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ORGANIZAÇÃO PALAVRA DA VIDA - NE

INSTITUTO BÍBLICO PALAVRA DA VIDA - IBPV


DISCIPLINA: Ética Cristã
Profº Alexandre Mendonça

UNIDADE I – O QUE É ÉTICA CRISTÃ?


Personagens da história da Ética Cristã

INTRODUÇÃO:
I – Definições de Ética Cristã
A Ética Cristã nunca esteve destinada a existir em um vácuo e de forma isolada de outras
ideias relevantes de certo e errado. Independentemente de sua ênfase específica, ela tem sido
historicamente forçada a interagir com versões concorrentes da moralidade.
Scott B. Rae

Enquanto a Ética considera o que é moralmente certo ou errado, a Ética Cristã considera o que
é moralmente certo e errado para os cristãos.
Norman L. Geisler

ABRAÇANDO UMA COSMOVISÃO BÍBLICA1


Diante da definição acima, poderíamos dizer que uma cosmovisão genuinamente cristã
começa quando o coração é regenerado por Deus através do ministério da Palavra e do Espírito
Santo. Somente quando temos a Palavra habitando no coração é que podemos partir para uma
autorreflexão radical que formará em nós uma consciência crítica e nos levará ao conhecimento do
verdadeiro significado do homem no mundo. Só a partir deste processo autorreflexivo contínuo,
potencializado pelo conhecimento/poder da Palavra e do Espírito de Deus, é possível refletir
criticamente sobre a realidade através de uma cosmovisão genuinamente cristã.

SOBRE A ÉTICA DAS AÇÕES


A filosofia que domina nossos dias orbita em torno das necessidades dos sujeitos.
Diferentemente do que entende o conhecimento bíblico, que afirma que o homem foi criado para viver
para glória de Deus, tudo acaba estando sujeito a satisfação do homem, que age de acordo com sua
conveniência, ou pela noção do que é melhor para ele ou para a maioria (pragmatismo). A ética nos
dias da pós-modernidade é humanista, egocêntrica e hedonista, e coloca o homem como o centro de
todas as coisas.

SOBRE A ÉTICA DOS AGENTES


Tanto na filosofia quanto na religião, vimos que o pensamento na pós-modernidade tende a
colocar sobre as emoções dos homens o governo de suas vidas. Se ele se sente bem ele está
justificado no Emotivismo. Se ele tem vontade de realizar algo, ele está moralmente justificado por ser
uma criatura instintiva como todos os outros animais, é o que afirma o Intucionismo.
Já no que diz respeito a virtude, ele é justificado por boas ações, especialmente se elas
estiverem de acordo com o senso comum, ou com o que a sociedade e as instituições pensam.
Nosso tema nesse momento do curso irá introduzir-se no ambiente das teorias acerca da Ética,
campo maior em que se insere nossa disciplina de Ética Cristã. Para tanto, conheceremos apenas
alguns personagens que estabeleceram tendência no forma de pensar e agir do cristianismo na
história. Iniciaremos essa apresentação informando-nos sobre o estudo acerca do conhecimento.

1
OLIVEIRA, Fabiano de Almeida. Reflexões Críticas sobre Weltanschauung: uma análise do processo de
formação e compartilhamento de cosmovisões numa perspectiva Teo-referente. São Paulo, 2002. XIII.1, p. 49.
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EPISTEMOLOGIA
Epistemologia é a área da Filosofia que lida com as teorias do conhecimento, ou sobre como
sabemos e conhecemos assuntos e formamos nossas pressuposições.
De acordo com uma epistemologia bíblica, Deus criou o homem com uma estrutura capaz de
conhecer a realidade criada. Contudo, uma vez que o Senhor conhece e interpreta todas as coisas em
sua plenitude, o homem só conhecerá a realidade plenamente quando tiver conhecimento de Deus.
Isto não quer dizer que os incrédulos não possam conhecer aquilo com o qual estão em contato. Quer
dizer que o pecado afetou a capacidade cognitiva do homem e, por isso, ele precisa ser regenerado
para que possa conhecer o verdadeiro sentido da realidade criada.
Deus é onipotente e onisciente. Ele conhece todas as coisas Hebreus 4.12-13; 1 João 3.20; e
todo conhecimento se origina d’Ele. Portanto, temer ao Senhor é o princípio do saber Provérbios 1.7).
Ele é a origem da Verdade e a suprema autoridade do Conhecimento.
Sendo assim, Ele possui o direito de nos dizer no que devemos acreditar. Quando os
incrédulos tentam alcançar o conhecimento sem o temor do Senhor, o seu conhecimento é distorcido
Romanos 1.21-25; 1Coríntios 1.18-2.5. Desta forma, a sua cosmovisão se torna inconsistente.

ÉTICA CRISTÃ
No campo da ética, esta se constitui como sendo a “área do conhecimento que estuda os
valores, ou o certo e errado, bem e mal.” Assim como a metafísica e a epistemologia, a ética cristã
também é diferenciada.
Sendo assim a Ética Cristã é o resultado da ação de Deus que ao regenerar seus filhos,
sendo Ele o padrão de perfeita bondade e justiça, (Salmos 145.17; Gênesis 18.25), orienta-os nos
valores aos quais estes devem se apegar, levando-os a agir de modo a fazer o certo e rejeitar o
errado segundo o padrão de Deus e da fé cristã.
Quando o homem não reconhece a Deus, ele não somente contraria os valores de Deus, mas
busca evadir-se de sua responsabilidade Romanos 1.26-32.

ALGUNS PERSONAGENS RELEVANTES DA ÉTICA ATRAVÉS DA HISTÓRIA CRISTÃ2

Ética no Novo Testamento

Embora não possamos considerar o Novo Testamento como um tratado formal de Ético, a
maioria dos seus livros lida com questões tanto éticas quanto morais, especialmente no que diz
respeito as credenciais e afirmações de Cristo, focando principalmente na ressurreição e nos
fundamentos sobre os quais o cristianismo está alicerçado.

Ética nos escritos de Paulo

Para Paulo a existência de Deus é manifesta por meio da criação. Contudo, toda a humanidade
se recusa a crer n’Ele, embora o criador tenha colocado a eternidade no coração do homem, e os
aspectos morais da lei de Deus tenham sido plantados no interior de cada indivíduo. Todo homem, gote
ou não, tem em sí o referêncial de um criador, ainda que não o Seu conhecimento.
Os homens suprimem a verdade e caem na idolatria Romanos 1.18-25. O fato de ser judeu ou
gentio não diferencia as pessoas diante de Deus, pois todos nascem com a natureza do pecado e
estão separados de Deus Romanos 3.23.

2
BOA, Keneth D.; BOWMAN JR., Robert M. Faith Has Its Reasons: integrative approaches to defending the
Christian faith. Colorado Springs: Navpress, 2001. Cap. 2
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Paulo faz um alerta quanto à tentativa de se modificar o Evangelho na tentativa de acomodá-lo


com a filosofia grega 1 Coríntios 1-2. Para ele o cristianismo promove a verdadeira sabedoria, ao invés
da mera especulação humana 1Coríntios 1.18-21; 2.6-16, e todo o desenvolvimento de uma Ética
Cristã coerente e saudável passa pelo conhecimento e desenvolvimento do temor de Deus.
Segundo Paulo a ressurreição de Cristo é o principal evento da história e realmente aconteceu
no tempo 1 Coríntios 15.3-11. O ataque e negação deste fato destrói a fé cristã e torna vazia toda
crença na obra da salvação 1 Coríntios 15.13-19.
Para Paulo, Cristo é Deus, Colossenses 2.8, e qualquer outro entendimento que leve o homem
a distanciar-se d’Ele está equivocado. Todo sistema filosófico que não esteja de acordo com a verdade
histórica e eterna de Cristo está equivocado e desembocará em pressuposições falsas.

Ética nos escritos de João

O apóstolo João apresenta Cristo como o preexistente, o Logos Divino, João 1.1,14; 1 João
1.1. A apresentação do Logos como um ser pessoal que encarnou em figura humana chocava gregos e
escandalizava os judeus, provocando uma mudança radical na maneira de se enxergar Deus e o Seu
relacionamento com a humanidade. Assim como esta impressão era causada nos opositores do
cristianismo, imagine o quanto isto impactava a forma de pensar e agir dos cristãos.

Ética nos escritos de Pedro

Nos escritos do apóstolo Pedro o desafio da pressuposição ética emana basicamente da


conhecida passagem encontrada em 1 Pedro 3.15.
Faremos três observações acerca desta passagem: (1) primeiro Pedro instrui os seus leitores a
fazerem uma apresentação racional das suas crenças; (2) segundo, o mandato é extensivo a todos os
cristãos; e, (3) terceiro, Pedro nos instrui a fazer uso da atitude apropriada, seja com quem estivermos
falando (crentes e não crentes), ou sobre quem estamos falando (o Senhor).

Ética nos primeiros pais da Igreja

O período pós-apostólico foi marcado por uma série de ataques a fé. Havia heresias dentro da
igreja e o ataque de pessoas de fora da igreja. Os apologistas deste tempo defenderam o cristianismo
contra estes ataques.
Estes homens semeavam o Evangelho como uma base ética superior ao paganismo e
intercediam junto às autoridades politicamente. Os apologistas do segundo século, especialmente
Justino Mártir (c. 100-165), apresentavam o cristianismo como um sistema filosófico superior aos
sistemas gregos. Cristo era apresentado como o ‘Logos’ Divino e Platão como uma espécie de
plagiador do conhecimento empírico de Deus.
Dava-se muita ênfase ao cristianismo como sistema moral, contrário ao politeísmo e diferente
da filosofia pagã tão criticada pelos judeus.
Os apologistas do terceiro século desenvolveram argumentos mais elaborados que os
anteriores, mas, especialmente os alexandrinos, acabaram por fazer desenvolver ainda mais sínteses
entre a filosofia platônica e a fé cristã. Este período foi também de defesa da historicidade de Jesus e
dos seus milagres, especialmente por parte do grande intelectual da época, Orígenes de Alexandria (c.
185-254).
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Ética em Agostinho

Os séculos IV e V foram marcados por uma maior sistematização da fé cristã e uma


apresentação mais elaborada do cristianismo como uma cosmovisão distinta das demais,
especialmente o neoplatonismo.
Foi uma época de ascensão do cristianismo, em termos políticos e teológicos, graças ao edito
de Milão, de 313, promulgado por Constantino. O grande teólogo cristão deste período, e do primeiro
milênio, foi Agostinho de Hipona (354-430 d.C.).
Ele escreveu uma série de obras demonstrando a superioridade do cristianismo contra as
outras filosofias pagãs da época, como o Maniqueísmo, a ideia baseada na doutrina religiosa que
afirma existir o dualismo entre dois princípios opostos, normalmente o bem e o mal. O
Maniqueísmo tem suas raízes na filosofia religiosa da Pérsia e seu nome é oriundo das concepções
metafísicas de ‘Maniu’, ou ‘Maquineu’, no século III, este pensamento foi bastante disseminada por
todo o Império Romano.
Embora tenha sido influenciado pelo neoplatonismo (termo que define o conjunto de doutrinas
e escolas de inspiração platônica que se desenvolveram do século III ao século VI, mais precisamente
da fundação da escola alexandrina), a medida que os anos passavam Agostinho se tornava mais
bíblico em sua cosmovisão.
Ele foi o primeiro teólogo cristão a abraçar a visão paulina da salvação pela graça e da
soberania de Deus, além de escrever o que poderia ser considerado como um tratado de cosmovisão
cristã, ‘A Cidade de Deus’.
Agostinho foi o primeiro apologista a trabalhar o papel da razão e da fé na vida cristã. Ele foi o
primeiro a enunciar o princípio de que é necessário crer para compreender, ou da fé à busca por
entendimento, reconhecendo que tanto a fé quanto o entendimento são fruto da graça de Deus.
Um aspecto controverso na interpretação teológica de Agostinho é que o teólogo defendia o
fato de que os pagãos também podiam conhecer a Deus, mas que este conhecimento não seria
suficiente para preveni-los de cair na idolatria.
No mais, Agostinho afirmava que a fé cristã não era uma tolice sem fundamento. Ele afirmava
que havia uma série de evidências provando a historicidade e verdade da fé cristã, como as profecias
cumpridas, a fé monoteísta e a consistente adoração da Igreja, os milagres da Bíblia e o milagre da
improvável conversão dos romanos a fé em um Deus que morreu na cruz e ressuscitou.

Ética em Anselmo de Cantuária

Por volta do século VII a fé cristã já estava estabelecida no ocidente. A preocupação dos
apologistas da Idade Média, então, passou a ser a conversão dos judeus, a ameaça do Islã e a base
racional da fé. Anselmo, bispo de Cantuária (1033-1109 d.C.) foi um dos mais criativos filósofos
cristãos da história.
Assim como Agostinho ele afirmava a antecedência da fé à razão na ordem do entendimento
verdadeiro. Com este princípio em mente, Anselmo desenvolveu um argumento tanto apologético
quanto ético que visava confrontar os incrédulos com a verdade: o argumento ontológico (parte da
metafísica que trata da natureza, realidade e existência dos entes. A ontologia trata do ser enquanto
ser, isto é, do ser concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a todos).
A outra grande contribuição de Anselmo para a ética foi a sua teoria da expiação, onde ele
defendia a ideia de Deus se tornou homem porque somente um ser infinito poderia prover uma
satisfação infinita pelo pecado do homem.
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O objetivo de Anselmo em desenvolver as suas elaborações filosóficas sobre a fé e


consequentemente a ética cristã, era não somente confrontar a incredulidade dos ímpios, mas nutrir os
santos com uma base racional e consistente para a sua fé e conduta na sociedade em que estavam
inseridos.

Ética em Tomás de Aquino

Tomás de Aquino (1224-1274 d.C.) começou a escrever para combater os erros do


aristotelismo acrítico que havia invadido à igreja da sua época, bem como a filosofia greco-árabe que
invadiu o ocidente por meio dos escritos do filósofo árabe Averróis.
A summa contra gentiles foi a obra escrita por Aquino com o objetivo de fazer uma
apresentação da cosmovisão cristã mediante categorias aristotélicas. Além desta, Aquino também
escreveu a summa theologiae, uma espécie de teologia sistemática, para que os estudantes de
Teologia tivessem uma obra que lhes ajudasse no entendimento e apresentação racional da fé cristã.
Aquino, assim como Agostinho e Anselmo, procuraram trabalhar fé e razão lado a lado, mas
com algumas diferenças. Para Aquino existem verdades que podem ser conhecidas pela fé ou pela
razão, enquanto outras somente pela fé.
Contudo, mesmo o que pode ser conhecido pela razão é passível de imperfeição, pois a razão
está viciada pelo pecado, enquanto a fé está garantida em Deus. Aquino foi o responsável por
desenvolver os cinco argumentos para se comprovar a existência de Deus, ou as “cinco vias”.
Segundo ele, a existência de Deus pode ser provada por meio da natureza, mas não quem
Deus é de fato. Deus só pode ser conhecido por meio da revelação das Escrituras, não por provas. As
provas foram oferecidas para mostrar a coerência entre o cristianismo e o aristotelismo.
Aquino foi crítico no que diz respeito a algumas provas, como o argumento ontológico de
Anselmo, embora tentasse subordinar a Filosofia à Teologia e fosse dado a especulações.
Diferentemente de Anselmo ele defendia o uso da fé como primordial ao entendimento de Deus e
norteador das ações e forma de pensar do homem crente.

A Ética Cristã na concepção reformada

A preocupação primária dos reformadores era em relação à doutrina da salvação. A justificação


pela fé somente estava no coração da teologia de Martinho Lutero (1483-1546 d.C.). Em sua opinião, a
mentalidade medieval havia obscurecido o correto entendimento da justificação. Por esta razão, ele
afirmou a limitação da razão e rejeitou o método escolástico (Tomás de Aquino), de se fazer uso da
filosofia e da lógica na defesa da fé e orientação da ética cristã.
Lutero afirmou que, embora o homem possa saber que existe um Deus fazendo uso da razão,
o conhecimento salvífico deste Deus só pode ser alcançado pela fé. Para Lutero, a razão era inimiga
da fé.
Outra figura importante da Reforma foi João Calvino (1509-1564 d.C.). Assim como Lutero, os
esforços quanto a orientação tanto apologética quanto éticas em Calvino também foram direcionados
contra a igreja católica romana e o seu obscurantismo quanto ao Evangelho da Salvação.
Diferente de Lutero, Calvino acreditava que a fé é sempre racional. A fé só parece irracional
para o homem não regenerado porque a sua mente está obscurecida pelo pecado. Para remediar este
problema da mente, Calvino ensina que Deus deu aos homens a Sua Palavra, a qual pode ser
compreendida por meio da ação do Espírito Santo, dado por Deus aos que creem.
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Uma vez que a Palavra vem de Deus, ela não pode ser entendida pelos testes da razão
humana, corrompida pelo pecado. A fé não precisa de qualquer justificativa racional, pois ela mesma é
o conhecimento racionalmente justificado, baseado na revelação de Deus nas Escrituras.

A Ética Cristã na era do ceticismo

O século XVII viu o surgimento do ceticismo que desafiou a verdade da fé cristã e


consequentemente sua moralidade. Este ceticismo levou tanto a apologética quanto as normas éticas a
novos desdobramentos.
Alguns apologistas responderam ao ceticismo afirmando que a fé é uma resposta do coração.
Outros responderam que a fé é tão racional quanto às últimas descobertas da Ciência moderna.
Blaise Pascal (1623-1662 d.C.) defendeu a fé como uma resposta do coração, durante o século
XVII. Em sua importante obra ‘Pensées’ (pensamentos), ele rejeitou os tradicionais argumentos
racionais sobre a existência de Deus e enfatizou os aspectos pessoais e relacionais que levam uma
pessoa a fé em Cristo. Ele não queria soar irracional ou subjetivista. Ele queria que as pessoas
refletissem sobre a fé com cuidado e seriedade.
Não obstante os argumentos de Pascal fossem relevantes, as ciências naturais do século XVII,
com nomes como Galileu e Newton, revolucionaram a maneira do homem tanto quanto ao pensar
quanto de ver o mundo. Por conta disso, os apologistas dos próximos três séculos passaram a
entender o seu papel como o de providenciar evidências empíricas que dessem credibilidade científica
ao cristianismo.
Um importante nome deste período foi o bispo anglicano Joseph Butler (1692-1752 d.C.), que
em 1736 escreveu a famosa obra ‘A Analogia da Religião’. O livro foi escrito para combater os deístas
que criam em uma religião natural e afirmavam a falácia do cristianismo. Segundo eles, o cristianismo
não podia ser provado empiricamente, mas dependia de uma revelação especial e somente àqueles
que a conheciam podiam vivenciá-la.
O livro de Butler é repleto de fatos e evidências empíricas, com as conclusões sobre a verdade
do cristianismo tomadas em termos de probabilidades. Com isto ele tentou dialogar em campo comum
com os deístas, que também acreditavam na existência de um Deus, mas negou que apresentasse a fé
cristã em termos de probabilidade.

A Ética Cristã e o diálogo aberto e essencial com a Apologética Moderna

Com o advento do Iluminismo, os apologistas tiveram que se reinventar. O ceticismo do filósofo


David Hume (1711-1776 d.C.) negou qualquer possibilidade de religião natural ou revelação especial, e
declarou a total autonomia da razão.
Outro filósofo, o alemão Immanuel Kant (1724-1804 d.C.), influenciado por Hume também
criticou os argumentos cosmológico e ontológico sobre a existência de Deus. Estes argumentos, e a
influência deles, se espalharam pelo ocidente e forçaram os apologistas a desenvolverem argumentos
a favor da fé cristã. As respostas foram variadas e dependeram das convicções do proponente, das
suas inclinações filosóficas e do conteúdo do ataque.
William Paley (1743-1805 d.C.), um dos primeiros apologistas a responder Hume, trabalhou
com as evidências da fé cristã e da teologia natural. Contudo, o surgimento to darwinismo enfraqueceu
os seus argumentos. A explicação dada por Charles Darwin (18091882 d.C.) em sua obra origens das
espécies (1859) apresentou uma explicação naturalista para a origem e diversidade da vida,
encorajando muitos no ocidente à descrença em Deus.
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Contemporâneo de Paley, Thomas Reid (1710-1796 d.C.), calvinista escocês, desenvolveu um


sistema filosófico conhecido por realismo do senso comum, a qual era também, em parte, uma crítica a
obra de Hume. Para Reid, a noção humana de certo e errado e causa e efeito, que também eram
negadas por Hume, são questões de senso-comum. Estas noções são auto-evidentes e foram
implantadas na humanidade pelo próprio Criador, quer creiamos ou não em Sua existência.
Reid influenciou os teólogos da universidade de Princeton. Dentre eles encontrava-se Charles
Hodge (1797-1878 d.C.), o mais famoso calvinista da época. Hodge defendia a ideia de que a razão
humana deve submeter-se a revelação de Deus na palavra. O não cristão deve ser convidado a usar a
razão e o senso-comum ao avaliar as evidências da fé cristã (milagres, profecias cumpridas, e etc.),
pois fazendo isso, reconhecerá a veracidade da fé.
O herdeiro direto da apologética de Hodge e um dos últimos professores de Princeton antes
desta ser invadida pelo liberalismo foi B. B. Warfield. Ele usou o mesmo método para lutar contra o
liberalismo teológico, afirmando que um cristianismo desprovido do sobrenatural é, primeiro, um
cristianismo que nega a Deus, e segundo, não cristianismo coisa nenhuma.
No século XIX os esforços apologéticos se concentraram na defesa da fé contra a filosofia de
Kant e Hegel. O filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard (1818-1855 d.C.) denunciou o sistema
filosófico de Hegel, bem como a frieza da ortodoxia luterana do seu tempo.
Ele rejeitou as provas e argumentos racionais do cristianismo, especialmente a tentativa de um
entendimento pela lógica do paradoxo da encarnação (Deus encarnado = Jesus Cristo homem) e
convocou os cristãos a professarem e crerem em Cristo de forma passional.
Ainda no século XIX, o filósofo escocês James Orr (1844-1913 d.C.) foi mais um a desafiar as
filosofias do iluminismo, tornando-se o primeiro apologista a apresentar o cristianismo como uma
cosmovisão. Ele também afirmava o peso das evidências históricas como provas da veracidade da
visão cristã de Deus e do mundo.
Contemporâneo de James Orr, o teólogo calvinista e político holandês Abraham Kuyper (1837-
1920 d.C.) também foi mais um a contribuir com a apologética moderna. Kuyper desenvolveu a noção
apologética da antítese absoluta entre os princípios fundamentais com os quais cristãos e não-cristãos
estão comprometidos.
Basicamente, para Kuyper, cristãos e não-cristãos não podem enxergar os princípios
fundamentais da existência da mesma forma. Os não-cristãos não podem compreender os princípios
fundamentais da existência pois estes são revelados por Deus em Sua Palavra e precisam ser aceitos
em absoluto, ou rejeitados em absoluto. Desta forma, o cristianismo não pode ser provado por meios
de argumentos filosóficos ou evidências históricas porque este pressupõe princípios fundamentais
encontrados na Escritura. Assim, não pode haver terreno comum entre cristãos e não-cristãos,
devendo, portanto, ser abandonada a apologética tradicional.
Negativamente, os apologistas devem procurar expor as raízes religiosas anti-cristãs de todos
os sistemas não-cristãos de pensamento. Positivamente, os apologistas devem se preocupar em
moldar o mundo à verdade cristã, reconstruindo a sociedade de acordo com os princípios bíblicos. As
ideias de Kuyper foram desenvolvidas na forma de um sistema por outros filósofos e teólogos
calvinistas. O mais conhecido destes foi holandês Herman Dooyeweerd (18941977 d.C.).
De acordo com Dooyeweerd a apologética tradicional, especialmente a de Tomás de Aquino,
estava baseada em um dualismo não-bíblico entre natureza e graça. Entre o que pode ser conhecido
pelos não cristãos simplesmente pelo meio da razão e o que só pode ser conhecido pela revelação de
Deus, pela fé.
Para Dooyeweerd, a tarefa da filosofia cristã e da apologética norteadora dos posicionamentos
éticos, é recomendar a cosmovisão cristã enquanto expõe as inadequações das outras cosmovisões
em providenciar terreno sólido para o conhecimento e a ética.
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FAZENDO USO DOS ARGUMENTOS BÍBLICOS


Devemos estar completamente convencidos de que há perspectiva bíblica sobre tudo, não
apenas sobre assuntos espirituais3. O A.T. nos ensina que ...o temor do SENHOR é o princípio do
conhecimento, mas os insensatos desprezam a sabedoria e a disciplina.” Provérbios 1.7. No
Novo Testamento lemos que Nele [Cristo] estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do
conhecimento. Colossenses 2.3.

Embora a afirmação acima pareça radical, não há como não concluir que, “...de alguma
maneira, todo o conhecimento depende da verdade religiosa 4.” Todos os sistemas trabalham do
mesmo modo. Qualquer sistema que proponha alguma coisa como auto-existente, possui o seu deus.
Essa proposição nada mais é do que um compromisso religioso, o qual funciona como o princípio
controlador de tudo o que vem a seguir no sistema. O temor de algum “deus” é o princípio de cada
sistema de conhecimento proposto.5

Entendido este princípio religioso fundamental em todos os sistemas, fica claro que toda
verdade tem que começar em Deus, pois Ele é o único auto-existente e tudo o mais depende d’Ele
para sua origem e existência contínua. Nada existe separado da vontade de Deus. Nada existe fora
dos pontos decisivos centrais da história bíblica: a criação, a queda e a redenção.

A COSMOVISÃO APLICADA A VIDA


Pensando sobre Gênesis 1.28 (o mandato cultural) - Deus os abençoou, e lhes disse: Sejam
férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre
as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra.

1. Sejam férteis e multipliquem-se! – Desenvolvimento do mundo social: formar famílias, igrejas,


escolas, cidades, governos, leis.

2. Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre
todos os animais que se movem pela terra. – subordinação do mundo natural: fazer colheitas, construir
pontes, projetar computadores, compor músicas.

3. O mandato cultural faz parte do propósito original de Deus para o homem. O propósito de que
este crie culturas e construa civilizações – nada mais!
Nosso trabalho não é uma atividade qualquer, que usamos somente para botar comida na
mesa. É a grande obra para qual nós fomos criados.
O modo como servimos ao Deus Criador pode ser demonstrado ao utilizarmos, com
criatividade, os talentos e dons que Ele nos deu. O propósito original de Deus, quanto ao mandato
cultural, continua sendo o mesmo até hoje. O plano não foi cancelado pela queda. A queda não nos fez
menos humanos. Não nos transformou em animais. Até os não regenerados cumprem o mandato
cultural.
Uma cosmovisão genuinamente cristã reconhece que Deus criou todas as coisas com um
propósito e que nós temos um papel a cumprir neste propósito, fazendo uso dos nossos dons e
talentos, a fim de cumprir o mandato cultural de Deus.

3
PEARCEY, Nancy. Verdade Absoluta. Rio de Janeiro: CPAD, 2006. p. 48.
4
PEARCEY, Nancy. Verdade Absoluta. Rio de Janeiro: CPAD, 2006. p. 49.
5
Ibid., p. 49.

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