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21/08/2020

RESUMO
A educação concebida por Theodor Adorno
FERNANDA LOPES DE SÁ
Theodor Adorno é categórico ao apontar a primeira afirmação de toda a
educação: que uma das maiores barbáries da história - "onde milhões foram
sistematicamente exterminados" - não deve ser repetida. A urgência desta
demanda não se dá apenas pela natureza potencial de tal perigo, mas
precisamente pelo fato de que Auschwitz “já foi”: o ser humano demonstrou que
é capaz de agir com extrema violência. E essa demanda adquire mais força se
reconhecermos que a essência dessa barbárie se repetiu várias vezes na
posteriormente na história.

Para Adorno, a "monstruosidade" das atrocidades de Auschwitz "não penetrou o


suficiente nos homens". Isso significa que ainda não há consciência suficiente
sobre o que aconteceu e sobre as condições que o tornaram possível. Pensar
nelas é essencial na medida em que a possibilidade de barbárie persiste
enquanto essas condições persistirem. No entanto, Adorno considera que as
“condições objetivas” (sociais e políticas) são difíceis de modificar hoje. Apesar
disso, ele ainda acredita que alguma resistência pode ser levantada por meio de
uma “virada subjetiva”, ou seja, concentrar-se sobretudo nos aspectos
psicológicos dos indivíduos que cometem atrocidades para ver como evitá-las
por meio da educação:

“É preciso reconhecer os mecanismos que tornam as pessoas capazes de cometer tais


atos, é preciso revelar tais mecanismos a eles próprios, procurando impedir que se
tornem novamente capazes de tais atos, na medida em que se desperta uma
consciência geral acerca desses mecanismos.”

Adorno, nessa perspectiva subjetiva, aponta a característica fundamental do tipo


de homem que age a partir da barbárie:

“No começo as pessoas desse tipo se tornam por assim dizer iguais a coisas. Em
seguida, na medida em que o conseguem, tornam os outros iguais a coisas.”

Essa característica principal é o que torna possível lidar com os humanos como
se fossem meras coisas. Esse tipo de tratamento permite uma ação ilimitada
sobre os outros, como se fossem simples objetos. Portanto, a porta para todos
os tipos de violência está completamente aberta.

Mas o que leva a essa reificação da consciência? Adorno aponta pelo menos
dois aspectos fundamentais. O primeiro, a identificação irrefletida dos indivíduos
com os movimentos de massa das coletividades:

“Pessoas que se enquadram cegamente em coletivos convertem a si próprios em algo


como um material, dissolvendo-se como seres autodeterminados. Isto combina com
a disposição de tratar outros como sendo uma massa amorfa”.

O indivíduo seria integrado à força da coletividade de forma obediente fundindo


seu pensamento ao mandato coletivo, como se consistisse em uma mera coisa
pronta a ser dirigida por um impulso externo (que ele acredita ser seu).

O segundo aspecto diz respeito à produção geral de um tipo de mentalidade


tecnológica - típica de uma era técnica - que orienta o indivíduo para as coisas e
seu uso eficiente:

“É certo que todas as épocas produzem as personalidades tipos de distribuição da


energia psíquica de que necessitam socialrnente. Um mundo em que a técnica ocupa
uma posição tão decisiva como acontece atualmente, gera pessoas tecnológicas,
afinadas com a técnica.”
O homem tecnológico fetichiza, máquinas, instrumentos e todos os tipos de
coisas úteis. Ele se comporta de acordo com um pragmatismo "realista", onde
tudo o que importa é que as coisas funcionem (incluindo ele e os outros). Ou
seja, é uma homenagem à eficiência, velando cada vez mais a possibilidade de
estabelecer relações adequadamente humanas com os outros. Sua disposição
libidinal torna-se notoriamente cósmica, explicando que ele é completamente
"frio", como denuncia Adorno, diante do que acontece com os outros.

Agora, o mais preocupante de tudo "essa tendência encontra-se bastante


desenvolvida logo abaixo da superfície da civilizada e ordenada". Na verdade, a
sociedade industrial orienta os indivíduos cada vez mais para as coisas, para as
mercadorias, para os objetos técnicos. O indivíduo cuja consciência é altamente
coisificada não seria portanto, uma exceção, mas, ao contrário, precisamente a
regra e a norma da sociedade em que vivemos.

Se a consciência coisificada torna possível o tipo de barbárie de Auschwitz, e a


tendência de nossa sociedade é fomentar esse tipo de consciência, o que há
para fazer? Adorno tem como foco a educação e algumas de suas tarefas
centrais.

Em primeiro lugar, e uma das demandas centrais da educação, consistiria em


promover a autonomia das pessoas:

“O único poder efetivo contra o princípio de Auschwitz seria autonomia, para usar a
expressão kantiana; o poder para a reflexão, a autodeterminação, a não-participação.”

Com autonomia, o ser humano pode se proteger de uma identificação impensada


com a comunidade que o leva a obedecer cegamente. Mas não é uma mera
racionalidade vazia, mas aquela que tem como objeto as finalidades humanas.

Um segundo requisito fundamental seria educar uma afetividade que rejeite a


barbárie. Adorno destaca a importância de que “à luta contra a barbárie, ou à
sua eliminação, corresponde um momento de indignação”. Se trata da
capacidade afetiva de se opor à atrocidade para não cair na apatia ou na
indiferença cúmplice que quer apenas contemplar o abominável e inclinar a
cabeça no momento decisivo.

Para cumprir essas tarefas educacionais, Adorno atribui maior importância que
elas sejam realizadas desde o início da infância, pois é lá que se afirmam os
traços básicos de caráter. Paralelamente, promover ao máximo uma ilustração
generalizada da sociedade “que estabelece um clima espiritual, cultural e social
que não permite a repetição de Auschwitz”.

Enfim, diante da barbárie e das tendências sociais que ainda podem produzi-la,
é preciso combatê-la por meio de uma educação que resista a ela. Esta
educação é essencialmente uma tentativa de que as pessoas não se tornem
“indiferentes ao que acontece aos outros”, que não as tratem como meras coisas,
mas como seres humanos. Para isso, a autonomia protege contra movimentos
de massa alienantes e a afetividade contra a barbárie dá a força correspondente
para se opor prontamente quando ela surge. Para Adorno, se esses traços
tivessem sido promovidos no passado - ao contrário da frieza que realmente
prevalecia - "Auschwitz não teria sido possível" porque simplesmente "os
homens não o teriam tolerado".

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