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AULA 1
Esta aula visa fornecer conceitos básicos que contribuirão para o estudo
a ser realizado nas aulas seguintes. A análise do discurso (AD) é um campo de
estudos da linguística que examina, em especial, o discurso, porém há uma série
de conceitos que estão muito próximos ao objeto central de estudos dessa área.
Falar em discurso implica também falar em língua, texto, enunciação e ideologia,
apenas para citar alguns termos. Por isso, vamos, nesta aula inicial, nos
concentrar em definir e exemplificar os conceitos mais importantes da AD e que
nortearão o decorrer das aulas.
Embora a AD, como linha de estudos, envolva muitos conceitos que, por
vezes, podem parecer amplos, complexos e muito abstratos, na verdade a AD é
uma tarefa que todos nós fazemos frequentemente. Para o bem ou para o mal,
tecnicamente ou intuitivamente estamos sempre analisando as falas de nossos
amigos, conhecidos, colegas, chefes, pais, filhos e, até mesmo, ou
principalmente, desconhecidos.
De acordo com Orlandi (2010, p. 15), “a palavra discurso,
etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr por, de
movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem:
com o estudo do discurso observa-se o homem falando”. Podemos destacar uma
noção presente, nessa citação, que é a ideia do movimento associada ao
conceito de discurso. Essa é uma noção importante para considerarmos ao longo
dos estudos sobre a AD.
De um modo geral, em situações do cotidiano, a palavra discurso remete
a fala, mais ou menos longa, de alguém que esteja numa situação de destaque
socialmente. Nesse sentido, os discursos costumam ser eloquentes e
apresentam tentam exibir uma linguagem normalmente formal. E você, qual é a
sua ideia sobre o significado da palavra discurso? O que vem primeiro, a sua
mente, ao ouvir essa palavra?
Nesta aula, vamos estudar o sentido de discurso nos estudos linguísticos.
Vamos ver que toda forma de expressão, seja escrita, seja oral, tem nela
impregnado algum discurso e até mesmo mais do que um. A ideia do senso
comum de que discurso é uma fala formal e eloquente para tentar defender uma
ideia ou convencer alguém também faz parte dos estudos que a AD tem
desenvolvido. Vamos, então, dar início a esta aula fornecendo algumas noções
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preliminares sobre conceitos que nos ajudarão a compreender os estudos da
AD, os quais são muito importantes para o ensino e para a nossa vida prática
também.
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(2010), quando lemos língua podemos ler também linguagem. Isso porque,
muitas vezes, autores não só da AD, mas de outras áreas também, escrevem
língua, mas querem fazer referência a toda composição das expressões
linguísticas, ou seja, a língua e a linguagem.
Para seguirmos com uma avaliação mais detalhada, vamos recuperar
conceitos que são atribuídos a Saussure. Para esse autor, há uma distinção
entre língua e fala: a primeira é coletiva e “[...] contratualizada em sociedade”
(Mazière, 2007, p. 13). A segunda é entendida como uma expressão individual.
Essa separação é chamada de dicotomia, porque são dois lados de uma mesma
“moeda”, ou seja, de um mesmo item que não pode ser separado, a não ser pelo
olhar de um cientista.
Nessa mesma linha, temos o conceito de língua como apresentado por
Brandão (2012, p. 108):
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uma língua conseguem montar sentenças variadas, com a possibilidade de
expressar uma infinidade de ideias.
1.2 Linguagem
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TEMA 2 – LÍNGUA: LINGUAGEM E DISCURSO
2.1 O discurso
Vimos que um estudo de grande destaque foi realizado por Saussure, que
apresentou a oposição língua/fala. Brandão (2012, p. 11), referindo-se aos
estudos da AD, explica que os pesquisadores dessa área “[...] passaram a
buscar uma compreensão do fenômeno da linguagem não mais centrado apenas
na língua, sistema ideologicamente neutro, mas num nível situado fora desse
polo da dicotomia saussuriana. E essa instância da linguagem é a do discurso”.
Nessa perspectiva, o discurso é entendido como “[...] o ponto de
articulação dos processos ideológicos e dos fenômenos linguísticos” (Brandão,
2012, p. 11). Desse modo, o discurso está permeado da língua (como sistema
ou fenômeno linguístico) e da linguagem como expressão comunicativa em
sociedade ou de interação entre as pessoas.
Para Brandão (2012, p. 11), “A linguagem enquanto discurso não constitui
um universo de signos que serve apenas como instrumento de comunicação ou
suporte de pensamento; a linguagem enquanto discurso é interação, e um modo
de produção social; ela não é neutra, inocente”.
Podemos imaginar que a língua que falamos – aqui vista como o idioma
com que também escrevemos – pode ser entendida como um construto que tem
várias nuances ou esferas que se combinam. Apenas para contribuir para a
compreensão, podemos relacioná-la a uma comida que estamos preparando e,
para isso, acrescentamos vários ingredientes que, separados, têm suas
propriedades particulares, mas que, juntos, compõem outro elemento.
Entender a composição de um objeto ou construto teórico é função dos
pesquisadores de qualquer área. Nos estudos linguísticos, quando estudiosos
passaram a perceber e a descrever o discurso como uma parte da linguagem,
passou-se a ver esse objeto de estudos de outra forma. Com isso, foi-se
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observar com cientificidade as intenções ideológicas que estão vinculadas aos
mais diversos tipos de textos que produzimos.
A AD entende o discurso como um processo histórico-social,
Essa citação faz referência ao enfoque a ser assumido pela AD, no que
se refere aos estudos do discurso. Diante disso, é necessário levar em conta
que, quando se fala de discurso, não se está relacionando este a falas formais
proferidas em situações especiais. O discurso, para a AD, pode ser o discurso
religioso, político, publicitário, mas também aquelas vozes que ecoam no nosso
pensamento e que têm referência com as relações paternais, maternais,
profissionais, estudantis, regionais (como as vozes das pessoas de algum lugar,
cidade, estado, nação). Vendo assim, estamos todos envolvidos na trama dos
discursos.
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Para Brandão (2012, p. 110), texto é definido como sendo uma “[...]
unidade complexa de sentido cuja análise implica as condições de sua produção
(contexto histórico-social, situação, interlocutores)”. As condições de produção a
que se refere a autora estão ligadas às condições em que os textos são
produzidos. Todo texto (verbal ou não verbal) é produzido em um contexto
histórico-social, em determinada época e, por isso, apresenta as características
do período em que foi elaborado. Mesmo que um texto seja lido numa época
muito à frente do período em que foi produzido, ele carrega traços e informações
da sua época. É possível que existam textos considerados como atemporais.
Esse é o caso de alguns poemas que foram escritos em tempos passados, mas
que, lidos no momento presente, parecem neste se encaixar perfeitamente.
Temos aqui uma condição bastante especial, que é própria de textos literários.
No entanto, os textos de modo geral carregam dados que exprimem o momento
de sua elaboração.
Outra condição importante citada por Brandão (2012) são os
interlocutores, ou seja, os sujeitos que participam da construção de um texto,
que são o locutor e o interlocutor ou quem produz e quem lê. Os textos
efetivamente existem quando são lidos, ouvidos, vistos, analisados, sentidos ou
interpretados por alguém. Segundo Orlandi (citada por Brandão, 2012, p. 110),
“o texto como objeto teórico não é uma unidade completa; sua natureza é
intervalar, pois o sentido do texto se constrói no espaço discursivo dos
interlocutores”. No entanto, a autora argumenta que, quando se está
considerando texto como um objeto empírico de análise, ou seja, uma análise
mais informal baseada na observação e no conhecimento acumulado pelo senso
comum, o texto é visto como uma unidade com começo, meio e fim (Orlandi,
citada por Brandão, 2012, p. 110).
Precisamos considerar também que o locutor ou quem produz um texto
pode não estar sozinho, nessa condição. Isso porque, quando fazemos um texto,
usamos nosso conhecimento prévio, que é influenciado por falas e citações de
outras pessoas. Vamos estudar isso quando refletirmos sobre polifonia, que são
as vozes presentes em nossos textos.
Até agora, nos concentramos em falar sobre texto e valorizamos a sua
materialidade textual e sua condição de produção. Juntamente com essas
características, todo texto carrega um (ou mais) discurso(s). Como são
produzidos e lidos por pessoas que socialmente têm papéis e são influenciados
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por diferentes realidades, os textos apresentam grande carga discursiva. Os
textos não são meros construtos que visam transmitir uma informação de uma
pessoa para outra. Ao invés disso, estão cheios de intenções nem sempre
explícitas. Conforme explica Orlandi (2010, p. 72):
A autora fala também que os textos são objetos simbólicos e por isso são
objetos de interpretação (Orlandi, 2010, p. 72). Os textos permitem, em geral,
uma interpretação próxima entre as pessoas, mas é possível que haja diferenças
de interpretação, dependendo do modo como cada leitor ou interlocutor entende
o texto.
Em correlação com texto e discurso, temos outros dois termos que são:
textualidade e discursividade. Esses dois últimos se referem ao processo de
produção e de constituição dos dois primeiros. Textualidade e discursividade são
os elementos que permitem a elaboração dos vários textos com que temos
contato.
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4.1 Autor e sujeito
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leitor. E ele não é visto especificamente como um receptor, pois não ocupa uma
condição passiva, mas é o interlocutor que constrói os sentidos do texto, ao ter
contato com eles.
Por interlocução, de acordo com Brandão (2012, p. 108), podemos
entender “[...] o processo de interação entre indivíduos através da linguagem
verbal e não verbal”.
Concluímos esta seção destacando que, nos estudos da AD, vamos
sempre ver a palavra linguagem, mas não significa que esta esteja separada de
língua. Linguagem tem um sentido bastante abrangente, que pode abranger a
língua com seus elementos materiais; mas, especialmente, implica a diversidade
de formas e expressões da comunicação humana e que estão além da sua
constituição fonética, morfológica e sintática. A linguagem está, ainda, mais
próxima da ideia de discurso.
4.2 O enunciador
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enunciar trata-se do ato de proferir, dizer, discorrer sobre alguma mensagem,
seja ela curta, seja longa, simples ou complexa.
Para se enunciar, é necessário que tenhamos o enunciador, que Brandão
(2012, p. 106) define como sendo “[...] a figura da enunciação que representa a
pessoa cujo ponto de vista é apresentado. É a perspectiva que o locutor constrói
e de cujo ponto de vista narra, quer identificar-se com ele quer distanciando-se
dele”.
Temos, agora, quatro palavras intimamente próximas: autor, locutor,
sujeito e enunciador. Todas elas se referem a quem fala, escreve, representa ou
se expressa de alguma maneira. É esse ser tão especial que produz textos, que
constrói ideias, ideologias ou que interage de algum modo. Para nós, que somos
esses sujeitos falantes, é um exercício bastante significativo distanciarmo-nos
de nós mesmos e observarmos a nossa condição de falantes. Existem várias
nuances nessa condição e elas podem ser entendidas de modo diferente, de
acordo com o enfoque com que destinamos a observação.
Não temos a intenção de fazer uma distinção estrita entre cada uma das
quatro palavras antes citadas, pois há grande intersecção entre elas; mas,
observe que podemos caracterizá-las com base na mais real, concreta, visível
que é o autor; para a mais abstrata e invisível, que é o enunciador.
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legitimar o poder de uma classe ou grupo social. (Brandão, 2012, p.
30)
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essas propagandas: todas estão carregadas de conceitos. Ao longo de nossas
aulas, iremos retornar aos tipos de discursos e a exemplos de textos que podem
ser usados para identificar induções ideológicas.
Vamos, agora, considerar outro conceito de ideologia, que se trata de uma
“[...] noção mais ampla de ideologia que é definida como uma visão, uma
concepção de mundo de uma determinada comunidade social numa
determinada circunstância histórica” (Brandão, 2012, p. 30). De acordo com esse
entendimento, toda forma comunicativa apresenta algum tipo de ideologia.
Assim, “não há um discurso ideológico, mas todos os discursos o são” (Brandão,
2012, p. 30, grifo do original). Nessa mesma linha de pensamento, “A ideologia
é um fenômeno insuperável da existência social, na medida em que a realidade
social sempre possuiu uma constituição simbólica e comporta uma interpretação,
em imagens e representações, do próprio vínculo social” (Ricœur, 1977, p. 75).
Essa ideia está ligada à capacidade de construir sentidos e, para isso,
necessitamos de abstrações e generalizações que vamos acumulando ao longo
de nossas vidas e mesmo que recebemos do conhecimento acumulado,
historicamente, na sociedade em que vivemos. Desse modo, estamos sujeitos a
algum tipo de influência ideológica. Essa última descrição não necessariamente
faz relação com um sentido negativo ou repressor, conforme é o entendimento
de ideologia para o marxismo, mas está voltada para os processos de construção
de sentidos, que necessariamente passam por conceitos ideológicos comuns a
todas as pessoas.
Conforme esse último sentido, todas as pessoas estão compelidas a
reproduzirem algum tipo de ideologia, por isso estamos condicionados a essa
realidade.
NA PRÁTICA
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Quadro 1 – Exemplos, respectivamente, de texto verbal, de texto não verbal e
de texto verbal e não verbal
FINALIZANDO
Nesta aula, fornecemos alguns conceitos básicos que serão muito úteis
no decorrer do nosso estudo da AD. Vimos que o discurso faz parte da
linguagem, mas é a sua parte não materializada. O discurso projeta-se como um
conceito abstrato e que está intimamente ligado às condições sociais de
realização das formas comunicativas. Pudemos perceber, nesta aula, que a
linguagem humana é bastante complexa e que, para estudá-la, as linhas teóricas
apresentam conceitos específicos, com base no ponto de vista que lhes é
proeminente. Por isso, há a necessidade de identificarmos qual é a perspectiva
que embasa os conceitos que lemos.
Durante esta aula, falamos sobre língua e linguagem, discurso, sujeito,
autor, enunciador, locutor, interlocutor, interlocução e ideologia. Certamente,
ainda teremos outros termos para conceituar durante as aulas, mas iniciamos
com as palavras básicas e comuns para a área. Como a AD estuda os discursos,
lidamos com assuntos bastante abstratos, que não são fáceis de serem
exemplificados e nem compreendidos. No entanto, conforme os conteúdos forem
se configurando, mais será possível entendê-los.
Para finalizar, queremos frisar a importância dos estudos da AD para a
linguística e para o ensino. Dos anos 1990 até agora, esse campo de estudos
cresceu muito e cada vez mais vem se configurando como uma área importante.
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REFERÊNCIAS
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