito até aqui, o poder 5 - Considerações finais
da língua, isto é, o poder existente na estrutura da língua, não, po-
Como em todo trabalho investigativo, neste também
rém, desligada do contexto social e seus elementos, pois como foi
há falhas, há lacunas e, inevitavelmente, em virtude do assunto trata-
visto anteriormente, essa ligação é intrínseca e inata. Mas quero tra-
do, há silêncios, há censuras e há poder, pois se trata de um ser hu-
tar ainda de outra forma de poder que a língua impõe ao homem, ou
mano falando da linguagem e do poder através da linguagem e a
seja, uma determinada visão de mundo que cada língua contém e que
imbricação desses elementos é tamanha que, se há delimitações entre
determina a maneira de o homem perceber e conceber a realidade
eles, são tão tênues que não as percebo mais. Percebo, porém, que
pois “cada língua ordena o mundo a sua maneira” (Fiorin, 1995:52).
eles existem porque eu (homem) existo, assim se eles se reúnem em
Dessa forma até a nossa consciência é imposta pela língua
mim, se sou a sua síntese, sou mais que todos eles e posso, no míni-
na medida em que ela nos impele a ver o mundo dentro dos seus
mo, questioná-los, de vez em quando.
moldes. Assim, uma mesma realidade pode ser percebida de manei-
ras diferentes por homens que falem línguas diferentes; o que em
Referências bibliográficas
português pode ser visto como duas cores distintas, em japonês po-
dem ser matizes de uma mesma cor. Corrobora esse ponto de vista BAKHTIN, Mikhail (V. N. Volochinov). Marxismo e filosofia da
Barthes (1978: 141), quando afirma que “... é precisamente por in- linguagem. 7. ed., São Paulo: Hucitec, 1995.
termédio de seus signos que nós percebemos esse mundo, e a nossa BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1978.
percepção é por isso deformada, orientada, guiada pela ideologia _________. O prazer do texto. 3 ed., São Paulo: Perspectiva, 1993.
da classe dominante”. E como se não bastasse, a língua tem também CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. 6. ed., São Paulo: Ática,
a capacidade de influenciar o comportamento humano através dos 1991.
estereótipos que a sociedade transmite ao homem e que determinam EPSTEIN, Isaac. Gramática do poder. São Paulo: Ática, 1993.
certos modos de pensar e agir, como o preconceito contra os negros, FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. 4. ed., São Paulo: Ática,
os pobres, as prostitutas, por exemplo. 1995.
É o que permite que certas palavras admitam conotações ORLANDI, Eni P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do
positivas ou negativas: branco, rico, educado são exemplos de valo- discurso. Campinas: Pontes, 1987.
res positivos e por isso largamente utilizados nos mais diversos con- ________________. As formas do silêncio: no movimento dos sen-
textos; já negro, comunista, empregada, terceiro mundo têm fortes tidos. 3 ed., Campinas: Editora da Unicamp, 1995.
sentimentos negativos e são usadas, muitas vezes para hostilizar e RODRIGUES, Adriano Duarte.”As máquinas censurantes modernas”.
discriminar. Parece correto, então, afirmar que o poder da língua Revista de comunicação e linguagem. Lisboa: Nº 1, 1985.
manifesta-se também no léxico quando impõe uma valorização posi- VASCONCELOS, Otília Maia. Dinâmica da relação linguagem x
tiva ou negativa às palavras. Isso as tornam presas fáceis dos deten- poder: a linguagem enquanto forma de autoritarismo e repres-
tores do poder sócio-político-econômico para as manipularem de são. Graphos. Revista de Pós-graduação em Letras da UFPB,
acordo com seus interesses e assim transmitirem as suas visões de João Pessoa: Ano I, Nº 1, 1995, p. 101-4.
mundo, que acabam por entranharem-se na consciência de todos, de
ABSTRACT: This work analysis teacher/mediator’s contribution to form thinking abilities during reading activities in first language teaching. The observation
in classroom shows that the teacher assumes a relevant role in the process of learning development.
PALAVRAS-CHAVE: Educação, Linguagem, Leitura
ABSTRACT: This paper aims to discuss the way Linguistics and Philosophy of Language are related along language studies.
PALAVRA-CHAVE: Filosofia da Linguagem, Lingüística, uso, ideologia.
0 – Introdução
1.4 – Filosofia Analítica
A relação entre a Lingüística, enquanto ciência da linguagem,
e da Filosofia da Linguagem, enquanto abordagem reflexiva em tor-
A Filosofia Analítica aponta para perspectivas deferentes de
no do significado destaca-se por uma série de acepções concernentes
perceber a linguagem. Em alguns casos sugere a analise introspectiva
ao alcance tanto de uma como de outra. O objetivo desse estudo é
dos conceitos, conforme defende Frege (1971), a ponto de se consta-
ressaltar as semelhanças e diferenças entre a Lingüística e a Filosofia
tar uma conceitografia matematizável da língua natural. Mas os prin-
da Linguagem, ressaltando as contribuições que cada um desses cam-
cipais estudos no âmbito analítico consideram os uso e funções da
pos de estudos têm dado às reflexões sobre os usos e funcionamentos
linguagem no contexto. Como aponta Wittgenstein, a linguagem é
da linguagem.
uma atividade que se realiza na compreensão que os usuários têm do
mundo, e conseqüentemente, dos jogos da linguagem.
1 – O Interesse do filósofo pela linguagem
2. Filosofia da linguagem e lingüística
Independente do campo de estudo, os filósofos, ao longo da
história do pensamento humano sempre demonstraram interesse pelo
Diante da diversidade e complexidade no âmbito dos campos
estudo da linguagem. Dentre esses ramos, Alston (1972) destaca:
dos estudos filosóficos, direciona para a utilização do termo “Filoso-
fias”. Essa postura evita a restrição da filosofia e reconhece suas
1.1 – A Metafísica
múltiplas funcionalidades no processo de construção do conhecimen-
Os filósofos sempre tiveram uma preocupação com os fatos to. No que diz respeito aos estudos lingüísticos, existe dificuldade
fundamentais dos aspectos básicos da linguagem que usamos para para a delimitação de investigação no próprio contexto filosófico.
falar a respeito do mundo. Para explicar tal relação, os pensadores Alguns estudiosos defendem fazer Filosofia da Linguagem, outros,
tentaram categorizar as entidades com suas respectivas representa- Filosofia Lingüística. Da mesma forma que a Filosofia, o termo “Lin-
ções. Platão (1973), em Crátilo, por exemplo, reflete sobre a naturali- güística”, talvez, merecesse o acréscimo do “s” de plural face às suas
dade e a convencionalidade dos nomes. Na República, ele diz: “sem- alterações e ramificações que se aviltaram ao longo da história.
pre que um determinado número de indivíduos tem um nome co- Abaixo, foram destacadas algumas definições de dicionários
mum, supomos que tenham também uma idéia ou forma correspon- terminológicos das áreas específicas da Filosofia e da Lingüística.
dente”. Esse problema acompanha todo o percurso da história filosó- As entradas apresentadas mostram a complexidade na definição do
fica, passando pelas diferentes acepções do modo de se ver o mundo, escopo dessas áreas de conhecimento:
pendulando da perspectiva idealista para a materialista, incluindo as
contribuições fenomenológicas. a) Filosofia da Linguagem – nome dado à tentativa geral de
compreender os componentes de uma linguagem efetiva
1.2 – A Lógica mente usada, a relação que o locutor discernente tem com
seus elementos e a relação que estes têm com o mundo (cf.
No estudo das inferências, a validação e o falseamento dos ar- Blackburn, 1997).
gumentos retóricos receberem tonalidade contundente, principalmente b) Filosofia Lingüística – designação não muito satisfatória
nos estudos de Aristóteles. Nos seus argumentos sofísticos, ele res- do método filosófico que consiste em tomar a linguagem, e
saltava a necessidade do reconhecimento da validação dos enuncia- não aquilo sobre o que a linguagem fala diretamente, com o
dos. Esse processo dependia da análise das premissas e de suas con- dado primitivo. A idéia chave é que só através de uma apre
clusões. Esse tipo de análise aponta para uma abordagem crítica no ciação correta do papel e dos objetivos dessa linguagem
tocante aos usos da linguagem. podemos vir a ter uma melhor concepção daquilo de que a
linguagem fala, evitando assim as simplificações e distorções
1.3 – Conhecimento apriorístico (cf. Blackburn, 1997).
c) Lingüística – Estudo da linguagem humana, mas considera
A Epistemologia tenta explicar a possibilidade e as formas de da na base da sua manifestação como língua (cf. Câmara,
conhecer ou apreender a realidade. Nesse contexto, há uma tendência 1977). É o estudo da língua com um sistema de comunica
de alguns filósofos para aspectos inatos do conhecimento. Descartes ção humano. A lingüística abrange um campo variado com
foi um árduo defensor da inerência exclusivamente humana da lin- diferentes abordagens e áreas de investigação, tais como a
guagem. Esse tema foi posteriormente ressaltado por Chomsky (1972) fonética, fonologia, sintaxe, semântica, pragmática, funções
numa abordagem gerativista, na qual a linguagem, caracteriza-se pelo da linguagem (cf. Richards et alli., 1996). Nos dias
seu aspecto produtivo, portanto, inato ao ser humano. atuais, após um período de fundação caracterizado por uma
Este trabalho pretende contribuir para o estudo da argumenta- Charaudeau (1992:779-838) –, a interpretação mais plausível, a nos-
ção na imprensa brasileira. Visa especificamente: (1.o) a demonstrar so ver, é que falta informação ao locutor para tomar posição. É como
que é cada vez menor a preocupação dos editorialistas do JORNAL se a esse tipo de argumentação faltasse um dos ingredientes da argu-
DO BRASIL e da FOLHA DE SÃO PAULO em persuadir os leito- mentação completa, a saber, a tomada de posição. É de esperar que
res da “veracidade” das teses “defendidas” em tais textos; (2.o) a a atitude “ponderada” (de quem fica neutro em relação á proposta,
identificar – ou pelo menos hipotetizar a respeito – do significado pesando “prós” e “contras”) seja a exceção, e não a regra.
dessa tendência.
Ora, os editoriais dos órgãos de imprensa de nível nacional
Segundo Charaudeau (l992: 783), para que haja argumenta- – tanto na França quanto no Brasil, a julgar pelo que diz
ção é preciso que exista: Charaudeau e pelo que observamos no JORNAL DO BRASIL e
na FOLHA DE SÃO PAULO – caminham ou para uma
• “uma proposta cuja legitimidade seja possível pôr em questão”; peseudopersuasão em defesa de teses ora consensuais ora vagas,
• “um indivíduo que tome posição relativamente a esse ou para a pura e simples ponderação: atitude, como vimos, de
questionamento”; pesar “prós” e “contras”, sem tomar posição. Repetimos:
• um indivíduo, grupo, instituição etc. – “alvo da argumenta problematizam sem verdadeiramente persuadir.
ção” – a quem o primeiro deseja persuadir.
No editorial do LE MONDE de 19 de janeiro de 1998, intitulado
Em outro trabalho – Charaudeau (1997) – aponta o autor a “L’urgence sociale”, para citar um exemplo francês, a tese é que “di-
natureza paradoxal no contrato comunicativo da mídia, resultante ante da urgência social, os que nos governam estão intimados a in-
de um triplo compromisso: com a “veracidade” da informação, com ventar [uma solução para o problema do desemprego]” [“Face à
a cidadania e com a faceta comercial da máquina midiática. l’urgence sociale, ceux que nous gouvernent sont sommés
d’inventer.”]
Com a “veracidade”, porque o público espera que haja uma
ralação de transparência entre a “realidade”, isto é, os fatos em esta- O alvo da crítica – aliás uma crítica tão branda que não chega
do bruto, e o conteúdo da informação veiculada. Faltar a esse com- a comprometer a face do criticado – é, nesse caso, uma entidade vaga
promisso é comprometer a confiabilidade do órgão veiculador. e abstrata chamada “governo”, a qual, embora como instituição não
Distorcer é diferente de mentir. Se morreram três pessoas num aci- possua os atributos de abstração e vaguidade, como actante, no dis-
dente e o noticiário diz que morreram trinta, trata-se de informação curso jornalístico, com freqüência os adquire.
falsa, e não da distorção “natural” da mídia. Distorcer é permitido,
mas dentro de certas regras, uma das quais, é claro, é não assumir Nos editoriais do JORNAL DO BRASIL da FOLHA DE SÃO
que se está distorcendo. PAULO se nota, ainda que de maneiras diferentes, uma tendência ao
que estamos denominando pseudopersuasão.
O compromisso com a cidadania – diz o autor – decorre do
fato de a imprensa (seja a televisiva, a radiofônica ou a escrita) ter Rosa (1999) registra nos editoriais do JB que analisou (de no-
uma “missão” educativa, isto é, ser porta-voz da moral social. vembro e dezembro de 1994) uma incidência significativamente maior
do que nos da FOLHA (do mesmo período) do que ele denomina
Quanto ao compromisso comercial, é evidente: a mídia léxico engajado, ou sejam, itens lexicais pejorativos e meliorativos.
radiofônica e a televisão vivem de audiência e o jornal, de seus anún- Nascimento (1999) constata uma baixa incidência de concessões e
cios, que sem leitores deixarão de existir. restrições em editoriais do JB cujas datas vão de outubro de 1996 a
novembro de 1997.
Ainda segundo Charaudeau (1997), nos comentários da im-
prensa francesa hodierna de nível nacional (isso não vale para os Imaginemos uma escala que vá da argumentação tipicamente
órgãos midiáticos de província) existe problematização sem que demonstrativa à tipicamente polêmica, segundo a classificação de
exista persuasão, o que se deve, segundo ele, ao triplo compromisso Charaudeau (1992:779-838), que entende como demonstrativa a que
de que acabamos de falar. A mídia se vê numa espécie de dilema. apresenta um alto grau de apelo à razão do interlocutor (compromis-
Informar por informar não faz sentido. O comentário da informação so com a “paralogicidade”), como faz o geômetra ao demonstrar um
é a razão de ser desta e comentário implica juízos de valor (cf. preo- teorema, e como polêmica a que, ao contrário, embora apelando
cupação com a moral da sociedade), logo é preciso problematizar. também à razão (pois do contrário não seria argumentação) o faz de
modo menos intenso, com forte dose de emocionalização dos argu-
Ocorre que, quando problematizamos, isto é, quando enunci- mentos, num clima mais passional.
amos aquela “proposta cuja legitimidade seja possível pôr em ques-
tão”, o normal é tomarmos posição com relação a ela. É próprio da Os editoriais do JORNAL DO BRASIL se aproximariam mais
comunicação humana – lembra o autor – que o locutor procure trazer do extremo “polêmico”, ao passo que os da FOLHA DE SÃO PAU-
para seu universo mental o interlocutor. Quando isso não ocorre, LO ficariam, comparativamente, mais próximos à extremidade “de-
como no tipo de argumentação que ele denomina ponderada – cf. monstrativa”. Note-se que a menor incidência de léxico engajado é
Diante de uma peça de oratória do tipo “discurso ornado”, como “...cuando una lengua de este tipo sufre un cambio cultu-
ABSTRACT: Considering the semantic notion of connection (Van Dijk:1977) as a fundamental topic for the construction of propositions, this work - based
on advertising texts taken from written media – analyses disjunction mechanisms under Ducrot’s argumentative macrosyntax (1977) and Charaudeau’s
semiolinguistic logic relations (1992), focusing not only inclusive and exclusive, but also argumentative and logic disjunction.
PALAVRAS-CHAVE: Conexão, Disjunção, Texto Publicitário
(a) Pedro está em casa para acender as luzes, Para Charaudeau (1992:799), o emprego de ou...ou insere-se
(b) ou alguém acendeu as luzes. num raciocínio dedutivo ou explicativo, que coloca em oposição duas
relações argumentativas, deixando a possibilidade de escolher entre
Sweetser (1990:94) considera epistêmico o emprego de ou, as duas, ou mostrar a incompatibilidade que resultaria da conjunção
em frases como (9). A compreensão do enunciado envolve a noção das mesmas.
de “conhecimento de mundo partilhado”, isto é, a noção de tópico de
conversação, ou tópico de discurso necessária para a conexão de Pode referir-se:
sentenças: enquanto um dos elementos disjuntos deve ser verdadeiro - a uma simples incompatibilidade:
(em algum mundo atual, ou pretendido), ambos disjuntos devem es- (17) “Celulite. Ou você cuida. Ou esquece...” Ana Pegova
tar conectados com o mesmo tópico de conversação (Van (CARAS, 04-06-99)
Dijk,1977:66). - a uma escolha entre positivo e negativo:
(18) “Ou você tem ou não tem”. Chivas Regal scotch (VEJA,
2.3 A disjunção na ótica de Charaudeau 21-11-98)
- a uma escolha entre duas negativas (dilema negativo):
A disjunção não é focalizada pela Tradição Gramatical. Fala- (19) Ou reduzimos seu salário, ou você aumenta sua carga
se na conjunção ou, incluindo-a entre as coordenativas, para expres- horária de trabalho.
sar alternância. No entanto, a disjunção é uma relação que possui - a uma escolha entre dois positivos (dilema positivo):
características próprias. (20) Ou aumentamos seu salário e você passa a ganhar mais,
Para que a disjunção ocorra, são necessárias certas condi-
ABSTRACT: Publicity discourse aims at promoting interaction in which present ideology is reproduced in a social sample, reflecting the process and
conditions of the production of enunciation. The choice of linguistic forms and arguments is determined by the image which the speaker makes of the
receiver. The intent is to identify the constitution of this discourse.
PALAVRAS-CHAVE: Lingüística - análise - discurso - argumentação
A teoria da Análise do Discurso surgiu em uma conjuntura seus componentes uma ou várias formações discursivas; essas, por
política, filosófica e psicanalítica que permeava as regiões do conhe- sua vez, provêem de condições específicas e determinam o que pode
cimento na França dos anos 68-70. Esse projeto de análise se inscre- e o que deve ser dito. O sentido de uma palavra se constitui no inte-
via em um objetivo político que utilizou o arcabouço científico da rior da formação discursiva em que ocorre, de acordo com as rela-
lingüística como meio para abordagem da política. Pêcheux e Fuchs ções que mantém com outras palavras da mesma formação discursiva.
(1990) apontam para as seguintes regiões do conhecimento sobre A Análise do Discurso, portanto, postula a inconsciência dos sujei-
cuja articulação a Análise do Discurso se institui: a) o materialismo tos envolvidos em uma interação discursiva, porque os sujeitos ocu-
histórico, como teoria das formações sociais e suas transformações, e pam posições pré-estabelecidas pela formação social a qual perten-
da ideologia; b) a lingüística, teoria dos mecanismos sintáticos e dos cem, e enunciam um discurso já dito, não sendo eles a origem do seu
processos de enunciação; c) a teoria do discurso, como teoria da discurso o qual é produzido segundo as condições sociais e ideoló-
determinação histórica dos processos semânticos. Pêcheux (1990) gicas determinantes e dominantes.
sintetizou em três etapas o percurso evolutivo da Análise do Discur- Para ilustrar a constituição de um processo enunciativo, esco-
so: a primeira procura definir o caráter institucional do discurso; as lhemos o discurso publicitário que por representar um aparelho ide-
seqüências discursivas são analisadas a partir de um espaço discursivo ológico institucional e por ser um veículo de comunicação social,
que são as condições de produção. A segunda etapa caracteriza-se busca a interação, reproduzindo a ideologia vigente em um recorte
pela introdução do conceito de formações discursivas oriundas de social, refletindo, dessa forma, o processo e as condições ideológicas
Michel Foucault. Pêcheux define uma Formação Discursiva como de produção da enunciação discursiva. O texto publicitário, pela sua
aquilo que numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma finalidade específica de atingir um determinado público com o obje-
posição numa conjuntura específica, delimita o que pode e o que tivo de passar uma imagem e uma idéia e, consequentemente, fazer o
deve ser dito. A terceira traz para a Análise do Discurso o sentido de consumidor adquirir certo produto, se constitui como um discurso
heterogeneidade enunciativa, considerando o discurso uma arena de persuasivo, de convencimento, formado a partir de representações e
vozes que interpelam o falante como sujeito, assujeitando-o por pen- de valores imaginários de uma sociedade, procurando interpelar o
sar dizer o novo , o inusitado quando , na verdade, ele repete o dis- seu interlocutor, transformando-o em sujeito conduzido pelas nor-
curso instituído pelo interdiscurso. Segundo Maingueneau (1987), a mas sociais, culturais e ideológicas vigentes. Para esse fim, o discur-
Análise do Discurso francesa se relaciona com textos produzidos no so publicitário além de manipular estratégias visuais, de imagem, de
quadro de instituições, e os interesses da Análise do Discurso cor, de formatação, entre outras, utiliza de estratégias lingüísticas e
correspondem ao que se denomina por formações discursivas, con- argumentativas. A escolha das marcas lingüísticas e da composição
ceito que Michel Foucault (1969) entende como sendo um conjunto dos argumentos é determinada pela imagem que o locutor faz das
de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no convicções do seu interlocutor, a imagem que ele possui do outro.
espaço que definiram em uma época dada, e para uma área social, Essas escolhas, portanto, são determinadas pelas condições de pro-
econômica, geográfica ou lingüística dada, as condições de exercício dução do discurso: a instância discursiva em que o discurso ocorre, a
da função enunciativa. Nessa perspectiva, segundo Maingueneau formação ideológica do locutor, a situação comunicativa onde ele se
(1987), entende-se a enunciação do sujeito de um discurso como a encontra, em que momento histórico se fala, qual a imagem que o
locutor faz do seu interlocutor, de sua formação ideológica e
representação de a uma certa posição sócio-histórica onde os
discursiva.
enunciadores se mostram cambiáveis; o discurso institui-se no interi-
Neste trabalho, o interlocutor ou co-enunciador (Maingueneau,
or de relações ideológicas, que, segundo Althusser (1989) constitu-
1998) é o público feminino, que se constitui em um gênero específi-
em-se em Aparelhos Ideológicos de Estado que manifestam cons-
co do discurso publicitário, com representações ideológicas própri-
truções imaginárias que procuram representar a relação do indiví-
as, estabelecidas pelo percurso histórico, social e cultural da mulher
duo com as suas relações reais de existência. A ideologia, portanto, é
na sociedade brasileira contemporânea. Através da análise de alguns
uma das formas de assegurar a reprodução das condições de produ-
textos publicitários voltados para o público feminino (confirmados,
ção, seu papel é manter os sujeitos comportando-se segundo a ordem
também, pela imagem da mulher impressa no texto), propagandas do
estabelecida e as normas vigentes ou seja a ideologia dominante, isto sabão em pó Ariel, visamos a identificar como esse discurso
acontece através dos Aparelhos Ideológicos do Estado como o apa- institucional se constitui a partir da identificação dos valores, dos
relho religioso, o da escola, o político, o familiar, e o da imprensa. A acordos ideológicos, dos lugares sociais, das crenças e das marcas
ideologia age transformando indivíduos concretos em sujeitos, con- lingüísticas que participam do jogo argumentativo discursivo.
forme Althusser (1989) a ideologia interpela os indivíduos enquanto
sujeitos. Pêcheux retoma e estende as idéias de Althusser para integrá- Texto publicitário nº 1
las a uma teoria do discurso segundo a qual as formações ideológicas
se constituem por representações e atitudes que se confrontam em “Com a virada do milênio, certas coisas deveriam ser tomba-
uma formação social, refletindo as lutas de classes e tem como um de das pelo patrimônio histórico. Seu tanque, por exemplo.”
ABSTRACT : This paper, based on the French Discourse Analysis, examines rhetorical questions collected from teachers from a public (state) school and
from a private one. The aim is to verify to which extent these questions function as a sort of power strategy determined by an authoritarian discourse.
PALAVRAS-CHAVE : Discurso, interação, perguntas retóricas.
Introdução discurso. É justamente através de seu discurso que ele controla a sua
classe e, com ela, todas as manifestações orais e até não orais dos
Nesta comunicação, pretende-se analisar o discurso do pro- alunos, podendo decidir o que é possível de ser dito e o que não é
fessor em sua interação de sala de aula, a partir das perguntas que ele possível.
faz ao aluno sem esperar respostas: as perguntas retóricas. A pesqui- O discurso do professor em sua sala de aula é um discurso de
sa é feita em duas turmas de sexta série do Ensino Fundamental Me- poder, pois ele funciona como agente repassador das normas veicu-
nor, no município de Maceió, estado de Alagoas, sendo uma turma ladas pela instituição escolar e, para tal, encontra-se investido de
da rede pública e outra da rede particular de ensino. uma autoridade que lhe outorga o papel de difusor das idéias domi-
Para efeito deste trabalho, considerou-se um corpus com- nantes na sociedade da qual faz parte, além de lhe atribuir a função
posto por quatro aulas de Ciências escolhidas aleatoriamente. Nes- de controlador das atividades do aluno.
sas aulas, foram levantadas cento e sessenta e nove perguntas, cento Gnerre (1998:05) afirma que as pessoas falam pelos mais
e trinta e sete referentes à rede particular e trinta e duas referentes à diversos motivos: para serem ouvidas, respeitas e até para exercer
rede pública. influência no ambiente em que realizam atos lingüísticos. Assim,
Este estudo tem suas bases centradas na linha francesa da quando o professor fala, comunica não apenas conteúdos, mas rea-
Análise do Discurso, que trabalha com as condições de produção da firma sua posição de autoridade e esse discurso influencia o seu
linguagem, vinculada a instituições sociais. interlocutor, o aluno.
O discurso das salas de aulas observadas é baseado numa
relação hierárquica em que o professor possui a maior quantidade de
Pressupostos Teóricos turnos, além destes serem mais extensos que os turnos dos alunos.
Essa posição assumida pelo professor desenvolve no aluno “ (...)
Segundo Orlandi (1996:29), o discurso pedagógico é visto uma atitude passiva e subjuga as suas falas a respostas sobre o que
como científico e se mascara sob a forma de transmissor de informa- lhe é autorizado falar (...)” (Uchôa, 1996:113).
ção. Além disso, tal discurso se caracteriza como um discurso auto- Nas interações observadas, o diálogo entre os interlocutores
ritário perpassado de poder, poder esse que é garantido pela institui- (professor e aluno) vai sendo construído aos poucos, perpassado aqui
ção que o financia: a escola. Daí porque o professor é visto quase e ali por uma pergunta retórica isolada ou por várias delas ao mesmo
sempre como “(...) agente exclusivo e direcionador do saber, além de tempo. A pergunta retórica se configura como um tipo especial de
responsável pelo controle da interação” (Santos, 1999:07). pergunta, pois, pelo menos em tese, toda pergunta é feita esperando
Marcuschi (1995:86) lembra “que as relações de poder entre resposta geralmente de outrem. Neste trabalho, tais perguntas apare-
os indivíduos na vida social não são um fator genético, (...) mas um cem como um artifício usado pelo professor para encaminhar o raci-
fato empírico, uma realidade social, desenvolvido histórica e cultu- ocínio do aluno, para despertar a sua atenção, como se poderá obser-
ralmente”. var nos exemplos que seguem.
Orlandi (2000:21), retomando Pêcheux (1969 apud A aula destacada ocorreu na escola pública observada, na qual
Orlandi,1996), concebe o discurso como “efeito de sentidos entre o professor questiona sobre um ponto do conteúdo e depois olha
interlocutores”. Para a autora, este conceito rompe com o esquema para a turma esperando por uma resposta. Alguns alunos se calam,
de comunicação tradicional em que cada elemento do processo tem mas o aluno L5 responde algo considerado inadequado e é corrigido
um papel determinado a exercer de forma estanque. Assim, o discur- por um colega e pelo professor. Após a correção, L5 assume uma
so vai além da mera transmissão de informações, pois os sujeitos, no posição de defesa curvando-se para a frente e inclinando um pouco a
complexo processo de construção do sentido, são afetados pela lín- cabeça para baixo:
gua e pela história (Orlandi, Idem).
Entende-se por interação “(...) uma ação entre o produtor e o (01) “L1 – (...) Como característica deste reino... nós veremos O
receptor do texto” Travaglia (1997:69). A interação tratada nesta pes- QUÊ? só organismos unicelulares...o que são organismos
quisa se caracteriza como assimétrica, uma vez que o professor pos- UNIcelulares? ((olha a turma no geral.))
sui mais espaço nas trocas dialógicas com o aluno, o que sinaliza o L2 L3 L4 – ( )
seu poder sobre aquele. L5[ mais de uma célula
Esse tipo de problema decorre do tipo de discurso assimétrico (03) “L1 – (...) os nomes não são escolhidos à toa ...quem
que permeia a sala de sala. Na verdade, o professor precisa ser um escolhe esses nomes científicos? São os cientistas que primei
bom articulador para dar conta de uma tarefa tão delicada: passar o ro desco:brem ...”
conteúdo de modo eficiente e conduzir o seu relacionamento com
vários alunos ao mesmo tempo. (Corpus, Aula 01, p.10)
O professor desempenha o papel de repassador da “verdade”.
Verdade esta que é construída ideologicamente, senão forjada, pelo Aparentemente, o exemplo parece negar o que se disse aci-
poder da própria instituição social escolar. Na amostra analisada, ma, entretanto o que fica evidenciado, na verdade, é que o professor
todo o tempo o seu discurso traduz um esforço para repassar o con- valoriza a sua fala ao fazer referência a uma informação dita científi-
teúdo programático (visto como verdade absoluta e incontestável), ca, mas, ao mesmo tempo, não se compromete tanto, pois cita possí-
tentando conferir-lhe a marca de autenticidade ao buscar definir e veis autoridades que se constituem de modo universalizado e pouco
explicar tais conteúdos, efetuando o que Orlandi (1996:17) denomi- palpável. Afinal, quem são estes cientistas? Tal informação não é
na de “inculcação”. É o que ilustra o exemplo seguinte: explicitada.
Ao se analisar as pergunta retóricas, é preciso distinguir en-
(02) “L1 – é ...((depois da intervenção de L2, a professora fará a tre as que já são formuladas para serem respondidas pelo próprio
introdução da aula do dia recapitulando a aula anterior.)) na professor e aquelas que se tornam retóricas ocasionalmente, através
aula passada fizemos O QUÊ? A leitura de reconhecimento da não participação dos alunos por meio de respostas. Certamente
SOBRE divisão dos seres vivos ...CERTO? VOCÊS ...grifan isso acontece porque o aluno não está motivado a participar oral-
do...(( neste momento L1 faz uma pausa e procura algo mais mente do momento da interação ou mesmo porque não sabe a res-
específico no material que arrumava anteriormente. Durante posta esperada pelo mestre e tem medo de ser inadequado. Sobre
este tempo os alunos conversavam entre si e, dois dos alunos isso, observe-se o exemplo abaixo:
que se encontram mais próximos da professora brincam todo
o tempo trocando bolinhas de papel.)) grifando as estrutu 04) L1 – sim ...bom... o primeiro reino ...nós vimos o quê? que
ras... ou/.../ as informações que consideram O QUÊ? que con era o reino... ( ( L1 não faz uma pergunta direta. Ela espera
sideram importantes...certo? que os alunos completem sua frase.)) MONERA né isso”
L3 – que pá:gina professora? (( L3 faz a pergunta e a profes
sora parece não ter ouvido ou não deu importância à sua inda (Corpus, Aula 08, p.84)
gação.))
L1 – PARTIN:DO ...pssiiuu ... (( a professora pede silêncio O uso intenso de perguntas retóricas durante a aula, direta ou
usando um som onomatopaico e dirige-se para o fundo da indiretamente, provoca o assujeitamento do aluno ao que está sendo
sala, olhando fixamente para alguns alunos como se os ob dito ou proposto, pois ele não escolhe o que vai dizer (quando lhe é
servasse.)) PARTINDO da idéia de que para classificar os se permitido dizer alguma coisa), mas a escolha é determinada pelo
res ...certo? para entender melhor os seres ...” interlocutor que faz as perguntas. Por isso, ao respondê-las, o pro-
(Corpus, Aula 03, p.64) fessor tolhe a oportunidade de o seu interlocutor agir na interação.
Daí o assujeitamento.
O que se pode perceber é que há, inclusive, a tentativa de
reforçar o significado da aprendizagem, firmando ainda uma espécie Conclusão
de parceria ao utilizar o verbo na primeira pessoa do plural “fize-
mos”. Há ainda a suposta delegação ao aluno da responsabilidade Assim, o professor se constitui na autoridade que administra
pela seleção do material que seria importante, uma vez que este, ao o desenvolvimento das atividades de sala de aula. Ele está quase
grifar as estruturas, tornou-as importantes. É a parcela de status de sempre ocupado em repassar o conteúdo das aulas de Ciências,
que o estudante precisa para se pensar com poder suficiente, a ponto usando estratégias, como as perguntas retóricas, para manter o tur-
de participar diretamente de tarefas importantes delegadas a ele pelo no em seu poder a maior parte do tempo, a fim de garantir o que foi
professor. O fato da tarefa importante ter sido delegada pelo profes- planejado e acelerar o ritmo da aula – o que pode despertar ou não
sor já assegura a afirmação de seu poder. É sabido que o professor a atenção do aluno.
também já assimilou essa estrutura de poder, adotando-a, muitas ve- O discurso dos professores das salas de aulas observadas se
zes, até de forma inconsciente, sendo seduzido pelo prazer de efetuar caracteriza como um discurso de poder, poder esse que não se cons-
bem o seu papel e de provocar a adesão e o reconhecimentos pacífi- titui em algo inerente ao ser, como se fosse gerado por algum fator
cos do aluno. Dessa forma, a estrutura de dominação se reproduz na genético (Cf. Marcuschi, 1995:86), mas provocado pelo tipo de rela-
ABSTRACT: According to the French Discourse’s Analysis Theory, the traditional scholar discourse about how teaching Portuguese is analysed in
high school students’ enunciations. This traditional discourse governs the greater number of the students and has his knowledge’s domain increased
by the authoritarian pedagogical discourse.
PALAVRAS-CHAVE: discurso, formação discursiva, norma normativa.
ABSTRACT: This paper, based on the French Discourse Analysis, examines statements collected from teachers from a public (state) school in Salvador,
Bahia. The aim is to verify which aspects of the Portuguese teaching are considered important for the student’ formation as competent users of their native
language.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Língua Portuguesa. Análise do discurso
ABSTRACT: The speech humoristic that revests of signification the Bundas Magazine’s texts, brings in its salience of silency a denunciation, a critique, an
irony that are said in no-said, doing the production of various senses in the movement to say and to no-say.
PALAVRAS-CHAVE: memória discursiva, silêncio, discurso, sentido.
Considerando o papel da linguagem como criadora da imagem divisões, de disjunções, de conflitos de regularização.... Um
do mundo, do produto social e histórico, e enxergando-a como ativi- espaço de deslocamentos, réplicas, polêmicas e contra-dis-
dade prática do homem e ainda que contém a capacidade de veicular cursos.
o componente de visão de mundo, procuramos descobrir os sentidos
que circulam num texto. Estes sentidos que se fazem opacos porque É, pois, nas bordas do transcendental histórico que os sentidos
se ocultam na linguagem, devem ser investigados com olho plural; são móveis e podem significar e resignificar através do movimento
sentidos estes que a linguagem omite em sua opacidade. Ler e com- de deslocamentos, de retomadas do pré-construído, do já-dito que se
preender um texto é ir à procura dos processos de produção de senti- instalam na base do dizível, para disponibilizar dizeres novos; dize-
dos que nele circulam. Isto porque entendemos que é no texto que se res estes que simulam a maneira como o sujeito significa em nova
encontram um conjunto de relações significativas situação discursiva. E é no jogo do dizer e do silenciar, no interior da
interdiscursivamente. linguagem, que os sentidos se instauram e fazem a significação. Se-
Ao conceber, a Análise do Discurso (AD), a linguagem como gundo Orlandi (1997:23), a linguagem implica silêncio porque atra-
não transparente, procura enxergar os sentidos que se escondem e vés do não-dito surge a significação: um silêncio significante. Diz
circulam no texto e sua relação com a exterioridade, não atravessan- ela que “ele é sim, a possibilidade para o sujeito de trabalhar sua
do o texto apenas para encontrar um sentido, mas procura atravessá- contradição constitutiva, a que se situa na relação do “um” com o
lo em busca da opacidade do(s) sentido(s) que se entranha(m) na múltiplo”, a que aceita a reduplicação e o deslocamento que nos dei-
linguagem; sentidos que são tecidos na teia constitutiva do texto. xam ver que todo discurso sempre se remete a outro discurso que lhe
Dessa forma, sob a luz da AD, vamos em busca do(s) sentido(s) dá realidade significativa”.
múltiplo(s) que se embrenham no texto. E, para tanto, partiremos do Segundo esta autora, nas palavras há silêncio e, porque silen-
discurso enquanto seu funcionamento e considerando-o como o “lu- ciam, este silêncio fala por elas. E, por considerar as palavras como
gar em que se pode observar a relação entre língua e ideologia, com- cheias de sentidos a não se dizer, assevera ainda, que colocamos muitas
preendendo-se como a língua produz sentido por/para sujeitos” delas no silêncio. Isto quer dizer que o silêncio que atravessa as pala-
(Orlandi,1999:17). Trata-se de observar o discurso como conjunto vras é “fundante” porque podem fazer o sentido ser outro, e que os
de práticas que estão armazenadas numa memória institucionalizada. vários modos de existir dos sentidos e do silêncio podem ser o prin-
O processo constitutivo do discurso está na memória, no domínio do cípio da significação.
saber, dos dizeres já ditos. Analisando o discurso de Revista Bundas, observamos que
Sob essa ótica, a AD procura “escutar” o já dito no dito e no as palavras são atravessadas de silêncio e que, por este olhar, pode-
não-dito o que significa dizer que existe uma relação significativa
mos enxergar que o sentido pode ser outro. O jogo de palavras cria
entre o dizer e o não dizer, noção que encampa o interdiscursivo, a
sentido(s) que se instaura(m) entre a luz e a sombra do dizer e do
ideologia, a formação discursiva, a memória. A AD parte do dizer, de
não-dizer. É preciso “escutar” os sentidos não-ditos como condi-
suas condições e da relação estabelecida com a memória, com o que
ção de significar no discurso humorístico que se faz presente nas
se chama de “saber discursivo”, e vai em direção à significação do
charges de supracitada Revista. O humor que reveste o seu discurso
não-dito, daquilo que é silenciado e que constitui sentido(s): busca
é uma forma de esconder “o dizer”, de omitir, de burlar ou brincar
os múltiplos sentidos que se instauram, no texto: o que está entre a
com a denúncia, uma vez que os sentidos construídos pela charge/
luz e a sombra do dizer e do não-dizer. O que está sempre lá, nas
humor são produzidos em uma outra direção, conforme uma me-
“profundezas de um paradigma que estrutura o retorno do aconteci-
mento sem profundidades” (Pêcheux, 1999:55). É o que acontece mória discursiva, significando através de outros dizeres ditos em
com o remanejamento do(s) sentido(s) que se silenciam na memória outros lugares. As mensagens que circulam nesta revista não são
discursiva dos sujeitos-enunciadores e que reaparecem para dar nova mensagens para serem apenas decodificadas, mas devem ser
significância aos novos dizeres. Assim, a memória exerce um papel descortinadas através do funcionamento dos discursos que se apre-
fundamental no processo de discursivização cujo(s) sentido(s) são sentam como um conjunto de práticas discursivas que se armaze-
“repetições” de pontos de vista da memória que guarda, no seu “si- nam numa memória institucionalizada e que tais mensagens devem
lêncio” marcas reais do real histórico e que, com sua remissão a este ser vistas como “efeitos de sentidos que são produzidos em condi-
outro exterior, traz desdobramentos, réplicas, polêmicas, contra-dis- ções determinadas e que estão de alguma forma presentes no modo
cursos numa resignificação constitutiva de novos dizeres. Segundo como se diz” (Orlandi,1999: 30). Os sentidos construídos na revis-
Pêcheux (1999:56) ta são vestígios de outros discursos ditos em outras condições de
produção e que são retomados em outro contexto sócio-histórico-
...uma memória não poderia ser concebida como uma esfera ideológico convocados por uma discursividade construída por um
plena, cujas bordas seriam transcendentais históricas e cujo sujeito que faz significar em uma situação.
conteúdo seria um sentido homogêneo, acumulado ao modo Numa leitura mais profunda de algumas charges discursivas
de um reservatório: é necessariamente um espaço móvel de de Bundas, detectamos que aquilo é silenciado, que permanece na
CHARGE 03
Referências bibliográficas:
ABSTRACT:Through discoursive perspective, we pretend in this work to identify the relations of power in the fables ant the social context that it went
produces, analysing relations of power presents into discourse of fables.
PALAVRAS-CHAVE: Discurso, tematização, figurativização, sentido.
Os procedimentos semânticos de tematização e de para a justa partilha do nosso esforço conjunto. Compadre burro, por
figurativização são responsáveis pela construção dos sentidos do dis- favor, você que é o mais sábio de nós três (com licença do compadre
curso. Existem discursos predominantemente temáticos, os quais or- rato), você, compadre burro, vai fazer a partilha desta caça em três
ganizam-se com temas e os discursos figurativos construídos basica- partes absolutamente iguais. Vamos, compadre rato, até o rio beber
mente por figuras. Nos primeiros, a ideologia apresenta-se através um pouco de água, deixando nosso grande amigo burro em paz para
dos temas, enquanto que no discurso figurativo, a ideologia instaura- deliberar.”
se a partir da relação entre temas e figuras. Portanto, é através dessa Os dois se afastaram, os dois foram ao rio, beberam água e
íntima relação entre tema e figura que é manifestado o universo ide- ficaram um tempo. Voltaram e verificaram que o burro tinha feito
ológico no qual fundam-se os vários discursos. Dentro desta pers- um trabalho extremamente meticuloso, dividindo a caça em três par-
pectiva, desenvolvemos uma breve análise dos processos de tes absolutamente iguais. Assim que viu os dois voltando, o burro
tematização e/ou figurativização das relações de poder presentes na perguntou ao leão: “Pronto, compadre leão, aí está – que acha da
fábula: “O leão, o burro e o rato” de Millôr Fernandes (1978) e seu partilha?” O leão não disse uma palavra. Deu uma violenta patada na
intertexto “La Génisse, la Chèvre et la Brebis, en société avec le Lion” nuca do burro, prostrando-o no chão, morto.
de La Fontaine (séc. XVII). Sorrindo, o leão voltou-se para o rato e disse: “Compadre rato,
Para efeitos estruturais denominamos: lamento muito, mas tenho a impressão de que concorda em que não
podíamos suportar a presença de tamanha inaptidão e burrice. Descul-
La Génisse, la Chèvre et la Brebis, en société avec le Lion pe eu ter perdido a paciência, mas não havia outra coisa a fazer. Há
(F1) muito que eu não suportava mais o compadre burro. Vou até o rio,
O leão, o burro e o rato (F2) novamente, deixando-lhe calma para uma deliberação sensata.”
Mal o leão se afastou, o rato não teve a menor dúvida. Divi-
Vejamos os textos que servirão à análise: diu o monte de caça em dois. De um lado toda a caça, inclusive o
corpo do burro. Do outro apenas um ratinho cinza morto por acaso.
La Génisse, la Chèvre et la Brebis, en société avec le Lion (F1) O leão ainda não tinha chegado ao rio quando o rato o chamou:
“Compadre leão, está pronta a partilha!” O leão, vendo a caça dividi-
La Génisse, la Chèvre et leur soeur la Brebis, da de maneira tão justa, não pôde deixar de cumprimentar o rato:
Avec un fier Lion, seigneur du voisinage, “Maravilhoso, meu caro compadre, maravilhoso! Como você che-
Firent société, dit-on, au temps jadis, gou tão depressa a uma partilha tão certa?” E o rato respondeu: “Muito
Et mirent et commun le gain et le dommage. simples. Estabeleci uma relação matemática entre seu tamanho e o –
Dans les lacs de la Chèvre un cerf se trouva pris. meu – é claro que precisa comer muito mais. Tracei uma comparação
Vers ses associés aussitôt elle envoie. entre a sua força e a minha – é claro que você precisa de muito mais
Eux venus, le Lion par ses ongles compta, volume de alimentação do que eu. Comparei, ponderadamente, sua
Et dit: “Nous sommes quatre à partager la proie”. posição na floresta com a minha – e, evidentemente, a partilha só
Puis en autant de parts le cerf il dépeça; podia ser esta. Além do que, sou um intelectual, sou todo espírito!”
Prit pour lui la première en qualité de Sire: “Inacreditável, inacreditável! Que compreensão! Que argúcia!” ex-
“Elle doit être à moi, dit-il; et la raison, clamou o leão, realmente admirado. “Olha, juro que nunca tinha no-
C’est que je m’appelle Lion: tado, em você, essa cultura. Como você escondeu isso o tempo todo,
À cela l’on n’a rien à dire. e quem lhe ensinou tanta sabedoria?” “Na verdade, leão, eu nunca
La seconde, par droit, me doit échoir encor: soube nada. Se me perdoa um elogio fúnebre, se não se ofende, aca-
Ce droit, vous le savez, c’est le droit du plus fort. bei de aprender tudo agora mesmo, com o burro morto.”
Comme le plus vaillant, je prétends la troisième.
Si quelqu’une de vous touche à la quatrième, Moral: Só burro tenta ficar com a parte do leão.
Je l’étranglerai tout d’abord”.
1. A conjugação de esforços tão heterogêneos na destrui
O leão, o burro e o rato ção do meio ambiente é coisa muito comum.
2. Enquanto estavam bebendo água, o leão reparou que o
Um leão, um burro e um rato voltaram, afinal, da caçada que rato estava sujando a água que ele bebia. Mas isso é ou
haviam empreendido juntos e colocaram numa clareira tudo que ti- tra fábula.
nham caçado: dois veados, algumas perdizes, três tatus, uma paca e 3. Os ratos devem aprender a se alimentar de ratos. Como
muita caça menor. O leão sentou-se num tronco e, com voz tonitruante diziam os latinos: “Similia similibus jantantur.”
que procurava inutilmente suavizar, berrou: “Bem, agora que termi-
namos um magnífico dia de trabalho, descansemos aqui, camaradas, De acordo com Foucault (1999) o poder é exercido por dife-
ABSTRACT:This paper is a chapter of our master´s dissertation entitled: the religious discourse in the cordel literature from Juazeiro do Norte. Leaving of
the theoretical presuppositions of the french Discourse Analysis, we discussed some characteristics of the discourse Christian religious.
PALAVRAS-CHAVE: religião, subsunção, silêncio.
Há uma ligação estreita entre a linguagem e a religião. Desde Entretanto, há, na humanidade, uma eterna angústia com a tran-
os rituais mágicos das religiões primitivas até os ritos sagrados das sitoriedade da vida, onde habita o sentimento religioso. A própria
religiões contemporâneas, a linguagem tem uma função essencial. palavra religião vem do latim religare, que significa exatamente
Tanto é assim que nos sacramentos (batismo, casamento), efetiva-se religação. Mas religação do quê com o quê? Analisando a mitologia
a transformação dos estados a partir da dicção de palavras por um de várias culturas, Marcelo Gleiser, em seu livro A Dança do Univer-
sujeito autorizado - o padre ou pastor. A própria Bíblia sagrada dos so (1997) afirma que, em geral, todas as culturas atestam a existên-
cristãos é um grande livro de Lingüística, no qual se verifica o papel cia de uma realidade absoluta ou de um Absoluto. E que a solução
criador da linguagem. Segundo ela, a própria Criação ocorreu quan- desse problema, em todas elas, é religiosa:
do Deus disse: “exista a luz e a luz existiu.” (Gen 1,3).
Quanto ao fenômeno “religião”, está no cerne de uma diver- Esse Absoluto é o elemento central na estrutura de todas as
gência secular na humanidade, por ser, também um sistema de expli- religiões, dando assim um caráter religioso aos mitos da cria-
cação da origem do mundo e do homem, pois há os que defendem a ção. O Absoluto, então, incorpora em si a síntese de todos os
tese da origem animal da humanidade, dentre os quais, Engels. Em a opostos, existindo por si só, independente da existência do
origem da família, da propriedade privada e do estado (1978), reto- universo. Ele não tem uma origem, já que está além de rela-
mando a teoria evolucionista de Darwin (para quem, o homem teria ções de causa e efeito. Esse Absoluto pode ser Deus, ou o do-
evoluído de uma espécie superior de símios antropomórficos) e as mínio de vários deuses, ou o Caos Primordial, ou mesmo o
pesquisas antropológicas de Morgan, Engels afirma que a religião, Vazio, o Não - Ser. (Op.Cit.: 25).
nasce concomitante à exploração do homem pelo homem, como ide-
ologia legitimadora dessa exploração. Para ele, o sentimento religio- Temos, assim, segundo a Bíblia dos cristãos, a origem do
so originava-se do medo que o homem primitivo sentia das forças da mundo: “no princípio, Deus criou o céu e a terra” (Gênesis 1,1)
natureza desconhecidas. (...); e a origem do homem: “e criou Deus o homem à sua imagem
Marx em Contribuição à crítica da filosofia do direito de Hegel (...) e criou-os varão e fêmea” (Gen, 1,27). Esse Ser que, segundo
(1979) expõe o seu pensamento sobre a religião, o qual desenvol- a Bíblia criou o universo, foi chamado pelos judeus de IAVÉ. Eduard
veu-se em meio a uma luta política que travou não com qualquer Scouré (1985: 156) em Os grandes iniciados - história secreta das
instituição religiosa, mas com os chamados hegelianos de esquerda, religiões, citando o grande pesquisador francês Fabre d’ Olivet
que atribuíam à religião a responsabilidade pelas mazelas da socieda- explica o nome IAVÉ:
de e propunham um programa educativo, cujo objetivo era fazer as
pessoas abandonarem as suas idéias religiosas. Para Marx, a religião Este nome oferece primeiro o sinal indicador da vida, duplo e
não era culpada pela simples razão de que ela era apenas uma som- formando a raiz essencialmente viva EE (Rp). Esta raiz jamais
bra, um eco, um reflexo. Se as pessoas possuem religião é porque sua é empregada como nome e é a única que goza desta prerroga-
situação assim exige. Estava em busca do que, para ele, eram as ver- tiva. Ela é desde a sua formação, não somente um verbo, mas
dadeiras forças que movem a sociedade. Se não é a consciência que um verbo único, do qual os outros são derivados. Em uma
determina a existência, mas é essa que determina a primeira ... é o palavra, o verbo tp (Eva) ser sendo... Aqui, o sinal inteligível
homem que faz a religião, a religião não faz o homem. Para Marx t aparece no meio da raiz de vida. Moisés, tomando este verbo
(1979: 90,91): por excelência para com ele formar o nome próprio do Ser dos
seres, a ele acrescentou o sinal da manifestação potencial e da
O sofrimento religioso é, ao mesmo tempo, expressão de um Eternidade, (I), obtendo ptp (IEVA), no qual o facultativo sen-
sofrimento real e um protesto contra um sofrimento real. Sus- do se encontra colocado entre um passado sem origem e um
piro da criatura oprimida, coração de um mundo sem cora- futuro sem fim. Esse nome admirável significa exatamente: o
ção, espírito de uma situação sem espírito: a religião é o ópio Ser que é, que foi e que será.
do povo.
É assim que a religião aparece para o homem: como um siste-
Ópio, aqui, deve ser entendido como o sol ilusório que gira em ma que lhe ativa os esquemas de sentido. Aparece como um código,
torno do homem à medida em que ele não gira em torno de si mesmo. uma fala, um discurso, que promoverá a religação com o seu Criador.
Para Marx, os homens criam seus deuses à sua imagem e semelhança. Como exemplificação da estrutura formal de qualquer ideolo-
ABSTRACT – In this paper it is evaluated the use of grammaticalization as an adequate tool to explain the occurrence of the different structures to
convey the idea of purpose in Brazilian written Portuguese.
PALAVRAS–CHAVE: Funcionalismo – Gramaticalização – Orações – Finais.
1. Introdução - A idéia de finalidade pode ser representada em entendem que o paradigma da gramaticalização pode ser utilizado
português por três estruturas básicas. A estrutura desenvolvida que para o estudo de articulação de orações3 . O fato de haver três estru-
tem o verbo numa forma finita e é introduzida por uma locução turas diferentes leva a estudá-las a partir da premissa que reduzidas
conjuntiva: e nominalizações representam um contínuo no caminho da
dessentencialização. Vai-se tentar mostrar que os diversos forma-
(1) ... aqui me pronuncio, trazendo à Casa o testemunho da tos sintáticos e diferentes graus de relacionamento ou integração
população carioca e fazendo, em seu nome, um apelo para da estrutura com a sua matriz pressupõem um contínuo ou cline.
que os representantes dos outros Estados hoje restituam ao Bybee et alii (1994:21) utilizam o termo layering para se referir à
orçamento da Prefeitura a sua integridade, a sua validez, a existência de estruturas superpostas partilhando ou competindo num
sua autenticidade, ... (Lacerda, 73) mesmo domínio.4 Enfim, vai-se procurar determinar se há uma ten-
dência para a gramaticalização, considerando o enxugamento na
O tipo mais freqüente que apresenta o verbo no infinitivo e sua representação.
apenas preposição. É fundamental no contínuo ou percurso da gramaticalização a
existência de alguns pontos de foco onde os fenômenos devem agru-
(2) ... Dom Pedro I nomeou um Conselho de Estado composto par-se. Estes pontos são, num certo sentido, arbitrários, mas, no caso
por dez homens, escolhidos por ele, para elaborar a versão das finais, pode-se desdobrar a proposta de Mathiessen e Thompson
final da Constituição ... (Silva, 12) (1988), para representar o cline das estruturas de finalidade:
Ainda há casos em que a finalidade se manifesta numa Combinação > Encaixe no verbo > Encaixe no nome
nominalização: Tabela - Influência da forma de vinculação no tipo de estrutura final
onde se vê o contínuo “estreiteza de ligação” se correlacionando com
(3) ... o patrimônio histórico e cultural parece estar ganhando, a dessentencialização:
enfim, seu sentido verdadeiro e dinâmico: (...). Nesse ciclo
virtuoso se insere o convênio assinado com o BID pelo gover-
no do Maranhão, para a recuperação do patrimônio
arquitetônico de São Luís e de Alcântara, que retoma e am-
plia projeto anterior. (O Globo, 6/8)
B – Reduzidas encaixadas:
(7) Nele figuram desde a identificação de crianças que estejam (12) O álcool também substituiu o perigoso e altamente poluente
chumbo tetraetila, usado para elevar a octanagem da gasoli-
fora da escola e as providências para assegurar sua matrícu-
na. (O Globo, 1/11)
la e freqüência, até a existência de organizações para desen-
volver atividades articuladas com o palco. (O Globo, 30/8)
A principal característica sintática e semântica destas ora-
ções seria não definir a natureza da sua integração, apresentando
(8) Os órgãos de segurança passaram a ter plena liberdade de um ponto intermediário no contínuo de integração, situação con-
prender, interrogar e tornar incomunicáveis os suspeitos de dizente com os pressupostos do paradigma que prevê que o contí-
ligação com a subversão. (Silva, 115) nuo da gramaticalização se constitui de pontos não discretos. As
orações encaixadas no SN também evidenciaram que os pontos
C – Nominalizações encaixadas do contínuo não são discretos: há um grupo de orações que po-
dem ser equivalentes às adjetivas, ou receber uma interpretação
(9) Os dois padres, Nóbrega e Anchieta, muito contribuíram de completivas nominais.
para a expulsão dos franceses, que haviam ocupado o Rio de
Janeiro. (Hermida, 75) (13) Mais plausível seria uma tentativa de desacelerar as refor-
ABSTRACT: This paper focuses two purpose clauses. The hypotactic discourse clauses can occur either before or in between the main clause with which
they are associated. They select the information within the context of expectation raised by the preceding discourse. The parenthetic clauses represent the
interactional - formulative process on the text’s linguistic surface.
PALAVRAS-CHAVE: finalidade, hipotaxe, discursiva e parentética.
ABSTRACT: The aim of this paper is to describe the contexts of the embedded infinitival constructions introduced by the preposition para in Brazilian
Portuguese in order to identify the degree to which the infinitival clause is expanded or reduced.
PALAVRAS-CHAVE: Construções infinitivas, encaixamento, dessentencialização.
Introdução (5) Porque ele não quer ter hora pra chegar em casa... (Inq.
373)
Este estudo focaliza alguns contextos em que as construções (6) e os carteiros, eu acredito que cada um deve ter uma zona
infinitivas iniciadas por para admitem ser interpretadas como encai- para entregar os, as cartas (Inq. 232)
xadas no Nome ou no Adjetivo. O corpus é constituído por amostras (7) você vê que esses regimes pra emagrecer, agora, são tão
de língua oral culta, coletadas pelo Projeto NURC/RJ. complicadas as dietas... (Inq. 002)
O fenômeno que se está observando nessas construções é o da (8) tinha o piano... um piano... me lembro muito bem que tinha
dessentencialização da oração infinitiva; ou seja, o fenômeno em que um abajur de pé... sabe abajur de pé? E uma mesa... uma mesinha
a oração infinitiva apresenta perda das propriedades de oração e se de centro baixinha pra colocar cinzeiro essas coisas... (Inq. 11)
aproxima de uma construção nominal, tanto estruturalmente, quanto
em sua distribuição. Nesse processo, observa-se que alguns compo- Nos exemplos 1 a 4, temos construções fechadas. Em (1), (2) e
nentes da oração deixam de fazer referência a um “estado de coisas” (3) os sujeitos estão explícitos. Em (4), o infinitivo está flexionado, o
específico. O “estado de coisas” referenciado é tomado mais generi- que garante um certo grau de oracionalidade para a construção
camente (Lehmann 1988:193). infinitiva e mantém a construção fechada (Dik, 1997: 147).1
A abordagem teórica é funcionalista, o que significa dizer que Nos exemplos 5 a 8, temos construções abertas. Notem que
entendemos contexto como um domínio funcional complexo que re- nos exemplos (5) e (6), o sujeito foi apagado por correferencialidade
sulta de motivações sintáticas, semânticas e pragmáticas. Também sig- com o sujeito da oração matriz e pode ser interpretado como zero
nifica dizer que cada ocorrência lingüística deve ser examinada com anafórico.
atenção e que qualquer diferença entre duas construções gramaticais Já nos exemplos (7) e (8) não há possibilidade de se resgatar
aponta, em princípio, para uma possível diferença funcional. um sujeito para a construção infinitiva a partir de uma relação anafórica
com um referente da oração matriz. O contexto não apresenta um
A classificação das construções infinitivas proposta por Dik (1997) antecedente que permita estabelecer a relação e o sujeito zero do
infinitivo tem um valor genérico.
Para a distribuição das ocorrências em três graus de Para Dik, nos dois casos temos construções infinitivas abertas.
dessentencialização, valemo-nos de uma classificação binária pro- Nós levamos em conta a diferença observada e, com base nessa dife-
posta por Dik (1997:147). O autor distribui as construções infinitivas rença, propomos os graus 2 e 3 de dessentencialização. Considera-
em construções infinitivas fechadas e construções infinitivas aber- mos, portanto, dois graus de “abertura”, em que as construções
tas. O que fizemos foi subdividir as construções abertas em dois ti- infinitivas com sujeito zero genérico se apresentam como constru-
pos que corresponderão a dois pontos diferentes no continuum de ções mais abertas, o que significa, segundo nossa análise, mais
dessentencialização. dessentencializadas.
O autor considera fechadas aquelas construções infinitivas em Observamos que as construções infinitivas já partem do grau 1
que está preenchida a posição de todos os argumentos e abertas aque- de dessentencialização. Com grau 0 ficam as construções com verbo
las construções em que uma ou mais posições argumentais não estão na forma finita.2
preenchidas. Resumindo nossa proposta, temos a seguinte escala:
Embora Dik considere a predicação nuclear da construção Grau 0: construções com verbo na forma finita.
infinitiva, que consiste do verbo e de seus argumentos, notamos, pelos Grau 1: construções infinitivas fechadas.
exemplos que apresenta, que ele dá maior importância à posição Grau 2: construções infinitivas abertas com sujeito zero
argumental de sujeito. Não poderia ser de outra forma, pois esse é o anafórico.
termo primeiramente afetado no processo de dessentencialização da
oração infinitiva.
Examinemos, agora, alguns exemplos extraídos da amostra que 1 Observamos já certo grau de generalidade em alguns sujeitos explícitos
estudamos, seguindo essa classificação proposta por Dik. nas estruturas fechadas que examinamos (exemplos 2 e 3), o que já pode-
(1) tinha que ser um mobiliário simples, eram banquetas pra ria ser interpretado como uma construção “menos fechada”, quer dizer,
gente sentar em volta da mesa. (Inq. 153) com um maior grau de abertura em relação à antecedente. Neste traba-
(2) mas achava que Mauro devia comer, que era uma coisa lho, porém, não levamos em conta essa diferença entre um sujeito explíci-
boa pra criança comer.(Inq. 11) to mais específico e um sujeito explícito mais genérico. Mantivemos a aná-
(3) Rio de Janeiro é uma cidade adorável pra você bater perna lise proposta por Dik e consideramos fechadas todo esse grupo de cons-
truções com sujeitos explícitos ou com infinitivo flexionado.
né. (Inq. 11)
2 Mackenzie (1987) propõe uma hierarquia de dessentencialização em que
(4) eu acho que agora tem até menos, porque a, o telefone as construções se situam entre o grau 0 que indica “completamente ver-
enguiça à beca e, às vezes, fica difícil pra virem consertar.(Inq. 308) bal” e o grau 4 que indica “completamente nominal”.
(13) ... acho que tinha uma mesinha que e...sabe...de esticar
massa de pastel...essas coisas... (Inq. 11)
Constatamos que a oração matriz com sujeito argumental fa-
vorece as construções abertas de Grau 2. A referencialidade do sujei- 3.3- Elementos intervenientes entre a construção infinitiva e o
to da oração infinitiva pode ancorar-se anaforicamente no sujeito da Nome/ Adjetivo.
oração matriz.
A ocorrência de elementos entre o Nome/Adjetivo e a constru-
(1) eu tinha de estar sempre disponível pra carregar as crian ção infinitiva também é relevante para definir os contextos das cons-
ças e assim...(Inq. 84) truções infinitivas nos Graus 2 e 3. Se a construção infinitiva está
contígua ao Nome/ adjetivo há uma distribuição quase que equilibra-
4- Uma observação sobre os verbos mais freqüentes na oração matriz. Referências bibliográficas
Antes de concluir a apresentação deste trabalho, resta fazer AZEVEDO, J. L. . de. A expressão da finalidade em português. Tese
uma observação sobre os tipos de verbos mais freqüentes na oração de doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000.
matriz. É alta a freqüência do verbo ter na oração matriz das encaixa- DIK, S. C. The theory of functional grammar. Parte 2: Complex and
das no SN (60%) e a do verbo ser na oração matriz das encaixadas no derived constructions. New York: Mouton de Gruyter, 1997.
SAdj (69%). LEHMANN, C. Towards a typology of clause linkage. In: Clause
Essas estruturas têm características específicas e devem Combining in Grammar and Discourse. Haiman J. & Sandra A.
ser estudadas separadamente, mas, considerando o papel da es- Thompson (eds), Amsterdam/ Philadelphia: John Benjamins,
trutura argumental do verbo da oração matriz, fazemos aqui al- 1988.
gumas observações. MACKENZIE, J. L. Nominalization and basic constituint ordering.
In: Van der Auwera _ Goossens (eds), 93-105. Dordrecht:Foris,
O verbo ter com valor de posse e o verbo ser copulativo inclu-
1987.
em-se na classe de predicadores relacionais (Mateus,1989: 48). Nes-
MATEUS, M. H. M & BRITO, A. M. & DUARTE, I. & FARIA, I.
sa função o verbo ter se caracteriza por selecionar um sujeito não-
H. Gramática da língua portuguesa. 3a. ed., Lisboa: Caminho,
controlador, que compartilha com o objeto o traço afetado, o que
1989.
permite a vinculação semântica da construção infinitiva com o nú-
POGGIO, R. M. G. F. Relações expressas por preposição no período
cleo do objeto direto (Exemplo 5). O verbo ser copulativo tem um arcaico do português. Tese de doutorado. Salvador: UFBA, 1999.
ABSTRACT: We intend to discuss the illustration in the Child Literature. The illustration is considered as a complement of the verbal discourse. We answer:
is the meaning of the illustration illimitable when the verbal discourse stir up some images? We will make use of child texts by Clarice Lispector for this
discussion.
PALAVRAS-CHAVE: Sentido, ilustração, discurso verbal, literatura infantil.
Quando se trabalha com texto de literatura, especificamente essas expressões da realidade que possuem uma outra sintaxe?
de literatura infantil, não se pode descartar o papel da ilustração, que Pensando na ilustração e no texto em prosa, trataremos agora
desde o século XVIII, com as Fábulas de La Fontaine, vem acompa- da sintaxe sob a ótica de Donis A. Dondis e Roland Barthes.
nhando o discurso verbal infantil, embora a fábula nessa época não Dondis parte dos fundamentos da psicologia de linha gestaltiana
fosse necessariamente destinada a crianças. No entanto, não pode- para avaliar a composição do que ele chama dos “fundamentos sintá-
mos nos esquecer de que a especificidade das linguagens verbal e ticos do alfabetismo visual”.
visual existem. Por isso, temos como intuito levantar uma reflexão Segundo Dondis, “(...) o modo visual, porém, não oferece sis-
sobre cada qual e sobre ambas nos textos literários A vida íntima de temas estruturais definitivos e absolutos. (...). Em termos lingüísticos,
Laura, Quase de Verdade e A mulher que matou os peixes, todos sintaxe significa disposição ordenada das palavras segundo uma for-
escritos por Clarice Lispector. ma e uma ordenação adequadas. As regras são definidas. (...). Mas,
Sabendo da complexidade do texto literário diante de outros no contexto do alfabetismo visual, a sintaxe só pode significar a dis-
textos, da especificidade da literatura infantil e da diferença entre posição ordenada de partes, deixando-nos com o problema de como
ilustração e imagem suscitada pela palavra, tentaremos abordar o sen- abordar o processo de composição com inteligência e conhecimento
tido que as imagens verbal e visual provocam ou podem provocar no de como as decisões compositivas irão afetar o resultado final. (...)”
leitor mirim. (1991:29).
Para essa reflexão pautar-nos-emos em teorias variadas, pois No entanto, essa problemática aparece porque a psicologia
o texto literário, considerado por Mikhail Bakhtin como gênero se- Gestalt vê o sistema como um todo formado por partes interatuantes,
cundário devido à sua complexidade discursiva, exige que vários olha- que podem ser isoladas e vistas como inteiramente independentes e
res sejam enfocados, sem contudo desprezar o próprio fato literário, depois reunidas num todo. Aplicadas ao nosso propósito, qual seja, a
ou seja, sua especificidade. ilustração do livro infantil, o processo composicional visa o todo
Octávio Paz, ao tratar da imagem na poesia, diz que “a pala- como uma formação do sentido, já que podemos considerar as ilus-
vra imagem apresenta diversas significações como: vulto, represen- trações como uma narrativa paralela - complementar ou não - à nar-
tação, figura real ou irreal que evocamos ou produzimos com a ima- rativa do discurso verbal. Para nós, o problema se dá num outro nível
ginação”. (1972:37). de percepção, que é a busca do sentido “total” na interpretação des-
Esse poeta e teórico busca na palavra imagem um valor psico- sas imagens constitutivas do texto literário infantil.
lógico, ou seja, trata as imagens como produtos do imaginário e aten- O próprio Dondis aborda a questão verbal e não-verbal (dife-
ta para o fato de que a forma verbal que se realiza na produção de rentemente de Paz que sugere a verbal imagética) apontando as dife-
imagens foi classificada pela retórica como comparações, símiles, renças e semelhanças entre as linguagens, dizendo que “Saber escre-
metáfora, jogos de palavras, símbolos, alegoria, mitos, fábulas, ver oferece maiores oportunidades de controlar os efeitos e restringe
paranomásia, etc, e muito embora apresentem diferenças, elas pre- a área da interpretação. O mesmo ocorre com a mensagem visual,
servam “a pluralidade de significados da palavra sem quebrar a uni- apesar das diferenças existentes. A complexidade do modo visual
dade sintática da frase ou do conjunto de frases” (1972:38). não permite a estreita gama das interpretações da linguagem. Mas o
Essa não ruptura da unidade sintática preservada pela forma conhecimento em profundidade dos processos percetivos que regem
verbal imagética, no caso da poesia, atribui ‘a imagem a função de a resposta aos estímulos visuais intensifica o controle do significa-
transmutadora da realidade que resulta no indizível que cria realida- do” (1991:49).
des que possuem uma verdade só dentro do seu próprio universo, ou Esse autor parte do pressuposto de que o controle do significa-
seja, a imagem na poesia, um discurso específico dentro da do deve-se ao fato de que “nossa compreensão de uma cultura de-
especificidade literária, é o próprio sentido; o nome e o nomeado são pende de nosso estudo do mundo que seus membros construíram e
a mesma coisa, enquanto que na prosa, “a imagem recolhe e exalta das ferramentas, dos artefatos e das obras de arte que criaram” (1991:
os valores das palavras, sem excluir os significados primários ou se- 30). Na realidade, ele se pauta na percepção do mundo sob a ótica
cundários” (1972: 45), pois o sentido da imagem, na poesia, é a gestaltiana e o sentido é atribuído pela resposta do espectador, pois o
própria imagem e o sentido na prosa é um querer dizer, “um dizer espectador, segundo ele, “modifica e interpreta através de seus crité-
que pode dizer-se de outra maneira” (1972: 47), já que “(...) a lingua- rios subjetivos” (1991:31). Contudo, se partirmos dessa ótica caire-
gem indica, representa; o poema não explica nem representa: apre- mos num sem fim de interpretações e muito embora a imagem pictó-
senta” (Paz, 1972: 50). rica seja uma “mensagem sem código”, para Roland Barthes, “a ima-
Como vimos, Paz fala da imagem na poesia como uma sintaxe gem é, de uma certa maneira, limite de sentido” (1990:27).
própria, específica, em que imagem e sentido se fundem e diz o indi- Roland Barthes não ignora o fato de a imagem ser polissêmica,
zível numa forma verbal que se diferencia de outras formas de ex- de pressupor subjacente a seus significantes uma “cadeia flutuante”
pressão da realidade. Seria, então, a ilustração e o texto em prosa de significados e nem destitui o leitor de seu poder de escolha, mas,
V-
RÉSUMÉ: Ce travail a l’intention de montrer les mailles discoursives de la chronique verbe-visuel. Reglé sous les presupposés théoriques de l’Analyse du
Discours française, l’étude réfléchit sur les principes relatifs aux conditions de production et dialogicité circonscripte dans les procès intertextuels et
interdiscoursives de ce texte.
MOTS-CLÉS : lecture, chronique, charge journalistique.
ABSTRACT: The aim of this study is to focus on the issue of the reading of a still little explored type of text: film. Structural elements allied to the linguistic
enunciations create certain effects of sense in the filmic reading, that give rise to questionings regarding the gestures practised in the act of reading. This
paper seeks to establish parallels between certain aspects of the French line of Semiotics and Discourse Analysis, in the practical analysis of Walter Salles’
film, Central do Brasil..
PALAVRAS-CHAVE: Discurso; Semiótica; Leitura; Filmes.
A posição de trabalho que aqui evoco em referência à análise Christian Metz (1972: 121) afirma: (...) “a semiologia do ci-
do discurso (...) supõe (...) que, através das descrições regulares de nema é muitas vezes levada a colocar-se mais do lado do espectador
montagens discursivas, se possa detectar os momentos de interpre- do que do cineasta. A distinção (...) entre o ponto de vista fílmico e o
tação enquanto atos que surgem como tomadas de posição, reco- ponto de vista “cineástico” (...) é que, a semiologia do cinema é
nhecidas como tais, isto é, como efeitos de identificação assumidos principalmente um estudo fílmico. E um pouco adiante (p.143), acres-
e não negados.(Pêcheux) centa: (...) a semiologia deve se amparar duplamente: por um lado
na lingüística, por outro na própria teoria do campo estudado.
1. Analisar a estrutura ou o acontecimento? Embora estes dois grandes teóricos discordem de vários con-
ceitos relacionados à semiologia fílmica – objeto de uma pesquisa
Pêcheux (1990: 57) em Estrutura ou acontecimento, não nega futura – o que é importa ressaltar, é a distinção, concordada entre os
o trabalho do analista do discurso que adote concepções estruturais dois, entre o código cinematográfico e o fílmico. Desta forma, cenas;
na análise. Ao contrário. Quando ele evoca, como citado acima, as planos; montagem; seqüências; o som ambiente (ruído do vento, ou
descrições regulares de montagens discursivas, adota como primei- de um copo caindo, por exemplo); o som do off (geralmente inseri-
ra exigência no ato da leitura e nos gestos de descrição, a manipula- dos na montagem); dentre outros termos específicos no momento da
ção de significações já estabelecidas e normalizadas, em algum dis- produção de um filme, se inserem na proposta de um código cinema-
positivo analítico.Ou seja, no momento da leitura e da descrição, ele tográfico, e, portanto, de uma -metalinguagem cinematográfica-, uma
sugere que o analista do discurso se aproprie inicialmente, de algum linguagem construída historicamente pelos cineastas.
método já consolidado e estruturado.No entanto, o autor adota tam- A análise fílmica, como veremos na prática, se apóia por um
bém - principalmente-, a postura de que há pontos de deriva no ato lado, neste código cinematográfico, para explicitar noções da semiótica
da leitura, que escapa muitas vezes a normalização, mas que possibi- fílmica, e por outro lado, nos métodos já consolidados da semiologia
lita, via interpretações, transformações do objeto lido. Um novo acon- lingüística. É neste intermeio que acontece a semiologia fílmica. As-
tecimento se instaura neste momento de produção. Neste sentido, o sim, a análise semiológica de um filme e, portanto, não do cinema, é
texto não seria observado, somente pelas vias de um dispositivo ana- uma tarefa bastante pretensiosa e ainda em construção, pois o filme
lítico, mas, teria que se recorrer também, a outros dispositivos teóri- trabalha com inúmeros códigos lingüísticos atuando articuladamen-
cos. A proposta deste autor então, é a apropriação da teoria da aná- te, como sugere Eco (1976: 140): “na análise da comunicação
lise do discurso, desenvolvendo um trabalho nos entremeios da lin- audiovisual estamos diante de um fenômeno comunicacional com-
güística, da história e da psicanálise. plexo que põe em jogo mensagens verbais, mensagens sonoras e
A complexidade do assunto supera as intenções deste traba- mensagens icônicas”.
lho. A pretensão de ele ser enunciado, é no sentido de tentarmos Destacando as mensagens icônicas, analisamos a apresentação
buscar na teoria discursiva, conceitos derivados destes dois aspectos de um quadro geral da grande sintagmática da faixa–imagem, estuda-
-as descrições regulares e a interpretação- para a análise da leitura da em Metz (1972). Neste quadro, ele expõe oito segmentos autôno-
na configuração fílmica. mos para a análise de uma imagem – Plano autônomo; Sintagma pa-
Recorremos, para o trabalho com o dispositivo analítico, da ralelo; Sintagma em feixe; Sintagma descritivo; Sintagma (narrativo)
teoria da Semiótica, e especificamente à Semiologia, consideradas alternado; Cena; Seqüência em episódios; Seqüência habitual. Na
hoje, por teóricos como NÖTH (1995: 25), por exemplo, como “ci- impossibilidade de explorarmos todos os tipos sintagmáticos, elege-
ências mais gerais que estudam os signos animais, da natureza, hu- mos o Plano autônomo para a análise.
manos e culturais”. Dois autores estiveram presentes, neste momen- Um plano é definido no cinema, como sendo cada fragmento
to: Umberto Eco (1976), semiótico estruturalista, em-A estrutura filmado - o resultado é o fotograma-. No filme, o plano é mais difícil
ausente; e na área do cinema, Christian Metz (1972), teórico do ci- de ser percebido, pois, como sugere Aumont (1995): a) ele não é
nema, em-A significação no cinema. único, isto é, ele é sempre analisado no meio de muitos outros pla-
Para o dispositivo teórico, recorremos a Pêcheux, no livro já nos; b) ele não é independente do tempo, isto é, tal como é percebido
citado, e em Foucault (1997)- Arqueologia do Saber. na tela, é um encadeamento muito rápido de fotogramas sucessiva-
mente projetados, definidos por uma certa duração; c) ele está em
2. Do acontecimento a estrutura movimento, tanto em relação ao quadro (personagens se movimen-
tando, por exemplo) como também os movimentos da própria
Umberto Eco,(1976:139) expõe: “o código fílmico não é o câmera.Eco (1976) e Barthes (1990), por exemplo, analisaram
código cinematográfico; o segundo codifica a reprodutibilidade da fotogramas “fixos” ou “parados”. Neste contexto, é possível falar em
realidade por meio de aparelhos cinematográficos, ao passo que o signo. No entanto, a nossa proposta é compreender os vários códigos
primeiro codifica uma comunicação ao nível de determinadas regras de significação atuando simultaneamente, e em movimento. Por isso
narrativas. Não há dúvida que o primeiro se apóia no segundo”. elegemos a proposta de Metz (1972:145) quando sugere os segmen-
ABSTRACT: This paper evaluates, in the light of evidence from our research on categorization in pre-schoolers, two models of semantic development:
Nelson’s (1974, 1982) which proposes that concepts exhibit a functional core based on contexts experienced by the child and Clark’s (1973, 1974, 1975),
which posits that the child abstracts from the objects perceptual semantic features and then extends them to new referents.
PALAVRAS-CHAVE: categorização em pré-escolares, desenvolvimento semântico, núcleo funcional, traços semânticos.
RÉSUMÉ: L’analyse des concepts que les professeurs de l’École Berilo Wanderley avaient à propos de langue parlée/écrite. Pour ce but, nous avons
appliqué um questionnaire qui nous a emmené à réaliser un atelier concernant ces modalités et, nous l’avons appliqué de nouveau, après l’atelier, pour
identifier des progrès de ces professeurs.
PALAVRAS-CHAVE: Língua falada/Língua escrita. Conhecimento lingüístico. Formação de professor.
Este texto tem a finalidade de analisar que conceitos tinham as nhecimento sobre especificidades das modalidades, não acreditando
oito professoras1 dos primeiros ciclos do Ensino Fundamental da nessa representação. Outras acharam que sim, e uma última respon-
Escola Estadual Berilo Wanderley, em Natal, em 1997, sobre as mo- deu que não “quando a escrita assume uma padronização” e sim “quan-
dalidades de língua falada (LF) e língua escrita (LE) e que relação do ela é fiel a forma falada”. Isto indica, primeiro, que desconhece a
estabeleciam entre elas. padronização da LF em algumas situações e, segundo, a tomada da
Partimos da compreensão de que a língua falada e a escrita são defesa de momentos de fidelidade da LE em relação à LF.
duas modalidades de uso de uma mesma língua com suas Detalhando um pouco o conhecimento das professoras sobre
especificidades, mas dentro de um “contínuo tipológico”. as especificidades das modalidades focalizadas e sobre característi-
cas que pudessem considerar comuns, observamos que algumas rela-
Segundo Marcuschi, (1995:358): cionaram LE com forma “mais correta” e com “norma padrão” pre-
conceito lingüístico corriqueiro, que deve ser evitado, pois reflete
O contínuo tipológico distingue e correlaciona os textos de cada uma postura ideológica, que privilegia a escrita em detrimento da
modalidade quanto às estratégias de formulação textual que fala. Outras viram a LE como representação da fala, e apenas uma
determinam o contínuo das características que distinguem as professora enumerou como especificidades da LE o planejamento, a
variações das estruturas, seleções lexicais etc. Tanto a fala como sistematicidade e a possibilidade de reestruturação antes da produ-
a escrita se dão num contínuo de variações, surgindo daí seme- ção chegar ao leitor. Sabemos que essas peculiaridades também ocor-
lhanças e diferenças ao longo de dois contínuos sobrepostos. rem na LF, sendo concomitantes à fala do outro, ou anteriores a ela,
no caso da fala planejada antes da efetivação da comunicação, po-
Para nos familiarizarmos com as concepções dessas professo- dendo ser replanejada no momento da interlocução, o que não é pos-
ras sobre LF e LE, foi aplicado um questionário2 , e a análise de suas sível no uso da LE.
respostas nos levou a realizar uma oficina, tendo como objetivos, Como pontos comuns entre as duas modalidades, as entrevis-
basicamente, ajudá-las a reconhecer as modalidades de língua oral e tadas indicaram a comunicação, a compreensão e o seu processo de
escrita e a analisar algumas interferências da oralidade na escrita. aquisição, quando uma das professoras afirma sim pois ambas são
Posteriormente à oficina, reaplicamos o questionário para detectar- processos que as crianças van (sic) construindo pouco a pouco.
mos as possíveis mudanças de concepções das professoras quanto às No final dos trabalhos da oficina, notamos, por parte das pro-
modalidades estudadas. fessoras, uma maior compreensão dessas duas formas de expressão.
De modo geral, para responderem ao que entendiam por LE, Incorporaram a noção de formalidade e informalidade nas duas mo-
algumas professoras a relacionaram à representação “gráfica” do pen- dalidades; a existência de planejamento prévio também na fala, ape-
samento, outras ao “meio de comunicação” ou à forma de “registro” sar de ser replanejada localmente; passaram a destacar o valor social
da escrita; ampliaram o contexto de uso dessa modalidade além dos
da fala, como se as sociedades não letradas não pudessem registrar
limites da escola, apesar de destacarem o seu papel fundamental; o
suas tradições pela oralidade.
caráter de antecedência e universalidade da fala em relação à escrita,
Nesse mesmo questionamento, agora sobre LF, as professoras
já que esta veio depois daquela, e também porque ainda existem so-
relacionaram essa modalidade aos termos “símbolos verbais, verbal e
ciedades sem escrita; e finalmente, a visão de que são duas modalida-
verbalmente”, postura que achamos natural, pois faz parte do senso
des com suas especificidades e aproximações, conforme Koch (1997),
comum não incluir a língua escrita nesse campo semântico, o que
ainda neste texto.
demonstra o conhecimento não sistemático dessas professoras quan-
A importância desse avanço está na compreensão que devem
to a essa ou essas modalidades de língua. Outra professora confun-
ter das particularidades existentes e das possibilidades de se traba-
diu-se, queremos assim crer, quando disse que nessa modalidade “não lhar tanto uma quanto a outra modalidade em sala de aula, sem
entra gestos”, quando sabemos que eles complementam a comunica- preconceito e sem defender a supremacia de uma modalidade sobre
ção nessa modalidade. Outras destacaram a LF como forma de comu- a outra.
nicação, definição ampla que não se restringe a essa modalidade e É importante também avançar nas definições sobre fala e es-
sim também à LE; outra referiu-se ao momento da produção da LF crita, como fez Marcuschi (1995:351):
quando destacou as “cordas vocais” nesse processo de compreensão
sobre essa modalidade e, uma última, considerando a LF “no cotidi-
ano das crianças “...” cada pessoa tem a sua fala desenvolvida na
comunidade de origem”, o que, inicialmente, limitou a modalidade a 1 Nessa Escola existem apenas professoras lecionando nos dois primeiros
ciclos do Ensino Fundamental.
uma faixa etária e, posteriormente, a um contexto específico e não
2 Questionário aplicado como parte da minha tese de doutorado intitulada:
múltiplo. O conhecimento lingüístico dos professores de 1º a 4º níveis do Ensino
Na relação da LE com a LF, no item em que questionamos se a Fundamental: uma intervenção pedagógica, defendida em 26/06/2000.
primeira representa a segunda, algumas respostas demonstraram co- Orientadora: Profª. Drª.: Maria Bernadete Fernandes de Oliveira/UFRN.
RESUME: La langue parlée apparaît dans des exercices de jeux de rôles. Elle est l’objet d’étude de ma recherche de Mestrado, en cours, en
Linguistique Appliquée, dont les données empiriques ont ses origines dans le cours pour les débutants à l’Alliance Française de Natal.
PALAVRAS-CHAVES: expressão oral, francês falado.
Origens da pesquisa que ele deixa a sua marca, sua individualidade, suas escolhas. Momen-
to de sua expressão oral, de sua vez, de sua palavra. É a hora do teatro
Sentindo a necessidade de como fazer para os alunos falarem na sala de aula, onde o improviso e o desejo de brincar com as palavras
melhor o francês e de como melhorar minha prática de ensino na classe, ganha vez, transformando a sala num palco e as pessoas em outras
pensei em fazer a pesquisa de mestrado na própria sala que ensinava. identidades.
Haviam dezessete estudantes, adolescentes e adultos. A duração desta É um exercício de expressão oral da abordagem comunicativa,
turma de francês para iniciantes, na Aliança Francesa de Natal, é de normalmente chamado de teatro na sala de aula, onde o improviso é
cinco meses. Foram analisados três meses - março, abril e maio de bem-vindo. O objetivo do exercício é “soltar a língua”, aproveitar
2000. O primeiro mês - fevereiro - foi dedicado ao conhecimento dos desta ocasião para sistematizar de forma um pouco caótica as idéias
alunos e a ser pensada a metodologia da pesquisa. Foi preciso este que surgem. Geralmente o jeu de rôle tem como suporte um ato de
tempo, de uma lição do livro, para constituir um grupo coeso. Esperar fala, que tem sua origem teórica na Pragmática e a palavra rôle, papel,
que todos os alunos chegassem das férias e começar com a tranqüilidade vai vir da Psicossociologia, interessando muito a Didática de Línguas
necessária que se pede a pesquisa de mestrado. Dentro de cada lição Estrangeiras. Segundo o dicionário de Didáticas de línguas de Galisson
aparece um ou dois exercícios de expressão oral, aqui por nós designa- e Coste (1976) este tipo de exercício favorece a idéia do grupo-classe,
dos de jeu de rôle. A partir do segundo mês - março -, comecei a fazer os aspectos sociolinguísticos da língua que se está aprendendo, além
a coleta de dados com a gravação dos jeux de rôles e as transcrições dos dos papéis dramáticos que estão ligados aos papéis sociais na cultura
mesmos. Utilizamos as Unidades 1 e 2, com três lições cada uma, do estrangeira.
livro didático francês: Panorama de la langue française 12 para con-
cluir o curso de francês para principiantes. A sala de aula que vira palco
Surgiu a idéia de gravar as produções orais dos alunos, de fazer
transcrições dos jeux de rôles e com este material começar uma análise O jeu de rôle tem a encenação como um “faz de conta que você
lingüística. Perceber se existiam marcas da oralidade nesta produção, está num palco de teatro” e a sala de aula se transforma. Ela muda de
se estas marcas vinham dos diálogos do livro, se ele fornecia explica- significação, deixa de ser um lugar onde as pessoas têm que ficar
ções voltadas para a oralidade e ver como o livro do professor orien- comportadas e sérias ao receberem os ensinamentos e passa a ser um
tava este tipo de exercício. Para esta comunicação, nos deteremos lugar de vida, onde a livre expressão tem vez, ocupando um bom
apenas a tentativa de esclarecimento sobre o que venha a ser o jeu de espaço lúdico . A sala vai tomando aquele aspecto de lugar de jogo,
rôle, a algumas considerações sobre as instruções no livro do profes- ficando mais parecida com a vida na sua forma divertida. Durante a
sor e ao comentário das transcrições de diálogos de dois grupos que pesquisa, o lugar dos jeux de rôles aconteceram em salas diferentes
fizeram um mesmo exercício de jeu de rôle. para facilitar este desprendimento necessário com a idéia da sala de
Também foi percebida, a pequena quantidade de expressões da aula como sala de trabalho sério, incutida no imaginário de brasileiros
oralidade estudadas no método. Talvez pela importância que dão, os que passaram por uma ditadura, por um ensino repressor. Esta
metodólogos franceses, à expressão escrita, ou à idéia estereotipada proposta, de mudança de lugar, estava nos planos da pesquisa, porém
que o mundo letrado faz questão de transmitir a seus estudantes - de os alunos pediram para permanecerem na sala na primeira gravação,
que o saber escrever é mais nobre que o saber falar. fato curioso para a pesquisa. Eles sempre eram consultados antes de
Claire Blanche-Benveniste (1997: 147-148), cita o antropólo- escolhermos formas de trabalhar. No primeiro jeu de rôle gravado, foi
go americano Jack Goody (1994: 288) que afirma a respeito da unifi- perguntado aos alunos se eles prefeririam ficar na sala de aula ou sair.
cação lingüística da China contemporânea, apontando sobre a organi- Eles preferiram ficar na sala de aula deles, no lugar que eles já conhe-
zação social do poder da escrita, reproduzida igualmente pelos fran- ciam. Quanto a organização das pessoas, também foi perguntado se
ceses: eles prefeririam fazer a encenação com todos os outros alunos na sala
L’effet en retour de l’écrit sur l’oral, dont la recherche
linguistique fournit de nombreux témoignages signifie que le discours
de l’élite lettrée ira inévitablement vers les formes écrites (quelle que
soit l’origine de celle-ci) facilitant ainsi l’apprentissage de la langue 1
Mestranda do curso de Pós-graduação em Estudos da Linguagem –
écrite par ses enfants. C’est un aspect de la reproduction de l’élite.3 UFRN. Orientadora: Profª. Drª. Maria Bernadete Fernandes de Oliveira.
2
GIRARDET, Jacky ; CRIDLIG. Jean-Marie. Panorama de la langue française
O que é o Jeu de Rôle? 1 : méthode de français, Paris, Clé International, 1996.
3
«A repercussão da escrita sobre a oralidade, cuja pesquisa lingüística
fornece numerosas testemunhas significa que o discurso da elite letrada
É um contato consigo mesmo e com o outro, uma oportunida- irá inevitavelmente em direção às formas escritas (quaisquer que seja a
de de comunicar o que se sente e se pensa na língua estrangeira de origem desta) facilitando assim, o aprendizado da língua escrita pelas suas
forma lúdica. Momento de reunião dos conhecimentos aprendidos e crianças. É um aspecto da reprodução da elite.» (tradução livre da cita-
tentativa de sistematização deste saber pelo aprendiz. Momento em ção, Jack Goody,1994, p. 288).
6
“Como se chama senh- oh - senhor?” (tradução livre da transcrição).
7
G.A.R.S. Groupe Aixois de Recherche en Syntaxe; “Grupo de Aix-en-
Provence de Pesquisa em Sintaxe” (tradução livre da abreviatura, Blanche-
Benveniste, 1990, p.14 )
8
19. Loc. 3 Isto custa tem (palavra em inglês, ter) ....
27. Loc. 3 Em dinheiro. Com meu dinheiro, não? Com dinheiro...
(tradução livre da transcrição).
ABSTRACT: The aim this work is to point out that the choice of rhetorics components creates an argumentative process in classrom. This softens the distinct
relationship between theacher and student, as well as it helps the construction of shared meaning.
PALAVRAS-CHAVE: Discurso; Diálogo; Argumentação; Ensino
O objetivo desse trabalho é mostrar que se utilizando elemen- comum ao mundo greco-latino. O estudo dessa gramática era bastante
tos retóricos, como as concepções de diálogo heurístico, de transpa- funcional, pois servia para fundamentar os oradores em seus debates
rência e de reciprocidade, podemos criar um processo argumentativo públicos. No entanto, com o passar dos tempos, esses debates
que auxilia na construção de significados compartilhados em sala de tornaram-se exíguos, o que fez do estudo da gramática uma disci-
aula, envolvendo, assim, professores e alunos numa atividade plina escolar normativa, artificial e autônoma, provocando um
dialógica e amenizando as coerções institucionais da escola que faz obscurecimento de suas origens retóricas e, consequentemente,
da relação professor -aluno assimétrica. condenando o espaço da oralidade e da interação dialógica em
sala de aula.
Oralidade e discurso em sala de aula Não obstante a implantação desse quadro, acreditamos que ele
está sujeito a modificações e ajustes, desde que nos mobilizemos
Foi apenas na década de 60 que a língua falada passou a pos- para uma “ação junto aos professores”, às escolas e aos alunos.
suir um tratamento científico. Até então, lingüistas, norteados por É preciso, antes de mais nada, vermos uma aula como um con-
Saussure e Chomsky, consideravam a fala “o lugar do caos”, dada a texto e um quadro de práticas cuja construção deva ser uma ação
ordem dos inúmeros elementos pragmáticos que colaboram com a social conjunta dos participantes (Kleiman 1993:423). Para isso,
construção do texto falado. devemos conceber o discurso escolar como um diálogo, não em sua
Com a mudança de paradigma, o escopo das pesquisas passa acepção formal2 , mas num sentido filosófico, retórico e pedagógico,
do produto lingüístico para o processo interacional. A linguagem como como o fazem Ehlich e Tilburg (1986), Perelman e Tyteca (1999) e
mera verbalização deixa de possuir relevância investigativa, tornan- Reboul (1998).
do-se, assim, as condições de produção de cada atividade de interação, Esses autores, apesar das formações heterogêneas, trabalham
um aspecto a ser incorporado nas análises discursivas e textuais. com uma idéia de diálogo que propicia a construção de significados
O conceito bakhtiniano de enunciado nos faz vislumbrar as compartilhados e de processos argumentativos em sala de aula: res-
vozes, os enunciados alheios que perpassam os nossos, estabelecen- pectivamente, temos o diálogo de uso enfático, o diálogo heurístico
do relações de sentidos (...) ( Oliveira, 1998). A linguagem, mesmo e o que podemos chamar de diálogo pedagógico. Assim, entendemos
em sua modalidade escrita, é, então, vista como essencialmente esses diálogos como procedimentos dialógicos cuja finalidade é en-
dialógica. volver os participantes para encontrar “uma verdade”, uma solução
Na língua falada, no entanto, o dialogismo é mais notório, já para um problema. Em sala de aula, esse discurso dialogal vem, jus-
que locutor e interlocutor são co-autores do discurso, inscritos, de tamente, para amenizar a relação desigual entre professor e aluno.
imediato, pelo processo de comunicação, o que gera conseqüências Dessa forma, percebe-se que na construção de significados
formais, semânticas e cognitivas, caracterizadoras da linguagem oral compartilhados em sala de aula, o discurso tem um papel destacado,
e da interlocução. já que possibilita, aos participantes da interação, a exposição, a com-
Apesar da natureza dialógica da oralidade, observa-se que, em paração, a negociação e, consequentemente, a modificação de idéias
sala de aula, muito raramente, ocorre uma construção cooperativa do e representações da realidade. Isso faz com que, antes de mais nada,
texto oral. Isso porque o estilo discursivo do professor é determina- os participantes tenham de explicitar seus significados, para assim,
do pela escrita; sua fala é predominantemente referencial e planeja- utilizando-se de dispositivos e recursos de acompanhamento mútuo,
da, o que determina a existência de uma unidade que é anterior ao detectarem rupturas e mal-entendidos, objetivando resolvê-los em
processo interpretativo do outro ( Kleiman 1993:420). Assim, ficam prol comum e de acordo com os objetivos instrucionais da situação
notórios, o distanciamento do professor em relação ao aluno e a difi- (Coll e Onrubia 1998).
culdade de negociação dos sentidos. A seqüência didática analisada por nós revela a formação de
Além disso, as relações de poder em sala de aula, que privile- um contexto argumentativo através dessa interação compartilhada.
giam apenas o conhecimento de um grupo cultural, limitam os direi- Por sua vez, esse contexto fomenta um processo retórico cuja dispo-
tos do aluno, desconsiderando suas individualidades, e fazem do pro- sição oferece meios aos alunos e aos professores de controlar e acom-
fessor o único responsável pela construção de um texto, tornando o panhar a construção dos significados, ou seja, esse contexto desen-
discurso em sala de aula, altamente assimétrico. cadeia uma situação heurística, um quadro que se transforma em um
Dessa maneira, Kleiman ( 1993:422), devido às restrições instrumento a serviço do processo dialético (Ramirez e Wertsch
institucionais, não considera o texto produzido em sala de aula fruto 1998:205), reconciliando opostos em uma síntese final.
de um diálogo cooperativo. O que nós temos, então, é, como conce-
be Perelman e Tyteca (1999), um diálogo erístico, em que o profes-
sor utiliza seu saber como poder de dominação perante o aluno.
1 Mestrando em Lingüística Aplicada do Programa de Pós-graduação em
Significados compartilhados e contextos argumentativos Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Orientação da Professora Doutora Maria Bernadete F. de Oliveira.
A história da lingüística nos revela que a gramática surgiu da 2 Entendido como uma conversa entre duas pessoas e definido em termos
retórica, da apreciação dos processos argumentativos e oratórios, de tomadas de turno
A2. Pra complementar hein ... pra complementar minha argumen 3 A discussão dos fragmentos analisados gira em torno do conflito do conto
Paloma.
RÉSUMÉ:, Nous objetivons réflechir sur les relations de pouvoir en salle de classe. On travaille avec une perspective d’interaction vue comme étant une
action conjointe, conflictuese et/ou cooperative où on a, au moins, deux ou trois participants. L’analyse des donnés aura comme point de départ le concept
de pouvoir adopté par Foucault.
MOTS CLÉS: interaction, salle de classe, relations de pouvoir.
A escola, contrariamente ao desejo de muitos que a apregoam não busca minimizar o papel do Estado nas relações de poder exis-
como neutra, harmoniosa e imutável, é um organismo vivo, e, como tentes em uma determinada sociedade e sim se insurgir contra a idéia
tal, reflete em seu interior as desigualdades, os conflitos e os proble- de que o Estado seria o órgão central e único de poder; agindo assim,
mas que a sociedade vivencia no seu dia a dia, pois, “uma sala de entendia Foucault, destruir-se-ia a especificidade dos poderes que se
aula, com efeito, é uma pequena sociedade” (Durkheim, 1922, Apud pretendia focalizar. Deste modo, ele propõe uma inversão no proces-
Sirota, 1994), é “uma cena social em miniatura” ( Monnish, 1975). so investigativo: partir da especificidade da questão colocada, isto é,
Partindo deste pressuposto, pretendemos, num primeiro mo- dos mecanismos e técnicas infinitesimais de poder que estão intima-
mento, refletir sobre as práticas discursivas utilizadas pelos sujeitos mente relacionados com a produção de determinados saberes e anali-
envolvidos no processo interacional da sala de aula para, a partir daí, sar como esses micro-poderes se relacionam com o nível mais geral
identificar através das estratégias discursivas utilizadas pelo profes- do poder constituído pelo aparelho de estado. Este tipo de análise –
sor aspectos reveladores da especificidade das relações de poder en- abordagem ascendente – estuda o poder não como uma dominação
volvidas num evento desta natureza. As relações de poder são ine- global e centralizada que se pluraliza, se difunde e repercute nos
rentes ao discurso da educação (Deacon e Parker, 1995); Afinal, como outros setores da vida social de modo homogêneo, mas como tendo
diz Foucault (apud Gore,2000), uma sociedade sem relações de po- uma existência própria e formas específicas ao nível mais elementar.
der só pode ser uma abstração Para isso, trabalharemos com concei- Assim, pode-se trabalhar com a perspectiva de que ,muitas vezes, as
tos como relação de poder e discurso - da/na sala de aula. Em segui- relações de poder se instauram e se instituem fora do Estado. Contu-
da, faremos uma análise preliminar dos dados coletados numa turma do, é importante assinalar que Foucault , com esta proposta de análi-
do 3o ano do curso técnico do CEFET/RN (língua inglesa). se ascendente, não quer situar o poder em outro lugar que não o
Estado. O aspecto mais relevante dessa abordagem é a percepção de
Sobre a questão do poder que os poderes não estão localizados em nenhum ponto específico
da estrutura social. Funcionam sim como uma rede de dispositivos
Foi a partir dos estudos sobre a arqueologia do saber (1969) – ou mecanismos a que nada ou ninguém escapa, a que não existe exte-
entendimento sobre o como os saberes apareciam e se transformavam rior possível, limites ou fronteiras. Daí se dizer que o poder não é
– que Foucault resolveu buscar o entendimento do porquê do apare- algo que se detém como uma coisa, como uma propriedade. Não há,
cimento destes mesmos saberes. Nesta busca ele se deu conta da ne- de um lado, os que têm o poder e, de outro, os que não o têm, posto
cessidade da compreensão da questão do poder. que, a rigor, o poder não existe; o que existem são práticas ou rela-
Para que se tenha um entendimento claro sobre a questão do ções de poder.
poder em Foucault, é preciso ter em mente que, para o pensador fran- Um outro aspecto a se destacar se refere ao modo de ação
cês, não existe uma teoria geral e universal do poder, ou seja, o poder do poder. A genealogia desenvolve uma concepção não-jurídica
não deve ser considerado como uma realidade que possua uma natu- do poder. Assim agindo, Foucault busca mostrar que as relações de
reza, uma essência que possa ser definida por suas características uni- poder não se passam fundamentalmente nem no nível do direito,
versais. O poder não é um objeto natural, uma coisa. É uma prática nem no da violência, nem são basicamente contratuais nem unica-
social constituída historicamente.Um dos aspectos a se destacar nas mente repressivas. Com isso, ele busca demonstrar que é falso defi-
pesquisas do filósofo sobre a genealogia do poder é a evidência mani- nir o poder como algo que diz não, que impõe limites, que castiga.
festa pelo material pesquisado de que Estado e poder não são neces- A essa concepção negativa, que identifica o poder com o estado e o
sariamente sinônimos, ou seja, não há uma relação direta e exclusiva considera essencialmente como aparelho repressivo, ele acrescenta
entre poder e Estado. O que aparece evidenciada é a existência de uma concepção positiva, que busca dissociar os termos dominação
formas de exercício de poder diferenciadas e distintas do Estado, mas e repressão. O que a consideração dos micro-poderes revela é que
a ele articuladas de maneiras variadas e que são indispensáveis inclu- o aspecto negativo do poder não é tudo e talvez não seja o mais
sive à sua sustentação e atuação eficaz. Este “poder que se expande” fundamental. Ë preciso refletir sobre o seu lado positivo, produti-
,e que assume formas mais regionais e concretas, intervém material- vo, transformador. O poder possui uma eficácia produtiva, uma ri-
mente, atingindo o indivíduo e penetrando em seu cotidiano. É carac- queza estratégica uma positividade que se manifesta através do apri-
terizado como um micro-poder ou sub-poder. Ele não é necessaria- moramento, do adestramento. Nessa perspectiva, o poder busca gerir
mente criado pelo Estado, podendo, portanto, existir de forma inte- a vida dos homens, controlá-los em suas ações para que seja possí-
grada ou não ao mesmo. vel e viável utiliza-los ao máximo, aproveitando suas potencialidades
Do ponto de vista metodológico, é interessante ressaltar a pre- e utilizando um sistema de aperfeiçoamento gradual e contínuo de
caução de Foucault em procurar dar conta deste nível molecular de suas capacidades. Agindo desse modo, conseguir-se-ia uma
exercício de poder, micro-poder, sem partir do centro para a perife- maximização da capacidade produtiva e uma minimização da capa-
ria, do macro para o micro – abordagem descendente. Com isso, ele cidade de revolta do homem.
ABSTRACT: The aim of this paper is to demonstrate, in a general way, the use of the appositive constructions as strategy of textual formulation.
PALAVRAS-CHAVE: aposição, referenciação, reformulação.
1. Considerações iniciais tégias de referenciação. De acordo com essa nova perspectiva, assu-
me-se, como sugere Mondada e Dubois (1995: 276), a referenciação
O presente artigo tem o propósito de apresentar, em linhas como a “construção de objetos cognitivos e discursivos na
bastante gerais, o valor textual-discursivo das construções apositivas, intersubjetividade das negociações, das modificações, das ratificações
demonstrando de que modo o emprego de tais construções está asso- de concepções individuais e públicas do mundo”. Além disso, como
ciado a estratégias de formulação textual. Para destacar o caráter ressaltam Apothéloz e Reichler-Béguelin (1995: 227-229), os refe-
multifuncional da aposição não-restritiva, aqui serão apontadas algu- rentes devem ser concebidos como objetos de discurso, “modalizáveis
mas de suas funções concernentes aos planos textual, cognitivo e sob a forma de um conjunto – por definição evolutivo – de informa-
argumentativo-atitudinal. ções inclusas no saber partilhado pelos interlocutores”. Desse modo,
Nas gramáticas e no ensino tradicional, o termo denominado entende-se que os objetos de discurso não pré-existem “naturalmen-
aposto é estudado apenas com o propósito de uma análise sintática de te” à atividade cognitiva e interativa dos sujeitos falantes, mas são
natureza estritamente taxionômica, que não transcende os objetivos produtos dessa atividade. Segundo esses autores, aos lingüistas cabe
de identificá-lo, nos limites da oração, e de classificá-lo segundo investigar não as transformações que incidem sobre o estatuto ontológico
tipologias em torno das quais há bastante divergência. dos objetos do mundo extralingüístico, mas “aquelas que afetam a
Não existem muitos estudos sobre a construção apositiva, prin- bagagem de conhecimento de que dispõem, a cada momento do discur-
cipalmente em língua portuguesa. De um modo geral, os que foram so, os interlocutores a propósito de um referente dado, bagagem de
desenvolvidos voltaram-se, não sem motivos, para a investigação dos conhecimento que constitui, propriamente falando, a identidade do
limites conceituais dessa categoria de construção. Nesses, predomina objeto de discurso”. (Apothéloz e Reichler-Béguelin, 1995: 239-240).
uma preocupação terminológica e tipológica na busca por identificar É fácil estabelecer uma relação entre o emprego de construções
critérios que justifiquem a atribuição de um rótulo categórico único a apositivas e uma concepção construtivista e estratégica dos proces-
uma variedade de construções ditas apositivas. A esse respeito, No- sos de referenciação. A aposição constitui expediente por meio do
gueira (1999) mostrou ser mais adequado ao tratamento conceitual da qual um objeto de discurso pode ser construído segundo diferentes
aposição o enfoque de uma gramática não-discreta. perspectivas, de acordo com diferentes propósitos comunicativos.
Ultimamente, alguns poucos trabalhos têm-se voltado para uma Por ser uma construção tipicamente caracterizada pela condição de
análise das propriedades semânticas, sintáticas e pragmáticas da estabilidade referencial entre os itens que a integram, a aposição mos-
aposição em situações reais de uso da língua. Esses trabalhos (Senna: tra-se como importante mecanismo de recategorização de um mesmo
1986, Meyer:1992, Posse: 1994) têm, de fato, o mérito de ampliar o objeto de discurso.
campo de estudo da aposição. No entanto, as investigações que proce-
dem consistem, na maioria das vezes, de uma extensão de descrições 2.1. Construções apositivas e estratégias de referenciação textual
formalistas, como aplicação, ao estudo da aposição em textos especí-
ficos, de formulações feitas no âmbito de uma sintaxe imanente e de Na dinâmica de uma estrutura apositiva, as unidades podem
uma semântica de natureza extensional. estar relacionadas anafórica ou cataforicamente. Em referenciações
catafóricas, a primeira unidade opera como um expediente de
2. Aposição e referenciação focalização para a informação contida na segunda unidade.
Essa referenciação catafórica nas construções apositivas asse-
Nos estudos que buscam estabelecer os possíveis limites melha-se ao que Apothéloz e Reichler-Béguelin (1995: 248) descre-
conceituais da aposição, a correferência entre as unidades costuma ser vem como um tipo particular de recategorização lexical explícita em
apontada como um dos critérios mais seguros para a identificação de que o objeto de discurso designado por uma expressão referencial
uma construção apositiva. Todavia, possivelmente porque a maioria não foi ainda categorizado, a não ser de forma vaga. A primeira uni-
desses estudos sobre a aposição se limita ao nível da sentença, essa dade da estrutura apositiva dá início a um ambiente de expectativa e
noção de correferência prende-se a uma concepção realista da lingua- direciona a tensão para o conteúdo da unidade que a sucede, tal como
gem, segundo a qual há uma correspondência direta entre as palavras e no exemplo a seguir1 :
as coisas. De acordo com Lago (1991), por exemplo, a aposição con-
siste em uma modificação em que dois membros podem referir, inde-
pendentemente, uma mesma realidade extralingüística. A especificidade
desse tipo de modificação, de caráter necessariamente não-restritivo,
segundo Lago, consiste no fato de o termo aposto e o núcleo serem 1 Os exemplos apresentados ao longo do texto foram obtidos a partir do
banco de dados de língua escrita contemporânea que se encontra na Fa-
nocionalmente equivalentes e, desse modo, apresentarem o mesmo culdade de Ciências e Letras da UNESP-Araraquara-SP. Nesse banco de
poder designativo. dados, os textos encontram-se classificados em literatura romanesca (LR),
Nogueira (1999) propõe uma nova perspectiva para os estudos jornalística (LJ), oratória (LO), técnica (LT) e dramática (LD). As abreviatu-
sobre aposição, de modo que tal processo passe a ser visto como um ras após cada exemplo correspondem ao título da obra seguido do tipo de
mecanismo textual-discursivo que cumpre relevante papel nas estra- literatura em que ela se enquadra.
ABSTRACT: The predication (States-of-Affairs) is examined in the Portuguese language, with base in Dik (1989). Is considered that the clause is structured
in underlying layers; that the predication i one of the levels of that structure; that the “Modes-of-action” of the predicates determine the semantic functions
of their arguments and the predication types.
PALAVRAS-CHAVE: predicado, predicação, modos de ação.
Com o intuito de examinar a predicação da língua portuguesa, – predicação nuclear (nuclear predication), formada do
como reflexo da semântica interna dos predicados, realiza-se uma predicado e seus argumentos;
pesquisa considerando um corpus de 500 enunciados selecionados – predicação central (core predication), formada da predicação
de textos escritos. Esclarece-se que as incursões teóricas aqui feitas nuclear e estendida por operador de predicado p1 (localiza um EC em
sobre esses aspectos têm por base a orientação funcionalista de Dik um tempo) e satélites de nível 1 s1;
(1989). – predicação estendida (extended predication), formada da
Em primeiro lugar, define-se o que seja uma predicação; em predicação nuclear acrescida por uma variável do EC (e1)1 e modifi-
seguida, vêem-se os Modos-de-Ação do predicado (Aktiondart) Ver- cada por operador de predicação p2 (localiza um EC em um intervalo
bal (V) – não se consideraram os predicados Nominal (N) e Adjetival de tempo) satélites de nível 2 s2.
(A) – bem como as funções semânticas dos termos da predicação;
depois, analisa-se o corpus, observando como as predicações de um, Dik (1989, 67) representa esses três níveis de predicação assim:
dois e três termos, e as funções semânticas desses se relacionam com
os Modos de ação. p2 e1 :[[[p1 pred (arg)n] (s1)n] (s2)n] (e1)
As considerações aqui apontadas acerca da predicação verbal ________
na língua portuguesa fazem ver que o tratamento desse fenômeno nuclear
reflete, muito mais que o relacionamento entre predicado e termos, o __________________
envolvimento pragmático da língua em situação interlocutiva. central
________________________________
1 A Predicação estendida
Uma predicação, por sua vez, também se apresenta por meio 1 Dik usa o símbolo ei para representar o EC encaixado.
de níveis. São três os níveis de uma predicação: 2 Pass é um operador de predicação que indica o tempo em que foi realiza-
do o EC.
Pass1 [dizer (o secretário) (ei)] Definem-se e exemplificam-se, dessa feita, as funções semân-
ei = Pass [[dizer (o secretário) (brinquedos) (a crianças do bair- ticas que A2 pode assumir juntamente com A3: recipiente (é a entida-
ro)] (com alegria)] de para a qual alguma possessão é transferida); localização (é o lugar
onde alguma coisa está localizada); direção (é a entidade para a qual
Na ocorrência (5), a predicação encaixada corresponde àquilo alguma coisa se move); origem (é a entidade de onde alguma coisa
que o secretário disse. O primeiro argumento do predicado dizer é o
se move); referência (é a entidade que possibilita uma relação ser
termo secretário e o segundo argumento é toda a predicação corres-
mantida).
pondente à expressão lingüística (3).
(12) O Papa acenou para os fiéis. (A2 recipiente)
2 Os Modos-de-ação do predicado
(13) Muitos livros serão doados às escolas estaduais.
(A3 recipiente)
As propriedades semânticas do predicado, ou seja, os diferen-
tes Modos-de-Ação, determinam a natureza dos argumentos e satéli-
tes de um EC. Considerando que a semântica interna do predicado (14) Saltamosmos no Havaí. (A2 localização)
reflete as diferentes interpretações da realidade ou visão de mundo (15) A mãe foi com a filha ao comércio. (A3 localização)
de seus falantes, Dik (1989) estabelece uma tipologia de EC e não (16) O vento sopra para a continente. (A2 direção)
uma tipologia de predicados, com base em cinco parâmetros: dina- (17) O trem transporta os operários para a fábrica. (A3 direção)
mismo, controle, telicidade momentaneidade e experiência. Apenas
os três primeiros, no entanto, são indispensáveis à classificação dos (18) A confusão surgiu de uma simples conversa. (A2 origem)
tipos de EC na língua portuguesa. A combinação desses três (19) O governo expulsou os sem-terra da invasão. (A3 origem)
parâmetros resulta em seis tipos de EC (Dik, 1989: 88).
(20) O assunto se refere à política. (A2 referência)
Tipos de EC Traços semânticos dos predicados (21) Oferecemos todo o conforto possível a nossos clientes.
1 evento-ação-realização [+din] [+con] [+tel] (A3 referência)
2 evento-ação-atividade [+din] [+con] [-tel]
3 evento-processo-mudança [+din] [-con] [+tel] 4 Análise da predicação verbal na língua portuguesa
4 evento-processo-dinamismo [+din] [-con] [-tel]
5 situação-posição [-din][+con] Analisar a predicação verbal na língua portuguesa, nesta pes-
6 situação-estado [-den][-con] quisa, significa:
a) verificar a estrutura de predicado, o que implica examinar o
número de argumentos projetados pelo predicado;
3 As funções semânticas dos argumentos b) considerar os tipos de EC que correspondem às predicações;
c) conceber as funções semânticas dos argumentos.
Toda estrutura de predicado, necessariamente, apresenta, pelo Ressalta-se que, na classificação dos ECs, não se considera o
menos, um argumento, e qualquer argumento não pode desempenhar parâmetro [± tel], tendo em vista que o aspecto temporalidade não se
mais que uma função semântica. relaciona com o número de argumentos dos predicados bem como
As funções semânticas do primeiro argumento (A1) expressam com a função semântica desses argumentos e, sim, apenas com a
uma informação a mais que as funções do segundo (A2) e do terceiro subclassificação dos ECs. Então, a análise não se pauta por seis tipos
(A3) argumentos: além de informar sobre o papel semântico do único de EC, conforme classificados acima, e, sim, por quatro: situação-
argumento, informa sobre o tipo de EC, ou seja, se este é de Ação, de estado, situação-posição, evento-ação e evento-processo.
Processo, de Posição ou de Estado. Determina-se que todos os predicados são transitivos, porquanto
São as seguintes: agente (a entidade que controla uma ação), todos comportam, no mínimo, um argumento e, no máximo, três ar-
posicionador (a entidade que controla uma posição), força (a enti-
dade não-controlada que instiga um processo), processado (a entida-
de que experimenta um processo) e zero (a entidade envolvida em
um estado).
3 Dik (1989, 105) distingue meta de processado. Em ocorrências como:
(6) Eu (agente) as repito com prazer. John (Ag) moved the rock (Go) e The rock (Proc) moved, considera que
(7) Eu (processado) envaideço-me do meu filho. the rock, na primeira frase, é meta e, na segunda, é processado. Fillmore
(8) Essa câmera (força) projeta luz. (1968), Chafe (1970) e Jackendof (1972) consideram que the rock, em
(9) Meu pleito (zero) está garantido. ambas as frases, tem uma só função, assim, para Fillmore, é objetivo, para
(10) As crianças (posicionador) esperam a professora no jardim. Chafe, é paciente e, para Jackendof, é tema. Para Bloomfield (1933) meta
tem o mesmo sentido que tem para Dik.
ABSTRACT: The aim of this work is to analyze aspects of the functionalist approach of the layered structure of linguistic representation to the study of the
evidential modal category
PALAVRAS-CHAVE: funcionalismo, modalidade epistemológica, evidencialidade.
ABSTRACT: The aim of this work is to argue that topicalized structures are associated to communicative strategies that show evidence of a
continuum between oral and written registers. The relative independence from syntactic restrictions allows us to relate those structures to the level
of discursive planning.
PALAVRAS-CHAVE: Topicalização, planejamento discursivo, fala e escrita.
Apesar da existência de um representativo número de trabalhos aumentando, dessa forma, a escala potencial de estruturas disponíveis
abordando o fenômeno da topicalização no português do Brasil1 , para uso. Entre as estratégias comunicativas que emergem mais tarde
parece continuar prevalecendo o entendimento tradicional de que as no discurso do adulto provenientes de estágios anteriores, Ochs faz
estruturas topicalizadas nada mais representam senão realizações lin- referência àquelas em que, mais do que por meios sintáticos, os argu-
güísticas mal formuladas próprias do universo caótico da oralidade. mentos e seus predicados são ligados através de sua posição na
Se, por um lado, a análise que a gramática tradicional faz das estrutu- sentença. Percebemos, nessa análise, uma aproximação teórica com as
ras de tópico e comentário se limita a aspectos formais, propostas formuladas por Givón (1979), para quem a linguagem hu-
desconsiderando a função discursivo-pragmática desse tipo de cons- mana teria evoluído do modo pragmático para o sintático e, por isso
trução, por outro, a perspectiva dicotômica que separa com rigidez as mesmo, a sintaxe teria evoluído a partir do discurso. A diferença entre
modalidades oral e escrita deixa de levar em consideração significati- os autores, ao que nos parece, fica unicamente por conta do foco
vos aspectos da língua, os quais consideramos, ao lado de muitos adotado: enquanto a hipótese de Givón para a evolução da linguagem
autores, indispensáveis ao entendimento das diferentes estratégias engloba tanto a filogenia quanto a ontogenia, Ochs trabalha numa
empregadas durante o ato de fala. perspectiva ontogênica.
Neste trabalho, interessa-nos, particularmente, dois tipos de A distinção terminológica utilizada pela autora entre discurso
topicalização: planejado e discurso não planejado se opõe à perspectiva tradiconal
que dicotomiza as modalidades oral e escrita e procura dar conta de
a) aquele em que os papéis de tópico e de sujeito são codificados por certas situações comunicativas em que a confiança em determinados
itens distintos, mas correferentes, como no seguinte exemplo: padrões lingüísticos se vê afetada. O conceito de planejamento tem
como base a idéia de premeditação e de propósito de organização.
(01) ... a casa de minha avó... ela é grande sabe? Desse modo, diferentemente do não planejado, o discurso planejado é
(Língua falada, 8a série, p. 347)2 compreendido como sendo aquele que foi pensado e organizado antes
de ser produzido. Obviamente, essas são formulações extremas, uma
b) aquele em que esses papéis são codificados por itens distintos vez que em nosso dia-a-dia nos deparamos com situações discursivas
tanto do ponto de vista morfossintático quanto semântico, como ocorre relativamente planejadas ou não planejadas. O planejamento discursivo,
no exemplo abaixo: em seus extremos, poderia, assim, ser exemplificado com a produção
escrita acadêmica e a conversa espontânea, respectivamente.
(02) ... esse acampamento todos os meus amigos foram. Dos quatro traços apontados por Ochs para distinguir o dis-
(Língua falada, 8a série, p. 303) curso relativamente não planejado do planejado, interessa-nos par-
ticularmente dois, uma vez que nosso objetivo, como já afirmado
O que nos parece evidente é que qualquer classificação sintática anteriormente, é estabelecer relações entre o nível de planejamento
tanto para o SN a casa de minha avó em (01) como para o SN esse discursivo e o recurso da topicalização. Segundo o entendimento da
acampamento em (02) se torna um tanto forçada. Esses SNs se mos- autora:
tram relativamente independentes da oração-comentário que os segue,
sem desempenharem nela qualquer função sintática. Antes, são toma- 1) No discurso relativamente não planejado, mais do que no planeja-
dos como ponto de partida da porção do discurso que os seguirá. O do, os falantes confiam no contexo imediato quando expressam as
informante os seleciona como o elemento central a partir do qual a proposições.
informação será transmitida. Trata-se, portanto, de SNs marcadamente
discursivos que recebem o rótulo de “tópico”. Conforme Chafe (1976) Esse traço remete-nos às relações argumentos-predicado sem
e Li e Thompson (1976), o que caracteriza o tópico é ele estabelecer uso de meios sintáticos e ao apagamento de referentes. O exemplo a
um quadro de referência para o que vai ser dito a seguir. seguir, encontrado em nosso corpus, ilustra essas características:
Partindo das idéias propostas por Ochs (1979), pretendemos
estabelecer relações entre o nível de planejamento discursivo e o
recurso da topicalização. Em seu trabalho, a autora procura mostrar 1
Merecem ser destacados, aqui, os trabalhos da professora Eunice Pontes
que as estratégias lingüísticas adquiridas em um momento anterior do Sujeito: da sintaxe ao discurso, de 1986 e O tópico no português do Brasil,
desenvolvimento da linguagem não são abandonandas, conforme o de 1987.
2
entendimento de algumas propostas, mas ficam disponíveis e emer- Nossos dados são provenientes do Corpus Discurso & Gramática – a língua
gem sob certas condições comunicativas. Ou seja, os padrões comuni- falada e escrita na cidade do Natal (D&G), publicado pela Editora da
UFRN.
cativos anteriores coexistem com os adquiridos mais recentemente,
(3’) ... todo mundo tomou banho de piscina... depois teve a Nesse exemplo, a informante, ao iniciar sua fala, aponta, pri-
hora do almoço... cada um tinha a su/sua mesa... né... na sombra... a meiramente, o referente sobre o qual todo o restante do texto irá tratar.
árvore... todo mundo teve a sua hora de almoço... almoçamos e de- A função comunicativa básica dessa estratégia discursiva é abrir espa-
pois... continuamos à tarde... jogando bola... ço para um tópico contrastivo, já que ele é selecionado entre todas as
outras possibilidades oferecidas na solicitação do entrevistador. Aqui,
De uma maneira econômica, informante e entrevistador se enten- a função contrastiva é ainda salientada pelas três diferentes formas de
dem, não explicitando o que pode ser suprido pelo todo do discurso. codificação utilizadas pela informante para o mesmo elemento tópico:
No trabalho de Li & Thompson (op.cit.) sobre a ordenação primeiro o SN o meu colégio é contrastivo com todos os outros luga-
vocabular e especialmente sobre topicalização, os autores identificam res possíveis de serem descritos; o segundo SN, o Ferro Cardoso,
as construções de “duplo sujeito” como sendo os casos mais claros de representa mais um recorte, uma vez que determina de qual colégio se
estruturas de tópico-comentário. Isso porque, conforme observado, fala; por fim, o pronome ele, anafórico, funciona como reforço na
todas as línguas com proeminência de tópico têm construções desse indicação do elemento escolhido para ser o tópico. A sequência se-
tipo, enquanto nenhuma língua com proeminência de sujeito as tem. guinte, eu gosto... eu gosto de ficar lá né..., representa o comentário
Como exemplo, citam a seguinte estrutura do japonês: que é feito sobre o tópico selecionado (repetido no advérbio lá). As-
sim, a ordenação dos constituintes no início da resposta da informante
(4) Gakkoo-wa buku-ga isogasi-katta ilustra, antes de mais nada, uma construção de tópico-comentário, de
“Escola, eu estava ocupado” nível pragmático-discursivo.
Note-se que o exemplo retirado de nosso corpus e o citado por (6) ... há uma... é... a religião verdadeira né... que é o amor... o
Li & Thompson apresentam características semelhantes. amor que você tem a Deus... o amor que você tem a seu próximo...
agora... geralmente as seitas... elas não têm interesse de mostrar...
2) No discurso relativamente não planejado, mais do que no planeja- de... de mostrar... a verdade... não é... de mostrar Deus...
do, os falantes confiam em estruturas morfossintáticas adquiridas nos (Língua falada, 3a. série, p. 292).
primeiros estágios de desenvolvimento da linguagem. No planejado,
fazem uso de estruturas que emergem relativamente mais tarde. No exemplo (6), a seqüência em negrito representa uma que-
bra da expectativa natural decorrente do fluxo do texto, uma vez que a
informante vinha falando da “religião verdadeira”. A entrada de um
Aqui, além dos aspectos relacionados às vozes e aos tempos novo tópico - “as seitas” -, altamente contrastivo com o anterior,
verbais, Ochs (op. cit.) salienta os modos de referência para caracteri- requer uma abertura de espaço especial, o que é garantido pela cons-
zar os níveis de planejamento. Segundo os achados da autora, no trução de tópico-comentário.
discurso relativamente não planejado sobressaem-se as construções
em que primeiro o falante nomeia um referente para depois apresentar As estruturas que estão sendo aqui examinadas são produzi-
uma proposição completa acerca daquele referente. Ochs nos lembra das, predominantemente, na oralidade. Entretanto, em nossos dados
ainda que um tipo particular de construção com referente mais propo- de material escrito, encontramos o seguinte exemplo:
sição é mais comumente discutido pela lingüística: o deslocamento
para a esquerda. Pontes (1987) atribui a Ross (1967) a distinção entre (7) Quando eu e os meus amigos chegamos ao local de partida,
topicalização e deslocamento para a esquerda. Para Ross, essa distin- todos estavam alegres pensando que tudo não ia passar de um sim-
ção se baseia essencialmente no fato de que, no caso de deslocamento ples piquinique. Todos nós trouxemos uma mochila, dentro dessas
para a esquerda, aparece um pronome que o autor chama de pronome- mochilas havia mais comida do que utensilios pessoais. Mas, ainda
cópia. No caso de topicalização, esse pronome não vai aparecer. Como no local de partida teve um momento em que o tenente do curso
podemos observar nos exemplos apresentados, quando o tópico e o começou a revistar nossas mochilas. As mochilas que tinham comi-
sujeito são correferentes, estamos diante de um deslocamento para a da dentro, foi revistada toda a comida. Algumas pessoas até protes-
esquerda, ex. (1), quando não, temos topicalização, ex. (2). Com rela- taram.
ção a essas estruturas, esclarece Votre (1992) que (Língua escrita, 8a. série, p. 315).
ambos os processos estão estreitamente associados a estraté- A estrutura em negrito, ao que nos parece, apresenta todas as
gias discursivas para atrair a atenção do interlocutor, e atuam características de uma construção de tópico-comentário. Tem-se, pri-
dentro de um domínio funcional complexo que podemos rotu- meiramente, um tópico (as mochilas que tinham comida dentro) -
lar de contrastividade. É essencialmente a função contrastiva, com um grau maior de complexidade estrutural em relação aos exem-
com todos os seus reflexos funcionais e suas contrapartes es- plos precedentes -, seguido de uma oração que funciona como um
truturais, que melhor explica o mecanismo de anteposição para comentário, completando a informação sobre o referente-tópico.
fora dos limites estruturais da cláusula. Entendemos que nossos dados e as considerações aqui apre-
sentadas, necessariamente restritas pelas circunstâncias, reforçam a
Os exemplos a seguir ilustram a afirmativa de Votre: necessidade de uma análise diferenciada para as chamadas estruturas
ABSTRACT: In this paper, I discuss some mechanisms responsible for the inpersonalization process in spoken language. Based on the contemporary
functional linguistics, the aim is to elucidate the iconic relation between the inpersonality notion and its forms of codification.
PALAVRAS-CHAVE: Funcionalismo; iconicidade; impessoalização.
Por outro lado, existem outras estratégias de expressão super- Análise de alguns dados
lativa notadamente distintas das tradicionais. São as que se codifi-
cam através de mecanismos morfossintáticos extremamente mais Desfazendo-se o credo da maioria dos gramáticos, o superlati-
complexos e incomuns, os quais indicam haver determinados fatores vo intensivo não se refere sempre a algo que está em seu grau mais
que motivam o seu uso. Esses recursos ainda são quase que exclusi- elevado possível; também não significa que deva prescindir de qual-
vos das situações de fala espontânea e informal, em que se observa quer parâmetro comparativo com outra entidade. Ao contrário, pode
alto índice de criatividade e subjetivismo. Eis algumas amostras co- representar diferentes níveis conceptuais de graduação e supõe partir
lhidas do Corpus Discurso & Gramática - a língua falada e escrita de alguma noção que se tome como referencial comparativo. Assim,
na cidade do Natal (Furtado da Cunha, 1998): o exagero na intensividade decorre do fato de que, na concepção do
falante, a partir do contato deste com a realidade, um determinado
(3) “Eu acho isso que o namoro de hoje está muito avançado de-
elemento é julgado como estando em um patamar nocional superior
mais...” (Relato de opinião escrito, aluna da 8a série, p. 363);
ou inferiormente ainda mais estendido em relação a outro. Isso está
(4) “... eu só conheço... quer dizer eu num conheço... só vejo de
vinculado à manifestação de conteúdo semântico-cognitivo, ou seja,
longe... achei [o rapaz] bem bonitão...” (Relato de opinião falado,
à função ideacional da linguagem.
aluna da 8a série, p. 339);
Invocando o subprincípio icônico da quantidade, ao qual se
(5) “... Pelotas é uma cidade quase do tamanho de Natal... linda...
alia a complexidade semântica, é inegável que, mesmo nas constru-
linda... linda... linda...” (Narrativa experiencial falada, aluno do 3º
grau, p. 102)”. ções tradicionais do superlativo, a motivação icônica é, de certo modo,
transparente, uma vez que, tanto na forma analítica como na sintética
Não obstante a essas constatações, as abordagens existentes há um morfema a mais (um advérbio ou um sufixo intensificadores),
sobre isso oferecem pouco esclarecimento, limitando-se a uma des- refletindo o acréscimo de um traço semântico (elevação de grau) à
crição parcial e normativa. Em virtude disso, lanço-me, neste traba- noção básica do vocábulo. Tem-se, assim, a relação motivada entre
lho, a um levantamento e a uma análise desses casos, procurando conteúdo e expressão. Observe-se o fragmento textual a seguir:
identificar as pressões funcionais subjacentes ao seu emprego e for-
necer subsídios para o redimensionamento da ação docente. (6) “... então ele [o floculador] vai girando e isso... essa mistura len-
Utilizo como referencial analítico os postulados teórico- ta... essa velocidade diminuída e essa mistura que ela vai fazendo...
metodológicos do funcionalismo lingüístico contemporâneo, confor- vai ajudando a formar os flocos que eu disse... né... aí... ele passa
me definidos por Halliday, Givón, entre outros. Dentro desse quadro para o segundo floculador... isso ele chama floculador um... floculador
teórico, selecionei o princípio de iconicidade e as funções da lingua- dois em diante... aí ele passa pro dois vai ser menor do que do um...
gem, procurando considerá-los como um conjunto de parâmetros (...) então se reduz a velocidade do giro lá do mecanismo... aí vai pro
analíticos cujos conceitos estão entrelaçados e interdependentes. terceiro floculador... floculador três aí a velocidade é menor ainda...
mas é bem pequena mesmo a velocidade... você mesmo vê assim a
Breves esclarecimentos teóricos água girando bem devagarzinho... certo? (Relato de procedimento
oral, aluno do 2o grau, p. 197).
De uma maneira geral, iconicidade em lingüística é definida
como a correlação natural entre o código lingüístico e seu designatum As expressões gradientes da velocidade dos floculadores, atra-
(Givón, 1995; Haiman, 1980). Portanto, esse princípio vincula-se vés das quais se quer passar a idéia de decréscimo da aceleração até
diretamente à idéia da não-arbitrariedade na linguagem, vista aqui um ponto excessivamente reduzido, partiram de um termo adjetivo
sob uma ótica moderada. Dentro dos subprincípios da iconicidade, de noção básica - “lenta” (ou “diminuída”). Depois intensificou-se
destaco o da quantidade, ao qual também se prende o da complexi- essa noção para menos, codificada com o comparativo intensivo de
dade semântica. Por esse subprincípio, estabelece-se que: quanto inferioridade - “menor do que” - até chegar a um grau de lentidão
maior for a quantidade de informação, maior será a quantidade de superelevado em relação aos seus antecedentes, formatado com ma-
forma para codificá-la (Votre, 1994). Aqui, tomo esse subprincípio terial lingüístico mais extenso e enfático (“menor ainda... bem pe-
também numa perspectiva qualitativa, uma vez que, na manifestação quena mesmo... bem devagarinho”). Significa que os variados está-
de superlatividade, tem-se o acréscimo de um traço nocional ao adje- gios de gradação tendem a ser verbalizados através de recursos
tivo/advérbio em termos graduais, resultando em níveis diversos de morfossintáticos que retratem essas nuances semanticamente escala-
complexidade cognitiva.
ABSTRACT – This paper leads with the phonetic variation in a situation of linguistic contact. We observe the variation of /R/ in the variety of Portuguese
spoken by the Fulni-ô Indians and make two considerations about the phenomenon: the scientific and the social implications.
PALAVRAS-CHAVE – Contato lingüístico, interferência, fonologia, Ya:thê.
Introdução série de fatos observados, como, por exemplo, o fato de que a vogal do
Os Fulni-ô são um grupo indígena brasileiro cuja reserva está núcleo silábico não pode ser longa nem nasal. Desse modo, podemos
localizada no município de Águas Belas, Sul do Estado de dizer que os dois tipos constituem sílaba pesada, dado que v: e vâ não
Pernambuco. Esses índios destacam-se entre os demais povos indí- aceitam uma consoante na coda.
genas do Nordeste por serem os únicos em toda a região a terem Os sons que podem preencher a posição de coda silábica são:
preservado sua língua materna, o Ya:thê. A língua é considerada per- a) não-contínuas surdas, simples e aspiradas:[t], [k], [ ], [th], [kh].
tencer ao tronco lingüístico Macro-Jê, segundo Rodrigues (1986) e b) nasal labial: [m]
isolada em relação a qualquer outra família lingüística. Ela tem sido c) contínuas simples: [f], [s], [S]
objeto de estudo de diversos trabalhos em diferentes perspectivas: d) africadas: [ts] e [t]
Meland (1967); Meland (1968); Lapenda (1968); Barbosa (1991); e) lateral: [l]
Costa (1993); Costa (1994). f) aproximantes; [w], [y] e [h]
Aqui, trataremos de um fato particular: a realização do fonema Todas essas consoantes em coda silábica apresentam transi-
/R/ do Português quando realizado por falantes Fulni-ô, que têm como ção aberta com a consoante seguinte. Na verdade, consoantes em
língua materna o Ya:thê, um sistema diferente do Português. Para coda silábica são, na maior parte, resultado do apagamento de uma
essa tarefa duas causas nos impulsionam. A primeira diz respeito a vogal não acentuada, que, ao cair, deixa um tempo curto, um resíduo
uma necessidade de cunho mais científico, com a tentativa de com- vocálico que passa a se realizar em harmonia: a) com a vogal elidida;
provar como fatos de um sistema – no nosso caso, fonético-fonológico ou b) com a vogal da sílaba seguinte:
– pode interferir em outro sistema com o qual está em contato; a
segunda, de cunho, por assim dizer, social, procura demonstrar que a (6) /dade+ka/ → [dati.ka] “chefe”
estigmatização que se manifesta quando grupos majoritários ou fa- (7) /e kaka+ka/ → [e.kaki.ka] “é bom”
lantes de uma língua ou dialeto de maior prestígio não se justificaria (8) /e to.ka/ → [e.t.kwa] “matar”
se, sobretudo, professores dessa língua conhecessem os fatos (9) /thafa+kee+ka/ → [thafi.kei.kja] “gato”
lingüísticos, a partir de uma argumentação científica consistente, que (10) /ts.ka/ → [ts.ka] “homem”
são as causas dos aspectos de pronúncia desprestigiadores da língua (11) /e ti+ka/ → [e.ti.kja] “chegar”
L (Fishman, 1971)1 . (12) /tuli+ka/ → [tuli.kja] “subir”
(13) /a.we.de/ → [aw.de] “todos”
1. A realização do // na fala Fulni-ô (14) /thayi+saka/ → [thay.sa.ka] “macaco”
Os falantes Fulni-ô, quando utilizando o Português, realizam o (15) /i o+ka+hele/ → [djo.kahe.le] “eu estou indo”
fonema // em travamento silábico, em meio de palavra, do seguinte
modo: Enfatizamos aqui o comportamento de /l/ no sistema fonológico
do Ya:thê, por ser ele a única líquida da língua e a que mais se apro-
Pronúncia regional Pronúncia Fulni-ô xima, foneticamente falando, do fonema /R/ do sistema fonológico
(1) [mhkadu] → [mikadu] “mercado” do Português.
(2) [pohke] → [poike] “porque” Os exemplos seguintes mostram a realização de /l/ quando em
(3) [vhgoa] → [vigoa] “vergonha” posição de coda silábica em Ya:thê:
(4) [phdi] → [pidi] “perdi”
(5) [phtugejs] → [pitugej] “português” (16) /palnoka/ → [palinoka/ “Recife”
(17) /tElne] → [tEline] “desmanchar”
A realização apresentada pelos Fulni-ô pode ser descrita do (18) /kili+ka/ → [kilikja] “subir”
seguinte modo: a pronúncia [h] da fala regional passa a [R] na fala (19) /kfala+ka/ → [kfalÃka] “escutar”
Fulni-ô. A transição entre esse [R] e a consoante em onset da sílaba (20) /kfala+se/ → [kfalÃse] “lembrar”
seguinte, por sua vez, é aberta: uma vogal reduzida, a que Malmberg (21) /e lo+ka/ → [elÃkwa] “defecar”
(1963) chamou som parasítico, é aí introduzida.
RÉSUMÉ: Ce travail a comme but présenter la constitution historique du genre discusif slogan politique. Pour cela, nous discuterons, tout d’abord, en
nous basant sur les idées de Bakhtine (1992), pourquoi l’on affirme que le slogan politique se constitue comme un genre discursif singulier. Après, en
prenant compte les idées de Berman (1986), e Foucault (1999), nous proposons que le genre discursif slogan politique est un produit tipique de la modernité,
ce qui entraîne dire qu’il se constitue encore comme un des moyens linguistiques qui soutiennent/renforcent l’idée de ce qui est être moderne.
PALAVRAS-CHAVE: Slogan político ;texto ; gênero discursivo ;modernidade
Slogan político : o caminho da pesquisa Escócia ‘o grito de guerra de um clã’. Suas origens, contudo, podem
ser buscadas muitos séculos antes de Cristo. Na cidade italiana de
São relativamente poucos os trabalhos que tomam o slogan Pompéia, destruída por uma violenta irrupção do Vesúvio em 24 de
como objeto de estudo, quer seja de um ponto de vista psicológico, agosto de 79 d. C. era uma prática de seus moradores a grafitagem de
lingüístico, filosófico ou discursivo. O mais conhecido desses estu- propaganda eleitoral e de anúncios de peças teatrais nas paredes exter-
dos é o de Olivier Reboul, cujo título é exatamente O Slogan. Nele, nas de suas casas. Provavelmente, esses grafites estejam nas raízes da
Reboul conceitua e analisa os mais diversos tipos de slogans (publi- árvore genealógica dos modernos slogans políticos e publicitários.
citários, religiosos, pedagógicos, políticos, entre outros), produzi- Somente no século XVI, os ingleses adotam o termo, trans-
dos durante os dois primeiros terços do século passado, em alguns formando-o no século XIX, em enunciado político, muito similar a
países da Europa (França, Itália e Alemanha) e da América do Norte uma palavra de ordem. É nesse momento que irrompe o slogan
(Estados Unidos e Canadá), verificando, principalmente, suas ori- político como um enunciado distinto dos demais. Com o passar dos
gens, suas funções na sociedade, suas relações com os destinatários, anos, o slogan começa a se deslocar do campo da política indo se
suas relações com as figuras da retórica, suas principais diferenças e alojar também no campo da publicidade. Provavelmente, as ra-
similaridades com outros enunciados de curta extensão (provérbios, zões que possibilitaram tal irrupção estejam diretamente relaciona-
palavras de ordem, clichês, divisas, chistes), sua relação com o in- das com o advento da Revolução Industrial, ocorrida na Grã-
consciente dos destinatários e também o seu poder de se fazer crer. Bretanha, entre os séculos XVIII e XIX, uma vez que, com a passa-
O autor conceitua o slogan como : gem da oficina artesanal para a fábrica passou-se a produzir merca-
dorias em larga escala, exigindo um mercado cada vez mais cres-
uma fórmula concisa e marcante, facilmente repetível, polê- cente de consumidores. Com isso, a concorrência entre as fábricas
mica e frequentemente anônima... que age pelo que não diz, desencadeou todo um conjunto de estratégias publicitárias com
por aquilo que lhe permite dissimular sua natureza de slogan objetivo enredar o consumidor, levando-o a comprar. Irrompe en-
e de apelar para o que há de infantil em nós (Reboul, 1975, p. tão, a moderna publicidade como mais um dos instrumentos que
39-40). ajudam na vendas dos produtos.
Interessante que paralelo a esse processo, os candidatos a su-
Pela conceituação que o autor faz do slogan, podemos perce- frágios eleitorais, que na sua grande maioria eram os propietários
ber que seu trabalho está ancorado em duas perspectivas teóricas : dessas indústrias, passaram a adotar em suas campanhas eleitorais as
na Pragmática da escola de Oxford e na Psicanálise freudiana. Nos- mesmas estratégias de marketing de venda de seus produtos. Assim,
so estudo porém, busca subsídios teóricos nas formulações de Mikail seus nomes se transformaram em mais um dos produtos a serem ven-
Bakhtin (1992), de Michel Foucault (1999), e de Marshal Berman didos aos consumidores/eleitores. E o slogan político como mais dos
(1986), uma vez que, diferentemente das perspectivas adotadas por recursos de venda desses candidatos. Irrompe aqui, a economização
Reboul, estas postulações articulam o lingüístico ao sócio-histórico, do slogan, uma espécie de migração do político para o publicitário.
evidenciando que ‘todas as esferas da atividade humana ... estão sem- Em 1927, já com o característico publicitário misturado ao
pre relacionadas com a utilização da língua ... que elabora seus tipos político tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos, o slogan po-
relativamente estáveis de enunciados’ (Bakhtin, 1992, p. 279), o lítico irrompe na França. Seu significado, contudo, possui um valor
que implica em dizer que todo discurso para se legitimar em nossa pejorativo, justamente por estar amalgamado à propaganda. É digno
sociedade deve se inscrever numa determinada ordem discursiva, de nota que essa carga depreciativa do slogan permanece até os nos-
passando por princípios de controle e de delimitação. ‘Sabe-se que sos dias. Para comprovarmos o que estamos enunciando, basta dei-
não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em xarmos as comportas de nossa memória discusiva se abrirem e lem-
qualquer lugar circunstância, que qualquer um, enfim, não pode fa- brarmos, por exemplo da Campanha da Fraternidade, que ao longo
lar de qualquer coisa’ (Foucault, 1999, p. 9). Embora saibamos da de seus mais de vinte anos de existência nunca utilizou o termo slogan
urgente necessidade de se refletir mais acuradamente sobre o slogan como enunciado-tema, o vocábulo escolhido sempre foi lema.
de maneira geral, justamente devido à sua importância na sociedade
da emformação na qual vivemos, por questões metodológicas, Slogan político : um gênero discursivo
centraremos nossa reflexão somente no slogan político.
Antes de explicitar as razões que nos levam a conceituar o
Slogan político : historicidade e economização slogan político como um gênero discursivo distinto dos demais, é
necessário que façamos mesmo que de forma não exaustiva uma dis-
Segundo o dicionário Petit Robert (1994, p. 2099), o tremo tinção entre texto e gênero. Para tanto, buscaremos amparo na teoria
slogan é de origem gaélica: sluagh-ghairm e significava na velha do dialogismo de Mikail Bakhtin.
RESUMÉ: Sur le point de vue du dialogisme chez Bakhtine et moyennant la lecture du conte “A quinta história” de Clarice Lispector, cet étude se
propose à mettre en débat l’interprétation comme dialogue infini, oú on écoute les paroles et on percevoit vestiges de la mémoire discoursive des
interlocuteurs participants du procès de la lecture.
PALAVRAS-CHAVE: literatura; leitura; interpretação; dialogismo
É comum, diante de um texto cuja leitura nos foi recomenda- do a comunicar-se, já que é essencialmente produtor e consumidor
da, buscarmos sofregamente ouvir os ecos que nos farão sentir o gos- de significados. Na esteira de Bakhtin, Brait (no prelo) afirma: “o
to, ou que seja apenas a ressonância, do prazer da leitura, só possível, diálogo, enquanto estrutura enunciativa e enquanto forma dialógica
evidentemente, quando construímos sentidos. Não é incomum, por constitutiva da existência das atividades de linguagem, atravessa o
isso, adentrarmos os labirintos da palavra, ou, como quer Valéry, a campo de visão e desdobra a possibilidades do ver, incluindo inces-
“floresta encantada da linguagem”, e aí termos de nos perder um santemente a história e a memória na cena de produção de sentidos e
pouco antes de delinear uma trilha própria, possível mediante nossa de seus efeitos”.1
memória da qual vamos puxando fios e associando-os às pegadas do Também pela sua concepção dialógica do ser é que Clarice
autor nas marcas discursivas do texto, aos ecos de leituras anteriores Lispector é convidada a compor a presente comunicação. O conto “A
¾ do próprio autor, nossas e de outros leitores e críticos já feitas do quinta história” pode ser considerado paradigma da leitura como di-
mesmo texto ¾ tudo mediado pelo calor da hora e pelo próprio risco álogo, colóquio infinito cuja tecitura se faz como um tapete é feito de
da palavra que nos lança na ordem arriscada da leitura. Daí quase vários matizes e pontos que se repetem para compor o todo. E a pró-
sempre nos dividirmos entre resistir à tentação de inaugurar novas pria Clarice evidencia a consciência disso: “uma história é feita de
veredas, evitando o perigo dos possíveis precipícios, e ousar novos muitas histórias” ( 1989:12). Trata-se da repetição, mas de uma repe-
caminhos, muitas vezes “loucos e longos” (Rosa), na busca do tênue tição que se abre ao infinito. Para Bakhtin, a palavra terá sempre seu
fio d’água para acalmar a sede dos sentidos. festival de regresso. Com a palavra bakhtiniana ecoando em Foucault
Mais difícil é quando, nas primeiras investidas, não degusta- (1999: 26), temos: “o novo não está no que é dito, mas no aconteci-
mos o sabor prometido. Essa foi minha reação ao primeiro encontro mento de sua volta”. Retomando o ponto tecido por Bakhtin (1997:
com o texto que tomo aqui para ler e refletir sobre leitura e interpre- 335), explico:
tação: o conto “A quinta história”, de Clarice Lispector (1989). Onde
a beleza referida por quem recomendara a leitura? Onde os sentidos? qualquer oração, mesmo complexa, dentro do fluxo ilimitado
Na memória, o mesmo sabor acre da náusea quando da leitura de A do discurso pode ser repetida ilimitadamente e de uma forma
paixão segundo G.H., o mesmo travo sentido na garganta: aceno de perfeitamente idêntica, mas, enquanto enunciado (ou fragmento
possibilidade de diálogo ¾ a escritura clariceana, acenou-me a me- de enunciado), nenhuma oração, ainda que constituída de uma
mória, não é afeita exclusivamente ao belo ¾, mas ao mesmo tempo única palavra, jamais pode ser repetida, reiterada, duplicada:
uma provocação. Quando não há empatia com o que lemos, esforço sempre temos um novo enunciado (mesmo que em forma de
maior nos é exigido para alcançarmos os vestígios que possam nos citação).
acordar a memória. Em leitura, não se trata do enigma da esfinge:
“decifra-me ou devoro-te”, mas de diálogo. E tal como o fio de Ao tratar especificamente do problema do texto, Bakhtin abor-
Ariadne, nossa memória não nos desampara; esse é o consolo: saber da a tradução, afirmando que “um texto (diferentemente da língua
que nunca estamos sós no labirinto. enquanto sistema de recursos) nunca pode ser traduzido até o fim,
Concebendo a linguagem como uma arena, um lugar de emba- pois não existe um texto dos textos, potencial e único” (1997: 333).
tes e debates, Bakhtin assevera a natureza dialógica da palavra, asso- Estendendo essas considerações à leitura, tem-se, aí, a idéia de
ciando-a a uma concepção mais ampla do homem e da vida. Para ele, infinitude da compreensão, incompletude da leitura; a concepção da
“Ser significa comunicar-se dialogicamente. Quando o diálogo ter- palavra sem fronteiras e a confirmação de que o sentido nem é exclu-
mina, tudo termina” (Clark & Holquist: 108). Mas diálogo, na acepção sividade do falante nem de um sistema abstrato pré-existente, mas é
bakhtiniana, é também conflito. O gosto amargo retido na memória
da leitura de A paixão segundo G.H. é um bom exemplo.
Comunico-me, logo existo poderia ser uma máxima a sinteti- 1 No Filme Náufrago (Zemeckis, 2000), a relação que se cria entre o prota-
zar o pensamento de Bakhtin. (Aliás, essa máxima deveria preceder a gonista solitário e a bola que encontra nos destroços do avião é um bom
cartesiana Cogito, ergo sum “Penso, logo existo”, já que se não enun- exemplo do diálogo, ainda que imaginário, como um requesito para a cria-
cio meu pensamento pela minha voz, letra ou qualquer outra lingua- ção. Já dizia Merleau-Ponty que é por meio das fissuras abertas pelas pala-
gem, ele não se tornará expresso). Concebendo a linguagem em sua vras que as potencialidades do homem fluem. Apenas quando cria um
dimensão social, cultural e histórica, o estudioso russo compreende- interlocutor “Wilson”, representado por um rosto que ele próprio dese-
a como produto da interação entre os sujeitos, e por isso postula o nha com sangue de sua mão machucada na bola, quando se sente provodado
por esse interlocutor, na cena em que desesperadamente tenta produzir
dialogismo como princípio de toda a expressão verbal. Mas a interação
fogo, o náufrago consegue entabular um diálogo imaginário e a partir daí
não se configura como uma mera situação de conversação, pois trata- suportar a solidão da ilha e idealizar alternativas para sua “fuga”,, ou, como
se, antes, de aceitar que o homem, como ser de linguagem, está fada- diz o próprio protagonista, “encontrar razões para respirar”.
RÉSUMÉ: Ce travail veut discuter la interpretation d’après la perspective dessinée par Michel Foucault, ayant comme point de partie les textes “Nietzsche,
Freud & Marx” et “Theatrum Philosoficum”, où sont ébauchés les arguments vers une teorie de la interpretation.
PALAVRAS-CHAVE: literatura; interpretação; intérprete
O que é um texto senão um espaço instigador de leituras e têm os seus poderes. Como disse Umberto Eco, além das intenções
interpretações? Esse espaço, manifestadamente labiríntico, apresen- do autor e das do leitor, há a intenção do próprio texto.
ta-se como agregador e dissipador de variadas vozes. No presente Não se descarta aqui a idéia de que o autor predetermina inten-
texto partimos da voz foucaultiana, em seus tons e subtons, e a colo- ções, faz “desenhos em tapetes”, mas o poder desse ato é mínimo se
camos, como num teatro, em diálogo com outras vozes — como as pensarmos que ele é apenas um ponto pequeno na imensa rede que é
de Italo Calvino, Henry James, Guimarães Rosa, Fernando Pessoa e a interpretação. O autor que tem a ingênua crença de que o “sentido
Camões — para possibilitar não o desvendamento de uma teoria da oculto” é a única perspetiva para a interpretação de sua obra vê no
interpretação, mas a sugestão de uma rede de apontamentos plausí- seu leitor uma “cópia à distância”, um “companheiro” que represen-
veis para uma interpretação da interpretação. ta uma “exigência desmesurada e um peso do qual (...) gostaria de
Baseado num olhar que pressupõe a descontinuidade históri- aliviar-se” (Foucault, 1990: 63). Há autores, porém, que sabem o
ca, Foucault (2000a) mostra-nos que o discurso não deve ser tratado quanto é inusitado o percurso interpretativo e por essa razão dele-
como um jogo de significações prévias, porque o mundo não se ofe- gam ao leitor o direito e o prazer de escolher, ou mesmo inventar, os
rece a nós de uma forma legível. Não se pode, entretanto, considerar caminhos de tal percurso. É o que nos sugere Fernando Pessoa no
a interpretação como um ato que se propõe a revelar um “núcleo poema Isto, do qual transcrevemos as duas últimas estrofes:
interior e escondido” (Foucault, 1999: 53) do discurso, mas como
um acontecimento que, tomando o próprio discurso a partir da sua Tudo o que sonho ou passo,
aparição e da sua regularidade, pode desvelar suas nervuras e suas O que me falha ou finda,
novas e inusitadas máscaras. É como que um terraço
A temática do núcleo escondido, de um sentido oculto que a Sobre outra coisa ainda.
literatura abriga, é planteada por Henry James em “O desenho no Essa coisa é que é linda.
tapete” (1993). Nesse conto é narrada a história de um escritor con-
sagrado, Vereker, que, em diálogos com um jovem crítico, sugere Por isso escrevo em meio
que a sua arte romanesca encerra mais significados do que aqueles Do que não está ao pé,
até então percebidos pela sua comunidade leitora. Revela, para a sur- Livre do meu enleio,
presa do jovem crítico, que a sua obra tem um sentido oculto, sentido Sério do que não é,
este que, apesar de mostrar-se inscrito a cada página dos seus roman- Sentir, sinta quem lê ! (1980: 104)
ces, mantém-se inacessível — nenhum dos seus leitores consegue
desvendar, nem mesmo os mais sofisticados, os críticos literários: O “desenho no tapete”, nesse caso, deve ser inventado pelo
leitor, pois o eu-poético assume a existência do que é dito (“sonho”)
há em minha obra uma idéia sem a qual eu não daria a menor e do que é interditado (“passo”), e reconhece a produção de sentidos
importância a nada do que faço. É a mais bela e mais plena de falhos ou findos, sentidos que se situam num “terraço”, num local de
todas as intenções, e sua aplicação tem sido, creio eu, um tri- produção de outros sentidos. O eu-poético libera-se, destarte, do “en-
unfo da paciência, do engenho. Estas coisas, eu devia deixá- leio” de um sentido único, porque sabe que o dito já prenuncia o
las para que os outros a dissessem; mas o problema é precisa- não-dito e assim o faz porque sabe que a sua voz, ela mesma, é uma
mente o fato de que ninguém as diz. (1993: 151) vertente interpretativa em meio a tantas outras. O texto existe e ins-
creve alguns prováveis canais de interpretação, mas as posições ocu-
Vereker atribui denominações diversas para a idéia que atra- padas pelos intérpretes definem direções dos sentidos. Por isso, cabe
vessa seus romances, como “pequeno trunfo”, “plano sofisticado”, perguntar quem faz a interpretação e em que lugar ele se situa. Foucault
“pequeno segredo”, “o fio em que estão enterradas as pérolas”, “te- nos diz que “o princípio da interpretação não é mais do que o intér-
souro enterrado”, “desenho no tapete”. Todas essas imagens engen- prete” (2000b: 62). Cada intérprete, por sua vez — e agora chama-
dradas por Vereker fazem-nos revisitar a natureza de dois movimen- mos a voz de Italo Calvino —, é “uma enciclopédia, uma biblioteca,
tos: o da escrita literária e o da interpretação da mesma e, nesse mes- um inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode
mo sentido, podemos indagar a respeito das intenções do autor, do ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras pos-
leitor e do texto. Muitos escritores acreditam que tecem sentidos ocul- síveis” (1990:138). Buscando Foucault, novamente, vemos que es-
tos, ou seja, que a sua escrita abriga um “núcleo interior e escondi- taremos decretando a morte da interpretação caso acreditemos que
do”; alguns leitores, fomentados por esse clima místico, concebem a existam símbolos primariamente e que a “vida da interpretação é o
interpretação como uma busca do Graal. Todavia, a linguagem da crer que não há mais que interpretações” (2000b:62).
ficção, como adverte Foucault, “deve deixar de ser o poder que in- Por acreditar na existência dessa miríade de interpretações,
cansavelmente produz e faz brilhar as imagens e converter-se, pelo Fernando Pessoa cria variados poetas-intérpretes para poetizar o
contrário, em potência que as desamarra, (...) as anima com uma trans- mundo, cada qual com um ponto de vista diferente: o olhar comple-
parência interior que pouco a pouco as ilumina até fazê-las explodir” xo do ortônimo Pessoa, o olhar simples do mestre Alberto Caeiro, o
(1990: 29). Nessa perspetiva, podemos entender que o texto também olhar humanista do pagão Ricardo Reis, o olhar caleidoscópico do
ABSTRACT: This work aims to discuss what the teacher “knows” and “does” in the task of producing written narratives. According to this purpose, it is
interesting to emphasize the theoretical and practical relevance of narrative discourse, and to analyse how the teacher conduces the appropriation of
narrative genre by the student..
PALAVRAS-CHAVE: Produção textual; ensino/aprendizagem, formação do professor, gênero narrativo;
0. Introdução das (p. ex., são explícitas quanto ao tempo, ambiente e per
sonagens, mantém-se num único tópico) são avaliadas pe
Este trabalho tem como objetivo depreender o conhecimento los professores como melhores alunos, prometendo ser
teórico que o professor detém a respeito do gênero narrativo e as melhores escritores (v. Snow e Dickinson, 1990);
práticas de ensino/aprendizagem, efetivadas em sala de aula pelo 2) crianças que entendem e produzem narrativas do tipo favo
professor, com vistas à aquisição desse discurso pelo aluno. Julga- recido pelo professor participam mais efetivamente do dis
mos que o “saber” e o “fazer” do professor, certamente, nos dão a curso da sala de aula (Michael e Cazden, 1986);
chance de refletir sobre esse processo de aquisição da linguagem 3) quando o estilo narrativo da criança é uma variante das
narrativa (escrita). expectativas do professor, o processo colaborativo entre
Os dados que orientam nossa reflexão são provenientes de professor/criança se dá sem sucesso, afetando a performance
verbalizações escritas contidas em um questionário, versando sobre e a avaliação escolares. (v. Michael e Collins, 1984).
10 pontos: 1) a inclusão da narrativa como um tipo de “modalidade”
Nos chamados encontros “gatekeeping” – situações típicas de
lingüística; 2) a organização estrutural da narrativa; 3) a consideração
sociedades escolarizadas, nas quais os indivíduos são chamados a
da narrativa como um ato solitário ou dialógico; 4) o tipo de contri-
revelar proficiência lingüística (v. Erickson, 1975 e Gumperz, 1976),
buição que o professor oferece quando co-autor do texto do aluno; 5)
a competência narrativa é um dos fatores determinantes do acesso às
o tipo de instrução de escrita oferecida ao aluno quando da “avalia-
oportunidades educacionais e ocupacionais, de tal modo que a não
ção” das narrativas escritas; 6) a concepção de escrita que orienta o
utilização de estratégias discursivas esperadas pela instituição afeta a
trabalho com narrativas; 7) implicação da relação estabelecida entre
avaliação do indivíduo, podendo negar-lhe o acesso a oportunidades
“escrita produto” e “escrita processual” com o ensino/aprendizagem
sociais.
da narrativa; 8) tipos de narrativas trabalhados em sala de aula; 9)
Se por um lado, estes achados evidenciam a importância do
tipos de atividades desenvolvidas e 10) tipo de habilidade desenvolvi-
discurso narrativo, face às oportunidades educacionais e sociais, por
da pelo aluno através do trabalho com a narrativa.
outro lado revelam a necessidade de se investigar os mecanismos
Responderam a esses questionários 31 professores, estando
interativos processados na relação professor/aluno para a estruturação
18 deles vinculados a 03 escolas da rede privada de ensino e 13 a
de um discurso “apropriado” na escola e fora dela.
uma escola pública municipal. Para uma análise preliminar da ques-
tão eleita como foco de atenção neste trabalho, examinamos apenas
2. Gênero narrativo e práticas de ensino/aprendizagem: uma
as verbalizações escritas, fornecidas por 10 professores, mesmo es-
análise
tando alertas para o fato de que, numa análise global do corpus, os
resultados poderão variar. Evidente está que, dependendo do tipo de
Entre as dimensões lingüísticas caracterizadoras do discurso
formação em serviço que esses professores recebem, variarão os
narrativo, apontadas pelos professores, destacam-se os traços perso-
seus “saberes” e as suas “práticas pedagógicas” relativas ao desen-
nagem, tempo, conflito, desfecho, ambiente que correspondem, de
volvimento da linguagem narrativa. É importante, assim, que se es- forma aproximada, à estrutura geral da narrativa, proposta por Labov
clareça que os professores cujos questionários foram analisados per- (1972), que é formada por seis elementos: resumo, orientação, com-
tencem a duas escolas particulares que se preocupam em fornecer plicação da ação, avaliação, resolução (desfecho), coda. Observa-se,
capacitação contínua aos professores e que possuem coordenador entretanto, que certas categorias apontadas apresentam-se de forma
pedagógico. ambígua. O que significa para o professor a categoria tempo? Signi-
fica dizer que as “ações narrativas” obedecem a uma seqüência lógi-
1. Letramento e linguagem narrativa co-temporal? Significa dizer que as ações do narrador ocorrem no
tempo passado ou se manifestam linguisticamente em várias modali-
Estudiosos que se preocupam em verificar a importância dos dades temporais, p. ex., perfeito, imperfeito, presente? Que diferença
diversos gêneros textuais na educação formal afirmam que a lingua- estabelece o professor entre narrador e personagem? Personagem é
gem narrativa é particularmente relevante para o desenvolvimento um traço definidor (ou típico) do gênero narrativo? Constituem for-
do letramento e para tarefas comunicativas posteriores às iniciativas mas sinônimas os itens: ambiente, lugar, cenário, descrição de ambi-
da escola, exigidas em outras instituições de poder. ente? Desconhecem os professores as categorias avaliação e cada?
No que se refere ao contexto institucional de ensino, a rele- Por que elas não foram referidas? Ao lado destas questões, verifica-
vância teórica atribuída ao discurso narrativo, como gênero textual mos que noções de ordem gramatical, p. ex., parágrafo, pontuação,
estritamente ligado a empreendimentos de letramento, vem sendo relações subordinadas, e de outra ordem, p. ex., idéias do autor, são
discutida por vários estudiosos cujas pesquisas demonstram que: entendidas como fazendo parte da estrutura da narrativa. A confusão
1) crianças cujas narrativas correspondem a formas espera ou a falta de explicitude das respostas do professor conduz-nos à
ABSTRACT: This work has as objective to infer the marks of intertextuality so evident in the written narratives produced by deaf children. Once it is
considered the importance of dual processes constituted on social interaction, the educational work with deaf children should emphasize the language-
context relation for an effective development of this discourse activity.
PALAVRAS-CHAVE: Intertextualidade, signo lingüístico, linguagem escrita, contexto.
ABSTRACT: This paper focuses on interactive strategies used by the Math teacher in the written text oralization process as a mediator element in the
teaching/learning process.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino/leitura; estratégias interativas; discurso; matemática
A sala de aula é, por natureza, um lugar de desenvolvimento Nesta pesquisa, estamos focalizando o discurso explicativo
do processo de ensino e aprendizagem. Nela os sujeitos discutem, do professor na aula de matemática, cientes de que a dialogia é um
trocam idéias, ensinam e aprendem. Na medida em que isso ocorre, ponto elementar ao convívio social nas nossas salas de aula. Nesse
o professor e o aprendiz interagem e constróem significados. É nesse sentido, adotamos a visão bakhtiniana de linguagem, entendida como
ambiente de constante interação, no qual o professor e o aluno são um fenômeno social. Nessa visão, a constituição do sujeito ocorre a
membros ativos, que surgem, no dia-a-dia, inúmeros questionamentos, partir das palavras do outro, isto é, de maneira responsiva. Este ou-
por exemplo: tro, no contexto escolar, é constituído pelo professor, que, na quali-
• alunos reclamam muito de disciplinas como português e dade de parceiro mais experiente, interfere ou monitora na constru-
ção do conhecimento a partir de procedimentos de ajuda, tal como é
matemática;
entendido pela corrente neovygotskyana (v. Cazden, 1988)
• o ensino tradicional não surte mais efeito;
Menezes de Sousa (1995:24), ao comentar sobre o papel do
• alguns alunos assimilam, de forma mais rápida e eficiente,
professor neste ambiente conflitante de sala de aula, diz:
os conteúdos, enquanto outros não o fazem;
“O papel do professor nesta perspectiva é geralmente o papel
• a evasão escolar ainda permanece acentuada;
do dominante, embora, no caso do ensino centrado no aluno,
• inúmeros estudantes concluem o ensino médio e não che
esse papel seja aceitavelmente negociado...”.
gam ao superior; Em termos de papéis, o que parece convencional é a predomi-
• alguns professores conseguem resultados positivos em uma nância do discurso do professor. No caso, porém, do ensino centrado
turma e não conseguem em outras. no aluno, há necessidade de uma negociação de papéis, já que a co-
De um modo geral, questiona-se, também, o que fazer para operação se estabelece entre os participantes, havendo uma alternância
desenvolver aspectos que contribuam para a formação social, pesso- no discurso e na gestão do poder (cf. PCNs/Matemática: l998).
al e intelectual do educando? O que dificulta a aprendizagem da lei- No caso específico do professor de matemática, D’Ambrósio
tura e da escrita? Qual a forma mais eficiente para se conduzir a (l993:39) afirma que:
construção de conceitos? Como tornar o estudo dos cálculos mate-
“As pesquisas sobre a ação de professores mostram que em
máticos agradável e de fácil compreensão?
geral o professor ensina da maneira como lhe foi ensinado.
Contestando a visão tradicional de ensino na qual tanto os con-
Predomina, portanto, um ensino em que o professor expõe o
teúdos quanto as metodologias são vistos como imutáveis, fixos e conteúdo, mostra como resolve alguns exemplos e pede que os
estáveis, e considerando, por outro lado, uma abordagem de ensino alunos resolvam inúmeros problemas semelhantes (...). Pre-
baseada em concepções mais modernas nas quais o discurso do pro- domina o sucesso por memória e repetição(...).Raramente ve-
fessor na sala de aula pode ser visto como um fenômeno social e mos alunos desenvolvendo modelos matemáticos para inter-
ideologicamente constituído (Bakhtin, l992), pensamos na confusão pretar situações reais.”
que ocorre no momento de o professor e os alunos tomarem deci-
Com essa afirmação, a autora mostra que o professor, em
sões e, especialmente, na hora das discussões destinadas à constru-
alguns casos, é mais um transmissor ou reprodutor do conhecimento
ção de conceitos nas diversas disciplinas do currículo escolar.
do que alguém que participa integradamente do trabalho realizado
Esse é, portanto, o nosso foco de interesse neste estudo – ana-
pelos alunos. Estes, porém, quando estimulados, demonstram, na
lisar as estratégias interativas utilizadas pelo professor de matemáti- maioria das vezes, um potencial surpreendente. É nesse sentido que
ca na construção de conceitos matemáticos, através da oralização de o professor tem muito a aprender com os discentes, ou seja, a nego-
textos escritos nessa área do conhecimento. ciação e a troca de experiências são positivas para ambos.
O recorte feito para esta análise é constituído por três ho- Essa negociação, entretanto, não ocorre de forma pacífica ou
ras-aula, gravadas em áudio e vídeo, nas quais três docentes de natural. Em razão das diferenças individuais, e também do fato de
matemática, da cidade de Angicos-RN, funcionários da rede pú- que o indivíduo é constituído de forma fragmentada, o processo co-
blica estadual e municipal e estudantes do curso de matemática operativo em sala de aula é dificil, embora possível. Nesse sentido,
da UERN/Açu/RN, trabalham os conteúdos matemáticos, fa- Menezes de Souza (1995), baseado numa visão bakhtiniana da lin-
zendo uso do texto escrito. O texto-fonte selecionado é da autoria guagem, comenta que o aprendiz tem dificuldades para se adaptar a
de Amoroso Costa (1996) “A origem dos números fracionários”. metodologias pré-estabelecidas (aqui entendidas como aquelas em
A escola na qual gravamos estas aulas pertence à rede municipal que se espera uma homogeneização), devido ao fato de “ele é um
de ensino da referida cidade. Os alunos são concluintes do quarto ser social, formado hibridicamente por discursos dialogicamente
ciclo do ensino fundamental.
RÉSUMÉ: Le but de ce travail est de présenter une lecture interpretative de l’articulation des conceptions d’énoncé, de genre du discours et de texte dans
la théorie de Bakhtine.
PALAVRAS-CHAVE: Enunciado, gênero do discurso, texto, Bakhtin
ABSTRACT: The present paper deals with an analysis of the structure on “Folha de São Paulo” newspaper. Based on this analisis one tries to do some
generalizations about which are the genres concerned newspapers and what, in terms of structure and function, justify this belonging. Thus, one looks to the
newspaper as genre composed and to the genres as components.
PALAVRAS-CHAVE: gênero textual; jornal; gêneros jornalísticos.
Referências bibliográficas
Se olharmos para os aparatos genéricos do jornal a partir do
grau de convencionalidade, poderemos conceber três níveis: o das ADAM, J-M. Les textes: types et prototypes. Paris: Nathan, 1992.
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gerais – como modalidades que estruturam a linguagem em um sen- As técnicas do jornalismo, 1990.
tido amplo (seqüências textuais de Adam, 1992) – ou específicas de BERLO, D. K. O processo da comunicação: introdução à teoria e à
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ras da escrita, mais características do padrão técnico (lista, perfil, tes, 1979.
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Quanto aos gêneros, são formas relativamente estáveis e settings. London / New York: Longman, 1993.
abrangentes no tocante à forma e ao conteúdo. O que se mostra con- BONINI, A. Entrevista por e-mail: pragmática de um gênero
vencionalmente mais estável na notícia, por exemplo, corresponde (des)conhecido ou problemas comunicativos na variação do gê-
ao que me permite transportá-la para um outro gênero, ou fazer dela nero. Revista de Letras, Fortaleza. No prelo.
uma paródia. van DIJK, T. A. La noticia como discurso: compreensión, estructura
Todos os elementos que caracterizam um gênero, contudo, y producción de la información. Trad. do inglês por Guillermo
podem servir a variados propósitos, tanto a necessidades expressivas Gil. Barcelona: Paidós, 1990.
imediatas quanto, a longo prazo, para a elaboração de um novo gêne- ERBOLATO, M. L. Técnicas de codificação em jornalismo: reda-
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os capítulos começando por manchetes e lides de notícia. Nesse sen- 1991.
tido, tanto os aspectos temáticos de um gênero quanto os estruturais GUIMARÃES, D. M. Considerações sobre o esquema de editoriais.
apresentam certa saliência que os aproximam em termos dos propó- In: SEMINÁRIO DO CENTRO DE ESTUDOS LINGÜÍSTICOS
sitos que realizam, de autênticos gêneros. A estes elementos, estou E LITERÁRIOS DO PARANÁ, 5, 1991, Guarapuava, Pr. Anais...
atribuindo o rótulo de gêneros semi-formalizados, quais sejam: Maringá: Universidade Estadual de Maringá. p. 179-184, 1992.
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caixado (pela especificação de um aspecto estrutural); e o pré-gênero LONARDONI, M. A submanchete em foco: suas funções no discur-
(pela realização de um evento comunicativo específico, mas sem de- so jornalístico. In: VASCONCELOS, S. I. C.C. (org.). Os dis-
ter status convencional). cursos jornalísticos: manchete, reportagem, classificados e ar-
tigos. Itajaí: Ed. da Univale; Maringá: Eduem, 1999.
5. Considerações finais MARCUSCHI, L. A. Por uma proposta para a classificação dos
gêneros textuais. Recife, 1996. Trabalho não publicado.
Dada a exposição acima, podemos retomar as questões MELO, J. M. de. A opinião no jornalismo brasileiro. Petrópolis:
introdutórias, pontuando, assim, os resultados aqui tratados. Vozes, 1985.
Questão 1: O que pode ser considerado gênero em um jornal? SHANNON, C. E., WEAVER, W. The mathematical theory of
A princípio, podemos dizer que se trata de um conjunto de parâmetros communication. Urbana: The University of Illinois Press, 1964.
de textualização que, em função do hiper-gênero (o jornal), estruturam SWALES, J. M. Genre analysis: english in academic and research
um propósito comunicativo (noticiar, opinar, criticar, localizar), settings. New York: Cambridge University Press, 1990.
linearizando uma unidade textual identificável como totalidade. VASCONCELOS, S. I. C.C., CONTIERO, S. Um exame da organi-
Questão 2: Quais gêneros pertencem efetivamente ao jornal? zação do discurso jornalístico: a reportagem televisiva. In: VAS-
Nesta perspectiva, os gêneros do jornal, por excelência, são aqueles CONCELOS, S. I. C.C. (org.). Os discursos jornalísticos: man-
que, em relativa estabilidade e autonomia, respondem aos critérios chete, reportagem, classificados e artigos. Itajaí: Ed. da Univale;
de: i) centralidade em relação aos propósitos comunicativos do jor- Maringá: Eduem, 1999.
nal (relatar fatos e informações recentes, interpretar a realidade, de-
ABSTRACT: The present work is an investigation about a possible distinction between the genres “news” and “reportages” for newspaper’s journalists.
For that, was created two organization´s models, one for “news” and other for “reportages” , in order to analize the formal and fuctional criteria existing
within a 74 news and 26 reportage’s corpus of Ceara’s newspapers “O Povo” and “ Diário do Nordeste”, during July 2000. The analysis is being developed
based on the Communications and Linguistics theory’s.
PALAVRAS-CHAVES : Gênero textual; notícia; reportagem.
ABSTRACT: This paper analyses counterfactual conditionals in Brazilian Portuguese, from a sociocognitive perspective. It is argued that these constructions
instantiate blending processes associated to desanalogy.
PALAVRAS-CHAVE: condicionais contrafactuais, mesclagem, desanalogia
ABSTRACT: This paper focuses on the real acquisition of knowledge on a linguistic-pedagogic basis, working with the construction of texts, in which
different languages have been used, as a product of the interrelationship of the phonological, morphosynthetical and lexical-semantical levels of the
Portuguese language; thus, the functional and aesthetic character of the text can be noticed.
PALAVRAS-CHAVE: gramática, texto, expressividade, leitura
O ensino de Língua Portuguesa hoje ainda acontece muitas Os alunos não vivenciam a gramática de uma língua. Não fa-
vezes sem nenhuma preocupação com considerações de ordem esté- zem reflexões críticas sobre ela. Não a constroem com o professor.
tica, funcional ou crítica, daí os alunos, de qualquer nível, sentirem- Recebem-na através de verdades absolutas, sem transferirem os co-
se entediados com sua língua materna. Listas de palavras, atividades nhecimentos. A sistematização gramatical é fundamental — a ma-
confusas, ordens herméticas, tudo se permite na crença de que os fins neira não estando aqui em questão —, existindo, porém, a necessida-
justificam os meios para a manipularem “corretamente”. de de se caminhar ao encontro da concretização efetiva dos saberes
Nesse cenário, o pano de fundo privilegia o tradicional (no adquiridos, numa prática lingüístico-pedagógica que mostre a tessitura
mau sentido), o ortodoxo, o estereotipado, constituindo-se em mode- do texto como produto da inter-relação dos planos fonológico,
los a serem seguidos. morfossintático e léxico-semântico da Língua Portuguesa.
Cremos que, como donos e usuários da Língua, temos de Tal atitude requer prioridade, pressupondo-se a
administrá-la com bom senso, sem perder a consistência. Cabe-nos operacionalização lingüística adequada aos que instrumentalizam o
deflagrar um processo e proceder a uma diária celebração de situa- corpus como criadores do material (texto) a ser utilizado, determi-
ções que integrem tal Língua às nossas vidas. nando a sua incorporação ao modus vivendi do leitor.
Não há dúvida de que os estudos gramaticais são básicos e Só que não podemos parar na sistematização, mas continuar,
insubstituíveis. Não para repetirmos e concordarmos com o que os admitindo que esses conhecimentos não são suficientes, isolados e
grandes mestres escreveram; mas, para depois de profundamente distantes que estão da realidade (lingüística) em que nos inserimos
conhecê-los em suas formulações, teorias e conceitos, exercermos a em todos os instantes e contextos da vida e com qualquer registro ou
reflexão crítica. Sempre dizemos que a tradição e a modernidade discurso.
devem andar juntas. A (boa) tradição pavimentou o chão para que O estudante de Letras precisa entender que a língua materna se
os estudos evoluíssem, avançassem, se desenvolvessem. A calca em matrizes especiais que a tornam rica e variada, instigante e
modernidade mantém-nos antenados ao que acontece, mas, em seu criativa e que as mesmas alegações que a rotulam como língua com-
nome não se pode jogar fora levianamente um cabedal inesgotável plicada — com profusão de regras e exceções — servem, vistas sob
de conhecimentos eternos e universais. Apenas se torna fundamen- outro enfoque, para mostrar as infinitas possibilidades de uso e des-
tal, depois de internalizá-los, ir além, em busca de outras alternati- dobramentos, revertendo a “fama” que carrega.
vas, outros caminhos. E o que queremos dizer com “ir além”? É transferir o conheci-
É extremamente pobre, redutor e simplista o que fazemos com mento teórico para qualquer tipo de texto. É perceber que as teorias
o estudo da Língua: os lugares-comuns, as regras, as imposições, os se transformam em prática efetiva quando lemos ou falamos. A gra-
limites de algo que naturalmente não os tem e que pode, pela sua mática de uma língua está no texto, não sob forma de conceitos abs-
invenção e originalidade, proporcionar realmente um conhecimento tratos e distantes, mas concretizada para que a vivenciemos, final-
maior e visceral, não só numa situação escolar, momentânea, mas na mente encontrando a motivação para seu estudo.
própria vida. O professor-orientador tem de estar (cons)ciente do seu papel,
Estudar Língua Portuguesa para conhecê-la não é dividir e da sua responsabilidade em transmitir tal postura aos alunos. Caso
nomear orações, classificar vogais e consoantes, dar a função sintáti- isso não ocorra, o ciclo se repetirá ad aeternum. Os que saem das
ca das palavras, saber se é com s ou ç. É isso tudo, num determinado Faculdades de Letras vão ensinar a Língua como aprenderam e, con-
e necessário momento, mas de maneira nenhuma só isso. Trata-se de seqüentemente, seus alunos assim a receberão, ratificando posturas
total desperdício que um professor permita que fique no seu ouvinte ultrapassadas por não entenderem a razão daquele estudo tão árido e
e/ou expectador (aluno) tal idéia. Acreditamos num olhar inteiro(iço) apartado da realidade.
para os estudos lingüísticos sem intenções ortodoxas. Sempre se tratou a leitura nas escolas como atividade obriga-
Não é de hoje que os alunos da Faculdades de Letras, de ma- tória e/ou enfadonha. Mesmo os que gostam de ler, às vezes, se de-
neira geral, terminam a Graduação com a sensação de que nada sa- sinteressam pela maneira como são orientados para a formação de
bem, tomados de pânico ao se depararem com as turmas sob sua res- “hábitos”. Não nos alongaremos aqui quanto às teorias de leitura,
ponsabilidade. crenças e outras questões muito específicas.
Dentre os motivos possíveis que explicam tal comportamento, Insistimos na idéia de que o ato de ler pode e deve ser prazeroso,
pensamos que um dos mais importantes seja aquele referente ao fato envolvendo a possibilidade de um crescimento sócio-cultural equili-
de como foi ministrada a Língua Portuguesa. O ensino dos conteúdos brado, além do genuíno encantamento que proporciona.
específicos por meio de conceituações, de regras, de teorias dissociadas Então, parece-nos perfeito e mais do que oportuno se, fazendo
do texto, da falta de concretização do que lhes foi passado abstrata- o aluno perceber essa gramática da língua na prática (no texto),
mente contribui para a sensação de vazio, de despreparo para exerce- despertamo-lo para a importância do papel da leitura na sua vida.
rem o seu ofício. Evidentemente que um texto de Guimarães Rosa com suas al-
ABSTRACT: Linguistic uses and grammatical correctness. Relationship between grammar of uses and prescriptive grammar. Use and usage as identifiers
of different varieties of discourse.
PALAVRAS-CHAVE: Norma e uso; gramática e linguagem.
“Nós somos todos assim...Eu sou assim... Tu és assim...Dançam guesa atualmente no Brasil. Para isso, ela parte dos próprios
pronomes pessoais: Eu, ele, tu, eles, nós , vós... Que somos itens lexicais e gramaticais da língua e, explicitando o seu
nós?... Pronomes pessoais.” uso em textos reais, vai compondo a “gramática” desses itens,
Assim, Mário de Andrade questionava a pessoa humana, com isto é, vai mostrando as regras que regem o seu funciona-
base na estrutura gramatical, e concluía pela igualdade entre to- mento em todos os níveis, desde o sintagma até o texto. A
dos. Pronomes pessoais são democráticos: podem ser usados meta final, no exame, é buscar os resultados de sentido, par-
em pé de igualdade por todos. Cada um é um eu, qualquer con- tindo do princípio de que é no uso que os diferentes itens
junto de “eus” é um nós. Já outro, o pronome de tratamento, é assumem seu significado e definem sua função, e de que as
diferente. É autoritário: seleciona e classifica para conviver. entidades da língua têm de ser avaliadas em conformidade
com o nível em que ocorrem, definindo-se, afinal, na sua
É com essa referência metalingüística intertextual que Nelly
relação com o texto.
Carvalho começa seu artigo “Quem somos nós?”, onde trata dos usos
das formas e pronomes de tratamento, no Brasil e em Portugal. Faz Observe-se a menção a “textos reais”, que Moura Neves refor-
Nelly comentários esclarecedores acerca dos valores semânticos, das ça com a expressão “língua viva” (“o que está abrigado nas lições é,
situações e contextos em que são empregadas expressões como portanto, a língua viva”). E, num universo tão amplo a respeito do
vocemecê, você e tu / vossência / sitora (= senhora doutora) / senho- que se poderia entender sobre “como está sendo usada a língua por-
ra, dona e senhora dona / esposa, mulher e senhora / esposo, mari- tuguesa”, a autora enfatiza que os usos tomados como base foram
do e homem / doutor e senhor doutor / mamãe e senhora / primo e tirados de um banco de dados de 70 milhões de ocorrências armaze-
doutor / sinhá e senhora / madrinha / dona, moça e menina / compa- nadas no Centro de Estudos Lexicográficos da UNESP, campus de
dre e comadre / seu moço / seu vigário / vós e vosmecê... Araraquara.
E conclui: “Os usos tornam possível estabelecer a ligação en- Trata-se, pois, de um corpus de textos escritos, que abrange
tre os aspectos sociais e a estrutura verbal”, ajudando a responder a literatura romanesca, técnica, oratória, jornalística e dramática. No
questões que de outro modo poderiam ser ignoradas. Para ela, à me- entanto, pela inclusão de peças teatrais, esse corpus resgata um pou-
dida que se aprofunda a compreensão da língua, “mais se percebem co a representatividade da língua falada e dá certa conta de um tipo
as implicações sociais fundamentais na construção do ser humano”, específico de uso lingüístico presente nas situações interacionais,
algo que traz uma resposta para a indagação de Mário de Andrade dando à gramática de Moura Neves um aspecto diversificado quanto
sobre quem somos nós nesse jogo de situações. a gêneros e situações enunciativas.
Pensemos agora no ensino de nossa língua e no tema “prono- Tomando por base essas considerações, podemos examinar
mes pessoais e formas de tratamento”. Como esse assunto tem sido preliminarmente as contribuições científica e didático-pedagógica de
tratado nas aulas de língua portuguesa? Valeria a pena pensar em uma obra de referência com esse título, confrontando as acepções
levar a questão dos usos lingüísticos para dentro da sala de aula? que podem ser dadas aos vocábulos uso e emprego e distinguindo no
É sobre isso que pretendo tratar nesta comunicação. que for possível gramática de usos, gramática descritiva e gramáti-
Mauro Villar, nas “Palavras Iniciais” de seu Dicionário ca normativa. Tal exame poderá chamar a atenção para alguns fato-
contrastivo luso-brasileiro, afirma que um dicionário confrontivo res de risco em sua entronização.
sempre foi “uma grave lacuna e uma prioridade lexicográfica” e Voltemos, porém, ao termo uso e a três referências que a ele
que “os resultados desse trabalho interessam a uma variada gama faz Francisco Gomes de Mattos, em texto divulgado na internet:
de usuários: estudantes nacionais e estrangeiros da língua portu- a) o Dicionário de lingüística, de Zélio dos Santos Jota (1976),
guesa; tradutores, editores e editoras que trabalham visando a mais que contém um verbete sobre “uso lingüístico”;
de um país de expressão portuguesa; lexicógrafos, viajantes, ho- b) o artigo de Francisco Gomes de Mattos para o número 16 da
mens de negócios, sacerdotes, revisores, bibliotecas de obras de revista Littera (Grifo, 1976), intitulado “Usos no português oral do
referência e, em sentido lato, a todos os que escrevem profissional- Brasil: uma lista de referência”;
mente em nosso idioma”. c) o Dicionário de lingüística e gramática, de Mattoso Camara
Pois uma outra obra de referência, recentemente lançada, aca- Jr. (1977), cujo “Posfácio”, escrito também por Gomes de Mattos,
ba de fazer desaparecer outra lacuna nos estudos lingüísticos do por- incluiu verbetes sobre “usos formal, informal e neutro” e uma inte-
tuguês. Refiro-me à publicação da Gramática de usos do português, ressante consideração sobre o que chamou “usuário, gramática do”.
de Maria Helena de Moura Neves, com a qual o termo “usos” ascen- Eu acrescentaria a essa lista inicial o livro Usos da linguagem,
de a uma categoria especial na gramaticografia de nossa língua, trans- de Francis Vanoye, tradução enriquecida e criativa do ótimo original
portado, da posição de verbete de dicionário ou de item de livro es- francês (cujo título é Expression-communication, não contendo a
pecializado de gramática ou de lingüística, para a condição de palavra usos), que tem sido, desde a primeira edição brasileira no
nomeador de um tipo de gramática. início da década de 80, uma referência nas bibliografias dos cursos
Diz a autora no primeiro parágrafo do texto de apresentação: de Letras. Nele se defendem os princípios de que “a linguagem se
A Gramática de usos do português constitui uma obra de aprende pelo seu próprio uso” e de que “não existe apenas um uso
referência que mostra como está sendo usada a língua portu- para a linguagem”.
Este quadro já mostra um aspecto novo, talvez o aluno não A definição vai se articulando como elemento concreto à reali-
saiba, mas ele não parte mais de uma definição, mas de um exem- dade do aluno, contudo, ainda há o que considerar para uma melhor
plo “José”, dentro de um processo de nominalização dos termos, seqüenciação das palavras que o abordam como “um nome, uma
para a definição do substantivo, o que possibilitou conceituá-lo ação, uma palavra ou elemento concreto, coisa ou uma cor.”
como: “uma palavra, uma coisa, uma idéia, um nome, como José O que se observa é que os conceitos de substantivo levantados
ou a própria natureza.” pelos alunos são bastante restritos e bem próximos daqueles apresen-
tados pela gramática tradicional. Percebemos que em quase todos os
grupos aparece o elemento “nome” para designá-lo, mas poucos têm
consciência do lugar do substantivo na língua. Uma vez que “nome”,
conforme Câmara Jr. (1992:87) “funciona como determinado ou
determinante, respectivamente”, e pode tomar a forma de um adjeti-
vo, sujeito, predicativo do sujeito, núcleo, etc.
ABSTRACT: The focus of this work is the grammar teaching situation and the possibilites for a reflexive teaching/learning process. The paper we now
present was divided into two moments: 1) diagnosis of the classroom situation , 2) discussion with the teacher and an experiment. The aim of this study is to
present the results of the second moment.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino da primeira língua, ensino produtivo, ensino/gramática
1. Ensino de gramática e a produção escrita ação será mais voltada para verificar se o autor/aluno foi capaz de ser
“eficiente” (ser bem compreendido) diante da condição de produção
Um dos questionamentos atuais, refere-se à questão do ensi- que lhe foi apresentada.
nar ou não a gramática. Se devido à fatores vários conclui-se que As condições de produção que são colocadas aos alunos é um
“sim, deve-se ensinar gramática”, tem que se pensar, portanto, par- outro problema a ser enfrentado, já que o leitor do texto do aluno é o
tindo de um ponto de vista de ensino de língua produtivo: que se professor que, como já mencionamos, muitas vezes busca mais a for-
realiza na produção oral e verbal e na compreensão. Como a escola ma que o conteúdo. Assim, a escrita perde uma de suas condições
deve ser o lugar de apropriação da língua padrão e a escrita é a situ- básicas que é dizer algo a alguém (real), o que se apresenta bastante
ação de maior realização dessa modalidade, vamos observar como se distinto do cotidiano, pois ninguém joga conversa fora, tudo tem uma
pode trabalhar com “gramática” no momento da produção escrita função (convencer, informar, convidar, etc.). No entanto, o contexto
dos alunos. Acreditamos dessa forma, que o caminho que parece mais da escrita em sala de aula sempre será – por assim dizer – artificial;
ser o mais coerente para a realização da reflexão com e pela lingua- podendo ser aproximado de situações reais, se os professores fize-
gem é, portanto, na produção escrita. Assim, os trabalhos atuais su- ram dessas produções dos alunos uma atividade social (uma carta a
gerem que essa reflexão aconteça sobre os textos dos alunos pelos uma colega, um artigo para um jornal, conta algo sobre seu cotidia-
próprios alunos. E é exatamente no momento de revisão de seus tex- no, etc); ou seja, com um objetivo comunicativo.
tos que os alunos poderão está lidando com questionamentos que Portanto, retomando o processo de avaliação, concordamos com
referem-se à estrutura da língua; de modo a reconhecerem essa lín- Martins Evangelista et alli (1998:16):
gua como sua, estando a serviço de um uso específico, não como um
As estratégias de escrita, em quaisquer situações escolares,
conjunto de regras que devem ser seguidas ou como uma nomencla-
podem e devem incluir momentos e recursos para que o alu-
tura que deve ser reconhecida, ou seja, como uma língua morta.
no refaça o texto como um todo ou ajuste algumas ocorrên-
Por que é sempre tão difícil ensinar os alunos a escreverem?
cias lingüísticas específicas.(...)Dessa forma, avaliar pode
Primeiramente, porque o desenvolvimento da capacidade de escre-
significar corrigir, reescrever, rascunhar, passar a limpo,
ver envolve processos bastante complexos. Isso decorre da necessi-
confirmar ou negar hipóteses no ato da escrita, o que não
dade que essa modalidade possui de apreensão de regras sociais, não
precisa ser necessariamente realizado apenas na chamada
apenas a aquisição de uma código formal (alfabeto, gramática, etc.).
“aula de redação”.
Em segundo lugar, poderíamos dizer que a maneira como esse ensi-
no tem se dado é responsável por uma dificuldade de produção por Por isso que vimos o momento de avaliação como uma opor-
parte dos alunos. As investigações indicam que muitos professores tunidade para se refletir sobre os recursos lingüísticos, em nosso caso
tratam da escrita como sendo um produto acabado; as pesquisas atu- preocupamo-nos com os gramaticais, embora outros também este-
ais apontam para a necessidade de trabalhar e perceber a escrita en- jam incluídos. Além disso, no momento de avaliação (que teorica-
quanto processo. E que, como processo, é passível de rascunhos e mente é o momento no qual o professor tem oportunidade para tratar
erros; e que esse processo é por vezes “caótico” e, por isso, precisa de questões de gramática no texto), seguindo o ciclo o aluno produz
de revisões; de idas e voltas em busca de uma melhor construção do o professor ler e corrige, percebe-se que geralmente o professor cha-
que se está pensando. Assim, a partir desse ponto de vista, uma com- ma atenção para erros mais salientes referentes às questões da orto-
preensão do que seja “erro” se faz necessária, para que se possa me- grafia e sintaxe. O aluno não tem, dessa forma, oportunidade para
lhor contribuir para o aprendizado do aluno. Já que, no momento de refletir sobre os erros cometidos, os quais acabam repetindo-se. Logo,
avaliação da escrita do aluno, o professor tem que ter clareza do que a reformulação textual se faz necessária após avaliação, pois o aluno
considerar erro e como corrigi-lo. Sabe-se que em uma visão tradici- estará tratando das estruturas da língua à serviço do sentido textual.
onal a avaliação era (é) feita seguindo determinados padrões grama- No momento de revisão (avaliação) do texto inicial do aluno, o pro-
ticais, sem considerar o aspecto social da escrita: os alunos sempre fessor poderá encontrar elementos para refletir sobre as exigências
escreveram textos “artificiais”, para a avaliação do professor e não da língua escrita.
como forma de expressão. Manuela Cabral, em “Avaliação e escrita: um processo inte-
Assim sendo, para uma melhor instrução da escrita em sala de grado” In Pedagogia da Escrita: perspectivas, 1992 chama a aten-
aula não podemos perder de vista a questão da avaliação. Devido à ção para a necessidade de avaliação do texto do aluno por ele mesmo
concepção mais tradicional de língua como sistema abstrato, a avali- o que oportunizará uma reescritura do seu texto. Essa avaliação pode
ação visou (ou visa?) mais corrigir a forma – organização, ortografia, se dar em pares (co-avaliação). A avaliação permitirá que o profes-
concordância, etc - e menos verificar o sentido. Se, por outro lado, sor perceba alguns erros freqüentes e possa, a partir daí, estruturar
pensarmos a língua como um sistema organizado por níveis (gra- um momento para refletir sobre a linguagem em uma fase por ela
matical, semântico e discursivo), nossa compreensão quanto à avali- denominada de estruturação.
ABSTRACT: It approaches the verbal interaction in class room, focussing, the textual scewnes, to discursive practices of a Portuguese teacher in
activity of sense construction is developed, starting from the categories of foucaultian power, from whic the discursive (initiatives, inductive and
seductive) strategies are mobilized by the individuals ( teacher and students) of knowledge.
PALAVRAS-CHAVE: construção do sentido, estratégias discursivas, prática discursiva
ABSTRACT: This communication analyses the religious speech, more specificy the history of Carismático Movement and the priest Marcelo Rossi‘s speech.
We will support in the Semiotic and the Analysis of Speech, with the fin to recover the relation text and reality suice the speech and ideology constitute
meanings, resulting in a determined vision of world.
PALAVRAS-CHAVE: Discurso – Sentido – Tematização - Figurativização
ABSTRACT: This work tries to develop a critisin reading about the behavious of the feminines characters in the fairy tales and to show the ideology that
intermingles the to unroll of characters actions. We will support in the theories of Analysis of Speech and Semiotic, whichs will furnish assistances for one
new reading of the childshs histories.
PALAVRAS-CHAVE: Ideologia – Comportamento – Discurso – Valores
ABSTRACT: In the journalistic texts there are several discourses. Actually they make reproductions of dominant ideologies. This we just can discovery with
the French Discourse Analyses. We aim at helping the readers to detect these discourses at “Veja” and “Isto é” magazines.
PALAVRAS-CHAVE: jornalismo, discursos, sentidos
Como professores de língua portuguesa, sabemos da grande E o texto jornalístico reconhece o poder da palavra, usando-a
necessidade em se estudar na sala de aula textos dos mais diversos conforme os objetivos que pretende alcançar. Resta-nos saber: Há na
gêneros, música, poesia, propagandas, jornal, revistas, etc. Sairmos verdade uma neutralidade dos fatos?
do conteúdo puramente lingüístico para percorrer outros caminhos, Para responder a esta questão basta recorrermos à memória.
romper limites e desvendar o texto. Em muitos jornais e telejornais é comum vermos manchetes como:
O mundo está cada vez mais dinâmico e o ser humano não Greve de professores atrapalha o calendário escolar, ou ainda na
pode ficar alheio aos acontecimentos, por esse motivo há uma grande capa da revista Veja de 10 de maio de 2000: A Tática da baderna –
necessidade em se estudar textos jornalísticos na sala de aula, pois os O MST usa o pretexto da reforma agrária para pegar a revolução
meios de comunicação têm a importante tarefa de manter o indivíduo socialista; O pneu já matou 62 pessoas; O feijão é o vilão da infla-
bem informado e estar em sintonia com a realidade que o cerca. Op- ção. Nestas manchetes, oculta-se na verdade, os responsáveis pelos
tamos trabalhar com duas reportagens: O PT cor de rosa da revista fatos e transfere-se a culpa para outrem, sem chegar a fundo no mo-
Veja e o PT de resultados da revista Isto é. As revistas foram escolhi- tivo, a relevância está na conseqüência e não na causa, são telejornais,
das por serem distribuídas semanalmente, por abrangerem todas as revistas e jornais que respondem a partir de uma formação discursiva,
áreas como: esporte, lazer, saúde, educação e cultura e ainda por se- está de acordo com os interesses do governo, mas que percebemos
rem de grande representatividade no seio da sociedade brasileira, no interdiscurso, no não-dito. Quem não se lembra, por exemplo, da
considerando que os textos dessas revistas reúnem tantas informa-
campanha presidencial disputada entre Lula e Fernando Collor? As
ções para a vida social do indivíduo quanto outras espécies de leitura
reportagens da rede Globo em que Fernando Collor aparecia, dura-
como jornais, livros etc. O que nos interessa é seguintes questões: De
vam bem mais tempo do que as reportagens de Lula. E mesmo de-
que forma as notícias e os assuntos são abordados nas reportagens?
pois de eleito, era comum assistirmos ao “estressante” dia de Fernando
Que outros discursos podemos encontrar? Há portanto, uma neutrali-
Collor em seus passeios de Jet esqui, helicóptero, lanchas e outras
dade dos fatos ou uma reprodução da ideologia da classe dominante?
As respostas para esses questionamentos, nós encontramos nos novidades em meios de transportes. A emissora SBT (Sistema Brasi-
pressupostos da Análise do discurso de linha francesa, que considera leiro de Telecomunicações) ainda mostra nos intervalos o quadro O
o sujeito, seja ele autor ou leitor, como pertencente a uma instituição dia do presidente e os encontros do empresário Silvio Santos com
social e a uma história, ao utilizar o discurso, faz na verdade uma Fernando Henrique, o que deixa claro que a emissora está em co-
reprodução de outros discursos, preexistentes em sua memória. Ba- mum acordo com as atitudes do presidente da república.
seando-se no dialogismo e na teoria do inconsciente de Freud, Authier- À neutralidade dos fatos está diretamente ligada a uma outra
Revuz elabora a teoria da heterogeneidade discursiva onde o discur- característica – a objetividade da notícia. O texto jornalístico prima
so, não é mais homogêneo, mas formado por uma diversidade de pela linguagem objetiva dando prioridade aos verbos no futuro do
outros discursos que se entrelaçam no discurso do sujeito. O discur- pretérito do indicativo, por exemplo, para apresentar um
so do outro pode apresentar-se com marcas explícitas (heterogeneidade distanciamento diante do que está sendo relatado. Dessa forma, po-
mostrada) presentes no discurso relatado. É o caso do discurso direto demos perceber como é difícil para o repórter ser objetivo e até
e indireto, aspas, formas de retoques e glosas. E pode apresentar-se mesmo imparcial diante dos fatos, pois antes de tudo ele é cidadão,
também de forma não-explícita, (heterogeneidade constitutiva) pre- eleitor e tem também compromissos acima de tudo com o leitor,
sente no interdiscurso, como por exemplo: o discurso indireto livre, ouvinte ou telespectador. Não devemos esquecer que muitas vezes
ironia, antífrase, alusão, imitação. Essa heterogeneidade discursiva é o jornalista trabalha para uma revista, jornal ou emissora que res-
o que vamos encontrar nas reportagens a seguir. Como falamos em ponde por um aparelho dentro da sociedade, assume um discurso
reportagem, veremos inicialmente como se manifesta a linguagem que pode estar em concordância ou em oposição aos interesses do
jornalística e que elementos são relevantes para a nossa análise. governo. Basta lembrar as dificuldades sofridas pela imprensa na
Primeiramente devemos atentar para o caráter intencional que época da ditadura. Hoje, em qualquer redação de jornal impresso,
se esconde em cada texto, pois seja ele humorístico, religioso, peda- televisivo e em outros veículos de comunicação de massa, a maté-
gógico, político, publicitário entre outros, há uma forma particular ria depois de acabada tem ainda que passar pela revisão de um re-
de apresentar o discurso, a própria escolha das palavras busca persu- dator chefe. Este pode acrescentar ou até mesmo cortar alguns pon-
adir o leitor, influenciando no seu comportamento, mesmo que se tos da reportagem que não estão em concordância com a posição
forma inconsciente. No texto jornalístico isso não é diferente. Como do jornal, revista ou emissora.
afirma o jornalista Erbolato: Primeiramente, vamos observar como a revista Veja se com-
porta diante do sucesso do PT nas eleições de 2000 e a que ela atribui
Os meios de comunicação de massa se destinam, funda- esse sucesso. A partir do título da reportagem COM VOCÊS, O PT
mentalmente, a informar, a influir (ou persuadir) e a diver- COR-DE-ROSA – Com discurso social-democrata, o PT agiganta-
tir. O fato é levado ao conhecimento do receptor, mostran- se nas urnas e entra no clube dos grandes, já observamos que a
do-o em diversos aspectos ou enfoques e há ainda a preo- revista apresenta o tema como se fosse um espetáculo, com a inten-
cupação de motivar o leitor, (ou ouvinte) a seguir uma re-
ção de preparar o leitor para uma grande novidade. O PT apresenta-
comendação, a comprar um produto ou a aceitar um movi-
se com uma nova cara, um novo discurso e uma nova tonalidade. É
mento, campanha ou doutrina. (Erbolato, 1991:30)
interessante observar o jogo de cores utilizado pelas duas revistas,
ABSTRACT: This work aims at introducing part of our research about the Teaching of Portuguese Language in Brasil on the XVIII centure and observing
up to what extent the “ARTE DA GRAMMATICA DA LINGUA PORTUGUESA”, by António José Reis Lobato (1771), was important to the teaching of
Portuguese, in Brasil, considering that this work was maintained in the schools for nearly one century, having been the most published grammar in
Portugal (39 editions).
PALAVRAS-CHAVE: Gramática, Língua Portuguesa, Historiografia, Linguística, Ensino, Iluminismo.
Pretendemos, neste trabalho, apresentar parte de nossa pes- erudição ao citar os gramáticos mais destacados do panorama euro-
quisa, cujo tema principal – Ensino de Língua Portuguesa no Bra- peu; 3) A obra apresenta uma perspectiva diacrônica, da gramatologia
sil do século XVIII – surgiu a partir do interesse em estudar o fun- portuguesa. O autor pregava que a gramática da língua materna seria
cionamento do sistema educacional de ensino do português, uma a base para a aprendizagem de qualquer outra língua, idéia já defen-
vez que a educação estava sob a responsabilidade dos religiosos da dida por Roboredo, no século XVII. Justifica a sua gramática, afir-
Companhia de Jesus, desde o século XVI. Foi a partir da segunda mando que, por meio do ensino, seriam evitados os erros cometidos
metade do século XVIII que a Língua Portuguesa passou a fazer pelo desconhecimento das regras gramaticais e para se conhecer os
parte da estrutura educacional, de uma forma mais efetiva, na Me- fundamentos da língua que se falava, era necessário aprendê-la na
trópole e colônias. escola, em todos os anos do curso. Essa prática auxiliaria no apren-
dizado de qualquer outra língua, pois, muitas regras da gramática
A pesquisa se fundamenta nos princípios teórico- portuguesa eram comuns às demais línguas.
metodológicos da Historiografia Lingüística, que visam à reconstru-
ção do conhecimento lingüístico, aliado ao ensino, por meio de do- Conceito de gramática
cumentos passados. Definida como “estudo do saber lingüístico”, a
HL tem como finalidade “descrever e explicar como se adquiriu, Lobato definia Gramática Portuguesa como “a Arte que ensi-
produziu, formulou e se desenvolveu o conhecimento lingüístico em na a fazer sem erros a oração Portugueza”. Observa-se que é a
determinado contexto”(Swiggers, 1990:31). A HL não apresenta ain- mesma definição da gramática Minerva, de Sánchez. No século XVIII,
da parâmetros comuns aos campos de investigação dentro da Lin- em Portugal, nota-se a bipolarização, com relação ao conceito: a
güística. Diversas possibilidades são discutidas pelos pesquisadores gramática como ciência e como arte, embora tenha prevalecido na
da área. Koerner (1989) cita a importância do clima de opinião e de maioria dos gramáticos, quer latinos, ou portugueses, o conceito de
sua utilidade, para a aceitação ou não de idéias que florescem em um gramática como arte, significando arte a faculdade de prescrever re-
dado momento histórico. Buscar o clima de opinião é inserir-se no gras e preceitos, para fazer com correção, as coisas. Lobato dividiu
clima intelectual do período, é compreender o porquê da vigência sua obra em quatro partes (como fizera Manuel Álvares, dois séculos
deste ou daquele paradigma, num determinado campo científico. antes): Etimologia (bem desenvolvida), Sintaxe, embora latina, apa-
rece com algum desenvolvimento; Ortografia, pouco desenvolvida
O Corpus deste trabalho é a “ARTE DA GRAMMATICA e Prosódia – pouco desenvolvida.
DE LINGUA PORTUGUEZA”, de António José Reis Lobato
(1771), autorizada pelas instâncias superiores, políticas e educacio- Observando as condições sócio-históricas do momento que
nais, a fazer parte da proposta de ensino de Língua Portuguesa, no abordamos, encontra-se Marquês de Pombal, Ministro dos Assuntos
Curso Humanista. Estudada durante quase cem anos nas escolas da Exteriores e da Guerra, no governo de D. José I que, durante sua
Metrópole e colônias portuguesas (1771-1869) e, segundo administração (27 anos) foi o responsável pela implementação do
Assumpção (1997: 24) “foi a gramática portuguesa mais editada em ensino de Língua Portuguesa, no Brasil, tornando obrigatório o uso
Portugal” (39 edições). O nosso desafio é avaliar em que medida o do português, com a proibição do Latim ou da Língua Geral. Cabe-
processo de mudança do sistema educacional influenciou a mentali- nos salientar, que nos pautamos na hipótese de que a obrigatoriedade
dade dos governantes portugueses para a inclusão da Língua Portu- do uso da Língua Portuguesa, a partir de 1770, quando o ensino de
guesa como disciplina obrigatória no ensino elementar e secundário, Gramática Portuguesa é institucionalizado, pode constituir uma pe-
em Portugal e no Brasil. culiaridade determinante de uma postura didático-pedagógica do sé-
culo XVIII. Nessa época, a Gramática Geral era altamente difundida
Sobre a vida de Reis Lobato pouco se sabe, até o momento. por toda a Europa e os gramáticos portugueses, apesar de adotarem a
Encontramos, em Inocêncio da Silva, alguns dados e, em Leite de Minerva, imposta pelo Alvará de 28-06-1759, passaram a usar con-
Vasconcelos, apenas um indício. Este último, fornece uma indica- ceitos da matriz de Port-Royal, começando a descaracterizar, em al-
ção temporal a respeito desse gramático: “REIS LOBATO (1721) guns aspectos, a matriz salamanquina.
foi em gramática um instrumento do Marquês de Pombal”. Para As-
sunção (1997:24), a obra de Reis Lobato foi relevante, por três ra- O ensino de gramática portuguesa passa a ser obrigatório no
zões: 1) Lobato faz a apologia da gramática geral e do ensino da Curso Humanista, a partir da promulgação do Alvará de 30-09-1770.
língua materna; 2) Indica as suas fontes e mostra conhecimentos de A classe (disciplina) de Gramática Portuguesa duraria de seis meses
Referências Bibliográficas
Comentários conclusivos AZEVEDO, J. Lúcio de. O Marquês de Pombal e sua época. 2 ed.,
com emendas. Rio de Janeiro: s. ed., 1992.
A análise parcial da Gramática de Reis Lobato nos dá conta de FÁVERO, L.L. As concepções lingüísticas no século XVIII: a gramá-
que ela foi uma obra inovadora e contributiva, para sua época, não tica portuguesa. Campinas (SP), UNICAM,P, 1996.
só por fazer uma apologia da Gramática Geral de Port-Royal, já que KOERNER, E.F. K. “Practicing linguistic historiography” : selected
se adotava a Gramática Minerva, imposta pelo Alvará de 28-06- essays. Amsterdam: J. Benjamins, Series III – Studies in the
1759, como também apresentava, numa perspectiva diacrônica, a history of the language sciences, 1989.
gramatologia portuguesa. Foi a primeira que, de forma continuada e REIS LOBATO, A.J. Arte da Grammatica da Lingua Portugueza.
sistemática, serviu de base para o ensino de Língua Portuguesa, no Lisboa. Officina Typografica, 1771.
período de 1771 a 1869, tendo sido a gramática mais editada em SWIGGERS, P. “Reflections on (models for) linguistic
Portugal (39 edições). A obra de Lobato surge em 1771, com o ob- historiography”. In HÜLLEN: (ed.) 1990, p.27-44.
ABSTRACT: The proverbs reflect the cultural imaginary of people, being part of a day-by-day language. They are cultural metaphorical models based on
cognitive structures. I’ve done a research following Lakoff & Johnson (1980) who claim that our thought is metaphorical by nature and The Great Chain
Metaphor Theory.
PALAVRAS-CHAVE: provérbios; A grande Cadeia da Metáfora
1. Introdução uso constante, são evitados por quem os considera falta de habilidade
e pobreza de vocabulário na escrita.
O modelo conceitual de Lakoff & Johnson (1980) colocou em Luria (1986) afirma que Vygotsky dedicou seus primeiros tra-
discussão a definição da metáfora. Ela não é mais vista como um balhos às análises das fábulas, onde a divergência entre o significado
fenômeno lingüístico ou um recurso poético, mas como uma ativida- extremo e o sentido interno do subtexto aparece claramente. Tanto
de cognitiva do dia-a-dia. Lakoff e Johnson (1980:5) definem: “A nas fábulas, quanto nos provérbios, apresenta-se uma conflito entre
essência da metáfora é entender e experienciar uma coisa em termos o texto aberto e o subtexto. Esta capacidade de compreender o
de outra”. subtexto representa um aspecto especial da atividade psíquica. “Os
Saímos da nossa experiência concreta para passarmos às emo- provérbios são uma forma especial de alocução, nos quais a essência
ções abstratas. encontra-se no sentido figurado”( Luria, 1986:196).
Através da frase “Aquiles é um leão”, Lakoff e Turner( Os provérbios são estruturados similarmente aos mecanismos
1988:195) confirmam que a teoria da similaridade caiu por terra, já da linguagem poética, como a rima, a assonância, a aliteração, o equi-
que segundo essa teoria a coragem do leão teria que ter a mesma líbrio, o paralelismo, a elipse, sendo empregados metaforicamente.
propriedade literal da coragem de Aquiles. Sabe-se que um leão age Encerram uma mensagem de advertência ou conselho.
por instinto, portanto, não há similaridade. “Os provérbios evocam esquemas ricos em imagens e infor-
A metáfora é um fenômeno cognitivo-social, que possui um mação: eles evocam o conhecimento de animais comuns, objetos e
papel central na definição das nossas realidades cotidianas. Ela está situações”(Lakoff & Turner, 1988:162). Esses esquemas de nível es-
na linguagem, no pensamento e na forma como agimos. Nosso siste- pecífico incluem informações de nível genérico, assim como deta-
ma conceitual, fundamentalmente metafórico por natureza, é algo do lhes específicos e imagens concretas. Eles citam o provérbio Blind
qual não temos consciência. Muitas vezes, utilizamos metáforas para blames the ditch ( O cego culpa o fosso ), como sendo não só sobre
nos comunicarmos de maneira quase automática. Nossos conceitos pessoas cegas, como também sobre todas as pessoas que possuem
estruturam o quanto percebemos e como nos relacionamos com as alguma incapacidade. Os provérbios usam dois tipos de poder : eles
outras pessoas. nos levam a caracterizações genéricas, que baseiam-se em um caso
A partir de conceitos concretos, estruturamos conceitos mais especial.
abstratos. Quando dizemos que “Tempo é dinheiro” estamos de- Honeck e Temple (1994) basearam seus estudos sobre os pro-
monstrando um conceito metafórico que existe em nossa cultura, no vérbios na teoria da base conceitual estendida (The Extended
nosso sistema conceitual. Através da nossa experiência com o di- Conceptual Base Theory-ECBT). A ECBT compreende os provérbi-
nheiro, recursos limitados e produtos valiosos, formulamos uma os como uma tarefa de resolução de problemas, que não necessita de
metáfora conceitual a respeito do tempo. A teoria da metáfora acessar as metáforas conceituais preexistentes ou qualquer outro
conceitual pode ser representada por X é Y, como forma de nomear o mecanismo especial.
mapeamento de um domínio(fonte) em outro domínio(alvo). A teoria postulada por Lakoff & Turner (1988), The Great
Nossos valores são dependentes e formam um sistema coeren- Chain Metaphor Theory-GCMT, parece-me a mais adequada, por-
te, de acordo com os conceitos metafóricos com os quais interagimos, quanto baseia-se no modelo cultural denominado The Great Chain
conforme nossa cultura. of Being (A Grande Cadeia da Existência). Aparece nos provérbios
Nos anos 70, no Brasil, uma famoso jogador de futebol cha- um sentido de ordenação das coisas. Os provérbios estão relaciona-
mado Gérson protagonizou um comercial de cigarros, no qual a men- dos às pessoas, embora pareça que se referem a outras coisas – vacas,
sagem transmitida era relacionada com a esperteza e inteligência de sapos, cachorros, facas, pássaros etc. Compreendemos os provérbios
um cidadão, que ao fumar a respectiva marca, estaria levando vanta- como caminhos para a compreensão das complexas faculdades dos
gem. O protagonista dizia ao final da propaganda: “Eu gosto de seres humanos em termos dessas outras coisas. Segundo os estudio-
levar vantagem em tudo, certo?”. Foram feitas duras críticas à cam- sos supracitados, para alcançarmos a compreensão dos provérbios
panha publicitária, contudo, não podemos deixar de reconhecer que utilizamos The Great Chain of Being.
esse conceito estava e continua enraizado na nossa cultura: é a metá- A Grande Cadeia da Existência diz respeito a seres diversos e
fora conceitual do jeitinho brasileiro, que ficou conhecida como “a suas propriedades e posições numa escala vertical, com seres superi-
lei do Gérson”. ores e seres inferiores. “É uma escala de formas de existência – hu-
mana, animal, vegetal, objetos inanimados – e consequentemente uma
2. Provérbios escala de propriedades, que caracterizam as formas de existência –
razão, comportamento instintivo, função biológica, atributos físicos”
Os provérbios estão em todos os lugares, tanto na linguagem (Lakoff & Turner, 1988:167). Os autores fazem a distinção entre a
oral, quanto na escrita. Eles estão na literatura, cujos grandes repre- forma básica da Cadeia e a ampliada. A primeira concerne ao relaci-
sentantes mundiais, Shakespeare e Machado de Assis, fizeram uso onamento dos seres humanos com as formas “inferiores” de existên-
deles em seus renomados escritos. Considerados clichês, pelo seu cia. É muito difundida e ocorre em várias culturas do mundo. A
ABSTRACT: This work focus on spacial and temporal adverbial structures in a portuguese text of the 15th century – Crónica de D. Pedro, by Fernão
Lopes -, establishing morphological and synthatical formation process and spacial, temporal and aspectual semantic contents.
PALAVRAS-CHAVE: Adverbiais – Localismo – Gramaticalização – História da língua portuguesa
1. Esta comunicação dá conta do andamento de elaboração de tese de te dialogais, costumam também ancorar-se nessas dimensões, embora
Doutoramento, a ser defendida perante o Programa de Pós-Gradua- comumente se passem no domínio da não-pessoa. Assim, geralmente,
ção em Letras e Lingüística da UFBA, que propõe reflexão sobre constróem-se sobre linhas organizativas que são ou espaciais, ou tem-
itens adverbiais de conteúdo semântico espacial e temporal, recolhi- porais ou linhas de ordenação de proposições, que podemos chamar
dos dos textos dos séculos XIV, XV e XVI, confrontados com seus argumentativas. Quer dizer, construindo seu discurso, solitário ou em
correspondentes atuais. Denomino, conjuntamente, de adverbiais, diálogo, o falante sente necessidade de uma linha organizativa para si
tanto os tradicionalmente chamados advérbios, quanto as também e/ou para o seu interlocutor. A linha a ser escolhida depende de o
tradicionalmente chamadas locuções adverbiais, e me guio por crité- falante estar referindo entidades que se localizam e se deslocam no
rios de distinção entre locuções adverbiais - seqüências em processo espaço; ou fatos que se propõem, se antecedem ou são simultâneos no
de gramaticalização - e SPs ou SNs de função semântica e sintática de tempo; ou estar referindo não propriamente fatos, mas proposições
natureza adverbial que estabeleci em trabalho de 19961 . que não se localizam nem no espaço, nem no tempo, mas que se
Em trabalho publicado em 19972 apresentei todos os itens amarram umas às outras numa certa linha que o raciocínio acompanha.
adverbiais encontrados no texto Crónica de D. Pedro (CDP), sem Chama a atenção o fato de que, dessas três dimensões básicas, a
aplicar-lhes o recorte semântico que vim a eleger para a análise do pessoa e o tempo, nas línguas do mundo, geralmente disponham de
corpus global da tese. Recentemente procedi à adeqüação dos dados expressões lingüísticas do nível mórfico, enquanto o espaço não conta
a esse recorte, do que aqui dou notícia. com categorias lingüísticas privativas.
Como base teórica da análise, pretendo utilizar os pressu- Neste trabalho não invisto nos processos que produzem as
postos da teoria da Gramaticalização, incluindo a proposta localista. extensões semânticas, nem apresento ainda a aplicação sistematizada
Como amplamente difundido, a hipótese localista considera as ex- dos pressupostos da teoria aos advérbios do português. Limito-me a
pressões espaciais como mais fundamentais, gramatical e apresentar as formas que ocorrem na CDP, seus processos
lexicalmente, porque servem de modelo estrutural, cognitivamente morfossintáticos de formação e as nuances espaciais e temporais que
falando, para outras expressões lingüísticas. Baseio-me sobretudo expressam.
em Lyons (1980[1978]), Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991) e Considerarei para a minha coleta os advérbios de conteúdo
Svorou (1993). semântico espacial e temporal, simples e locucionais, esses constitu-
Muitos estudos indicam que as línguas são semelhantes no ídos por SNs ou introduzidos pelas preposições a, de, em, por/per,
modo como codificam relações espaciais e como essas são estendi- para, escolhidas pelo seu maior grau de paradigmacidade, no sentido
das semanticamente para expressar outros tipos de relação, além de de Lehmann (1982), a saber, a inclusão dos itens em questão em
serem semelhantes no modo como se estendem. A motivação estaria paradigmas, que se caracterizam por freqüência e coesão interna, re-
em processos cognitivos, portanto universais, que se baseiam no modo fletida na regularidade das distinções intraparadigmáticas, o que pro-
como os seres humanos vivenciam o mundo, restringidos pela sua duz, ao meu ver, um tipo de previsibilidade.
configuração física e pelo seu aparato neuro-fisiológico. Ressalve-
se que Svorou e Heine, Claudi e Hünnemeyer lembram a contribui- 2. Foram encontrados 101 itens adverbiais, cujos processos
ção da cultura da comunidade para o processo, não menos importan- morfossintáticos de formação listo a seguir, acompanhados de alguns
te, embora menos sistemática. Afinal, o espaço é um dos componen- exemplos. Esclareço que não serei exaustiva quanto ao registro das
tes da instância prototípica da linguagem, a dêixis, que ancora o variantes gráficas. Esclareço também que incluo as formas la, aqui, ali,
diálogo, a utilização mais natural das línguas, nas três dimensões alla, allo, i (hi), hu, ca, recentemente recategorizadas como pronomes
básicas: quem fala/onde fala/quando fala, ou seja, categorias se- e que na tese merecerão provavelmente tratamento diferenciado.
mânticas de pessoa/espaço/tempo. Esses três eixos se interseccionam São dezesseis os processos encontrados:
no que Svorou chama centro dêitico e correspondem a três domínios 1. ADV < ADV: antes, cedo, oje, nunca, sempre
cognitivos, dois dos quais mais generalizadamente considerados 2. ADV < N: asinha, logo
básicos, a saber, pessoa e espaço, e o terceiro, tempo, também em 3. ADV < ADJ: alto, primeiro
geral admitido como imediatamente calcado no segundo. Apenas 4. ADV < V(pp): toste
como ilustração desse fenômeno trago dois exemplos da CDP em 5. ADV < ADV + ADV: aqui, nunca mais, ainda nom
que o vocábulo espaço corresponde nitidamente a tempo: 6. ADV < DET + N: agora, cada dia, muitas vezes, este ano
(1) depois tornava asperamente contra elles rreprendendo-os
muito d’o que feito aviam, e assi andou per hu)u grande espaço (113,
62-64) 1 COSTA, Sônia B. B. “Adverbiais”. In MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia (org.).
(2) e era tamanho o medo que quantos esto viiam todos cuida- A ‘Carta de Caminha’: testemunho lingüístico de 1500. Salvador: EDUFBA,
vam de serem mortos, durando esto per mui grande espaço (269- 1996.
270, 73-75) 2 COSTA, Sônia B. B. “Adverbiais na Crônica de D. Pedro”. In: Estudos:
Os discursos, manifestações lingüísticas não necessariamen- Lingüísticos e Literários, nº. 19. Salvador: PPGLL/UFBA, 1997.
ABSTRACT: Based upon the analyses of a corpus formed by different kinds of texts from the XVIth century, this paper presents the conjonctional itens
used in this century studied in five different groups: 1. conjonctional itens that used previously, experienced some kind of change; 2. conjonctional
itens used until this century; 3. conjonctional itens that begin to be used in this century; 4. conjonctional itens only used in this century; 5.
conjonctional itens that not being used any more, reappeared in texts of this century.
PALAVRAS-CHAVE: Conjunções – correlações – século XVI – gramaticalização.
Este trabalho representa a continuação de três pesquisas E caso que estas palavras cõ as obras de que outros podem
anteriores: a dissertação de mestrado intitulada: “Conjunções: dar testemunho, mostrem aver em my a obidiencia que digo,
aspectos da sua constituição e funcionamento da história do português” todavia não me acabo de satisfazer, por que mayor he e muito
(1992), que analisa conjunções e correlações conjuncionais em 3158 mays conte em sy do que posso escrever. (CT, CLXXI, l. 14-7).
períodos retirados de textos de tipos diversos, dos séculos XIII a XV;
o trabalho intitulado “Perseguindo as conjunções”, de Barreto e Olinda 1.3 Que – aditivo, cujo emprego parece ter sido corrente até o
(1992), publicado na revista Estudos lingüísticos e literários, nº 13, séc. XV, pois ainda é empregado sete vezes na Carta de Caminha,
que analisa os citados conectores, num texto de 1500, a Carta de Pero ocorre também na GLP, mas apenas uma única vez, no Diálogo da
Vaz de Caminha (CC); a tese de Doutorado “Gramaticalização das Viciosa Vergonha.
conjunções na história do português” que tenta explicar a origem dos Quanto às conjunções subordinativas, pode-se afirmar que:
itens conjuncionais portugueses, tomando por base um corpus 1.4 A conjunção que empregada, no português arcaico, como
constituído por textos dos sécs. XIII, XIV, XV, XVI e XVII e textos integrante, causal, comparativa, modal, concessiva, condicional,
de língua falada do português contemporâneo. Desse modo, temporal e final, apresenta o seu campo semântico reduzido, ocorrendo
apresentará os itens conjuncionais que: 1. já empregados em séculos apenas como integrante, causal, final e concessiva.
anteriores, experimentaram mudanças no século em estudo; 2. só 1.5 A conjunção como continua a expressar relações de causa,
foram empregados até o séc. XVI; 3. começaram a ser empregados no finalidade, modo, comparação e tempo que já expressava desde o séc.
séc. XVI; 4. só foram detectados em textos do referido século; 5. XIII e passa a expressar também a relação de conformidade:
aparentemente já em desuso, voltaram a ocorrer nesse século.
O corpus escolhido para a pesquisa foi constituído de textos de Como diz David em espirito (sal. XVII): Em toda térra saiu o
tipos diversos, todos do séc. XVI, pertencentes, pois, ao período som deles, e nos fins da térra as suas palavras. (DVV, p. 438, l. 14-5).
moderno da língua, entre os quais estão incluídos: 1. textos de caráter
epistolar: 22 Cartas de D. João III – CDJIII – (1523 – 1557), 173 1.6 A forma segundo que, no séc. XIII, apresentava-se seguida
Cartas da corte de D. João III (1524 – 1562) (30 da Rainha Catarina de que, como ou em como, começa a aparecer isolada nas cartas de D.
– CR, 49 do Infante Luis – CIL, 40 de Jaime, Duque de Bragança – CJ, João III.
41 de Theodosius, filho do Duque – CT, 13 cartas Miscelâneas – No que diz respeito às correlações conjuncionais, pode-se afirmar que:
CM); 2. textos pedagógicos de João de Barros, de 1540: Cartinha – C, 1.7 Das correlações comparativas de superioridade e
Gramática da língua portuguesa – GLP, Diálogo da Viciosa Vergonha inferioridade que ocorrem desde o português arcaico, apenas mais...
– DVV, Diálogo em louvor da nossa linguagem – DLNL); e um texto que apresenta a variante em que o segundo termo é do que ainda nesse
histórico, também de João de Barros: As Décadas da Ásia – D.A. – mesmo período; as demais: maior... que, melhor... que, menos...
1º e 2º volumes (1000 linhas de cada), 1552 – 1553. que e pior... que, só no séc. XVI começam a apresentar esse tipo de
Foram encontrados, no corpus consultado: 29 itens variante.
conjuncionais coordenativos (22 conjunções, 7 correlações) e 63 1.8 A correlaçao proporcional quanto... tanto, utilizada no
subordinativos (43 conjunções, 20 correlações). português do séc. XIII, apresenta, no séc. XVI, as variantes: quanto...
tanto, quanto... tanto mais e quanto... mais... tanto... mais.
1. Itens conjuncionais que, já empregados em séculos 1.9 Do mesmo modo, a correlação aditiva não só... mas
anteriores, experimentaram mudanças no séc. XVI: também, do português contemporâneo, que apresenta, desde o séc.
XIV, quando começou a ser empregada, variantes diversas. Aparece,
Os itens conjuncionais encontrados no corpus, na sua maior no séc. XVI, sob as formas: nam somente... mas, nam... mas, não
parte, já haviam sido detectados em textos mais antigos, entretanto somente... mas ainda.
alguns fatos merecem destaque: 1.10 A correlação ne... ne que era empregada para ligar mais de
Entre os itens coordenativos: dois sintagmas ou mais de duas sentenças, em textos do séc. XIII e
1.1 E, conectivo aditivo empregado repetitivamente, em textos XIV, tem o uso repetitivo reduzido, passando a ligar, no máximo, três
do século XIII ao século XV e nos Diálogos de João de Barros, já não sentenças ou três sintagmas.
é tão empregado dessa maneira, nos demais textos do século XVI, 1.11 O mesmo ocorre com as correlações ou... ou e quer...
embora ainda apareça repetido em alguns períodos: quer que passam a ligar apenas duas ou três sentenças ou dois ou três
1.2 O item todavia parece ter finalizado, nesse século, o seu sintagmas.
processo de gramaticalização ao nível da escrita e ao nível semântico, 1.12 A forma senão, constituída da justaposição da conjunção
uma vez que já é empregado, nos textos, com a forma justaposta e condicional se à forma negativa não, que ocorre, no português arcaico,
como conjunção, estabelecendo uma relação de contrajunção: expressando uma relação de condição, é empregada, no séc. XVI:
(ii) com valor conjuncional: 3.4 Outra conjunção modal, de feição que, de idêntico teor
- fazendo parte da correlação adversativa nã... senã ~ nõ... semântico, ocorre nas CJ:
senõ ~ não... senão, já empregada no português arcaico, a qual, no
português moderno, assume também as formas: nehuu... senam ~ E se sua alteza tem võntade que eu Receba d’elle esta merce,
ne... senão ~ sem... senam: seja esta Resposta de feição que me pareça a mi que quer sua
alteza conclusão; (CJ, LXXXIX, l. 71-3).
E porque ysto he cousa tã fora de toda rezam, e mais estamdo
vos no em que estaaes, e tratando negocio tall que nehuu outro fim 3.5 Registra-se a conjunção temporal já que grafada ya que.
teem senam a amizade que eu tanto precuro de ter cõ el Rey de França... 3.6 O advérbio logo ‘imediatamente’ empregado em textos do
(CDJIII, XXI, l. 17-20). séc. XV, aparece, no DVV, como conjunção conclusiva:
1.13 A correlação modal bem como... assi empregada em textos Todo pecádo é obrár e todo obrár é voluntário, quér seja torpe
do século XIII, apresenta, no séc. XVI, a forma como... assi: quer honesto: logo todo pecádo é voluntário. (DVV, p. 433, l.
03-5).
2. Itens conjuncionais que só foram empregados até o séc. XVI
o que parece indicar ter ocorrido, no séc. XVI, o processo de
2.1 Pero e porem ocorrem, no séc. XVI, não só estabelecendo gramaticalização:
relações de conclusão e explicação, mas também já estabelecendo advérbio > conjunção
relação de contrajunção, sendo entretanto, nesse caso, pero ainda a 3.7 Aparecem as concessivas por mais... que e cõ quanto ~
forma mais usada. Nas D.A., as formas péro e porém são empregadas com quãto
apenas como conjunções contrajuntivas. Nas demais obras do séc. 3.7.1 por mais que com a forma ainda não gramaticalizada por
XVI, pero já não ocorre e o item porem é empregado como conjunção, mais... que.
para expressar a relação de contrajunção, sendo, entretanto, ainda 3.7.2 Cõ quanto, com a forma ainda não gramaticalizada ao
mais freqüente o seu emprego como reforço adverbial conclusivo- nível da escrita, ocorre também:
explicativo. (i) ainda não gramaticalizada ao nível semântico, significando
2.2 Pero e empero, isoladas ou associadas à conjunção que, ‘com aqueles que’ e admitindo as flexões do indefinido:
constituem também conjunções concessivas em textos do séc. XIII ao
XV. Como concessivas, empero ou empero que já não aparecem nos Eu, Deos seja Louvado, fico de saude com quãtos as grandes
textos do séc. XVI, pero e pero que, entretanto, ainda são empregadas. calmas e os trabalhosos caminhos forão a isto asaz contrairos.
2.3 A conjunção explicativa ca ~ qua, muito freqüente no (CIL, XLIII, l. 48-50).
português dos sécs. XIII a XV, aparece, ainda, em todos os textos do
séc. XVI consultados para esta pesquisa, porém numa freqüência já (ii) já gramaticalizada, ao nível semântico, significando ‘apesar
bem menor. Nas D.A. o seu emprego já é raro. de que’, ‘embora’:
2.4 Inicialmente uma conjunção temporal, pois ocorre também
como conjunção explicativa. Cõ quanto venho bem desejoso de Repousar, por que desejo
2.5 Desque ocorre uma única vez ainda nas Cartas do Infante mays todos os meyos para a saude e cõtetameto de sua alteza,
Luís, o que parece indicar ser, na época, uma forma já quase em nã me pessara de acõpanhar sua alteza e algua mays larga
desuso. jornada... (CIL, XII, l. 06-9).
3. Itens conjuncionais que começaram a ser empregados o que comprova datar do séc. XVI o seu emprego como item
no séc. XVI: conjuncional concessivo.
3.8 Conforme, começa a aparecer como locução prepositiva,
3.1 O advérbio somente é empregado como item conjuncional seguida da preposição a e apresentando as variantes gráficas:
contrajuntivo: cõforme a, confforme a e conforme a. Não ocorre, nos textos do
séc. XVI consultados, como conjunção, o que indica ter se
E se ouvere de mudar meus ossos nõ ho ffacã cõ chamameto de gramaticalizado no final desse século ou em época posterior.
gente ne gasto, somente cõ atee mea dozia de crérigos ou Religiosos. 3.9 Ao lado das conjunções conclusivas logo e portanto são
(CJ, CXIX, l. 44-6).1 empregados itens que mais tarde viriam também a ser conjunções e a
expressar idêntica relação:
3.2 Contudo, aparece ainda com a forma não gramaticalizada 3.9.1 per conseguinte, hoje por conseguinte, como reforço
ao nível da escrita, cõ tudo, e até mesmo ao nível semântico, uma vez adverbial, com o valor semântico de ‘em, conseqüência’,
que ainda conserva o sentido original de: ‘com todas as coisas’ou ‘com ‘consequentemente’:
todas essas coisas’. Tudo leva a crer, assim, que só no final do séc.
XVI, ou mesmo no séc. XVII, a forma contudo, já gramaticalizada ao
nível da escrita tenha passado a conjunção e assumido o conteúdo
1 Nesse exemplo, pode-se também admitir que somente esteja empre-
semântico adversativo.
gado com valor adverbial, estando elíptica a conjunção adversativa.
Nota-se que, no exemplo acima, o mais ocorre numa sentença BARRETO, Therezinha Maria Mello. (1999). Gramaticalização das
de sentido negativo, o que parece explicar a forma dessa correlação no conjunções na história do português. Salvador. UFBA. Tese de
português contemporâneo: não... quanto mais. Doutoramento em Letras.
4.5 Nas Décadas da Ásia, uma única vez, encontra-se a CASTILHO, Ataliba Teixeira de. (1997a). A gramaticalização. Estudos:
correlação adversativa mais... que, também não detectada no português Linguísticos e Literários. Salvador. n. 19, UFBA. p. 25-64.
arcaico: CASTILHO, Ataliba Teixeira de. (1997b). Língua falada e
gramaticalização. Filologia e Lingüística Portuguesa, São Paulo,
... e q nã fazia mais cõta q de cõprar e veâder e tornasse a sua n. l, p. 107-20.
natureza. (D.A., cap. III, l. 86-7). COROMINAS, Joan. (1991). Dicionário crítico etimológico de la
lengua castellana. Madrid: Gredos, 4 v.
4.6 Aparece a correlação de valor semântico contrajuntivo nam... HEINE, Bernd, CLAUDI, Ulrike, HÜNNEMEYER, Frederike.
que ‘não... mas’, ‘não... senão’: (1991). Grammaticalization: a conceptual framework. Chicago/
London: The University of Chicago Press.
HEINE, B. (ed.). Approaches to grammaticalization. Amsterdam/
E assi este tel como outras vergas e pontos que tem a nóssa
Philadelphia: John Benjamins. v. 1, p. 17-36.
escritura, prinçipalmente ôs da lêtera tiráda, que máis se pódem
HUBER, Joseph. (1986). Gramática do português antigo. Trad. de
chamar atálhos dos escrivães, por nam gastárem tempo, e Maria Manuela Gouveia Delille. Lisboa: Calouste Gulbenkian.
papél que [por] outra algua neçessidade. (GLP, l. 1990-3). MACHADO, José Pedro. (1967). Dicionário etimológico da língua
portuguesa. 3. ed. Lisboa: Confluência, 3 v.
4.7 Ocorre ainda a correlação tanto... como se em que o segundo MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. (1984). Pero e porém: mudanças
termo é a conjunção comparativa hipotética. em curso na fase arcaica da língua portuguesa. Boletim de Filologia.
Lisboa, v. 29p., 129-151.
5. Itens conjuncionais que, aparentemente já em desuso, MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. (1989). Estruturas trecentistas:
voltam a ocorrer em textos do séc. XVI elementos para uma gramática do português arcaico. Lisboa:
Imprensa Nacional/Casa da Moeda.
5.1 A correlação nom... senon ~ nom... senam, detectada
ABSTRACT: The purpose of this paper is to analyse the characteristics of the prepositions used by João de Barros (XVIth century) and to establish
a comparison between the form they present in this century and that one they show in texts of the XIV th century previously studied, in order to
investigate synthatic and semantic changes occurred with some of them.
PALAVRAS-CHAVE: funcionalismo – gramaticalização – preposições - português
Este trabalho é parte de um projeto coletivo do Programa para (2) A epístola sinifica o ofiçio de Sam Joám, precursor de Cris
a História da Língua Portuguesa (PROHPOR), intitulado “Português to que veo ante a sua fáce e a dizer: [...] (J.B., p. 268, l. 45)
quinhentista: estudos lingüísticos”, sob a Coordenação da Profa. Dra. CONTRA: ‘noção: oposição’
Rosa Virgínia Mattos e Silva. (3) E non te nembra que o profeta David, por huas paravoas
Nesta comunicação, os corpora básicos analisados constituem- mentideiras [...] contra o filho de Jonata, deu sentença de
se da versão mais antiga, em português arcaico (século XIV), dos dois noite contra el (D.S.G., 1, 8, 5)
primeiros livros dos Diálogos de São Gregório e de algumas obras de (4) [...] e diz-se contra o Aquilám pera evitár os máos espíri
João de Barros (século XVI), a saber: Gramática da língua portugue- tos e imitar os bons, [...] (J.B., p. 284, l. 152).
sa com os mandamentos da Santa Madre Igreja, Diálogo em louvor DE: ‘espaço: afastamento’
de nossa linguagem e Diálogo da viciosa vergonha. (5) [...] viinha cada ano do logar en que morava ao moesteiro
Sabe-se que as preposições já existiam no sistema latino, em- de San Beento (D.S.G., 2, 13, 2)
bora sendo pouco usadas no período clássico, uma vez que a relação (6) E assi se árma com òrações e çerimónias divinas que diz e
entre vocábulos era marcada, quase sempre, pelas flexões casuais. À fáz do prinçipio até o fim dela (J.B., p. 263, l. 22).
medida que os casos morfológicos foram desaparecendo, generali- DES: ‘tempo: afastamento’
zou-se o emprego das preposições, o que se ampliou nas línguas ro- (7) Aqueste des sa mininice sempre ouve coraçon de velho
mânicas. (D.S.G., 2, 1, 3)
Com o objetivo de dar continuidade à pesquisa sobre os proces- (8) A quinta feira das Endoenças, des a quinta feira à missa,
sos de gramaticalização, parte-se da análise das preposições docu- [...] (J.B., p. 286, l. 183)
mentadas nas obras de João de Barros acima citadas, estabelecendo-se EM: ‘espaço: localização’
comparações com esses elementos no português do século XIV (Diá- (9) Tu deves saber [...] que no moesteiro [...] faleceu o azeite
logos de São Gregório), estudado anteriormente, na minha tese de velho (D.S.G., 1, 15, 3)
Doutorado, que tem como corpus os dois primeiros livros dos Diálo- (10) [...] conversám de cinquenta e séte mil álmas na térra do
gos de São Gregório, a fim de investigar mudanças que ocorreram Malabar (J.B.,p. 240, l. 31).
com algumas preposições que introduzem adjuntos adverbiais e com- SEGUNDO: ‘noção: adequação’
plementos locativos de verbos circunstanciais. Conseguiu-se um nú- (11) A lei de Cristo, segundo nóssa fé, é à que [h]á-de salvár
mero significativo de segmentos para a realização deste trabalho: 2.298 a todos (J.B., p.367, l.1431)
segmentos de texto foram selecionados dos Diálogos de São Gregório (12) E esto fazia cada dia segundo o custume que naquel tem
e 2.291 da obra de João de Barros. po era (D.S.G., 2, 23, 14)
No século XVI, João de Barros (1971: 347, 355) define a pre- SEM: ‘noção: exclusão’
posição como uma parte da gramática que se põe entre as outras por (13) [...] pareçe-nos que ficáva ésta sem fundamento, [...] (J.B.,
ajuntamento ou por composição. Além das preposições propriamen- p. 292, l.18)
te ditas, ele considera como preposições aquelas que são usadas como (14) [...] mostrou que o seu recebimento sen culpa non foi
prefixos, no processo de formação de palavras. Observa que esses (D.S.G., 1, 25, 21)
elementos possuem figuras singelas ou simples e dobradas ou com- SOBRE: ‘espaço: situação superior’
postas, salientando que essas últimas são mais eficazes. Também tra- (15) Água benta que se aspérge sobre o povo é [...] (J.B., p.
ta da regência das preposições, focalizando o papel das mesmas na 265, l.17)
marcação dos casos, como: de e do para o genitivo; a, ao e para para (16) Vai e deita desta agua beenta sobrelo corpo daquel que
o dativo; a, ante, diante, antre, contra, per e por para o acusativo; jaz enfermo (D.S.G., 1, 28, 38).
e com, em, no, na e sem para o ablativo.
Ao estabelecer comparação entre os corpora dos dois séculos, A preposição des continuava em uso no século XVI, pois Duarte
observa-se que as preposições podem ser agrupadas de formas diver- Nunes de Leão, na Ortografia e origem da língua portuguesa, publicada
sas. nos inícios do século XVII, corrige desdeque para desque (Leão,
No primeiro grupo, há preposições que aparecem com formas 1983: 164).
e sentidos equivalentes. É o caso, por exemplo, das preposições: ante,
contra, de, des, em, segundo, sem e sobre, exemplificadas a seguir: Algumas preposições apresentam formas equivalentes nos dois
ANTE: ‘espaço: diante de’ autores, porém, em João de Barros, aparecem com novos sentidos. É
(1) [...] apanhou todolos pedaços da lampada que pôde apa o que ocorre com as preposições a, com, per e por.
nhar e pose-os todos ante o altar (D.S.G., 1, 14, 3) Assim, a preposição a, nos séculos XIV e XVI, além de estar
ABSTRACT: In this paper, it is intended to observe, in three texts from the XVI century, how demonstratives worked, related to the structure of their
system: whether dichotomic or classical trichotomic. The analysis showed that, in those texts, both a dichotomic and a no-classic trichotomic system
were present, varying according to demonstrative function and in relation to the type of text.
PALAVRAS-CHAVE: Demonstrativos, dêiticos, anafóricos, diacronia
0. Introdução
Durante a elaboração da dissertação tentou-se adotar os Através desse gráfico percebe-se que os dois diálogos têm a
critérios e a nomenclatura existente com relação à referência dos mesma disposição, guardadas as devidas proporções, que é distinta da
demonstrativos, a saber: endofórica: anáfora, referência ao que já foi narrativa, cuja curva é muito diferente, podendo-se assegurar, a partir
dito; catáfora, referência ao que será enunciado; exofórica: dêixis disso, que a natureza do texto é um dos fatores condicionantes no
espacial, situação da pessoa/elemento no espaço; dêixis temporal, emprego dos demonstrativos em cada uma das funções encontradas
situação da pessoa/elemento no tempo. Contudo, isso não foi possível, nos textos em estudo. Os diálogos, na dêixis temporal, têm o número de
pois em alguns contextos, em que as formas demonstrativas se ocorrências inferior ao da anáfora-dêitica, contrariamente, ao que ocorre
encontravam, às formulações teóricas existentes e, consequentemente, nas Décadas, em que as ocorrências da dêixis temporal são superiores
suas denominações não se adequavam, por esse motivo foi necessária às ocorrências de anáfora-dêitica, isso mostra que em um diálogo não há
tanta necessidade de se estar utilizando a função dêitica temporal, pois
a criação de uma categoria, anáfora-dêitica, que é a identificação da
os interlocutores compartilham a mesma situação temporal, já nas
referência no próprio texto, mas com expressão semântica dêitica
Décadas o maior número de ocorrências, em relação à anáfora-dêitica,
espacial, e a adoção de uma terminologia de Karl Bühler, dêixis “am se justifica pela distância entre o espaço de tempo do narrador e o
phantasma”, que é a ausência de referência no próprio texto, mas com tempo dos fatos narrados, ou seja, João de Barros não é contemporâneo
referência ao genérico pertencente à memória compartilhada, sabe-se aos fatos que narra, levando-o a ter de valer-se da referida função.
que essa teoria/denominação não é muito bem aceita por alguns Na dêixis espacial o número de ocorrências é igual ao de
especialistas, mas encaixou-se perfeitamente nos casos em que os dêixis temporal no Diálogo em Louvor de Nossa Linguagem, no Diálogo
conceitos, normalmente utilizados, não satisfaziam. Dessa forma da Viciosa Vergonha, já nas Décadas da Ásia, as ocorrências de dêixis
chegou-se ao seguinte sistema de referenciação: espacial são três vezes superiores às ocorrências na função dêitica
temporal, isso pode ser intrigante a partir do momento em que se
visualiza no gráfico a curva parecida para os diálogos também, mas não
se deve esquecer que no caso do Diálogo em Louvor de Nossa
Linguagem é apenas uma ocorrência, isso impede que se saiba qual
seria, na verdade, a tendência curvilínea, já que esses dados mostram a
manutenção em relação à dêixis temporal.
A diferença entre esses dois tipos de textos se faz realmente
presente na função dêitica “am phantasma”, em que o número de
ocorrências dos diálogos cresce sensivelmente, em relação à dêixis
espacial, e nas Décadas ocorre exatamente o contrário, o número de
ocorrências de dêixis “am phantasma” é quase duas vezes menor em
relação à dêixis espacial. A partir desses dados pode-se entrever que na
narrativa-histórica o autor tem maior cautela na utilização de dados
genéricos, pois ele sabe que está escrevendo para um número muito
vasto de pessoas, as quais podem não compartilhar das informações
1. Os demonstrativos no século XVI por ele utilizadas, e nos diálogos o emprego dessa função se faz presente
Nesta comunicação tratar-se-á apenas dos textos que compuse- pelo fato de que, de alguma forma, a “presença” do interlocutor sinaliza
ram o século XVI, são eles: Diálogo em Louvor de Nossa Linguagem, que a referência ao genérico é possível, ou melhor, o locutor sabe quais
Diálogo da Viciosa Vergonha e Livro Quinto da Primeira Década da os elementos fazem parte da memória compartilhada por ambos,
Ásia. Serão discutidos apenas os traços em comum e/ou diferentes que precisamente, pela presença de seu receptor no momento da enunciação2 .
esses textos apresentem, pois pela escassez de tempo e espaço não
poderá ser feita uma análise detalhada de cada um dos referidos textos.
No gráfico 1 pode-se contrapor as ocorrências das funções
desempenhadas pelos demonstrativos: 1
Este trabalho é parte da dissertação intitulada Demonstrativos, dêiticos e
anafóricos: duas sincronias em confronto (séculos XV e XVI), defendida em
agosto de 2000, no Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia,
sob a orientação da Professora Doutora Rosa Virgínia Mattos e Silva.
2 Sabe-se que no caso do diálogos em estudo não se tem certeza da
presença ou ausência do interlocutor na situação comunicativa, pois se
trata de uma criação/recriação escrita, o que leva a outro tipo de situa-
ção, todavia, de alguma maneira, essa presença, mesmo sendo um texto
escrito, é marcada porque João de Barros tem de, todo o tempo, escre-
ver ou transcrever a fala do filho, tornando viva a presença do seu
interlocutor.
ABSTRACT Durations were measured in nonsense words containing the stops /p,t,k/ in both singing and speech . Approximate doubling of overall
duration occurred in singing as compared to speech. However, statistical tests showed that this lengthening does not affect sung stops.
PALAVRAS-CHAVE : fonética acústica, duração, fala e canto.
Introdução
Em um estudo preliminar visando explicar a baixa
inteligibilidade para o canto erudito (v. Medeiros, 2000) verificou-se
que a explosão das oclusivas era diminuta, o que nos levou a pensar
na seguinte hipótese: as consoantes são rapidamente pronunciadas
no canto, independente da duração da vogais. Isto nos levou a com-
por um desenho experimental para toda a tese de doutorado - na qual A gravação foi realizada a 44 kHz, em cabine insonorizada do
se insere o trabalho aqui apresentado - em que a partir do logatoma LAFAPE1 ; utilizando-se uma Fita DAT Sony. A taxa de elocução2
/la‘CV /, além de desvendarmos o padrão formântico das vogais, foi de 92 batidas por minuto, tanto para fala como para o canto3 . Isto
pudéssemos explorar fenômenos de coarticulação e estrutura tempo- resultou numa alteração de andamento em relação à partitura original,
ral da fala e do canto. Este último aspecto é o que nos interessa na que era de 72 batidas por minuto e, portanto, um tanto quanto lento
questão da relação entre fala e canto que ora discutimos. para ser produzido na fala. O andamento escolhido neste experimento
pareceu-nos bastante adequado, pois era natural na fala e não desvir-
Metodologia tuava a composição musical, que pedia um andamento calmo.
Digitalizaram-se os dados a 25.600 Hz , utilizando-se o software de
A frase veículo contendo o logatoma / la’CV/ “Canto /la’CV/ análise de fala Multi-Speech modelo 4300b da Key Elemetrics. Medi-
baixinho numa velha canção de ninar” foi repetida 5 vezes por 5 ram-se o logatoma do (onset de /l/ até o offset da vogal ) e a consoante
cantoras (sopranos) em 2 modalidades diferentes: fala e canto. Obti- (onset do silêncio até o onset da vogal), visualizando-se a forma de
vemos, no total, 1050 ocorrências, nas quais encontram-se as 7 vo- onda e o espectograma.
gais do PB em posição acentual tônica ([a], [], [e], [i], [], [o] e
[u]) e as consoantes [k], [p] e [t], faladas e cantadas. A frase escolhi- Análise estatística
da pertence ao cancioneiro erudito brasileiro e foi extraída da Canti-
Os testes estatísticos comparando fala e canto foram feitos da
ga de Ninar de Francisco Mignone. Tanto o texto da canção, como a
seguinte maneira: 1) a partir dos valores absolutos das medidas de
tessitura em que esta foi composta, eram perfeitamente compatíveis duração do logatoma e da consoante e 2) a partir da razão entre a
com as necessidades do experimento. Uma pequena modificação teve duração da consoante e a duração do logatoma. Os programas de
de ser feita: o logatoma foi inserido na frase da canção, sem alterar análises estatísticas utilizados foram: o Excel, com o qual rodamos
altura, de forma alguma, nem ritmo de forma substancial. A frase testes-t para (1) e o SigmaStat, com o qual foi possível rodar o teste
original é a transcrita abaixo, numa partitura cuja tonalidade é mi Kruskal-Wallis e o teste de análise de variância para medidas repeti-
bemol maior e o tempo é 2/4, um compasso binário. das (Anova) para (2).
Na tabela 1, abaixo, apresentamos o resultado de cada um dos
teste-t em que a duração média dos logatomas falados foi comparada
à duração média dos logatomas cantados e a duração média das conso-
antes faladas foi comparada àquela das consoantes cantadas. Deve-
mos ressaltar, em relação aos logatomas cantados, que a duração mé-
dia destes é o dobro da duração média dos falados. Assim, o esperado
era um resultado de diferença significativa entre a duração do logatoma
O compasso binário é aquele que agrupa duas batidas, as quais falado e a do cantado, o que de fato aconteceu. Por outro lado, embora
podem ser organizadas da seguinta forma: ou subjazem à realização não esperado, obteve-se o resultado de diferença significativa entre
duração das consoantes faladas e cantadas. O que nos leva, por ora, a
de uma nota que dura por todo o compasso, portanto uma nota rela-
reconhecer um ligeiro encurtamento das consoantes cantadas em rela-
tivamente longa, ou agrupam uma ou mais notas. No caso da Cantiga
ção às faladas.
de Ninar, a nota longa é a mínima, e a nota que corresponde a uma
batida é a semínima. Para inserir o logatoma na frase da canção, foi
necessário encurtar a duração da sílaba /can/ de /canto/ a uma semínima
e a sílaba /to/ a uma colcheia; assim, ainda sobrava meio tempo a ser 1 LAFAPE: Laboratório de Fonética Acústica e Psicolingüística Experimental.
preenchido, o que foi feito com a sílaba /la/ e, no compasso seguinte, 2 Taxa de elocução é o mesmo que andamento, sendo este último termo
próprio da Música. Assim, as frases cantadas foram realizadas no andamen-
o primeiro tempo foi ocupado pela sílaba /CV/, mantendo-se o resto
to Andante, ou seja, aquele em que realizam-se 92 batidas por minuto.
deste compasso – assim como o resto da frase – conforme a partitura 3 Isto significou uma frase falada de 4 segundos e uma frase cantada de 8
original. O resultado obtido foi este: segundos, aproximandamente.
ABSTRACT: This work aims at showing throughout discourse two different places of subjectivity: the “caipira” and the “sem-terra” and the importance of
discoursive memory in constructing this subjectivity.
PALAVRAS-CHAVE: discurso, memória discursiva, sujeito, paráfrase.
0. Introdução que brota da terra como um urupê”, “predador das aves incautas e de
palmitos e da caça grande quando rareiam os palmitos”, “transgressor
É através de uma memória, chamada “memória discursiva”,
da lei”, “incendiário”, “Nero”, “um urumbeva qualquer, de barba rala,
que os discursos se constituem enquanto pré-construídos ou origem
amoitado num litro de terra litigiosa”, “aquele que se toca (“ao cabo-
de atos novos. A memória, entendida como estruturação de
clo toca-se”) como um cachorro inoportuno ou uma galinha que fare-
materialidade discursiva complexa e estendida numa dialética de re-
ja pela sala”, “semi-selvagem”, “uma quantidade negativa”.
petição e de regularização, “seria aquilo que, face a um texto que
A “cabocla”, mulher do Jeca, não mereceu melhor distinção:”a
surge como acontecimento a ler, vem restabelecer os “implícitos”
sarcopta fêmea, com um filhote no útero, outro no peito, outro de
(quer dizer mais tecnicamente, os pré-construídos, elementos cita-
sete anos à ourela da saia”. O “caboclinho”, por sua vez, é o “peque-
dos e relatados, discursos-transversos) de que sua leitura necessita: a
no sarcopte”, “pitinho na boca e faca à cintura”.
condição do legível em relação ao próprio legível” (Pêcheux,
Esses sentidos atribuídos ao trabalhador rural parecem estar
1999:52). “Sob o “mesmo” da materialidade da palavra abre-se en-
dentro da memória do discurso do senso comum, se considerarmos
tão o jogo da metáfora, como outra possibilidade de articulação
enunciados do discurso do cotidiano como: “o caipira é preguiçoso”,
discursiva... Uma espécie de repetição vertical, em que a própria
“tem terra sobrando no Brasil, mas o caipira não quer plantar”, “para
memória esburaca-se, perfura-se, antes de desdobrar-se em paráfra-
quem quer trabalhar, existe terra” etc.
se. (idem: 53). A memória não é, pois, “uma esfera plana”, de “con-
O discurso de Lobato não deve ser tomado como um discurso
teúdo homogêneo”, mas “um espaço móvel de divisões, de disjunções,
novo. Os sentidos de seu “caboclo” puderam significar e produzir
de deslocamentos e de retomadas, de conflito de regularização... Um
outros pela existência de uma memória, condição do dizível. Lobato
espaço de desdobramentos, réplicas, polêmicas e contra-discurso”
fala de um lugar marcado, de uma certa posição de classe, a privilegi-
(idem:56).
ada classe dos proprietários ou donos do capital, no caso, proprietá-
A obra literária de Monteiro Lobato, escritor lido e relido no
rios de terra, fazendeiros, que, na história do nosso país, detiveram
Brasil, sobretudo pelas crianças, pode ser considerada um dos dis-
por um longo espaço de tempo não somente a posse dos latifúndios
cursos fundadores de uma certa memória, construtora de um certo
como também a hegemonia política do país. Foi um discurso de po-
sentido de “agricultor” e de uma certa imagem do trabalhador rural
der que tornou os sentidos de Lobato viáveis, ignorando-se o longo
brasileiro, se levarmos em conta a popularidade alcançada pelo seu
processo histórico de exclusão social, de que tem sido vítima o traba-
Jeca Tatu, personagem retomada em novos discursos (da imprensa,
lhador rural brasileiro.
do cinema, do cotidiano, da TV, da própria literatura etc.), ainda que
Historicamente, o processo de exclusão social do trabalhador
com óbvias modificações. O discurso do MST, em contrapartida, con-
rural e de expropriação da terra, no país, começou com a história do
forme veremos, pode ser considerado uma ruptura nessa memória.
descobrimento e da colonização e se manteve depois da independên-
cia. Foram dele vítimas os índios - escravizados primeiro e dizima-
1. Os sentidos de “caipira”
dos depois -, os escravos africanos, os mestiços, os imigrantes. As
O “caboclo1 ”, em Urupês de Lobato, é apresentado como o políticas brasileiras sempre favoreceram a hegemonia de pequenos
Jeca Tatu, um “selvagem real”, “feio”, “brutesco”, “anguloso”, grupos, que detêm o poder político e regem os destinos do país, com
“desinteressante” e “fraco”, “adorador da deusa Cachaça, divindade o conseqüente confinamento à marginalidade e à pobreza de um grande
que entre os caboclos não encontrou herético”, o “sacerdote da Grande número de explorados e excluídos do direito à terra (que tinha outras
Lei do Menor Esforço”, aquele que, por ser preguiçoso, não remen- funções que não a social) e sobretudo à cidadania.
da o teto da casa, e, quando a água da chuva pinga pelas fendas da No entanto, a ideologia junta as palavras às coisas, produzin-
palha apodrecida, apara a água gotejante numa gamelinha. do sentidos que passam como sendo a realidade, a coisa em si, uma
Esses sentidos, que nos dão uma imagem até certo ponto cru- evidência inquestionável. Assim é a “evidência” da preguiça natural
el do Jeca, não diferem daqueles que se encontram em outro texto do trabalhador rural brasileiro, a sua indolência congênita, o seu co-
anterior do autor, Velha Praga, onde o Jeca tanto pode ser o Jeca modismo também congênito. A eficácia desses sentidos, que têm
Tatu, como também o Manoel Peroba ou o Chico Marimbondo: um por finalidade manter um certo status quo, se dá quando os próprios
“parasita”, um “piolho da terra”, “espécie de homem baldio”, “sêmi-
nômade”, “inadaptável à civilização”, “nômade por força de vagos
atavismos”, “agregado à terra”, “fazedor de sapezeiros”, “sarcopte
que fica na terra até à completa sucção da seiva convizinha”, “aquele 1 . Lobato ignora que “caboclo” é uma identidade racial, enquanto que
“caipira” é uma identidade cultural.
ABSTRACT: The countryman’s image, in Monteiro Lobato’s literary representation, turning him into folcklore, crystallizing an image of inaction. That
image comes from Lobato’s class place. On the other hand, Mazzaropi, in the cinema, is the voice of the countryman and promotes that culture.
PALAVRAS-CHAVE: caipira, Lobato, Mazzaropi, cultura brasileira.
0. Uma história não vista. novamente a mão-de-obra caipira em condições assalariadas próxi-
mas ao escravagismo. Tendo sido as condições não aceitas pelos cai-
A representação artística do homem da cultura caipira vai piras, por aspectos de sua cultura, os proprietários recorrem à impor-
aparecer, na Literatura Brasileira, em diversos momentos. Após o tação externa de trabalhadores. A imigração, além de suprir de mão-
Romantismo, surge uma tendência de valorização do homem da terra de-obra a agricultura, também tinha, segundo Skidmore (1974), a
e instaura-se uma linha regionalista que, entretanto, não consegue pretensão de um “branqueamento da raça”. Então, os caipiras ficam
dar conta de uma representação mais ampla desse homem. Será ape- novamente isolados e sem lugar dentro do momento histórico da cons-
nas com Monteiro Lobato que essa representação terá uma expressão trução da riqueza paulista, rejeitados como trabalhadores.
maior, desnudando uma certa trama injusta de lugares sociais no in- Pertencente à classe dos proprietários, que Gomes (1980) iden-
terior da cultura brasileira. A visão corrente que a Literatura tinha até tifica como a área dos “ocupantes”, em oposição à área dos “ocupa-
então desse homem era superficial e viciada, ainda devedora da tra- dos”, a área em que se situam os caipiras, Monteiro Lobato nunca,
dição romântica, e idealizava esse caboclo ou caipira. Monteiro nos textos iniciais, em que apresenta a figura do Jeca Tatu, viu as
Lobato, ao criar a figura caipira do Jeca Tatu, vai promover uma históricas expropriações a que os caipiras estiveram fadados. O lugar
ruptura com essa tradição romântica, mas, do ponto de vista histórico de classe de Lobato, em 1914, quando escreve os artigos “Velha
e lingüístico, Lobato ainda não vai representar a cultura caipira em praga”e “Urupês” para o jornal O Estado de S. Paulo, era o de um
sua verdade. Lobato não vê o processo histórico que formou essa grande proprietário de terras. A denúncia inicial era contra o
cultura caipira. Não vê a expropriação das formas da economia e da desmatamento e os incêndios na Serra da Mantiqueira. Uma preocu-
cultura sofrida pelo caipira. pação ecológica justa não exime Lobato, entretanto, de fazer desse
O caipira é, antes de tudo, uma identidade cultural e o proces- libelo também uma cartilha de preconceitos pela qual toda a sua clas-
so de formação dessa cultura caipira passa por toda a ordem de priva- se vai ler. Há um imediatismo na declaração de culpados pelas quei-
ções. Do ponto de vista da economia, esse homem caipira vai ser madas da Mantiqueira. Os declarados culpados são justamente os
forjado a partir dos mínimos vitais. Vivendo próximo à anomia, ele caipiras que faziam, certamente, as queimadas como forma de ex-
vai desenvolver modos rústicos de vida. Essa “cultura rústica”, se- ploração rápida do solo pela natureza de sua ocupação – o
gundo Candido (1987), ainda prevê toda sorte de isolamento, uma desbravamento, a abertura de terras novas, por outorga e favor do
vez que a região que se convencionou chamar Paulistânia não ofere- proprietário, a quem ficavam devedores e por quem eram “tocados”
cia, inclusive por seus aspectos naturais, a mesma facilidade de ex- a partir de qualquer desavença ou jogo de interesses. Lobato apaga a
ploração que as capitanias açucareiras nordestinas. A fome, a miséria ocupação das terras pela classe proprietária. Parece não haver nem
e a violência são encontradiças no caminho de sua sobrevivência. lutas, nem embates, nem posses, nem exploração. Os dois textos co-
Quando os paulistas um pouco mais abastados, afeitos ao apresamento locam o caipira como único responsável pela situação da terra e dei-
indígena para a venda deste como escravo às capitanias do nordeste e xam as tensões encobertas. Os jogos do poder e da posse parecem
ao desmantelamento de quilombos também nas capitanias longín- não ter, nesses textos, duas pontas.
quas, para o que eram contratados, vão realizar as entradas e bandei-
ras, deixam na Paulistânia, ao abandono, uma massa de homens li- 1. Lobato e a voz atribuída.
vres, de origem diversa, miscigenados, pobres todos. Essa “ralé”,
como era entendida pela elite colonial exploradora, ficou ao deus- Aliado a esse encobertamento das tensões das relações sociais
dará. Eram homens livres que ficaram fora da aventura da minera- entre essas classes e aliado também à desconsideração de um proces-
ção. so sócio-histórico de ocupação da terra, já descrito anteriormente,
Assim, isolados, desenvolveram formas de convívio e de eco- Lobato utiliza-se de um procedimento muito mais perigoso: ele, na
nomia que vão caracterizar essa cultura caipira: o mutirão, os dias instância da representação literária, deixa emudecido o caipira. Lobato
santos de guarda, os intervalos para caça, pesca e coleta de frutos, a cria um personagem sem voz. O caráter narrativo-descritivo dos tex-
troca de alimentos (carne de porco, caça e pesca), a religiosidade, o tos serve a isso: o personagem transita no texto, e depois nos jornais
grupo familiar, a economia não capitalista, voltada para a subsistên- (Lobato vendeu esses artigos para diversos jornais do país), no livro
cia (até mesmo pela ausência de mercado regular), a organização em (Urupês), no boca-a-boca, sem expressão de si. Ao encontro desse
bairros rurais etc. Quando os paulistas bandeirantes voltam da explo- silenciamento da voz do caipira vem todo um bloco monolítico de
ração das Minas Gerais, encontram os caipiras tomando posse da preconceitos da classe patronal: dá-se, então, a cristalização desse
terra. Pela força e por procedimentos cartoriais ilícitos, retomam as preconceito contra o caipira. É interessante notar que, à época da
terras e impelem os caipiras, segundo Brandão (1983), para os “ser- publicação do texto, não havia muitos leitores: alguns poucos fazen-
tões adentro”, para as franjas dos espaços já explorados. deiros letrados e um público urbano. Isto torna ainda mais inelutável
Após isso, os “proprietários” das antigas terras devolutas, an- a situação do caipira: a ele, pelo analfabetismo quase generalizado,
tes do advento do café, renegam o trabalho dos caipiras para, com a não é dada sequer a chance de ver-se representado, de conhecer a
implantação da empresa capitalista cafeeira e com a conseqüente ne- representação que faz de si a classe detentora da produção de cultura
cessidade de uma grande quantidade de mão-de-obra, que se esvazi- no país de então.
ava com os mecanismos liberatórios do trabalho escravo, requerer O procedimento do qual Lobato se utiliza pode ser descrito
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Os caipiras de São Paulo. São Pau- AMARAL, Milton. Jeca Tatu. Taubaté: PAM Filmes, 1959.
ABSTRACT: If the discourses for to inscrible in the discoursive memory nud to be important, the popular moviment for to be important and show your
historic and social position, they nud to invest in the mark ideological discourses or to build your own discourse; like is the case of the Landless Rural
Workers (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST).
PALAVRAS-CHAVE: discurso, ideologia, sujeito, paráfrase, movimento social
ABSTRACT – This article discusses how some sound variations interfere with the writing of primary school children. The focus is on the analysis of middle
vowels in Brazilian Portuguese. It is known that middle vowels in Brazilian Portuguese may be raised to high vowels as in “p[e]rigo/p[i]rigo” or “c[o]mida/
c[u]mida”. However, not every middle vowel may be raised. This paper intends to evaluate how the raising of middle vowels is reflected in the writing of
young school children.
PALAVRAS-CHAVE: Oralidade, variação, escrita, alfabetização.
1. Objeto de estudo a) casos que são resolvidos a partir de regras inferíveis pelo
aprendiz.
Quando nos propomos a pesquisar a aquisição da escrita, te-
Por exemplo, o registro do sufixo -e[z]a com a letra s ou
mos que ter claro qual é o papel desempenhado pelo sistema orto-
com a letra z em palavras derivadas. Aqui, o aprendiz poderá veri-
gráfico. A sua principal função é neutralizar as diferenças dialetais
ficar que são escritas com s as palavras relacionadas ao feminino
(e idioletais) presentes em uma determinada língua. Assim, o mate-
de determinados substantivos. Assim, temos duque - duquesa; ba-
rial escrito em uma sociedade pode ser compartilhado por todos os
rão - baronesa; príncipe - princesa. Já as escritas com z estarão
seus membros.
relacionadas àquelas derivadas de palavras que exprimem qualida-
Tomemos como exemplo a palavra pote. Escrita com as le-
de, como belo - beleza; mole - moleza; rico - riqueza. Todas
tras p, o, t, e e. Em um determinado dialeto ela poderá ser pronunci-
correspondendo ao nome da qualidade.
ada como po[te], em outros dialetos, ela poderá ser pronunciada
b) casos que são idiossincráticos, ou seja, onde a depreensão
como po[ti], po[tςi] ou então como po[tς]. Outro exemplo é o da
da forma ortográfica correta é aprendida caso a caso.
palavra menino, escrita com a letra e antes da sílaba tônica formada
Um bom exemplo é a grafia de palavras com a letra x ou com
por -ni-. Essa palavra em alguns dialetos pode ser pronunciada como
ch. Em lixo, bicho, bruxa, bucha e lanche não há a possibilidade da
m[i]nino, como m[ε]nino ou como m[e]nino.
inferência de uma regra que possa auxiliar o aprendiz a solucionar
Assim, nota-se uma distinção entre a forma escrita dessas pa-
o seu dilema ortográfico. Assim, só o contato com cada palavra
lavras e a forma como elas podem ser pronunciadas. Isso ocorre
poderá levá-lo à depreensão da grafia correta. Outro exemplo está
porque o sistema ortográfico é arbitrário. É uma forma convencionada
relacionado com cinema e sinal. O som inicial é o mesmo, mas a
que, como afirmamos anteriormente, objetiva a neutralização das
sua grafia é diferente.
diferentes formas orais na sua “representação” escrita.
O que se apresenta como novidade em nossa pesquisa é que
A presente pesquisa busca identificar os reflexos da interfe-
pretendemos verificar a importância do fator estrutural no estabele-
rência da oralidade na escrita, focalizando o fenômeno do alçamento
cimento ou não de regras que sejam capazes de otimizar o aprendi-
das vogais médias em sílabas átonas. O fenômeno em questão, estu-
zado ortográfico. Por fator estrutural estamos entendendo as posi-
dado por Bisol (1981) e por Viegas (1987), é caracterizado na
ções da sílaba com possibilidade de alçamento [e]~[i] e [o]~[u], na
oralidade pela elevação do ponto de articulação das vogais médias-
oralidade, em relação à sílaba tônica. Ou seja, se anterior à sílaba
altas [e] e [o] para a posição alta, realizando-se como [i] e como [u],
tônica, pretônica: menino, moleque, fogão. Em posição seguinte à
respectivamente. Assim, na fala, as palavras v[e]stido, t[e]soura,
sílaba tônica em palavras proparoxítonas, postônica não-final ou
b[o]tina, t[o]mate, termôm[e]tr[o], búss[o]la e chav[e] podem se
medial: tráfego, árvore, bússola. Se em final de palavra, após a sílaba
realizar como v[i]stid[u], t[i]soura, b[u]tina, t[u]mat[i],
tônica, postônica final: poste, semáforo. Queremos verificar, ainda,
termôm[i]tr[u], búss[u]la e chav[i]. O nosso interesse, portanto, é
se o mesmo erro ortográfico, o som [u] que não é grafado com a letra
investigar como tal variação na fala pode interferir no aprendizado
o e o som [i] que não é grafado com a letra e, deve ser tratado de
da ortografia por alunos das primeiras quatro séries da fase de alfa-
forma igual em todas as situações.
betização.
Finalmente, a nossa pesquisa ajudará na compreensão do pro-
cesso de aquisição da escrita, com foco no registro ortográfico das
2. Justificativa
vogais médias-altas [e] e [o] que, em alguns dialetos, podem ser
Lemle (1995), Cagliari (1995, 1999), Mansini-Cagliari & alçados para as vogais altas [i] e [u], em sílabas átonas. Por exemplo,
Cagliari (1999), Oliveira & Nascimento (1990), Alvarenga et alii em palavras como perigo, começo, quadrúpede, pérola, peixe e pato.
(1989), dentre outros, são exemplos de trabalhos que buscaram
discutir a questão da interferência da oralidade na escrita. Em Lemle 3. A questão do alçamento
(1995), especificamente, quando a autora sugere etapas a serem
Em nossa pesquisa, as vogais médias [e] e [o], em posição
vencidas no processo de alfabetização, fica patente que a aquisi-
tônica, como em p[o]ça e p[⊃]ça, p[e]go e p[]go, foram excluídas
ção da escrita é um contínuo formular e reformular de hipóteses,
da análise. Isso porque, apesar de Alves (1999) comprovar a ocor-
onde o aluno, com base nos seus conhecimentos a respeito da sua
rência de variação lingüística nessas vogais em sílaba tônica, tais
língua, vai, paulatinamente se apropriando da forma ortográfica
ocorrências não afetam o processo de construção ortográfico, pois
das palavras.
não há a troca de letras na escrita.
Nesses trabalhos, as dificuldades elencadas pelos autores po-
Este estudo a respeito do registro ortográfico do “e, i, o, u”
dem ser reunidas em dois grupos:
ABSTRACT: This paper aims at presenting how readers use reading strategies in order to activate different kinds of knowledge (linguistic,
encyclopaedic, pragmatic) when reading as a meaning-construction process. It also discusses how the result of this process is reflected in their
textual production by means of various kinds of genres and discourses.
PALAVRAS-CHAVE: text, understanding, strategies, sociointeracionism.
ABSTRACT: The aim of this study is to discuss the improvement of reading as a result of a social constructivist approach to learning. Supported by
theoretical presupositions of psychologists of the social interactionist school, this article emphasizes the role of a mediator as the secret of effective learning.
PALAVRAS-CHAVE: reading, social constructivist approach, mediator, learning.
Nos últimos vinte e cinco anos as concepções do que é ensinar a experiência, por exemplo, tornam-se o foco central da aprendiza-
e aprender têm passado por mudanças significativas. Por muito tem- gem; b) a importância de considerar o aprendiz como um indivíduo
po a Pedagogia, de uma maneira geral, não apenas a relacionada com ativamente envolvido na construção do significado; c) a aplicação das
o ensino de leitura, valorizou o que deveria ser ensinado. O ensino noções de assimilação e de acomodação de Piaget pode ser vista na
ganhou autonomia em relação à aprendizagem. aprendizagem de uma nova língua, quando recebemos um novo input
No entanto, vários fatores, dentre eles os fracassos escolares da língua – ouvindo uma conversação, por exemplo – precisamos
decorrentes da aprendizagem e as pesquisas que buscam apontar como modificar o que já sabemos sobre a língua (acomodação) para adequar
o sujeito constrói conhecimentos, indicam que é preciso dar novo a nova informação ao conhecimento existente (assimilação). Dessa
significado à unidade entre aprendizagem e ensino, uma vez que sem forma, nosso conhecimento sobre como o sistema da nova língua
aprendizagem não há ensino. Atualmente, para a maioria dos teóri- opera, gradualmente se desenvolve e, por fim, d) as tarefas devem se
cos em educação, um marco explicativo para tal revisão tem se situ- adaptar ao nível cognitivo de capacidade do aprendiz, nem devem ser
ado na perspectiva construtivista1 . muito abstratas para não prejudicar aqueles que não podem funcionar
As visões mais tradicionais percebem a aprendizagem como a neste nível, nem muito simples para que o nível de conhecimento não
acumulação de fatos ou o desenvolvimento de habilidades. Em con- fique abaixo do nível de competência dos aprendizes (Pinto, 1999:
traste a estas visões, a teoria construtivista parte do pressuposto que 05).
desde o nascimento o indivíduo está ativamente envolvido na cons- Apesar dessas valiosas contribuições no campo da aprendiza-
trução do significado pessoal, que consiste na compreensão e repre- gem, a teoria de Piaget (1966) atribuiu pouca importância à interven-
sentação das suas experiências. Cada pessoa forma seu próprio sen- ção dos pais ou dos professores no processo de ensino. Além disso,
tido de mundo a partir das experiências que a circundam, exercendo, outra crítica feita a esta teoria é a pouca relevância dada ao ambiente
pois, controle sobre a obtenção e organização de sua experiência de social para a aprendizagem; em vez disso, enfatiza o desenvolvimen-
mundo exterior (Williams e Burden, 1997: 21). to individual.
A concepção construtivista postula, então, que a construção No entanto, o princípio da aprendizagem decorrente do concei-
do conhecimento resulta da interação do sujeito com o ambiente. to de mediação na interação homem-ambiente tem sido o foco central
Esta visão favorece a criação de novos conceitos de aprendizagem e do pensamento de psicólogos sociointeracionistas como Vygotsky
ensino, apontando uma nova perspectiva para a educação. (1978 apud Williams e Burden, 1997) e Feuerstein (1997). Em seus
Um dos aspectos mais duradouros à luz dos estudos de Piaget estudos a figura do mediador, aquele responsável pelo desenvolvi-
(1966, 1972, 1974), figura dominante no desenvolvimento da Psico- mento cognitivo no processo de aprendizagem, é de grande importân-
logia Cognitiva, é a sua ênfase sobre a natureza construtiva do pro- cia para o aprendiz ir além do que aprendeu, relacionando fatos e
cesso de aprendizagem. Como epistemólogo, o objetivo de Piaget estabelecendo a importância entre eles.
era estudar o processo de conhecimento, daí seu objeto de investiga- O conceito definido por Vygotsky como zona de desenvolvi-
ção consistir no que é generalizável na estrutura cognitiva humana: mento proximal é o termo usado para tratar a camada de conhecimen-
“O homem conhecedor em geral, ao invés de um conhecedor singu-
lar” (Goulart, 1997: 18).
Piaget considerava o desenvolvimento cognitivo como um pro- 1
O construtivismo está delimitado pelo que se pode denominar “enfoques
cesso de maturação onde agem a genética e a experiência. O desen-
cognitivos” no sentido amplo. Entre estes enfoques destacam-se: a) a
volvimento da mente é visto como uma busca de equilíbrio: um equi- teoria genética, de Jean Piaget e seus colaboradores, no que diz respeito
líbrio entre o que é conhecido e o que está sendo experimentado. Isto à concepção dos processos de mudança, às formulações estruturais clás-
é conseguido por meio de processos complementares de assimilação sicas do desenvolvimento operatório, às elaborações recentes sobre as
e de acomodação; a assimilação é o processo pelo qual a informação estratégias cognitivas e aos procedimentos de resolução de problemas;
recebida é mudada ou modificada em nossa mente, de modo que b) a teoria da atividade, de Vygotsky, Luria, Leontiev e colaboradores,
possamos adaptá-la com o que já conhecemos. Por outro lado, a aco- no que se refere à maneira de entender as relações entre aprendizagem e
modação é o processo pelo qual modificamos o que já sabemos para desenvolvimento e a importância concedida aos processos de relação
interpessoal; c) as teses no campo da Psicologia Cultural, como as de M.
levar em consideração a nova informação. Ao trabalharem em con-
Cole e colaboradores, que integram os conceitos de desenvolvimento,
junto, esses dois processos contribuem para o que Piaget chama de aprendizagem, cultura e educação; e , finalmente, d) a teoria da aprendi-
adaptação (Williams e Burden, op. cit., p. 22). zagem verbal significativa, de Ausubel, e seu desdobramento em outras
No âmbito da aprendizagem, alguns aspectos de sua teoria teorias. O núcleo central da integração de todas estas contribuições
têm importância significativa para o professor de línguas: a) o desen- confere importância à atividade mental construtiva nos processos de
volvimento do pensamento e seu relacionamento com a linguagem e aquisição de conhecimento. Daí o termo construtivismo denominando
esta convergência (PCN–MEC, 1998: 72).
ABSTRATCT: This paper aims at analyzing how learning was mediated in two classes which focussed on the development of the reading and writing skills,
in English. The experiment results assure that good mediation facilitates learning and makes it possible for the students to do difficult tasks more
efficiently.
PALAVRAS-CHAVE: mediação, compreensão, produção, textos
1- Introdução- Este trabalho resultou de um projeto piloto parte dessa mensagem a ser dita pois, longe de ser um produto acabado,
desenvolvido na escola Senador Novaes Filho, situada no bairro da seu sentido é construído pelos interlocutores num diálogo ou através
Várzea, em Recife, Pernambuco. Participaram da pesquisa oito alunos da interação leitor-texto. Sabe-se também que esse processo de
da oitava série do ensino fundamental , cujas idades variavam entre construção de sentido pode ou não ser facilitado dependendo da
13 e 16 anos. O mencionado projeto ocorreu em duas etapas. A maneira pela qual a informação semântica e os elementos lingüísticos
primeira abrangeu estudos sobre compreensão de textos escritos em são organizados no texto. Essa organização no entanto, não é aleatória.
língua inglesa , foi desenvolvido por uma equipe composta de três Ela segue certos parâmetros que podem nos levar não só a reconhecer
pesquisadores e teve os seguintes objetivos: (1) sensibilizar o aluno o tipo e gênero textual identificado como também a reproduzi-
para a existência de diversos gêneros textuais ; (2) despertar o interesse lo. Por isso, Marcuschi ( 2000 : 97) afirma que, “numa observação
do aluno para compreender a importância do ensino da língua inglesa; sistemática em função da classificação, deve-se ter em vista que para
(3) desenvolver estratégias de leitura ; (4) facilitar a aplicação a identificação do gênero o critério básico se liga a variáveis vinculadas
da segunda fase do projeto. A segunda etapa , executada por apenas aos falantes ou produtores de textos ( intenção, objetivo, situação
um dos pesquisadores, objetivou: (1) motivar o aluno a cooperar com etc) e às condições de produção e processos de enunciação ao passo
os colegas na produção de textos, em sala de aula; ( 2) auxiliar o que para a noção de tipo sempre se tem em conta critérios voltados
aprendiz a resumir textos; (3) incentivar a auto-confiança do aluno para aspectos lingüísticos”.
orientando-o e dando-lhe tarefas que não fossem excessivamente Se há consenso de que gêneros e tipos de texto são
desafiadoras; (4) investigar como foi feita a mediação da identificáveis e passíveis de classificação, será que existe também
aprendizagem numa aula de compreensão e produção de textos concordância no que se refere aos conceitos atribuídos a gênero e
escritos em língua inglesa, partindo ou não de textos fonte. tipo de texto assim como aos critérios para sua classificação? É o
Na primeira fase do projeto houve uma avaliação, do nível que tentarei responder a seguir.
de desenvolvimento da habilidade de compreensão de textos escritos Gênero e tipo de texto- Conceituar gênero é uma tarefa difícil porque
em língua inglesa, realizada através da aplicação de um pré-teste, no existe muita discordância e polêmica sobre o assunto. Decidi então
qual o aluno teve que produzir um resumo do texto lido, em língua eleger, entre os diversos conceitos existentes, aquele que me pareceu
portuguesa. A seguir, foram ministradas quatro aulas, com duas horas mais claro, objetivo e didático. Para Marcuschi ( 2000 : 13) gênero
de duração , tendo sido utilizados textos diversos com a finalidade de textual é “ uma forma concretamente realizada e encontrada nos
identificar alguns gêneros e desenvolver estratégias cognitivas de diversos textos empíricos”. Por isso mesmo, eles são lingüisticamente
compreensão de leitura que trabalham a macro-estrutura textual. situados e representam a cultura de um povo numa determinada época
Na segunda etapa do projeto foram ministradas duas aulas, da sua história podendo se modificar, desaparecer , como as epopéias,
cada uma com duas horas de duração , tendo como enfoque principal e reaparecerem sob formas diversas. No que se refere às tipologias
a produção de textos, partindo de textos fonte verbais e não-verbais. textuais, Marcuschi afirma que, segundo Adam (1993:5), elas seguem
Para isso, foram dadas aos alunos maiores oportunidades de aplicar critérios diversos não havendo uma tipologia satisfatória e muito
os conhecimentos adquiridos sobre o uso de estratégias de leitura , menos uma tipologia aplicável conjuntamente para a fala e a escrita.
estudadas na fase anterior da pesquisa, assim como foram introduzidas Apesar dessas dificuldades, Marcuschi, menciona o fato de que existe
noções sobre como elaborar resumos . maior consenso entre os autores a respeito de uma classificação
A seguir, será apresentada a fundamentação teórica que tipológica do que sobre uma classificação dos gêneros textuais. Por
serviu de base para este trabalho focalizando, principalmente, o isso, a literatura aponta geralmente, não mais de 10 tipos de texto e
conceito vygotskiano de mediação da aprendizagem. não menos de 5. Partindo desse pressuposto, Marcuschi define tipo
textual como “um construto teórico que abrange, em geral, cinco ou
2- Fundamentação teórica -
seis categorias designadas narração, argumentação, exposição,
2.1- Texto: conceito e tipologia- A palavra texto tem recebido
descrição, injunção e, para Adam e alguns autores, diálogo”. Esses
inúmeras definições ao longo do tempo. Koch (2000:22) por exemplo,
tipos textuais são geralmente construídos por traços lingüísticos
conceitua texto como “uma manifestação verbal constituída de
característicos como sejam, tempos verbais, preferência por
elementos lingüísticos selecionados e ordenados pelos falantes,
algumas estruturas havendo então certa homogeneidade formal. Essa
durante a atividade verbal, de modo a permitir aos parceiros, na
homogeneidade porém desaparece quando os tipos são empiricamente
interação , não apenas a depreensão de conteúdos semânticos , em
realizados através de algum gênero textual. Isso ocorre porque uma
decorrência da ativação de processos e estratégias de ordem cognitiva,
carta por exemplo, pode conter seqüências com tipos de texto diversos
como também a interação ( ou atuação) de acordo com práticas
ou seja, com descrição, argumentação e narração.
socioculturais”. Em sendo uma manifestação verbal expressa numa
Pelo exposto, percebe-se que o conceito de texto está
dada situação com propósitos ilocucionais definidos, o texto é uma
intimamente ligado ao de gênero e tipo textual pois nos comunicamos
manifestação empírica do pensamento. Ele representa, no entanto ,
ABSTRACT: The study of verb tense in the Portuguese language is still a poorly approached subject not only in traditional grammars but also by the
teachers in the classroom. This work raises some issues which show the inadequate use of verb tenses and the consequences of this use to textual coherence.
PALAVRAS-CHAVE: Coerência textual; tempos verbais
Sabemos que os alunos desde cedo aprendem a definição de curso é um assunto de interesse tanto de lingüistas como de
verbo, as conjugações dos verbos, as pessoas e modos. Entretanto, gramáticos o que nos levou a observar, nos textos, a aplicabilidade
eles sentem dificuldades no momento em que necessitam usar desse de algumas idéias desses estudiosos, ora confrontando-as, ora reu-
conhecimento lingüístico para se expressarem verbalmente, princi- nindo-as com a intenção única de entendermos mais sobre o uso
palmente, por meio de textos escritos. Na perspectiva da Lingüística desses elementos no discurso.
Textual, os tempos verbais são elementos de coesão que funcionam Analisando-se o uso dos tempos verbais nos textos dos
para mostrar tanto a localização temporal como também para indicar vestibulandos, reunimos todas as formas verbais, agrupando-as, de
ao leitor sobre a atitude comunicativa do autor do texto, se está nar- acordo com a teoria de Weinrich (1974), em tempos do Mundo Co-
rando os acontecimentos ou se está comentando sobre os fatos. mentado e tempos do Mundo Narrado. A análise dos textos foi feita
Desenvolvemos o presente trabalho, partindo-se da hipótese numa visão macrossintática do texto, de forma que o emprego dos
de que o emprego adequado dos tempos verbais, considerados como tempos verbais não fosse dissociado do seu contexto. Verificamos,
elementos de coesão, em textos escritos, poderia auxiliar na constru- inicialmente, que, das 50 redações1 que constituiram o corpus, 40
ção da significação global ou da coerência textual, sendo um dos delas eram textos dissertativos, e 10 textos narrativos. Constatamos
recursos sintáticos-semânticos a ser trabalhado pelo professor em sala que, em todos os textos narrativos, os autores usaram o pretérito per-
de aula, a partir dos textos dos alunos. Como pressupostos teóricos, feito e o pretérito imperfeito. Encontramos o mais-que-perfeito em
baseamo-nos nos estudos de Benveniste (1996), Weinrich (1974), apenas dois textos (T9 e T20) e o futuro do pretérito em três textos (
Perini (1995) e Ilari (1997) sobre a temporalidade expressa pelos T9, T25, T40). Esses tempos verbais estavam presentes nos textos
verbos e confrontando a visão desses lingüistas com a visão de al- segundo a atitude comunicativa do autor do texto em narrar os fatos.
guns gramáticos (Rocha Lima, Evanildo Bechara, Celso Cunha, Do- Sendo assim, pertenciam ao mundo narrado, confirmando a teoria de
mingos P. Cegalla e Said Ali) sobre os tempos dos verbos. Weinrich. Contudo, verificamos também que, nesses textos narrati-
De modo geral, verificamos que as gramáticas analisadas apre- vos, apareceram alguns verbos no presente do indicativo, tempo esse
sentaram o tempo como sendo uma das variações sofridas pelos ver- considerado como tempo principal do mundo comentado.
bos e também a idéia de que o tempo se divide em presente (momen- Weinrich (1974) explica que o uso de um tempo do grupo
to da fala), passado (momento que antecedeu a fala) e futuro (mo- comentado dentro do grupo narrado ou vice-versa chama-se “metá-
mento que ocorrerá posteriormente a fala). Dessas gramáticas, desta- fora temporal”. A metáfora temporal ocorre quando o tempo verbal
camos, a gramática histórica de Said Ali (1971), na qual são expos- que usamos passa a ter um valor metafórico. A metáfora temporal é
tos exemplos de diferentes usos semânticos do presente do indicativo. um aspecto da temporalidade verbal que as gramáticas não abordam
Said Ali afirma que a forma verbal do presente do indicativo pode ser e, consequentemente, os professores de português não trabalham em
usada no discurso, expressando diferentes significados: presente sala de aula. Nas narrativas, a metáfora temporal mais conhecida ocor-
momentâneo, presente durativo, presente freqüentativo, presente-fu- re com o uso do discurso direto, usada quando o narrador deseja dar
turo e presente- histórico. maior vivacidade ao texto, criando um espaço em que os persona-
Na visão dos lingüistas, observamos, primeiramente, as colo- gens falam por eles mesmos.
cações de Benveniste sobre a noção de tempo lingüístico ou tempo
do discurso. Para esse autor, o tempo do discurso se organiza em
torno do presente, momento da produção do enunciado. Depois, des- 1 Foram analisadas 50 redações do Vestibular da UFPB, realizado em 1998.
tacamos as visões de Ilari (1997) e de Perini (1995) sobre a noção de Essas redações foram escolhidas pela área de concentração (Ciências Hu-
manas) e pelas opções de cursos (Letras e Direito) feitas pelos candidatos.
tempo semântico. Esses lingüistas mostraram casos em que o presen-
Os textos foram elaborados na segunda etapa do vestibular. Foram sugeri-
te do indicativo é uma forma verbal que pode ser empregada no dis- dos, na prova, três temas a partir dos quais os candidatos produziriam seus
curso, significando presente, passado e futuro. Por fim, ressaltamos a textos. O tema I foi desenvolvido em apenas 10% das redações, referin-
teoria de Weinrich (1974). Esse autor desenvolveu um estudo sobre do-se à falta de privacidade na vida das pessoas. O tema II, desenvolvido
“a sintaxe dos tempos verbais” na língua francesa, estabelecendo em 20% das redações, dizia respeito ao conflito vivido pelo ser humano
três características que se pode observar nos tempos dos verbos no em distinguir o que é essencial daquilo que é supérfluo para as nossas vidas.
discurso: a atitude comunicativa, a perspectiva da comunicação e o E o tema III, que foi escolhido em 70% das redações analisadas, surgiu do
relevo. Ele classificou os tempos verbais em dois grupos de tempo: livro de Dyonelio Machado chamado “Os Ratos”, retratando a vida de uma
família pobre que passava necessidades, ou seja, expondo problemas soci-
os do mundo narrado e os do mundo comentado.
ais vividos não só na ficção como também na vida real de muitos brasilei-
Em português temos os seguintes tempos: pertencem ao mun- ros. Observou-se que os três temas recorriam a fatos ou assuntos que os
do narrado (primeiro grupo), os tempos: pretérito perfeito (simples), alunos poderiam desenvolver facilmente, baseando-se em suas experiênci-
pretérito imperfeito, pretérito mais-que-perfeito e o futuro do preté- as pessoais ou em informações que diariamente estão presentes em suas
rito do indicativo. Já no mundo comentado (segundo grupo), encon- vidas, através dos meios de comunicação, como TV, rádios, revistas e jor-
tram-se os tempos: presente do indicativo, futuro do presente e o nais. Ressaltamos ainda que as redações foram reproduzidas nesse estudo
pretérito perfeito (simples e composto). Os tempos verbais no dis- sem qualquer correção gramatical dos corretores do vestibular.
ABSTRACT: The Greima‘s semiotics has as study object the signification. This has beginning in the mind of the speaker procceding, being only concluded
in the mind of the listener. It presents three stages: the fundamental structure, the narrative structure and the discursive structure. This study will be based
on the analysis of the last structure.
PALAVRAS-CHAVE: discurso; significação.
Vejamos agora outros recursos para convencer o enunciatário, ALDRIGUE, A. C. de S. Memória e cultura popular: vozes da
a argumentação: intertextualidade em contos populares do nordeste brasileiro.
Tese de doutoramento, FCL – UNESP, Araraquara, 1998.
5.- Sem querer resposta, imediatamente ordenou que a casa BARROS, Diana Luz P. de. Teoria do discurso: Fundamentos
fosse de pedras (...) semióticos. São Paulo: Atual, 1988.
_________. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática, 1990.
a) Os operadores que supracitamos tem valor de opressão. COLASANTI, M. Doze reis e a moça no labirinto do vento. Rio de
Primeiro vimos a perífrase verbal – sem querer resposta -, e depois Janeiro: Nórdica, 1985.
o verbo – ordenou – que já mostra como esse homem invadia o COURTÉS, J. Introdução à semiótica Narrativa e Discursiva.
espaço da moça tecelã, não a deixando falar ou retrucar. Coimbra: Livraria Almedina, 1979.
FIGUEIREDO, I. de L. Fiando as tramas do texto: a produção de
6. Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo sentido no atelier de leitura e produção textual. Tese de
tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía (...) doutoramento, FCL –UNESP, Araraquara, 1998.
não tinha tempo para chamar o sol. (...) não tinha tempo para GREIMAS, A. J. Semiótica Narrativa e Textual. São Paulo: Cultrix /
arrematar o dia. EDUSP, 1973.
b) Já em relação a esse último trecho, podemos observar a GREIMAS, A. J. & COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Pau-
intenção do enunciador de nos convencer por meio de vários artifícios lo: Cultrix, 1979.
ou operadores argumentativos. FIORIN, J. L. Elementos de análise do discurso. 7. Ed. – São Paulo:
Contexto, 1999.
• Inicialmente temos uma figura de linguagem chamada MAINGUENEAU. D. Análise de textos de comunicação. São Pau-
lo: Cortez
ABSTRACT: This work will consist in bring to light of theory about Analysis of Discourse, in the french time, with the contribuitions of Maingueneau,
Bakhtin, Brait and Fiorin. This work analyses two notions about polyphonic pheomenon in texts of publicity.
PALAVRAS-CHAVES: discurso, heterogeneidade, polifonia e ironia.
A Análise do Discurso, especificamente de linha francesa, é social. Para ele o discurso é o produto da relação mútua entre o
considerada por Maingueneau (1986) como o ramo da lingüística enunciador e o enunciatário, sendo que todo discurso comporta duas
que visa articular sua enunciação sobre certo lugar social, tendo em faces pelo fato de proceder de alguém e de se dirigir a alguém. Par-
vista suas condições de produção. É baseada nesta concepção de tindo-se dessa concepção dialógica da linguagem o conceito de
Análise do Discurso, fundamentada na relação língua e mundo, que polifonia foi formulado e desenvolvido por vários lingüistas interes-
pretendemos, neste trabalho, analisar o fenômeno polifônico da iro- sados em estudar a construção do discurso e seus efeitos de sentido,
nia que se insere no âmbito da heterogeneidade do discurso, cuja o que não nos cabe aprofundar esta questão neste trabalho.
identidade se caracteriza pela relação das formações discursivas com A polifonia pode ser conceituada como o fenômeno pelo qual
elas mesmas e a relação destas com o exterior. Maingueneau coloca se fazem ouvir vozes de sujeitos que falam de lugares sociais dife-
que a heterogeneidade constitutiva “não é marcada em superfície, rentes. Nesta confluência de vozes que perpassam o interdiscurso é
mas que a Análise do Discurso pode definir formulando hipóteses, possível situarmos o fenômeno da ironia.
através do interdiscurso, a propósito da constituição de uma forma- Neste aspecto, vale ressaltar o valor polifônico da ironia con-
ção discursiva”. (1986) siderada, num processo discursivo, como fenômeno passível de ser
Segundo Courtine (1984), o grande desafio da AD é ser capaz observado em diversas manifestações de linguagem. A ironia se
de realizar leituras críticas e reflexivas que não reduzam o discurso a evidencia na constituição do discurso pela pluralidade de sujeitos
investigações de aspectos puramente lingüísticos, nem o dissolvam presentes na enunciação materializada por diferentes vozes.
num trabalho histórico sobre ideologia. O ponto crucial é o de cons- Assim, quando se objetiva a análise da constituição do sujei-
truir interpretações sem jamais neutralizá-las, criar procedimentos to polifônico, deve-se observar a organização de vozes presentes
que exponham o olhar-leitor, usando as palavras de Fiorin “treinar o no discurso, incluindo nessa organização a representação dos di-
olhar do indivíduo estudante”, a níveis opacos à ação estratégica de versos enunciadores.
um sujeito, o qual caracteriza-se pela dispersão, por um discurso he- A ironia, segundo (Brait, 1996), será considerada como es-
terogêneo que assume diferentes vozes sociais. tratégia de linguagem que, participando da constituição de discurso
Os pressupostos fundamentais da AD sustentam que em cada como fato histórico e social, mobiliza vozes, instaura a polifonia,
discurso materializa-se uma condição social de produção, uma for- ainda que essa polifonia não signifique, necessariamente, “a demo-
mação discursiva e uma formação ideológica. Por formação discursiva cratização dos valores veiculados ou criados”.
entende-se “o que pode e deve ser dito” a partir de um lugar social Os textos selecionados para a análise são textos publicitári-
historicamente determinado. A formação ideológica, por sua vez, os, com linguagem verbal e não-verbal, os quais foram escolhidos
refere-se a visão de mundo de uma determinada classe social (Brandão, pelo seu caráter persuasivo, reflexo de suas condições de produção.
1998). E, como não existem idéias desvinculadas da linguagem, sen- Condições estas caracterizadas dentro do contexto socio-ideológi-
do um instrumento amplo de comunicação, para cada formação ide- co e são reveladas pela linguagem concebida como forma de ação
ológica há uma formação discursiva, isto é, conjunto de temas e de sobre o mundo, dotada de intencionalidade veiculadora de ideolo-
figuras que materializa uma dada visão de mundo. (Fiorin, 1998) gia e respaldada pelo poder de argumentatividade.
A linguagem veiculadora da ideologia, determina a relação entre A mensagem publicitária, segundo Carvalho (1996), ocupa lu-
o homem e sua realidade circundante e os sentidos veiculados por ela gar privilegiado em meio á tecnologia moderna. E, embora nem to-
são considerados de acordo com as condições de produção. Tais con- das surtam o efeito desejado, a onipresença da publicidade comercial
dições são caracterizadas dentro de um contexto sócio-ideológico e na sociedade de consumo cria um ambiente cultural próprio, um novo
são reveladas pela linguagem concebida como forma de ação sobre o sistema de valores que fundamentam e orientam as práticas sociais.
mundo. Sob essa ótica, é possível percebermos marcas lingüísticas A propaganda, para Carvalho (1996), está voltada para a es-
que caracterizem discursos essencialmente polifônico. fera de idéias, de valores éticos e sociais. Para Fiorin (1990), a
O conceito de polifonia foi formulado, inicialmente, por Bakhtin linguagem da propaganda “condensa, cristaliza e reflete práticas
(1979), ao estudar o romance de Dostoievski, considerado por ele sociais”.
polifônico por ser possível perceber em certos trechos o aparecimen- Nas propagandas que selecionamos para nossa análise, as
to de diversas vozes que falam simultaneamente sem que uma pre- quais foram veiculadas em revistas variadas, destinadas a um pú-
pondere sobre a outra. blico-alvo, que certamente é o da classe dominante, tentamos en-
A concepção polifônica de Bakhtin provém da consideração xergar os discursos presentes, numa perspectiva polifônica,
que ele faz acerca da linguagem que é reconhecida como uma interação enfatizando também o aspecto irônico.
ABSTRACT: One of the biggest challenges faced by anyone who tries to develop language teaching software is to produce pedagogical
material using the socio-constructivist principles of learning and the communicative approaches to language teaching, despite the current
technological limitations of the computer in recognizing free oral and/or written discourse. As an alternative to this problem, we have tried
to implement the “task-based instruction” approach in the development of the AVAL Research Project.
PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem de Línguas Assistida por Computador – Instrução com base em tarefas – Prática comunicativa –
Internet e Intranet.
O Projeto AVAL (Ambientes Virtuais para Aprendizagem de ao aprendiz. Na visão de Long, interação e input são os dois elemen-
Línguas Estrangeiras), do ProTem- CNPq resulta da parceria entre tos principais no processo de aquisição e/ou aprendizagem de uma
os Departamentos de Computação e de Letras Estrangeiras da UFC1 língua.
e se propõe à criação de uma ferramenta pedagógica inovadora que Adotando os princípios das teorias cognitivas e sócio-
possibilite a vivência em língua inglesa de prováveis situações de construtivistas de aprendizagem, a Abordagem Comunicativa de En-
trabalho de um guia de turismo internacional interagindo com turis- sino de Línguas resulta da fusão de princípios teóricos amplos sobre
tas estrangeiros no Brasil, em ambientes virtuais dimensionais. Do língua, linguagem e sua aprendizagem. Difíceis de serem sintetiza-
ponto de vista de ensino de línguas, objetiva-se a produção de um dos, os princípios do Ensino Comunicativo vêm sendo tecidos desde
software educacional que possibilite: os primeiros trabalhos de Widdowson (1978) e Savingnon (1983) até
imersão em situações comunicativas semelhantes às viven- os mais recentes de Richard-Amato (1996) e Brown (2000). Em
ciadas por um guia de turismo dentro de ambientes vir comum, esses princípios traçam quatro características da Aborda-
tuais tridimensionais; gem Comunicativa do Ensino-Aprendizagem de Línguas: 1. o ensi-
interação que favoreça o desenvolvimento das habilidades no de uma língua deve almejar o desenvolvimento da competência
lingüísticas necessárias à comunicação; comunicativa que, por sua vez, resulta da somatória das competênci-
interação em ambientes virtuais tridimensionais tanto entre as gramatical, discursiva, sócio-lingüística e estratégica (Canale &
mono-usuários e o computador, em situações planejadas, Swain, 1980); 2. fluência e acuidade são compreendidos como ele-
como entre vários usuários, em práticas comunicativas ines- mentos complementares à competência comunicativa; 3. as ativida-
peradas, via Intranet e Internet. des didáticas devem procurar promover o uso pragmático, autêntico
e funcional da língua com propósitos significativos; e 4. os procedi-
O grande desafio enfrentado consiste em aplicar o suporte
mentos metodológicos devem possibilitar o uso produtivo e recepti-
metodológico das teorias sócio-construtivistas de aprendizagem e dos
vo da língua em situações comunicativas não programadas.
princípios da abordagem comunicativa do ensino de línguas na ela-
Fundamentando-se nos princípios das teorias sócio-
boração dessa ferramenta pedagógica.
construtivistas e adotando a Abordagem Comunicativa, o Grupo de
Como evidenciado através de análise de vários softwares dis-
Ensino de Línguas Estrangeiras, apoiado nos recursos disponibilizados
poníveis no mercado, quase todo material computacional para ensi-
pelo Grupo de Computação, tem procurado, desse modo, produzir um
no de línguas reflete ainda o conceito de Instrução Programada, que
Curso de Inglês para Fins Específicos (ESP) para guias de turismo que
se baseava na ultrapassada teoria behaviorista de aprendizagem, em-
desenvolva a competência comunicativa nessa língua, focalizando os
pregada pelo Método Áudio-Lingual de ensino de línguas. De acor-
aspectos não-programáveis da língua, como as produções escrita e oral,
do com esse método, a aprendizagem de uma língua acontecia pela
e tratando os sub-sistemas lingüísticos de modo integrado.
automatização de suas formas lingüísticas através de práticas inten-
sivas e extensivas de repetição e reforço à resposta certa.
As teorias sócio-construtivistas, no entanto, enfatizam a natu-
reza dinâmica das inter-relações entre os aprendizes e seus pares,
entre os aprendizes e seus professores e entre todos com os quais 1 “Just as books freed serious students from the tyranny of overly simple
methods of oral recitation, so computers can free students from the
interajam. Long (1985,1996), em sua “hipótese interacional”
drudgery of doing exactly similar tasks unadjusted and untailored to their
(interaction hypothesis), afirma que o input compreensível resulta individual needs.” SUPPES, Patrick. Computer Technology and the Future
da “interação modificada” (modified interaction), sendo essa última of Education. In: Atkinson, R. C. and Wilson, H. A. (ed.). Computer Assisted
definida como as várias modificações realizadas por falantes nativos Instruction – a book of readings. New York: Academic Press, 1996. (Tradu-
ou por outros interlocutores de modo a tornar o input compreensível ção nossa)
Referências bibliográficas
ABSTRACT: The AVAL Project aims at developing a language teaching software specially designed for tourism guides. The project wants to implement, in
virtual environments, common situations of a tourism guide’s routine, in order to enable reality-like communicative interactions to take place .
PALAVRAS-CHAVE: situações, comunicativas, realidade, virtual
O Projeto AVAL (Ambientes Virtuais para a Aprendizagem nível de conhecimento de línguas estrangeiras, entre outros. O ques-
de Línguas), realizado pelos Departamentos de Computação e de Le- tionário serviu também como um meio de selecionar os guias que
tras Estrangeiras da Universidade Federal do Ceará (UFC), em parce- seriam posteriormente acompanhados pelos bolsistas do projeto, já
ria com empresa Softbuilder S.A. e patrocinado pelo CNPq – ProTem, que uma das perguntas do questionário consistia em saber se o guia
trabalha na produção de um software educativo para o ensino de lín- aceitaria ser acompanhado em um de seus passeios turísticos.
guas voltado para guias de turismo. A partir de situações reais, Uma equipe formada por três bolsistas visitou três das princi-
vivenciadas por um guia de turismo em sua prática profissional, bus- pais agências da cidade, que trabalham com turismo receptivo inter-
camos implementar no software situações em ambientes virtuais que nacional, previamente selecionadas e contatadas e deixou os questi-
possibilitem interações comunicativas semelhantes à realidade. onários a serem respondidos. Após duas semanas, foi recolhido um
No ensino de línguas estrangeiras, uma situação comunica- total de sessenta (60) questionários nas agências em que eles haviam
tiva consiste na reprodução em material didático de uma situação sido distribuídos. Em seguida, fizemos a tabulação dos dados, para
real ou próxima à realidade, em que há comunicação por meio da podermos assim ter uma idéia, em termos percentuais, da realidade
linguagem. Com base neste conceito, direcionamos nosso trabalho do universo dos guias de turismo da cidade de Fortaleza e também
de forma que as situações elaboradas nas lições do software refletis- para selecionar os guias a serem acompanhados. Foram onze (11) os
sem a realidade do cotidiano de um guia de turismo. Isso porque guias acompanhados por quatro bolsistas do projeto nas seguintes
consideramos que a tendência atual no âmbito da aprendizagem de situações turísticas:
línguas é enfocar o ensino de línguas na realidade do falante-apren- - transfer in (traslado dos turistas do aeroporto ao hotel);
diz, ou seja, em como ele usa a língua no dia-a-dia. Segundo - transfer out (traslado dos turistas do hotel ao aeroporto);
Finocchiaro (1983), o falante de língua estrangeira, para emitir men- - city-tour (passeio pelos pontos turísticos da cidade);
sagens que possam ser facilmente compreendidas, deve saber usar a - passeios em praias cearenses: Beach Park, Canoa Quebrada,
língua de forma apropriada em diferentes situações. Para isso, ele Lagoinha, Cumbuco, Morro Branco.
deve levar em conta os seguintes elementos situacionais: Durantes os acompanhamentos, os bolsistas, munidos de um
1. a pessoa ou as pessoas para quem a comunicação está sen- mini-gravador e de um bloco de anotações, gravaram os diálogos
do direcionada (idade, experiência, a língua que eles falam e enten- entre os guias e os turistas e anotaram todas as informações impor-
dem); tantes no que diz respeito às situações comunicativas vivenciadas
2. onde a comunicação está acontecendo; durante as situações turísticas. As gravações foram posteriormente
3. quando a comunicação está acontecendo; transcritas e arquivadas para servirem de base para as lições a serem
4. o tópico que está sendo discutido. produzidas. As anotações foram também arquivadas e constituíram
Assim, tivemos que partir das situações reais vivenciadas pelo uma fonte importante durante a produção das lições.
guia de turismo para então criar as situações comunicativas próxi- Após concluída a etapa de acompanhamento dos guias, nos-
mas à sua realidade. so grupo, responsável pela elaboração das atividades lingüísticas das
Partindo deste princípio, percebemos que seria necessário defi- lições do curso, deu início à produção da lições, tendo como base as
nir um plano de trabalho em que as situações comunicativas reais, transcrições das situações comunicativas gravadas durante o acom-
neste caso as situações vividas pelos guias de turismo, seriam panhamento dos guias. A produção de cada lição obedeceu aos se-
pesquisadas para em seguida serem implementadas em realidade vir- guintes passos:
tual. O plano de trabalho mencionado foi dividido em cinco etapas: - pesquisa em revistas, folders e material de divulgação rela-
- elaboração de um questionário a ser aplicado com guias de cionados à área de turismo;
turismo da cidade de Fortaleza; - escolha dos temas de cada uma das quatro lições a serem
- visita às principais agências de turismo receptivo internaci- produzidas, com base nas informações colhidas;
onal de Fortaleza e aplicação dos questionários; - leitura das transcrições, com o objetivo de selecionar as si-
- tabulação dos dados obtidos a partir dos questionários; tuações comunicativas mais apropriadas às lições;
- acompanhamento dos guias; - elaboração das lições.
- produção das lições a partir dos resultados obtidos através Na produção das situações das lições, tomamos como
do acompanhamento. referencial teórico a abordagem comunicativa de ensino de línguas,
O questionário aplicado com os guias de turismo, elaborado que tem como principal objetivo desenvolver a competência comu-
pela equipe responsável pela pesquisa de campo, continha pergun- nicativa do aprendiz de segunda língua ou língua estrangeira, facili-
tas relacionadas a informações tais como idade, grau de escolarida- tando a aprendizagem do aluno por meio de práticas interativas em
de, tempo de experiência na profissão de guia, agência de origem, situações comunicativas. Assim, ele passa a ser um comunicador,
ABSTRACT: This paper relates to the results of our research whose aim is identify, display (through pictures) and analyze the deviation considered
to cause linguistic changes. Through greater or smaller incidence of graphic deviations collected, we realized that the popular written portuguese
used in Brazil requires an immediate change in its current accentuation system.
PALAVRAS-CHAVE: portuguese language, standard variant, spelling, deviant
ABSTRACT: An analysis is made of a persuasive language with a focus on adverbial mobility in Brazilian television advertising discourse. The
underlying theoretical orientation is provided by Aristóteles (1961) on persuasive discourse, and by Charaudeau (1984) on advertising discourse.
And by Ilari et al. (1989) on adverbial classes and accompanying domains.
PALAVRAS-CHAVE: midia; linguagem persuasiva;, mobilidade adverbial.
ABSTRACT: This paper analyzes the affection denoted to teachers in letters/notes written by students from to public elementary schools in Rio de
Janeiro. Under a theoretical perspective of Discourse Analisis, We were guided by the three main aspects involved in the task of writting: “to whom”,
“for what” and “how” one writes.
PALAVRAS-CHAVE: Aquisição de escrita; argumentação; estratégias de polidez e envolvimento.
“tia, eu estou escrevendo esta cartinha porque
eu amo você do fundo do meu coração. Eu também queria dizer que
você é como uma irmã minha. Mil beijocas.”2
ABSTRACT: Based on the perspective of Text Linguistics and supported by the Corpus of the Study Project of the Cultured Urban Linguistic
Norm, this paper is dedicated to investigating the anaphoric elements of the spoken language, mainly indirect anaphoras, those which do not
recover the explicit referents found in the text.
PALAVRAS-CHAVE: anáfora, correferência, associativa, oralidade
ABSTRACT: The starting for the preset work was an experimental analysis based on the Cecil Computacional Program. This work aims at analysing
pause as a linguistic fact, observing its syntactic distribution in speech, as well as its frequency and duration. It also aims at showing pause as an
element which differenciates speech styles, spontaneous speech and reading.
PALAVRA-CHAVE: prosódia, pausa, organização temporal discurso
1. Introdução associação habitual das seqüências verbais, posição esta ratificada por
O presente trabalho, partindo de uma análise experimental, Chafe (1980), que compreende que as hesitações existem na lingua-
com base no Programa Computacional CECIL, que fornece os gem por a produção lingüística ser um ato criativo. O lingüista associa
parâmetros acústicos de duração, freqüência fundamental e intensi- o número de hesitações à quantidade de informação do enunciado:
dade para as estruturas lingüísticas produzidas, pretende demonstrar quanto maiores e mais complexas as informações, maior a presença de
a importância do estudo do fenômeno prosódico da pausa (seus ti- hesitações no enunciado.
pos, sua duração e localização sintática) na organização temporal do John Laver (1994), ao abordar a organização temporal do dis-
discurso. curso, menciona o fenômeno da pausa, que está intimamente ligado a
O fenômeno da pausa, abordado inicialmente, por Frieda fatores individuais. Para Laver, um discurso contínuo marca-se pela
Goldman-Eisler, é um elemento fundamental na produção e percep- ausência de pausas, enquanto um discurso não-contínuo, ao contrá-
ção discursivas, por ser um fato que interfere na inteligibilidade da rio, apresenta esses elementos. As pausas, segundo para este
fala. As pesquisas sobre síntese de voz demonstram que a presença foneticista, são de dois tipos: 1) silenciosas, que se caracterizam por
ou ausência de pausas pode auxiliar ou dificultar a decodificação da
um silêncio superior a 200 milissegundos e 2) preenchidas, que são
mensagem, a depender do ambiente sintático em que esses elemen-
falhas na estrutura verbal de um enunciado, preenchidas por elemen-
tos ocorram.
tos não-lingüísticos, como eh, hum.
É objetivo deste estudo mostrar a relação entre a pausa, sua
localização sintática e duração, enfatizando a pausa enquanto ele- A classificação de um discurso em fluente ou, ao inverso, in-
mento sintático e discursivo. Observam-se, para isso, os parâmetros terrompido (ou hesitante), segundo Laver, relaciona-se não apenas à
da distribuição sintática da pausa no discurso, de sua duração e de presença ou ausência de pausas, mas também à sua localização sintá-
sua distribuição por dois estilos: o oral natural e o escrito. tica. É evidente que um discurso sem pausas é considerado contínuo
e fluente, porém um enunciado com pausas nas fronteiras de grupos
2. O fenômeno da pausa entoacionais é considerado fluente, mas não-contínuo. Por outro lado,
Conforme demonstra o estudo de Maclay e Osgood (1954)
um enunciado marcado por pausas no interior de grupos entoacionais
sobre fenômenos de hesitação, a pausa, para os estruturalistas, era
é entendido como hesitante e também não-contínuo.
facultativa e relacionava-se, muitas vezes, ao fenômeno de juntura,
Há, ainda, outras classificações possíveis. G. Yule e G. Brown
posto que por meio da pausa era possível delimitar unidades de aná-
lise, como morfemas, sintagmas e sentenças. Observa-se que esta (1989), fundamentados nas propostas discursivas, estudam as pausas
perspectiva está ligada à concepção de língua enquanto instituição sob a ótica da estrutura informacional do discurso e as classificam
social, imutável, daí a pausa ser entendida como um fato individual. em três tipos, conforme sua duração: 1) Extensas, quando ultrapas-
Estes autores, baseados na proposta de B. Bloch (apud Maclay sam 3,2 segundos; 2)Longas, quando duram entre 1,0 e 1,9 segundos
& Osgood, (1954)), compreendem que as pausas não são distribuí- e 3) Breves, quando ocorrem no intervalo entre 0,1 e 0,6 segundos.
das de modo aleatório no discurso, porém obedecem, sim, a fatores Segundo os autores há uma estreita relação entre a duração e a distri-
estruturais, como sua localização sintática ou sua duração. buição sintática das pausas: pausas breves localizam-se nas frontei-
Posteriormente, o estudo da pausa toma novos rumos. ras internas dos constituintes, ao passo que as longas e extensas, nas
Goldman-Eisler (1968), Butterworth (1980) abordam a pausa sob o fronteiras externas.
prisma da produção discursiva, que é entendida como o resultado de No presente trabalho, classificam-se as pausas em dois tipos:
dois processos simultâneos: um relativo ao planejamento do conteú- silenciosas e não-silenciosas, sendo o valor mínimo para a classifica-
do e à estruturação gramatical, e outro, relacionado à seleção dos ção de um silêncio como pausa o menor encontrado em nosso corpus,
termos adequados ao enunciado. A unidade de análise dos estudos conforme a proposta de Rossi et alii (apud Freitas, 1992). As pausas
sobre a pausa relaciona-se, portanto, ao discurso e seu elemento bá- não-silenciosas, por sua vez, podem ser subcategorizadas em:
sico é a frase, compreendida como uma unidade oral, isto é, a articu- preenchedores de pausa, alongamentos, repetições, reformulações e
lação final da seqüência temporal em que o planejamento discursivo
Requisitos de Apoio Discursivo (RAD’s), que são marcadores
é organizado.
conversacionais que ocorrem, habitualmente, no fim do enunciado e
Os trabalhos de Goldman-Eisler revelam uma estreita relação
cuja função é verificar a atenção do interlocutor no turno discursivo.
entre as hesitações e a quantidade de informação transmitida pelo
enunciado, que está ligada à freqüência dos itens lexicais na língua, Sendo nosso objetivo demonstrar a estreita relação entre as
à estrutura lingüística e ao contexto. Esta psicolingüista afirma que a pausas e a organização temporal do discurso, bem como sua relação
presença ou a ausência de hesitações na linguagem espontânea se com a estrutura sintática e discursiva, ficaremos limitados aos qua-
associa à originalidade do enunciado produzido ou à influência da dros referentes a esses parâmetros.
ABSTRACT: This study examines the relationship between working memory capacity (WMC) and speech production. Results revealed that learners
with a higher WMC, as measured by the speaking span test, are also better able to manage the cognitive processes involved in speaking, producing
speech that is more fluent, accurate, and complex than those with a lower WMC.
PALAVRAS-CHAVE: memória de trabalho, produção oral, L2, cognição.
Para a maioria dos aprendizes de uma língua estrangeira ou 1983; Masson e Miller, 1983; Miyake, Just, e Carpenter, 1994;
segunda língua (L2), o desenvolvimento da habilidade oral consta Tomitch, 1995, por exemplo), escritura (Benton, Kraft, Glover, Pale,
como um dos objetivos principais, senão o principal, a ser alcança- 1984) e produção oral (Daneman, 1991) em língua materna (L1). Ou
do. Da mesma forma, para grande parte dos professores de L2, ga- seja, o desempenho competente de tarefas complexas parece depen-
rantir o desenvolvimento desta habilidade, através de prática e expo- der da capacidade individual que temos de administrar cognitivamente
sição à língua, é um importante objetivo pedagógico. De modo ge- os processos mentais e a informação necessários às tarefas. Não se
ral, a expressão oral em L2 é vista, tanto por professores quanto por sabe ao certo se esta capacidade é específica – isto é, indivíduos com
alunos, como uma habilidade difícil de ser desenvolvida e como aque- maior capacidade de memória de trabalho para leitura têm um de-
la que determina o nível de desempenho do aprendiz (Fortkamp, sempenho melhor somente na leitura – ou se esta capacidade é um
2000; Lennon, 1990; Riggenbach, 1989). Entretanto, apesar de sua fator que se mantem constante na realização de tarefas diversas – isto
relevância em programas instrucionais de L2, pouco se sabe sobre o é, indivíduos com maior capacidade de trabalho para leitura têm um
desenvolvimento da habilidade de expressão oral. Comparados aos desempenho melhor não somente na leitura, mas também na produ-
estudos sobre leitura ou produção escrita, por exemplo, os estudos ção escrita, oral, resolução de problemas, etc.
sobre produção oral são em muito menor quantidade e abordam, de Na área de aprendizagem de L2, os estudos sobre a memória
modo diferente, diferentes aspectos da produção, levando pesquisa- de trabalho são escassos mas tendem a reproduzir os resultados da
dores a uma falta de consenso sobre como investigar o desempenho pesquisa em L1. Por exemplo, Miyake e Friedman (1998) mostraram
oral em L2. que há relação entre capacidade de memória e aquisição de elemen-
Uma das maneiras de estudar a habilidade de expressão oral tos sintáticos em L2. Harrington e Sawyer (1992), Berquist (1998) e
em L2 é a partir da teoria de processamento da informação, na qual a Torres (1998) mostraram que essa capacidade se relaciona com com-
psicologia cognitiva contemporânea está embasada. Essa teoria preensão de textos em L2. Fortkamp (1999) mostrou que a produção
conceptualiza o sistema cognitivo humano como autônomo, ativo e oral contínua e articulação das palavras em L2 se relacionam com a
composto por pelo menos três sistemas básicos de memória: sensori- capacidade de memória de trabalho. A interpretação destes resulta-
al, de curto prazo e de longo prazo (Ashcraft, 1994; Haberlandt, dos é uma só: indivíduos com uma maior capacidade tendem a de-
1994; McLaughlin e Heredia, 1996; McLaughlin, Rossman e monstrar um desempenho melhor na tarefa à qual a capacidade está
McLeod, 1983). Uma grande quantidade de estudos realizados nas sendo relacionada.
últimas três décadas refinou cada um destes sistemas em termos de No presente estudo, investigo se há relação entre a capacidade
arquitetura e função e levou ao surgimento de um outro – a memória de memória de trabalho e quatro aspectos da produção oral em L2 –
de trabalho ou operacional – que tem sido foco de pesquisa intensa fluência, precisão gramatical, complexidade gramatical e densidade
no estudo da cognição humana. lexical. A hipótese a ser examinada é a de que indivíduos com maior
A memória de trabalho é definida, na psicologia cognitiva e capacidade de coordenar processamento e manutenção da informa-
neste artigo, como um sistema de capacidade limitada responsável ção expressam-se oralmente na L2 de forma mais fluente, com maior
pelo processamento (o trabalho) e manutenção (a memória), tempo- precisão gramatical, maior complexidade e maior densidade lexical
rários e simultâneos, da informação (declarativa ou procedimental) que indivíduos com menor capacidade.
que precisamos para realizar tarefas cognitivamente complexas tais
como resolver problemas, ler, compor um texto escrito, falar Método
(Baddeley, 1990; Baddeley e Hitch, 1974; Carpenter e Just, 1989; Para investigar a relação entre capacidade de memória de
Daneman e Carpenter, 1980 e 1983; Just e Carpenter, 1992). Os pro- trabalho e produção oral em inglês, um experimento foi aplicado
cessos mentais envolvidos no desempenho de tarefas complexas dis- consistindo de 4 tarefas: duas para medir a capacidade de memó-
putam a capacidade limitada da memória de trabalho, que tem de ser ria de trabalho e duas para medir a produção oral em inglês dos
compartilhada entre esses processos e os resultados intermediários participantes.
do processamento. O limite da capacidade da memória de trabalho Participantes: os participantes deste estudo foram 13 apren-
se refere à quantidade de processamento e de material que pode ser dizes de inglês como segunda língua no nível avançado, matricu-
mantida simultaneamente no sistema, momento a momento, durante lados na escola de línguas da Universidade de Minnesota que se
a realização da tarefa (Ashcraft, 1994; Baddeley, 1992). preparavam para iniciar estudos de pós-graduação na mesma uni-
A pesquisa sobre a estrutura e função da memória de trabalho versidade. A média de idade dos participantes foi de 28.2 anos,
tem mostrado, de forma consistente, que a habilidade dos indivíduos sendo a população, portanto, predominantemente adulta. Entre os
em gerenciar o processamento e manutenção de informação, 13 participantes, havia 4 brasileiros sendo o restante de naciona-
temporaria e simultaneamente, interfere no desempenho de tarefas lidade asiática, européia e árabe. Em média, os participantes ti-
cognitivamente complexas. Assim, indivíduos com maior capacida- nham recebido 10.46 anos de instrução formal de inglês como
de de memória de trabalho tendem a demonstrar melhor desempe- língua estrangeira em seus países. Todos os participantes estavam
nho em vários aspectos da leitura (Daneman e Carpenter, 1980 e nos Estados Unidos havia 3 semanas.
ABSTRACT: This paper deals with the absence of the definite article before proper names typical of contemporary Barra Longa (MG) speech
community, an area developed as a consequence of the 18th century ‘bandeirantes’ incursion. This structure has been retained in the same area
until today and is ultimately considered to be a remnant of the Latin proto-language.
PALAVRAS-CHAVE : Lingüística Histórica - Séculos XVIII e XIX - Documentos notariais
ABSTRACT: This research investigated the translation of clichés expressing emotion in dubbed and subtitled films. The analysis was carried out
taking into account the constraints faced by film translators. It was not prescriptive, rather its aim was the description of the norms used by Brazilian
translators in the rendering of these clichés.
PALAVRAS-CHAVE: legendação/legendagem; dublagem; clichês; normas
Esta pesquisa teve como objetivo analisar a tradução de clichês tor. As normas são ditadas pelas circunstâncias em que se realiza a
ou fórmulas situacionais em filmes dublados e legendados. Os clichês tradução. Devido a essas circunstâncias, o tradutor tende a ter um
ou fórmulas situacionais são aquelas expressões que, de tão repeti- certo tipo de comportamento no que diz respeito à tradução. No caso
das, tornaram-se estereótipos e lugares-comuns, como alguns provér- da tradução audiovisual, os elementos que influenciam a tradução
bios (Depois da tempestade, vem a bonança), algumas citações (Ser são: o sincronismo, o volume de texto, os aspectos técnicos do pro-
ou não ser, eis a questão) e frases feitas (Antes tarde do que nunca). cesso e o papel dos profissionais envolvidos (tradutores, distribuido-
Os clichês ou fórmulas foram classificados e definidos com res, empresas legendadoras, estúdios de dublagem, marcadores,
base nos pressupostos teóricos de Coulmas (1979), Zijderveld (1979) legendadores, técnicos de mixagem etc.)
e Tagnin (1989). A análise para determinar se as expressões retiradas A análise revelou cinco normas. A primeira não confirma a
dos diálogos dos filmes se constituíam em clichês ou fórmulas pas- hipótese de que as traduções produzidas no meio audiovisual não
sou pelas seguintes etapas: são naturais para os falantes do português, já que a maioria dos clichês
1. Exame, a partir da interpretação individual, para verificar se foram traduzidos por clichês correspondentes em português, ou seja,
a expressão já foi muito usada anteriormente; foram utilizados clichês que aparecem em situações semelhantes às
2. Consulta a obras de referência para ver se a expressão foi do inglês, como a tradução de You’re grounded por Vocês estão de
considerada clichê por outro pesquisador; castigo.
3. Observação do uso da expressão para ver se ela seria repeti- Entretanto, apesar desse uso que não causa estranheza ao es-
da em contextos semelhantes; pectador, pois são expressões ouvidas correntemente, as quatro nor-
4. Constatação de que o significado da expressão, antes origi- mas restantes confirmam a hipótese de que algumas traduções são
nal, foi substituído por uma função social. gramaticalmente corretas, mas não soam naturais para falantes nati-
Em um corpus de 5 filmes ¾ A Guerra dos Roses (1989), Uma vos do português. A segunda norma mostra que os tradutores
Babá Quase Perfeita (1993), Bye, Bye Love, os Descasados (1995), audiovisuais brasileiros criaram expressões não naturais em portu-
O Clube das Desquitadas (1996) e Uma Família Quase Perfeita (1996) guês e mais próximas do inglês. É o caso de Que fique em paz usado
¾ selecionados a partir da temática do divórcio, foram encontrados por uma personagem do filme “Bye, Bye, Love os Descasados” para
250 clichês usados para expressar diferentes tipos de emoção: alegria se referir ao ex-marido como se ele tivesse morrido:
(How lovely), amor (That’s my girl), ansiedade (Thank God), com-
paixão (Take it easy), culpa (It’s my fault), desgosto (I really am sorry),
raiva (Piss off) e surpresa (Look at this). Além dessas categorias, foi
incluída a de ironia, porque várias fórmulas de emoção foram usadas
ironicamente, como What a kick, cujo uso consagrado indica alegria,
que apareceu no corpus significando exatamente o contrário, ou seja,
descontentamento.
A tradução dos clichês ou fórmulas situacionais foi analisada
levando em conta as restrições enfrentadas pelos tradutores
audiovisuais. A análise não foi prescritiva, atendo-se basicamente à
descrição das normas utilizadas pelos tradutores brasileiros na tradu-
ção de clichês e tendo como intuito verificar uma hipótese surgida em
uma análise preliminar do filme “Uma Babá Quase Perfeita”. Nesse
filme, os tradutores tenderam a criar novas expressões em português
que se aproximavam mais das formas usadas pelos falantes do inglês.
Embora gramaticais, essas expressões não fazem parte do repertório Podemos ver que o clichê usado em inglês detonou logo a
dos falantes nativos, ou seja não soam naturais para falantes do por- pergunta sobre a morte da pessoa a que Lucille estava se referindo.
tuguês. Pawley & Syder (1983) chamam a atenção para o fato de o Na cena, o garçon até se benze para mostrar que sentia muito pela
falante nativo empregar apenas um número restrito de estruturas, apesar morte do marido de Lucille. A expressão Que fique em paz usada na
de ter à sua disposição todo o elenco que pode ser gerado pelas regras versão legendada não estimularia a pergunta de Vic sobre a morte do
gramaticais da língua. marido. Em português, os clichês Que descanse em paz e Que Deus
Norma é um conceito sociológico introduzido nos Estudos de
Tradução por Toury (1980). Norma em tradução não significa seguir
uma regra ditada por uma entidade superior, nem tomar decisões du- 1 O exemplo aparece sublinhado no glossário por não se constituir em
rante o processo tradutório com base apenas na experiência do tradu- uma expressão usual em português.