Você está na página 1de 193

CASOS DO COTIDIANO:

O DISCURSO DA PUBLICIDADE EM REVISTA

ORGANIZADORES
RAQUEL MARQUES CARRIÇO FERREIRA
AGUIMARIO PIMENTEL SILVA
CASOS DO COTIDIANO:
O DISCURSO DA PUBLICIDADE EM REVISTA

ORGANIZADORES
RAQUEL MARQUES CARRIÇO FERREIRA
AGUIMARIO PIMENTEL SILVA

São Cristóvão - SE
2019
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
Reitor
Angelo Roberto Antoniolli
Vice-Reitora
Iara Maria Campelo Lima

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE


Coordenador do Programa Editorial
Péricles Morais de Andrade Júnior
Coordenadora Gráfica
Germana Gonçalves de Araújo
Conselho Editorial
Antônio Martins de Oliveira Junior
Aurélia Santos Faraoni
Fabiana Oliveira da Silva
Germana Gonçalves de Araújo
Luís Américo Silva Bonfim
Mackely Ribeiro Borges
Maria Leônia Garcia Costa Carvalho
Martha Suzana Cabral Nunes
Péricles Morais de Andrade Júnior (Presidente)
Rodrigo Dornelas do Carmo
Samuel Barros de M. Albuquerque
Sueli Maria da Silva Pereira
Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica / Capa
Késia dos Santos
Foto de Capa
Visualhunt.com

Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos


CEP 49.100 – 000 – São Cristóvão – SE.
Telefone: 2105 – 6922/6923. e-mail: editora@ufs.br
www.editora.ufs.br
Este livro, ou parte dele, não pode ser reproduzido por qualquer meio
sem autorização escrita da Editora.

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BLIBLIOTECA CENTRAL


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

Casos do cotidiano : o discurso da publicidade em revista [recurso


C341c eletrônico] / organizadores Raquel Marques Carriço Ferreira,
Aguimario Pimentel Silva. – São Cristóvão, SE : Editora UFS, 2019.
193 p.

ISBN 978-85-7822-655-8

1. Publicidade – Brasil. 2. Publicidade (Direito). 3. Direitos


autorais – Publicidade. 4. Posicionamento (Publicidade). I. Ferreira,
Raquel Marques Carriço. II. Silva, Aguimario Pimentel.

CDU 659.1(81)
5

APRESENTAÇÃO

Esta coletânea é o resultado de um trabalho coletivo desenvolvido ao


longo de alguns semestres, na cadeira de Ética e Legislação Publicitária
do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Federal de Sergipe
(UFS). A seleção que se segue representa uma articulação entre alguns
produtos da publicidade brasileira, os códigos deontológicos da atividade
publicitária no país e, em alguns casos, também, algumas normatizações
básicas integrantes do ordenamento jurídico brasileiro que, de alguma
forma, regulam a atividade da publicidade. A alternativa que pareceu mais
viável para o trabalho com os temas– delicados, é verdade – da ética e da
legislação publicitária, junto aos/às alunos/as da graduação, foi a escolha
livre de temáticas do cotidiano que pudessem ser por eles/as avaliadas e
refletidas, pela ótica das normas vigentes. Aqui, são apresentados os mais
promissores textos construídos nos últimos cinco semestres lecionados.
Para longe da leitura da letra fria da lei, eu, como professora da cadeira,
desenvolvi um texto junto aos/às alunos/as do curso, como forma de
estimular a escrita – um desafio à parte da abordagem avaliativa da
disciplina, todavia,com resultados muito positivos.

O primeiro texto, assim, dedica-se a observar uma brecha da lei do


direito autoral brasileiro que tem incomodado os criativos do país: o
motivo, entretanto, não é a indisciplina do mercado publicitário, mas a
redação da própria lei. Segundo Wachowicz (2015, p. 558)1, a proposta
de alteração da Lei de Direitos Autorais brasileira (Lei 9.610, de 19 de
fevereiro de 1998) divide-se em três grupos principais: (1) correção de
erros conceituais e da técnica legislativa de alguns dispositivos, que
geram incertezas quanto a sua interpretação; (2) inclusão de novos
dispositivos em temas em relação aos quais a lei é omissa, ou que

1 Wachowicz, Marcos. A revisão da lei autoral principais alterações: debates e motivações. PIDCC, Ara-
caju, Ano IV, Edição nº 08/2015, p. 542-562.
6

são abordados de forma insuficiente ou desequilibrada – o mundo


digital, por exemplo, que se encontra num domínio além dos direitos
autorais; e (3) a concretização da técnica legislativa contemporânea
consagrada na Constituição, nas leis especiais que dela derivam e
no Código Civil de 2002, com recurso a princípios, cláusulas gerais
e normas mais abertas, harmonizando-se a legislação autoral com o
restante do ordenamento jurídico brasileiro.

Assim, o que é observado no primeiro texto relaciona-se com o primeiro


aspecto trazido por Wachowicz: um problema em que a lei imputa
uma concepção mutuamente excludente. De acordo com o artigo
47 da referida lei, a adaptação de qualquer obra do espírito depende
da autorização expressa de seu autor, enquanto, no artigo 19, diz-se
que paródias e paráfrases – que são, em termos simples, adaptações
jocosas ou releituras da obra original – são isentas da necessidade de
autorização de uso pelo autor. Baseadas nessa isenção, muitas peças
publicitárias foram construídas “à moda paródica” e tiveram, por fim,
demandas judiciais que resultaram em indenizações, para infelicidade
de seus autores, criativos da área da propaganda.

O segundo texto aborda uma temática atual e necessária: o trato da


publicidade no que se refere à estética do corpo feminino, através do
uso de editores de imagem. Como constatado, o padrão de beleza
idealizado mostra-se como um exemplo de concepções visuais
somente possíveis a partir do uso de editores de imagens. A utilização
exagerada desse recurso tem um impacto social notável, se levarmos
em consideração que medicamentos, suplementos alimentares,
cosméticos e cirurgias plásticas são comprados por brasileiras que
buscam obter, por sugestão da publicidade, da moda e da mídia, tais
padrões medianamente irreais, incorrendo no risco, também – o que
é pior –,de desenvolver doenças graves, como as dos transtornos
alimentares. Tal abuso pode ser minimizado a partir da observação
dos exemplos, trazidos no texto, de regiões geográficas cujos órgãos
7

de fiscalização publicitária já regulamentaram a prática do uso de


artifícios que transformam os anúncios em peças desonestas. As regras
específicas relacionadas à pré-produção e à pós-produção das imagens
publicitárias são sumariamente controladas, evitando, assim, o exagero
na apresentação da capacidade de um produto ou serviço por parte da
publicidade cosmética, o que significa abusar da credibilidade conferida
por quem consome essas imagens.

O terceiro texto vem para indicar que a publicidade possui uma


importante contribuição no que diz respeito ao consumo de armas de
fogo, podendo ser usada tanto como instrumento de incentivo ao uso
quanto como forma de incentivo ao desarmamento da população. Para
aferir a possibilidade de tal relação, os autores fazem uma comparação,
ainda que simplista, do modus operandi da posse e da publicização
das armas de fogo, no Brasil e nos Estados Unidos. O material faz
referênciaao sucesso da campanha governamental brasileira que foi
relançada, em 2015, pela Polícia Militar de Pernambuco, com o intuito
de desarmar a população local.

O quarto texto põe em foco a regulamentação publicitária voltada para


as crianças. Nele, o tema é polemizado a partir de uma argumentação
que gira entre o desejo de uma publicidade infantil mais restritiva e o
desejo de uma maior liberdade de expressão para a publicidade nacional.
O público infanto-juvenil representa um conjunto de atores que é mais
vulnerável aos apelos das ações publicitárias. Tal fato faz da publicidade
voltada para o segmento um alvo de grande parte das denúncias
encaminhadas ao Conselho Nacional de Autorregulamentação
Publicitária (Conar), que é o responsável por julgar os casos envolvendo
toda a publicidade veiculada em território nacional.

No quinto texto, está em pauta a ostensividade publicitária, princípio


que aponta para a necessidade de as peças publicitárias apresentarem,
de fato, a aparência de um anúncio publicitário, sendo vetada, nos
8

materiais dirigidos para crianças e jovens, a versão conhecida como


merchandising da programação das mídias eletrônicas e digitais.
Em tempos de digital influencers, o texto traz três exemplos ricos,
com casos de sucesso,dentro de uma boa prática publicitária, mas
tambémcom casos de insucesso,em uma prática nem tão boa assim.
Com novos modelos comunicativos imperando no meio digital, a
atividade publicitária através dos publiposts tem caído na tentação
de burlar as normas de autorregulamentação, como, por exemplo,
a da ostensividade, como se a mudança de ambiente comunicativo
permitisse ao mercado mudar de postura normativa. Como aponta o texto,
em outras palavras: ostensividade é ostensividade em qualquer espaço.

O sexto texto debruça-se sobre o marketing parasitário e se propõe a


distinguir o plágio da imitação, e da mera inspiração. Plágio refere-se
ao fato de alguém apresentar algo como sendo uma criação própria,
quando, na verdade, esse algo foi copiado de outrem. A imitação, por sua
vez, acontece quando uma versão – neste caso de marcas, embalagens
ou rótulos – é uma cópia idêntica à original. Já a mera inspiração diz
respeito a uma similaridade referencial, mas personificada. O marketing
parasitário, ou concorrência desleal, acontece, no geral, quando uma
marca ou uma ação publicitária gera uma confusão, para o consumidor,
na identificação do produto anunciado com seu concorrente, com o fim de
obter sucesso nas vendas – à custa do prestígio alheio. No material, o autor
destaca casos de imitação e de mera coincidência do mercado publicitário.

O movimento politicamente correto na publicidade brasileira é o título


do sétimo texto. Aqui, os autores valem-se da noção do politicamente
correto, ou seja, do movimento que visa a evitar ofensas na propaganda
do país e a propor a apropriação apenas de referências que são
moralmente aceitas pela sociedade, para dissertar sobre os seus efeitos.
Se, de um lado, temos uma constante vigilância para que a publicidade,
no uso de sua liberdade, não propague pensamentos que reproduzem
os sistemas de inferiorização de certas minorias, de outro lado temos
9

a ideia do politicamente correto como uma censura à publicidade que


acaba por restringir a liberdade criativa e que “vê problema em tudo”. O
que fica claro, no texto, é que, para além da legislação publicitária, há a
necessidade de rigor e de sensibilidade, por parte do nosso maior órgão
de fiscalização – o Conar –, para com as demandas sociais vigentes. Mais
do que proteger leis, o órgão deve atualizá-las, protegendo o respeito
à dignidade da pessoa humana e o interesse social, não permitindo
que a propaganda atue de modo a favorecer qualquer espécie de
discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade.

O oitavo e o nono textos trabalham a publicidade brasileira a partir do


viés das questões de gênero. Em ambos os casos, são questionadas
peças publicitárias que configuram constrangimento e/ou discriminação
ao/à consumidor/a, ferindo os princípios da respeitabilidade e da
responsabilidade social. O nono texto, mais especificamente, apoia-se
nos Estudos Culturais, nos Estudos de Gênero e na Teoria Queer, além
do código que regulamenta a atividade publicitária brasileira, para
justificar que, por uma questão ética, tanto quanto legal, as decisões do
Conar têm sido proferidas com falta de rigor.

A par dos textos aqui selecionados, uma ressalva deve ser feita ao leitor.
Muito embora os termos publicidade e propaganda tenham origens
diferenciadas e sejam postos, por muitos autores, como conceitos
distintos – uma revela-se portadora de relações específicas com fins
comerciais, outra com fins ideológicos e políticos; uma seria não paga,
já a outra aconteceria de forma espontânea, sem necessariamente
acontecer de modo profissional, embora intencional –, perante a lei
os termos são sinônimos. Assim, o leitor perceberá, aqui, a utilização
dos dois termos para fazer referência ao mesmo significado. A Lei
4.680, de 18 de junho de 1965 – que regula o exercício da profissão
de publicitário –, o Código Brasileiro de Autorregulamentação
Publicitária, bem comoas normas padrão da atividade publicitária
absorvem o princípio da ética dos profissionais da propaganda e ditam
10

que “compreende-se por propaganda qualquer forma remunerada de


difusão de ideias, mercadorias ou serviços, por parte de um anunciante
identificado”. Desse modo, os termos, perante os códigos deontológicos
da atividade publicitária no país, designam a mesma tarefa e função:
divulgar, propagar, mesmo que esta tarefa eventualmente não tenha
sua replicação, distribuição realizada de forma não paga, bastando, para
tanto, a identificação do anunciante (considera-se também publicidade
os teasers, mensagens não identificadas que precedem uma campanha).

Como já dissemos, os objetos de estudo trazidos nesta coletânea


são diversos e, muitas vezes, polêmicos, uma vez que abordam
aspectos distintos da atividade publicitária. Tal iniciativa parece-nos
muito bem-vinda, pois amplia o escasso número de publicações que
se dedicam ao tema, enriquecendo e legitimando a existência do
campo como produtor de conhecimentos, bem como valorizando a
sua produção acadêmica, visando à boa prática da publicidade junto
aos/às seus/suas consumidores/as.
SUMÁRIO

PARÓDIAS E PARÁFRASES: UM RISCO PUBLIPOST X OSTENSIVIDADE: A


DUPLO DO DIREITO AUTORAL PUBLICIDADE DISFARÇADA DE OPINIÃO
Raquel Marques Carriço Ferreira Tiago Andrade Santana
Aguimario Pimentel Silva Luan Max Santana Viana
Gabriel de Góis Paula Raquel Marques Carriço Ferreira

A BELEZA FEMININA RETOCADA NA UMA ANÁLISE DE PLÁGIO DE RÓTULOS,


PUBLICIDADE: REGULAMENTAÇÃO EMBALAGENS E MARCAS DE BEBIDAS
PUBLICITÁRIA SOBRE O USO DE Rodolfo Samir Jesus da Silva
Raquel Marques Carriço Ferreira
EDITORES DE IMAGEM NA INDÚSTRIA
DOS COSMÉTICOS O MOVIMENTO POLITICAMENTE
Jackson de Souza
Raquel Marques Carriço Ferreira CORRETO NA PUBLICIDADE BRASILEIRA
José Érick Batista de Jesus
Rita Santos Romao
A AUTORREGULAMENTAÇÃO Raquel Marques Carriço Ferreira
PUBLICITÁRIA E O CONSUMO DE
ARMAS DE FOGO NO BRASIL E NOS EUA 
Nayara Amaral Araújo CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS
Davi Lopes Mota BRASILEIRAS ENVOLVENDO QUESTÕES
Raquel Marques Carriço Ferreira DE GÊNERO SOB A ÓTICA DO CONAR
Guilherme Ricardo Oliveira Alves
AÇÕES PUBLICITÁRIAS DIRECIONADAS Hellen Barros Lira
Raquel Marques Carriço Ferreira
PARA AS CRIANÇAS: UM ESTUDO DA
TELENOVELA CARROSSEL
Dhione Oliveira Santana UM ESTUDO DE CASO DAS DECISÕES
Álvaro Augusto Santos Santana DO CONAR SOBRE AS DENÚNCIAS
Rodrigo Menezes Silva DE MACHISMO E HOMOFOBIA NA
Raquel Marques Carriço Ferreira
PUBLICIDADE BRASILEIRA
Jônatas Breno Silva Santos
Edlaine Fernandes de Jesus Santos
Marlon Santos Gonçalves
Raquel Marques Carriço Ferreira
12

PARÓDIAS E PARÁFRASES:
UM RISCO DUPLO DO
DIREITO AUTORAL

Raquel Marques Carriço FERREIRA


Aguimario Pimentel SILVA
Gabriel de Góis PAULA

RESUMO

O presente trabalho discute os direitos autorais nas criações publicitárias


que se valem de paródias e paráfrases para sua formulação. Segundo a lei
que rege as normas relativas à proteção intelectual, paráfrases e paródias
ficam isentas da necessidade de autorização e de licença dos autores das
obras referenciadas no material publicitário. Na construção do discurso
publicitário, entretanto, as práticas imitativas acabam por tomar rumos
que não necessariamente são identificados como tais e, com isso,
demandas jurídicas são incitadas. A proposta deste artigo é apresentar
como o material publicitário construído a partir de associações de ideias,
alusões, adaptações e misturas de materiais tem sido interpretado pelos
profissionais da área legal. Casos reais são trazidos ao texto para ilustrar
como a produção publicitária vem se valendo desse método criativo e
como os ditames legais têm tratado a questão.

Palavras-chave: Direito autoral. Obra intelectual. Produção publicitária.


Paródia. Paráfrase.
13

Introdução
O mercado publicitário brasileiro registrou um total de R$ 129,9 bilhões
investidos em publicidade, no ano de 2016, segundo pesquisa da Kantar
IBOPE Media1. Além disso, é impressionante o destaque criativo que
a produção publicitária brasileira mantém no cenário internacional.
Apenas no biênio 2016-2017, o Brasil conquistou, no Festival
Internacional de Publicidade de Cannes (Cannes Lions International
Festival ofCreativity), 189 prêmios. Em 2016, conquistou 90 prêmios em
17 categorias diferentes (10 leões de ouro, 22 de prata e 58 de bronze).
O país ficou com a terceira posição no ranking geral da premiação. Em
2017, foram 99 prêmios (14 leões de ouro, 33 de prata e 52 de bronze),
ocupando, assim, a quarta posição no ranking geral2.

Muito embora de qualidade, a reconhecida criatividade publicitária


brasileira esbarra, vez ou outra, na normatização legal em relação à
propriedade intelectual das obras que esses materiais eventualmente
adaptam. Este é o objeto de análise deste trabalho e, para entrarmos
na questão, discutimos a seguir o processo criativo da elaboração de
materiais publicitários.

1 Fonte: <https://www.kantaribopemedia.com/pracas-janeiro-a-dezembro-2016/>.
2 Os dados relativos às premiações conquistadas pelos criativos brasileiros podem ser encontrados em
<https://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/brasil-ganha-99-leoes-no-festival-de-
-publicidade-de-cannes.ghtml> e em <http://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/>.
2016/06/brasil-conquista-90-leoes-em-cannes-e-almapbbdo-e-eleita-agencia-do-ano.html>.
14

Criação Publicitária
O processo criativo publicitário pode ser desenvolvido a partir de
poucas opções metodológicas. O método dedutivo é uma delas, uma
proposição clássica que fornece uma estrutura de tipos de experiências
potencialmente recompensadoras com um produto/serviço (sensorial,
racional, social, de satisfação pessoal), sendo tal condição o argumento
de venda da campanha publicitária. Além do argumento que está
calcado em uma proposição de venda, a mensagem publicitária
também será constituída segundo um tratamento estético, com duas
características: estilo e tom.

Para a base do tratamento da mensagem, os criativos também podem


se valer de estruturas preconcebidas. Isso significa que a mensagem
publicitária pode ser elaborada segundo a demonstração da coisa
anunciada por estilos entendidos como clichês, tais como uma situação
cotidiana (mostra-se uma ou mais pessoas usando o produto em uma
situação comum, como uma família sentada à mesa que consome uma
nova marca de margarina), um estilo de vida (mostra-se um produto
ajustado a determinado estilo de vida, como a de um anúncio de uísque,
no qual um homem simpático de meia-idade segura um copo de uísque
em uma mão e pilota seu iate com a outra), bem como tantos outros,
como o estilo musical, que conduzirá todo o desenvolvimento do filme
publicitário (filhotes da Parmalat).

A verdade é que o impacto da mensagem publicitária depende não


apenas do que é dito, mas também de como é dito, e os métodos descritos,
somados a outros propostos, não são, na maioria dos casos, mutuamente
excludentes. De fato, como acusam Barroso, Carrascoza e Guardia (2011,
p. 67), o processo criativo publicitário é desenvolvido pelos profissionais
de criação nas agências de propaganda por meio da bricolagem.
15

A criação publicitária, independentemente


de onde é produzida, concretiza-se, portanto,
como uma bricolagem – mistura de diferentes
materiais discursivos que constituem a memória
de uma cultura. Dessa arca, que reúne todo o
seu tesouro discursivo (em contínua expansão),
os publicitários extraem a matéria-prima de sua
criação, que resulta em novos discursos, depois
incorporados a esse repositório (BARROSO;
CARRASCOZA; GUARDIA, 2011, p. 67).

O que se expõe, aqui, é que os profissionais da criatividade publicitária


atuam cortando, associando, unindo e, segundo Carrascoza (2007),
editando informações que se encontram no repertório cultural da
sociedade. Assim, o método mais explorado nas agências de propaganda
de criação é o da associação de ideias. Esse modo de atuação, conhecido
como bricolagem, seria a “operação intelectual por excelência da
publicidade”, explica-nos o autor.

O uso da bricolagem no campo da estética é também considerado como


um ato kitsch da criação publicitária (cf. GIACOMINI FILHO, 2011, p.
219, ao referenciar Baudrillard) que, por sua vez, ostenta o equivalente
ao clichê. A prática do trabalho criativo publicitário compreende, de
igual forma, campos conexos como o da intertextualidade. Sobre isso,
Araújo (2004, p. 93 apud GIACOMINI FILHO, 2011) argumenta que os
discursos originários de uma esfera “[...] trazem, inevitavelmente, as
marcas e as finalidades do domínio do qual procedeu”:

[...] ao se refletir sobre práticas imitativas no discurso


publicitário, há de se considerar a transposição de
conteúdos de uma obra-referência para a obra-similar.
Essa transposição pode assumir diferentes conceitos que
se reportam à intertextualidade: “Na intertextualidade
há uma relação (alusão) com outros textos anteriores à
16

enunciação, onde o locutor de origem ou o locutor que


reporta podem ser citados ou não” (FARIAS, 1996, p.
117 apud GIACOMINI FILHO, 2011, p. 221).

Tal reconhecimento, por sua vez, é apontado por Cappo (2003) desde
outro viés, quando menciona que, não raro, os criativos recebem
orientação para utilizar trabalhos alheios como referência na
elaboração do material publicitário. Ele diz que, atualmente, “uma
análise dos comerciais de diferentes países mostra que as ideias criativas
são habitualmente copiadas ou adotadas” (CAPPO, 2003, p. 82). Tal
condição do processo criativo na produção publicitária põe em xeque,
então, os limites dos procedimentos entendidos como apropriados.

O método da bricolagem na publicidade é tema de discussões polêmicas,


quando o trabalho produzido é tratado sem o devido respeito ao direito
autoral da obra à qual o material publicitário se associou ou fez alusão. Os
procedimentos associativos ou, até mesmo, imitativos, na publicidade,
como bem colocado por Giacomini Filho (2011), são alvos de embates
quando ferem direitos, e os direitos postos aqui em destaque são os da
criação e os da execução pública das obras intelectuais protegidas3.

O conceito de obra intelectual é amplo. Segundo a lei nº 9.610, de 19


de fevereiro de 1998, “São obras intelectuais protegidas as criações do
espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte,
tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro”. A obra

3 Os direitos autorais são regidos pela Lei Federal nº 9.610, promulgada em 19 de fevereiro de 1998, que
veio reafirmar e ampliar os direitos de criação e execução pública de obras intelectuais. O Brasil também
assinou diversos tratados e convenções internacionais que representam o compromisso assumido pelo
país, perante a comunidade internacional, de respeitar e proteger os direitos autorais relativos aos di-
versos tipos de obras intelectuais. Dentre as principais normas internacionais, podemos destacar: a Con-
venção de Berna (Decreto 75.699, de 6.12.75); a Convenção de Roma, sobre direitos conexos (Decreto
57.125, de 19.10.65); o Acordo sobre aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao
Comércio – ADPIC (Decreto 1.355, de 30.12.94). Também estão protegidos pela Constituição Federal,
art. 5º, inciso XXVII, e pelo Código Penal, art. 184.
17

intelectual de que trata este texto surge, então, da exteriorização


de uma “criação do espírito”. Tal criação apresenta-se na forma de
materiais sonoros, musicais, textuais, coreográficos, fotográficos,
ilustrativos, enfim, toda obra que possa servir de orientação para a
criação publicitária e que seja regida pela lei de proteção autoral.

Como já exposto, a prática da elaboração criativa publicitária se dá segundo


a assimilação de elementos de outras referências e de outras obras, mas
com certas adaptações (sonoras, textuais, fotográficas, ilustrativas etc.),
daí a causa de alguns enganos e erros na sua construção. Tais condições,
sob o aspecto legal, têm consequências previsíveis e, no que tange a isso, é
valido ponderarmos sobre as indicações da legislação pertinente.

Aspectos legais importantes para a produção publicitária


Segundo o texto da Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, autor é o
criador intelectual de uma obra. Assim, toda e qualquer referência
feita, na produção publicitária, a outras obras necessita, a princípio,
da consulta ao seu criador. A proteção intelectual é um conjunto de
normas jurídicas que visam a proteger as relações entre o criador e as
suas obras. Para efeitos legais, o direito autoral é concebido em duas
vertentes: os direitos morais e os direitos patrimoniais.

Os direitos morais são os laços entre o autor e a sua criação, sendo


este inalienável, intransferível, imprescritível e irrenunciável (art. 27).
Os direitos patrimoniais, por sua vez, referem-se às possibilidades de
exploração econômica da obra, que é tida como um bem e, por isso, pode
vir a ser comercializada. Hammes (1998, p. 61) disserta sobre o assunto:

[...] de maneira genérica, a obra pertence ao autor.


É dele. Consequentemente tem todos os direitos
decorrentes do direito de propriedade. Pode
utilizá-la com exclusividade, pode permitir ou
não permitir que outros a utilizem. A sua vontade
18

determina o que acontece com a obra, quem e


como a utilizará. Qualquer utilização depende
de sua autorização. As formas de utilização são
numerosas. A técnica moderna traz, cada dia,
novas formas de utilização de obra.

Segundo o texto da lei, o titular dos direitos autorais poderá colocar


a obra à disposição do público, na forma, no local e pelo tempo que
desejar, a título oneroso ou gratuito. É ele quem decide quando e por
quem a obra poderá ser utilizada, no todo ou em parte, por meio de
licença. Também nesse contexto, há os chamados direitos conexos ou
vizinhos, que, além dos direitos denominados “principais”, existem
legalmente para proteger intérpretes, executantes e correlatos:

Os direitos conexos, embora possuam a mesma


estruturação jurídica e prazo de proteção dos
direitos de autor (...) não têm qualquer relação com
a criação ou elaboração da obra intelectual, mas,
sim, com a sua interpretação, com a roupagem
conferida à obra pelo intérprete ou executante,
através de sua efetiva comunicação em locais de
frequência coletiva (GUEIROS, 1999, p. 51).

Nesse sentido, tanto a obra quanto a sua interpretação são protegidas


por lei, sendo necessário que aqueles que pretendem valer-se da
obra estejam atentos aos direitos de exploração da mesma. Outra
consideração importante é que a proteção da obra é condição natural e
automática da sua criação e da sua exposição. Uma vez exteriorizada a
obra, inicia-se a sua proteção legal, independentemente do registro. A
lei que rege o assunto diz que a formalidade do registro é dispensável.
De modo geral, presume-se o criador como o seu legítimo titular,
sendo o autor aquele que comprova ter primeiramente produzido o
material em questão. Apenas por medida de cautela, é recomendável
que os interessados registrem os direitos autorais sobre suas obras
19

intelectuais, para que isto sirva como prova segura da autoria, sendo o
registro efetuado segundo a natureza da obra.

Nos termos da legislação, o direito de exploração econômica da obra


intelectual perdura por toda a vida e se encerra em setenta anos
posteriores à morte do autor. Logo, o direito de autoria sobre a obra
tem caráter provisório. Cessando a proteção de utilização econômica
da obra, ela cai em domínio público, sendo dispensável qualquer
autorização para o exercício de qualquer direito relativo a ela. Assim
dispõe o artigo 41 da lei dos direitos autorais: “Os direitos patrimoniais
do autor duram por toda a vida e por mais setenta anos contados de
1° de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento, obedecida a
ordem sucessória da lei civil” (BRASIL, 1998). Assim, decorrido o prazo
de proteção dos direitos autorais, não se pode impedir o uso da obra
para qualquer fim.

Paródias, paráfrases e direito autoral


na produção publicitária
Após a discussão dos procedimentos da bricolagem nas agências de
propaganda, a partir das operações de associação, adaptação, alusão
etc., deteremos nossa atenção em alguns casos específicos de paródias
e de paráfrases que podem ser verificados em produções da indústria
criativa publicitária.

Segundo o dicionário Aurélio, a paródia é uma imitação cômica de uma


composição literária, uma imitação burlesca (FERREIRA, 2005). A paródia
surge a partir de uma nova interpretação, da recriação de uma obra já
existente. Ela não necessita de autorização prévia do autor, como está
descrito no dispositivo legal da lei supracitada, em seu artigo 47: “São
livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções
da obra originária nem lhe implicarem descrédito” (BRASIL, 1998).
20

A paráfrase, por sua vez, também é citada no texto da lei. Esta, por
essência, refere-se à interpretação de um texto com palavras próprias,
mantido o pensamento do original: do grego para-phrasis (repetição de
uma sentença), a paráfrase imita o original. Parafrasear um texto é repeti-
lo com outras palavras, mas sem alterar suas ideias. A paráfrase é um novo
enunciado ou texto que remete à formulação de origem, mas através da
utilização de outros recursos de linguagem. Por esse motivo, segundo a lei,
ela não se pode assemelhar verdadeiramente à obra original.

Um exemplo de paráfrase na criação publicitária pode ser verificado


numa comunicação da Companhia de Saneamento Básico do Estado
de São Paulo (Sabesp), que utiliza as linguagens verbal e visual em seu
anúncio (CARRASCOZA, 2007). Este alude às campanhas dos sabonetes
Lux, visualmente, quando o anúncio se apresenta com a imagem de
um sabonete dessa marca, e textualmente, quando se posiciona de
forma similar ao famoso slogan da marca: “Se não existisse a Sabesp, 9
entre 10 estrelas do cinema não tomariam banho4”. Para produzir uma
paráfrase, portanto, é preciso produzir ecos do discurso de origem, mas
reproduzindo de outra forma esse discurso.

Apesar do exposto, há ainda muita confusão sobre o que, no material


publicitário, pode ser considerado como paródia ou como paráfrase e,
ainda, quais são os seus limites. Giacomini Filho (2011, p. 232) trata a
paródia do seguinte modo:

Conteúdo estético que imita, de forma irônica e


evidente, obra alheia. [...] um tipo de sátira caracterizada
por imitação que ironiza um trabalho em particular
ou o estilo de um determinado autor. [...] Apresenta
cinco características: 1. é utilizada numa campanha
promocional que precisa focar seu comentário ou

4 Do original: “9 entre 10 estrelas do cinema usam LUX”.


21

irreverência de maneira clara, para explicitar que


essa ação foi autorizada e para o público reconhecer
esse tipo de ação; 2. a paródia precisa limitar o uso
do trabalho original, de forma que use apenas as
características que forem essenciais para as pessoas
lembrarem do original; 3. a paródia precisa conter uma
considerável dose de originalidade, de forma que seja
significativamente diferente do original; 4. decorre de
trabalhos e marcas originais, com forte identidade no
mercado, pois as campanhas publicitárias, imagens
e marcas fortes têm seus pontos fortes e fracos
conhecidos e difíceis de serem banalizados pela
paródia; 5. a paródia não pode reposicionar a demanda
meramente mudando o público-alvo do trabalho
original, ou seja, a paródia não pode depreciar o
mercado da marca ou trabalho original.

Em seu artigo “Políticos, jingles e direito autoral”, Moraes (2010)


complementa:

Para o Direito Autoral, paródia traduz a ideia de


humor, sátira. É permitida, conforme dispõe o
mencionado art. 47. Ela satiriza pessoas ou fatos.
O programa humorístico Casseta& Planeta, por
exemplo, utiliza bastante esse recurso da imitação
burlesca. É de sua essência o fim satírico ou
jocoso, que provoca o riso. [...] Em outras palavras,
a paródia consiste num limite ao exercício da
prerrogativa extrapatrimonial de respeito à obra. O
parodista não precisa, pois, pedir prévia e expressa
autorização do autor da obra parodiada.

O que diferencia paródia e paráfrase é que, embora ambas sejam novas


interpretações da obra original, com certa limitação à essência da
obra, a primeira toma partido do estilo cômico, brincalhão, irônico,
enquanto a segunda parece ser legítima apenas quando nasce de
22

uma releitura com novas apropriações5. Ambas são admitidas por lei,
sem a necessidade de solicitação da permissão legal de uso da obra
referenciada, ainda que esta condição seja controversa. Vejamos alguns
casos específicos verificados no domínio publicitário.

O primeiro deles diz respeito à propaganda eleitoral. Com a campanha


política para a presidência do Brasil, em 2002, o PSDB (Partido da Social
Democracia Brasileira) foi condenado a pagar uma indenização no valor
de mais de R$ 110 mil ao autor da música “Lula lá”, Hilton Acioli,
por ter usado o seu tema musical, sem autorização, na campanha de
José Serra à presidência da República (MATSUURA, 2008). Para o juiz
Vitor Frederico Kümpel, da 27ª Vara Cível Central de São Paulo, houve
violação dos direitos patrimoniais do autor da música. Este sustentou,
na ação, que os marqueteiros do PSDB valeram-se da fama da música,
criada a pedido do PT (Partido dos Trabalhadores) na campanha de Lula
em 1989, para valorizar a campanha presidencial de José Serra. Disse,
ainda, que a música está devidamente registrada, nos termos do artigo
21 da Lei 9.610/98, e que, para usá-la, seria preciso pedir autorização, o
que não foi feito à época.

5 Essa posição com relação à paráfrase é bastante polêmica. Há quem entenda que a paráfrase se ca-
racterize por uma condição didática, há quem julgue que ela possa vir a assumir uma condição poética,
linguagem passível de ser reproduzida em uma mensagem publicitária. Por definição, Helena Beristáin
afirma que a paráfrase é o enunciado que descreve o significado de outro enunciado, ou seja, é um
acréscimo explicativo, produto da compreensão ou da interpretação; uma espécie de tradução da lín-
gua para a mesma língua, pois o significado é equivalente, mas se manifesta mediante um significante
distinto, um sinônimo, já que a paráfrase é metalinguística (…). Em outra acepção, paráfrase é a inter-
pretação livre e geralmente ampliada de um texto. Pode se dar a partir de obras escritas na mesma
língua ou em outras. Pode ter propósito didático ou literário. No primeiro caso, reduz os tropos, quer
dizer, explica-os, verte o sentido figurado das expressões para um sentido literal; traduz a linguagem
conotativa para uma linguagem denotativa. No segundo caso, trata-se da recriação poética do mesmo
tema, pela qual os tropos do original podem assumir outros tropos na paráfrase (BERISTÁIN, 2006 apud
BARROSO; CARRASCOZA; GUARDIA, 2011, p. 78).
23

Dada a condição, o autor da obra musical pediu indenização por


danos morais e materiais. Em sua defesa, o PSDB alegou que não
tinha legitimidade para responder ao processo, pois foi a Casablanca
Comunicação & Marketing que recriou a música de Hilton Acioli.
Sustentou, ainda, que essa é uma prática recorrente entre os
profissionais da propaganda nas campanhas eleitorais, e que a canção
não configurava plágio de forma alguma. Ouvidos pelo juiz Vitor
Frederico Kümpel, os publicitários do partido disseram que foi “apenas
uma paródia, uma gozação”. O juiz, então, baseou-se em um laudo
técnico para decidir. O parecer esclareceu que não se tratava apenas
de um jingle, “mas da música oficial (tema) da campanha presidencial
do PT no ano de 1989”, e que a situação criada na propaganda de Serra
não tinha, de forma alguma, tom humorístico: “Em que pese toda a
imaginação e criatividade do réu em utilizar, dessa forma, trechos da
obra do autor, essa estratégia foi infeliz na medida em que não houve
autorização por parte do autor, criador e titular dos direitos da obra”,
concluiu o juiz (MATSUURA, 2008).

Como o caso da obra em litígio não se caracterizava por paródia, o juiz


fixou condenação no valor de R$ 56.250,00 por danos morais e mais R$
56.250,00 por danos materiais. É interessante observar que a acepção
dicionarizada da palavra “paródia” foi fundamental para a decisão do juiz.
A interpretação do mesmo ajuda-nos a reforçar que a paródia deve ter um
aspecto cômico. A simples criação de um jingle, que apenas altera a letra
de uma canção, não irá torná-la uma paródia. As características verdadeiras
da paródia devem estar minimamente presentes no material publicitário.

Situação semelhante, em que o plágio é defendido como paródia no âmbito


publicitário, pode ser observada no imbróglio que envolveu a “Telelista
– a lista telefônica do Brasil” e sua agência, a 100% Propaganda, caso
comentado por Toaldo (2006, p. 145) e recolhido do boletim do Conar
(Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) de nº 156
(mar.–abr./03, p.8). As autoras da denúncia, Multibras e Talent, acusaram
24

as denunciadas de copiarem o bordão “Não é nenhuma Brastemp” no


slogan “Não é nenhuma Telelista”. Segundo as empresas, havia uma total
repetição do formato, apelo e estrutura dos filmes da Brastemp.

A campanha da Telelista tem, sentado em um sofá,o seu protagonista,


que, num estilo testemunhal, se queixa por ter utilizado o produto/
serviço de um guia telefônico que não o ajudou a satisfazer as suas
necessidades de informação, não resolvendo, dessa forma, seu problema.
No final do filme, o protagonista reconhece, em tom de conformação,
que “...também, o guia não era assim nenhuma Telelista”. Desse modo,
destacou-se a cópia do modelo de estrutura, de conteúdo e de estilo
dos comerciais de televisão da marca Brastemp, que foi transferido para
a campanha de publicidade de outro produto:

A adoção de uma mesma abordagem já utilizada


por outra marca tem o objetivo de associar-se a
esta marca e a sua abordagem por motivos como:
serem conhecidas, lembradas pelos receptores;
terem agradado a um determinado público;
serem utilizadas como jargão (...). Busca-se, assim,
tornar a marca, que se utiliza da estratégia da
concorrência, lembrada e reconhecida pelo receptor
mais facilmente pela referência feita e/ou polêmica
gerada (se for o caso) (TOALDO, 2006, p.147).

De fato, no mercado publicitário, tal situação é entendida como a técnica


do “pegar carona” no sucesso da ideia criativa do outro, aponta Toaldo.
A desculpa pela adoção da ideia criativa, já largamente disseminada,
recaiu sobre o argumento da “brincadeira”, da promoção do humor
e do riso, enfim, do uso da abordagem paródica sobre a obra criativa
original. A denunciada, valendo-se do argumento da “paródia”, técnica
persuasiva permitida no desenvolvimento das peças publicitárias,
teve seu comercial sustado pelo Conar em função da verificação da
improbidade do mesmo. O caso foi entendido pelo Conar como mera
cópia da obra original, sendo vetada, assim, a veiculação do filme.
25

O uso indevido da obra intelectual (ou de parte dela), na produção


publicitária, fere a lei dos direitos autorais com mais frequência do
que o imaginado. No ano de 2011, outro caso importante ligadoao
assunto chegou às mãos do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu
que Pedro Marcílio Barichello, um dos autores da canção “Roda, roda,
roda”, vinheta do programa televisivo Cassino do Chacrinha, deveria
receber ressarcimento por danos ao direito do autor, já que sua música
foi utilizada com a letra alterada em um comercial da rede Carrefour,
veiculado em 2004, sem licença ou pagamento prévio.

Em ação de reparação por danos materiais e morais


ajuizada pela editora Irmãos Vitale S/A Indústria
e Comércio e por Pedro Barichello, a rede de
supermercados foi condenada ao pagamento de
danos materiais por utilização indevida da obra, a
serem apurados em liquidação de sentença, além de
ficar impedida de veicular a propaganda ou utilizar
a música sem autorização, sob pena de multa diária
de R$ 1.000. O pedido de indenização por danos
morais formulado pelo autor da canção foi julgado
improcedente. Ao julgar a apelação, o Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) reconheceu o dano
moral, fixando a indenização em R$ 50 mil (BRASIL
- Superior Tribunal de Justiça. Decisão do Processo
REsp 1131498. Publicada em 02/06/2011).

Em sua defesa no Recurso Especial, o Carrefour sustentou que utilizou


apenas um pequeno trecho da música “Roda, roda, roda”, e que, mesmo
assim, com a letra modificada para o comercial de televisão, sem ter havido
“verdadeira reprodução” ou alteração que provocasse descrédito, conforme
o disposto no artigo 47 da Lei 9.610/1998. Interessante, neste caso, foi
que o relator, ministro Raul Araújo, esclareceu que alguns doutrinadores
entendem que, mesmo no caso de paráfrases e de paródias, é necessária
prévia autorização do autor da obra original, interpretação baseada no
artigo 29, inciso III, da Lei de Direitos Autorais. Outros doutrinadores, porém,
26

afirmam que as paráfrases e as paródias dispensam a prévia permissão do


autor. De qualquer forma, para o caso em questão,

Ainda que se adotasse o segundo posicionamento,


verifica-se que na hipótese dos autos a letra
original da canção foi alterada de modo a atrair
consumidores ao supermercado da ré, não havendo
falar em paráfrase, pois a canção original não foi
usada como mote para desenvolvimento de outro
pensamento, ou mesmo em paródia, observou o
ministro. Ele considerou que a obra “foi deturpada
para melhor atender aos interesses comerciais do
promovido na propaganda” (BRASIL – Superior
Tribunal de Justiça, 2011).

Ou seja, a transformação da obra original, segundo Raul Araújo, não


se deu de forma a caracterizá-la como paráfrase ou paródia, mas
apenas como publicidade, condição esta que exige, segundo a lei do
direito autoral, consulta prévia às pessoas que possuem os direitos
de exploração patrimonial da obra. Ainda, o Carrefour foi penalizado
por danos morais, já que o relator entendeu que, para além do dano
patrimonial, houve dano à propriedade intelectual da obra, que, por sua
vez, é inalienável, irrenunciável e imprescritível. Dessa forma, o ministro
Raul Araújo negou o recurso do Carrefour e manteve o valor de indenização
por danos morais: “De fato, se a canção foi alterada de forma desautorizada,
sendo utilizada e divulgada de forma diversa da concebida pelo autor, este
detém direito à reparação por danos morais, pois foi violado o direito à
intangibilidade da obra” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2011).

Como já anteriormente exposto, o uso de associações de ideias na


produção publicitária é um procedimento relativamente comum. As
canções, expressões populares, clichês e cenas de filmes de sucesso têm
constituído múltiplas possibilidades criativas de referência em anúncios
e filmes publicitários. O uso desses elementos baseia-se na ideia de que
27

parte do público receptor da mensagem seja já conhecedor da obra


referente e, assim, o processo de associação do produto anunciado com
a situação figurada facilitaria a memorização da mensagem. O que a
paródia, na produção publicitária, proporciona, de fato, é a recuperação de
uma memória já construída pelo público-alvo da mensagem. O acréscimo
do estilo cômico ou humorístico atrai a atenção necessária do receptor
para o consumo da mensagem publicitária até a sua finalização,bem
como facilita a associação dos valores expostos no material publicitário.

Técnicas como a da paródia, embora tenham grande efeito junto ao


público consumidor, devem ser operadas à luz das condições impostas
por lei, especialmente a que rege os direitos autorais (Lei 9.610/98). A
ausência de tal observância implica plágio. Segundo Janowski (2004), o
plágio é o ato de usar o trabalho de alguém sem conceder o devido crédito
e/ou sem pedir a autorização para uso, o que constitui crime de propriedade
intelectual. O plágio ocorre quando a produção publicitária faz referência a
outra obra, de modo a não se caracterizar como paráfrase ou paródia, e esta
primeira, a obra referenciada, encontra-se protegida pelos direitos autorais.

Se o autor não autorizar o uso da obra ou de parte dela, a produção


secundária será muito provavelmente considerada cópia. Outrossim,
não obstante a existência dos equívocos cometidos por profissionais da
área publicitária, podemos levantar outros casos que ilustram, por sua vez,
o sucesso da utilização de técnicas como a da paródia, em consonância com
as indicações legais relativas aos direitos da propriedade intelectual.

Os filmes publicitários da lã de aço Assolan podem representar a


produção publicitária que se vale tanto da construção burlesca para
apresentar seus produtos quanto das condições legais vigentes para
consolidar vantagem a seu favor. A Assolan precisou inovar para aparecer
em um mercado dominado pela comunicação da marca concorrente,
a Bombril. Certo era que a Assolan necessitava chamar a atenção dos
seus potenciais consumidores com um material publicitário diferente.
28

Em 2002, segundo Melo (2011), a empresa não faturava mais que R$ 30


milhões. A partir de 2003, filmes publicitários parodiados das canções da
“moda”, no Brasil, num tom bem humorado, consolidaram a marca, que
buscava novos mercados. A primeira música parodiada foi “Ragatanga”, do
grupo Rouge, em 2003. O trecho original “Ele dança, ele curte, ele canta
/ Aserehe / ra de re / de hebe tu de hebere / Seibiunoubamahabi / an de
buguian de buididipi” foi substituído, na paródia, por “Ela limpa, facilita,
ela brilha / É Assolan / Passou, limpou / panelas, azulejos, facas, copos,
frigideiras / forno, fogão, pias, pratos e metais”. O filme publicitário, de
apenas 30 segundos, tem início com um carro de luxo em movimento e
cercado por fãs histéricos. No carro, encontra-se o rótulo do produto,
personagem símbolo da Assolan, que, feito em animação, ganha vida e
personalidade. Ele está sentado entre duas mulheres que acenam para
os fãs que cercam o automóvel. Em seguida, a embalagem está no palco,
cantando e dançando para um grande público. Em destaque, surge o
slogan “O Fenômeno”. Na cena seguinte, são mostrados consumidores
comprando o referido produto no supermercado.

A intenção da agência África, criadora dos comerciais da Assolan, era


relacionar o sucesso que tocava à exaustão nas rádios ao produto que, à
época, desejava buscar seu lugar no mercado, de maneira que, quando
o consumidor escutasse a música original, lembrasse-se do produto. De
fato, tal operação surtiu efeito: a participação da Assolan no mercado de
lã de aço passou de 9%, em 2002, para 27%, em 2003 (MELO, 2011). Para
que não houvesse problema algum relacionado à apropriação da obra
musical, o grupo Rouge foi contatado e um acerto foi feito: seriam elas, as
próprias artistas, que gravariam as paródias das canções do grupo.

O segundo filme publicitário cuja canção “mote” da peça foi destaque


referenciava, em tom paródico, a música “Festa no apê”, do artista
Latino, em 2005. Os versos originais “Hoje é festa lá no meu apê /
Tem birita até amanhecer / Chega aí, pode entrar / Quem tá aqui tá
em casa” foram transformados em “A família não para de crescer /
29

usou, passou, limpou / É Assolan fenômeno / Lãs de aço, tem esponjas


/ Panos multiuso, saponáceos”. A marca havia aumentado a sua linha
de produtos, e o objetivo principal da letra da paródia era divulgar
tal diversidade. O filme seguia a mesma linha do antecessor, com o
mascote, produzido em animação, atuando novamente como destaque.

Em 2007, a agência MPM passou a atender a marca Assolan, seguindo


o mesmo modelo adotado nas campanhas publicitárias anteriores, e
contratou a banda Calypso para se autoparodiar. Além disso, contratou
a banda Parangolé, em 2009, para uma campanha na qual o sucesso
“Rebolation” tornar-se-ia “Assolation”.

Segundo Melo (2011), a Assolan possui, devido ao seu esforço


publicitário, um faturamento em torno de R$ 250 milhões. Para
ele, é inegável que os filmes produzidos foram fundamentais para a
popularização da empresa, popularização esta adquirida pelo sucesso
das canções que embalaram os comerciais. Para os artistas, além do
cachê – não divulgado –, houve o ganho de ainda mais espaço na mídia,
através das paródias. De tal forma, a marca beneficiou-se da apropriação
das obras musicais que faziam sucesso, bem como os próprios grupos
autores das canções ganharam destaque na mídia. Soma-se a isso, é
claro, o retorno financeiro propiciado pela exploração da obra original.
30

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Canções, clichês, cenas de filmes, expressões populares propagadas
por inúmeras fontes ou mesmo pela própria publicidade têm servido de
referência para novas formas de anúncios e de filmes publicitários. Tal
processo associativo tem a finalidade de “pegar carona” no sucesso da
obra referente e facilitar a aceitação e a lembrança do produto/serviço
divulgado, através do recurso a uma memória discursiva compartilhada
pelos indivíduos no meio social. É a exploração dessa memória comum
que se encontra na base do processo que aqui exploramos.

O tratamento desse material discursivo de modo cômico ou jocoso,


como no caso do uso do recurso paródico, ou até mesmo no estilo poético,
como no caso da paráfrase, arrebataria a atenção do interlocutor potencial
da mensagem, além de que possibilitaria, aos produtores do material
publicitário, a dispensa do pedido de autorização do uso da obra aludida.

O problema, entretanto, encontra-se no reconhecimento desses recursos


(paródia e paráfrase) por parte dos profissionais da comunicação,
bem como por parte dos profissionais da área jurídica que avaliam as
demandas originadas por processos de violação dos direitos morais e
patrimoniais do autor da obra original.

No caso da paráfrase, como visto, duas possibilidades se apresentam como


legítimas: a imitação do original com outros recursos de linguagem, ou
seja, o conteúdo retomado de forma diferenciada (didaticamente falando,
por isso, na maioria das demandas estudadas, nenhum acusado se defende
utilizando o argumento do amparo à paráfrase); ou o recurso poético. De
qualquer forma, o material secundário não pode ser igual à obra original,
ao mesmo tempo em que não pode alterar as ideias iniciais da obra.

No caso Sabesp x sabonetes Lux, do original “9 entre 10 estrelas


do cinema usam LUX”, que inspirou a formulação “Se não existisse
31

a Sabesp, 9 entre 10 estrelas do cinema não tomariam banho”,


acreditamos que a ausência de um processo judicial deu-se apenas
porque a produção publicitária da Sabesp acabou por enaltecer e
maximizar a exposição do produto da marca Lux. Do contrário, segundo
a prática judiciária estudada, muito provavelmente a Sabesp e sua
agência poderiam perder uma suposta ação devido à “alteração das
ideias” iniciais da obra aludida.

Os processos judiciais correlatos ao direito do autor que envolvem o


argumento da paródia na produção publicitária foram as situações mais
recorrentes verificadas em nosso estudo. Os casos mais corriqueiros
são de ações publicitárias que imitam alterando parte da letra de uma
canção/texto ou, ainda, parte da estrutura e do estilo para torná-los
material de divulgação. Esquece-se, neste processo, na maioria das
vezes, que a essência da paródia é o humor, o burlesco. Casos como o
do partido PSDB (2002), que se apropriou do trecho da música de outro
partido, o do Carrefour (2004), que fez o mesmo com a música “Roda,
roda, roda”, ou até mesmo o da Telelista (2003), que se apropriou
da estrutura, do estilo e doslogan “Não é nenhuma Brastemp”, sem
licença ou pagamento prévio, foram casos condenados6 por não terem
sido reconhecidos verdadeiramente como paródia.

Como já apontado, alguns doutrinadores entendem que casos como os


das paráfrases e das paródias devem ter prévia autorização do autor da
obra original. Tal interpretação está baseada especialmente no artigo
29, inciso III, da Lei de Direitos Autorais, que acusa que a adaptação,
o arranjo musical e quaisquer outras transformações dependem da
autorização expressa do autor da obra. De fato, o artigo 29 vem de
encontro ao artigo 47, este último indicando o limite do direito do
autor quando a obra secundária configura uma adaptação de tipo
parafrástico ou parodístico.

6 No caso da Telelista, o material foi sustado pelo Conar.


32

Isso significa, enfim, que a própria lei, nesse sentido, apresenta uma
contradição que abre margem para a contestação de peças publicitárias
baseadas em paródias ou paráfrases. De qualquer forma, os casos
mencionados acima não conseguiram comprovar a adaptação da obra
original na condição de paródia, como defendido pelos próprios acusados.

Tal cuidado, na produção publicitária, é essencial para que sejam


evitados problemas legais. Assim, destacamos, baseados em nossos
estudos, a importância de o produtor do material publicitário que
referencia outra obra – que esteja protegida pelos direitos autorais
(cujo autor esteja vivo ou, se falecido, que se tenham passado setenta
anos) – procurar autorização prévia, para assim evitar conflitos no que
se refere à normatização legal estabelecida.

Podemos notar, então, com o presente estudo, que a própria disposição


da lei do direito intelectual da obra dá lugar a diferentes interpretações
(diferentes leituras) em relação à possibilidade do uso até mesmo
parcial da obra construída através de paráfrase ou paródia. Apesar
do exposto, é possível evitar problemas com a produção publicitária
construída à moda da bricolagem que adota o estilo paródia/paráfrase
em dois casos: (1) quando se solicita formalmente, aos autores da obra
referenciada, a devida autorização para seu uso; (2) quando se garante
que a produção publicitária encontra-se efetivamente caracterizada
por um traço parafrástico ou parodístico.

Sobre este último aspecto, podemos ainda citar um caso de paródia


muito bem-sucedido, produzido recentemente pela Volkswagen para
o carro Passat (2012), chamado “A força – The force”. Com uma
narrativa do tipo clímax7, o comercial de 60 segundos utilizou-se da

7 A apresentação do produto, argumento fundamental do filme, se dá apenas no final do material


publicitário. O filme foi veiculado no mercado norte-americano, podendo ser assistido no endereço:
<http://www.youtube.com/watch?v=oKXa8R4417g>.
33

referência pop Guerra nas estrelas (Star Wars), com seu personagem
icônico Darth Vader e com a trilha característica do filme original. O
intuito foi caracterizar a tipologia da família feliz e bem sucedida que
possui o automóvel em questão. No filme, uma criança fantasiada do
personagem Darth Vader surge em cena tentando usar a sua “força” de
controle mental sobre os objetos, tal como na série original. Fazendo o
gesto característico do uso da “força”, o pequeno Darth Vader utiliza-a
contra uma série de objetos na casa: bicicleta ergométrica, boneca,
máquina de lavar roupas e até mesmo o cachorro, não obtendo, por
resultado, sucesso algum. Frustrado, o garoto dirige-se à parte externa
da casa, no mesmo momento em que seu pai chega dirigindo o novo
Passat. Ignorando o abraço do pai, o garoto tenta mais enfaticamente
seu controle mental sobre o automóvel. Ele fica de frente para o Passat
e faz o gesto do uso da “força” (referência ao produto original). A trilha
chega a seu clímax e é bruscamente interrompida, ocasionando o
ápice do suspense provocado. O carro, enfim, manifesta-se ao acionar
o alarme e ao piscar os faróis dianteiros, assustando o protagonista do
filme, que imagina que seu poder mental finalmente funcionou.

Na tomada seguinte do filme, aparece o pai, na janela da cozinha,


acionando o alarme, acompanhado pela mãe que também observa a
cena, para o encantamento do garoto. Na cena final, logicamente, o
automóvel é destacado. Muito embora com referências claras a uma
obra de sucesso do cinema hollywoodiano, o filme publicitário baseia-
se em uma imitação irreverente que se distancia do seu original.
Ele é, de fato, uma adaptação com considerável dose de inovação,
além de não depreciar o trabalho original. Dessa forma, a produção
publicitária garantiu para si os requisitos mínimos necessários para
o seu reconhecimento enquanto paródia, conforme as indicações da
legislação à qual fizemos referência no decorrer do estudo.
34

REFERÊNCIAS
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.

BARROSO, C. L.; CARRASCOZA, J. A.; GUARDIA, M. L. G. Paráfrase e memória:


estratégias persuasivas do discurso publicitário contemporâneo. Comunicação,
mídia e consumo, São Paulo, ano 8, vol. 8, n. 22, p. 65-98, jul./2011.

BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida


a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Diário Oficial [da]
Republica Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 20 fev. 1998.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Decisão do Processo REsp 1131498. Relator:


Ministro Raul Araújo. Disponível em: <www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/
engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=102064>. Acesso em: 15 mar. 2012.

CAPPO, J. O futuro da propaganda. São Paulo: Cultrix, 2003.

CARRASCOZA, J. A. Processo criativo em propaganda e intertextualidade.


INTERCOM 2007 - CONGRESSO BRASILEIRO DE CÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO,
30., 2007, Santos. Anais... Santos, SP: Intercom, 2007, p. 1-15.
Disponível em: <http://professor.pucgoias.edu.br/SiteDocente/admin/
arquivosUpload/12031/material/Processo%20criativo%20em%20
propaganda.pdf>. Acesso em: 12 out. 2018.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Júnior: dicionário


escolar da língua portuguesa. Curitiba: Positivo, 2005.

GIACOMINI FILHO, G. Tipologias de imitação estética na propaganda. Revista


Matrizes, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 216-238, jan./jun. 2011.

GUEIROS JR., N. O direito autoral no show business. Rio de Janeiro: Gryphus, 1999.

HAMMES, B. J. O direito da propriedade intelectual: subsídios para o ensino.


São Leopoldo, RS: Unisinos, 1998.

JANOWSKI, P. How to handle plagiarism: new guidelines. EUA: IEEE – Institute


of Electrical and Electronics Engineers, 2004.

MATSUURA, L. PSDB é condenado por usar música de Lula em campanha de


Serra. Consultor Jurídico, São Paulo, 3 jun. 2008. Disponível em: <www.conjur.
com.br/2008-jun-03/psdb_condenado_usar_musica_lula_autorizacao>.
Acesso em: 02 dez. 2011.
35

MELO, M. Assolan, 2011. Caso de sucesso. Disponível em: <www.


casodesucesso.com/? conteudoId=39 >. Acesso em: 04 jan. 2012.

MORAES, Rodrigo. Políticos, jingles e direito autoral. União Brasileira de


Compositores, Rio de Janeiro, 30 jul. 2010. Disponível em: <http://www.ubc.
org.br/publicacoes/noticias/479>. Acesso em: 21 mar. 2018.

ROCHA, Everardo P. Guimarães. Magia e capitalismo: um estudo antropológico


da publicidade. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1990.

TOALDO, M. Aspectos éticos da comunicação publicitária: a promoção de bens


das relações humanas. In: DEMARTINI, Neusa (Coord.). Fronteiras da publicidade:
faces e disfarces da linguagem persuasiva. Porto Alegre: Sulina, 2006.
36

A BELEZA FEMININA RETOCADA NA PUBLICIDADE:


REGULAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA SOBRE
O USO DE EDITORES DE IMAGEM NA
INDÚSTRIA DOS COSMÉTICOS

Jackson de SOUZA
Raquel Marques Carriço FERREIRA

RESUMO

O padrão da beleza feminina é massivamente ratificado pela mídia em


nosso dia a dia, e o corpo perfeito foi idealizado e chancelado com o apoio
de inúmeras peças publicitárias da indústria cosmética.Estase utiliza,
muitas vezes de modo exagerado, de editores de imagens que distorcem
os possíveis efeitos de medicamentos emagrecedores, suplementos,
cosméticos e procedimentos cirúrgicos. Neste artigo, caracterizado como
um estudo de caso comparativo, observamos a autorregulamentação
publicitária da indústria cosmética, no Brasil e no Reino Unido, países
cujas concepções sobre o uso de editores de imagem são distintas. A
partir de estudos empíricos da área da saúde pública, constatamos que o
público feminino do Reino Unido possui maior discernimento no que diz
respeito à percepção da “beleza ideal” apresentada pela publicidade, em
comparação com o público feminino do Brasil. Assim, consideramos que
as limitações ao uso de editores de imagens, no país, sejam urgentes para
a regulamentação da publicidade nacional.

Palavras-chave: Beleza feminina. Regulamentação publicitária. Saúde


pública. Brasil. Reino Unido.
37

Introdução

O cinema, a televisão, o jornalismo e a publicidade são formas de


comunicação que fizeram as imagens ocupar um lugar central na
cultura pós-moderna (NASCIMENTO; PRÓCHNO; SILVA, 2012). Esta
cultura, por sua vez, está pautada no consumo, num fenômeno que é
caracterizado por Debord (1997) como “sociedade do espetáculo” e
por Baudrillard (2010) como “sociedade do consumo”. Para o indivíduo
pertencente à cultura pós-moderna, a felicidade conquistada através
de objetos é buscada sem hesitação, caracterizando, desse modo, uma
sociedade consumista, adepta a um sistema no qual o funcionamento
das relações existentes é mediado por imagens (DEBORD, 1997).

A publicidade, dessa forma, aparece como uma fonte de grande impacto


para o reforço desta sociedade, visto que, segundo Nascimento, Próchno
e Silva (2012), sua maior finalidade é fazer consumir, utilizando-se do
tratamento estético das imagens dos produtos anunciados.

O padrão de beleza idealizado nesse contexto mostra-se como um


exemplo da utilização de um recurso da publicidade na chamada
sociedade do espetáculo, pelo fato de imputar alterações visuais
somente possíveis a partir do uso de editores de imagens. Tal padrão tem
um impacto notável na saúde pública nacional, quando vislumbramos,
por exemplo, que medicamentos, suplementos alimentares, cosméticos
e cirurgias plásticas são comprados por brasileiras que buscam
obter, por sugestão da publicidade, da moda e da mídia, tais padrões
medianamente irreais, ajudando também – o que é pior – a desenvolver
doenças graves, como as dos transtornos alimentares.

O objetivo principal deste trabalho consiste em buscar compreender


a autorregulamentação publicitária do uso dos editores de imagens,
no Brasil e no Reino Unido, localidades cujas concepções sobre o tema
38

são distintas, e observar como cada uma delas impacta na constituição


da percepção sobre a beleza ideal em ambas as populações. A pesquisa
justifica-se por apresentar um estudo que relaciona o papel da publicidade
ao seu impacto no que diz respeito à saúde pública, através de um
trabalho comparativo entre duas realidades geográficas específicas.

Relações entre mulher, mídia e estética


Em um mundo constituído por uma diversidade cultural ampla, há
padrões de beleza distintos, e tais padrões acabam sendo vendidos
através de diversos produtos culturais, tais como filmes, livros, revistas,
campanhas publicitárias ou qualquer conteúdo veiculado pelos meios
de comunicação social.

Nesse contexto, Nicolino (2012) aponta o ideal de beleza feminina a partir


da ótica ocidental contemporânea: magro, rígido e jovem. Esse ideal
perpassa a cartilha higienista ensinada nas escolas e torna-se um manual
reproduzido pela mídia, manifestando-se, muitas vezes, em constantes
mudanças da linguagem corporal das mulheres (NICOLINO, 2012).

Antes mesmo de as mulheres conquistarem alguns direitos de igualdade,


como o do voto e o de sua inserção no mercado de trabalho, as indústrias
de cosméticos cresciam fortemente, já no início da década de 1920
(NASCIMENTO; PRÓCHNO; SILVA, 2012). Assim, elas lograram ir além do
espaço doméstico e, consequentemente, tornaram-se adeptas a uma
cultura do cuidado com o corpo, demandando, então, o surgimento e o
crescimento de um mercado especializado para tal finalidade (SOARES;
BARROS, 2014). Paralelamente a isso, as divas do cinema de Hollywood,
as revistas, a moda e a publicidade tornaram-se acessíveis às mulheres,
retratando-as em todas as instâncias e, por sua vez, desenhando modos
de ser e de viver (NASCIMENTO; PRÓCHNO; SILVA, 2012).
39

Nesse sentido, a publicidade parece possuir um papel efetivo na mente


feminina. Perrot (2003) sinaliza que, nos anos iniciais da publicidade
feminina, o corpo da mulher era exposto seguindo os ditames da moda
da época, ou seja, ocultado no espaço privado, porém exibido no espaço
público, sem serem expostas as partes do corpo consideradas eróticas.
No entanto, por volta da década de 1960, iniciaram-se os movimentos
feministas, principalmente no Reino Unido e nos Estados Unidos, com
o intuito de romper com os padrões impostos à mulher e possibilitar a
exposição de seu corpo (PLAKOYIANNAKI; ZOTOS, 2008).

Assim, nas constantes manifestações ocorridas, o movimento fez do


corpo feminino um elemento central das lutas públicas, com o intuito de
permitir que as mulheres conquistassem total direito sobre ele (PINTO,
2010). A publicidade, nesse processo, apropriou-se das novas relações
de sentido erigidas em torno do corpo. Dessa forma, o que deveria ser
um direito conquistado pelo público feminino, isto é, a exposição de seu
corpo, passou a ser, também, um direito difundido pelas próprias peças
publicitárias. Nestas, as mulheres são expostas com ou sem nudez,
o que passa a ser visto como algo natural, pois, em muitos casos, é
considerado o aspecto artístico que a publicidade deseja transmitir.

Cabe frisar, ainda, que as primeiras conquistas femininas, ocorridas a


partir da década de 1960, foram restritas a alguns países da Europa
(como os países do Reino Unido) e aos Estados Unidos. No Brasil, a
época ainda era de total repressão, e apenas na década de 1970, no
ambiente de um regime militar, surgiram as primeiras manifestações
feministas no país (PINTO, 2010).

Muitas águas rolaram desde então. Os movimentos feministas seguiram


com manifestações, debates etc., fazendo com que as mulheres
conquistassem, efetivamente, o direito à inserção – ainda que pouco
expressiva – no mercado de trabalho e, em tese, os direitos em relação
ao corpo e à sexualidade. Nesse sentido, Nascimento, Próchno e
40

Silva (2012) sinalizam que as transformações ocorridas nas décadas


posteriores fizeram com que a educação e a leitura chegassem até às
mulheres, transformando, assim, muitos dos aspectos existentes na
relação entre mulher e mídia.

Conforme Moreno (2009), tal relação tornou-se necessária para a


mídia, pois ela precisava de um público para lhe servir de foco e para
o qual vender um de seus princípios básicos: o sonho. Segundo a
autora citada, os princípios básicos da mídia sãosangue, sexo e sonho.
Os dois primeiros podem ser focados em ambos os públicos (homens
e mulheres), visto que, através da violência (referente ao princípio do
sangue), as pessoas sentam em seus sofás, fixam os olhos e assistem
até o fim. O sexo pode ser voltado especialmente ao público masculino,
tendo em vista o aspecto frágil que é relacionado à imagem da mulher,
reproduzido ao longo da história e ainda propagado pela mídia. O sonho
é o princípio básico da mídia, com a maior projeção de vendas. É nele que
a publicidade formula suas mensagens com mais frequência, incitando
o consumidor a adquirir os mais diversos produtos. Hoje, o público
feminino é responsável por cerca de 80% das decisões de consumo no
país. Assim, a propaganda tem, dentre outros segmentos, as mulheres
como um público cativo (MORENO, 2009).

São as mulheres que decidem, por exemplo, quais roupas comprarão


para seus maridos, quais os presentes com que os filhos presentearão
seus pais, quais alimentos serão consumidos, além dos cosméticos que
comprarão para si mesmas. Elas consomem, dessa forma, produtos
de indústrias que possuem altos índices de crescimento. O Brasil, por
exemplo, ocupa a terceira posição no ranking mundial do consumo
de cosméticos, aproximando-se, a cada ano, dos Estados Unidos e do
Japão, atuais líderes desse ranking (TEIXEIRA, 2018).

Trabalhando cada vez mais (por meio da publicidade) através dos dizeres
“tenha, compre e seja feliz”, essa indústria faz com que a mulher tenha
41

em mente que não basta apenas ter para ser feliz; é necessário competir
com os mais altos padrões de beleza, o que contrasta, assim, com a
realidade de grande parte da população feminina (MORENO, 2009).

O fato de a beleza feminina ser, muitas vezes, manipulada pela


mensagem publicitária, colocando-a, quase sempre, em um patamar de
aparência superior à média comum da população, é um dos principais
fatores de causa de insegurança, de distúrbios psicológicos, alimentares
e de saúde nesse público. Assim, observamos problemas nos ditames
colocados pela publicidade (NICOLINO, 2012).

O impacto da ação da publicidade na saúde pública vem sendo apontado


em diversas pesquisas, a exemplo de Markula (2001), que afirma, por
exemplo, que muitas revistas dedicam espaço ao aconselhamento
de mulheres com “problemas” de imagem corporal, mas continuam
a veicular uma representação do que seria o corpo ideal. Aliado a
isso, Scriven (2007) e Guðnadóttir e Garðarsdóttir (2014) mencionam
que a baixa confiança em relação ao corpo e a percepção corporal
distorcida são, sem dúvida, problemas de saúde pública, e que os
promotores da saúde precisam ter consciência disso, atentando para
a manipulação do corpo feminino que é operada pelas ferramentas
de comunicação.

Em uma pesquisa realizada por Guðnadóttir e Garðarsdóttir (2014),


com estudantes do sexo feminino, na Islândia, constatou-se uma
forte correlação entre o materialismo (instigado pela comunicação
publicitária e pelo seu ideal de corpo “fino”) e o desejo das jovens de
buscar o corpo perfeito, o que evidencia a insatisfação relacionada aos
seus corpos. Em outro estudo, realizado por Madhusmita e Sangeeta
(2016) com mulheres indianas, foi constatado – através de uma
pesquisa com 150 respondentes – que elas se sentiam pressionadas,
através de uma publicidade altamente ocidentalizada, a parecerem
bonitas e a manterem uma forma perfeita do corpo, isto é, de acordo
42

com o padrão veiculado nos anúncios publicitários, que as influenciava


em sua alimentação e, em alguns casos, levava à baixa autoestima.

Guðnadóttir e Garðarsdóttir (2014) enfatizam, ainda, que, para atenuar


tais problemas de saúde pública, que podem se tornar ainda mais
graves, os meios de comunicação devem trabalhar em um processo de
mudança, uma vez que tais ideais levam as populações a uma busca
desenfreada por um padrão de beleza fictício.

Por fim, observando as consequências mais evidentes desencadeadas pelos


meios de comunicação em geral, mas mais singularmente pela publicidade,
não podemos deixar de investigar os preceitos éticos ligados às técnicas
publicitárias. Mesmo passando por diversas fases até a sua veiculação, por
que a publicidade continua a propagar imagens irreais que, muitas vezes,
acarretam problemas de saúde pública para a população? A necessidade
da existência de conselhos reguladores capazes de compreender os anseios
da sociedade da qual fazem parte é evidente, sobretudo quando se está em
causa a saúde pública de uma nação.

Procedimentos Metodológicos
Inicialmente, objetivou-se, neste trabalho, compreender aspectos
relacionados à autorregulamentação da publicidade de dois espaços
geográficos (Brasil e Reino Unido), países com distintas concepções sobre
o uso de editores de imagem, e avaliar as variáveis que possam ter relação
com essas diferenças. Para tanto, foi utilizado o método do estudo de
caso que, como afirma Yin (2001, p. 32 apud DUARTE, 2006, p. 216), “[...]
é uma inquirição empírica que investiga um fenômeno contemporâneo
dentro de um contexto da vida real”. A estratégia de estudo caracteriza-
se como exploratória e qualitativa e, a partir de Yin (2005), considera-se
que a presente pesquisa trabalhou com estudos de casos múltiplos, visto
que foram analisadas, comparativamente, duas localidades.
43

Com relação à coleta de dados, o estudo de caso pode abranger


diversas informações, tais como documentos, entrevistas, relatórios,
observações etc. (GIL, 2002). Para este estudo, foram ponderados os
códigos de autorregulamentação dos dois órgãos representativos da
comunicação publicitária de ambas as localidades, bem como notícias
relacionadas a campanhas veiculadas em relação à temática e, por fim,
papers da área da saúde pública, para constatar alguma ligação entre a
(não) regulamentação e os impactos sobre cada população.

Nesse sentido, a exploração dos dados ocorreu através de uma análise


de conteúdo e, considerando os apontamentos de Gil (2002), quando
diz que, nesse tipo de estudo, o autor possui maior autonomia para
melhor analisar e interpretar os dados, foram criadas as seguintes
categorias de análise: (1) o processo de autorregulamentação presente
no Brasil e no Reino Unido, tendo como fontes iniciais os portais dos
dois órgãos que representam a comunicação publicitária em ambas
as localidades, acopladas à inserção de casos que reforçam os dados
expostos; e (2) a percepção da beleza ideal e de suas implicações na
saúde pública do Brasil e do Reino Unido, tendo como fontes trabalhos
publicados em periódicos nacionais e internacionais, contendo estudos
relacionados à saúde pública e envolvendo o gênero feminino. Tais
artigos foram encontrados em plataformas de indexação, como a Scielo
e a ScienceDirect.
44

O processo de autorregulamentação existente


no Brasil e no Reino Unido
Dentro dos papéis da publicidade, quais sejam, informar e persuadir o
público consumidor através de textos e de elementos artísticos, existe,
também, a necessidade de que a execução dessa atividade seja baseada
em preceitos éticos, surgidos a partir das práticas morais de uma
sociedade e associadas a valores que são considerados elevados e que
podem se diferenciar em cada sociedade, como honestidade, caráter,
justiça e equilíbrio (CHALITA, 2003).

Na atividade publicitária, alguns países adotam o processo da


autorregulamentação, por meio do qual entidades da classe
movimentam-se na direção da normatização de sua atividade-
fim, evitando, assim, a necessidade de judicialização dos casos em
desarmonia com os anseios sociais.

A partir disso, considerando a colocação de Chalita (2003), de que os


valores éticos podem ser diferenciados em cada sociedade, os códigos
de autorregulamentação publicitária tendem a ser diferentes em
cada país, variando em função de aspectos culturais e de eventuais
ocorrências que possam ter lugar em cada localidade, caracterizando-
se, assim, por serem passíveis de ajustes.

Os conselhos de autorregulamentação são incumbidos de monitorar toda


a publicidade veiculada nos meios de comunicação e, além disso, verificar as
eventuais denúncias realizadas por consumidores e/ou concorrentes sobre
as peças publicitárias veiculadas que, segundo eles, tenham desrespeitado
algum aspecto moral ou ético daquela sociedade.

Este é o papel do Conselho Nacional de Autorregulamentação


Publicitária – Conar, órgão presente no Brasil, e da Advertising Standards
Autority – ASA, órgão presente no Reino Unido. Trata-se de dois órgãos
45

independentes (CONAR, 2018; ASA, 2018) que, apesar de não possuírem


força de lei, possuem grande respeito, no meio publicitário, no que tange
às suas decisões, com poderes para reunir as agências de publicidade, os
veículos de comunicação e os anunciantes, com o intuito de exigir mudanças
e até mesmo de proibir a veiculação de peças publicitárias em circulação.

Surgido no final da década de 1970, atualmente o Conar é composto


por 180 conselheiros, divididos entre profissionais de publicidade de
todas as áreas e representantes da sociedade civil, em oito câmaras
sediadas em cinco das principais capitais do Brasil: São Paulo, Rio de
Janeiro, Brasília, Porto Alegre e Recife (CONAR, 2018). Para o órgão, os
preceitos que definem a ética publicitária são:

Artigo 1º
Todo anúncio deve ser respeitador e conformar-se
às leis do país; deve, ainda, ser honesto e verdadeiro.
Artigo 2º
Todo anúncio deve ser preparado com o devido
senso de responsabilidade social, evitando
acentuar, de forma depreciativa, diferenciações
sociais decorrentes do maior ou menor poder
aquisitivo dos grupos a que se destina ou que
possa eventualmente atingir.
Artigo 3º
Todo anúncio deve ter presente a responsabilidade
do Anunciante, da Agência de Publicidade e do
Veículo de Divulgação junto ao Consumidor.
Artigo 4º
Todo anúncio deve respeitar os princípios de leal
concorrência geralmente aceitos no mundo dos
negócios.
Artigo 5º
Nenhum anúncio deve denegrir a atividade
publicitária ou desmerecer a confiança do público
nos serviços que a publicidade presta à economia
como um todo e ao público em particular.
46

Artigo 6º
Toda publicidade deve estar em consonância com
os objetivos do desenvolvimento econômico, da
educação e da cultura nacionais.
Artigo 7º
De vez que a publicidade exerce forte influência
de ordem cultural sobre grandes massas
da população, este Código recomenda que
os anúncios sejam criados e produzidos por
Agências e Profissionais sediados no país - salvo
impossibilidade devidamente comprovada e,
ainda, que toda publicidade seja agenciada por
empresa aqui estabelecida (CONAR, 2018).

Com relação à regulamentação acerca do uso de editores de imagem


em peças publicitárias, especificamente em cosméticos, o Conar não
possui nenhum anexo ou artigo que aborde o assunto de forma direta
ou indireta. A exibição do corpo feminino, nas peças publicitárias, possui
apenas uma ressalva no anexo de Bebidas Alcoólicas, que diz que as
mensagens que contenham apelos à sexualidade são passíveis de serem
julgadas (CONAR, 2018).

A ASA, por sua vez, surgiu no Reino Unido na década de 1960. Logo
em 1961, a associação publicitária existente à época decidiu criar um
sistema de autorregulamentação, que foi amadurecido a partir do
ano posterior. Atualmente, o conselho julgador possui 13 membros, e
pesquisas revelam que 97% das peças publicitárias veiculadas estão em
conformidade com o código existente. Algumas delas, quando é o caso,
são sustadas antes mesmo do início da veiculação (ASA, 2018).

Além disso, cabe frisar que existem dois órgãos que auxiliam a ASA
na manutenção do código e no monitoramento da publicidade do
Reino Unido: o CommitteeofAdvertisingPractice – CAP, que aborda
exclusivamente o processo de não difusão de publicidade, promoção de
vendas e marketing direto, e o Broadcast CommitteeofAdvertisingPractice
47

– BCAP, este responsável por escrever e manter o código de transmissão


da publicidade, no que diz respeito apenas às emissoras de rádio e de
televisão. Estas emissoras possuem um regulador legal (Ofcom), porém,
ainda assim, a ASA é capaz de interferir em sua transmissão, quando
necessário, o que é mais raro (ASA, 2018).

É importante mencionar que os órgãos citados são membros da ASA. O


CAP, por exemplo, é o órgão responsável por constituir todo o código de
regulação. Dessa forma, são princípios fundamentais:

- As comunicações não devemenganar


oupromover o engano;
- Deve existir uma prova documental em
comunicações com o intuito de abster-se de
reivindicações de consumidores que podem vir a
considerar algum problema que por ventura não
exista no documento de comprovação;
- As comunicações nãodevem induzir
o erroem consumidores, exagerando a
capacidadeoudesempenho de um produto;
- As qualidades expressas nas comunicações
não devem contradizer as reais qualidades
expressas nos produtos;
- A “reivindicação” pode ser implícita oudireta,
escrita, faladaouvisual (CAP, 2015, p. 2).

Percebe-se, dessa forma, que, no que diz respeito aos princípios gerais,
tanto o Conar quanto a ASA são bastante semelhantes, procurando
abster o consumidor de propagandas enganosas que porventura
venham a induzir a erros. A ASA possui uma qualidade a mais no que
tange ao fato de as marcas precisarem atribuir uma prova documental,
juntamente à campanha a ser veiculada, comprometendo-se com o
cumprimento de todas as normas impostas pelo órgão, gerando, assim,
menores índices de processos e, consequentemente, de sustações.
48

Com relação ao uso de editores de imagem em peças publicitárias de


cosméticos, existe uma regulamentação específica da ASA para isso,
criada em 2011:

Pré-produção
O uso de técnicas de pré-produção, como styling,
maquiagem, inserções de cílios, de cabelo,
etc. é aceitável sem a divulgação explícita,
desde que essas técnicas não induzam ao erro.
São exemplos propensos a promover o erro:
• “Antes e depois” em imagens onde apenas no
‘depois’ tenham sido usadas técnicas de pré-
produção, ou o uso de diferentes técnicas em uma
série de imagens que mostram efeitos graduais;
• A inserção de cílios mais longos ou mais grossos
do que os modelos de cílios naturais ou que
se proponham a mais do que substituir cílios
danificados ou ausentes, a menos que possa ser
demonstrado que o efeito ilustrado é realizável
em cílios sem adornos naturais.
• O uso excessivo de extensões de cabelo que
aumentam significativamente o volume dos
cabelos em anúncios, a menos que possa ser
demonstrado que o efeito ilustrado é realizável
no cabelo natural.
• O uso de unhas artificiais nas propagandas de
produtos para unhas, onde o benefício reivindicado
é outro que não meramente decorativo.
[...]
Exemplos que não devemos nos enganar:
• O uso de styling e make-up em geral.
• O uso de cílios postiços para fora da área do olho.
[...]
• O uso de unhas falsas ou artificiais para unhas
coloridas onde o efeito de cosméticos é alcançável
em unhas naturais.
Pós-produção
49

O uso de técnicas de pós-produção através de


imagens fotográficas requer uma atenção especial
para evitar enganar os consumidores.
Os anunciantes devem reter o material apropriado
para ser capaz de demonstrar que o retoque
tinha sido realizado em caso de ser questionado.
Isso pode incluir ‘antes’, bem como ‘depois’
em imagens que mostram o efeito de ambas as
técnicas de pré e pós-produção. São exemplos
capazes de induzir o erro e são inaceitáveis:
• Retoques relacionados com quaisquer
características diretamente relevantes para o
desempenho aparente do produto que está sendo
anunciado. Por exemplo, remover ou reduzir a
aparência de linhas e rugas ao redor dos olhos
em uma propaganda de creme para os olhos ou
aumentar o comprimento ou espessura dos cílios
em uma propaganda de rímel.
• A adição de destaques e brilho aos cabelos
para um produto que alega produzir um cabelo
brilhante.
• Remoção de cabelos “esvoaçantes” para um
produto destinado a este tipo de cabelo.
São exemplos que não devem se enganar:
• Pequenos ajustes para corrigir os problemas de
iluminação e outras questões fotográficas, desde
que a imagem produzida reflita o modelo.
• A remoção de poucos cabelos “esvoaçantes” é
aceitável, mesmo em propagandas de produtos
para cabelo, exceto, como mencionado acima,
produtos para este tipo específico de cabelo.
• Remoção de manchas na pele, desde que isso
não afete a impressão dada a eficácia do produto
(CAP, 2015, p. 3-4).

Desse modo, é perceptível que, em relação ao Brasil, o Reino Unido


possui uma autorregulamentação mais detalhada no que diz respeito à
publicidade cosmética, versando sobre a contenção do incentivo a uma
beleza não verdadeira, para não dizer falsa ou exagerada.
50

Essa regulamentação específica surgiu a partir de casos bastante


comentados no bloco de países em questão. Em dezembro de 2009, um
anúncio de um creme antirrugas para os olhos teve sua veiculação proibida
pela ASA, após mais de 700 pessoas criticarem o excesso de retoque na
foto. A ex-modeloTwiggy, com 60 anos, teve suas fotos manipuladas para
uma campanha publicitária de um creme facial da Olay, na qual suas
rugas praticamente desapareceram (BARR, 2009).

Posteriormente, em 2011, duas peças publicitárias das marcas


Lancôme e Maybelline, com a atriz Julia Roberts e a modelo
ChristyTurlington, respectivamente, foram veiculadas em diversas
plataformas de comunicação. Em ambos os casos, a reclamação foi
feita pelo parlamentar JoSwinson, do Partido Liberal Democrata, que
faz campanha contra o excesso de manipulação na publicidade (FOLHA
DE S. PAULO, 2011).

A ASA julgou as peças publicitárias exageradas,defendendo que elas


violavam o código de conduta ético-profissional, pois, segundo o órgão, as
campanhas traziam fotos perceptivelmente manipuladas por computador,
não comprovando que o uso dos cosméticos utilizados nas campanhas
geraria, de fato, os resultados expostos (FOLHA DE S. PAULO, 2011).

No caso do Brasil, muitas campanhas publicitárias já foram criticadas


pelo uso excessivo de editores de imagem, porém, diferentemente
dos casos citados, ocorridos no Reino Unido, não houve sustação, nem
mesmo recomendação de alterações. Como exemplo, é possível citar
a campanha da rede de lojas C&A, veiculada em 2013. Na ação, que
divulga uma linha própria da C&A para mulheres de manequim entre 46
e 56, a cantora Preta Gil aparece com a pele embranquecida e o corpo
remodelado digitalmente – a forma da sua cintura, por exemplo, varia
de uma foto para outra.
51

Outro caso que chamou atenção – não estando exatamente no rol de


campanhas publicitárias, mas na propagação de uma falsa imagem –
foi o ensaio fotográfico da atriz Susana Vieira para a Revista Quem, em
2009. O uso de programas de edição de imagens foi tão exagerado que a
atriz ficou “irreconhecível”, com uma aparência de décadas mais jovem.

A diferença entre o Reino Unido e o Brasil, nesse contexto, é que, no


caso deste último, as reclamações geralmente não ultrapassam os
“burburinhos” das redes sociais on-line. Atualmente, com o forte poder
da internet e de seus usuários, as reclamações em redes sociais podem
surtir efeitos bastante significativos, como, por exemplo, no caso da
campanha da C&A, estrelada por Preta Gil: a marca prontificou-se a
emitir um comunicado oficial explicando aspectos ligados à angulação
das imagens e lamentando os efeitos negativos da campanha (ver
REVISTA VEJA, 2013).

Em contrapartida, pelo fato de o país não possuir uma regulamentação es-


pecífica para esse tipo de situação, diversos outros anúncios, com alto teor
de retoque, podem vir a ser veiculados e, em muitos casos, as reclamações
de usuários podem não ser suficientes para que ocorram modificações.

Acredita-se que o Conar receba, por parte de consumidores, reclamações


relacionadas a esses tipos de campanhas. Além disso, pelo histórico
deste conteúdo, no Brasil, e tendo como parâmetros outras localidades,
a exemplo do próprio Reino Unido, o órgão possui elementos que
podem levar a uma futura modificação do código, mais precisamente
a uma ampliação que envolva tal categoria. Para reforçar ainda mais a
importância de se trabalhar este aspecto, convém que seja feita uma
verificação de estudos relacionados à questão e à sua influência em
termos de saúde pública, que tendem a corroborar o que já pode ser
observado no senso comum, através, especialmente, das redes sociais.
52

Percepção da beleza ideal e implicações na saúde pública:


Brasil e Reino Unido
Tendo em vista a preocupação gerada pelo fato de a publicidade estar
exercendo um papel de incitação à insatisfação com a autoimagem,
por parte da população feminina – e, consequentemente, causando
comportamentos autodepreciativos, bem como o consumo enganoso e
até mesmo não saudável de diversas categorias de produtos e serviços,
baseado, sobretudo, na intervenção de editores de imagem –, buscamos
alguns resultados relacionados a essa insatisfação com o corpo e ao
risco de transtornos alimentares nas mulheres, tanto no Brasil quanto
no Reino Unido.

Brasil
No Brasil, em um estudo realizado por Campana, Ferreira e Tavares
(2012), com 99 mulheres entre 18 e 73 anos, as autoras descobriram
correlações mais recorrentes entre a internalização da mídia e a
aceitação de cirurgia plástica estética. No entanto, destaca-se que o
fator “reflexão” foi decisivo em suas decisões. Na pesquisa realizada por
Daros, Zago e Confortin (2012), com 71 mulheres da cidade de Chapecó-
SC que tinham entre 18 e 40 anos e que praticavam atividade física em
academias, observou-se que 78,8% das mulheres entrevistadas estavam
insatisfeitas com sua imagem corporal. Ao mesmo tempo, 33,8% dessas
mulheres demonstravam sofrer de transtornos alimentares.

Outra pesquisa desenvolvida com mulheres frequentadoras de


academias, no interior de São Paulo, apontou que 57,7% das 30 mulheres
entrevistadas apresentaram alguma distorção na imagem corporal, e este
foi o principal motivo pelo qual elas iniciaram programas de atividade
física. Além disso, 9,9% delas apresentaram comportamento de risco
para o desenvolvimento de transtorno alimentar (SOUZA et al., 2013)
53

Em um estudo realizado por Pelegrini et al. (2014), com mulheres da


cidade de Florianópolis-SC, constatou-se que mais de 70% delas sofriam
de insatisfação com sua imagem corporal, sendo a grande maioria
por causa do peso. Os autores, em seu trabalho, atribuíram parte dos
resultados à influência da mídia, apontando a possibilidade de futuros
distúrbios alimentares na busca por uma beleza “ideal”.

Bandeira et al. (2016), ao realizarem um levantamento com 300


estudantes do sexo feminino de um curso de Nutrição, observaram
que, apesar de a maior parte da amostra estar com peso e altura
adequados, objetivava-se uma maior magreza e uma maior altura. As
estudantes avaliadas tinham uma média de peso real de 59,1 kg (dentro
da normalidade) e uma média de peso almejado de 57,4 kg. As autoras,
nesse contexto, evidenciaram o fato de que, quando se trata de futuras
profissionais de nutrição, este resultado possui um impacto ainda mais
relevante, visto que elas exercerão papel de cuidadoras de seus pacientes.

Por conseguinte, em outro estudo envolvendo estudantes do sexo


feminino, também do curso de nutrição, Reis e Soares (2017), ao
aplicarem um questionário com 165 universitárias de uma universidade
pública, perceberam que 38,8% delas apresentavam alteração de
percepção de imagem, 69,7% tinham insatisfação com o corpo e
32,7% apresentavam risco de transtorno alimentar. Nesse contexto, as
autoras apontam a imposição da mídia como o principal fator para este
resultado, que é considerado preocupante.

Por fim, na pesquisa de Gonçalves et al. (2017), realizada com bailarinas


entre 14 e 20 anos, no Rio de Janeiro, observou-se que, dentre as 30
jovens avaliadas, 43,4% delas apresentaram insatisfação com sua
autoimagem corporal em diferentes graus (leve, moderado e grave).
Porém, ao realizar-se uma comparação da figura representativa de
sua silhueta atual e daquela desejada pela avaliada, o percentual em
relação à insatisfação com a autoimagem corporal saltou para 73,3%.
54

Dessa forma, verifica-se que todos os estudos apontam para: (1)


dados preocupantes no que se refere à percepção da imagem corporal
feminina; e (2) a possibilidade de tais resultados desencadearem
transtornos psicológicos, alimentares e/ou formas de comportamento
com impacto negativo em termos de saúde pública. Além disso,
praticamente todos os estudos citados (CAMPANA; FERREIRA; TAVARES,
2012; DAROS; ZAGO; CONFORTIN, 2012; SOUZA et al., 2013; PELEGRINI
et al., 2014; BANDEIRA et al., 2016; REIS; SOARES, 2017) abordam o
papel da mídia enquanto fomentadora de uma percepção distorcida da
imagem corporal por parte das mulheres.

Reino Unido
No Reino Unido, em uma pesquisa realizada no ano de 2005, com
adolescentes do sexo feminino, Clay, Vignoles e Dittmar (2005)
constataram que o avanço da idade indicava o aumento da preocupação
e da insatisfação com o corpo. De acordo com constatações do estudo,
a mídia era um dos principais fatores de influência.

Por conseguinte, em um estudo realizado por Luevorasirikul, Boardman


e Anderson (2012), com 276 mulheres do Reino Unido, constatou-
se que 50% delas eram pouca ou moderadamente preocupadas
com sua beleza corporal, ao passo que 15% mostravam-se bastante
preocupadas, gerando, assim, possíveis riscos de transtornos na busca
pela beleza propagada através da mídia.

No estudo realizado por Halliwell (2013), com 112 universitárias do


Reino Unido, a autora identificou que a mídia impactava negativamente
apenas aquelas mulheres que possuíam uma baixa valorização corporal.
As mulheres que possuíam uma avaliação corporal satisfatória não
relataram efeitos negativos decorrentes da exposição à mídia e, ainda, as
mulheres que apreciavam seus corpos – mesmo não tendo o ideal “fino”
propagado pelos meios de comunicação – entendiam que a mídia poderia
55

desencadear uma vulnerabilidade relacionada à sua satisfação. De modo


geral, o estudo enfatizou que a imagem corporal positiva protege as
mulheres dos ditames da mídia e que, para isso, são necessárias, cada vez
mais, campanhas educativas e de promoção da autovalorização.

Na pesquisa de Taylor, Szpakowska e Swami (2013), as autoras realizam


uma comparação entre mulheres polonesas e britânicas, com relação
à sua percepção corporal. Foram separados três grupos: (1) mulheres
polonesas que estavam vivendo na Grã-Bretanha; (2) mulheres polonesas
que estavam vivendo em seu próprio país (Polônia); e (3) um grupo de
mulheres britânicas. Foi descoberto que as mulheres polonesas que vivem
na Polônia apresentam maior insatisfação com sua imagem corporal,
em comparação às mulheres polonesas que vivem na Grã-Bretanha, o
que pode ocasionar riscos de transtornos psicológicos e alimentares. As
autoras abordam, ainda, que tais resultados podem estar intimamente
ligados a questões culturais e que, neste caso, houve uma mudança
quando as polonesas passaram a fazer parte da cultura britânica.

Em contrapartida, em outro estudo comparativo, desenvolvido por


Menon e Pant (2015) com mulheres indianas e britânicas, descobriu-
se que as mulheres indianas possuíam maior insatisfação com o seu
corpo, porém, apenas 9% delas corriam o risco de desenvolver atitudes
depressivas, ao passo que, nesse aspecto, o percentual para as mulheres
britânicas foi de 42%. Os autores, neste trabalho, também abordam
questões culturais e enfatizam que a cultura indiana está orientada
para a realização. Por exemplo, as duas amostras de mulheres
foram de estudantes universitárias, e as indianas faziam parte de
uma faculdade de prestígio no país. Mesmo possuindo uma imagem
corporal não satisfatória, esse fator não geraria resultados negativos
para sua saúde, pois elas estavam centradas em seu desempenho
acadêmico, que em sua cultura é um dos aspectos mais importantes
para a autoestima, especialmente por haver uma alta expectativa por
parte dos pais e da sociedade.
56

Por fim, em outra pesquisa, realizada por Ashikali, Dittmar e Ayers


(2017), ao dividirem dois grupos de mulheres, as autoras apresentaram,
para o grupo 1, propagandas de cirurgias plásticas contendo incentivos
de desconto e informações sobre o risco da não realização do
procedimento. Para o grupo 2, foram mostradas propagandas com
clínicas luxuosas e modelos, que retratavam o dito padrão de beleza
ideal. Os benefícios percebidos na cirurgia foram menores após a
exposição à propaganda de cirurgia plástica com clínicas luxuosas e
modelos, enquanto a consideração de submeter-se à cirurgia foi maior
em mulheres expostas à publicidade contendo informações de risco.
Houve indiferença em relação aos incentivos de desconto. Em geral,
os resultados sugerem que a publicidade de cirurgias plásticas afeta
negativamente a imagem corporal das mulheres, e as informações
fornecidas nas propagandas (como as informações de risco) afetam as
atitudes em relação à cirurgia de forma diferenciada.

Desse modo, verifica-se que, mesmo existindo percentuais consideráveis


de mulheres britânicas preocupadas – e insatisfeitas – com sua imagem
corporal, grande parte delas entende perfeitamente que a mídia está
presente para instigar ainda mais tal problema. Nota-se que o período
da adolescência consiste naquele em que as jovens mais demonstram
preocupação, mas, ao entrar nas fases pré-adulta e adulta, essa
preocupação perde o lugar para uma melhor consciência relacionada
ao poder da mídia, podendo, em muitos casos, ser reflexo de campanhas
educativas e de autovalorização que os países possam executar.
57

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há muito tempo, a publicidade atua como propagadora de um padrão de


beleza feminina baseado na exceção e não na norma do biótipo facial e
corporal de cada país. Aliadas a ela, diversas outras faces da comunicação
ratificam o mesmo posicionamento, promovendo, assim, os mais diversos
problemas de distorção corporal e de saúde, de uma forma geral.

Pela perspectiva da saúde pública dessa grande parcela da população,


algumas nações começam a trabalhar para modificar tal quadro. No caso
do Brasil, de fato, nada ainda foi feito. O código de autorregulamentação
publicitária do país ainda não possui nenhum anexo ou artigo que se
refira explicitamente ao uso de editores de imagem em propagandas
para produtos femininos, ou que modere a comunicação sobre os efeitos
honestos dos cosméticos, alimentos, dietas e procedimentos cirúrgicos
e/ou estéticos, ao passo que, no Reino Unido, uma resolução específica
passou a vigorar em 2011.

A não intervenção, por parte do Brasil, pode ser explicada, por exemplo,
pelo forte poder da indústria de cosméticos, que todos os anos movimenta
bilhões em comunicação, com anúncios nos intervalos comerciais,
merchandising televisivo em programas, telenovelas etc., e faz figurar o
país no ranking dos principais mercados de cosméticos do mundo.

A partir dos estudos empíricos aqui expostos, especialmente no que se


refere à proporção de mulheres que se preocupam com sua imagem
corporal, percebe-se que, no Brasil, os índices são consideráveis,
deixando as mulheres mais susceptíveis aos danos causados por uma
publicidade que distorce a imagem da mulher bonita, levando-as à
busca de um “ideal” mascarado, sobretudo, pelo uso não normatizado
de editores de imagens e por pré-produções exageradas.
58

No Reino Unido, as pesquisas apontam que, mesmo havendo


preocupação com a imagem corporal e, em muitos casos, uma não
satisfação, existe um conhecimento relacionado ao poder da mídia
nesse aspecto. Nesse sentido, questões culturais entram em pauta,
pois percebemos que a sociedade britânica engaja-se positivamente no
assunto, com a incitação a campanhas de educação e de valorização do
corpo feminino, aliadas a regulamentações bem claras no que se refere
à ação da mídia, como é o caso do regulamento da ASA.

Ainda assim, consideramos que os resultados deste processo poderão


apresentar dados mais satisfatórios em um longo prazo, pois, ao
mesmo tempo em que um país procura regulamentar a mídia e
conscientizar sua população, existe a world wide web, com conteúdos
que ultrapassam qualquer fronteira, além dos padrões que já foram
incorporados pela sociedade e cujos efeitos poderiam ser atenuados
após trabalhos de conscientização.

No caso do Brasil, espera-se que os casos já postos em discussão e,


muito provavelmente, os diversos outros que surgirão, incentivem
o início de uma mudança em termos de regulamentação e de
campanhas educativas sobre a valorização dos traços reais do povo
brasileiro. Entendemos, por fim, as limitações da propagação de
padrões sumamente mascarados pela publicidade, pois, assim como
ela, o cinema, a moda, as telenovelas e outros recursos comunicativos
também ratificam a ideia do que é belo, do que é feio, do que é certo e
do que é errado. Dessa forma, uma política coletiva de valorização das
características do nosso povo poderia auxiliar a desmantelar padrões
utópicos e maculados de um corpo são e bonito.
59

REFERÊNCIAS
ASA – ADVERTISING STANDARDS AUTHORITY.About ASA.Disponível em:
<http://asa.org.uk>. Acessoem: 12 mar. 2018.

ASHIKALI, E.-M.; DITTMAR, H.; AYERS, S.The impact of cosmetic surgery


advertising on women’s body image and attitudes towards cosmetic
surgery. Psychologyof Popular Media Culture, v. 6, n. 3, p. 255-273, 2017.

BANDEIRA, Y. E. R. et al. Avaliação da imagem corporal de estudantes do


curso de Nutrição de um centro universitário particular de Fortaleza. Jornal
Brasileiro de Psiquiatria, Rio de Janeiro, v. 65, n. 2, p. 168-173, 2016.

BARR, Nikki. Twiggy’s Olay ad slammed for ‘misleading’ airbrushing.


Daily Express, 16 dez. 2009. Disponível em: <https://www.express.co.uk/
expressyourself/146400/Twiggy-Olay-ad-slammed-for-misleading-
airbrushing>. Acesso em: 13 mar. 2018.

BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2010.

CAMPANA, A. N. N. B.; FERREIRA, L.; TAVARES, M. C. G. C. F. Associações


e diferenças entre homens e mulheres na aceitação de cirurgia plástica
estética no Brasil. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica, São Paulo, v. 27, n.
1, p. 108-114, jan./mar. 2012. 

CAP. Cosmeticinterventions: social responsability. 25 fev. 2015. Disponível


em: <https://www.asa.org.uk/advice-online/cosmetic-interventions-social-
responsibility.html>. Acesso em: 12 out. 2018.

CHALITA, G. B. I. Os dez mandamentos da ética. Rio de Janeiro: Nova


Fronteira, 2003.

CLAY, D.; VIGNOLES, V. L.; DITTMAR, H. Body image and self-esteem


among adolescent girls: testing the influence of sociocultural factors.
JournalofResearchonAdolescence, v. 15, n. 4, p. 451-467, 2005.

CÓDIGOBrasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Conselho Nacional


de Autorregulamentação Publicitária. Disponível em: <http://www.conar.
org.br>. Acesso em: 25 jan. 2018.
60

DAROS, K.; ZAGO, E. C.; CONFORTIN, F. G. Transtornos alimentares e imagem


corporal de mulheres praticantes de atividade física em academias do
município de Chapecó-SC. Revista Brasileira de Nutrição Esportiva, São Paulo,
v. 6, n. 36, p. 495-503, 2012.

DEBORD, G. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do


espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

DUARTE, M. Y. M. Estudo de Caso. In: DUARTE, J.; BARROS, A. (Org). Métodos


e técnicas de pesquisa em Comunicação. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2006.

FOLHA DE S. PAULO. Anúncio de maquiagem com Julia Roberts é proibido


sob o argumento de exagerar efeito. SãoPaulo, 04 ago. 2011.Disponível
em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me0408201123.htm>.
Acessoem: 12 mar. 2018.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2002.

GONÇALVES, P. S. P. et al. Avaliação da satisfação com a autoimagem corporal


em bailarinas. Revista Brasileira de Prescrição e Fisiologia do Exercício, São
Paulo, v. 11, n. 66, p. 301-308, maio/jun. 2017.

GUÐNADÓTTIR, U.; GARÐARSDÓTTIR, R. B.The influence of materialism and


ideal body internalization on body-dissatisfaction and body-shaping behaviors
of young men and women: support for the consumer culture impact model.
Scandinavian Journal of Psychology, v. 55, n. 2, p. 151-159, 2014.

HALLIWELL, E. The impact of thin idealized media images on body


satisfaction: does body appreciation protect women from negative effects?
Body Image, v. 10, n. 4, p. 509-514, 2013.

LUEVORASIRIKUL, K.; BOARDMAN, H.; ANDERSON, C.An investigation of


body image concern and the effects of sociocultural factors among UK first
year university students.Public Health, v. 126, n. 4, p. 365-367, 2012.

MADHUSMITA, D.; SANGEETA, S. Fetishizing women: advertising in Indian


television and its effects on target audiences. Journal of International
Women’s Studies, v. 18, n. 1, p. 114-119, 2016.

MARKULA, P. Beyond the perfect body: women’s body image distortion in


fitness magazine discourse. Journal of Sport and Social Issues, v. 25, n. 2,
p. 158-179, 2001.
61

MENON, M.; PANT, P. Are contingencies of self-worth associated with body image
in Indian and British women? PsychologicalStudies, v. 60, n. 2, p. 129-137, 2015.

MORENO, R. Publicidade e a produção de subjetividade. In: CONSELHO Federal


de Psicologia. Mídia e Psicologia: produção de subjetividade e coletividade. 2
ed. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2009, p. 185-194.

NASCIMENTO, C. M.; PRÓCHNO, C. C. S. C.; SILVA, L. C. A. O corpo da mulher


contemporânea em revista. Fractal: Revista de Psicologia, Rio de Janeiro, v.
24, n. 2, p. 385-404, 2012.

NICOLINO, A. S. Primazia da beleza feminina e juventude empobrecida: notas


de uma relação conflituosa. Interface - Comunicação, Saúde, Educação,
Botucatu, v. 16, n. 40, p. 83-94, 2012.

PELEGRINI, A.; SACOMORI, C.; SANTOS, M. C.; SPERANDIO,


F. F.; CARDOSO, F. L. Bodyimageperception in women:
prevalenceandassociationwithanthropometricindicators. Revista Brasileira de
Cineantropometria& Desempenho Humano, Florianópolis, v. 16, n. 1, p. 58-65, 2014.

PERROT, M. Os silêncios do corpo da mulher. In: MATOS, M. I. S.; SOIHET, R.


(Org.). O corpo feminino em debate. São Paulo: UNESP, 2003, p. 13-27.

PINTO, C. R. J. Feminismo, história e poder. Revista de Sociologia e Política,


Curitiba, v. 18, n. 36, p. 15-23, jun. 2010.

PLAKOYIANNAKI, E.; ZOTOS, Y. Female role stereotypes in print


advertising: identifying associations with magazine and product categories.
EuropeanJournalof Marketing, v. 43, n. 11/12, p. 1411-1434, 2009.

REIS, A. S.; SOARES, L. P. Estudantes de Nutrição apresentam riscos para


transtornos alimentares. Revista Brasileira de Ciências da Saúde, João
Pessoa, v. 21, n. 4, p. 281-290, 2017.

REVISTA VEJA. Campanha da C&A é criticada por ‘remodelar’ Preta


Gil. São Paulo, 14 ago. 2013. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/
entretenimento/campanha-da-ca-e-criticada-por-remodelar-preta-gil/>.
Acessoem: 13 mar. 2018.

SCRIVEN, A. Advertising and low body confidence.Perspectives in Public


Health, v. 127, n. 6, p. 256-257, 2007.

SOARES, A. C. E. C.; BARROS, N. C. F. As propagandas da Revista Feminina


62

(1914-1936): a invenção do mito da beleza. Oficina do Historiador, Porto


Alegre, v. 7, n. 1, p. 106-120, 2014.

SOUZA, M. C. D. F. P. et al. Padrões alimentares e imagem corporal em


mulheres frequentadoras de academia de atividade física. Psico-USF, Itatiba,
v. 18, n. 3, p. 445-454, set./dez. 2013.

TAYLOR, D.; SZPAKOWSKA, I.; SWAMI, V. Weight discrepancy and body


appreciation among women in Poland and Britain.BodyImage, v. 10, n. 4, p.
628-631, 2013.

TEIXEIRA, L. X. N. Mercado de cosméticos. Sebrae Mercados. Disponível em:


<http://www.sebraemercados.com.br/mercado-de-cosmeticos/> Acesso
em: 11 mar. 2018.

YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3 ed. Porto Alegre: Bookman,


2005.
63

A AUTORREGULAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA E O
CONSUMO DE ARMAS DE FOGO
NO BRASIL E NOS ESTADOS UNIDOS

Nayara Amaral ARAÚJO


Davi Lopes MOTA
Raquel Marques Carriço FERREIRA

RESUMO

Estudos sobre o armamento legal da população de grandes nações, como


Brasil e EUA têm demonstrado que ele gera um impacto profundo na
segurança pública. Fundamentalmente, a ação da publicidade em torno
desses artefatos, com a aquisição ou não de armas para autodefesa,
por parte de civis, tem sobremaneira influenciado o armamento ou o
desarmamento das populações. A regulamentação publicitária em
relação a armas de fogo possui preceitos legais distintos em ambos
os países escolhidos para estudo, e, sob este prisma, buscamos
compreender sua relação com o nível de armamento e com o número
de mortes ocasionadas pelo uso do artefato nas duas populações.

Palavras-chave: Autorregulamentação publicitária. Armas de fogo.


Segurança pública.
64

Introdução

O tema da violência ocupa espaço crescente na mídia, nas casas


legislativas, no poder executivo, na academia, na sociedade organizada
e na mente do cidadão comum (BUENO, 2004). Embora por razões
e com expressões distintas, as mortes em série, os latrocínios e
morticínios, as chacinas, as mortes por acidentes domésticos, dentre
muitos outros exemplos, relacionam-se, de forma generalizada, com o
tema da violência e do porte de armas de fogo.

A violência com arma de fogo ganha destaque diante do número


avantajado de letalidades ocasionadas pelo seu uso. De acordo
com o Atlas da Violência1, produzido em 2017, no Brasil, o uso de
arma de fogo como instrumento para perpetrar homicídios atingiu
uma dimensão apenas observada em poucos países da América
Latina. Somente em 2015, 41.817 pessoas sofreram homicídio em
decorrência do uso de armas de fogo, o que correspondeu a 71,9% do
total de casos. Além disso, destaca-se também o número de mortes
ocasionadas por disparos acidentais ou por suicídios: de acordo com
a National Vital StatisticsReports, pesquisa realizada pelo Centers
for DiseaseControlandPrevention, em 2014, cerca de 21.386 pessoas
morreram, nos EUA, como resultado de suicídios com o uso de arma de
fogo, quase o dobro dos mortos por homicídios2.

Diante desses dados, destaca-se o papel da publicidade como agente


influenciador do comportamento do consumidor, com relação ao porte
de arma, bem como do desarmamento dos cidadãos. Bueno (2004,
p. 87) relata como a publicidade foi essencial na criação da cultura
armamentista dos Estados Unidos, ao acusar que:

1 Pesquisa disponível em: <http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/2/2017>


2 Pesquisa disponível em: <https://www.cdc.gov/nchs/data/nvsr/nvsr65/nvsr65_04.pdf> .
65

Precisou-se adicionar o suporte do governo


central e a eficaz publicidade dos fabricantes que,
juntos, centraram fogo em três pontos básicos
da cultura americana: armas mantêm a nação
livre e preservam a segurança da família e da
propriedade.

Para melhor compreensão do papel da legislação publicitária no que


tange ao armamento ou ao desarmamento da população, selecionamos
dois países que possuem legislações distintas: o Brasil, com leis mais
rigorosas para a comercialização de armas, mas que se destaca pelo
seu comércio ilegal; e os Estados Unidos, com leis mais brandas que
favorecem a comercialização de armas de fogo. Além de possuírem
legislações publicitárias discordantes em relação à posse de armas, os
dois países em questão possuem, também, características distintas no
que se refere ao número de mortes devido à sua posse.

Comercialização de armas de fogo


no Brasil e nos Estados Unidos
As políticas de regulamentação da compra e do porte de armas de fogo,
no Brasil e nos Estados Unidos, possuem características diferentes,
fato que reflete no número de pessoas com porte legal de armas em
cada país. No Brasil, as leis regem todos os estados da nação, enquanto
que, nos Estados Unidos, existem leis estaduais que influenciam a
comercialização do produto.

No Brasil, a primeira lei criada com o intuito de diminuir a criminalidade


com o uso de armas de fogo foi a Lei das Contravenções Penais, criada
em 1941, que prescreveu o porte de arma de fogo da seguinte forma:

Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa


ou de dependência desta, sem licença da
autoridade: Pena – prisão simples, de quinze
66

dias a seis meses, ou multa, de duzentos


mil réis a três contos de réis, ou ambas
cumulativamente. § 1º A pena é aumentada de
um terço até metade, se o agente já foi condenado,
em sentença irrecorrível, por violência contra
pessoa. § 2º Incorre na pena de prisão simples, de
quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos
mil réis a um conto de réis, quem, possuindo arma
ou munição: a) deixa de fazer comunicação
ou entrega à autoridade, quando a lei o
determina; b) permite que alienado menor
de 18 anos ou pessoa inexperiente no
manejo de arma a tenha consigo; c) omite as
cautelas necessárias para impedir que dela
se apodere facilmente alienado, menor de
18 anos ou pessoa inexperiente em manejá-
la (BRASIL, 1941).

Apesar da criação desse dispositivo legal, o porte ilegal de armas


continuou como figura contravencional até a criação da Lei n° 9.437,
de 20 de janeiro de 1997, que instituiu o Sistema Nacional de Armas
(SINARM) e estabeleceu condições para o registro e para o porte de
arma de fogo. No entanto, essa lei foi revogada, em 2003, com a criação
da Lei nº 10.826/2003, conhecida como Estatuto do Desarmamento.

O Estatuto do Desarmamento foi criado com a intenção de aperfeiçoar


as normas direcionadas ao porte e à compra de armas de fogo, visto que,
com a criação da Lei n° 9.437, não se viu alcançado o objetivo de redução
dos crimes perpetrados com armas de fogo, principalmente o número de
mortes em decorrência do uso delas. O Estatuto do Desarmamento trouxe
normas mais restritas ao porte de armas, colocadas da seguinte forma:

Art. 6° É proibido o porte de arma de fogo em todo


o território nacional, salvo para os casos previstos
em legislação própria e para:
67

I – os integrantes das Forças Armadas; II – os


integrantes de órgãos referidos nos incisos do
caput do art. 144 da Constituição Federal; III
– os integrantes das guardas municipais das
capitais dos Estados e dos Municípios com mais
de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, nas
condições estabelecidas no regulamento desta
Lei; IV – os integrantes das guardas municipais dos
Municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) e
menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes,
quando em serviço; (Redação dada pela Lei nº
10.867, de 2004); V – os agentes operacionais da
Agência Brasileira de Inteligência e os agentes
do Departamento de Segurança do Gabinete
de Segurança Institucional da Presidência
da República; VI – os integrantes dos órgãos
policiais referidos no art. 51, IV, e no art. 52, XIII,
da Constituição Federal; VII – os integrantes do
quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais,
os integrantes das escoltas de presos e as guardas
portuárias;VIII – as empresas de segurança
privada e de transporte de valores constituídas,
nos termos desta Lei; IX – para os integrantes das
entidades de desporto legalmente constituídas,
cujas atividades esportivas demandem o uso de
armas de fogo, na forma do regulamento desta
Lei, observando-se, no que couber, a legislação
ambiental; X – integrantes das Carreiras de
Auditoria da Receita Federal do Brasil e de
Auditoria-Fiscal do Trabalho, cargos de Auditor-
Fiscal e Analista Tributário. (Redação dada pela
Lei nº 11.501, de 2007) XI – os tribunais do Poder
Judiciário descritos no art. 92 da Constituição
Federal e os Ministérios Públicos da União e dos
Estados, para uso exclusivo de servidores de
seus quadros pessoais que efetivamente estejam
no exercício de funções de segurança, na forma
68

de regulamento a ser emitido pelo Conselho


Nacional de Justiça - CNJ e pelo Conselho
Nacional do Ministério Público - CNMP. (Incluído
pela Lei nº 12.694, de 2012). § 1° As pessoas
previstas nos incisos I, II, III, V e VI do caput
deste artigo terão direito de portar arma de
fogo de propriedade particular ou fornecida pela
respectiva corporação ou instituição, mesmo fora
de serviço, nos termos do regulamento desta Lei,
com validade em âmbito nacional para aquelas
constantes dos incisos I, II, V e VI. (Redação dada
pela Lei nº 11.706, de 2008). § 1º-B. Os integrantes
do quadro efetivo de agentes e guardas prisionais
poderão portar arma de fogo de propriedade
particular ou fornecida pela respectiva corporação
ou instituição, mesmo fora de serviço, desde que
estejam: (Incluído pela Lei nº 12.993, de 2014).
I – submetidos a regime de dedicação exclusiva;
(Incluído pela Lei nº 12.993, de 2014); II – sujeitos
à formação funcional, nos termos do regulamento;
e (Incluído pela Lei nº 12.993, de 2014); III –
subordinados a mecanismos de fiscalização e de
controle interno. (Incluído pela Lei nº 12.993, de
2014); Art. 10. A autorização para o porte de arma
de fogo de uso permitido, em todo o território
nacional, é de competência da Polícia Federal
e somente será concedida após autorização do
Sinarm. § 1° A autorização prevista neste artigo
poderá ser concedida com eficácia temporária
e territorial limitada, nos termos de atos
regulamentares, e dependerá de o requerente:
I – demonstrar a sua efetiva necessidade por
exercício de atividade profissional de risco ou
de ameaça à sua integridade física; II – atender
às exigências previstas no art. 4º desta Lei; III –
apresentar documentação de propriedade de
arma de fogo, bem como o seu devido registro no
69

órgão competente. § 2º A autorização de porte


de arma de fogo, prevista neste artigo, perderá
automaticamente sua eficácia caso o portador
dela seja detido ou abordado em estado de
embriaguez ou sob efeito de substâncias químicas
ou alucinógenas (BRASIL, 2003).

Desde a sua criação, em 2003, o Estatuto do Desarmamento sofreu várias


alterações, com o intuito de tornar o porte de armas cada vez mais rígido no
Brasil. Apesar disso, foi criado o projeto de lei (PL) 3722/2012, que revoga
as regras estabelecidas em 2003, permitindo o porte de armas por civis,
desburocratizando a compra, tornando as taxas de registro e de licença até
dez vezes mais baratas e aumentando de 6 para 9 a quantidade de armas
que cada pessoa pode ter. Em 2014, o projeto de lei passou pela Câmara
dos Deputados, prevendo uma possível sanção presidencial em 2015.
Entretanto, em outubro de 2015, o projeto-base foi aprovado, mas ainda
segue em discussão em audiências públicas na Câmara dos Deputados3.

No Brasil, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária,


o Conar4, originou-se na segunda metade dos anos 1970, pois o
governo já pensava em criar medidas que controlassem a publicidade
de conteúdo enganoso, ofensivo ou com apologias abusivas que
desrespeitassem a ética. Essa organização não governamental e sem
fins lucrativos é a responsável, integralmente, pelo Código Brasileiro
de Autorregulamentação Publicitária, que hoje lhe serve de orientação,
guiando as decisões tomadas dentro do conselho. Atualmente, o órgão

3 O PL 3722/2012 pretende garantir o direito à aquisição e ao porte de armas a todos, desde que atendidos al-
guns critérios. Para comprar uma arma, por exemplo, a pessoa não vai mais precisar comprovar a necessidade
para a Polícia Federal. A proposta acaba com a obrigatoriedade de renovação do registro, que passa a ser per-
manente. Também cai a idade mínima para a aquisição de uma arma: de 25 para 21 anos de idade. Vale desta-
car que o artigo 78 do projeto revoga expressamente a Lei 10.826/2003, o Estatuto do Desarmamento, substi-
tuindo-o por um Estatuto de Regulamentação das Armas de Fogo. Disponível em: <http://congressoemfoco.
uol.com.br/ noticias/camara-prepara-liberacao-de-venda-e-porte-de-armas-proposta-enfrenta-oposicao/>.
4 Disponível em: <http://www.conar.org.br/>.
70

atende denúncias de consumidores, autoridades e associados nos casos


em que há desrespeito à legislação. Caso feita a denúncia sobre alguma
irregularidade em determinada campanha, o Conselho de Ética é o
responsável por fiscalizar e julgar as denúncias.

O Código e seus anexos estão apoiados nas diretrizes da legislação


publicitária do país, especialmente as que estão postas na Lei n° 4.680,
de 19655. Dentro do anexo “S”, referente à publicidade de armas de
fogo, estão explícitas todas as regras acerca desse tipo de material:

A publicidade de arma de fogo de uso civil


atenderá, além dos princípios estabelecidos no
Código, às seguintes recomendações especiais:

1. O anúncio deverá deixar claro que a aquisição


do produto dependerá de registro concedido por
autoridade competente: a. essa exigência não
deve ser apresentada como mera formalidade;
b. o anúncio não deverá divulgar facilidades de
registro. 2. O anúncio não deverá ser emocional.
Assim sendo: a. não exibirá situações dramáticas
e nem se valerá de notícias que induzam o
consumidor à convicção de que o produto é
a única defesa ao seu alcance; b. não deverá
provocar o temor popular; c. não apresentará
o possuidor de arma de fogo em situação de
superioridade em relação a perigos ou pessoas; d.
não exibirá crianças ou menores de idade; e. não se
valerá de testemunhal, a não ser de educadores,
técnicos, autoridades especializadas, esportistas
e caçadores, formulado no sentido de alertar e
educar o consumidor; f. não oferecerá facilidades
ou brindes para aquisição do produto. 3. O anúncio
deverá ainda: a. cingir-se à apresentação do

5 Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4680-18-junh-1965-37783


3-publicacaooriginal-1-pl.html>.
71

modelo, suas características e preço; b. evidenciar


que a utilização do produto exige treinamento e
equilíbrio emocional; c. colocar em relevo o risco,
para a comunidade, da guarda do produto em
lugar inseguro. 4. O anúncio não será veiculado em
publicação dirigida ao público infanto-juvenil. 5. O
anúncio só poderá ser veiculado pela Televisão no
período das 23 horas às 6 horas.

Já nos Estados Unidos, há a segunda Emenda Constitucional de 1971,


que garante o direito da compra e do porte de armas pelos cidadãos
americanos. O acordo da Segunda Emenda lidava com preocupações
como a segurança e a necessidade de milícias treinadas para garantir
a chamada “tranquilidade doméstica”6: A Segunda Emenda garante os
seguintes direitos:

A milícia bem regulada sendo necessária à segu-


rança de um Estado livre, o direito do povo de pos-
suir e portar armas não será infringido. Apesar da
ampla e recente discussão e das muitas ações leg-
islativas com respeito ao regulamento de compra,
posse e transporte de armas de fogo, bem como
propostas da restrição substancial da propriedade
de armas de fogo, não há uma resolução defini-
tiva pelos órgãos jurisdicionais dos direitos que a
segunda emenda protege. As teorias de oposição,
talvez mais simplistas, representam uma tese
dos “direitos individuais” onde os indivíduos são
protegidos na propriedade, posse e transporte e
a tese dos “direitos do estado” pelo qual é dito
que a proposta da cláusula é a proteção do estado
e suas autoridades para manter unidades de milí-
cias organizadas. Qualquer que seja o significado
da ementa, ela é apenas uma barra à ação fed-

6 Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Controle-de-armas-e-a-2%AA-E-


menda-a-Constituicao-dos-EUA-o-que-a-direita-armamentista-nao-conta-e-nao-sabe%0D%0A/6/26437>.
72

eral, não se estendendo às restrições do estado


ou propriedades privadas. A suprema corte tem
dado cumprimento a ementa no único caso em
que foi testado a promulgação do congresso con-
tra a proibição constitucional, parecendo afirmar
a proteção individual mas somente no contexto
de manutenção da milícia ou outra força pública.
Em United States v. Miller, o Tribunal sustentou
um estatuto requerendo o registo sob a Lei na-
cional de Armas de Fogo das espingardas de cano
serrado. Depois de recitar as disposições originais
das negociações da Constituição com a milícia, o
Tribunal observou que ‘’com o propósito óbvio de
assegurar a continuação e tornar possível a eficácia
de tais forças, a declaração e garantia da Segunda
Emenda foram feitas”. Ela deve ser interpretada
com essa opinião em vista. O significado de milícia,
continuouo tribunal, era aquela que era composta
de “civis, principalmente, e soldados em certas oc-
asiões”. Nessa força que os estados podiam contar
para defesa e garantia das leis, na força “composta
por todos os homens fisicamente capazes de atuar
em conjunto para a defesa comum,’’ que “quando
chamado para o serviço fosse esperado a aparecer
portando armas fornecidas por eles mesmos e do
tipo de uso comum na época.” Dessa forma, “na
ausência de qualquer evidência que mostre que a
posse ou uso de uma arma tenha um cilindro de
menos de 18 polegadas de comprimento neste
momento tem alguma relação razoável para a
preservação ou a eficiência de uma milícia bem reg-
ulamentada, nós não podemos dizer que a Segunda
emenda garante o direito de manter e portar tal
instrumento. Certamente, não é dentro do conheci-
mento judicial, que esta arma é de alguma parte do
equipamento militar comum ou que seu uso pode
contribuir para a defesa comum.”
73

Desde esta decisão, o congresso tem colocado maiores limitações


nos recibos, posses e transportes de armas de fogo e, de modo geral,
propostas de registro nacional ou de proibição de armas de fogo têm
sido feitas. Em qual ponto a regulação ou a proibição de armas de fogo
faria oposição à emenda? De modo geral, o caso Miller faz pouco mais
do que lançar um leve grau de iluminação para uma resposta. Apesar
da criação da Segunda Emenda, as leis sobre armas dos Estados Unidos
não abarcam todo o espaço territorial da nação: cada um dos 50 estados
norte-americanos tem autonomia sobre o assunto.

Apenas alguns princípios são federais, como, por exemplo: as normas


sobre concessão de licença para comercializar armas; a necessidade de
se esperar cinco dias quando se compra uma arma (Lei Brady), tempo
para que sejam checados os antecedentes do comprador e para forçar
um período de reflexão, com o intuito de prevenir possíveis suicídios ou
assassinatos premeditados7.

Além disso, alguns estados possuem leis que restringem o acesso ao


armamento. Quatro estados impõem um limite de uma arma de mão por
mês, como medida contra o tráfico ilegal de armas. Há estados em que
se faz campanha para que não se possa comprar mais de 20 armas/mês.
Na Califórnia e em Connecticut, é proibida a compra de fuzis de guerra.
Dois estados, Massachusetts e Hawai, proíbem armas de fogo para civis
(BANDEIRA; BOURGOIS, 2005). Apesar disso, em 2010, a Suprema Corte
dos Estados Unidos decidiu que os estados federados não poderiam
limitar ou proibir a posse de pistolas e revólveres, como garante a
Segunda Emenda da Constituição, limitando, assim, a capacidade dos
governos estatais de controlar a posse de revólveres8.

7 Ver Armas de fogo: proteção ou risco?,de Antônio Rangel Bandeira e Josephine Bourgois (2005).
8 Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2010/06/suprema-corte-dos-eua-rejeita-que-
-estados-limitem-posse-de-armas.html>.
74

De uma forma ampla e concreta, a venda de armas de fogo não é apenas


regulamentada nos Estados Unidos, mas é também constitucionalmente
protegida. A Primeira Emenda à Constituição Americana9 protege
o discurso comercial da promoção de produtos ou serviços legais,
especialmente quando os produtos ou serviços são protegidos por
outros direitos constitucionais, como o direito de um cidadão civilmente
ordinário possuir armas de fogo, que foi regulamentado pela Segunda
Emenda. Sendo assim, é verdade o direito constitucional da aquisição e
do porte de armas. O texto da primeira emenda constitucional também
afirma que “O congresso não deverá fazer qualquer lei a respeito de um
estabelecimento de religião, ou proibir o seu livre exercício; ou restringir
a liberdade de expressão, ou da imprensa”(FIRST AMENDMENT, 1791).

Com essa referência, as armas de fogo são constitucionalmente


protegidas do direito de transmitir informações através da imprensa.
Porém, existem outras normas que fomentam e moldam as ramificações
desse direito, proibindo, por exemplo, o marketing de divulgação de
armas de fogo para crianças ou para outros fins, de acordo com o texto
HR 509310, da Câmara dos Deputados Americana:

Esta Lei pode ser citada como a “Lei de Segurança


de arma de fogo de Marketing Infantil”. Proibição de
comercialização de armas de fogo PARA CRIANÇAS.
(A) Conduta Proibida-O mais tardar um ano após a
data da promulgação desta Lei, a Comissão Federal de
Comércio deve promulgar regras, de acordo com a
seção 553 do título 5, United StatesCode, proibir
qualquer pessoa de comercializar armas de fogo
para crianças. Estas regras devem incluir o seguinte:
(1) A proibição do uso de personagens de desenhos
animados para a promoção de armas de fogo e pro-

9 FirstAmendment, 1791. Disponível em: <https://www.law.cornell.edu/anncon/html/a mdt1toc_user.html>.


10 Lei disponível em: <https://www.congress.gov/bill/113th-congress/housebill/5093/text?q= %7b”-
search”:%5b”%5c”firearm+marketing+safety%5c””%5d%7d>.
75

dutos de arma de fogo. (2) A proibição de arma


de fogo marca mercadoria comercializada para
as crianças (tais como chapéus, t-shirt, e bichos
de pelúcia). (3) A proibição de utilização de cam-
panhas de marketing de arma de fogo com a in-
tenção específica de apelar para as crianças. (4)
A proibição de fabricação de uma arma com cores
ou desenhos que são especificamente concebidos
com o objetivo de apelar para as crianças. (5) A
proibição de fabricação de uma arma destina-
da ao uso por crianças que de forma não clara e
visível, note o risco representado por arma de fogo
por meio de rotulagem em algum lugar visível
na arma de fogo qualquer um dos seguintes: (A)
“arma de verdade, não um brinquedo.”. (B) “arma
de fogo real que o uso pode resultar em morte ou
lesões corporais graves.” (C) “arma perigosa”. (D)
Outra linguagem semelhante determinada pela
Comissão Federal do Comércio (H.R.5093 — 113TH
CONGRESS 2013-2014).

Enquanto não há regras que regem a publicidade de armas de fogo, o papel


de limitar ou de recusar a publicização desse artefato fica a cargo das
emissoras de televisão, de rádio e dos pontos de venda de jornais. O The
New York Times, por exemplo, não aceita propagandas de armas de fogo
e de munições vendidas por correspondência, em feiras de armas, nem as
propagandas de armas de mão11. Em 2012, o Google proibiu a publicidade
de armas de fogo, munições e acessórios relacionados no seu serviço de
compras popular12. Outro exemplo é a National Football League, que proíbe
a propaganda de armas de fogo, de munições ou de outras armas durante a
transmissão dos seus jogos13.

11 Texto disponível em: <http://www.huffingtonpost.com/2012/12/19/gun-sales-bushmasternewtown_ n_


2332394.html>.
12 Ver em: <http://www.gunsandammo.com/blogs/news-brief/google-sparks-outrage-censors-guns-am-
mo-and-accessories/>.
13 Regulamento da NFL, disponível em: <http://compassmedianetworks.com/images/sports/forms/ nflad-
vertisingpolicy.pdf>.
76

Publicidade de armas de fogo e segurança pública


Os crimes cometidos com o uso de armas de fogo têm assumido uma
magnitude alarmante, a julgar pelos índices de mortes causadas por
acidentes, suicídios e homicídios. No Brasil e nos Estados Unidos,
destacamos o papel da segurança pública no controle do índice
de mortes desencadeadas pelo uso desse artefato. Além disso, a
disponibilidade de armas de fogo não é o único componente que explica
os elevados índices de violência letal existentes em ambos os países.

No Brasil, segundo o Mapa da Violência de 2016, havia 15,2 milhões de


armas em mãos privadas, sendo 6,8 milhões registradas e 8,5 milhões
não registradas. Dentre estas, 3,8 milhões em mãos criminosas14. O
estudo também apontou que, entre 1980 e 2014, cerca de um milhão
de pessoas (967.551) morreram por disparos de algum tipo de arma de
fogo. Nesse período, as vítimas passaram de 8.710, no ano de 1980,
para 44.861, em 2014, um crescimento de 415,1%, sendo necessário
considerar que, nesse intervalo, a população do país cresceu 65%15.
Ainda assim, o saldo líquido do crescimento da mortalidade por armas
de fogo, descontando o aumento populacional, é impressionante.

Levando em consideração o número de mortes acidentais e por suicídio,


no Brasil, desde a criação do Estatuto do Desarmamento (2003) até
2014, foi registrada uma diminuição no número de mortes. O número de
vítimas fatais por armas de fogo na população, no ano de 2003, foi de 283
ocasionadas por acidentes e 1.330 decorrentes de suicídio. Já no ano de
2014, 11 anos após a criação do Estatuto, o número de mortes por acidente
aumentou para 372, mas o número de suicídios diminuiu, indo para 95616.

14 Mapa da Violência 2016. Ver em: <https://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2016/Mapa2016_ armas_web. pdf>.


15 Dados retirados do Mapa da Violência 2016. Disponível em: <https://www.mapadaviolencia.org.br/
pdf2016/Mapa2016_armas_web.pdf>.
16 Dados retirados do Mapa da Violência 2016. Disponível em: <https://www.mapadaviolencia.org.br/
pdf2016/Mapa2016_armas_web.pdf>
77

Já nos Estados Unidos, o número é ainda maior. Diante de uma legislação


favorável ao consumo de armas de fogo, e guardada sua proporção
populacional17, o número total estimado de armas (tanto lícitas quanto
ilícitas) possuídas por civis é de 270.000.000 a 310.000.00018. Nos
Estados Unidos, foram registrados 19.103 homicídios em 2016, sendo
14.415 deles ocasionados por armas de fogo19. Ainda de acordo com
dados do GunPolicy, o total de suicídios, em 2016, foi de 44.876, sendo
que 22.938 foram decorrentes do uso de armas de fogo.

O alto índice de suicídios por armas de fogo, nos Estados Unidos, gerou
a criação do Plano de Ação de Saúde Mental da Organização Mundial da
Saúde (OMS), em maio de 2013, do qual a prevenção do suicídio é uma
parte integrante, com o objetivo de reduzir essa taxa nos países em 10%,
até o ano de 202020. Além disso, o estudo realizado pela Organização
Mundial da Saúde, em 201421, aponta que muitos suicídios ocorrem
impulsivamente, em momentos de crise, e que, nestas circunstâncias,
o pronto acesso aos meios de tal prática – como os pesticidas ou as
armas de fogo – pode determinar se uma pessoa vive ou morre. Os
estudos realizados pela OMS mostram uma estreita correlação entre a
proporção de famílias que possuem armas de fogo e a proporção de sua
utilização em episódios de suicídio22.

17 Segundo dados do IBGE, o Brasil possui cerca de 208.803.887 habitantes, enquanto os Estados
Unidos, de acordo com o Country Meters, possuem cerca de 328.486.566 habitantes. Dados disponíveis
em: <https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/index.html> e <http://countrymeters.info/pt/
United_States_ of_America_(USA)>.
18 Dados retirados do GunPolicy. Disponível em: <http://www.gunpolicy.org/firearms/region/united-states>.
19 Dados retirados do GunPolicy. Disponível em: <http://www.gunpolicy.org/firearms/region/united-states>.
20 Dados retirados do Preventing Suicide, World Health Organization. Disponível em: <http://apps.who.
int/ iris/bitstream/10665/131056/1/9789241564779_eng.pdf?ua=1&ua=1>.
21 Preventing Suicide, World Health Organization.Disponível em: <http://apps.who.int/ iris/bitstre
am/10665/131056/1/9789241564779_eng.pdf?ua=1&ua=1>. Acesso em: 26 mar. 2018
22 Estudo disponível em: <http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/131056/1/9789241564779_eng.
pdf?ua=1 &ua=1>.
78

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos dados apresentados neste estudo, podemos concluir que o


consumo de armas de fogo possui uma relação direta com o número
de mortes decorrentes do uso desse artefato. Os casos de suicídio e de
mortes acidentais ocasionados pelo porte de armas são alarmantes, e
mostram-se mais frequentes nos Estados Unidos, país que possui uma
lei a favor do consumo e do porte de arma de fogo, além de possuir uma
lei que protege a publicidade desta dentro do país.

No Brasil, é possível constatar que os suicídios e as mortes acidentais


possuem um número inferior, se observados numa comparação com
os Estados Unidos, ainda que consideradas as devidas proporções
populacionais. Talvez porque o país possui uma legislação que restringe
o consumo e o porte de armas de fogo, aliada às restrições de sua
publicidade colocadas pelo Código Brasileiro de Autorregulamentação
Publicitária, que regulamenta a questão. A partir dos dados trazidos, é
possível apontar que, através da ação do Estatuto do Desarmamento
e do referido código, há uma redução no número de suicídios e de
acidentes domésticos ocasionados pelo uso de armas de fogo. De
qualquer forma, o Estatuto do Desarmamento ainda não possui uma
forte atuação frente ao número de homicídios no Brasil.

Indicamos, ainda, que a publicidade possui uma importante contribuição


diante do consumo de armas de fogo, podendo ser utilizada como
forma de incentivo ao uso do armamento, mas também como forma de
incentivo ao desarmamento. Os Estados Unidos possuem uma cultura
do armamento, por isso é bastante comum encontrar propagandas nas
quais jovens demonstram extrema satisfação ao carregar uma arma.
Porém, essa inciativa está diretamente relacionada às leis regentes
daquele país, e torna-se muito difícil uma redução do consumo destes
artefatos, uma vez que a legislação é permissiva em relação a isso.
79

Por outro lado, há iniciativas de ONGs norte-americanas, como a States


United toPreventGunViolence, que incentivam o desarmamento no
país. Recentemente, a organização veiculou uma campanha na qual
uma falsa loja de armas foi montada em uma grande avenida de Nova
Iorque, e, à medida que os consumidores entravam no estabelecimento,
o vendedor perguntava qual o motivo que os possíveis compradores
tinham para adquirir uma arma. A maioria dos consumidores em
potencial argumentava que sua motivação era a segurança pessoal.
Então o ator, atrás da bancada, começava a apresentar os armamentos
e a história por trás deles.”Esta é uma das mais populares. Calibre 22,
seis polegadas... E é também a arma que uma criança de cinco anos
encontrou no quarto dos pais e utilizou para matar o irmão de nove
meses”, disse o vendedor em uma das situações, para espanto de
um casal que procurava por “segurança”.As histórias foram relatadas
com o objetivo de mostrar que a percepção deaumentoda segurança
a partir da posse de uma arma, sustentada por 60% dos americanos,
está errada23.

No Brasil, a publicidade foi utilizada, diversas vezes, como forma


de incentivar a não comercialização de armas, com destaque para a
campanha do desarmamento que teve início em 2004. A campanha
incentivava os cidadãos a doarem suas armas de fogo em troca de
indenizações, que variavam de R$ 150 a R$ 450, dependendo do
armamento. Desde o início da campanha até 2016, mais de 649 mil
armas foram doadas às autoridades, com a finalidade de reduzir a
violência no país24.

23 Campanha disponível em: <http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/voce-compraria-uma-ar-


ma-se-soubesse-sua-historia>.
24 Disponível em: <http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2016/03/mais-de-96-mil-armas-entre-
gues-na-campanha-do-desarmamento-em-pe.html>.
80

No início de 2015, a campanha de desarmamento foi relançada pela


Polícia Militar de Pernambuco25, com o intuito de arrecadar ainda mais
armas de fogo no estado. Desse modo, vê-se que, com o respaldo da
legislação e com uma comunicação adequada, a publicidade pode atuar
como fomentadora de comportamentos socialmente responsáveis
e que refletem em uma melhora na segurança pública de países tão
complexos em termos de violência, como o Brasil e os EUA.

25 Disponível em: <http://g1.globo.com/pe/petrolina-regiao/noticia/2015/01/campanha-do-desarma-


mento-tem-pontos-de-arrecadacao-em-petrolina.html>.
81

REFERÊNCIAS
BANDEIRA, A. R.; BOURGOIS, J. Armas de fogo: proteção ou risco? Rio de
Janeiro: Viva Rio, 2005.

BRASIL. Lei 4.680, de 18 de junho de 1965. Dispõe sobre o exercício da


profissão de publicitário e de agenciador de propaganda e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
L4680.htm>. Acesso em: 29 mar. 2018.

BUENO, L. Controle de armas: um estudo comparativo de políticas públicas


entre Grã-Bretanha, EUA, Canadá, Austrália e Brasil. São Paulo: IBCCRIM, 2004.

CERQUEIRA et al. Atlas da violência 2017. Rio de Janeiro: Instituto de


Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2017.
Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/2/2017>.
Acesso em: 26 mar. 2018.

CÓDIGO Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. São Paulo: Conselho


Nacional de Autorregulamentação Publicitária, s/d. Disponível em: <www.
conar.org.br>. Acessoem: 25 mar. 2018.

CONGRESS.GOV. H.R.5093 - Children’s Firearm Marketing


Safety Act. 14 jul. 2014. Disponível em: <https://www.
congress.gov/bill/113th-congress/house-bill/5093/
text?q=%7b”search”:%5b”%5c”firearm+marketing+safety%5c””%5d%7d>.
Acesso em: 26 mar. 2018.

COUNTRY METERS. População dos Estados Unidos da América. Disponível


em: <http://countrymeters.info/pt/United_States_of_America_(USA)>.
Acesso em: 26 mar. 2018.

EXAME. Você compraria uma arma se soubesse sua história? Disponível


em: <http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/voce-compraria-uma-
arma-se-soubesse-sua-historia>. Acesso em: 26 mar. 2018.

FIRST AMENDMENT, 1791. Disponível em: <https://www.law.cornell.edu/


anncon/html/ amdt1toc_user.html>. Acesso em: 26 mar. 2018.
82

G1 MUNDO. Suprema Corte impede que estados limitem posse de armas


nos EUA. 28 jun. 2010. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/
noticia/2010/06/suprema-corte-dos-eua-rejeita-que-estados-limitem-
posse-de-armas.html>. Acesso em: 26 mar. 2018.

IBGE. Projeção da População do Brasil e das Unidades Federais. Disponível


em: <https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/index.html>.
Acesso em: 26 mar. 2018.

PARRY, Robert. Controle de armas e a 2ª Emenda à Constituição dos EUA: o


que a direita armamentista não conta e não sabe. Carta Maior, 25 dez. 2012.
Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/
Controle-de-armas-e-a-2%AA-Emenda-a-Constituicao-dos-EUA-o-que-a-
direita-armamentista-nao-conta-e-naosabe%0D% 0A/6/26437>. Acesso
em: 26 mar. 2018.

REGULAMENTO da National Football League. Disponível em: <http://


compassmedianetwor ks.com/images/sports/forms/nfladvertisingpolicy.
pdf>. Acesso em: 26 mar. 2018.

SANTOS, Giselle. Câmara prepara liberação de venda e porte de armas


de fogo; oposição não aceita revogação do Estatuto. Congresso em foco,
Brasília, 22 fev. 2018. Disponível em: <http://congressoemfoco.uol.com.br/
noticias/camara-prepara-liberacao-de-venda-e-porte-de-armas-proposta-
enfrenta-oposicao/>. Acesso em: 26 mar. 2018.

WAISELFISZ, JulioJacobo. Mapa da violência 2016: homicídos por armas


de fogo no Brasil. [S/l]: Flacso Brasil, 2015. Disponível em: <https://www.
mapadaviolencia.org.br/pdf2016/Mapa2016_armas_web.pdf> Acesso em:
26 mar. 2018.

ZELLER JR., Tom. Gun Sales Boosted By Military Machismo Ad Strategies


Such As Bushmaster’s ‘Man Card’.Huff Post, 20 dez. 2012. Disponível
em: <http://www.huffingtonpost.com/2012/12/19/gun-sales-
bushmasternewtown_n_2332394.html>. Acesso em: 26 mar. 2018.
83

AÇÕES PUBLICITÁRIAS DIRECIONADAS PARA


AS CRIANÇAS: UM ESTUDO DA TELENOVELA CARROSSEL

Dhione Oliveira SANTANA


Álvaro Augusto Santos SANTANA
Rodrigo Menezes SILVA
Raquel Marques Carriço FERREIRA

RESUMO

A comunicação publicitária é uma das formas de comunicação social mais


envolventes e sedutoras da contemporaneidade, pois tem a capacidade
de criar mundos fantásticos, onde os produtos/serviços ganham mais
do que valor de uso: ganham personalidade e criam relações afetivas
com o público-alvo. As crianças, pela sua imaturidade, são um público
particularmente vulnerável aos apelos publicitários. O presente
artigo, neste contexto, tem o objetivo de fazer um estudo descritivo
sobre a regulamentação que rege a atividade publicitária dirigida
para as crianças, apresentando três casos de ações de merchandising
editorial veiculadas no remake brasileiro da telenovela Carrossel, e que
foram responsáveis por alterar as normas sobre o conteúdo editorial
publicitário veiculado em programas direcionados ao público infantil.

Palavras-chave: Merchandising editorial. Publicidade Infantil.


Regulamentação publicitária. Telenovela.
84

Introdução

Nos últimos anos, uma consciência nacional em favor da ética e da


preservação dos valores morais tem se acentuado, devido às pressões
de autoridades públicas, de ONGs1 e de projetos de lei em tramitação
no Congresso2. Esta forma de pensamento questiona diretamente
a atividade publicitária, que, por sua própria natureza, acaba sendo
alvo não só de frequentes críticas relacionadas aos limites éticos de
sua atuação, mas também de acusações que a colocam como sendo a
origem perversa de muitos males sociais.

Entre os diversos fatores que exercem influência sobre a atividade


publicitária, estão as questões legislativas, que formulam as normas
de comportamento vigentes. Há as normas éticas, válidas para todo e
qualquer indivíduo da sociedade, caracterizadas pela obrigatoriedade
de cumprimento e imposta junto à Constituição Federal, considerada
a lei magna, entre outras, e há normas morais, por sua vez, mais
específicas e de cumprimento facultativo (não obrigatórias), cujo
julgamento resume-se na desaprovação do grupo ou sociedade em
que o transgressor está inserido. Evidentemente, é importante, para a
propaganda, conhecer as normas que condicionam o comportamento
humano, principalmente no que se refere aos públicos de seu interesse
numa determinada estratégia de comunicação (YANAZE, 2006).

Para Sant’anna (1998), publicidade é uma técnica de comunicação de


massa, que possui a finalidade de fornecer informações, desenvolver
atitudes e provocar ações benéficas para os anunciantes, visando
à venda de produtos ou de serviços. Assim, a publicidade serve para
realizar as tarefas de comunicação de massa com economia, velocidade
e volume maiores que os obtidos através de quaisquer outros meios.

1 Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana. Disponível em: <http://defesa.alana.org.br>.


2 Projeto de Lei nº 5.921/2001, de autoria do deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR).
85

É, portanto, a publicidade, uma forma de comunicação de massa com


divulgação direcionada a um número indeterminado de consumidores,
com o intuito de reforço ou de mudança de comportamento. Uma vez
realizada a publicidade, ela não está livre de controle, tanto por parte
do Estado como da autorregulamentação publicitária (SILVA, 2002).

Nos anos 1970, cerceados pelas ameaças do governo militar, que vis-
ava a intervir na publicidade na tentativa de restringir ainda mais sua
atuação, que já vinha sendo submetida a uma espécie de lei de censura
prévia apoiada pelo governo federal e por órgãos ligados à ditadura,
os publicitários, preocupados com a defesa e com a credibilidade da
profissão, organizaram, em 1978, a 3ª edição do Congresso Brasileiro de
Propaganda. Nele, foi discutido e aprovado o Código Brasileiro de Autor-
regulamentação Publicitária, constituindo-se, dois anos depois, o Con-
selho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), a primeira
entidade não governamental com a função de fiscalizar e zelar pela
liberdade de expressão comercial, defendendo os interesses das partes
envolvidas no mercado publicitário, inclusive os do consumidor. Além
de sua estrutura administrativa, o Conar tem um conselho formado por
representantes dos consumidores, das agências, dos anunciantes e dos
veículos (YANAZE, 2006). No julgamento de uma denúncia, recebida ou
levantada pelo próprio órgão, os acusados têm total direito de defesa,
e, uma vez condenada, a peça está sujeita à modificação e até mesmo
à sustação de sua exibição pelos veículos de comunicação de massa.

A discussão sobre os limites da publicidade de produtos e serviços


dirigidos às crianças também cabe ao Conar, uma vez que houve um
crescimento significativo no número de representações abertas e de
liminares concedidas às peças publicitárias do gênero infanto-juvenil,
nos últimos anos. Desde 2006, a autorregulamentação vem adotando
novos limites para a publicidade de produtos e serviços infantis, que,
por sua vez, vão sendo remodelados à medida que se apropriam das
preocupações vigentes na sociedade. Sendo assim, o rigor das normas éti-
86

cas postas em prática no mercado tem sido cada vez mais acentuado, prin-
cipalmente quando associado às denúncias de consumidores e autoridades.

Nesse sentido, este artigo surgiu no momento em que uma decisão


do Conar tornou pública a proibição de ações de merchandising de
produtos infantis em programas destinados às crianças, em qualquer
veículo de comunicação, com a participação de crianças, deixando tais
ações restritas apenas aos intervalos e aos espaços comerciais dos
programas. A norma surgiu depois de três ações desse tipo, veiculadas
na telenovela Carrossel (do Sistema Brasileiro de Televisão), terem
recebido parecer de sustação por parte do Conar.

Em síntese, o presente artigo apoia-se na metodologia do estudo de


caso, através de uma abordagem descritiva do fenômeno aqui focado.
Segundo o pesquisador Robert Yin (2001), o estudo de caso faz com
que o fenômeno a ser estudado seja tomado dentro de seu contexto,
facilitando, assim, a compreensão do caso em questão.
87

A legislação publicitária e a
publicidade direcionada às crianças
Com a constante exposição infantil à publicidade, as crianças se tornaram
influenciadoras no processo de compra, tornando, por consequência,
essa modalidade de propaganda um alvo de condenação por parte
dos pais. Estes julgam que as crianças são altamente vulneráveis e
não possuem maturidade suficiente para defenderem-se da persuasão
aplicada pela propaganda. Por conta da repetição exaustiva do conteúdo
publicitário, as crianças se tornaram mais autoritárias,anulando a força
parental por conta da demanda consumista3. Desse modo, numa visão
“radical” dos efeitos maléficos da publicidade, os pais, apoiados por
entidades dedicadas a este assunto, movimentam-se no intuito de frear
o suposto “consumo voraz” por parte das crianças, influenciado pela
propaganda, que estimularia problemas sociais, psicológicos e físicos,
tais como a obesidade, o bullying e até alguns delitos.

No Brasil, existe uma grande preocupação da sociedade civil organizada


quanto ao desenvolvimento infantil frente à propaganda, pois a
publicidade é vista, pelos mais pessimistas, como a grande causadora
de males que afetam a sociedade e as crianças. Preocupação esta que
é reforçada pelo artigo 227 da Constituição Federal, que torna dever
da família, da sociedade e do Estado a proteção das crianças contra
todo tipo de abuso. Apesar disso, o controle da atividade publicitária
não se baseia em uma legislação específica, mas em algumas normas
que regulamentam o setor como um todo.

3 Pensamento baseado na matéria de Fernanda Salla para o site Mundo Estranho, denominada “A
publicidade deve ser proibida para crianças?”. Disponível em: <http://mundoestranho.abril.com.br/ma-
teria/a-publicidade-deve-ser-proibida-para-criancas> .
88

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do


Estado assegurar a criança e ao adolescente,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade
e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão (BRASIL, 2000, p. 125).

Dentre as fontes do direito brasileiro que regem o assunto da criança e de


seus direitos frente à publicidade, podemos citar o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) e o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Segundo
Hauly (2009), o Código de Defesa do Consumidor considera abusiva a publici-
dade que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança,
sendo passível de regulamentação, e não de censura. Enquanto isso, o Estat-
uto da Criança e do Adolescente carrega um conteúdo mais abrangente, de
caráter cidadão, ratificando os direitos das crianças frente à sociedade.

O Código de Autorregulamentação Publicitária, que nos traz um conteúdo


restrito da área para regulamentar a mensagem posta pela propaganda,
apresenta restrições que refletem os anseios da sociedade por uma
publicidade que respeite o público infantil. Neste código, temos uma seção
que diz respeito apenas aos casos direcionados a crianças e a jovens, no qual
se retomam as questões sobre a publicidade enganosa e ofensiva. Neste
caso, o código vem “barrar” a veiculação de propagandas infantis que se
aproveitem da fragilidade das crianças para persuadi-las.

Art. 37. Os esforços de pais, educadores,


autoridades e da comunidade devem encontrar
na publicidade fator coadjuvante na formação
de cidadãos responsáveis e consumidores
conscientes. Diante de tal perspectiva, nenhum
anúncio dirigirá apelo imperativo de consumo
diretamente à criança. E mais:
89

1 – Os anúncios deverão refletir cuidados especiais


em relação à segurança e às boas maneiras e,
ainda, abster-se de:
a. desmerecer valores sociais positivos, tais como,
dentre outros, amizade, urbanidade, honestidade,
justiça, generosidade e respeito a pessoas, animais
e ao meio ambiente;
b. provocar deliberadamente qualquer tipo de
discriminação, em particular daqueles que, por
qualquer motivo, não sejam consumidores do
produto;
c. associar crianças e adolescentes a situações
incompatíveis com sua condição, sejam elas
ilegais, perigosas ou socialmente condenáveis;
d. impor a noção de que o consumo do produto
proporcione superioridade ou, na sua falta, a
inferioridade;
e. provocar situações de constrangimento aos
pais ou responsáveis, ou molestar terceiros, com
o propósito de impingir o consumo;
f. empregar crianças e adolescentes como modelos
para vocalizar apelo direto, recomendação ou
sugestão de uso ou consumo, admitida, entretanto,
a participação deles nas demonstrações pertinentes
de serviço ou produto;
g. utilizar formato jornalístico, a fim de evitar que
anúncio seja confundido com notícia;
h. apregoar que produto destinado ao consumo por
crianças e adolescentes contenha características
peculiares que, em verdade, são encontradas em
todos os similares;
i. utilizar situações de pressão psicológica ou
violência que sejam capazes de infundir medo.
2 – Quando os produtos forem destinados ao
consumo por crianças e adolescentes seus
anúncios deverão:
a. procurar contribuir para o desenvolvimento
positivo das relações entre pais e filhos, alunos
e professores, e demais relacionamentos que
90

envolvam o público-alvo deste normativo;


b. respeitar a dignidade, ingenuidade, credulidade,
inexperiência e o sentimento de lealdade do
público-alvo;
c. dar atenção especial às características
psicológicas do público-alvo, presumida sua
menor capacidade de discernimento;
d. obedecer a cuidados tais que evitem eventuais
distorções psicológicas nos modelos publicitários
e no público-alvo;
e. abster-se de estimular comportamentos
socialmente condenáveis.
Parágrafo 1º
Crianças e adolescentes não deverão figurar
como modelos publicitários em anúncio que
promova o consumo de quaisquer bens e serviços
incompatíveis com sua condição, tais como armas
de fogo, bebidas alcoólicas, cigarros, fogos de
artifício e loterias, e todos os demais igualmente
afetados por restrição legal.
Parágrafo 2º
O planejamento de mídia dos anúncios de
produtos de que trata o inciso 2 levará em conta
que crianças e adolescentes têm sua atenção
especialmente despertada para eles. Assim,
tais anúncios refletirão as restrições técnica
e eticamente recomendáveis, e adotar-se-á a
interpretação a mais restritiva para todas as
normas aqui dispostas.
Nota: Nesta Seção adotar-se-ão os parâmetros
definidos nos arts. 2º e 6º (final) do Estatuto da Cri-
ança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90): “Consid-
era-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa
até doze anos de idade incompletos, e adolescente
aquela entre doze e dezoito anos de idade” e na sua
interpretação, levar-se-á em conta a condição pecu-
liar da criança e do adolescente como pessoas em
desenvolvimento constante (CÓDIGO, s/d).
91

Ao artigo 37 do Código de Autorregulamentação Publicitária somaram-


se, posteriormente, novas regras que tratam do merchandising
direcionado ao público infanto-juvenil. As novas normas são: 

3 – Este Código condena a ação de merchandising


ou publicidade indireta contratada que empregue
crianças, elementos do universo infantil ou outros
artifícios com a deliberada finalidade de captar a
atenção desse público específico, qualquer que
seja o veículo utilizado.
4 – Nos conteúdos segmentados, criados,
produzidos ou programados especificamente para
o público infantil, qualquer que seja o veículo
utilizado, a publicidade de produtos e serviços
destinados exclusivamente a esse público estará
restrita aos intervalos e espaços comerciais.
5 – Para a avaliação da conformidade das ações de
merchandising ou publicidade indireta contratada
ao disposto nesta Seção, levar-se-á em consider-
ação que:
a. o público-alvo a que elas são dirigidas seja
adulto;
b. o produto ou serviço não seja anunciado
objetivando seu consumo por crianças;

c. a linguagem, imagens, sons e outros artifícios


nelas presentes sejam destituídos da finalidade
de despertar a curiosidade ou a atenção das
crianças (CÓDIGO, s/d).

Vale destacar que, para aumentar ainda mais a defesa no que se


refere à publicidade em território brasileiro, existem alguns órgãos
que lutam em prol da questão. Um dele é o Instituto ALANA, uma
organização sem fins lucrativos, criada em 1994, que tem como missão
a proteção e o amparo social. O instituto possui um projeto chamado
“Criança e Consumo”, criado em 2006, visando a questionar o poder
da publicidade sobre as crianças e o impacto sobre a vida delas, no
92

intuito de conscientizar a população no que diz respeito aos problemas


causados pela propaganda maciça e pela mercantilização infantil, como
a erotização precoce, a violência na juventude, o consumo desenfreado,
o materialismo e as relações sociais desgastadas.

O posicionamento do Brasil em preservar as crianças da publicidade


abusiva reflete uma tendência mundial de regulamentar severamente
esse tipo de atividade. Diversos outros países, como Espanha, Canadá,
Inglaterra e Alemanha4, possuem leis que deliberam rigidamente
sobre a publicidade infantil. Em um caso mais específico, na Suécia,
existe uma das leis mais severas do mundo, que veta qualquer tipo de
propaganda para as crianças – o país usa, como argumento, a ideia de
que as crianças não nasceram com “anticorpos” suficientes para as
pressões comerciais, devendo, assim, serem protegidas –, lei esta que
tem 88% de aprovação da população local5.

4 Pensamento baseado na matéria de Fernanda Salla para o site Mundo Estranho, denominada “A
publicidade deve ser proibida para crianças?”. Disponível em: <http://mundoestranho.abril. com.br/
materia/a-publicidade-deve-ser-proibida-para-criancas>.
5 Informação tirada de um artigo escrito por Edson Crescitelli para a revista do SESC. Disponível em:
<http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/revistas_link.cfm?edicao_id=202&Artigo_ID=3159&IDCatego-
ria=3411&reftype=2>.
93

Descrição dos casos


A telenovela Carrossel é considerada um verdadeiro fenômeno de
audiência e de faturamento no Brasil, sendo um remake da versão
mexicana de uma telenovela de mesmo nome, que foi produzida pela
emissora Televisa, em 1989, e veiculada, no Brasil, entre maio de 1991
e abril de 1992, com três reprises: em 1993, em 1995 e em 1996. A
versão brasileira estreou em 21 de maio de 2012, com a missão de
levar o público infanto-juvenil e sua família a assistir à televisão aberta
juntos, no horário nobre. A telenovela Carrossel tornou-se uma opção
de entretenimento na televisão aberta do horário nobre para o público
infantil, público este que, outrora, buscava nos canais por assinatura e
nos games sua fonte de entretenimento no horário.

Depois de uma massiva campanha publicitária de divulgação da telenovela,


o SBT estreou Carrossel, conseguindo marcar, no Painel Nacional de
Televisão (PNT)6, 12 pontos7 de média, com pico de 13 pontos, garantindo a
vice-liderança nacional em nível de audiência para o horário. O sucesso de
audiência de Carrossel8 proporcionou ao SBT grandes retornos publicitários
e de licenciamento. Nesse sentido, houve uma intensificação da exposição
de mensagens publicitárias direcionadas às crianças, chamando, assim, a
atenção das autoridades e da sociedade civil.

É importante observar que os casos evolvendo a publicidade para


crianças são os que têm gerado mais polêmicas. Se visitarmos o site
do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar),
verificaremos que a maior parte das ações publicitárias que foram
alvos de denúncias no conselho, em 2012, por exemplo, foram

6 Estes dados têm como fonte o IBOPE, mas foram retirados de um coluna na internet especializada
em televisão denominada “Natelinha”. Matéria disponível em: <http://natelinha.uol.com.br/noticias/
2012/05/22/carrossel-atinge-alta-audiencia-em-outras-regioes-do-brasil-confira-174108.php>.
7 Cada ponto no PNT equivale a 608.165 indivíduos e 204.108 domicílios.
8 Que manteve um índice superior a 10 pontos no painel nacional.
94

aquelas direcionadas às crianças. Em praticamente todos os meses


do ano, algum caso foi julgado pelo órgão, pois, de alguma forma, a
publicidade veiculada infringia as normas que protegem tal público.
Em 2012, o Conar julgou, no total, 41 casos relativos à publicidade
infantil. Três deles foram referentes a ações de merchandising para
crianças veiculadas na telenovela Carrossel, do SBT. Os casos, aqui
analisados, são os das ações de merchandisingda Cacau Show, do
Giraffas e da Chamyto.

O primeiro caso9 foi relatado pelo conselheiro André Porto Alegre,


julgado em setembro de 2012, e partiu de uma denúncia de uma
consumidora de São Paulo que considerou inadequada a ação de
merchandisingda Cacau Show, inserida na telenovela Carrossel, para
anunciar uma promoção que levaria alguns consumidores fãs da
telenovela a visitar a fábrica da Cacau Show10. Os réus (Cacau Show
e SBT), ao formularem suas defesas, utilizaram-se justamente do fato
de ser uma promoção para visita à fábrica, não havendo nenhum apelo
imperativo de consumo dirigido a crianças. No entanto, o conselheiro
decidiu pela sustação da ação publicitária, por achar desrespeitosa,
tendo seu voto aceito por unanimidade.

O segundo caso11 envolveu uma ação de merchandising do restaurante


Giraffas e foi julgado em novembro de 2012, tendo como relator o
conselheiro Marcelo Galante. A denúncia partiu da própria direção do
Conar e baseou-se no fato de que ela contrariava a recomendação do
Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que veta ações
desse tipo, por considerar que o público infanto-juvenil está menos
preparado para distinguir ações de publicidade inseridas na trama. Na

9 Caso descrito no site do Conar. Disponível em: <http://www.conar.org.br/processos/ detcaso.


php?id=3210>.
10 A campanha foi parar no Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON).
11 Caso descrito no site do Conar. Disponível em: <http://www.conar.org.br/processos/ detcaso.
php?id=3289>.
95

ação publicitária, inserida na telenovela, os personagens Cirilo (Jean


Paulo Santos), Davi (Guilherme Seta) e Paulo (Lucas Santos) estão
reunidos, no quarto, quando começam a comentar que estão com
fome e decidem buscar, na internet, um lugar para comer. Eles acessam
justamente o site da marca Giraffas, numa cena em que os personagens
exaltam o estabelecimento e falam da importância da comida saudável.
Mesmo se tratando de ação publicitária que incentiva práticas
alimentícias saudáveis, sem apelo imperativo de consumo dirigido ao
menor de idade e demonstrando respeito a pais e professores, segundo
o Conar, a peça deveria ser sustada, ainda que não houvesse uma
menção explícita à publicidade de restaurantes e lanchonetes. Nas
palavras do relator do caso,

A composição do Conselho de Ética é democrática,


não sendo formado somente por advogados.
Assim, não cabe a esse órgão adentrar em uma
discussão jurídico-doutrinária, mas cabe, sim,
analisar cuidadosamente a publicidade e as provas
apresentadas pelas partes e analisar o espírito
e intenção da peça publicitária. Nesse sentido,
entendo que a ação de merchandising, como foi
executada, é vetada pelo Código12.

O terceiro caso foi julgado em dezembro de 2012. O relator do processo


foi o conselheiro Antônio Jesus Cosenza, e a denúncia partiu de uma
consumidora de São José dos Campos (SP), que acionou o Conar por
ações de merchandising do iogurte Chamyto, da Nestlé, na telenovela
Carrossel. Segundo a consumidora, as ações estimulavam o consumo
do produto e desrespeitavam a recomendação do Código acerca da
distinção da mensagem publicitária em relaçãoao conteúdo editorial
dos programas televisivos. Na ação de merchandising apresentada na
novela, Carmem (Stefany Va) e Marcelina (Ana Vitória Zimmermann)

12 Afirmação disponível em: <http://www.conar.org.br/processos/detcaso.php?id=3289>.


96

estão comentando que Valéria (Maísa Silva) recebeu uma “bolada”,


quando Marcelina questiona a amiga se ela trouxe comida. Carmem
explica que não, e diz que o iogurte que tinha lhe fora dado pela
professora Helena. Logo em seguida, é apresentado o produto e a
maneira correta de comê-lo, que seria misturando os doces cereais
ao iogurte. Em sua defesa, o SBT e o anunciante, no caso a Nestlé,
negaram que a ação tenha infringido as recomendações do Conar. O
argumento não foi aceito pelo relator, pois a ação publicitária tratava-
se de um merchandising que estava sendo direcionado às crianças,
sendo, portanto, sustada por decisão unânime, baseada nos artigos 1º,
3º, 6º, 27º, 37º e 50º do Código de Autorregulamentação Publicitária.
97

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O segmento infanto-juvenil constitui-se como o público mais vulnerável


aos apelos das ações publicitárias. Devido a esta fragilidade do público
infantil, a publicidade voltada para o segmento é alvo de grande parte
das denúncias feitas ao Conselho Nacional de Autorregulamentação
Publicitária, que é o responsável por julgar os casos envolvendo toda a
publicidade veiculada em território nacional. As normas, que fazem do
código um dos mais rígidos do mundo, foram resultado de um amplo
debate que se instalou, no Brasil, sobre os limites que devem existir na
comunicação publicitária.

Neste estudo, apresentamos a descrição de três casos de ações


publicitárias numa telenovela que foram condenadas pelo Conar, uma
vez que não distinguiam as ações publicitárias do conteúdo ficcional
televisivo, utilizando crianças nestas ações. Tais casos serviram de
“pontapé” inicial para mudanças no Código de Autorregulamentação
Publicitária, que agora proíbe a participação de menores neste tipo de
ação. Tal medida do Conar reflete a filosofia do órgão de agir de forma
ética, democrática e técnica, atendendo aos anseios da sociedade em
questões que envolvam a publicidade e o consumo.
98

REFERÊNCIAS
ANDRE, Alberto. Ética e códigos da comunicação social. 4 ed. rev. ampl.
Porto Alegre: Editora Sagra Luzzatto, 2000.

BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 15 ed. atual.


em 2000. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2000.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente: 12 anos. Brasília, DF: LTD, 2001.

CHILDHOOD. Regulamentação maior à publicidade infantil. 01 nov. 2012.


Disponível em: <http://www.childhood.org.br/regulamentacao-maior-a-
publicidade-infantil>. Acesso em: 25 mar. 2013.

CÓDIGO Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. São Paulo: Conselho


Nacional de Autorregulamentação Publicitária, s/d. Disponível em: <www.
conar.org.br>. Acesso em: 25 mar. 2018.

CONAR, portal. Disponível em: <http://www.conar.org.br/>. Acesso em: 24 mar.


2013.

CONAR. Carrossel - Giraffas. Disponível em: <http://www.conar.org.br/


processos/detcaso. php?id=3289>. Acesso em: 25 mar. 2013.

CONAR. Cidadãos responsáveis e consumidores conscientes dependem de


informação (e não da falta dela). Disponível em: <http://www.conar.org.br/
conar-criancas-e-adolecentes.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2013.

CONAR. CONAR se antecipou às demandas da sociedade em relação à


publicidade para as crianças. 29 jan. 2009. Disponível em: <http://www.
conar.org.br/noticias/detnoticias.php?id=187>. Acesso em: 24 mar. 2013.

CONAR. Novela Carrossel – Chamyto1 e 2. Disponível em: <http://www.


conar.org.br/ processos/detcaso.php?id=3307>. Acesso em: 26 mar. 2013.

HAULY, Luiz Carlos. Publicidade infantil: um polêmico projeto. Brasília, DF:


Centro de Documentação e Informação, 2009.

NATELINHA. “Carrossel” atinge alta audiência em outras regiões do Brasil;


confira. Disponível em: <http://natelinha.uol.com.br/noticias/2012/05/22/
c a r ro s s e l - a t i n g e - a l t a - a u d i e n c i a - e m - o u t r a s - r e g i o e s - d o - b r a s i l -
confira-174108.php>. Acesso em: 25 mar. 2013.
99

PEREIRA, Rita Marisa Ribes. Infância, televisão e publicidade: uma


metodologia de pesquisa em construção. Cadernos de Pesquisa [online],
n.116, p. 81-105, jul. 2002. Disponível em: <http://dx.doi.org/ 10.1590/
S0100-15742002000200005>.

PERRACINI, Renato. O Marketing e sua Comunicação diante das normas legais


e normas éticas. In: YANAZE, MitsuruHiguchi. Gestão de marketing: avanços
e aplicações. São Paulo: Saraiva, 2006.

PERRACINI, Renato. O Marketing e sua Comunicação diante das normas legais


e normas éticas. In: YANAZE, MitsuruHiguchi. Gestão de marketing: avanços
e aplicações. São Paulo: Saraiva, 2006.

SALLA, Fernanda. A publicidade deve ser proibida para crianças? Mundo


Estranho, São Paulo, 10 fev. 2010. Disponível em: <http://mundoestranho.
abril.com.br/materia/a-publicidade-deve-ser-proibida-para-criancas>.
Acesso em: 24 mar. 2013.

SAMPAIO, Inês Sílvia Vitorino. Televisão, publicidade e infância. 2 ed. São


Paulo: Annablume, 2004.

SANT’ANNA, A. Propaganda: teoria, técnica, prática. São Paulo: Pioneira


Thomson Learning, 2001.

SILVA, Patrícia Andrea Caceresda.  Da publicidade prejudicial ao


consumidor. Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira, 2002.

TV FOCO. O Segredo das Telenovelas Carrossel. Disponível em: <http://


tvfoco.pop.com.br/ audiencia/o-segredo-das-novelas-mexicanas/>. Acesso
em: 25 mar. 2013

VEJA. Estreia de ‘Carrossel’ coloca SBT em segundo lugar na audiência.


Disponível em: <http://veja. abril.com.br/noticia/celebridades/estreia-de-
carrossel-no-sbt-agita-as-redes-sociais>. Acesso em: 26 mar. 2013

VEJA. O fenômeno da novela “Carrossel”. Disponível em: <http://vejasp.


abril.com.br/materia/ carrossel-audiencia>. Acesso em: 25 mar. 2013.

VESTERGAARD, Torben; SCHRØDER, Kim. A linguagem da propaganda. São


Paulo: Martins Fontes, 1988.

YANAZE, MitsuruHiguchi. Gestão de marketing: avanços e aplicações. São


Paulo: Saraiva, 2006. 
100

PUBLIPOST X OSTENSIVIDADE:
A PUBLICIDADE DISFARÇADA DE OPINIÃO

Tiago Andrade SANTANA


Luan Max Santana VIANA
Raquel Marques Carriço FERREIRA

RESUMO
O presente artigo visa a ampliar o conhecimento em relação à existência
de conteúdo patrocinado nas plataformas digitais e ao conceito de
digital influencer, mostrando como a publicidade tem se adaptado a
essa nova prática, vinculando-se ao entretenimento para ser melhor
recebida pelo seu público. O objetivo deste estudo é demonstrar
a importância do cumprimento das disposições legais em torno da
autorregulamentação publicitária (principalmente no que se refere à
ostensividade), a partir da exploração de casos que respeitaram tais
disposições e obtiveram sucesso, mas, também, de casos que foram de
encontro às normas do Conselho Nacional de Autorregulamentação
Publicitária (Conar) e acabaram gerando imbróglios para o criador do
conteúdo e para a marca anunciadora.

Palavras-chave: Publicidade. Ostensividade. Influenciadores digitais.


Publipost.
101

Introdução

O compartilhamento e a construção de uma inteligência coletiva – que


permite a criação de conteúdo, por qualquer usuário, sem que haja
qualquer tipo de limitação – foi possível com o advento da internet
(LÉVY, 2000). Isso pode ser percebido na maneira pela qual as pessoas
interagem nos ambientes digitais, especialmente nas redes sociais,
onde o acesso à criação e à troca de informações está disponível a
qualquer usuário.

Desta forma, o ambiente virtual proporciona o compartilhamento de


opiniões e de posicionamentos sobre os mais variados temas, criando
grupos de pessoas que se assemelham no que diz respeito aos seus
interesses e preferências. Essa prática conquista uma quantidade muito
significativa de adeptos, que estão propensos a dar credibilidade ao
discurso daqueles dos quais se fazem seguidores.

Como uma estratégia para obter benefício a partir dessas redes de


intercâmbio e de liderança de opinião, muitas marcas decidem agregar-
se – realizando campanhas publicitárias – ao perfil de pessoas com
alta capacidade de influência, devido ao grande número de seguidores
que registram. Essas pessoas são denominadas digital influencers e
podem trabalhar com qualquer tipo de criação de conteúdo: vídeo, em
plataformas como YouTube, Musical.ly ou Snapchat; foto, no Instagram
ou no Facebook; texto, em plataformas de blog como o Tumblr, o
Blogger ou o Wordpress. Além disso, é possível encontrar influenciadores
digitais que assim são considerados apenas por exporem suas opiniões
em redes mais diretas, como é o caso do Twitter.

É fato que há uma relativa facilidade no acesso às ferramentas


necessárias para ser um digital influencer, tanto em termos do meio
(faz-se necessário somente ter acesso à internet e cadastrar-se
102

gratuitamente em alguma plataforma digital de compartilhamento de


conteúdo) como em termos da própria mensagem (uma opinião em
forma de texto, vídeo ou imagem). Devido a isso, novos influenciadores
surgem a cada dia, embora nem todos obtenham igual destaque1.

É esse diálogo, que acontece entre pessoas comuns, que faz surgir
um vínculo entre o comunicador e a sua audiência. “As inúmeras
vozes que ressoam no ciberespaço continuarão a se fazer ouvir e
a gerar respostas” (LÉVY, 2000). Devido ao fato de os interlocutores
estarem no mesmo meio – a internet –, a comunicação torna-se apenas
relativamente igualitária (uma vez que, nesse processo comunicacional,
uma das partes possui maior relevância). Assim, com esse sentimento
de identificação – seja pelo tipo de conteúdo, pela maneira como este é
apresentado ou pela própria pessoa que o apresenta –, o fato é que se
cria a ideia de uma maior aproximação do seguidor em relação ao criador
desse conteúdo, o que vem colocando a figura do “ídolo” num patamar
diferente da que ela experimentava antes do advento de tais redes,
quando isolada em plataformas às quais o público não tinha um acesso
tão direto, isto é, nas quais não havia a aproximação anteriormente
referida. Essa facilidade permite que os usuários da internet tenham voz
não somente para interagir com os influenciadores, mas, também, para
se tornarem formadores de opinião e, por sua vez, atrair seguidores que
compactuam com seu modo de pensar.

Dessa maneira, cria-se uma rede na qual todos os usuários têm


capacidade de se expressar, havendo diálogo até mesmo entre os que
têm pouca relevância na rede social e os que têm milhões de seguidores.
Porém, essa maior proximidade dá forças ao laço de dominação que

1 Como prova da força que vêm ganhando os influenciadores digitais, na atualidade, o Centro Univer-
sitário Brasileiro (Unibra) já oferta um curso de graduação em Digital Influencer, como se pode verificar na
própria página da instituição na internet, disponível em <https://grupounibra.com/curso-graduacao/digital-
-influencer-graduacao/>.
103

une comunicador e receptor, uma vez que o youtuber, o blogueiro ou


o instagrammertorna-se uma peça de grande importância na formação
da opinião daquele que o acompanha. Segundo Marques (2017),

A figura do digital influencer viu sua importância


crescer em especial na última década. Para
indivíduos da Geração Z (que, até 2020, irão
compor cerca 20% da mão de obra do planeta,
direcionando, ainda mais, as tendências de
consumo globais), YouTubers, Blogueiros e
Instagramers tem tão ou mais influência que
personalidades da TV, Cinema, ou de outros
nichos do entretenimento.

Os influenciadores digitais estão, com frequência, mostrando detalhes de


sua vida e, principalmente, exibindo aquilo que consomem. Uma vez que
eles são vistos pelos seguidores como pessoas que merecem credibilidade
– capazes, portanto, de atuarem como formadoras de opinião –, a sua
possível influência no comportamento do usuário (visto enquanto um
consumidor) é algo que vem atraindo as empresas de mercado.

As mídias sociais têm um enorme poder formador


de opinião e podem ajudar a construir ou destruir
uma marca, um produto ou uma campanha
publicitária, o consumidor não absorve mais a
propaganda de seu produto como antes. Hoje
ele verifica na Internet informações sobre seu
produto e serviço antes de comprar. E busca
essas informações nas experiências de outros
consumidores com quem mantém uma relação a
partir das mídias sociais (TORRES, 2009).

Em pesquisa da PwC, 77% dos consumidores brasileiros afirmaram que


suas decisões de compra são impactadas por informações recebidas em
104

redes sociais2. Assim, torna-se evidente o papel do digital influencer


no comportamento de compra dos seus seguidores. Como maneira
de usufruir desse potencial, várias marcas têm trabalhado com os
influenciadores para criar formas de atingir o público (com o intuito
de gerar venda), sem que esse se sinta incomodado com a inserção de
qualquer forma de publicidade no conteúdo.

Dentre essas formas, existe o patrocínio dessas webcelebridades –


seja com o envio de produtos da marca, seja com pagamento em
dinheiro. Em geral, nessa prática, as empresas fecham acordos com
o influenciador para que este apresente o produto ao seu público e,
muitas vezes, essa apresentação é disfarçada de opinião, para que a
mensagem passada ao espectador tenha mais credibilidade e para que
se tenha uma maior probabilidade de compra. No entanto, é ilegal
omitir que determinada mensagem se trata de uma indução publicitária
e, assim, vários imbróglios surgem, levando o consumidor ao erro pela
falta de clareza sobre a real natureza da mensagem.

2 Disponível em: <http://www.valor.com.br/empresas/3901342/redes-sociais-influenciam-decisao-de-


-compra-de-77-dos-brasileiros>.
105

O que diz o Conar?


Buscando garantir a ostensividade da propaganda (quando a propaganda
deixa claro que se trata de um conteúdo comercial), para assegurar-
se de que o consumidor não seja, de nenhuma maneira, enganado,
o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária possui
dois artigos em seu código de regulamentação que advertem sobre a
obrigatoriedade de os anúncios publicitários serem ostensivos. São eles:

Artigo 9° – A atividade publicitária de que trata


este Código será sempre ostensiva. §1º – A
alusão à marca de produto ou serviço, razão
social do anunciante ou emprego de elementos
reconhecidamente a ele associados atende ao
princípio da ostensividade.
[...]
Artigo 28º – O anúncio deve ser claramente
distinguido como tal, seja qual for a sua forma ou
meio de veiculação.

A internet, apesar de sempre ser vista como um meio de comunicação


livre, não foge à regulamentação do Conar. Qualquer tipo de conteúdo
patrocinado deve conter, em sua descrição ou legenda, artifícios
que indiquem seu caráter publicitário. Para isso, muitos criadores
de conteúdo utilizam hashtags(que identificam a intenção da
mensagem pronunciada pelo influencer)ou formas de sinalização com
ferramentas da própria plataforma (como no caso do YouTube). Mas
apenas o cumprimento desses itens não é suficiente para comprovar
a ostensividade do material, pois o público deve estar ciente, desde o
início, de que tal conteúdo se trata de material promocional. Para isso,
é preciso deixar claro quem é o anunciante por trás da mensagem.

A necessidade de ostensividade tem a ver com a necessidade de


eliminação de ambiguidades que podem ser geradas na interpretação
de uma mensagem, por parte do consumidor. Quando este recebe uma
106

mensagem que é transmitida como opinião, ele tende a aceitá-la com


menos resistências, devido à credibilidade que confere ao produtor
do conteúdo. Quando tal “opinião” é, na verdade, uma forma de
publicidade velada, o receptor pode ser induzido ao erro, ao confundir o
conteúdo de uma mensagem maculada por acordos comerciais. Assim,
camuflar publicidade é levar o consumidor ao erro, por fazê-lo crer que
a indução ao consumo é apenas uma recomendação.

Digital influencers: análise de casos


Muitas parcerias entre empresas e criadores de conteúdos, no meio
digital, geram resultados extremamente positivos, além de levar a
mensagem publicitária ao público-alvo de uma maneira relevante e
criativa, conquistando um alto índice de engajamento por parte desse
público, que curte, comenta e até compartilha o conteúdo de forma
espontânea. De acordo com Viana (2008, p.13):

Esta publicidade desenvolve-se num ambiente


próprio, abandonando seu lugar tradicional
de existência – os intervalos comerciais ou as
páginas de anúncios –, assumindo uma nova
postura frente ao receptor, ao apresentar-se
como produto midiático cujo objetivo é propiciar
também o entretenimento. Para se apresentar
sob esta forma, ela resgata signos específicos
de outras estruturas midiáticas, mas, ao mesmo
tempo, não oculta todos os signos persuasivos
que a caracterizam como publicidade, uma vez
que o seu objetivo ainda é propiciar a venda.

Dessa maneira, a publicidade é atrelada ao material opinativo ou de


entretenimento, aproveitando-se da sua capacidade de envolver o público
para disseminar a mensagem final, cujo objetivo é o de gerar vendas.
Podemos, então, ratificar os preceitos postulados por Donaton (2007):
107

Mais e mais, os anunciantes e publicitários estão


medindo as oportunidades de financiarem a
produção de programas de TV ou mesmo de
filmes. Em parte, eles fazem isso para garantir a si
mesmos uma oportunidade valiosa de marketing,
em parte para desbancar a concorrência. Também,
no entanto, isso permite o desenvolvimento de
um ambiente criativo benéfico às suas mensagens
publicitárias. É uma chance e tanto para capitalizar
em cima do sucesso do programa, muitas vezes
com porcentagem nos lucros.

Pode-se fazer uma comparação entre a lógica do tie-in – prática


popularmente conhecida por merchandising, que se caracteriza pela
inserção de um produto/marca em um produto cultural como um filme,
uma novela ou em um game – e a lógica dos publiposts, já que, em
ambos, a publicidade aproveita-se de um conteúdo que já possui um
público cativo e tenta conquistá-lo, servindo o produto cultural como
um elemento mediador.

Um dos benefícios dessa fusão entre publicidade e entretenimento,


na internet, é o engajamento do público. Uma vez compartilhado
o conteúdo, por exemplo, ele pode ser disseminado para a rede de
contatos do receptor assim que este promove o conteúdo em sua página,
dando visibilidade adicional ao material que contém a mensagem
publicitária. Em alguns casos, o resultado da parceria é tão bom que é
gerada mídia espontânea para o conteúdo em questão (beneficiando
a marca e o criador de conteúdo), sendo pauta de notícia na mídia de
massa. A seguir, fazemos a análise de alguns casos envolvendodigital
influencers, procurando demonstrar que, nem sempre, tais ocorrências
estão em consonância com a legislação publicitária no que se refere à
obrigatoriedade da ostensividade.
108

Canal “Você sabia?”


Criado em 2013 por Lukas Marques e Daniel Molo, o Você Sabia?é
um canal de curiosidades de bastante sucesso no YouTube, sempre
produzindo vídeos com bom humor. Conta com mais de 10 milhões
de inscritos e mais de 1 bilhão de visualizações em centenas de vídeos
postados, figurando entre os 20 maiores canais do YouTube Brasil3.

Em outubro de 2016, o canal se envolveu em uma polêmica, por conta


de um vídeo no qual os apresentadores e donos do canal falavam sobre
a reforma do Ensino Médio. Ambos foram acusados de fazer publicidade
velada, disfarçada de opinião em favor da reforma. Um deles diz: “Com
esse vídeo, você aí deve estar pulando de alegria. Se eu tivesse que
fazer o Ensino Médio e soubesse dessa mudança, eu ficaria muito feliz”.
No final do vídeo, um deles afirma: “A gente achou o tema bastante
interessante, uma galera discutindo nas redes sociais e então falamos:
deixa com nós que a gente explica direitinho”.

Segundo o jornal Folha de São Paulo, o canal recebeu cerca de R$ 65


mil para posicionar-se de maneira favorável acerca da questão4. Apesar
de terem adicionado “#ad”5 à descrição do vídeo e sinalizado, para

3 Disponível em: <https://www.youtube.com/user/vcsabiavideos>.


4 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2017/02/1859532-governo-paga-youtu-
bers-para-fazer-elogios-as-mudancas-do-ensino-medio.shtml>.
5 No manual da ABRADI - Associação Brasileira dos Agentes Digitais, vê-se recomendações para garantirque
as campanhas publicitárias digitais com endosso de influenciadores sejam identificadas explicitamente com
a menção “promo”, “publi”, “ad”, “brinde”, “convite”, ou com o uso de hashtags “#promo”, “#publi”,
“#ad”, “#brinde”, “#convite”. Tais identificações devem vir na abertura, deixando claro que recebeu o be-
nefício. O influenciador poderá optar pela menção em forma de áudio, foto, vídeo e/ou texto. Tais recomen-
dações também se estendem para que marca/anunciante e influenciadores respeitem tal conduta mesmo
quando não houver compensação financeira (“non-monetarycompensation”). Envio de brindes, amostras,
presentes, convites para viagens, eventos e experiências aos influenciadores, com intenção da marca/anun-
ciante de gerar exposição e/ou comentário pelo influenciador, mesmo sem contratação formal, devem seguir
as mesmas recomendações. O Conar, em especial, não faz nenhuma menção específica à publicidade neste
ambiente, embora suas recomendações venham ao encontro da ostensividade publicitária de um modo geral.
109

o próprio YouTube, que o conteúdo continha uma promoção paga, os


donos do canal cometeram uma irregularidade no que diz respeito às
normas do Conar.

O caso repercutiu de maneira intensa, nas redes sociais, por vários dias.
Muitos inscritos do canal Você Sabia?iniciaram um movimento contra
os apresentadores, que tiveram suas imagens manchadas, diminuindo
a credibilidade do canal. Após a polêmica, o vídeo foi removido e, em
seguida, uma nota foi lançada no perfil oficial do canal no Facebook6:

Sobre a polêmica da campanha que fizemos é


importante dizer: a reportagem que começou
essa repercussão não foi correta em afirmar que
“nada no vídeo diz que se trata de conteúdo
pago”. O vídeo que publicamos tem, desde o
dia do seu lançamento, a sinalização de que é
um Publieditorial, tanto na descrição do vídeo
quanto a marcação na ferramenta do YouTube
que mostra que ele é uma ação publicitária.
Essa é uma preocupação que temos em todas as
campanhas e segue as normas do CONAR, que
regulamenta a publicidade no Brasil. Ficamos
decepcionados com a repercussão em outros
sites sem que nós fôssemos consultados para
dar nossa opinião e reforçar que o vídeo tem sim
a indicação de que ele é uma publicidade e que
a opinião que demos sobre o tema foi a que nós
acreditamos, sem nenhuma influência externa.
Nós aceitamos falar sobre o tema porque achamos
importante trazer para o nosso público o assunto.
Nessa campanha, como em todas as outras que
fazemos, nós emitimos a nossa própria opinião
sobre o tema. Essa sempre é a nossa condição
para fazer um trabalho. Não aceitamos falar nada

6 <https://www.facebook.com/vcsabia/posts/1186472921475666>.
110

que nós não acreditamos. Essa é uma cláusula


contratual e tivemos liberdade para darmos
nossa opinião sobre a reforma do Ensino Médio.
Nós nunca falamos de valores de campanhas e
não confirmamos o que foi publicado. Do mesmo
jeito que jamais perguntaríamos a um jornalista
quanto ele recebe. Além de indelicado e de ser
uma invasão de privacidade, isso pode ser inclusive
perigoso para a segurança das pessoas envolvidas.

A ação acabou não surtindo o efeito desejado, nem para o canal, nem
para o Governo Federal, que terminou envolvido em uma polêmica, uma
vez que foi divulgado um gasto de cerca de R$ 295 mil com a produção
de conteúdo patrocinado para mais cinco canais do YouTube. Estima-se
que o governo tenha gasto R$ 13 milhões na divulgação da reforma do
Ensino Médio.

Gabriela Pugliesi
Um dos casos de maior repercussão, no que se diz respeito à publicidade
disfarçada de opinião, é o da blogueira Gabriela Pugliesi. Famosa por
expor sua vida nas redes sociais, a digital influencer conta com 3,7
milhões de seguidores em sua conta do Instagram7 e já foi alvo de outras
polêmicas, a exemplo de quando o Conselho Regional de Nutricionistas
criticou-a por estimular suas seguidoras a expor a boa forma e, em
2014, quando a blogueira foi acusada de fazer publicidade disfarçada
de alguns produtos em seu blog Tips4Life.

Em outubro de 2015, Pugliesi publicou, no seu Instagram, uma foto


com uma garrafa da cerveja Skol Ultra8, com o apoio da legenda,
incentivando o consumo da bebida. Quinze reclamações foram

7 Disponível em: <https://www.instagram.com/gabrielapugliesi/>.


8 Disponível em: <https://www.instagram.com/p/8rHuB2qo8S/>.
111

registradas no Conar e, após abrir um processo para apurar, o órgão


decidiu que o post poderia ser considerado publicidade velada – prática
ilícita9 –, além de informar que o mesmo tinha outros problemas, como
uma possível influência ao consumo de álcool por menores de idade e
a associação de bebidas ao estilo de vida saudável – principal tema do
conteúdo criado por Pugliesi.

A Ambev declarou que não contratou a blogueira, e argumentou que


enviou os produtos para Pugliesi degustar, defendendo que ela fez a
publicação espontaneamente. Ainda assim, o Conar notificou Gabriela,
mas ela não se manifestou sobre o caso, e o post não foi nem alterado
nem excluído.

Porta dos Fundos


Um exemplo de sucesso, no que diz respeito à inserção de marcas em
conteúdos audiovisuais veiculados na internet, é o Porta dos Fundos, um
canal de humor criado por Antônio Tabet, Fábio Porchat, Gregório Duvivier,
Ian SBF e João Vicente de Castro, no ano de 2012. É, hoje, considerado um
“coletivo de humor”, uma vez que atua tanto como produtora audiovisual
quanto como grupo de humor, nas mais diversas plataformas.

O canal surgiu de uma parceria entre o site de humor Kibe Loco, do


publicitário Antônio Tabet, e a produtora Fondo Filmes, numa época
em que a internet não tinha a força atual, principalmente no que diz
respeito à produção e ao consumo de conteúdo audiovisual. Em 2013,
com apenas um ano de atividade, o canal foi considerado, pelo New
York Times, o quinto maior canal de comédia do YouTube no mundo e o

9 Disponível em: <http://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/conar-ve-propaganda-velada-em-


-posts-de-gabriela-pugliesi-sobre-skol-ultra-no-instagram.html>.
112

mais popular do Brasil10. Já em junho de 2014, as visualizações do canal


chegaram ao número de 1 bilhão.

Em 2012, com apenas quatro meses de existência, o Porta dos Fundos


fez história por ser o primeiro produtor de conteúdo audiovisual on-line a
receber o prêmio de melhor programa de humor pela APCA (Associação
Paulista dos Críticos de Arte)11, mostrando que o consumo de conteúdo
digital já vinha crescendo e tomando proporções até então somente
atingidas pelas mídias tradicionais.

Atualmente, o canal possui mais de 14 milhões de assinantes, e as


visualizações dos seus vídeos já somam cerca de 4 bilhões12. Segundo o
Social Blade, o ganho estimado do canal com monetização pelo Google
AdSense varia de 18,1 a 289,8 mil dólares mensais, podendo chegar a
um montante de 3,5 milhões de dólares anuais13.

Os números surpreendentes do Porta dos Fundos são de extrema relevância


quando o assunto é conteúdo patrocinado. Além de contar com um alto
número de inscrições e de visualizações, uma pesquisa da Zefr mostrou
que o Porta ficou em primeiro lugar no ranking dos maiores influenciadores
digitais de 201614. Assim, empresas veem no coletivo de humor uma forma
de vender seus produtos, direcionando a mensagem ao público-alvo de
uma maneira que, ao invés de provocar incômodo, faz com que ele crie
simpatia pela marca e, consequentemente, consuma o conteúdo.

10 Disponível em: <https://diversao.r7.com/tv-e-entretenimento/porta-dos-fundos-incomoda-e-faz-rir-


-destaca-new-york-times-09062017>.
11Disponível em: <http://entretenimento.r7.com/famosos-e-tv/noticias/porta-dos-fundos-faz-historia-
-e-ganha-tradicional-premio-de-melhores-de-2012-20121211.html>.
12 Disponível em: <https://www.youtube.com/portadosfundos>.
13 Disponível em: <https://socialblade.com/youtube/user/portadosfundos>.
14 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/12/1843378-porta-dos-fundos-lide-
ra-ranking-mundial-de-influenciadores-digitais.shtml>.
113

Desde o início do canal (primeiro vídeo em agosto de 2012), o Porta


busca maneiras de encaixar marcas nas histórias mirabolantes das suas
esquetes. Sempre com um tom crítico e ácido, o primeiro registro de
patrocínio foi com o vídeo FastFood15 (o nome do vídeo passou a ser
Spoleto após o canal fechar acordo com o restaurante), no qual o canal
satiriza indiretamente o restaurante Spoleto, criticando sua forma de
atendimento, mas até então sem citar a marca. A empresa, ao contrário
do esperado – possivelmente abrir processo contra o Porta dos Fundos
na justiça –, aceitou a “brincadeira” e contratou o grupo para produzir e
estrelar dois comerciais que foram veiculados no canal do restaurante.

Segundo o diretor de marketing do Spoleto, Antonio Moreira Leite, essa


“foi uma oportunidade de ativar um canal direto com os clientes por
meio da aderência que só a internet traz”16.

Outro exemplo clássico de merchandising nos vídeos do Porta dos


Fundos é a esquete Reunião de Criação17 (2015), na qual é satirizada
uma reunião entre uma marca (a Ford) e o criador de conteúdo (o
Porta). O vídeo, com mais de 3 milhões de visualizações, utiliza-se da
metalinguagem para fazer o comercial da linha global de 2015 da Ford,
apresentando os dois lados da moeda num acordo de parceria: a venda
do produto e a liberdade de expressão. Na reunião, os responsáveis
pela marca Ford tentam fechar acordo com o Porta dos Fundos para a
produção de um comercial, mas, a todo momento, exerce censura sobre
o conteúdo a ser abordado, enquanto, ironicamente, afirma que o Porta
terá total controle em relação ao conteúdo do vídeo patrocinado. No
fim, o que resta é divulgar apenas a marca Ford em um fundo preto, o
que é feito na cena pós-créditos do vídeo em questão.

15 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Un4r52t-cuk>.


16 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/74476-o-que-voce-nao-ve-na-tv.shtml>.
17 Disponível em: <https://youtu.be/8Hn_V9chnGs>.
114

Assim, é possível afirmar que o Porta dos Fundos vem realizando


parcerias de sucesso que não fogem às regras estabelecidas pelo Conar,
além de se comunicar de forma efetiva com o público. O canal preza
pela ostensividade em suas propagandas, deixando clara a informação
de que o conteúdo se trata de um patrocínio. Não há registros de
reclamações sobre o Porta dos Fundos no Conar. O canal é um exemplo
dessa nova maneira de as empresas se comunicarem com seus clientes,
unindo o entretenimento à publicidade. Além disso, marcas se deixam
ser levadas pelo humor do canal, permitindo fazer parte da piada de
uma maneira que não poderíamos ver nos meios tradicionais.

Jovem Nerd
Criado em 2002 por Alexandre Ottoni (Jovem Nerd) e DeivePazos
(Azaghal), o siteJovem Nerd abrange várias áreas da culturageekenerd
mundial. Cinema, séries de TV, videogames e quadrinhos são o principal
foco do site, que, em 2009, foi eleito o melhor blog do país pelo Video
Music Brasil, realizado pela MTV Brasil18.

Os criadores do blog não queriam ficar presos apenas aos textos e, em


2006, criaram o NerdCast, colocando os próprios donos do site e parceiros
para conversar sobre os assuntos relevantes para a cultura geek e nerd. Em
2008, venceram três categorias, por voto popular, do prêmio IBest: melhor
podcast, melhor blog de humor e melhor blog de notícias19. Em 2016, o
NerdCast registrou uma média de 1 milhão de downloads por episódio 20.

Buscando atingir um público ainda maior, foi criado o canal Jovem Nerd
no YouTube, no ano de 2006, hoje com mais de 2 milhões de inscritos
e um total de mais de 520 milhões de visualizações. Em 2012, os

18 Disponível em: <https://jovemnerd.com.br/nerdnews/jovem-nerd-ganha-o-premio-vmb-de-melhor-blog/>.


19 Disponível em: <https://jovemnerd.com.br/premios/>.
20 Disponível em: <https://jovemnerd.com.br/nerdcast/>.
115

criadores anunciaram sua própria produtora de conteúdo, a Amazing


Pixel, criada para facilitar a expansão do site no YouTube e permitir
uma network e parcerias com outros canais. Em 2013, lançaram o
canal Nerdologia, voltado completamente a explicar fatos científicos,
históricos e, por que não, unir isso ao conteúdo geek. O Nerdologia
conta com a presença de pesquisadores, biólogos e historiadores, que
conferem maior credibilidade ao material.

Sem dúvidas, o Jovem Nerd conquistou grande influência sobre o público


que o acompanha. Por conta disso, Alexandre Ottoni e DeivePazos
foram eleitos, pela revista Época, duas das cem pessoas mais influentes
do Brasil, no ano de 201321. Empresas de vários ramos, percebendo essa
conversão de visibilidade, não perderam a oportunidade de levar suas
marcas para mais próximo do público do Jovem Nerd. A publicidade
na “rede” Jovem Nerd sempre procura estar atrelada ao conteúdo,
fazendo com que o público mantenha-se interessado em continuar
consumindo o material.

Pode-se tomar como exemplo um episódio de um dos seus programas no


YouTube, o NerdOffice.Foi produzido um top 10 dos melhores acessórios
de espião da história do cinema. O conteúdo foi patrocinado pela 20th
Century Fox para a divulgação do lançamento do filme Kingsman:
Serviço Secreto. O vídeo obteve mais de 500 mil visualizações, com
mais de 37 mil marcações de “gostei”22.

O canal Jovem Nerd também conta com um quadro de gameplays, nos


quais Alexandre Ottoni e DeivePazosapresentam jogos de todos os tipos
e plataformas. Isso atraiu o interesse das produtoras e desenvolvedoras
internacionais de jogos. Um desses casos de sucesso foi o patrocínio

21 Disponível em: <http://epoca.globo.com/vida/noticia/2013/12/os-bmais-influentes-do-brasilb-


-em-2013.html>.
22 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=7Ybo6n3EeY0&list=PLLo3YfN5wtG56st9N2X ug>.
116

da EA Games/Warner Bros Games para divulgar o recém-lançamento


do seu jogo Battlefield: Hardline. Além dos tradicionais gameplays, o
Jovem Nerd propôs um desafio ao público: desvendar quem roubou a
cópia do Battlefield: Hardline que pertencia ao Jovem Nerd23.

A ação envolveu vários canais e youtubers do Brasil para solucionar


o “mistério” desse roubo, gerando engajamento do público do site
e atraindo possíveis compradores para o jogo. O vídeo que trouxe a
solução do desafio conta com mais de 960 mil visualizações, mais de 50
mil “gostei” e pouco mais de 500 “não gostei”24. Todas as publicações
dessa ação, no site, continham o aviso de “informe publicitário”. Esses
são apenas dois casos dentre os vários que podemos observar no Jovem
Nerd. Trata-se de um bom exemplo de como criar conteúdo publicitário
sem que isso signifique um incômodo para o público, respeitando as
normas impostas pelo Conar.

23 Disponível em: <https://jovemnerd.com.br/nerdnews/temos-pistas-sobre-quem-roubou-o-battle-


field-do-jovem-nerd/>.
24 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=4QFqQn_D4pQ>.
117

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As empresas veem a internet e seus digital influencers como uma nova


maneira de atingir seu público-alvo, através de ações que custam muito
menos do que a veiculação de peças publicitárias em mídias tradicionais.
Utilizam-se da credibilidade que essas personalidades digitais conquistaram
junto a seu público para levar sua mensagem até esse mesmo público.

Algumas dessas ações, é verdade, encerram um destino trágico, com um


retorno que não era esperado nem pelo influenciador nem pela marca,
o que pode ser decorrente de um desconhecimento ou desprezo das regras
de regulamentação publicitária, prejudicando a imagem e a credibilidade
de ambos. A ostensividade mostra-se necessária para a construção de uma
relação honesta entre anunciante e consumidor. A internet, que dá às marcas
a possibilidade de difundir seus produtos e serviços, é a mesma internet
que dá voz aos consumidores e lhes permite expressar sua insatisfação
em relação ao comportamento da empresa ou do produtor de conteúdo,
gerando uma cadeia de reclamações e destruindo, em pouco tempo, aquilo
que foi conquistado em anos de mercado: a reputação do intermediário e do
anunciante. Os influenciadores que ignoram a necessidade da ostensividade
põem em xeque a sua própria credibilidade junto ao público, perdendo sua
confiança para futuros conteúdos patrocinados. Além disso, há também o
desinteresse por parte das próprias marcas que, ao verem um influenciador
perder a confiança da audiência, retiram-no do rol de possíveis parceiros.

Por outro lado, podemos observar que, se bem trabalhada, respeitando


as normas impostas pelo código de autorregulamentação nacional e
agindo de maneira sempre ostensiva, a publicidade através dos publiposts
pode atingir números incríveis, significando um retorno positivo, tanto
para o influenciador quanto para a marca, e possibilitando a existência
de um ecossistema em que todos os interessados são beneficiados.
118

REFERÊNCIAS
ALVIM, Mariana. Conar vê propaganda velada em posts de Gabriela Pugliesi
sobre Skol Ultra no Instagram. O Globo, Rio de Janeiro, 19 fev. 2016.
Disponível em: <http://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/conar-
ve-propaganda-velada-em-posts-de-gabriela-pugliesi-sobre-skol-ultra-no-
instagram.html>. Acesso em: 06/02/2018.

BOUÇAS, Cibelle. Redes sociais influenciam decisão de compra de 77% dos


brasileiros. Valor econômico, São Paulo, 09 fev. 2015.Disponível em: <http://
www.valor.com.br/empresas/3901342/redes-sociais-influenciam-decisao-
de-compra-de-77-dos-brasileiros>. Acesso em: 05 fev. 2018.

DONATON, Scott. Publicidade + entretenimento: por que estas duas indústrias


precisam se unir para garantir a sobrevivência mútua. São Paulo: Cultrix, 2007.

ÉPOCA. Os mais influentes do Brasil em 2013. 06 dez. 2013. Disponível em:


<http://epoca.globo.com/vida/noticia/2013/12/os-bmais-influentes-do-
brasilb-em-2013.html>. Acesso em: 06 fev. 2018.

ESTADÃO. Youtuber contratado por Temer fez posts racistas e homofóbicos


no twitter; confira. 17 fev. 2017. Disponível em: <http://emais.estadao.com.
br/noticias/gente,youtuber-contratado-por-temer-fez-posts-racistas-e-
homofobicos-no-twitterconfira,70001670052>. Acesso em: 06 fev. 2018.

FOLHA DE S. PAULO. Porta dos Fundos lidera ranking mundial de


influenciadores digitais, 21 dez. 2016. Disponível em: <http://www1.folha.
uol.com.br/ilustrada/2016/12/1843378-porta-dos-fundos-lidera-ranking-
mundial-de-influenciadores-digitais.shtml>. Acesso em: 05 fev. 2018.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. 2 ed. São Paulo: Editora 34, 2000.

MARQUES, João Paulo Haddad. Precisamos falar dos digital influencers.


Meio e mensagem,São Paulo, 26 out. 2017. Disponível em: <http://www.
meioemensagem.com.br/home/opiniao/2017/10/26/precisamos-falar-dos-
digital-influencers.html>. Acesso em: 05 fev. 2018.

MARTINS, Stephan. Jovem Nerd ganha prêmio VMB de melhor blog. Jovem
Nerd, 02 out. 2009. Disponível em: <https://jovemnerd.com.br/nerdnews/
jovem-nerd-ganha-o-premio-vmb-de-melhor-blog/>. Acesso em: 06 fev. 2018.
119

PEREIRA JR, Alberto; TÔRRES, Iuri de Castro. O que você não vê na TV. Folha
de S. Paulo, São Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/
ilustrada/74476-o-que-voce-nao-ve-na-tv.shtml>. Acesso em: 05 fev. 2018.

PORTINARI, Natália; SALDAÑA, Paulo. Governo paga youtubers para fazer


elogios às mudanças do ensino médio. Folha de S. Paulo, São Paulo, 17 fev. 2017.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2017/02/1859532-
governo-paga-youtubers-para-fazer-elogios-as-mudancas-do-ensino-medio.
shtml>. Acesso em: 06 fev. 2018.

R7. Porta dos fundos incomoda e faz rir, destaca New York Times. 01 set.
2013. Disponível em: <https://diversao.r7.com/tv-e-entretenimento/porta-
dos-fundos-incomoda-e-faz-rir-destaca-new-york-times-09062017>. Acesso
em: 04 fev. 2018.

TORRES, Cláudio. A Bíblia do marketing digital. São Paulo: Editora Novatec, 2009.

VIANA, Pablo Moreno Fernandes. A publicidade-entretenimento na web:


recursos de produção de sentido, pactos (ou contratos) de leitura e
apropriações midiáticas da publicidade no ciberespaço. 2008. Dissertação
(Mestrado em Comunicação Social) – Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008.
120

UMA ANÁLISE DE PLÁGIO DE RÓTULOS,


EMBALAGENS E MARCAS DE BEBIDAS

Rodolfo Samir Jesus da SILVA


Raquel Marques Carriço FERREIRA

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo analisar a criação publicitária


no que diz respeito a rótulos, embalagens e marcas de bebidas. Nosso
estudo surge a partir da análise de três casos que, por questões de
semelhança, receberam acusações de plágio, de imitação/cópia e de
concorrência desleal – marketing parasitário. Pretende-se relacionar a
legislação, os órgãos protetores e os direitos autorais com os processos
criativos. Nosso trabalho é de natureza descritiva e explanatória, ao
mesmo tempo em que nos utilizamos de referências sobre o processo
criativo e a legislação publicitária.

Palavras-chave: Criação publicitária. Embalagem. Ética. Plágio.


Concorrência desleal.
121

Introdução

Um dos principais aspectos da publicidade e da propaganda é o uso da


criatividade. É constante a busca dos criativos por algo que realmente
chame a atenção dos receptores. Como diz Sant’anna (2005, p. 147),
criatividade é “dar existência a algo novo, único e original”. Cada
criativo pode ter diferentes maneiras de encontrar o inédito, entretanto,
é comum notarmos, em algumas peças publicitárias, elementos
semelhantes entre si. Isso cria uma inquietação, que gira entre a
possibilidade de uma mera coincidência, uma vez que “um texto sempre
dialoga com outros” (BAKHTIN, 1997), e a possibilidade de plágio, cópia
ou imitação, o que envolve a ética e a legislação publicitária.

Peças publicitárias semelhantes podem ser realmente coincidentes,


uma vez que um mesmo material pode servir de referência e de
inspiração para um ou mais de um criativo. Toda vez que uma obra
faz alusão a outra, permite que diferentes publicitários criem algo
semelhante: trata-se de uma intertextualidade.

Os profissionais encarregados da criação de


anúncios nas agências de publicidade, redatores e
diretores de arte, empregam materiais (incluem-se
aqui quaisquer recursos semióticos) circulantes,
constituintes de determinada esfera cultural,
fazendo da criação publicitária uma prática de
intertextualidade (KNOLL, 2010, p.1).

Porém, as peças semelhantes também poderão ser consideradas


plágio, visto que os criativos apropriam-se de repertórios consagrados,
anestesiando a memória do público. Segundo Carrascoza (2008), “o já
pronto é adotado pela publicidade como para anestesiar a memória
do público”, ou seja, beneficiar-se a partir do uso de conceitos e de
argumentos estabelecidos e desenvolvidos por outros autores.
122

Este artigo procura analisar a criação de rótulos, embalagens e marcas


de bebidas que, por sua semelhança, estiveram envolvidas em acusações
de plágio, imitação, concorrência desleal e estratégia de marketing de
emboscada. O texto procura, também, compreender o funcionamento
da aplicação da legislação, das leis de regulamentação para direitos
autorais, como a Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, e o papel do
Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

Pretendemos abordar três casos que foram julgados dentro do âmbito


jurídico. São eles: (1) João Andante X Johnnie Walker – a proprietária
da Johnnie Walker abriu processo por plágio contra a marca de cachaça
mineira João Andante, em função da semelhança dos elementos de
criação publicitária encontrados na embalagem; (2) RedHorseX Red
Bull –aRed Bull entrou com processo contra a 101 do Brasil Industrial,
fabricante do energético RedHorse, pela imitação da embalagem
do produto;e (3) Itaipava X Brahma –o Grupo Petrópolis foi proibido
de comercializar a cerveja Itaipava em sua lata vermelha, feita em
comemoração à Stock Car, por semelhanças com a marca da Ambev.
123

Rótulos e embalagens
Com a acirrada disputa de mercado, com as novas exigências do
consumidor e com as mudanças que estão ocorrendo nos cenários
econômico e sociocultural, cada vez mais as empresas têm se preocupado
com os aspectos estéticos do produto, ou seja, com a comunicação visual.
É perceptível que a importância da embalagem, em alguns mercados,
é reconhecida, notadamente em bebidas, cosméticos e perfumes. Isso
acontece porque, geralmente, a interação com o objeto é grande e, na
maioria das vezes, é difícil observar as diferenças nos produtos.

A embalagem é a cara da marca, espelhando


rapidamente e de forma concentrada seus valores,
histórias e atributos, bem como suas forças e
fraquezas. Adicionalmente, pode também ser o
fator diferenciador e determinante na decisão de
compra, ou seja, pode ser considerada um dos
maiores promotores e vendedores da marca, já
que alcança toda extensão do mercado e age no
momento crítico da decisão (SERAGINI, 2004, p.9).

Segundo Baxter (1998), a atratividade de um produto depende,


basicamente, entre outros fatores, do aspecto visual da embalagem e
do rótulo, o que se torna, muitas vezes, sinônimo da marca.
124

Marcas e legislação
Em sua origem, a marca surgiu com o intuito de informar e distinguir o
responsável pela obra, ou seja, basicamente tinha a função de informar
a proveniência do produto. No Brasil, as marcas passaram a contar com
proteção legal a partir de 1875, com a Lei nº 2.682, que surgiu após
disputa judicial, na qual uma marca era acusada de imitação. “É curioso
observar que a lei surgiu para reverter a absolvição dada ao comerciante
da marca imitadora, com o argumento de que a lei não previa sanção
criminal aos atos de imitação” (ACCIOLY, 2000, p.14).

A Lei nº 9.279/96 determina que, no Brasil, “marcas são sinais distintivos


visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais”, e
prevê proteção a três tipos: marca de produto ou serviço, marca de cer-
tificação e marca coletiva. Em suma, a lei protege a marca dos seguintes
crimes: a) reprodução da marca, no todo ou em parte, sem autorização
do titular; b) imitação da marca, de modo que induza à confusão; c) alter-
ação de marca de outrem, em produto existente no mercado; d) impor-
tação, exportação, venda, exposição comercial, ocultação ou estoque de
produto com marca pirata, reproduzida ilicitamente ou imitada; e) com-
ercialização de um produto com marca alheia (BRASIL, 1996).

Legislação publicitária
O profissional de criação utiliza seu repertório cultural, suas vivências,
seu cotidiano e sua memória para criar uma peça publicitária. O desafio
é descobrir novas conexões e abordagens em mensagens e objetos já
conhecidos. É importante lembrar que a ética faz parte da profissão, e
que as questões de autoria precisam ser lembradas. Conforme o Código
de Ética Publicitária (1957): “17 – O plágio, ou a simples imitação de
outra propaganda, é prática condenada e vedada ao profissional”.
125

Existem três tipos de direitos estabelecidos pela legislação, para que


haja uma melhor compreensão das leis e para que elas se cumpram
efetivamente, assegurando os direitos e deveres. Na Propriedade
Intelectual, estão os direitos autorais e os que lhe são conexos. Na
Propriedade Industrial, estão os direitos que tratam de marcas, patentes
e desenho industrial, mas também os direitos de personalidade, que são
próprios da pessoa e não do que ela criou. Na Propriedade Imaterial, estão
os direitos e disputas em torno do plágio de uma ideia em publicidade.

No que diz respeito ao direito de propriedade intelectual de uma


empresa, o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), autarquia
federal que está vinculada ao Ministério de Desenvolvimento, Indústria
e Comércio Exterior (MDIC), é responsável pelo aperfeiçoamento,
disseminação e gestão do sistema brasileiro de concessão e garantia
de direitos de propriedade intelectual para a indústria (Lei nº 9.279,
de 14 de maio de 1996). Entre os serviços do INPI, estão os registros
de marcas, de desenhos industriais, de indicações geográficas, de
programas de computador e de topografias de circuitos, as concessões
de patentes e as averbações de contratos de franquia e das distintas
modalidades de transferência de tecnologia.

Em consonância com a legislação, foi criada a Comissão de Ética do


Instituto Nacional da Propriedade Industrial, que tem como objetivo
promover a gestão da ética na autarquia, por meio de orientações, de
recomendações e de esclarecimentos sobre as mais variadas questões
ligadas à conduta profissional de seus servidores.

A Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, abriga, sob a denominação


direitos autorais, os direitos de autor propriamente ditos, bem como os
direitos conexos, ou seja, ela confere direito mesmo não havendo um único
autor ou mesmo quando não se trata do próprio autor. Transcrevemos,
aqui, trechos da referida lei que regulamenta os direitos autorais:
126

Art. 22. Pertencem ao autor os direitos morais e


patrimoniais sobre a obra que criou.
[...]
Art. 24. São direitos morais do autor:
I – o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria
da obra;
II – o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal
convencional indicado ou anunciado, como sendo
o do autor, na utilização de sua obra;
III – o de conservar a obra inédita [...]
(BRASIL, 1998).

No âmbito do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação


Publicitária), o direito autoral está previsto nos artigos 38 e 43
da seção 12 (Do Direito Autoral e Plágio) do Código Brasileiro de
Autorregulamentação Publicitária.

Artigo 38. Em toda a atividade publicitária serão


respeitados os direitos autorais nela envolvidos,
inclusive os dos intérpretes e os de reprodução.
[...]
Artigo 43. O anúncio não poderá infringir as
marcas, apelos, conceitos e direitos de terceiros,
mesmo aqueles empregados fora do país,
reconhecidamente relacionados ou associados a
outro Anunciante (CÓDIGO, s/d).

No que diz respeito ao plágio, podemos defini-lo como uma cópia dissimulada
da obra alheia, sem autorização para tal. Quando ocorre em publicidade, os
artigos 41 e 42 do supracitado código salvaguardam os lesados.

Artigo 41. Este Código protege a criatividade e


a originalidade e condena o anúncio que tenha
por base o plágio ou imitação, ressalvados os
casos em que a imitação é comprovadamente um
deliberado e evidente artifício criativo.
127

Artigo 42. Será igualmente condenado o anúncio


que configure uma confusão proposital com
qualquer peça de criação anterior (CÓDIGO, s/d).

Citando Schultz (2005), pretendemos diferenciar “plágio” e “imitação”,


que, muitas vezes, são utilizados como sinônimos. O plágio acontece
quando alguém apresenta algo como sendo uma criação própria,
quando, na verdade, esse algo foi copiado de alguém. Já na imitação, não
é apresentada uma criação nova, mas uma cópia idêntica à original, sem
modificações. É fundamental que, na hora de criar uma peça, o criativo
esteja atento a todas essas questões, evitando as semelhanças propositais.

Breve histórico das empresas e dos produtos


RedHorse – A 101 do Brasil Industrial Ltda. iniciou suas atividades
na década de 1990, na cidade de Joinville, em Santa Catarina. Com
a audácia do fundador e o grande desempenho dos funcionários,
transformou a Caninha 101 no carro-chefe de vendas. Com grande
aceitação do público, a 101 do Brasil aumentou seu leque de produtos,
apresentando, então, as batidas, vodcas, conhaques, raízes, catuabas
e vinhos que também passaram a ser fabricados. Mas foi em 2009,
após longas pesquisas de mercado, investimento e muito trabalho, que
surgiu o produto que transformou toda a estrutura da empresa.

Red Bull – A Red Bull iniciou suas atividades no ano de 1984, quando
Dietrich Mateschitz, um empresário austríaco, fez uma viagem de
negócios à Tailândia. Ao chegar a esse país, Mateschitz começou a sofrer
com o jetleg, um distúrbio físico causado pela diferença de fuso horário
após uma longa viagem de avião. Então, casualmente, descobriu uma
bebida chamada KratingDaeng, que continha altas doses de cafeína e
uma substância estimulante chamada taurina. Ao perceber o potencial
do produto, Mateschitz decidiu levar amostras da bebida para a Áustria
e iniciar sua fabricação em grande escala industrial. Devido às altas
128

doses de cafeína que há na fórmula e o receio de efeitos colaterais no


organismo, a autorização para a fabricação foi obtida somente três anos
depois, mas a espera foi recompensada: hoje, o Red Bull está presente
em mais de 165 países, vendendo em média 3bilhões de latas por ano.
“O marketing é a nossa principal matéria-prima, sem esquecer o produto,
que é a pré-condição” afirma Mateschitz, proprietário da Red Bull.

Brahma – A Cervejaria Brahma foi fundada em 1888, no Rio de Janeiro,


pelo suíço Joseph Viliager, com o nome de Manufactura de Cerveja
Brahma Viliager& Companhia. No início, a cervejaria Brahma fabricava
cerca de 12 mil litros de cerveja por dia. Sua fábrica funcionava na famosa
Rua Marquês de Sapucahí, que, mais tarde, tornar-se-ia a passarela
dos desfiles das escolas de samba do carnaval do Rio de Janeiro. No
ano de 1999, fundiu-se com a Companhia Antarctica Paulista, para a
formação da Companhia de Bebidas das Américas (Ambev). Apesar da
fusão, a Ambev continuou a vender a cerveja Brahma com as mesmas
características e o mesmo nome.Atualmente, a Ambev tem operações
em mais de 16 países, sendo a segunda maior distribuidora de cerveja
do mundo, ficando atrás apenas daAnheuser-Busch, da Bélgica.

Itaipava – O Grupo Petrópolis foi fundado em 1993, na cidade de


Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro. Mas somente em 1994, no
dia 29 de julho, foi realizada a festa de lançamento da Cerveja Itaipava,
batizada com o nome de um distrito da cidade de Petrópolis. Como
forma de se consolidar no mercado, a marca vem investindo forte em
patrocínio a eventos automobilísticos realizados no Brasil, inclusive a
Stock Car. Hoje, a Cervejaria Petrópolis é a terceira mais importante do
Brasil, atrás da Brasil Kirin (Schincariol) e da Ambev.

Johnnie Walker – Originalmente conhecido como Walker'sKilmarnock-


Whisky, a marca Johnnie Walker é um legado de John Johnnie Walker, de-
pois que ele começou a vender uísque em sua loja, localizada em Ayrshire,
Escócia. A marca tornou-se popular apenas após a sua morte, em 1857,
129

quando seu filho, Alexander Walker, e seu neto, Alexander Walker II,
estabeleceram a marca como uma das mais populares na Escócia. A
empresa uniu-se à DistillersCompany em 1925. Em 1986, a Distillers foi
adquirida pela Guinness e, mais tarde, fundiu-se com a Grand Metropol-
itan, para formar a Diageo em 1997.

Em 2012, o grupo britânico anunciou a compra da fabricante brasileira


de aguardente Ypióca por cerca de 300 milhões de libras, aumentando
presença em mercados emergentes, ao mesmo tempo em que briga por
um maior espaço no segmento de tequila. Com 180 milhões de garrafas
vendidas por ano, o uísque Johnnie Walker é a marca mais vendida do
mundo. No ano de 2011, o Brasil tornou-se o maior mercado consumidor
do Johnnie Walker RedLabel. Entre as causas que explicam a liderança
brasileira, duas merecem destaque. A primeira é que o Johnnie Walker
RedLabel caiu no gosto do brasileiro, sobretudo do nordestino. A
segunda é que a cidade de Recife, capital do estado de Pernambuco,
possui o maior consumo per capita de uísque no mundo.

João Andante – A João Andante nasceu em 2003, em Minas Gerais,


quando os gêmeos Gabriel e Mateus Lana e o colega de classe Gabriel
Silva preparavam o trabalho de conclusão de curso da Escola Técnica
de Formação Gerencial do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro
e Pequenas Empresas). Os três tinham entre 16 e 17 anos e receberam
a tarefa de criar uma marca e desenvolvê-la em todas as etapas do
negócio.No início, a João Andante vendia cerca de 200 garrafas por mês,
na base da indicação e por meio da internet. Hoje, são vendidas mais de
5 mil garrafas da cachaça mineira por mês, de forma on-line e off-line.
130

Primeira análise: Brahma x Itaipava


A Companhia de Bebidas das Américas (Ambev) entrou com processo
contra a Cervejaria Petrópolis S.A., com vistas à obtenção, em caráter
definitivo, da suspensão de veiculação de imagem ou comercialização
da cerveja Itaipava na lata de cor vermelha, bem como de indenização
por danos materiais e imateriais sofridos.

A Ambev alega que, em meados de julho de 2010, trouxe ao mercado de


cerveja uma inovação em embalagem, rompendo com o modelo estático
e consolidado da maioria das latas. Após estudos e forte investimento, a
cerveja Brahma lançou a nova embalagem, diferenciada, na cor vermelha
(figura 1). Toda a campanha de lançamento do aludido produto, em seu
novo trade dress, buscou associar a cor vermelha à marca já consolidada,
inclusive sendo líder de mercado. O lançamento foi acompanhado do
slogan “O sabor da sua Brahma agora na cor da Brahma”, como uma
estratégia publicitária para afirmar e associar a cor à marca.

Dois meses após o lançamento da Brahma de lata vermelha, a Cervejaria


Petrópolis apresentou ao mercado a cerveja Itaipava, numa edição
especial em comemoração ao patrocínio da Stock Car. A lata era de
cor branca e continha alguns elementos identificadores do patrocínio
(figura 2). Porém, a mesma levou às gôndolas dos supermercados
não apenas as latas brancas, mas também latas referentes ao evento
esportivo, na cor vermelha.

Schmitt e Simonson (1997) mencionam que a cor é uma das muitas


ferramentas de marketing que são usadas para criar, manter e modificar
imagens de marcas na mente do consumidor. Schmitt e Pan (1994)
dizem que a cor é um importante componente de “dicas” na construção
de marcas através de seus logos, embalagens e displays.
131

A Ambev entendeu que tal comportamento tinha por escopo aproveitar-


se da inovação inserida no mercado, circunstância que configura,
inequivocamente, a concorrência parasitária, mas também tentar diluir
os efeitos dessa inovação, ocasionando uma clara hipótese de agressão
à marca concorrente. Nos dois casos, tratar-se-ia de modalidades de
concorrência desleal.

A Lei nº 9.279/96,queregula direitos e obrigações relativos à propriedade


industrial, prevê, em seu artigo 195, que comete crime de concorrência
desleal quem usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os
imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos.

A Ambev ainda explica que a proteção da marca deve ser vista sob dupla
perspectiva: primeiro, com o fim de afastar a confusão do consumidor e,
segundo, com o fim de impedir o parasitismo, o enriquecimento sem causa
à custa do prestígio da marca alheia. Esclarece, também, que, embora as
cores, isoladamente, não sejam objeto de apropriação, elas são elementos
construtores da imagem da marca perante o público (trade dress).

Segundo Schultz (2005), a questão da imitação acaba aplicando-se


mais a um produto acabado (na esfera da propriedade industrial), e
torna-se um tanto complicada de ser aplicada na esfera da propriedade
intelectual, que é o caso das ideias e da criação em publicidade.

A Cervejaria Petrópolis alega que está protegida pelos respectivos


registros e processos de deferimento. Declara que a cor vermelha está
intimamente ligada à Itaipava, que todos os materiais de merchandising
e de propaganda dessa cerveja são, originalmente, vermelhos, e que
não poderia ser diferente com os carros da StockCar e com os demais
esportes dos quais é patrocinador, ao contrário dos materiais de
propaganda da cerveja Brahma.
132

O resultado foi que, em novembro de 2012, a Cervejaria Petrópolis,


fabricante da Itaipava, foi condenada a pagar R$ 200 mil de indenização
à Ambev, por prática de concorrência desleal. A 17ª Câmara Cível do
TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) considera que a cervejaria
aproveitou-se da estratégia publicitária de sua concorrente para
confundir e induzir o consumo da mesma. “E não se diga que tal conduta
não é suscetível de levar o consumidor a confundir os produtos”, afirmou
o relator do processo, desembargador Edson Aguiar Vasconcelos. Para
ele, as latas na mesma cor podem induzir as pessoas a acreditar que os
produtos são similares ou de mesmo sabor.

Conforme Apelação Cível Nº 36455/07, que negou provimento ao


recurso e manteve a sentença, ciente de que a empresa foi julgada
dentro das leis, é visível a intenção da Cervejaria Petrópolis de optar
por utilizar as mesmas estratégias publicitárias da Ambev, gerando
confusão ao consumidor e prejuízo ao fabricante.
133

Segunda análise: Red Bull x Red Horse


Em fevereiro de 2011, a indústria 101 do Brasil Ltda., localizada em
Joinville/ SC, foi proibida de distribuir e de comercializar o energético
com a marca RedHorse. A empresa teria até março do mesmo ano para
retirar todos os produtos do mercado, sob pena de ter que pagar R$
100 mil por dia de descumprimento e mais R$ 50 mil por cada produto
apreendido nas prateleiras.

A Red Bull considerou que a marca brasileira era similar ao seu produto,
o que poderia confundir o consumidor na hora da compra. A empresa
também alegou que a RedHorsehavia imitado a embalagem de seu
produto, e que alguns dos símbolos da embalagem eram idênticos. “As
cores entre as duas latas são completamente diferentes. A Red Bull é
azul, enquanto a RedHorse é vermelha (figura 3). O símbolo da Red Bull
é touro e a da RedHorse é um cavalo com asas”, afirmou o advogado
da RedHorse. Em seguida, a Red Bull alegou que a RedHorse estava
enganando o consumidor final.

Em abril, a RedHorse simplesmente ganhou a liminar, pois citou, como


exemplo, outras fabricantes do setor com o mesmo nome base: Red
Dragon, RedCock, Red Erick, RedBrands, RedCow, RedNose e Red Power.
O verdadeiro motivo pelo qual a Red Bull estaria processando a RedHorse
seria o simples fato de que a mesma havia tido o seu nome registrado
com sucesso no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
134

Terceira análise: Johnnie Walker x João Andante


No ano de 2010, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI)
autorizou o registro da marca da mais nova cachaça mineira, a João
Andante, sendo esse registro publicado na Revista Propriedade
Industrial (RPI) de nº 2066. Logo após obterem o registro da marca
no INPI, os proprietários da João Andante passaram a comercializar a
cachaça somente no meio digital, como no site e noFacebook.

Em 2011, a multinacional Diageo Brands, proprietária do uísque Johnnie


Walker, abriu um procedimento administrativo de anuidade em relação
à marca João Andante, alegando que a mesma havia feito plágio da
marca do uísque Johnnie Walker (figura 4). A Diageo constatou que a
expressão “João Andante” seria a tradução literal de Johnnie Walker.
A defesa alegou que a tradução, para a língua inglesa, da marca João
Andante não tem percepção clara no sentido de identificação dos bens,
uma vez que essa tradução não é realizada pelo consumidor brasileiro.
Sobretudo, os demais elementos não permitem uma semelhança ilícita.

A marca da João Andante foi criada pela Cria UFMG Jr., agência
experimental da Universidade Federal de Minas Gerais. Os criadores
basearam-se no personagem Dom Quixote, que é representado por um
personagem em um quadro de Picasso, tendo também como referência o
famoso personagem Jeca Tatu, de Monteiro Lobato (figura 5 e figura 6).

Comparando as marcas, o multinacional Jhonnie Walker veste fraque,


cartola e carrega uma bengala, enquanto João Andante usa chapéu,
bota sete léguas e leva sobre o ombro um matulão, galho com uma
trouxa amarrada na ponta. Na postura, Johnnie é confiante, peito
estufado, enquanto João anda curvado, com capim na boca.

Podemos afirmar, então, que as marcas Johnnie Walker e João Andante


são extremamente diferentes: a João Andante, com o conceito de
135

“mineiridade”; a Johnnie Walker, com o de “eurocentrismo”, o que


não permite a semelhança de elementos dominantes nas peças.
Outro aspecto distintivo importante diz respeito ao mercado em
que as marcas atuam, uma vez que a marca deve ser comparada em
relação ao seu segmento de produto, o que desestabiliza a acusação
da multinacional Diageo (ver figura 7).

A multinacional, mais uma vez, demonstrou outro entendimento.


A empresa disse que o site da cachaça faz referência à marca, pois,
nele, o personagem João Andante é descrito como “um primo do
interior de Johnnie Walker, que migrou para o Brasil durante a I Guerra
Mundial” e, ao invés de uísque, resolveu fabricar aguardente. A Diageo
alegou, também, que a reputação do Johnnie Walker atingiu, junto
ao consumidor, um resultado de anos e anos de esforços de seus
funcionários e de contínuos e volumosos investimentos, e que tentativas
de associação indevida podem comprometer um longo trabalho de
construção e de consolidação da imagem de sua marca.

Até hoje, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) não se


posicionou sobre o caso. As acusações de plágio contribuíram para o
destaque da cachaça João Andante, dando-lhe notoriedade nas mídias
e fazendo com que as vendas de seu produto subissem para cerca de 4
mil garrafas por mês, valorizando a marca.
136

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente análise teve como objetivo central identificar casos de


plágio em embalagens e marcas de bebidas. O plágio, seguindo o
conceito apresentado nessa análise, é caracterizado por uma criação
semelhante ou totalmente igual a algo já criado anteriormente. Esse
tipo de prática, na maioria dos casos, é realizada para iludir ou para
gerar confusão no consumidor, afetando, assim, sua decisão de compra.

Isso ocorre porque somos bombardeados, diariamente, com campanhas


e informações publicitárias e, dentro desse universo de concorrência,
práticas e estratégias são desenvolvidas para deixar os produtos sempre
em evidência. Porém, há que se ter em conta que algumas dessas
práticas são consideradas ilegais.

Sabemos que é comum encontrarmos peças publicitárias muito


semelhantes entre si, e uma das explicações é que um mesmo material
pode servir de inspiração para diversos criativos. Todavia, muitos casos de
semelhança são considerados mera imitação, cópia ou plágio. Além disso,
várias empresas querem “pegar carona” no que já está consolidado no
mercado, confundindo o consumidor e prejudicando o fabricante.

Mesmo com leis e órgãos protetores, infelizmente, a prática da


concorrência desleal entre as empresas ainda é muito comum. Marcas,
rótulos e embalagens são imitados ou plagiados, confundindo o
consumidor. Por outro lado, existem, sim, os casos em que apenas há
mera semelhança e os produtos em questão sofrem do mesmo mal: o
da coincidência criativa.

Nos casos abordados, os fatores relevantes das disputas judiciais são o


plágio e a concorrência desleal. Em dois dos casos, o apelante perde a
ação, pois a semelhança realmente não foi considerada plágio, não se
configurando, assim, uma concorrência parasitária. Já no caso em que a
137

apelada perde, foi constatado que as estratégias publicitárias utilizadas


pela empresa realmente foram copiadas, caracterizando concorrência
desleal, uma vez que, mesmo que não fosse uma estratégia planejada,
a marca assumiu o risco de confundir os consumidores.

Percebemos, então, o quão importante é, para os profissionais


publicitários, conhecer e compreender a legislação e os órgãos que
regulam a atividade publicitária, isto é, conhecer seus direitos e,
principalmente, os seus deveres.
138

REFERÊNCIAS
101 DO BRASIL, portal. Disponível em: <http://www.101dobrasil.com.br/
empresa.html>. Acesso em: 8 fev. 2014.

ACCIOLY, Ana et al. Marcas de valor no mercado brasileiro. Rio de Janeiro:


Ed. Senac, 2000.

ASCENSÃO, José de Oliveira. Concorrência desleal. Lisboa: Almedina, 2002.

BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: ______. Estética da criação verbal. 2


ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual.2 ed. Rio


de Janeiro: Lumens Júris, 2003.

BAXTER, Mike. Projeto de Produto: guia básico para o design de novos


produtos. São Paulo: Ed. Edgard, 1998.

BLOCH, Peter H. Seeking the ideal form: product design and consumer
response. Journalof Marketing, v. 59, n. 3, p. 16-29, jul. 1995.

BRASIL. Lei 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações


relativos à propriedade industrial. Diário Oficial [da] Republica Federativa do
Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 15 maio 1996.

BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida


a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Diário Oficial [da]
Republica Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 20 fev. 1998.

CARRASCOZA, João Anzanello. Do caos à criação publicitária: processo


criativo, plágio e ready-made na publicidade. São Paulo: Saraiva, 2008.

CÓDIGOBrasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Conselho Nacional


de Autorregulamentação Publicitária. Disponível em: <http://www.conar.
org.br>. Acesso em: 25 jan. 2018.

COGITAMUNDO. Ética na publicidade. Disponível em: <http://cogitamundo.


wordpress.com/tag/etica-na-publicidade/>. Acesso em: 8 fev. 2014

DELMANTO, Celso. Crimes de concorrência desleal.São Paulo: USP, 1975.


139

ÉPOCA NEGÓCIOS. Dá pra ser líder de mercado por mais de um


século? Disponível em: <http://epocanegocios.globo.com/Revista/
Common/0,,ERT2254616354,00.html>. Acesso em: 8 fev. 2014.

FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do


Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro:
Editora Forense Universitária, 2004.

INSTITUTO DannemannSiemsen de Estudo Jurídicos e Técnicos. Comentários


à Lei de Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

JOÃO ANDANTE, portal. Disponível em: <http://www.joaoandante.com.br/>.


Acesso em: 8 fev. 2014.

JOHNNIE WALKER, portal. Disponível em:<http://www.johnniewalker.com.


br/nossas-marcas/double-black?gclid=CLvw4bbd1LwCFXBk7AodajUAcg>.
Acesso em: 11 fev. 2014.

KNOLL, Graziela Frainer. A intertextualidade no processo de criação na


publicidade. ENCONTRO DO CELSUL – CÍRCULO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS
DO SUL, 9., 2010, Palhoça.Anais... Palhoça, SC: CELSUL, 2010.

KOTLER, Philip. Administração de marketing: análise, planejamento e


controle.4 ed. São Paulo: Atlas, 1995.

KROMINSKI, Erick. Para ser bom, o whisky precisa ser envelhecido? Disponível
em: <http://www.muitointeressante.com.br/pq/perguntas/para-ser-bom-o-
whisky-precisa-ser-envelhecido>. Acesso em: 5 fev. 2014.

OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes, 1987.

PIERANGELI, José Henrique. Crimes contra a Propriedade Industrial e crimes


de concorrência desleal. Rio de Janeiro: RT, 2003.

PINHO, J. B. Comunicação em Marketing: Princípios da Comunicação.


Campinas, SP: Papirus, 2001.

RED HORSE, portal. Disponível em: <http://www.redhorseenergy.com.br/


redhorseenergy. com.br/index.php>. Acesso em: 10 fev. 2014.

SANT’ANNA, Armando. Propaganda: teoria, técnica e prática.7 ed. São Paulo:


Pioneira; Thomson Learning, 2005.
140

SCHMITT, Bernd H.; PAN, Yigang. Managing corporate and brand identities in the
Asia-Pacific region. California Management Review, v. 36, n.4, p. 32-48, 1994.

SCHMITT, Bernd H.; SIMONSON, Alex.Marketing aesthetics: the strategic


management of brands, identity and image. New York: The Free Press, 1997.

SCHULTZ, Roberto. O publicitário legal: alguns toques, sem juridiquês, sobre


o direito da publicidade no Brasil. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2005.

SERAGINI, Lincoln. A embalagem é o espelho da marca. Pack, São Paulo:


Banas, n. 79, p. 9, mar. 2004.

ÚLTIMA INSTÂNCIA. Cervejaria Petrópolis terá que indenizar Ambev por


lançar latinha semelhante. Disponível em: <http://ultimainstancia.uol.com.
br>. Acesso em: 10 fev. 2014.
141

O MOVIMENTO POLITICAMENTE CORRETO


NA PUBLICIDADE BRASILEIRA

José Érick Batista de JESUS


Rita Santos ROMÃO
Raquel Marques Carriço FERREIRA

RESUMO

O presente artigo é resultado de um estudo sobre o movimento


politicamente correto no campo da ética publicitária brasileira.
Para melhor entendimento acerca dessa relação, foram avaliadas
27 campanhas publicitárias denunciadas ao Conselho Nacional de
Autorregulamentação Publicitária (Conar), no ano de 2015, no que
diz respeito ao princípio da respeitabilidade. Nosso objetivo foi o de
fomentar uma reflexão relativa ao posicionamento das partes envolvidas
(as agências publicitárias, o público e o Conar) no processo de produção
e de recepção das campanhas abordadas. Chegamos à consideração de
que é dever dos comunicólogos atentar para o senso de moralidade
da sociedade atual, a fim de que as abordagens comunicativas da
publicidade brasileira mostrem-se “antenadas” com essas demandas
sociais, observando não só o que normatiza o Código Brasileiro de
Autorregulamentação Publicitária, mas as próprias demandas sociais
específicas de cada setor, de cada região e de cada público atingido.

Palavras-chave: Movimento Politicamente Correto. Ética Publicitária.


Publicidade. Respeitabilidade.
142

Introdução

O fio condutor desta pesquisa consiste em estudar a influência do


movimento politicamente correto no campo da ética publicitária,
valendo-se do estudo de caso como forma de investigar campanhas
publicitárias que foram denunciadas ao Conar, no ano de 2015, no que
tange ao princípio da respeitabilidade.

Partindo do pressuposto de que os costumes de uma época são refletidos


no que é propagado pela publicidade, podemos perceber que, ao longo
do tempo, houve uma considerável mudança no discurso publicitário.
Hoje, vivemos num cenário social que não dá margem para construções
visuais e textuais inadequadas.

Baseando-se nesse entendimento, o objetivo geral do artigo é o


de analisar as demandas sociais sobre a ética publicitária vigente,
aproveitando-se das campanhas julgadas pelo Conar, apresentadas em
seu boletim do ano de 2015, que se enquadram no quesito de decência
e respeitabilidade. A base de coleta de dados foi o Boletim Técnico nº
208, lançado pelo órgão em janeiro de 2016.

A credibilidade e o respaldo das informações contidas no Boletim


Técnico do Conar creditam a fonte e justificam as campanhas a serem
analisadas. Com o título A Autorregulamentação e o “Politicamente
Correto”, o boletim é praticamente um parecer do Conar sobre as queixas
realizadas em 2015, e se encaixa nas nossas questões de pesquisa. Ele
apresenta os motivos das denúncias e os resultados dos julgamentos
dos 50 casos dentro dessa temática, dentre os 296 processos éticos
analisados pelo órgão ao longo do ano (CONSELHO, 2015).

Entre os 50 casos denunciados, 02 dizem respeito à veracidade,


05 a crianças e adolescentes, 16 à responsabilidade social e 27 à
respeitabilidade. Observando a amostra, é perceptível uma demanda
143

por mais respeito, no sentido de se atender a uma sociedade cada


vez mais sensível às questões que mexem com estereótipos e com a
dignidade do ser humano na publicidade brasileira.

Olivetto (2014), em matéria on-line para a Folha de S. Paulo1, afirmou


que o politicamente correto pode “comprometer a liberdade criativa”,
matando a espontaneidade humana e disciplinando as relações
interpessoais (SOARES, p. 220 apud WEINMANN; CULAU, 2014, p.635).
Para outros profissionais, a ideia do politicamente correto é importante
como contribuição para o término da banalização de afrontas contra
grupos sociais ainda subjugados na sociedade (SOUZA, 2014, p.7).

É nesse impasse que se busca, aqui, compreender o posicionamento


das partes envolvidas no processo, contribuindo para o debate acerca
do assunto, com o objetivo específico – dentro dessa problemática – de
responder aos seguintes questionamentos: Qual a atual relação entre
o movimento politicamente correto e a publicidade? Que avaliação
pode ser feita a partir das campanhas julgadas em 2015 pelo Conar,
apresentadas em seu boletim técnico de janeiro de 2016?

O desenvolvimento da análise consiste num estudo de caso e tem como


fonte principal as campanhas elencadas no pronunciamento técnico
do Conar de janeiro de 2016, que se envolvem, segundo o órgão, em
questionamentos sobre o politicamente correto. Assim, do total de 50
anúncios apresentados no documento pelo Conselho de Ética, apenas
27 destes sofreram acusações no âmbito da respeitabilidade e, por isso,
somente eles serão aqui avaliados.

Visando a uma melhor disposição das informações, compreensão dos


conteúdos e até visualização das acusações, as peças foram dispostas

1 BARBOSA, Mariana.Onda politicamente correta matou a liberdade criativa, diz Olivetto.Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/09/1517161-onda-politicamente-correta-matou-a-
-liberdade-criativa-diz-olivetto.shtml>.
144

em tabela segundo as seguintes categorias definidas pelos autores:


(1) Desrespeito à decência e aos bons costumes, (2) Apelo excessivo
à sensualidade, (3) Preconceito e/ou discriminação, (4) Desrespeito
a questões relacionadas aos gêneros, (5) Desrespeito à profissão,
(6) Desrespeito à família e (7) Desrespeito à figura humana. Tal
categorização foi crucial para a posterior interpretação das produções
publicitárias e de seus litígios.
145

O que é a ideia do politicamente correto?


O uso da expressão politicamente correto ganhou força, nos EUA, em
meados do século XX, quando ela passou a ser utilizada por movimentos
sociais como discurso de combate ao preconceito e à discriminação
a grupos minoritários (GRUDA, 2014). Liderados por estudantes e
professores, o movimento de militância defendia, por exemplo, a
mudança de expressões como “black” para “africanamerican”,
argumentando que a nomenclatura não deveria estar ligada à cor,
mas à origem2. Contudo, ainda nesse período, a expressão passou a ser
utilizada com um significado diferente do originário.

Os movimentos de Direita, respaldados pelos


discursos e ideologias dominantes, se apropriaram
do fenômeno, ressignificando-o ao dotá-lo de
extremo exagero e atribuindo à Esquerda toda a
carga de policiamento deletério subjacente a uma
ideia de politicamente correto, o que igualmente
conseguiu com que as posições de Esquerda,
adotadas amplamente pelos movimentos
progressistas, se cristalizassem pouco a pouco no
imaginário social como má humorada e coercitiva
(GRUDA, 2014, p. 150).

No Brasil, a expressão divide opiniões, afinal, segundo Gruda (2014,


p.150), o politicamente correto “é dialeticamente produto e produtor
das realidades sociais e subjetivas, e por isso, não é detentor de um único
sentido possível”. Desta forma, esse pensamento, para os que propagam
um discurso hegemônico, serve para polir, censurar as opiniões e até
para configurar um instrumento de coerção do comportamento social,
uma vez que sugestões em alterações na linguagem consistem numa
poderosa ferramenta para normatização da esfera pública.

2 REVISTA FÓRUM. As origens da expressão “politicamente correto”. Disponível em: <http://www.revis-


taforum.com.br/idelberavelar/2011/04/04/as-origens-da-expressao-politicamente-correto/>.
146

Em contrapartida, a visão do politicamente correto como uma


vitimização exagerada (GRUDA, 2014) aparece relacionada a uma forma
de combate à reprodução de expressões com natureza discriminatória
e excludente, sendo que, para intensificar esse pensamento, o governo
brasileiro, em 2004, criou uma cartilha com o título O Politicamente
Correto & Direitos Humanos.

Com uma estrutura semelhante à de um dicionário, o documento


apresentava termos comumente utilizados pelo povo brasileiro, que,
de alguma forma, poderiam ser considerados preconceituosos. Entre
as expressões, estão “menino de rua”, que deveria ser “menino em
situação de rua”, “Maria vai com as outras” que defenderia a falta de
personalidade das mulheres e até as palavras “político” e “pobre”.

A cartilha foi profundamente criticada pela mídia, por intelectuais e


até por ministros do governo, e, por isso, acabou sendo rapidamente
recolhida. Para alguns, ela difundia a ideia de que tudo precisa passar
por uma regra/norma para existir, não levando em consideração que as
expressões linguísticas são carregadas de sentido histórico e ideológico.

Se as formas de vida, formas de reconhecimento


e jogos de linguagem forem os mesmos, os usos
que significam os termos serão os mesmos. Em
suma, para mudar as políticas de identidade
estigmatizantes é preciso mais que mudar os
discursos: é preciso mudar as práticas que os
sustentam (LIMA, 2012, p. 48-49 apud GRUDA,
2014, p. 158).

Perly Cipriano, Subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos


Humanos, na publicação da cartilha Politicamente Correto & Diretos
Humanos (2004), é enfático:
147

Se queremos ser respeitados, devemos


respeitar. No mínimo, para cumprir o princípio
de que todos os homens e mulheres são iguais,
independentemente de origem, cor, sexo,
orientação sexual, condição social e econômica,
credo religioso, filiação filosófica ou política etc.

Neste sentido, pensar no politicamente correto é saber olhar para


as partes envolvidas, ponderando os extremismos, como alguns dos
existentes na cartilha do governo, garantindo direitos e preservando o
respeito a todos, independentemente do discurso.

A ética na publicidade
A ética pode ser o estudo das ações ou dos costumes, e pode ser a própria
realização de um tipo de comportamento (VALLS, 2005). É, ainda, uma
disciplina responsável por normatizar esses costumes de uma sociedade
exclusivamente pela razão, tendo sua veia mais pragmática na criação das
leis que influenciam o comportamento do indivíduo.

Não seria exagerado dizer que o esforço de


teorização no campo da ética se debate com o
problema da variação dos costumes. E os grandes
pensadores éticos sempre buscaram formulações
que explicassem, a partir de alguns princípios
mais universais, tanto a igualdade do gênero
humano no que há de mais fundamental, quanto
as próprias variações. Uma boa teoria ética deveria
atender a pretensão de universalidade, ainda que
simultaneamente capaz de explicar as variações
de comportamento, características das diferentes
formações culturais e históricas (VALLS, 2005, p. 16).
148

Existindo como um compartilhamento médio da opinião moral, o senso


moral consiste num conjunto de valores subjetivos que adquirimos ao
longo da vida, e, por isso, influencia nossos posicionamentos. Tal senso
coletivo aparece no politicamente correto, na medida em que somos
expostos à mensagem e, instintivamente, discernimo-la como moral ou
imoral, certa ou errada. Podendo em alguns momentos ferir aquilo que
é considerado respeitável, esse senso pode ser determinante para os
consumidores denunciarem campanhas que venham de encontro ao
moralmente aceito.

A ética aparece, então, no campo da publicidade, buscando o exercício


de uma deontologia aplicada, que caminha junto às normas instituídas
na legislação, mas também dialoga com a moral, com o senso coletivo,
visando à produção de uma mensagem publicitária que cumpra os
quesitos da respeitabilidade e das demais normas existentes nos
dispositivos que a regulam.

O politicamente correto no campo da ética publicitária


A origem da noção do politicamente correto é a do “ninguém ofende
ninguém”. Difundiu-se a ideia de que, do ponto de vista moral, e mesmo
ético, os discursos devem ser polidos e as expressões eufêmicas, isto
é, devem reproduzir apenas aquilo que é moralmente aceito e correto.
No campo da publicidade, essa discussão é atual e constante, afinal,
muitos posicionamentos, dentro da propaganda, dividem opiniões, e é
comum, nesta linguagem, o uso de elementos e de expressões que não
estão dentro do moralmente aceitável.

“Politicamente correto” não é uma coisa,


uma substância, uma gramática autoritária e
rígida, passível de descrição abstrata, ou uma
nova ética. É o nome vago e controverso de um
processo aberto, em construção, tenso e incerto,
149

que funciona como uma gravitação sociológica,


impelindo os indivíduos a constantes negociações
e renegociações de sentidos e de valores (SOARES,
p. 235 apud WEINMANN; CULAU, 2014, p. 641).

A verdade é que, de um lado, temos uma constante vigilância para que


a publicidade, no uso de sua liberdade, não propague pensamentos que
reproduzam, na justificativa de trabalhar temas de forma leve e bem-
humorada, os sistemas de inferiorização ou outras formas de repressão
de modo implícito; e, de outro, temos a ideia do politicamente correto
como um moralismo exacerbado, uma censura à mensagem que
restringe a liberdade criativa e “vê problema em tudo”.

A questão é que a propaganda tem o dever, segundo as normas vigentes


no Conar, de zelar por uma produção em conformidade com os princípios
da decência e da respeitabilidade, além de caracterizar-se pelo respeito
à dignidade da pessoa humana, à intimidade, ao interesse social, às
instituições e símbolos nacionais, às autoridades constituídas e ao
núcleo familiar. Também não deve atuar favorecendo ou estimulando
qualquer espécie de ofensa ou de discriminação racial, social, política,
religiosa ou de nacionalidade, e não apresentar nenhum tipo de afirmação
ou apresentação visual ou auditiva que ofenda os padrões de decência
que prevalecem entre aqueles que a publicidade poderá atingir (artigos 19
a 21 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária).

Das vinte e sete campanhas denunciadas e julgadas sob o tema da


respeitabilidade, constantes do Boletim Técnico do Conar referente ao
ano de 2015, as cinco maiores em número de queixas foram: “Bombril
– Toda brasileira é diva” (118 denúncias), “Novalfem Sem MiMiMi”
(171 denúncias – sustada), “O Boticário – Dia dos Namorados” (500
denúncias), “Itaipava Verão” (125 denúncias – sustada) e “Itaipava
100%” (50 denúncias), sendo que, destas, apenas duas foram sustadas.
Outra, entre as campanhas, que recebeu sustação e advertência foi a
“Diageo Brasil – Branco” (7 denúncias).
150

Apesar de os índices de denúncias dos anúncios supracitados serem


elevados (nas outras peças, o número de queixas varia de 1 a 20), as
decisões do Conar nem sempre seguiram a opinião majoritária entre os
consumidores, afinal, uma campanha como a “Bombril – toda brasileira
é diva”, com 118 denúncias, não foi sustada. Neste ponto, convém
refletir sobre o papel/posicionamento do Conar e sobre o cumprimento
da sua função, no que se refere ao artigo 17º do Código Brasileiro de
Autorregulamentação Publicitária, que destaca a necessidade de se
levar em consideração o impacto da peça sobre o público.Apenas três
das vinte e sete campanhas envolvendo a respeitabilidade e a ideia do
politicamente correto, julgadas em 2015, foram sustadas pelo Conar.

O Conar é o órgão brasileiro responsável por regular a atividade de


produção publicitária em consonância com as normas existentes
no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, e tem
como dever prezar por uma publicidade que promova o respeito e a
responsabilidade social, evitando reproduzir diferenciações sociais ou
qualquer outro tipo de ofensa. Neste quesito, é relevante a discussão,
pois a sociedade tem seu julgamento e sua opinião a respeito do que é
moralmente aceitável, e a publicidade, na liberdade da sua atividade,
deve prezar pelas normas existentes no Código, ao mesmo tempo
em que também possui o direito de produzir mensagem que produza
reflexão e criticidade e, às vezes, questione o politicamente correto.

Por isso, é pertinente o objeto de estudo em questão, pois, enquanto


o público argumenta que as peças inferiorizam um grupo, reforçam
estereótipos, desmerecem a luta das minorias ou ferem a decência, a
defesa alega, em boa parte dos casos, o uso da criatividade, do bom
humor e da leveza como justificativa para o conteúdo das produções
publicitárias denunciadas.
151

Entre a chatice do politicamente correto


(normalmente certinho, mas coercitivo e sem
graça) e os exageros do politicamente incorreto
(muitas vezes engraçado, mas preconceituoso
e grosseiro), existe algo que eu chamo de
“politicamente saudável”, em que o senso de
humor e a irreverência são mantidos com alegria,
educação e bom gosto (OLIVETTO, 2011, p. 12).

Segundo Souza (2014), o politicamente correto tem influência na


recepção das imagens publicitárias e aparece como um espírito de
vigilância que “monitora” as produções. A questão é que, para alguns,
o politicamente correto permeia um senso de correção muito delicado
e termina podando a liberdade criativa da expressão publicitária, que
deve e pode produzir, com humor e ética, uma publicidade que preze
pela respeitabilidade em suas produções.

Análises e resultados

Para fins de uma melhor compreensão do material com o qual estamos


trabalhando neste artigo, as 27 campanhas às quais já fizemos referência
foram dispostas no quadro sinóptico abaixo, no qual elas estão dispostas
em relação à categoria na qual a denúncia foi enquadrada. Além disso,
há a informação do número de denúncias recebidas por cada campanha,
bem como o resultado do julgamento de cada uma delas.
152


Quadro 1 – Propagandas envolvendo o princípio
Categoria Anunciante Denúncias Resultado
da respeitabilidade e a ideia do “politicamente
Apelo Excessivo correto”, julgadas pelo Conar no ano de 2015.
“Closeup Brasil #beijocloseup” 3
03 Arquivamento
à Sensualidade
Fonte: Os autores.
Posto Ipiranga – Indio4 01 Arquivamento
Desrespeito à
Decência e aos O Boticário – Dia dos namorados5 500 Arquivamento
Bons Costumes
Sonho de Valsa – Pense menos, ame mais 6
04 Arquivamento
Desrespeito à
Banco Cacique – Juros de sogra7 01 Arquivamento
Família
Oi – Poder, poder, pode8 15 Arquivamento
TVN 01 Arquivamento
Desrespeito à
Sadia – Fatiador gato 9
07 Arquivamento
Figura Humana
Maquiagem asepxia10 01 Arquivamento
Rexona Antibacteriano – Elevador 11
02 Arquivamento
3 Disponível em: <http://www.jornalopcao.com.br/ultimas-noticias/closeup-lanca-campanha-
Desrespeito à
O Boticário – Farejadores12 03 Arquivamento -com-beijos-gays-e-causa-polemica-nas-redes-46008/>.
Profissão
4 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=DmHTzwJ-xsg>.
Eclipse Love Conar Arquivamento
5 Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=p4b8BMnolDI>.
Fiat – Novo Palio 201513 02 Arquivamento 6 Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=HYWyzYJhQyk>.
Cerveja Schin – Blocos de carnaval14 Consum. Arquivamento 7 Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=tiStKks4uro>.
8 Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=c5SPlfcFOoc&spfreload=10>.
Itaipava – Verão 15
125 Arquivamento
9 Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=WAvwD9N21m0>.
Risqué – Homens que amamos16 02 Arquivamento 10 Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=2A8rxgjR0io>.
Desrespeito Cerveja Schin – Homenagem aos 11 Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=izjRs59qmQg>.
06 Arquivamento
a Questões bares...17 12 Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=-TYeACOHnDo>.
Relacionadas 13 Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=zo6huDTia60>.
Itaipava 100%18 50 Sustação
aos Gêneros 14 Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=RyEFVs5Kfbc>.
Hyundai – Novo HB2019 11 Arquivamento
15 Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=H_2i9zk1FbY>.
Novalfem – Sem MiMiMi20 171 Sustação 16 Disponível em:<http://www.risque.com.br/homens.php>.
Bombril – Toda brasileira é uma diva21 118 Arquivamento 17 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=KrFcf2nlBWM>.
18 Disponível em: <http://www.adnews.com.br/public/img/noticias/ck/images/Itaipava.jpg>.
Anador – Escolha22 02 Arquivamento
19 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=M_WIDTGUBeU>.
Snickers – Vestiário Claudia Raia23 02 Arquivamento 20 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=tCwxzpnuDGQ>.
Tigre – Vão tentar te seduzir...24 02 Arquivamento 21 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ftSYeutKdZU>.
Sustação e 22 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=9gZq1DFg_jI>.
Diageo Brasil – Branco 07 23 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=GkgzJCiYfIY>.
Advertência
Preconceito e/
24 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=__vnJ-tGeMI>.
ou Discriminação Coca Cola – Comer juntos25 02 Arquivamento
25 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=bvRx_1GNHg8>.
Colégio Tiradentes26 02 Arquivamento 26 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=IYHgY42LUdw>.
153

Na categoria de Apelo Excessivo à Sensualidade,a única acusação foi


destinada à peça“Closeup Brasil #beijocloseup”, que teve três denúncias
sob a alegação de fazer apologia ao sexo. A peça publicitária foi postada
no Instagram da marca e mostrava casais, alguns deles de pessoas do
mesmo sexo, se beijando, com a seguinte legenda: “Regra única do
beijo: duas vontades”27. A Unilever Brasil defendeu-se, afirmando que
a rede social de publicação do anúncio é acessível apenas a maiores
de treze anos e, portanto, as fotos seriam compatíveis com essa faixa
etária. O Conar aceitou a defesa, e o processo foi arquivado.

Com três peças enquadradas, a categoria de Desrespeito à Decência


e aos Bons Costumes apresenta a propaganda com maior número de
denúncias no ano de 2015. Intitulada “O Boticário – Dia dos Namorados”,
suas acusações foram movidas por consumidores que questionaram
a decência do VT publicitário, valendo-se da repercussão, junto ao
público infantil, da utilização de casais homoafetivos no filme. Junto às
acusações contrárias, veio a defesa do público, que valorizou a iniciativa
do Boticário por apresentar como “justa toda forma de amor”28. O
Conar considerou que o anúncio mostra uma nova configuração da
sociedade contemporânea, e seu relator, André Luiz Costa, afirmou:

Aos pais, tios, avôs que questionam, entre


estupefatos e indignados nas mensagens ao CONAR,
como vão explicar às crianças as cenas do filme,
resta-nos dizer: esta é uma missão, ainda que muito
árdua, da família. Não contem com a publicidade
para omitir a realidade. O grande número de
manifestações é um marco na defesa da liberdade
de expressão e da tolerância e o espaço amplificado
pela internet não deve se deixar ocupar apenas pelos
censores (CONSELHO, 2015, p. 50).

27 GOUVEIA, Marcelo. Closeup lança campanha com beijos gays e causa polêmica nas redes. Disponível
em: <http://www.jornalopcao.com.br/ultimas-noticias/closeup-lanca-campanha-com-beijos-gays-e-
-causa-polemica-nas-redes-46008/>.
28 Trecho da música do VT Dia dos Namorados do Boticário.
154

No quesito do Desrespeito à Família, temos um único anúncio. O Banco


Cacique, com sua peça “Juros de sogra”, fez uma brincadeira com os juros
altos que a sogra cobraria ao genro quando este pedisse um empréstimo.
A piada foi considerada de mau-gosto e teve apenas uma acusação. A
defesa negou a acusação, alegando o humor. O argumento acabou sendo
aceito pelo Conar, que decidiu pelo arquivamento do processo.

Já no quesito Desrespeito à Figura Humana, as cinco propagandas


foram acusadas por apresentar alguma situação de inferiorização ou
preconceito, seja pelas pessoas que exalam um cheiro ruim das axilas, seja
pelos portadores de espinhas, seja pelo fato de ser mulher, pelo padrão
de beleza não alcançado, ou até por uma fala mais fina. Este último
aparece na propaganda “Poder, poder, pode” da operadora de telefonia
Oi, que exibe pessoas com tom de voz fino ou irritante para promover seus
pacotes promocionais. Neste caso, a defesa apoiou-se no bom-humor e
afirmou que, em nenhum momento, foi seu interesse desrespeitar estas
pessoas. Apesar das quinze denúncias, maior número de acusações num
anúncio dessa categoria, o Conselho decidiu pelo arquivamento.

O Boticário sofreu, ainda, outra acusação, mas se tratando de Desrespeito


à Profissão, com apeça “Farejadores”. O VT inicia exibindo uma grande
operação policial, na qual cães estão em busca do cheiro encontrado
numa jaqueta. A procura continua, culminando quando, ao encontrar o
lugar onde estaria o dono do cheiro perseguido, uma policial entra no
espaço, entrega a jaqueta e se aproxima para beijar o rapaz, “suposto
meliante”, que faz uso do perfume anunciado. A peça publicitária obteve
três denúncias sob a alegação de desrespeito aos policiais e à Polícia
como instituição, além de estimular a violência. O contra-argumento do
Boticário baseou-se no propósito criativo de mostrar o poder de sedução
do perfume. O Conar optou, mais uma vez, pelo arquivamento.

O Desrespeito a Questões Relacionadas aos Gêneros é a categoria com


maior quantidade de peças julgadas. Dentre elas, convém destacar as
155

de maior número de queixas (uma delas sustada): “Novalfem – Sem


MiMiMi” e “Itaipava – Verão”. A primeira consistiu em publicidade
feita pelo medicamento Novalfem, que comparou a dor oriunda de
cólicas menstruais a “MiMiMi”. A campanha, com início na internet e
protagonizada pela cantora Preta Gil, foi lançada com um vídeo para
internet com música chiclete, que pretendia lançar o movimento
#SEMMiMiMi. A peça foi alvo de inúmeras críticas, 171 delas formalizadas
no Conar, que afirmaram desrespeito da propaganda à dor de milhares
de mulheres, especialmente aquelas que padecem de endometriose.
O anunciante defendeu-se afirmando o uso do humor para tratar de
um sintoma do cotidiano feminino, considerando exagerada a crítica
dos(as) queixosos(as).

Desta vez, o Conar decidiu a favor dos consumidores e pediu a sustação


do anúncio, que, até o momento, só circulava na internet. Em sua
afirmação, a relatora Letícia Lindenberg (2015) disse ser “louvável o
uso de tom leve e bem-humorado em uma campanha de medicamento,
e isso não foi questionado pelas reclamantes, entretanto o que se
discute é o menosprezo, o desrespeito a uma sensação que só quem a
sente pode avaliar” (CONSELHO, 2015).

Diferente da sustação proferida contra a campanha da Novalfem, o


Conar, apesar das 125 queixas, terminou optando pelo arquivamento
da peça publicitária“Itaipava – Verão”. Os acusadores consideraram o
anúncio machista, com apelo à sensualidade, sendo desrespeitoso para
com a figura feminina. A decisão não foi aceita por unanimidade, e teve
a seguinte afirmação do relator Mário Oscar Chaves de Oliveira, que
aceitou a alegação do bom-humor por parte do anunciante:

O Brasil passa por uma notória crise de mau humor,


agravada, agora, por melindres acendrados de
segmentos que se veem ofendidos por quase
tudo que se diz. Por isso, a espontaneidade
esvaiu-se e deu lugar a cuidadosas e elaboradas
156

manifestações cerebrinas. Com absoluto respeito


às consumidoras que entreveem nos anúncios
desrespeito à figura feminina, vejo-os no limite,
exaltando a beleza da mulher com bom humor,
sem transformar o apelo à sensualidade no
principal conteúdo da mensagem29 (CONSELHO
NACIONAL DE AUTORREGULAMENTAÇÃO
PUBLICITÁRIA, 2015).

Na última categoria, Preconceito e/ou Discriminação, que é também


a com maior número de acusações, temos o “Diageo Brasil – Branco”.
O anúncio impresso sofreu sustação e pedido de advertência. Os
sete consumidores que fizeram a denúncia entenderam a peça como
racista, pelo fato de o anúncio trazer a palavra “Branco” sobreposta à
imagem do rosto de um homem negro, com o texto “E você, ainda deixa
usarem sua origem como obstáculo para o seu progresso? Racismo. Até
quando?”, transparecendo que a origem negra seria um obstáculo para
o crescimento pessoal30. O anunciante afirmou que a peça faz parte de
uma campanha com outros anúncios parecidos e que visa a inspirar as
pessoas a seguirem os seus sonhos e, por isso, solicitou o recurso. O
processo foi finalizado com sustação agravada por advertência.

29 Disponível em:< http://www.conar.org.br/>.


30 Disponível em:< http://www.conar.org.br/>.
157

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A observação dos aspectos analisados no presente artigo auxiliou na


reflexão sobre o processo de produção e de recepção das campanhas
abordadas, afinal, temos, de um lado, as agências produzindo as
mensagens, e, do outro, o público recebendo-as. Nesse processo, temos
o Conar regulando os conteúdos.

Pelo menos metade das defesas dos casos levantados utilizou o humor
das peças em contrapartida às acusações realizadas, sendo que a
grande maioria teve tal argumento aceito pelo relator, o que resultou
no arquivamento dos respectivos casos. Isso mostra como é comum o
uso do humor enquanto estratégia de persuasão, sobretudo quando se
trata de peças publicitárias produzidas no Brasil.

A grande maioria dos criativos enxerga o politicamente correto


como sendo um moralismo exagerado que poda a liberdade criativa,
engessando-os numa ditadura na qual só é permitida a produção de peças
“clichês e sem graça”. Porém, esses profissionais, por vezes, esquecem-
se da sua responsabilidade perante a sociedade, e é justamente nesse
ponto que se estabelece a relação entre o politicamente correto e a
publicidade. Esta tem o dever de analisar, a partir de todas as perspectivas
possíveis, o que pode ou não utilizar em seu discurso, levando em
consideração o Código de Autorregulamentação Publicitária e as suas
disposições acerca da respeitabilidade.
158

Acerca da análise dessas 27 campanhas julgadas no âmbito da


respeitabilidade, dentro do questionamento do politicamente
correto, em 2015, pelo Conselho de Ética Publicitária, chegamos ao
entendimento de que de nada vale ter uma ideia “extraordinária” se
não há o bom senso de pesquisar a fundo sobre o serviço/produto que
está sendo trabalhado. É preciso colocar-se no lugar do espectador para
perceber o quão agressiva pode ser uma mensagem mal-articulada para
um determinado público. Por esse motivo, destacamos a fundamental
importância do cumprimento da ética publicitária, no que se refere ao
politicamente correto.
159

REFERÊNCIAS
CONSELHO NACIONAL DE AUTORREGULAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA. Ética
na prática: a autorregulamentação e o “politicamente correto”. Boletim do
Conar. V. 208. São Paulo: Porto Palavra Editores Associados, 2015.

GRUDA, Mateus Pranzetti Paulo. O controverso discurso do politicamente


correto: algumas considerações e desdobramentos.Revista Brasileira de
Psicologia, Salvador, v. 1, n. 2, p. 148-163, 2014.

OLIVETTO, Washington. Publicidade também é cultura. In: CONSELHO Nacional


De Autorregulamentação Publicitária. Autorregulamentação e liberdade de
expressão, a receita do CONAR. São Paulo: CONAR, 2011. Disponível em: <http://
www.conar.org.br/LivroCONAR.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2016.

QUEIROZ, Antônio Carlos. Politicamente correto & Direitos Humanos.


Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, 2004.

SANTANA, Dhione Oliveira; SOUZA, Jackson de; FERREIRA, Raquel Marques


Carriço. Mais respeito na propaganda brasileira, por favor! Uma análise bienal
dos casos julgados pelo Conselho de Autorregulamentação Publicitária
envolvendo respeitabilidade.CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA
COMUNICAÇÃO, 37., 2014, Foz do Iguaçu. Anais... São Paulo: Intercom, 2014.

SOUZA, Priscila do Rocio Oliveira de. O politicamente correto e a publicidade:


o caso brasileiro no ano de 2012. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso
(Bacharelado em Ciências Sociais). Universidade Federal do Paraná, Curitiba,
2014. Disponível em: <http://www.humanas.ufpr.br/portal/cienciassociais/
files/2014/03/Monografia-Priscila-do-Rocio-Oliveira-de-Souza.pdf>. Acesso
em: 20 mar. 2016.

VALLS, Álvaro L. M. O que é ética. São Paulo: Brasiliense, 2005.

WEINMANN, Amadeu de Oliveira; CULAU, Fábio Vacaro. Notas sobre o


politicamente correto. Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, v.
14, n. 2, p. 628-645, 2014.

ZANINI, Gustavo Moreira. Publicidade e o politicamente correto:


interdiscursividades na construção social do sentido. 2015. Dissertação
(Mestrado em Comunicação Social). Universidade Metodista de São Paulo,
São Bernardo do Campo, 2015.
160

CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS BRASILEIRAS


ENVOLVENDO QUESTÕES DE GÊNERO
SOB A ÓTICA DO CONAR

Guilherme Ricardo Oliveira ALVES


Hellen Barros LIRA
Raquel Marques Carriço FERREIRA

RESUMO

Atualmente, ainda é representativo o número de campanhas publicitárias


brasileiras que se valem do condicionamento de gênero na construção
da mensagem, a exemplo dos estereótipos da mulher hipersexualizada
ou do homem másculo. O presente texto consiste em um estudo de
caso com uma amostra de seis peças publicitárias veiculadas no Brasil
e denunciadas ao Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação
Publicitária), nos anos de 2014 e 2015, envolvendo questões referentes
à representação de gênero, as quais configuram constrangimento e
discriminação ao consumidor e ferem os princípios da Respeitabilidade
e da Responsabilidade Social. Os resultados apontam que o número de
casos diminuiu de 2014 para 2015, mas, em alguns segmentos, eles
continuam sendo altamente reincidentes, a exemplo das cervejarias,
em que o Conar muitas vezes não se posiciona de maneira coerente
com suas próprias normas.

Palavras-chave: Ética.Conar. Gênero. Publicidade. Representação


de gênero.
161

Introdução

A publicidade exerce um papel importante na sociedade, uma vez que se


configura como reflexo da mesma (CASTRO, 2004 apud ARAUJO, 2007).
Entretanto, é uma via de mão dupla, ao passo que possui o poder de
discutir, significar e transformar, mas, ao mesmo tempo, de acirrar questões
arraigadas no imaginário coletivo, como os estereótipos1, por exemplo,
que podem fomentar o condicionamento de gênero, fazendo com que
este, na maioria das vezes, seja representado e caracterizado da mesma
maneira limitada e pejorativa como vem sendo retratado há tempos nas
propagandas, quase sempre justificado como uma forma de humor.

Ainda paira sobre uma parcela grande da sociedade a ideia de que


gênero resume-se a sexo ou à dualidade entre homem e mulher, quando,
na verdade, vai além do corpo: trata-se de identidade2. A autora Judith
Butler, em uma de suas colocações mais conhecidas, afirma que “sexo
é natural, gênero é construído”. Mas, em alguns casos, a publicidade
vai de encontro à real representação do gênero, reforçando, em suas
estratégias de persuasão, comportamentos considerados “naturais”
(KNOLL; PIRES, 2009).

Assim, a mesma publicidade que faz é a mesma que pode, no mínimo,


corrigir os padrões nos quais ela mesma se apoia. Isso acontece através
do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar),
que analisa e julga as produções do setor no Brasil. Para se ter uma ideia
da expressividade do paradigma acerca da representação de gênero,

1 O conceito de estereótipo foi postulado na área de comunicação em 1922, pelo jornalista norte-ame-
ricano Walter Lippman. Araujo (2007) diz que o termo apresenta duas perspectivas: designa uma forma
de orientação para o indivíduo na sociedade, a fim de facilitar a associação de situações que o cercam; e,
sob a perspectiva de Pêcheux, é algo que é reproduzido, apenas replicado, sem qualquer interpretação
e discernimento.
2 Segundo o Dicionário Michaelis, identidade é “consciência que uma pessoa tem de si mesma”.
162

em campanhas publicitárias no país, no ano de 2014, foram reportados


29 casos relacionados ao condicionamento ou à depreciação de gênero,
enquanto que em 2015 foram 23.

O esforço para que a propaganda brasileira cumpra seu papel social é,


muitas vezes, frustrado, uma vez que, na maioria delas, as empresas
contratantes e as agências publicitárias contratadas defendem-se
das acusações dos processos criativos que levam a essas denúncias,
dizendo utilizarem o “humor” como argumentação, afirmando que as
peças não são mais do que uma brincadeira ou uma mensagem jocosa
e, assim, acabam absolvidas pelo Conar.

Diante dos números verificados, questionamos se o Conar tem


estabelecido critérios assertivos para julgar as representações, se o
conselho tem realmente priorizado a livre performance de gênero
e contribuído para manter a atividade publicitária e as necessidades
sociais em consonância. Além disso, qual será o rumo desse órgão
autorregulamentador em meio a uma sociedade cada vez mais
engajada, consciente e freneticamente mutável?

Para respondermos a essas questões, analisamos seis peças publicitárias


emblemáticas, veiculadas no Brasil durante 2014 e 2015: “Old Spice - O
chamado” (P&G, 2014); “TixanYpê – O poder da mulher de multiplicação
e o poder da mulher de persuasão” (Química Amapro, 2014); “Cerveja
Conti – Tenho medo de ir no bar e pedir uma rodada e o garçom trazer
minha ex” (Casa de Conti, 2014); “Esqueci o não em casa” (Ambev,
2015); “Toda brasileira é uma Diva” (Bombril, 2015); “Itaipava, o Verão
Chegou” (Itaipava, 2015).

As campanhas foram observadas sob a ótica do estudo de caso, que


tem como objetivo, dentre outros, a descrição de um fenômeno social.
Com a ajuda dos princípios da análise de conteúdo, observamos os
elementos da codificação da mensagem para tentar compreender as
163

possíveis reações da recepção (BARDIN, 2011). Para tanto, utilizamos


como base de interesse de observação os princípios da Respeitabilidade
e da Responsabilidade Social, bem como o artigo 17 do Código Brasileiro
de Autorregulamentação Publicitária, que diz que

Ao aferir a conformidade de uma campanha


ou anúncio aos termos deste Código, o teste
primordial deve ser  o impacto provável do
anúncio, como um todo, sobre aqueles que irão
vê-lo ou ouvi-lo. A partir dessa análise global é
que se examinará detalhadamente cada parte
do conteúdo visual, verbal ou oral do anúncio,
bem como a natureza do meio utilizado para sua
veiculação (CÓDIGO, 2008). 

Observamos as seguintes categorias para nossa análise: repercussão


do anúncio na grande mídia e nas redes sociais; ano de veiculação;
o denunciante; as infrações cometidas; qual gênero foi ferido; qual
categoria denunciante se encaixa; artigos e cláusulas nos quais foram
fichados; resposta do anunciante; decisão do Conar.

O Conselho Nacional
de Autorregulamentação Publicitária

O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar),


criado em 1978 e sediado na cidade de São Paulo, surgiu de uma
iniciativa para que as propagandas não precisassem receber aval de
um departamento do governo para poderem circular. Assim, um grupo
de anunciantes juntou-se e convenceu as autoridades de que a própria
publicidade regulamentaria suas produções, nascendo, assim, o Código
Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que hoje é a base para
o trabalho do Conar3.

3 Site do Conar. Disponível em: <http://www.conar.org.br/>.


164

Atualmente, a entidade sem fins lucrativos é formada por uma equipe


multidisciplinar de 180 pessoas, que engloba publicitários e profissionais
de diferentes áreas, com a contribuição, também, de pessoas da sociedade
civil que, voluntariamente, avaliam os casos. As denúncias podem ser
feitas por qualquer pessoa, seja física, jurídica ou por instituições do
terceiro setor, incluindo a própria entidade que, às vezes, é a relatora das
denúncias. Em 2014 e em 2015, foram instaurados 549 casos, sendo que,
destes, 393 foram reportados por consumidores e consumidoras.

Todos os casos são sorteados e repassados, aleatoriamente,aos


membros do Conselho de Ética, que decidem pelo arquivamento,
alteração, sustação e/ou pela advertência da agência e/ou anunciante
dos comerciais, os quais são fichados em categorias específicas
previstas no código, dentre elas as que foram utilizadas como base para
este estudo: Respeitabilidade (capítulo II, seção 1, artigos 19 a 21) e
Responsabilidade Social (capítulo I, seção 1, artigo 2).

O artigo 19, sobre a respeitabilidade, afirma que “toda atividade


publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à dignidade da pessoa
humana, à intimidade, ao interesse social, às instituições e símbolos
nacionais, às autoridades constituídas e ao núcleo familiar”. Já o artigo
20 diz que “nenhum anúncio deve favorecer ou estimular qualquer
espécie de ofensa ou discriminação racial, social, política, religiosa ou
de nacionalidade”. E, por fim, o artigo 21 complementa descrevendo
que “os anúncios não devem conter nada que possa induzir a atividades
criminosas ou ilegais - ou que pareça favorecer, enaltecer ou estimular
tais atividades” (CÓDIGO, 2008).

Já sobre a responsabilidade social, o Conar estabelece que “todo


anúncio deve ser preparado com o devido senso de responsabilidade
social, evitando acentuar, de forma depreciativa, diferenciações sociais
decorrentes do maior ou menor poder dos grupos a que se destina ou
que se possa eventualmente atingir” (CÓDIGO, 2008).
165

Gênero e Publicidade
Gênero é conceituado como um grupo de espécies que entre si mantêm
certas analogias, e não deve ser meramente concebido como a inscrição
cultural de significado num sexo previamente dado, afirma Butler (1998).
O que a autora postula é que o gênero é um fenômeno inconstante e
contextual, que não denotaria um ser substantivo, “mas um ponto
relativo de convergência entre conjuntos específicos de relações, cultural
e historicamente convergentes” (BUTLER, 1998, p. 29).

Com o intuito de obter retornos lucrativos, a publicidade inclina-


se a fazer uso da segmentação de gêneros para atingir seu objetivo.
Publicidade essa que é definida por Silva (1976) como um meio de tornar
conhecido um produto ou serviço, através de uma ação com o objetivo
de despertar, na massa consumidora, o desejo pela coisa anunciada, ou
criar prestígio para o anunciante, sem encobrir as intenções do mesmo.

Assim, essas representações não surgiram recentemente, mas advêm


de toda uma cultura, de toda uma história e de uma sociedade que, ao
invés de evoluir com o tempo, parece retroceder, ainda hoje, no século
XXI, e corroborar ideias que desrespeitam os conceitos de gênero.

A publicidade apropria-se dessas representações, em sua maioria,


trazendo nesta segmentação um humor camuflado de preconceitos
e de ideais que desrespeitam e ridicularizam grupos, mas que,
ainda assim, conseguem, por vezes, saldos positivos em seus
objetivos comunicacionais. Ademais, o próprio Conar, na maioria das
denúncias realizadas, não procede de modo a verificar desrespeito ou
discriminação, o que ocasiona um embate entre os anseios sociais e o
papel de fiscalizador exercido pelo órgão.
166

“Old Spice – O chamado” – P&G


A campanha criada pela agência Grey 141, em parceria com a Wunderman,
veiculada em 2014, tem como protagonista o ator brasileiro Malvino
Salvador e consiste em uma série de cenas excessivamente exageradas,
com efeitos especiais em 3D como, por exemplo, o personagem que
corre e chuta um coqueiro, aparentemente, com muita força, a ponto
de fazer um coco cair.

Em outra cena, para impressionar a namorada em um jantar romântico,


o ator acende uma vela com um lança-chamas. Já em outro momento,
ele protege a namorada da lama abrindo o paletó como um super-
homem. Toda essa sequência tem o intuito de retomar o conceito
de “Homem-Homem” – termo estabelecido pela própria marca –,
resgatando a masculinidade e representando esse estereótipo4.

O anúncio foi relatado sempre tendo o humor como principal estratégia,


cuja ideia seria a de uma divulgação maçante nas redes sociais. O
comercial recebeu 50 reclamações de consumidores que consideraram
o filme desrespeitoso, machista e homofóbico, sendo fichado na
categoria de Respeitabilidade.

A P&G e a agência responsável afirmaram, em sua defesa ao Conar, que


o posicionamento do produto é destacar características que estão em
“extinção” nos homens, tais como cavalheirismo, romantismo, energia
e força, bem como reforçaram que o humor exagerado e a irreverência
são marcas da campanha. A decisão final do Conselho de Ética foi pelo
arquivamento do caso.

4 OLD SPICE – O chamado. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=t8MxQR1bVYc>.


167

“TixanYpê – O poder da mulher de multiplicação” –


Química Amapro
O filme, com pouco mais de um minuto, criado pela agência BRZ Digital,
foi veiculado em 2014 e consiste em uma série de cenas nas quais a
protagonista aparece exercendo diversas atividades, sobretudo as
tarefas do lar, tais como pentear o cabelo da filha, preparar o café da
manhã e lavar roupa, enquanto o esposo caminha pela casa apenas
terminando de arrumar sua gravata (figura 1). Em cada cômodo por que
ele passa, a mulher aparece realizando alguma das ações citadas acima,
o que causa um certo espanto, no personagem masculino, que advém
da imaginação do suposto “poder de multiplicação” da mulher5.

O anúncio foi relatado sempre tendo como abordagem a caracterização


da mulher moderna, que consegue exercer diversas funções – embora
todas sejam referidas a atividades domésticas –, bem como o poder que
ela possui. O comercial recebeu quatro reclamações de consumidoras
considerando-o desrespeitoso à figura feminina, ao passar a ideia de
que é apenas dela a responsabilidade de cuidar do lar e da família, sendo
fichado na categoria de Respeitabilidade, mais especificamente em
Desrespeitos a Questões Relacionadas ao Gênero. Embora tenha obtido
poucas representações no órgão de fiscalização, o assunto repercutiu
na grande mídia e nas redes sociais.

A anunciante e a agência afirmaram, em sua defesa ao Conar, que o


filme enaltece a mulher, mostrando as suas capacidades de multiplicação
ao realizar as tarefas. A decisão final do Conselho de Ética foi pelo
arquivamento do caso, no entendimento de que a campanha é mais uma que
se utiliza do humor e da irreverência para se comunicar, não ultrapassando
as recomendações do Código de Autorregulamentação Publicitária.

5 TIXAN YPÊ. O poder da mulher de multiplicação. Disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?-


v=brFb6YJKziY>.
168

“Cerveja Conti – Tenho medo de ir no bar


pedir uma rodada e o garçom trazer minha ex”
– Casa de Conti
A campanha foi veiculada em 2014, e o anunciante fez uma publicação,
em sua página no Facebook, cuja principal ideia foi comparar a “ex”
com uma “rodada” de cerveja Conti, insinuando que ela haveria tido
vários relacionamentos com outras pessoas. O anúncio foi relatado
como humorístico em sua estratégia, mas deprecia a imagem da mulher.

O comercial recebeu apenas duas reclamações de consumidoras


paulistas considerando-o desrespeitoso, ofensivo e machista, sendo
fichado na categoria de Respeitabilidade, na parte de Desrespeitos a
Questões Relacionadas ao Gênero, mas fez render assunto nas redes
sociais, bem como na mídia especializada.

O anunciante e a agência afirmaram, em sua defesa ao Conar, que se


tratava de uma peça bem-humorada, que também poderia ser usada
para homens. A decisão final do Conselho de Ética foi pela sustação do
anúncio e pela advertência à Casa Di Conti.

“Esqueci o não em casa” – Ambev


A campanha, criada pela agência F/Nasca S&S e veiculada em 2015,
consiste em uma série de anúncios impressos all-type, sendo um deles
constituído por nome idêntico ao projeto. Apesar de não haver imagens
ou elementos nos cartazes que façam associação direta à recusa das
pessoas quando recebem uma cantada durante o Carnaval, a frase, no
contexto em que foi exposta, poderia levar a interpretações alusivas à
falta de consentimento e à retirada do poder de escolha do indivíduo.

O anúncio teve uma repercussão bastante negativa e gerou uma


grande mobilização nas redes sociais, o que levou representações ao
169

Conar, dirigidas, em sua maioria, por mulheres. Fichado na categoria


de Responsabilidade Social, mais especificamente em Desrespeitos
a Questões Relacionadas ao Gênero, vale ressaltar que a campanha
provém de uma marca de cerveja (Skol), segmento em que é recorrente
o uso da imagem da mulher como objeto, enaltecendo o sexismo6 e
reforçando o condicionamento de gênero.

A cervejaria e a agência afirmaram que a frase não sugeria interpretação


alusiva ao assédio à mulher, promovendo o efeito contrário, dando
o poder de escolha. A decisão final do Conselho de Ética foi pelo
arquivamento do caso, mas a cervejaria atendeu a sugestão do relator
do processo e decidiu recolher os cartazes, lançando uma nova remessa
com outras frases como, por exemplo, “Quando um não quer, o outro
vai dançar. Neste Carnaval, Respeite” e “Não deu jogo? Tire o time de
campo. Neste Carnaval, respeite” (figura 2).

“Toda brasileira é uma diva” - Bombril


Criada pela agência DPZ e lançada em 2015, na TV e na internet, o
VT/filme publicitário de 30 segundos7 foi estrelado pela cantora Ivete
Sangalo e pelas atrizes Monica Iozzi e Dani Calabresa. No anúncio,
as protagonistas, num tom constante de deboche, fazem o seguinte
comparativo: “Toda brasileira é uma diva, e todo homem é diva...gar”
[texto original]. É utilizado um apelo por meio do qual se tenta reverter
o modo como a mulher normalmente é vista, principalmente quando se
trata de assuntos domésticos, a partir de uma piada sobre um suposto
comportamento dos homens, o que termina depreciando o gênero
masculino. Ou seja, houve a tentativa de reverter uma situação, mas
com o reforço de outra.

6 Ato de subjugar um gênero a outro, causando depreciação.


7 Bombril – Toda Brasileira é Uma Diva. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v =8tAymP-
sa7Wc>.
170

O resultado foram 118 denúncias, inclusive por parte de mulheres, que


se sentiram ofendidas pelo fato de a campanha reforçar estereótipos. A
agência responsável e a Bombril disseram ter apenas a intenção de usar
o bom-humor, que normalmente é o contra-argumento da defesa dos
anunciantes. O relator do processo indicou arquivamento, mas sugeriu
que agências e empresas avaliassem as mensagens que estão sendo
veiculadas em suas produções.

“Itaipava - O verão chegou” – Itaipava


Em 2015, a Y&R criou o VT/filme publicitário em questão, o qual traz
dois rapazes conversando, em um bar, sobre a expectativa da chegada
do verão, que, na verdade, é um trocadilho para fazer alusão ao apelido
de Vera, nome da protagonista do comercial8. Logo “Verão” entra no
bar, e um dos rapazes a cumprimenta, chamando-a de Dona Vera. O
outro diz: “Dona Vera é o que você tem em casa. Isso é um Verão!”.

A locução e um lettering,ao final do comercial, complementam com a frase:


“O verão é nosso” (figura 3). O vídeo evidencia como a empresa se posiciona
acerca da representatividade da mulher na sociedade, demostrando falta
de respeito e uma distinção entre as mulheres “da casa” e as “do bar”.

Houve vários relatos, por parte de consumidores, que ganharam


apoio do próprio Conar para abrir uma denúncia sobre a campanha.
Entretanto, mesmo com a grande repercussão midiática, o Conselho
decidiu pelo arquivamento do processo (por unanimidade), alegando
que o comercial não fere nenhum ponto descrito no código sobre
veiculação de bebida alcoólica, desconsiderando a representação e seu
potencial efeito diante da sociedade.

8 ITAIPAVA – O verão chegou. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=OUwNEc6GCdY>.


171

Análise dos casos apresentados


Dos seis casos analisados aqui, dois apresentam relação com o
gênero masculino, três apresentam pelo menos três representantes
do feminino e um caso estereotipa ambos com, no mínimo, um
personagem de cada gênero.

Vale ressaltar que, na maioria dos casos que envolvem personagens


masculinos, a atitude destes remete à prática machista e sexista, por
inferiorizarem as mulheres e representá-las como um objeto de desejo
sexual, além de retratar o homem como másculo, forte e viril, atingin-
do também o público LGBTQ, como no caso da peça da Old Spice, que
afirma que essa comunidade não se encaixa no padrão da marca, repre-
sentada por “Homens-Homens”.

Já as peças que envolvem figuras do sexo feminino abordam a mulher como


a dona de casa, que deve apenas preocupar-se com o seu lar, e/ou como
o objeto sexual de desejo dos homens, explorando sobremaneira o corpo
feminino. Adicionalmente, embora incomum, numa das peças avaliadas – a
campanha da Bombril –, os homens são inferiorizados, quando são julgados
com uma característica em comum que os torna menos prestigiados.

Assim, nos dois anos investigados (2014-2015), a partir de nossa


perspectiva, é possível perceber que alguns segmentos produzem, com
maior frequência, anúncios que atentam contra a integridade de gênero, e
que são reincidentes em relatos ao Conar. Em 2014, o número de casos por
segmento foi o seguinte: cerveja (5); automóveis (3); cosméticos/perfumaria/
higiene pessoal (5); produtos de casa e limpeza (4); indústria alimentícia (6);
bebidas não alcoólicas (3); sites de compras (3). Já em 2015, a relação de
casos foi a seguinte: cerveja (8); automóveis (2); cosméticos/perfumaria/
higiene pessoal (2); casa de show (2); motel (2); loja de depilação (1); loja
de ar-condicionado (1); produtos de casa e limpeza (1); indústria alimentícia
(1); remédio (1); material de construção (1); agência de relacionamentos (1).
172

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O mercado publicitário age com o intuito de obter a aceitação dos


indivíduos, criando estratégias que causem identificação do consumidor
com o produto/serviço/conceito. Uma das ferramentas mais comuns é a
utilização de estereótipos que, em algumas situações, como nos casos
aqui apresentados, terminam por resultar em campanhas preconceituosas
e/ou que reforçam uma percepção mais retrógrada da sociedade.

Em contrapartida, em um ambiente em que os meios de comunicação


se tornam cada vez mais variados e acessíveis, e a sociedade cada vez
mais consciente e humanizada, a representatividade de gênero tem sido
subvertida a partir da lógica não binária, fomentando uma publicidade
mais ética, íntegra e real.

O Conar tem um papel preponderante na prática da fiscalização


publicitária brasileira, mas o que se tem percebido – e o que se
evidenciou ainda mais ao longo das reverberações dos anúncios aqui
avaliados – é que o órgão, nem sempre, cumpre com seu propósito
e ignora os possíveis efeitos das mensagens imputadas nos anúncios
publicitários, criando um cenário de miopia social.

Apesar de o número de casos envolvendo algum tipo de imbróglio


relacionado a gênero ter diminuído de 29( 2014 casos) para 23( 2015
casos), é bastante representativo o número de empresas e de agências
que se valem dos mesmos argumentos preconceituosos disfarçados de
humor para construir sua comunicação. Portanto, faz-se necessário um
Conar que funcione não somente a partir dos relatos e das pressões
de mobilizações, mas uma entidade mais sensível pautada nas
necessidades de uma sociedade que recebe mensagens ofensivas e que
é alvo de práticas preconceituosas e/ou discriminatórias.
173

REFERÊNCIAS
ARAUJO, Daniela. As palavras e seus efeitos: sexismo na publicidade. 2007.
122 f. Dissertação (Mestrado em Letras). Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.

BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.

BUTLER, Judith. Fundamentos contingentes: o feminismo e a questão do


pós-modernismo. Trad. de Pedro Maia Soares. Cadernos Pagu, Campinas, SP,
n. 11, p. 11-42, 1998.

CASTRO, M. H. S. de. O literário como sedução: a publicidade na revista do


Globo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.

CÓDIGOBrasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Conselho Nacional


de Autorregulamentação Publicitária. Disponível em: <http://www.conar.
org.br>. Acesso em: 25 jan. 2018.

KNOLL, G. F.; PIRES, V. L. Relações de gênero na publicidade. V Encontro do


Núcleo de Estudos Linguagem, Cultura e Sociedade: GT Estudos de Gênero, 2009.

SILVA, Z. C. Dicionário de marketing e propaganda. Rio de Janeiro: Pallas, 1976.


174

UM ESTUDO DE CASO DAS DECISÕES DO CONAR


SOBRE AS DENÚNCIAS DE MACHISMO E DE
HOMOFOBIA NA PUBLICIDADE BRASILEIRA

Jônatas Breno Silva SANTOS


Edlaine Fernandes de Jesus SANTOS
Marlon Santos GONÇALVES
Raquel Marques Carriço FERREIRA

RESUMO

O presente artigo busca analisar o julgamento do Conselho Nacional


de Autorregulamentação Publicitária (Conar), no tocante aos casos de
machismo e de homofobia na publicidade brasileira, com o objetivo
de perceber se o órgão tem sido omisso ou não em relação a tais
temáticas. Para tanto, trazemos as contribuições de alguns campos
teóricos, tais como os Estudos Culturais, os Estudos de Gênero e a
Teoria Queer, atrelados ao código que regulamenta a atividade da
profissão publicitária em território nacional, bem como a outros pontos
da legislação vigente no país. No que tange ao corpus da pesquisa,
foi estabelecido um recorte temporal de 10 anos (2008-2017), com
um total de 136 denúncias observadas. Apenas cinco delas foram
analisadas sob o método do estudo de caso apresentado por Yin (2001).
Consideramos que existem inconsistências nas decisões do Conar, no
que se refere às denúncias de machismo e de homofobia, bem como
falta rigor com o trato legal.

Palavras-chave: Machismo. Homofobia. Publicidade. Conar.


Respeitabilidade.
175

Introdução

A publicidade, entendida como um produto cultural, é detentora de


mensagens e de discursos que ecoam nas mais variadas instâncias
sociais, de modo a influenciar o público, conformar ideologias, atribuir
papéis aos sujeitos e auxiliar na manutenção das relações de poder.
A título de exemplo, há muitas propagandas de cunho machista e/
ou homofóbico que são possuidoras de conteúdos preconceituosos,
discriminatórios e depreciativos da dignidade humana.

Curiosamente, a maioria desses casos tende a ser tratada de modo


negligente pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação
Publicitária, o Conar. De maneira a corroborar ou a refutar tal hipótese,
recorremos a uma investigação das decisões do Conar nos últimos dez
anos, com ênfase nas denúncias que alegam machismo e homofobia
nas peças publicitárias, para mensurar e entender que tratamento é
dado a esses casos.

Feito esse levantamento quantitativo, escolhemos um recorte de cinco


peças publicitárias para proceder a uma análise mais aprofundada. Para
tanto, utilizamo-nos do método de estudo de caso. O critério de seleção
do corpus foi privilegiar os casos arquivados pelo Conar, para perceber
se existe ou não uma inconsistência nessas decisões. Logo, o objetivo
deste artigo é compreender o quanto o Conar tem sido omisso ou não em
relação a essas acusações, e se existe, por parte do órgão, uma postura
de negligência ou de real preocupação para com essas problemáticas.

Para fundamentar a discussão, valemo-nos de algumas perspectivas


teóricas, tais como os Estudos Culturais, os Estudos de Gênero e a
Teoria Queer, bem como de alguns pontos da Constituição Federal, do
Código Penal Brasileiro, da Declaração Universal dos Direitos Humanos
e do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária.
176

O feminismo e a perspectiva da igualdade de gênero


Historicamente, vários movimentos sociais surgiram na década de 1960.
Contudo, foi mais precisamente em 1968, dentro de um contexto de
rebelião estudantil e de lutas pelos direitos civis, buscando eliminar as
fronteiras entre o âmbito pessoal e o político, que emergiram alguns
movimentos como o feminismo, o movimento dos direitos civis dos
negros e a política sexual. O fator presente em todos é a política da
identidade, pois estes se concentravam em afirmar a identidade
cultural dos indivíduos pertencentes a um determinado grupo oprimido
ou marginalizado (WOODWARD, 2000).

À época do seu surgimento, o movimento feminista caracterizava-


se, especialmente, pela profícua produção de conhecimento e pelo
aprimoramento das ideias acerca da questão do gênero. As duas
primeiras décadas do feminismo foram importantes pelo seu caráter
disruptivo em relação às formas tradicionais de pensamento e pela
percepção das relações de poder contidas nas dinâmicas sociais entre
mulheres e homens. A partir de então, houve a preocupação em
desconstruir o determinismo biológico que, por meio do essencialismo,
conferia características e atribuições específicas a homens e a mulheres
(LOURO, 1997).

Desse modo, o movimento feminista buscou, desde a sua fundação,


trazer a discussão sobre a desigualdade no tratamento dos sexos,
refutando a construção social da mulher enquanto sujeito inferior e não
histórico. Nesse momento, o feminismo compartilhava dos mesmos
ideais do lema da Revolução Francesa (igualdade, fraternidade e
liberdade), de maneira a propiciar um apagamento das diferenças entre
homens e mulheres, percebidos aqui como seres humanos com os
mesmos privilégios (HITA, 2002).
177

Corroborando isto, a Constituição da República Federativa do Brasil


traz, em seu Capítulo I, art. 5º, inciso I, que “homens e mulheres são
iguais em direitos e obrigações” (BRASIL, 1988, p.17). Do mesmo modo,
a Declaração Universal dos Direitos Humanos diz, em seu Art. 1º, que
“todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em
direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os
outros em espírito de fraternidade”.

Contudo, é válido ressaltar que, ainda assim, vivemos em uma sociedade


marcada por padrões opressores que se formam numa dinâmica social
fundada em dicotomias. Estas, por sua vez, funcionam como mecanismos
de exclusão, pois a forma mais preponderante de classificação consiste
na estruturação de oposições binárias (masculino/feminino, branco/
negro, heterossexual/homossexual), de modo a atribuir valores a
grupos distintos, estabelecendo-se uma hierarquização (SILVA, 2000).

Todavia, não se trata de uma descomplicada divisão: nessas relações,


uma das partes é sempre privilegiada, em detrimento da outra. Firmar uma
determinada identidade como norma é um dos mecanismos mais simples
pelo qual se manifesta o poder. A partir daí, estabelece-se uma naturalização,
e a força da identidade vista como “normal” opera hegemonicamente:
somente esta passa a ser vista como positiva (SILVA, 2000).

De acordo com Costa (1995), a diferenciação sexual surge do interesse


moral, político e filosófico de encontrar subterfúgios para justificar a
inferioridade da mulher. Antes da diferenciação dos sexos, a divisão
de pessoas em gênero e sexualidade era algo inconcebível, em termos
sociais, uma prática irrealizável. Esta divisão da sociedade e os princípios
alicerçados no gênero preservam-se e são governados por violências
múltiplas e abrangentes, desde as violências masculinas domésticas
até as violências no trabalho, inclinando-se a preservar os poderes
que se atribuem, individualmente e coletivamente, aos homens, em
detrimento das mulheres (WELZER-LANG, 2001).
178

Por muitas vezes, essas agressões físicas e simbólicas são estágios


iniciais de um processo que resulta, posteriormente, numa violência
maior que tira a vida destas mulheres. No que se refere a isto, a Lei
nº 13.104, de 09 de março de 2015, atualizou o Decreto-Lei nº 2.848,
de 07 de dezembro de 1940, para introduzir, no art. 121 do Código Penal
Brasileiro, o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de
homicídio, cometido contra a mulher por razões da condição de sexo
feminino. Este mesmo dispositivo legal considera que essas razões existem
quando o crime envolve “violência doméstica e familiar”, bem como
“menosprezo ou discriminação à condição de mulher” (BRASIL, 2015).

Masculinidades, dominação masculina e homofobia


Posterior ao movimento feminista, os estudos gays e lésbicos
surgem entre as décadas de 1970 e 1980, ocasionando profundas
transformações na sociedade, mudanças inicialmente restritas ao
âmbito estadunidense, mas que, posteriormente, atingiram uma escala
global (RHODEN, 2017). Esses estudos passam por uma agitação
cultural que é notada por pesquisadores das mais distintas áreas das
ciências sociais e humanas (STAM, 2003). Mais tarde, abrem caminho
para novas perspectivas, como a Teoria Queer, a qual, de acordo com
Pino (2007), desponta como um movimento teórico questionador das
formas convencionais de entender as identidades sociais e sexuais,
buscando conceitos basilares nos pensamentos de Michel Foucault.
Atualmente, três dos principais nomes do campo são Judith Butler,
EveKosofsky e Beatriz Preciado.

Sedgwick (1998) define o queer como o indiscriminável, o indecifrável,


o instável. A Teoria Queer realiza um rompimento das categorias de
gênero, comprovando a irresolução e o caráter instável de todas as
identidades sexuadas e generificadas (SALIH, 2012). Desse modo,
entende-se, então, o gênero como os significados culturalmente
179

adquiridos pelo corpo sexuado, não sendo correto afirmar que ocorra
em decorrência do sexo. De uma maneira ou de outra, quando esse
status drasticamente independente é posto, ele torna-se um artifício
flutuante (BUTLER, 2003).

Eventualmente, há que se ressaltar que a subordinação não ocorre


somente de um gênero para outro. Connell (1995) destaca que há
relações de submissão que se estabelecem dentro do mesmo gênero, a
exemplo do masculino, pois, neste grupo, os indivíduos heterossexuais se
adequam ao modelo dominante, enquanto que os homossexuais fazem
parte do modelo subordinado. O autor, ao discorrer sobre o conceito de
masculinidade hegemônica, aponta que esta, construída em relação a
outras masculinidades subordinadas, encobre-as e domina-as, mesmo
que não as solape por completo.

Kaufman (1987) aponta que tal conjuntura impulsiona as masculinidades


a reivindicarem uma revogação de muitas necessidades, formas de
expressão e sentimentos, ocasionando que se torne uma construção
social assustadoramente frágil. Por fim, resulta numa obrigatoriedade
doser másculo, ser macho, o que é capaz de manter uma insegurança
constante nos indivíduos masculinos, impulsionando uma reação
violenta contra outros.

É fato que, na sociedade patriarcal, para ser um homem é preciso não ser
associado a uma mulher. Desse modo, a feminilidade transforma-se em
polo de repulsa, o inimigo que deve ser rejeitado, sob a pena de, ao ser
tomado como uma mulher, um homem ser hostilizado como tal. Isso ocorre
porque o binarismo de gênero que impera na nossa sociedade constrói-sede
modo a forjar uma coerência presumida entre o sexo biológico, a identidade
de gênero e o desejo heterossexual (WELZER-LANG, 2001).

Nessa perspectiva, para que esse modelo mantenha o sustentáculo


da imagem preconizada do que é ser homem ou mulher, a orientação
180

sexual deve ser lida de modo que se interligue às duas outras instâncias
performativas do gênero. Portanto, àqueles que são homens e desejam
outros homens se nega o privilégio da “honorabilidade masculina”
(FERNANDES, 2013).

No que concerne à legislação brasileira, ainda se faz vista grossa em


relação à temática, pois não se inclui expressamente o termo “orientação
sexual” na redação das suas leis. Tomemos, por exemplo, o Título I da
Constituição Federal – que versa sobre os princípios fundamentais
–, com ênfase no inciso IV do artigo 3º. Nele, aparece como objetivo
primordial da República “promover o bem de todos, sem preconceitos
de raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”,
sem fazer menção ao termo citado. Contudo, a sua inclusão no inciso foi
sugerida pelo deputado José Genoíno, que apresentou, para votação no
Plenário, a emenda 2P01225-6 (13/01/1988), com o objetivo de inserir
a proibição de discriminação por orientação sexual. Após deliberação,
foram 32 votos a favor e 62 contra, sendo arquivada a Proposta de
Emenda à Constituição (BAHIA; SANTOS, 2012).

De modo similar, sem incluir explicitamente a expressão, a Declaração


Universal dos Direitos Humanos afirma, no seu Art. 2º, que

Todos os seres humanos podem invocar os direitos


e as liberdades proclamadas, sem distinção
alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo,
de língua, de religião, de opinião política ou
outra, de origem nacional ou social, de fortuna,
de nascimento ou de qualquer outra situação.

Dado todo esse panorama, trazemos a definição de Welzer-Lang (2001,


p. 465) para a palavra homofobia, que significa uma “discriminação
contra as pessoas que mostram, ou a quem se atribui, algumas
qualidades (ou defeitos) atribuídos ao outro gênero”. Assim, a figura
do efeminado está convencionalmente associada à passividade da
181

mulher, que, por sua vez, carrega conteúdos simbólicos de delicadeza e


fragilidade. Enquanto que ser “macho”, de modo contrário, significa ser
forte e dominador (FERNANDES, 2013). Nessa perspectiva, a dominação
masculina provoca homofobia com a finalidade de que, com ameaças,
os homens se agarrem aos esquemas de virilidade considerados normais
(WELZER-LANG, 2001).

Corroborando tais ideias, Bourdieu (1999) aponta que essa imposição


da masculinidade, essa virilidade caricatural protagonizada nas
performances sociais gays da atualidade, parece refletir visivelmente
a incorporação dos critérios dominantes pelos indivíduos dominados.
Finalmente, pode-se dizer que a figura do “gay masculinizado”
promove aquela esperada coerência heteronormativa entre as diversas
instâncias de gênero. Contudo, a orientação sexual homossexual não
concebe que este indivíduo usufrua dos mesmos privilégios que o
“másculo heterossexual” (FERNANDES, 2013).

A opressão na publicidade
e sua atividade de regulamentação
Dentro desse contexto de machismo e de homofobia, é notável a
presença de discursos opressores que reverberam na construção da
sociedade e dos seus produtos midiáticos. No que concerne à publicidade,
somos expostos, frequentemente, a mensagens preconceituosas e
discriminatórias que auxiliam na manutenção das relações de poder
construídas no meio social. Ocasionalmente, tal problema, presente
nos discursos publicitários, acaba por ir de encontro aos Art. 19º e 20º
do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, os quais
afirmam que a publicidade tem a responsabilidade de manter o respeito
à dignidade humana, bem como não deve favorecer ou estimular
qualquer ofensa ou discriminação.
182

Para além disso, essas peças publicitarias encontram-se em desacordo


com alguns preceitos constitucionais já apontados por este trabalho.
Paradoxalmente, o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária,
que possui inúmeros artigos e anexos que controlam a atividade da
profissão, no Brasil, diz, em seu Art. 1º, que a publicidade deve ser respeitosa
quanto às leis da nossa constituição. Esta deve, desde o início, sustentar-se
em três pilares: honestidade, veracidade e ostensividade.

45(33,1%) Gráfico 1 – Denúncias ao


Conar com alegação de
machismo e homofobia
10(7,4%)
(2008-2017)

Fonte: Autores

81(59,5%)

Propagandas arquivadas
Propagandas sustadas
Total de 136 denúncias Propagandas alteradas

Tendo esse panorama em vista, resolvemos fazer uma análise prévia


de denúncias feitas ao Conar, nos últimos dez anos, atentando para as
decisões proferidas em relação às denúncias que alegavam machismo
e/ou homofobia, mensurando, entre outros aspectos, quantos casos
foram sustados, arquivados e alterados. Das 136 denúncias analisadas,
128 contêm alegação de machismo e apenas 8 apresentam acusação
de homofobia. Desse total, escolhemos cinco casos, que consideramos
mais icônicos, para proceder a uma análise mais aprofundada. No
tocante à investigação preliminar realizada, os resultados podem ser
conferidos no gráfico 1.
183

Os dados colhidos mostram que há certa tendência ao arquivamento


dessas denúncias. Assim, privilegiamos operar uma análise mais
detida de casos arquivados, de modo a perceber se existem ou não
inconsistências nessas decisões. Portanto, sempre de posse do
arcabouço teórico trazido para este estudo, bem como de pontos da
legislação aqui referida, é que faremos a discussão do recorte.

Para proceder à análise, utilizaremos como método o estudo de caso


proposto por Yin (2001, p. 32), que, de acordo com o mesmo, é “uma
investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo
dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites
entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”. Assim
dito, é um método utilizado quando se intenciona, propositadamente,
lidar com condições contextuais, uma vez que se acredita que estas
podem ser pertinentes ao fenômeno estudado (YIN, 2001).

O estudo de caso, enquanto abordagem metodológica, funciona como


uma estratégia de pesquisa abrangente. Pode ser classificado quanto
ao tipo, que pode ser descritivo, explanatório ou exploratório, bem
como quanto ao nível da análise, que pode compreender um caso
único ou múltiplo. De modo geral, esse procedimento metodológico é o
favorito quando se suscitam questões do tipo “como?” e porquê?”, ou
quando o pesquisador possui pouco controle sobre os acontecimentos,
mas objetiva compreender esses fenômenos sociais complexos em seu
ambiente natural (YIN, 2001).
184

Primeiro caso: Doritos – YMCA


Na campanha veiculada em 2009, quatro amigos aparecem, no interior
de um carro, ouvindo a música “YMCA” do Village People (figura 1).
Um deles aparece reproduzindo a famosa coreografia da canção,
enquanto os outros o olham em tom reprovador. A partir daí, surge uma
embalagem que cobre o rosto do personagem, à medida que um voice
over sugere “quer dividir uma coisa com os amigos, divide um Doritos”.

Embora não seja possível afirmar se o personagem em questão é


homossexual, o discurso que ecoa na peça publicitária é o de que ele
nãodeveria apresentar trejeitos que o levassem a ser relacionado a
um indivíduo homossexual, bem como não deveria compartilhar sua
sexualidade com os seus amigos. Logo, temos uma coibição no que
tange à representação da identidade masculina no vídeo, presumindo
que esta deva abandonar formas de expressão e de sentimentos que
não se adequem a uma masculinidade hegemônica, ocasionando uma
inquietude e um desejo de apresentar-se de um modo mais másculo,
comportar-se de modo viril, longe de trejeitos e de performances
que possam contrariar a “honorabilidade masculina”. Desse modo,
a homofobia, na peça, ocorre quando se discrimina o personagem a
partir da percepção de características que, eventualmente, podem ser
atribuídas a outro gênero, conformando uma lógica preconceituosa que
o prenderia aos padrões dominantes de masculinidade.

No âmbito do Conar, o comercial da Pepsico foi objeto de várias


denúncias. Em uma primeira decisão, o relator do caso concedeu medida
liminar que propunha sustação, concordando que havia teor pejorativo
e discriminatório. Porém, após a defesa do anunciante, alegando que
o preconceito não estava presente na campanha, mas na cabeça dos
consumidores, o relator voltou atrás e concordou com o argumento
apresentado, votando pelo arquivamento da campanha. A decisão foi
aceita pela maioria dos conselheiros.
185

Segundo caso: Hope Ensina


Em setembro de 2011, a marca Hope, empresa que atua há mais de 50
anos no mercado de lingeries do país, colocou no ar a sua campanha
“Hope ensina”, estrelada pela supermodelo Gisele Bündchen (figura 2).
A campanha foi criada pela agência brasileira Giovanni+DRAFTFCB e
constituída de três vídeos de 15 segundos, cada um deles ensinando o
jeito correto de anunciar ao marido (1) sobre uma pessoa nova em casa,
(2) sobre o cartão de crédito estourado e (3) sobre a batida do carro.

Num primeiro momento, nas três produções, a supermodelo aparece


em um plano americano, com roupas normais do cotidiano, cabelo
dividido de forma casual e uma gentileza transparente na hora de fazer
o anúncio ao marido. Nessa primeira cena, aparece o lettering “errado”.
Logo em seguida, Gisele aparece em um plano aberto, para mostrar
todo o seu corpo trajando apenas lingerie, e seu cabelo está apenas
para um dos lados, de forma mais elegante e sensual. Já nessa cena,
aparece um lettering “certo”. Por fim, a assinatura da marca surge com
a modelo desfilando e um voice over falando: “Você é brasileira, use seu
charme. Hope, bonita por natureza”.

Nessa campanha, podemos perceber o machismo pela demonstração


que o filme faz da existência de uma oposição hierárquica entre o
homem e a mulher, uma vez que esta última precisa usar de apelos
sensuais para conquistar o outro polo, que é o seu marido, o homem
que, hegemonicamente, está acima na hierarquia social. Há uma
discriminação sexual quando se mostra uma subordinação aviltante da
figura feminina perante a masculina, reforçando ainda mais o discurso
de que o homem está sempre acima da mulher, ao mostrar que o jeito
“certo” é o depreciativo.

O Conar recebeu mais de 40 denúncias para essa campanha, além da


denúncia da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência
186

da República, que considerou os filmes sexistas e ofensivos à condição


feminina. No entanto, a relatora do caso recomendou o arquivamento,
que foi aceito por unanimidade. O argumento dado para tal decisão
foi o de que a campanha nada traz além de caricaturas do cotidiano
brasileiro usadas com humor, de forma lúdica, para atrair o seu público
através de estereótipos que são comumente utilizados na mídia do país
(CONAR, 2011).

Terceiro caso: Old Spice – O Chamado


O filme publicitário da marca de produtos masculinos para o corpo Old
Spice, veiculado em 2014, introduziu o produto no mercado brasileiro,
tendo como mote da campanha o resgate da “masculinidade”. O vídeo
é protagonizado pelo ator Malvino Salvador, que representa o líder
na busca pelo “orgulho masculino”, convocando o público-alvo do
produto a reivindicar a alegoria do “Homem-Homem”. O comercial faz
a utilização de efeitos especiais ao retratar acontecimentos cotidianos
sob um viés surreal, de modo a colocar a figura masculina como perfeita,
surpreendente e inacreditável.

Assim, deparamo-nos com uma cena em que Malvino, para impressionar


seu par durante um jantar romântico, acende as velas com um lança-
chamas (figura 3). Em outra situação, um ator distinto abre heroicamente
seu paletó para proteger a mulher dos respingos de lama. À medida que
as cenas são mostradas, a locução da campanha traz trechos como:
“Vocês são sobreviventes de uma espécie em extinção”; “A missão do
Old Spice é trazer de volta o orgulho de ser e cheirar como homem”;
“Chegou o Old Spice: o desodorante do homem-homem. O único com
partículas de um cabra-macho”; “Atenda ao chamado, se for homem”.

Os discursos em torno de toda a mensagem construída pela peça da Old


Spice revelam um aproveitamento do espaço simbólico de poder que
é destinado ao homem, dentro de uma lógica patriarcal, visto como
187

o provedor, destemido, másculo e sexualmente ativo. Logo, sustenta


um imaginário social que vincula a masculinidade à virilidade e à força
física, ignorando todas as outras formas de masculinidade. Isto se torna
mais evidente se notarmos que ocorre uma hierarquização do sexo
masculino, ao enaltecer a figura do “homem-homem” que nada mais
é do que o heterossexual que se adequa ao modelo de masculinidade
hegemônica. Desse modo, apenas essa forma de identidade aparece
positivada, pois há uma uniformização das representações masculinas
em direção a uma ideologia dominante.

Prepondera também, no vídeo, uma percepção da mulher como


dependente dos cuidados e da proteção do homem, subestimando-se a
capacidade desta, que é colocada em um papel de submissão. Dado esse
aspecto, a campanha acaba por violar o Art. 5º da Constituição Federal e o
Art. 1º dos Direitos Humanos, os quais apontam que homens e mulheres
são iguais em direitos e obrigações. Em decorrência disso, também
desobedece ao Art. 1º do Código Brasileiro de Autorregulamentação
Publicitária, cujo texto aponta que toda publicidade deve respeitar as
leis vigentes e a Constituição Federal.

No tocante ao Conar, o órgão recebeu cerca de 50 reclamações de


consumidores que consideraram a peça em questão desrespeitosa,
machista e homofóbica. Anunciante e agência apresentaram sua defesa
ao Conar alegando que o posicionamento do produto diz respeito
à ênfase nas características quase extintas dos homens, tais como
romantismo e cavalheirismo. Também apresentaram a justificativa de
que o humor exacerbado e a irreverência são marcas da campanha. O
relator, frente ao caso, convenceu-se destes argumentos e propôs o
arquivamento da denúncia, medida que foi aceita por unanimidade.
188

Quarto caso: Web Continental


A loja digital WebContinental levou ao ar um filme publicitário intitulado
“Garotas”, no ano de 2015, com duração de 30 segundos (figura 4).
No vídeo, aparece um carro conversível cheio de mulheres entrando
em um posto à procura de alguns produtos. Estas aparecem de forma
sensualizada e com poucos trajes, perguntando a um frentista se ele
tem alguns produtos. Ele responde apenas: “Na WebContinental tem”,
também de forma sensual.

A campanha estabelece uma depreciação da condição feminina ao se


utilizar do apelo sexual, inferiorizando a mulher e tratando-a de forma
objetificada. Isso só afirma o estereótipo machista de que a mulher
está sempre à mercê dos homens, indo contra o pensamento igualitário
proposto pelo feminismo. A questão da falta de respeitabilidade é
evidenciada pela discriminação sexista do filme, determinando uma
oposição hierárquica entre os dois sexos.

Com apenas uma denúncia encaminhada ao Conar, por uma consumidora


de Porto Alegre (RS), o relator da organização decidiu acatar a defesa
do anunciante, sob o argumento de que, mesmo tendo apelo à
sensualidade, o mesmo não feria a dignidade feminina. O arquivamento
da campanha foi aceito por unanimidade.

Quinto caso: Snickers Brasil – Vestiário


Em agosto de 2015, foi lançado o comercial Snickers Brasil – Vestiário,
concebido pela agência AlmapBBDO, no qual a atriz Cláudia Raia
aparece como protagonista, com um traje masculino (figura 5). No
vídeo, a personagem está vestida de forma elegante e aparece alterada
ou, segundo os personagens masculinos do filme, dando “chilique”,
uma vez que os mesmos utilizam esta expressão para descrever o
estado dela.
189

Os homens confrontados pela personagem de Cláudia Raia usam a ironia


para falar do seu cheiro, tratando-o pejorativamente como “cheirinho”.
Por sua vez, a personagem retruca dizendo: “A sua irmã não reclama
do cheiro”. Após a discussão, aparece outro personagem que entrega
um Snickers e fala que ela dá muito “chilique quando está com fome”.
Esta, após comer a barra de chocolate, deixa de ser a atriz e passa a ser
um homem. O comercial termina com o slogan do produto: “Você não
é você quando está com fome”.

O comercial reafirma a atribuição de características à mulher por meio


de construções sociais, de forma a mostrá-la como “aquela que muito
reclama”, convocando um estereótipo para depreciá-la. Nota-se, assim,
durante o filme publicitário, o uso distorcido da imagem da mulher,
com um exagero na atribuição do defeito, como se apenas a mulher
fosse detentora dessa característica, isentando o homem de recebertal
tipo de crítica. A propaganda foi julgada em novembro de 2015 pelo
Conar, e as queixas partiram de consumidoras que alegaram cunho
depreciativo em relação às mulheres. Se tomarmos os Art. 19 e 20 do
Código de Autorregulamentação Publicitária, que discorrem sobre a
respeitabilidade da propaganda, este anúncio da Snickers apresenta-se
de maneira equivocada, pois desrespeita a dignidade humana, à medida
que ofende, descrimina e atribui estereótipos à mulher.

Em defesa às acusações feitas pelas consumidoras, o anunciante


e a agência que realizaram a campanha negaram as críticas feitas e
acrescentaram que usaram o humor para informar que as pessoas ficam
irritadas quando sentem fome. Por unanimidade, a decisão do Conar foi
pelo arquivamento, levantando como fundamento o Art. 27 do Código,
que trata a propaganda como verdadeira pela natureza do produto.
190

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inicialmente, esta pesquisa propôs-se a realizar um levantamento


quantitativo no que diz respeito às decisões do Conaracercadas denúncias
de machismo e de homofobia, na publicidade brasileira do período de
2008 a 2017. Levantamos um número de 136 casos, chegando a um
dado que aponta que, deste total, foram arquivados 81 casos (59, 5%),
sustados 45 (33,1%) e alterados apenas 10 casos (7,4%).

Uma vez realizada a pesquisa quantitativa, de posse dos resultados,


os números revelaram uma tendência maior ao arquivamento das
denúncias. Assim, optamos por analisar cinco peças publicitárias
arquivadas, de modo a perceber se havia uma inconsistência nessas
decisões do Conar, ou se existia uma real preocupação em relação à
problemática aqui discutida. Optamos por escolhê-las, tanto a temática
do machismo quanto a da homofobia, porque partimos do pressuposto
de que esses dois problemas têm origem no mesmo princípio, que é a
lógica de dominação masculina que impera em nossa sociedade.

Levando em conta todo o arcabouço teórico trazido no decorrer deste


trabalho, desde o panorama histórico dos movimentos e teorias sociais
até as leis da constituição que protegem as minorias e embasam os casos
aqui analisados, percebemos uma negligência do Conar no julgamento
das decisões. É evidente uma falta de tato para tratar dessas questões
com a devida importância e respeito. Logo, concluímos que existe,
sim, uma inconsistência nas avaliações do órgão, no que concerne às
alegações de machismo e de homofobia.
191

Tal panorama é ainda mais conflituoso se atentarmos para o fato de que,


neste processo, são violados os próprios artigos e anexos estabelecidos
pelo código que orienta o trabalho do órgão e que regula a atividade
publicitária brasileira. Além disso, fere-se a legislação contida na
Constituição Federal e na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Para além disso, os resultados aos quais chegamos demonstram o reflexo


de um machismo internalizado e de uma homofobia velada nos próprios
julgamentos do Conar, uma vez que os anunciantes se escondem sob a
égide do teor humorístico, lúdico, para explicar os conceitos criativos
de suas campanhas. Não obstante, recorrentemente se utiliza como
argumento o Art. 27 do Código para explicar a maioria das mensagens
e conteúdos presentes nas peças, alegando tratar-se da “natureza do
produto”. Por sua vez, os relatores dos casos são convencidos por tais
justificativas e aderem à mesma linha de raciocínio, no momento em
que decidem pelo arquivamento das denúncias.

Assim, prevalece o discurso opressor deliberadamente machista e


homofóbico nas peças publicitárias brasileiras, pois, mesmo com
o surgimento de diversos movimentos e reivindicações sociais, a
publicidade ainda permanece proliferando tais discursos. Em decorrência
disso, dessa constante reprodução, tais práticas preconceituosas são,
muitas vezes, banalizadas, uma vez que se encontram naturalizadas
e não há um esforço efetivo no sentido de se observar formas de
representação mais adequadas às identidades que constituem as
minorias sociais do país.
192

REFERÊNCIAS
BAHIA, A. G. M. F.; SANTOS, D. M. O longo caminho contra a discriminação por
orientação sexual no Brasil no constitucionalismo pós-88: igualdade e liberdade
religiosa. Revista Mandrágora, São Paulo, v. 18, n. 18, p. 5-25, 2012.

BOURDIEU, P. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


Disponível em: <http://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/
con1988_06.06.2017/art_5_.asp>. Acesso em: 28 jan. 2018.

BRASIL. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-


Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o
feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o
art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio
no rol dos crimes hediondos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/L13104.htm>. Acesso em: 25 jan. 2018.

BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. São


Paulo: Editora Record, 2003.

CÓDIGOBrasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Conselho Nacional


de Autorregulamentação Publicitária. Disponível em: <http://www.conar.
org.br>. Acesso em: 25 jan. 2018.

CONNELL, R. W. Masculinities: knowledge, power and social change. Berkeley:


UniversityofCalifornia Press, 1995.

COSTA, J. F. A face e o verso: estudos sobre o homoerotismo II. São Paulo:


Escuta, 1995.

FERNANDES, R. M. A importância de ser “másculo”:subjetividades gays


e dominação masculina. FAZENDO GÊNERO, 10.,2013, Florianópolis.
Desafios atuais dos feminismos. Florianópolis: UFSC, 2013. Disponível
em:<http://www.fg2013.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/
anais/20/1370978831_ARQUIVO_Aimportanciadesermasculo.pdf>. Acesso
em: 21 jan. 2018.
193

HITA, M. G. Igualdade, identidade e diferença(s): feminismo na reinvenção de


sujeitos. In: ALMEIDA, H. B. et al. (Org). Gênero e matizes. São Paulo: EDUSF, 2002.

KAUFMAN, M. The construction of masculinity and the triad of men’s


violence.In: KAUFMAN, M. Beyond patriarchy: essays by men on pleasure,
power, and change. Toronto/New York: Oxford University Press, 1987, p. 1-29.

LOURO, G. L. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-


estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.

PINO, N. P. A teoria queere os intersex: experiências invisíveis de corpos des-


feitos. Cadernos Pagu, Campinas, SP, v. 28, p. 149-174, jan./jun. 2007.

RHODEN, A. C; PIMENTEL, F. A formação da identidade homossexual no


cinema: “Café com Leite” e a quebra de paradigmas. Revista Advérbio, v. 7,
n. Especial, p. 39-50, 2012.

SALIH, S. Judith Butler e a teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.

SEDGWICK, E. K. Epistemología del armario. Barcelona: Ediciones de la


Tempestad, 1998.

SILVA, Tadeu Tomaz da. A produção social da identidade e da diferença.


In: SILVA, Tadeu Tomaz da (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos
estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

STAM, R. Introdução à teoria do cinema. São Paulo: Papirus, 2003.

UNICEF BRASIL. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em:


<https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.htm>. Acesso em: 03
fev. 2018.

WELZER-LANG, D. A construção do masculino: dominação das mulheres e


homofobia. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 9, n. 2, p. 460-482, 2001.

WOODWARD, K. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual.


In: SILVA, Tadeu Tomaz da (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos
estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2 ed. Porto Alegre:


Bookman, 2001.

Você também pode gostar