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O ELOGIO DO VERNÁCULO
Face à auto-menorização e à agravada cegueira cultural, que
urge saber combater, a arte portuguesa ressurge no seu conjunto
como o nosso verdadeiro laboratório de trabalho. A força da arte
portuguesa reside no seu forte comportamento sui generis.
Explorando ora a vertente lírica ora a tradição vernacular (posta
em destaque por George Kubler e Horta Correia). Entende-se
melhor que algumas clientelas (os «terciários do Regime» de que
fala Vitorino Magalhães Godinho, por exemplo) fizessem fé n um
gosto ostensivo, efémero, feito de excessos, «contraposto a uma
sobriedade essencial avessa a correr riscos» que caracterizam tanto
o nosso Gótico, de linha mendicante no século XIV, o Estilo
Chão na tradição epimaneirista nos séculos XVI e XVII, ou o
nosso Barroco possível, feito de talha e azulejos, no século X VIII
Baseados no cruzamento dos modelos externos, centralidade,
rutura e sobrevivência formais, pode atestar-se uma postura de não-
compromisso face às influências estranhas (italianas, flamengas,
castelhanas, francesas) - e aí reside, menos que a dimensão de
debilidade tantas vezes injustamente apontada, a estrada de
originalidades que se estende à arte dos espaços colonizados (Costa
Africana, Maghreb, Índia e Brasil). Mesmo em fases em que por
força das diretrizes centralizadas se tornava acentuado o esforço da
internacionalização (D. Manuel. D. Filipe I e D. João V), as
respostas artísticas não deixaram o tónus vernacular e sincrético e as
artes decorativas (talha, escultura, pintura. azulejo, brutesco,
estuque) não esqueceram o sabor de condutas próprias - e assumiram
em força a linguagem necessária de afirmação regional.
Contra os preconceitos generalizados que ainda falam num
«complexo de inferioridade e invisibilidade», pela sua localização no
extremo sudoeste da Europa a nossa arte soube afirmar-se em
caminhos alternativos quase sempre renovados à medida dos meios
disponíveis. A História de Arte portuguesa é, reconheça-se, uma
história de regionalidade entendida a altas esferas de criação: o
discurso plástico busca o lirismo efabulativo, a retórica de linhas
contínuas e a fidelidade a um conjunto de «invariantes» que só
superficialmente acolhem as marcas academizadas de Antuérpia,
Roma, Madrid ou Paris. As circunstâncias que decorrem do uso de
materiais alternativos ao mármore e demais «matérias ricas» (madeira
de castanho, granito, calcário, estuque, barro) determinaram o tipo de
conduta - e só em deslocado cotejo se podem fazer comparações
diretas com a arte de outros centros europeus, quando é diferente o
percurso, o tipo de receção, a linguagem, a luz, o espírito.
É essa a razão que impele ao aprofundamento do seu estudo e
cuidada preservação, e obviam ao seu constante fascínio. A nossa
arte adquire especificidade na sua dimensão de liberdade no
tratamento das formas e na interpretação sui-generis dos modelos
exteriores. Essa característica base, longe de constituir fraqueza, é
antes uma das constantes mais fortes do seu carácter e da sua
especificidade cultural. Aí reside o nosso terreno de trabalho.