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O futuro é hoje: os 16 hábitos da

mente na educação
Laura L. Fitzpatrick, Priscila Torres e Thamila Zaher

3 de dezembro de 2018

“E se a educação focasse menos nas habilidades e nos conhecimentos e mais no


cultivo de hábitos da mente que os estudantes precisarão para um aprendizado ao
longo da vida, a resolução de problemas e a tomada de decisão? E se a educação
estivesse menos preocupada com as provas de final de ano e mais atenta em quem
os alunos se tornam?” O questionamento instigante do principal pesquisador do
Project Zero e educador da Universidade de Harvard Ron Ritchhart faz cada vez
mais sentido no mundo atual. Uma pesquisa do Fórum Econômico Mundial revela
que quase 65% dos trabalhos a serem feitos no futuro pelos alunos do Ensino
Fundamental sequer foram criados. Tanto o mercado de trabalho quanto nossa
base de conhecimento estão evoluindo rapidamente.

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Para acompanhar essas mudanças e ensinar os futuros profissionais prosperar em


um mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo (do acrônimo em inglês VUCA)
— além de cada dia mais conectado e, ao mesmo tempo, fragmentado —, a
educação precisa mudar. E ela já mudou. O conhecimento de conteúdos
acadêmicos ainda é e sempre será importante, mas as habilidades socioemocionais
estão hoje no centro da revolução que ocorre na educação.

Desde 2002, Ritchhart participa do projeto Thinking Routines, que busca criar
situações de aprendizagem e estimular hábitos de pensamento em ambientes
escolares. A partir das ideias do projeto, os autores Bena Kallick e Arthur L. Costa
desenvolveram o conceito Hábitos da Mente, um método em que crianças são
estimuladas a abandonar uma forma de pensamento fixa e adotar uma mentalidade /
de crescimento. A premissa básica da metodologia é a existência de uma série de
comportamentos que os humanos utilizam para a resolução de problemas. Os
estudos da neurociência a respeito de pensamentos inteligentes comprovam que
existe uma constância de comportamento e uma forma de pensar observadas em
todas as pessoas, de cientistas e empresários a comerciantes e artistas.

Assim, emerge uma nova proposta de currículo socioemocional, trabalhado com


foco nos dezesseis hábitos da mente e transformando escolas em comunidades de
aprendizado. Guiados por esse modelo, os alunos desenvolvem em sala de aula
tanto diferentes formas de pensar quanto os hábitos da mente em atividades
teóricas e práticas. Aliar o trabalho escolar e a educação aos hábitos da mente é a
chave para indivíduos mais reflexivos, cooperativos e compassivos, que terão
habilidades para resolver problemas sociais, econômicos, políticos e do meio
ambiente.

Os dezesseis hábitos da mente podem ser assim descritos:

1. Persistir: aderir e colocar mãos à obra; seguir até a conclusão; e manter-


se focado.

2. Gerenciar a impulsividade: pensar antes de falar ou agir; permanecer


calmo quando forçado ou desafiado; manter-se reflexivo e atencioso
quanto aos outros; e prosseguir com atenção.

3. Escutar com compreensão e empatia: prestar atenção e não descartar


pensamentos, sentimentos e ideias alheias; procurar colocar-se na
perspectiva da outra pessoa; dizer aos outros quando puder fazer
relações com o que estão expressando; e manter os próprios
pensamentos à distância, para respeitar o ponto de vista e os
sentimentos dos outros.

4. Pensar de maneira flexível: ser capaz de mudar a perspectiva;


considerar a sugestão de outros; gerar alternativas; e pesar opções.

5. Pensar sobre o pensar (metacognição): estar ciente de seus próprios


pensamentos, sentimentos, intenções e ações; saber que o fazemos e
dizemos afeta os outros; e considerar o impacto de cada escolha em
mim e nos outros.

6. Buscar a precisão: verificar se há erros; medir e analisar pelo menos


duas vezes; e ter desejo de exatidão, fidelidade e precisão.

7. Questionar e levantar problemas; perguntar-se: “como eu posso


saber?”; desenvolver uma atitude de questionamento; considerar quais
informações são necessárias; escolher estratégias para obter essas
informações; e considerar os obstáculos necessários para resolver
problemas.

/
8. Aplicar conhecimentos prévios para novas situações: usar o que é
aprendido; considerar o conhecimento e a experiência anteriores; e
aplicar conhecimento além da situação em que foi aprendido.

9. Pensar e comunicar-se com clareza e precisão: esforçar-se para ser claro


e preciso ao falar e escrever; e evitar generalizações, distorções,
minimizações e exclusões ao falar e escrever.

10. Reunir dados por meio de todos os sentidos: parar para observar o que
vê; escutar o que ouve; tomar nota daquilo que cheira; provar o que
come; e sentir o que toca.

11. Criar, imaginar, inovar: pensar sobre como algo pode ser feito de forma
diferente do habitual; propor novas ideias; esforçar-se pela
originalidade; e considerar as novas sugestões que outros podem fazer.

12. Responder com curiosidade e fascinação: intrigar-se pela beleza do


mundo, o poder da natureza e a vastidão do universo; levar em conta o
que é inspirador e pode tocar o coração; abrir-se às pequenas e grandes
surpresas na vida; e ver os outros e a si mesmo.

13. Assumir riscos responsáveis: dispor-se a tentar algo novo e diferente;


considerar fazer coisas que são seguras e saudáveis, mesmo que novas;
e encarar o medo de cometer erros e não deixar isso impedir a ação.

14. Encontrar humor: rir adequadamente; procurar o inédito, o absurdo, o


irônico e o inesperado na vida; e rir de si mesmo quando puder.

15. Pensar interdependentemente: dispor-se a trabalhar com os outros e


acolher suas contribuições e perspectivas; cumprir com as decisões que
o grupo de trabalho realiza, mesmo que discorde um pouco; e dispor-se
a aprender com outros em situações recíprocas.

16. Permanecer aberto ao aprendizado contínuo: abrir-se a novas


experiências para aprender; manter-se orgulhoso e humilde o suficiente
para admitir quando não se sabe algo; e abrir-se a novas informações
sobre todos os assuntos.

Trabalhando com os dezesseis hábitos da mente é possível desenvolver pessoas


mais reflexivas em suas ações e reações, alterando desde pequenas atitudes até
posturas instintivamente mais enraizadas. Os estudantes aprendem a iniciar suas
jornadas com reflexão, raciocínio e ação. Tais posturas modificam o
comportamento daqueles que agem sem parar para pensar e não valorizam o
processo de raciocínio para chegar a uma conclusão baseada em fatos. Também é
notável a participação em sala de aula, uma vez que, antes, os estudantes
hesitavam em fazer perguntas esclarecedoras para entenderem o processo e /
desenvolverem uma estratégia de resolução de problemas. O julgamento do não
saber ou não entender e o medo de perguntar enfraquecem o descobrimento e só
valorizam o resultado final, que não é o objetivo num modelo de hábitos da mente.

Está em curso a valorização de uma nova cultura dentro da escola, de um


paradigma pedagógico atualizado e dinâmico capaz de incentivar a criatividade e a
curiosidade inerentes aos seres humanos, especialmente às crianças. Escolas no
Brasil já fomentam essa revolução, trabalhando com o que Ritchhart elencou
como oito poderosas forças culturais que definem a sala de aula inovadora: tempo,
oportunidades, rotinas, linguagem, modelagem, interações, ambiente físico e
expectativas.

Basicamente, o foco muda do ensino para o aprendizado, das tarefas baseadas em


conteúdos estáticos para o desenvolvimento do conhecimento multidisciplinar e
socioemocional. No plano pedagógico, tal postura ajuda as crianças a trabalharem
em equipe e a desenvolverem habilidades como liderança, pensamento crítico,
espírito empreendedor e criatividade. No aspecto social, os alunos aprimoram a
empatia e ganham autonomia para trilhar seus próprios caminhos na vida pessoal e
profissional.

Aprender os hábitos da mente desde cedo dá aos estudantes as ferramentas para


saberem o que fazer e como responder às situações sem respostas prontas. Assim
como qualquer empresa líder em seu setor de atuação cultiva uma cultura própria
que, ao mesmo tempo, serve de pilar e bússola, escolas vanguardistas também
estão desenvolvendo culturas que as sustentem e orientem. Com isso, as crianças
passam a aprender com os estímulos do ambiente e os contextos à sua volta,
decidindo qual hábito da mente se relaciona às diversas situações. Elas aprendem
qual hábito usar em situações similares e vão desenvolvendo padrões de
pensamento e resoluções de problemas.

Distante de arcaísmos como a memorização e a simples reprodução de conteúdos,


as escolas com mentalidade inovadora estão interessadas em ensinar os alunos a
produzir conhecimento. O atributo crítico dos seres humanos inteligentes não é
apenas ter a informação, mas saber como agir em posse dela. Com o hábito da
mente adequado, uma criança de hoje poderá ter a capacidade e a desenvoltura
para se comportar inteligentemente quando confrontada com os problemas do
amanhã. No mundo, não faltam problemas, mas pessoas aptas a resolvê-los, sim.

Laura L. Fitzpatrick é autora do livro Words Glow, Minds Grow e educadora da


North Broward Preparatory School, na Flórida.

Priscila Torres é diretora-geral e acadêmica das Escolas Concept e membro do


Comitê de Educação do Grupo SEB.

Thamila Zaher é diretora executiva do Grupo SEB Educação e membro do Comitê


de Educação do Grupo SEB.

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