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HISTÓRIA DA CULTURA PORTUGUESA

19ª Lição – 12 de maio de 2020.

Com a morte de D. José (1777), caiu em desgraça o Marquês de Pombal. Ao subir ao


trono D. Maria I vai procurar reparar o que se considerava serem as injustiças
cometidas pelo favorito de seu pai. Dá-se início à chamada Viradeira, que se vai,
porém, limitar apenas a alguns aspetos da política anterior. Há uma relativa
reabilitação da família dos Távoras, há uma tentativa de responsabilização de
Sebastião José, sem consequências significativas, e José Seabra da Silva (1732-1813), o
autor da “Dedução Cronológica”, que caíra em desgraça e fora desterrado por Pombal
para o Brasil e África por razões nunca esclarecidas, assume funções de Secretário de
Estado dos Negócios do Reino (1788-1799), sendo depois afastado por discordar da
atribuição de plenos poderes ao Príncipe D. João ainda em vida de sua mãe, D. Maria I
(1734-1816), a quem fora diagnosticada grave doença do foro psiquiátrico. Entre as
decisões que foram adotadas no seu reinado avultam a fundação da Academia das
Ciências de Lisboa (1779), da Real Biblioteca Pública (1796) e da Casa Pia de Lisboa
(1780). Diogo Inácio de Pina Manique (1733-1805), Intendente Geral da Polícia, foi o
impulsionador desta última instituição, para socorro dos pobres e ensino dos órfãos. A
perseguição dos afrancesados partidários da Revolução Francesa por Pina Manique foi
controversa, levando, aliás, ao seu afastamento em 1803… Pode dizer-se que a
“Viradeira” é um movimento complexo e ambíguo, já que se há medidas que
contrariam a orientação iluminista de Pombal, outras dão-lhe continuidade…

António Alves-Caetano escreveu «Os Socorros Pecuniários Britânicos destinados ao


Exército Português (1809-1814) – Subsídios para a História da Guerra de Libertação
Nacional» (ed. Autor, 2013), que constitui para a história económica, social e militar do
século XIX, um elemento de estudo fundamental, para entender os efeitos da saída da
Corte para o Brasil (1807), a preservação da independência portuguesa, o
enfraquecimento das possibilidades europeias de Napoleão, o equilíbrio das finanças
públicas e o reforço efetivo das potencialidades de comércio com Império brasileiro.
As guerras peninsulares constituíram um momento especialmente importante da
história europeia, uma vez que Napoleão Bonaparte começou a ver comprometidas as
suas ambições em Portugal, em virtude da aposta britânica em complementar a vitória
marítima de Trafalgar (1805) com sucessos no ocidente peninsular, no continente, que
o Estado-Maior de Sua Majestade Sereníssima aprendeu a conhecer, beneficiando de
um acesso por mar relativamente fácil, a partir das ilhas, facto contrastante com as
dificuldades sentidas pelos franceses, que não dominavam o Golfo da Gasconha, por
disporem de um difícil e longo acesso continental. Enquanto os britânicos chegavam
por mar, vindos do sul de Inglaterra sem perdas, os franceses ao passarem os Pirenéus
eram assaltados, além, de exigirem uma marcha forçada das tropas, muito
depauperante. A Península Ibérica teve, assim, dois destinos: o da salvaguarda da
independência portuguesa, graças ao movimento determinante da saída da corte para
o Rio de Janeiro, com a criação do único império europeu dirigido da América do Sul;
enquanto em Espanha não foi possível evitar uma derrota que conduziu à
momentânea perda da independência. A história é bem conhecida. Em novembro de
1806, aquando da conquista de Berlim, o Imperador Napoleão proclamou o bloqueio
continental, que exigia o fecho de todos os portos europeus aos navios de Sua
Majestade Britânica. Esta medida visava a paralisia da indústria britânica e uma
inevitável crise social. O príncipe regente D. João, em Portugal, foi protelando a
aplicação da decisão, de consequências imprevisíveis. Para o Reino Unido, a Dinamarca
e Portugal, pelas armadas importantes que possuíam, eram duas peças chave para um
eventual sucesso do bloqueio e para a afirmação do domínio napoleónico. Em
Friedland (1807), Alexandre I, czar da Rússia, ficou submetido ao domínio de
Bonaparte, o que tornava a fachada atlântica de Portugal – onde se não aplicara o
bloqueio – ainda mais decisiva para as aspirações da velha Albion. Aquando dos
Tratados com a Rússia e a Prússia de Tilsit (1807), o imperador decide secretamente a
ocupação da Península Ibérica, da Suécia e da Dinamarca, devendo as casas reinantes
ser depostas e substituídas por monarcas da confiança do Imperador. Em
consequência, em setembro de 1807 Copenhaga foi bombardeada preventivamente
pelos britânicos, que se apoderaram da esquadra do reino. O bombardeamento
britânico de Copenhaga teve, no entanto, um efeito europeu de curto prazo
pernicioso, uma vez que conduziu à adesão ao bloqueio de alguns estados que se
tinham mantido neutrais até então. O certo, porém, é que havia muitos subterfúgios
para iludir o bloqueio, desde o contrabando até à impopularidade das medidas
protecionistas francesas. A Inglaterra chegou a pôr a hipótese de invadir Portugal, se
tal fosse necessário, mas tudo se precipitou em benefício da corte de St. James, que
rapidamente assumiu a missão de cobrir defensivamente a saída da corte portuguesa
para o Brasil – nos termos da convenção secreta de 22 de outubro de 1807. O estudo
económico deste período tem ocupado António Alves Caetano, um investigador com
créditos firmados no estudo da vida económica durante as invasões napoleónicas, que
Arez Romão tem designado, com muita felicidade, como «guerra de libertação
nacional». Neste sentido, o livro em causa é uma peça fundamental para a
historiografia económica. E o ensaio obriga a uma leitura muito atenta, que se torna
apaixonante, pelo encadeado de temas do maior interesse, que explicam muitos
acontecimentos de ontem e de hoje.
Sabemos como a frota portuguesa era ambicionada por Napoleão. Jean-Andoche Junot
foi, por isso, incumbindo de apresar a armada, logo que chegasse a Lisboa. No entanto,
os navios mais importantes tinham-se retirado, de partida para terras de Vera Cruz.
Outra parte da frota portuguesa ficou, entretanto, a bloquear o estuário, para evitar
que as tropas imperiais fossem abastecidas e para impedir a saída de uma frota russa,
que acidentalmente se acolhera ao Tejo. A ocupação de Portugal durou até setembro
de 1808, tendo as tropas de Arthur Wellesley imposto as derrotas de Roliça e Vimeiro,
que puseram em xeque a posição de Junot. Napoleão não desiste. Propõe-se voltar a
reconquistar a Portugal, encarregando dessa difícil missão o Marechal Nicolas Soult,
seu favorito e herói de Austerlitz e de Iéna. A defesa de Portugal foi, no entanto,
cuidadosamente preparada pelo Estado-maior britânico, permitindo que o exército
português, muito enfraquecido, adquirisse uma apreciável e credível capacidade de
combate. Havia vantagem estratégica inglesa em Portugal pela proximidade marítima
e pelo conhecimento das costas, por contraste com as dificuldades francesas da
distância e do continente. Sir Arthur Wellesley, Lorde Wellington, traz uma frota de 75
navios à foz do Mondego, em agosto de 1808, com víveres e forragens para os cavalos.
O percurso da Figueira da Foz até Lisboa é feito junto ao mar, com o apoio da
esquadra, para garantir uma eventual retirada. E assim ocorreu uma claríssima vitória
da logística. Lembre-se que, ao invés deste sucesso, o cerco das Linhas de Torres
soçobraria, mais tarde, por falta de munições e de alimento para os cavalos.
Beresford chega a Portugal em março de 1809 e foi-lhe confiado o comando e
reorganização do exército em articulação com o secretário do Governo para a Guerra,
D. Miguel Pereira Forjaz. António Alves Caetano fez uma minuciosa investigação nos
preciosos arquivos do Erário Régio (no Tribunal de Contas) e chegou a conclusões
preciosas: o auxílio financeiro britânico para as tropas portuguesas foi essencial. O
governo britânico socorreu Portugal com a entrega de dinheiro, géneros alimentícios,
armas, calçado e fardamento, o que correspondeu ao valor espantoso de 70 por cento
das receitas totais que o Erário Régio era capaz de captar nesses anos dramáticos. De
12 de abril de 1809 a 30 de setembro de 1814, entraram nos cofres do Erário Régio
29.258 contos de réis (cerca de 8 milhões de libras esterlinas), para manutenção de 30
mil homens (quando inicialmente tinham sido previstos efetivos de cerca de metade),
de um exército regular, que Portugal antes não tinha tido, tão bem equipado e eficaz.
Aliás, aquando da vitória do Buçaco as apreciações do comando inglês foram
encomiásticas sobre a qualidade dos portugueses, ombreando com os melhores
britânicos. Acrescente-se que o auxílio financeiro da Grã-Bretanha teve o mérito de
evitar a bancarrota portuguesa. E os atrasos nos pagamentos em 1814-15 foram
responsáveis pelo não envio de reforços para Waterloo, em nome da parcimónia. O
certo é que foi decisiva a determinação de Lorde Wellington para garantir os «socorros
pecuniários». E os ganhos estratégicos da vitória foram nítidos: a ativação do comércio
brasileiro, a entrada no Atlântico sul, a valorização do porto de Lisboa e do sal de
Setúbal. Uma reflexão económica essencial, pelo que revela da história política.

Cf. Portugal – Identidade e Diferença – Aventuras da Memória, Gradiva, 2007.

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