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NOVAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

Prof. Bernard Miège

O prof. Miège inicia os trabalhos colocando claramente a proposta da aula e, por conseqüência,
a discussão que melhor o interessa: apontar questões a serem solucionadas pelos estudantes de
comunicação quando o assunto gira em torno das técnicas de informação: a entender, os pontos
tensionados pela microinformática e a telefonia. Nesse aspecto, o prof. ressalta que existem vários
trabalhos que, de modo exclusivo, procuram entender situações tão diversas como o EAD, a telefonia
móvel 3G, a comunicação política, o uso de produtos multimídias (ou, como ele se refere mais adiante,
plurimídias), a gestão empresarial, a gestão de desenvolvimento, etc.

É necessário ter em mente que quando falamos de Tecnologias de Informação e Comunicação,


esse discurso deve ir além da técnica, deve ultrapassar o suporte, em razão das características dos usos
sociais que estão inclusas no conceito de tecnologia. Daí, será que podemos continuar usando o termo
“novas TICs”? Acima disso, é possível afirmar que TIC se refere tanto ao bem como ao serviço. O
exemplo dado em sala é o telefone móvel: o que é bem e o que é serviço? Aquela divisão clássica já não
se apresenta mais na maior parte das tecnologias e técnicas atuais. Ligar a idéia de bem a uma forma
material é equivocado, pois alguns produtos hoje podem existir meramente no suporte virtual e nunca
chegar a ter uma forma material.

Seguindo essa suposição, os bens culturais hoje se apresentam como bem e serviço, no lugar da
clássica idéia de articulação entre bem e serviço. Isso porque, antes de tudo, são mercadorias. Se no
caso da TV e do rádio nem toda produção cultural pode inicialmente ser considerada bem, as TICs se
encarregam de transformá-la em mercadoria, inclusive industrializadas. O que nos leva também a
considerar a existência paralela de uma indústria de serviços, portanto.

O professor apresentou então um conceito que implica na divisão das tecnologias em três
indústrias: de redes, de material e de programas. Todas as TICs representam um desafio econômico na
ordem das três indústrias, principalmente aos grandes grupos empresariais como as redes de Telecom,
os fabricantes de equipamentos e os desenvolvedores de conteúdo. A Globalização se vale das TICs com
conseqüências sociais muito grandes.

Como indústria de redes, ele cita a internet e, diretamente ligada a essa (sua antecessora e
precursora) a telefonia. As indústrias de materiais podem ser exemplificadas como os PCs, os GPSs, a TV
e o Celular, bem como a convergência entre todos esses; são as tecnologias que permitem produzir,
multiplicar e enviar a informação e estão no nosso cotidiano, cada vez mais perfeitos. É nossa tendência
multiplicar os materiais.

Já a indústria de programas está mais atrasada em relação às outras duas, e um dos motivos é
que o desenvolvimento de conteúdo é sempre mais demorado em relação ao surgimento das
tecnologias. Em outras palavras, a tecnologia surge antes do programa que a utiliza 100%, quando ele
chega a existir. Outra característica dessa indústria hoje é preparar o conteúdo para ser vendido, o que o
coloca também na linha para ser pirateado.

Essa defasagem no tempo de estréia do material e do conteúdo demonstra claramente o


cuidado que se deve ter ao tratar criticamente uma nova tecnologia: primeiro, porque os produtos
lançados nem sempre correspondem à expectativa de uso previsto, as previsões iniciais raramente se
confirmam quando a TIC chega à maturidade porque ocorrem atrasos e frustrações, e o
estabelecimento do produto como um novo paradigma, como um divisor de águas torna-se uma ilusão
de um momento anterior. O que normalmente ocorre é o desvio de algumas ferramentas de suas
funções, o que suscita o interesse dos sociólogos da comunicação, em suas tentativas de mostrar
relações entre ferramentas e pessoas, e as tentativas de modificação das funções.

Tal consideração remete ao conceito de apropriação pelo usuário, o que nos deixa com quatro
novos questionamentos sobre o determinismo tecnológico, cujas razões são muitas:
 Em função das diferenças sociais, os produtos são distribuídos/comercializados de
forma desigual no mundo (porém não estão totalmente ausentes de nenhum
local/extrato). O exemplo é da telefonia móvel na África, altamente ligada ao
entretenimento.
 Uma vez que nem todas as previsões feitas no surgimento de uma TIC se concretizam, a
pergunta deve ser deslocada para: ‘qual o motivo de não terem feito sucesso?’.
 Autores da academia e publicitários se adiantam e nos fazem crer que estamos na era
da cibercultura. Mas será que esses qualificativos se justificam? A sociedade se
caracteriza pelas redes, pelo digital ou pela informação?
 O amadurecimento das funções e usos ocorre através da técnica (confirmar conf. artigo.
Esta parte não ficou clara)
 Os discursos sociais não permitem ter uma visão clara do que acontece, e TICs são
objetos de uma valorização, enquanto se duvida de outros produtos (anteriormente
estabelecidos). Ou seja: a crítica às TICs é feita, normalmente, de forma valorizadora a
elas.
Tendo isso apontado, o primeiro questionamento apresentado então por Miège é:
1. antecipação permanente dos usos, tanto por acadêmicos como por publicitários,
jornalistas, etc. Aqui, o professor fala principalmente das previsões de mudanças que qualquer
novidade tecnológica acaba provocando. A evolução digital avança, mas traz consigo uma queda
rápida dos meios de comunicação (?). As mídias implantadas usam a internet, mas a internet não é
a mídia.
2. Prioridade constante dada à técnica e destinação/movimento dessas que têm a ver
com o social: Será que o social não está contido também na técnica? Qualquer mudança na ordem
técnica requer uma adaptação na sociedade, e o grande problema é que as questões políticas e
econômicas se impõem enquanto as questões sociais são deixadas de lado. Por exemplo a
economia de compartilhamento, da web colaborativa, do modo como é tratada hoje: fala-se muito
da quebra da hegemonia dos grandes, que a rede permite uma revolução econômica; Miège, no
entanto, aponta essa perspectiva como uma antecipação dos usos e das técnicas, que embaralha a
compreensão do que está ocorrendo justamente porque se funda na valorização da técnica.
3. Convergência, ou o que é a convergência?: Desde 1985/86 assistimos à convergência
entre Telecom, audiovisual e informática. No entanto, a convergência é algo que varia com o
tempo, porque os objetos convergentes mudam com o tempo. Hoje, por exemplo, são a
radiodifusão e a internet. E novas convergências são possíveis com as recentes nano-biotecnologias
da informação e comunicação. Se a situação é variável no tempo, ela também depende do caráter
técnico: convergência é horizonte, e não mais que uma construção social: ela depende das
estratégias articuladas por atores que postulam a convergência tanto nas indústrias de tecnologia e
de conteúdo.
Assim, a convergência é um elemento social: apesar de substrato tecnológico, não é ponto
unívoco nem ponto de chegada de um processo predeterminado. Ela conjuga elementos sociais,
econômicos e políticos com a técnica. Não se realiza convergência entre tecnologias sem vontade
política, jurídica ou a aceitação pelo usuário.
4. Os discursos possuem profecias auto-realizadoras: e é importante questionar se elas são
auto-realizadoras. Pierre Levy fala de uma Inteligência Coletiva (déc. 1990), na qual o virtual seria o
signo da transparência, o ciberespaço é transparente, e assim nós ganhamos poder. A utopia de
Adam Smith e Marx se encontrar nesse capitalismo informacional, mas ganham um acento
escatológico-religioso1. O ciberespaço ocupa outros espaços, e nós somos automídias que podem
se relacionar em comunidades virtuais.

1
(precisa de tradução...)
Existem poucos trabalhos realizados sobre as comunidades que se dizem virtuais. Oliver
Galiber (confirmar nome) pergunta, se são dispositivos comunicacionais, o dispositivo de
construção social viria das ferramentas técnicas? Existem, intrínsecos a tais ferramentas,
mecanismos que possibilitam comprovar empiricamente a existência das comunidades. E os
dispositivos técnicos acabam se aliando a questões político/sociais ao criar condições de
funcionamento das comunidades virtuais. As ferramentas técnicas dão oportunidade de atuar em
comunidade, mas existem outras condições que permitem explicar o desenvolvimento econômico,
político e social dessas comunidades (as quais o prof. não listou). Uma utopia racionalizada
combina com uma organização política e o uso das ferramentas técnicas: a tecnologia da
informática se transforma então em ferramenta de uso social. No entanto, a utopia não se realiza
porque os atores visam mudanças de abrangência imediata, e não global.
O último apontamento sobre essa questão das profecias é que as ferramentas técnicas não
geram mudanças utópicas decisivas por si só. Mas ocorrem mudanças significativas. A tela (as
redes) trazem conseqüências na distribuição do saber.

Retomando a questão da apropriação pelo usuário, Miège cita Patrice Lichier (confirmar grafia):
este autor se pergunta por que algo concebido em laboratório e aprimorado por engenheiros é
retomado por usuários. De acordo com o professor, temos hoje ferramentas que competem entre si,
temos modelos de mercado. E se associarmos o trabalho no laboratório com as reações dos usuários,
chegamos a mudanças decisivas. A evolução hoje se diferencia daquela do rádio e da TV, do surgimento
das redes telemáticas a anos atrás, porque as inovações hoje consideram o fator social.

Assim, as TICs são tudo o que coloca as pessoas em comunicação: não são apenas ferramentas
técnicas, e todas as possibilidades comunicacionais DEVEM ser levadas a sério. Desde a telemática até a
Web 2.0, o que se trata principalmente é da transferência de informação e das mudanças na
comunicação. É preciso ir além das relações entre pessoas para analisar qual informação está sendo
trocada. Essa é uma estratégia necessária/importante para o trabalho que o professor propõe.

Miège propõe então um modelo de análise baseado em 4 itens.


 A dupla mediação2: análise dos dispositivos técnicos através da determinação social e
lógica da comunicação
2
Sobre a articulação entre determinação técnica e determinação social, sociólogos franceses e americanos
sugerem o modelo da tradução, que é descartado por Miège: por exemplo, o conhecimento sobre a onda
hertziana existia, e Marconi a transformou em modelo de comunicação com o telégrafo sem fio. O contexto em
que ele estava inserido era justamente uma interface entre as determinações técnicas e sociais. Sobre o modelo
da tradução: a) tenta explicar porque em certo momento uma inovação tem sucesso, e não outra; b) tenta
articular as questões das determinações, mas não vale para as técnicas atuais porque tais estudos sempre se
posicionam no curto prazo e com questões microssociais. É, portanto, um ponto de partida incompleto.
o Articula determinações técnicas e determinações sociais
o Ocorre através da emergência e desenvolvimento das TICs
 As determinações técnicas são manifestações práticas sociais retomadas
pelos técnicos, e que podem ser estimuladas pela própria técnica.

 Reintroduzir a problemática da comunicação e informação : ir além do tratamento


meramente ferramental/material. As perspectivas informacional e comunicacional das
tecnologias se fazem essenciais.
o Primeiro, significa entender como a corporalidade e a linguagem são
posicionadas nas relações intersubjetivas (creio que entre sujeitos). As TICs
contribuem para reposicionar as possibilidades.
o Devemos reconsiderar a individualização das práticas, negligenciadas no
passado, e que são a chave para a informação e a comunicação
 Para isso, é preciso levar em consideração que nem todas as TICs são
mídias: algumas são ferramentas/técnicas de relacionamento pessoal
(como a telefonia, por exemplo). É preciso, antes, definir claramente o
que é considerado mídia, levando em conta que elas estão sujeitas a
transformações dado o desenvolvimento das TICs.
o É preciso considerar as TICs mais que ferramentas e objetos técnicos.

 Inscrição em temporalidade / posicionamento em relação ao tempo : é preciso levam


em conta tanto o longo quanto o curto prazo. Este é também um fator muitas vezes
negligenciado. Existe uma média de 25 anos entre a descoberta tecnológica e
surgimento da TIC e o estabelecimento/difusão do seu uso.
o Hoje, vivemos erroneamente a impressão de que as TICs são dispensadas desse
lapso de tempo, temos a impressão de que o intervalo será mais curto.
Devemos ser prudentes com relação à rapidez das inovações.
o É preciso entender que da invenção até a inovação há uma série de processos
que se desenvolvem e se reencontram no processo: não é possível o
enraizamento social da tecnologia sem antes uma vida social (se a tradutora
não errou, é isso).
o A história da técnica desempenha um papel fundamental para entender os dois
itens acima: devemos conhecer o surgimento, as previsões e as frustrações; as
outras técnicas concorrentes (e, possivelmente, as perdedoras do processo); o
ambiente e a situação; nunca ver apenas uma fase do ciclo (que, normalmente,
é o uso).
o É necessário se posicionar em relação ao longo prazo, pois o risco oferecido no
curto prazo é ficar preso aos primeiros usuários, ou seja, apaixonados pela
tecnologia.

 A questão da inovação: ou a terminologia da ‘inovação’. Não podemos nos limitar a


uma visão empírica da inovação, e é preciso fazer distinção entre as noções próximas a
essa de inovação, porém diversas, como mutações, mudanças e aperfeiçoamentos. Por
exemplo, a Web 2.0 não é uma inovação.
o A inovação não é um mero conceito: é interdisciplinar e permite abordagens
sociológicas, econômicas, culturais.
Existem dois tipos/categorias de inovação identificados por especialistas: a de inovação
de produtos (como o celular, o PC) e de inovações de rupturas, que podem ser
observadas e estão presentes nas TICs: a) a digitalização e o processamento de uma
quantidade importante de dados; b) a compressão de sinais/informação, que permitiu a
expansão de redes; c) a miniaturização dos componentes, com a inclusão de funções em
equipamentos; d) o processamento, a visualização e modelização dos dados, o que
permite a interatividade.
Nem sempre a formação de usos depende de transformações tecnológicas para se
organizar, ou seja, os movimentos das tecnologias nem sempre explicam os usos (ou
não-usos). Ao mesmo tempo, para que uma ferramenta (serviço) ganhe confiança, ela
deve ter estabilidade, sob o risco de ser efêmera. Os principais riscos são:
incompatibilidade com estratégias da indústria de equipamentos; as redes nem sempre
acompanham o ritmo dos fabricantes de ferramentas; distinção de que convergência é
algo que se constrói.
o Aperfeiçoamentos: de software, melhor performance, melhora das funções.
o Mutações: mais importante, porque acompanha mudanças na prática, por
exemplo, como a aliança da técnica a mudanças significativas na educação, na
saúde, no acesso à cultura. São mudanças que se localizam normalmente na
geração de ferramentas.
o Mudança: quando a ferramenta muda de uma geração a outra, por exemplo
com a telefonia móvel do 2G para o 3G, que permite a incorporação de outros
serviços.
As modalidades da inscrição da informação, do conhecimento nos suportes ainda é a linguagem,
a imagem, e o multimídia é uma combinação dos modos de inscrição, é uma espécie de vasta
experimentação que levará um tempo fora do tempo social/histórico. Não é possível prever quando a
multimídia vai revolucionar o conhecimento, se considerarmos o tipo de revolução da imprensa escrita.

Esquema geral: TICs entre inovação técnica e enraizamento social

Os processos sociais operam em todos os desenvolvimentos das TICs. Miège considera errado
dizer que a articulação entre determinações técnicas e processos sociais resultam na inserção social das
técnicas. Não é meramente um processo técnico, e sim sócio-técnico. Daí ele usar o termo
enraizamento, afinal, eles já existem na sociedade. Os desenvolvimentos das técnicas somente são
possíveis quando consideramos todos os atores envolvidos nos processos: os usuários, os
conglomerados multimídia, os governos, as empresas de Telecom e as indústrias de equipamentos.
A informacionalização3
Caracteriza-se pela circulação crescente e acelerada de fluxos de informação em nível global,
editada ou não4, que funcionam nas esferas privada e pública. É um elemento comum, cotidiano das
bases das TICs. Tem relação direta com os modos de produção capitalistas: para organizar as atividades
de consumo, é necessário que a informação circule. A informacionalização não se limita, no entanto aos
aspectos econômicos (de consumo).
Esse processo é muitas vezes confundido com a informatização: não devemos nos satisfazer
apenas com a designação das atividades ligadas ao uso da informática, sem chegar aos fluxos gerados
com o conceito de informacionalização, ou seja, o desenvolvimento dos fluxos de informação como algo
central. Fluxos de todas as naturezas são levados em conta nesse conceito, que tem como principais
fatores (elementos-chave) os satélites e as potências de telecomunicações.
Dentro da economia da circulação dos fluxos, encontramos as empresas-provedores que
fornecem acesso aos usuários. Os fluxos digitalizados, por sua vez, não tomaram o lugar dos fluxos
anteriores, mas houve mudança de natureza (por exemplo, o correio postal continua existindo, mas
para usos diferenciados em relação àqueles anteriores; o mesmo ocorre com a telefonia fixa). Múltiplos
fluxos significa múltiplas informações.
Para prosseguir a análise, é preciso fazer uma distinção entre informação e
conhecimento/saber. Não existem paralelismos entre um e outro. Apenas uma parte dos saberes gera
produção de informação; grande parte das pessoas produz informação no campo profissional – os dados
gerados são informação específica; know-how não é formalizado, e apesar de circular, não gera
informação.
Outra oposição existente é entre a informação produzida e não-produzida. No primeiro caso,
falamos da mobilização de produtores, organizações profissionais e de especialistas na produção de
informação. No segundo caso, a informação é produzida pelas comunidades individuais, indivíduos,
leigos: ou seja, não são mobilizados profissionais com competência comprovada na geração da
informação. Um exemplo claro é a Web, que congrega ambas as produções.
A terceira oposição destacada por Miège é entre informação regularmente proposta e
informação efêmera. O primeiro caso, que se liga diretamente à oposição descrita acima, refere-se à
imprensa tradicional: a produção de informação é uma coisa comum (eu diria mais, desejável). 5 Já a
importância adquirida pela informação efêmera é aquela garantida pelas TICs, e Miège a identifica como
aquela produzida pelas instituições, administrações públicas, empresas, etc.

3
O conceito de informacionalização foi abordado também por Castells, como um novo estado de espírito do
capitalismo contemporâneo, mas esse é um conceito diverso do usado por Miège. Abraham Moles se aproxima do
conceito, mas não leva em consideração a aproximação entre público e privado.
4
(ou seja, que tenham passado ou não por um processo de controle editorial)
5
Não é o cenário do século 18, quando não havia regularidade da imprensa.
A quarta oposição destaca a informação editada e a informação não-editada: a primeira possui
uma fonte clara, publicidade paga com modalidades variadas, considera o direito de ler ao propor títulos
com ressalvas; a segunda é geralmente gratuita e tem dinâmica própria, se apóiam nas TICs, como por
exemplo os sites de organizações que acabam ocultando quem é o emissor. As profissões jornalísticas
normalmente criticam a informação não-editada, mas acabam contribuindo com ela.
Quinta oposição, entre informação aberta e restrita. A informação aberta é aquela a que
tínhamos acesso anteriormente, com o uso de outros meios de comunicação. A informação restrita é
aquela que tem uma importância política, social, econômica, etc e não é acessível a todos. Neste
segundo grupo encontramos ainda as informações profissionais que se desenvolveram desde a década
de 1980, acompanhando as mutações nos modos de produção. Estas estão entre as mais importantes e
se beneficiam com as TICs, uma vez que sem as redes essa circulação estaria limitada.
A circulação das informações foi tratada com esperança para reduzir a rigidez do controle oficial
da informação produzida, o que significaria menor dominação. No entanto, o aumento da oferta de
circulação não é igual ao espectro do acesso: a distribuição deste continua desigual, mesmo que o fluxo
de informação tenha aumentado. Assim, mesmo a menor dominação não implica ainda em maior
democratização, pois vemos ainda tendências importantes em direção à concentração.

Mediatização da comunicação6
Aqui se concentram as promessas utópicas, resultados das expectativas das comunicações
novas. A maior parte dos autores tende para este aspecto, que gira em torno de três noções:
interatividade (desde 1980); virtual (desde 1990); relacional (da virada do século).
Sobre a interatividade dos meios, Miège pouco retrata e usa como exemplo a linha telefônica.
Sobre o virtual, o professor afirma que é representação do real (como muitos supõem). A comunicação
virtual possui mais interatividade do que a telefonia poderia oferecer ao incluir a imagem das pessoas e
as situações, há uma relação que é mais corporificada.
As novas TICs implicam em novas relações. Para alguns autores, existe uma fronteira
ultrapassada entre o real e o virtual. Essa é uma visão antropológica, resulta de uma mudança de
perspectiva ao que conhecemos. No entanto, há uma lacuna nas análises. Miège encara justamente a
descontinuidade das lacunas e pergunta o que sabemos sobre isso, ou o que é possível supor? As novas
possibilidades de comunicação implicam em uma nova moral. Hoje, as comunicações são valorizadas e
as críticas a elas são raras. Discursos utopistas são retomados sobre o pressuposto de que as vantagens
tecnológicas são superiores.

6
Para acabar com as dúvidas entre mediatização e midiatização, Miège deixou claro que mediatização refere-se
principalmente ao uso cada vez maior das técnicas, aos serviços e técnicas/ferramentas da ação comunicativa, aos
processos de mediação pela técnica.
A proposta de Miège é que as novas modalidades de comunicação não substituem as antigas:
elas se somam. As tecnologias voltadas para a mediatização se somam às existentes. Por esse motivo,
vemos a adjunção de práticas com as novas modalidades, ao invés de substituição delas. O ponto de
vista global é este: estamos mais numa fase de junção de modalidades de comunicação que de
substituição7. Miège prossegue com a análise de outros autores.
Dominic Wolton indica que as TICs têm papel essencial na relação indivíduo e massa. Com a
internet estamos na era da solidão interativa: é dolorosa a consciência da dificuldade de entrar em
contato com o outro (pessoalmente). Na passagem da comunicação técnica à comunicação humana, o
que temos na primeira muitas vezes induz a nada na segunda, algo explicado pelas dificuldades que o
indivíduo encontra nas relações reais, e pelas facilidades da internet. Em suma, a sociedade está se
tornando uma sociedade individualista de massa, e os indivíduos não se realizam nas interações
disponíveis. Miège, no entanto, não compreende um ponto de vista tão determinado.
Castells fala da mesma sociedade individualista de massas, mas tem uma visão menos
pessimista que Wolton.
Patrice Flichy fala de “individualismo conectado entre a técnica e a sociedade”. Três traços
definem a sociedade contemporânea: a mutação profunda na família, a mutação dos lazeres (que se
tornam privados e individuais) e mutação das empresas (que se dedicam a empregar funcionários mais
autônomos). No limite, isso significa uma redução das responsabilidades e dos compromissos sociais. Tal
individualismo se desenvolve com recurso das TICs, elas são o ponto-chave. Os indivíduos se tornam
mais autônomos, os recursos acompanham todas as mutações e influenciam os comportamentos em
longo prazo; o social permanece articulado, porém não depende da técnica. Essas são algumas pistas
para entender a mediatização da comunicação8.
Para entender melhor o processo de mediatização da comunicação, é preciso entender não os
primeiros usuários (que são sempre os mesmos) ou os usuários regulares, e sim os refratários: aqueles
que não buscam as tecnologias.
Miège oferece alguns pontos que podem trazer alguma luz a essas observações:
 A emergência de comunicação mediatizada diversa da comunicação ordinária que
conhecemos. Existe, como apontado anteriormente, uma coexistência entre ambas, e se
prestarmos atenção as diferenças não são tão grandes assim. Podemos identificar
alguns processos ilustrativos: a) o tempo gasto com as atividades não foi
significativamente alterado pela entrada dos mecanismos de comunicação individual
(ex, a TV), o que significa que dormimos menos para comunicar mais; b) com relação ao

7
Outros autores dizem o contrário, especialmente quando falamos de Web 2.0. Miège lembra que, para ele, nesse
caso falamos de transformação, e não de inovação.
8
Como um resumo pessoal, acrescento que as novas técnicas de comunicação não substituem as antigas, apesar
de surgirem a partir/com a finalidade de outros usos sociais. E esses usos são mais individualizados que os usos das
tecnologias anteriores.
e-learning, as perspectivas de mudanças nas práticas de ensino não se concretizaram na
escala prevista, e hoje ele é implantado junto com práticas das instituições educacionais.
 A mediatização da comunicação nas formas emergente é menos
permissiva/liberal/aberta do que se pode pensar, até mesmo porque as TICs não são tão
novas assim, já passaram por um processo de desenvolvimento. As ferramentas pré-
constroem práticas em todas as áreas que são desenvolvidas. Há idealizadores,
indústrias em busca de público e a maioria dos produtos precisa de interpretação.
 O uso das TICs permite adquirir (e supõem a mobilização) de competências
comunicacionais úteis para a sociedade contemporânea. Essas competências estão em
formação e obedecem a normas de ações. Essas competências relacionadas às TICs não
estão em nossas mãos desde o princípio, são adquiridas no processo comunicacional, na
relação cotidiana com a técnica
o São mecanismos (uma inteligência organizacional) que podem mudar a forma
de atuação profissional: os indivíduos que não buscam/usam uma determinada
ferramenta não possuem tal competência comunicacional.
o As normas de ações comunicacionais são o conhecimento adquirido com os
usos das ferramentas/técnicas (por exemplo, as crianças que aprendem a se
comunicar a distância), sem se limitar à utilidade momentânea. A mediatização
da comunicação tem, então, mais efeito/eficiência com o domínio dessas
competências.
Em seguida a essas considerações, o prof. Miège fez uma análise de algumas formas
comunicacionais, como o espaço central ocupado pelos chat/fóruns na sociabilidade de praticantes
regulares, a ponto de se tornar um meio de interconexão cultural; por não poder ser considerado uma
conversa face-a-face e parecer contribuir com a solidão, essa ferramenta serve para a crítica de Wolton.
Sobre a saúde, o prof. destacou a gestão individualizada, a maior responsabilidade do paciente, a maior
racionalização, os intercâmbios de informação restrita, etc, possibilitados pelas TICs.
Ainda nas análises abordou a comunicação política e o papel preponderante da internet na
organização da militância e de organismos como sindicatos, partidos, etc. Apontou como problemas
hoje a falta de interatividade e de arquivamento de conteúdos, a limitação a interfaces digitais e a
ascensão dos webmasters a um patamar mais alto, de tomada de decisões em confronto com os
dirigentes dos partidos/sindicatos.
O último ponto analisado na aula é a internet como facilitadora de interesses públicos. O
primeiro destaque é que a segmentação é facilitada, uma vez que o contato entre indivíduos com
opiniões/desejos opostos é limitado, principalmente porque evitamos essas pessoas com intenções
diversas às nossas; ou porque discutimos à distância com pessoas próximas fisicamente. Miège sustenta
que as ferramentas da nova comunicação devem ser usadas para ampliar o debate.
As potencialidades de uma comunicação nova a partir dos dispositivos técnicos ou sócio-
técnicos seguem de forma relativamente fiel as lógicas sociais, as estratégias dos atores como eles são.
O professor acha difícil aceitar que simples ferramentas possam facilmente modificar o relacionamento
entre indivíduos, ou modos de comunicação que são bem inseridos na sociedade. Por exemplo, a
telepresença, a comunicação mediatizada, não dissolve a noção de local, mas retrabalha a noção ao
misturar a unipresença física e pluripresença mediatizada: mesmo que a transmissão a distância ocorra,
não supõe interação/comunicação.

Ampliação da esfera mediática


O professor de início observa que não devemos confundir mídia com as técnicas de
comunicação, e questiona se os critérios que definem as mídias e as TICs são estáveis ou se devem ser
modificados. Aponta que, é claro, as TICs interferem no desenvolvimento das mídias, mas alerta para a
possível confusão entre elas. Sugere que existem três riscos que devem ser evitados: a) não devemos
recorrer a uma concepção metafórica/analógica das mídias 9; b) devemos evitar idéias formuladas sem
precisão/fundamentação sobre como as TICs estão substituindo as mídias; c) cuidado com a inclusão das
TICs num conjunto midiático sem saber se há especificidades de um lado ou de outro.
Miège aponta que as TICs não interferem nos contextos das mídias, e sim na comunicação
pessoal (por exemplo, o MSN não é uma mídia, por extensão podemos explicá-lo como um ato
midiático), ou mesmo na comunicação das instituições e das organizações públicas.
Como definir as mídias? Vamos deixar de lado os meios de comunicação (rádio, TV, etc), mesmo
que estejam inseridos entre as mídias, sendo apenas uma parte das mesmas. A proposta de Miège é
definir como dispositivos sócio-técnicos e sócio-simbólicos 10, ou seja, baseados num conjunto de
técnicas11, que permitem ao mesmo tempo emitir e receber programas de informação, de cultura, de
lazer; com regularidade (ou até mesmo permanentemente). O critério da regularidade é extremamente
importante para conquistar a audiência/o público. As mídias funcionam de acordo com modalidades
econômicas específicas, que têm relação com seus conteúdos (e até mesmo interferem neles), que se
instalaram progressivamente e não tem qualquer relação com outra modalidade econômica de

9
Ele cita como exemplo McLuhan e a idéia dos meios de comunicação como extensão do homem. Esse é um dos
processos a ser evitados, por causar confusão na análise pelo caminho que ele propõe. Os meios de comunicação
devem ser entendidos diretamente como ele é na relação social.
10
Socio-técnicos porque não se refere somente à base técnica, é o continente e o conteúdo, que é um sentido
mais amplo. E sócio-simbólico porque as mídias, quando se desenvolvem adquirem características simbólicas que
são importantes e precisam ser evidenciadas
11
A imprensa escrita, por exemplo, é baseada num conjunto de técnicas de impressão. Uma mídia num site utiliza
outras técnicas de distribuição/divulgação para encaminhar suas publicações junto aos seus leitores.
funcionamento. O funcionamento é garantido por organizações com especificidades marcantes 12. Por
último, as mídias possuem públicos/audiências formados por elas mesmas e que não são facilmente
questionadas13.
Existem dois grandes modelos genéricos/fundamentais de produção-exploração-
comercialização-divulgação das mercadorias comunicacionais e informacionais (até as TICs): a) o
modelo editorial, e se refere aos sistemas de edição de material por um editor e sua equipe, para
criação de produtos que fazem parte de um catálogo, de uma coleção (como livros, discos, etc), a
relação financeira é direta com o consumidor final (ele compra o bem e paga a conta), e a remuneração
é dividida entre o editor/diretor e as equipes; b) o modelo de fluxo, surge com radiodifusão (1918), e o
modelo de financiamento se dá por patrocínio. A imprensa funciona como um duplo mercado: o editor
tem leitores regulares, mas existe um segundo mercado que é o publicitário. Ainda hoje, nos deparamos
com esses dois modelos. Por exemplo, no lançamento de um site, o problema acaba se deslocando para
a mesma dúvida do surgimento das primeiras emissoras de rádio: quem paga a conta? A rentabilização
da rede gira em torno desses mesmos problemas.
O que muda com as TICs?
As mídias de massa dispunham do monopólio da informação divulgada, mas agora enfrentam
concorrência de outros produtores que usam as TICs para levar aquela informação que outrora era
restrita. A abertura técnica possibilita que outros atores busquem seus espaços nas mídias.
Os dispositivos sócio-técnicos estão mudando ou já mudaram. Apesar de chamarmos essa etapa
de digitalização, vai mais além, pois essas mudanças ligadas ao uso das TICs produz uma reorganização
da produção, resulta em outra racionalização dos métodos de produção 14. Daqui para frente, uma mídia
não será mais baseada na unicidade do dispositivo: a oferta de conteúdo ocorre com base numa
pluralidade de dispositivos15. Uma das conseqüências é que o ritmo de difusão/divulgação está se
diversificando: a mesma mídia terá ritmos de divulgação diversos para adaptar-se à diversidade dos seus
públicos e concorrer com outras mídias. Por exemplo: o broadcast incorpora as necessidades do
receptor ao retransmitir o mesmo programa em horários alternativos: apesar da escolha dos horários
ser do emissor, é uma necessidade da audiência sendo atendida.
As formas de financiamento das mídias também estão se diversificando. Surgem verdadeiros
conglomerados de comunicação (plurimídias, e não multimídias) em torno da mídia principal (de massa).
Assim, como dito acima, a própria realização do conteúdo se dá numa pluralidade de dispositivos, o que
torna mais difícil identificar a mídia pelas suas características técnicas (exteriores).
12
Uma emissora, de TV, um site de internet, funciona num âmbito de organização que não pode ser confundido
com outra, emprega um pessoal específico, de diferentes categorias profissionais.
13
Miège aponta para a relação entre a definição da audiência, o trabalho das pesquisas, etc, ou seja: tudo o que
permite definir e ajuda a formar o público-alvo dessa empresa de comunicação.
14
Uma empresa jornalística, por exemplo, muda o seu modo de gravar em vídeo, de editar, etc.
15
Ao invés de uma mídia ter um dispositivo sócio-técnico único, ela possui uma diversidade técnica. Todas as
mídias passariam a usar os mesmos (e vários) dispositivos sócio-técnicos.
Do ponto de vista do consumidor, as mudanças provocadas pelas TICs são menos claras porque
estes são menos atentos às mudanças. Os consumidores esperam ter novas mídias, diferentes,
alternativas, que se diferenciem completamente daquelas mídias de massa, e um dos motivos é a perda
de credibilidade, de legitimidade que estas vêm sofrendo com o tempo. Essa, no entanto, é uma
perspectiva parcial porque mesmo as mídias implantadas não permaneceram inativas, mesmo com a
ascensão das comunidades virtuais dos usuários.
A questão da programação é um problema mais visível na relação com os usuários. Os
consumidores esperam que novos atores ocupem um espaço significativo no mercado das mídias. Ou
seja: espera-se que as pressões sejam suficientes no âmbito das mídias já instaladas, e por isso o prof.
considera que o ponto-chave da discussão seja a programação, uma vez que esta é a centralidade da
organização das mídias de massa16. A pressão dos consumidores atua na programação rumo a uma
fragmentação maior da audiência: o que antes servia como mecanismo para agregar públicos diversos e
formar campeões de audiência dá lugar a outra estratégia. Mesmo por trás da fragmentação existem
organizações mediáticas.
A ampliação da área midiática é muito importante. É uma evolução que não pode ser deixada de
lado, como se as comunidades virtuais fossem tomar por completo o espaço das mídias. Ao contrário,
ele vê uma maior diversificação e fragmentação das audiências e uma multiplicação das programações.
Devem surgir novas organizações midiáticas, que vão complementar e não substituir o que existe hoje.
Uma questão importante derivada desses pressupostos é a da desvinculação dos monopólios
públicos. No que se refere às telecomunicações, surgem oligopólios em que um pequeno número de
grandes empresas privadas controlam as comunicações em cada país. O capital foi aberto às empresas,
e mesmo que os Estados tenham mantido parte da propriedade dos serviços, prevalece a organização
capitalista. No caso das emissoras de Rádio e TV, mesmo em sociedades em que a escala pública é
grande há um caminho de abertura para a publicidade e para o setor privado.

Mercantilização das atividades comunicacionais


Este é o fenômeno mais importante a impactar na comunicação e na informação. A
mercantilização atingiu diretamente aparelhos e ferramentas, bem como os serviços relacionados
(como softwares e aperfeiçoamentos). No entanto, este ponto refere-se menos ao conteúdo que está
hoje ganhando importância, ao ser direta ou indiretamente comercializado. Para explicar essa diferença
de impacto, o professor aponta novamente para a tri-partição: entre redes, entre materiais/aparelhos e
entre conteúdo/programas. Se detalharmos os dados de consumo dos últimos 30/40 anos, são
sobretudo os aparelhos que atraíram o consumo, e na virada do século são as redes que assumem esse
papel. Os conteúdos são relativamente secundários, ou pelo menos continuam sendo divulgados
16
O que ele chama de programação é a organização da página do jornal (fotos, manchetes, etc), ou a grade de
programas das emissoras de rádio e tv, etc.
segundo as modalidades tradicionais: o cinema que mantém a importância da bilheteria; o livro e o
disco que continua sendo vendido (e de forma ampla), etc.
Miège, bem como outros especialistas, aponta que é em relação ao conteúdo que o futuro se
dará: hoje, os produtos que se renovam nas prateleiras das lojas já não oferecem uma rentabilidade
muito grande: por exemplo, a margem comercial do fabricante de computador é limitada, como
acontece com toda a indústria de produtos. Os consumidores estão mais atentos aos valores gastos com
comunicação, estão mais atentos às contas dos provedores e jogam com a possibilidade de um preço
único para controlar o seu consumo (o que interfere diretamente nas redes). Ou seja: por razões
majoritariamente econômicas que o consumidor vai se virar em torno dos conteúdos. Apesar de
pagarmos caro pelas conexões e pelos produtos que nos possibilitam acessos, estamos mais aptos a
trocar conteúdos sem pagar por eles, como em redes p2p, o que demanda ajustes jurídicos na maior
parte dos países.
Os atores mais poderosos são as indústrias de produtos e de redes de telecomunicação. Mas
estariam eles dispostos a instalar dispositivos de remuneração aos autores, repassando o custo ao valor
dos aparelhos e/ou serviços? Os consumidores pouco se dão conta de que os mais lesados nesse
confronto são os criadores de conteúdo. Isso porque o consumidor vê apenas o que paga ao vendedor,
e não todo o funcionamento da indústria.
O merchandising, por exemplo, é apenas a parte visível desse iceberg: a comercialização oculta
os processos de industrialização17. E a comercialização não é o único aspecto a ser discutido. Somos
consumidores mesmo que não paguemos o conteúdo diretamente, porque o fazemos pela publicidade.
O momento atual é aquele em que a remuneração do conteúdo assumiu importâncias diversas, e vários
modelos estão sendo experimentados: há quase uma exigência física de que os conteúdos sejam
remunerados.
A visão do cliente se tornou prioridade hoje em dia. Com a privatização de vários serviços
públicos, o consumidor e se tornou prioridade, quando anteriormente o serviço e o conteúdo eram o
destino das atenções das empresas. A atenção cuidadosa ao consumidor considerado cliente em todas
as suas exigências, e a atenção detalhada de todos os métodos provenientes das ciências sociais foi o
meio pelo qual as grandes empresas de comunicação conseguiram operar essa mudança radical de
concepção. A ordem da mercadoria está presente em toda a cadeia de produção, nos produtos, nas
ferramentas, nas relações complexas que as pessoas que trabalham nas empresas têm com os
consumidores. A questão, portanto, é: será que a economia da comunicação, ou do conhecimento, de
um modo mais geral, poderia lugar ainda a bens públicos, administrados para um maior número de
pessoas?

17
A TV, o rádio, o cinema, por exemplo, são bens industrializados e, no caso dos dois primeiros, mantidos
especialmente pela publicidade. Principalmente nesses casos, o processo de venda é disfarçado.
O homem comerciante não existe apenas no nível do divulgador final: é toda uma cadeia que se
instalou em pouco tempo.

Generalização das relações públicas


Este é um elemento poderoso que tem papel nas mudanças sociais e políticas. As técnicas de
comunicação entraram nas grandes corporações, na Europa, na década de 1970). E as produções
realizadas no contexto das grandes empresas são divulgadas nos sites. São informações que adquirem
uma importância; são soluções fáceis de colocar a disposição dos clientes textos, imagens e discursos
que os envolvem. As empresas se tornam, assim, produtoras de documentos que se apresentam como
instrumentos de informação, e não apenas de operação. Essas produções não partem apenas de
empresas privadas: boa parte da informação produzida dessa forma emana de agências públicas e de
instituições sociais. O que muda com as TICs é que elas permitem a presença regular da comunicação
organizacional.
A midiatização da comunicação acaba sendo um processo importante para empresas, uma vez
que as TICs estão presentes nas oficinas de produção, na apresentação ao público e na comunicação
interna, através de ferramentas interativas: os sites, por exemplo, são um meio cômodo de uma
empresa como uma agência de turismo (ou a prefeitura de uma cidade) encontrar o seu público.
O problema, ao contrário do que poderia se supor, não é a qualidade da informação, uma vez
que são jornalistas e especialistas que realizam a maior parte delas. É, na verdade, a autentificação do
produtor, uma vez que não conhecemos que produz a informação. As relações públicas se moldam
facilmente com as modalidades de divulgação. Como conseqüência, o receptor não tem claramente
quem é o emissor; as mídias de informação enfrentam concorrências que dificultam sua legitimidade.

Diferenciação das práticas comunicacionais


Esse fator não começou com as TICs, apesar de ter se ampliado com elas. A diferenciação das
práticas pode ser indicada por dados sobre os usuários, no entanto, o esclarecimento que conseguimos
é limitado. Existem dados macroeconômicos, por exemplo, fornecem um panorama da evolução global
das TICs, evidenciando seu crescimento especialmente nos últimos anos (a partir de 2000). Dados de
comportamento / conduta dos usuários mostram como os dispositivos são usados (por exemplo, qual a
principal função dada ao celular, quais os estratos de usuários, quais as ações com o dispositivo). E
dados sobre como os usuários se apoderam das técnicas, resultados dos estudos sobre os usos sociais
dos dispositivos. Esses dados não são inúteis, mas não são esclarecedores, porque não dizem muita
coisa sobre as práticas sociais: Quais são as práticas postas em ação para ter acesso à determinada
comunicação? Em outras palavras, como nos informamos? Quais são as práticas cotidianas? A prática
comunicacional pode recorrer a múltiplos suportes, a múltiplos meios.
Quanto às TICs, possuímos muitos dados sobre os usuários da telefonia móvel, do computador,
etc. As práticas sociais são multi-suportes, e não são unicamente uma sucessão de comportamentos. O
professor indica o caso da informação diária, que consumimos nos jornais (e na TV): o acesso a essa
informação tem estreita ligação com o funcionamento do espaço público. A partir do momento o acesso
se dá de forma digital, através de sites na web, somos obrigados a considerar que essa TIC se torna um
importante elemento na evolução do espaço público 18.
No entanto, os usos das TICs podem não chegar a modificar uma prática social de comunicação.
O uso de uma determinada tecnologia seria, então, apenas um elemento que pode (ou não) definir uma
prática. Os usos, na realidade, são uma explicação que vale somente a curto prazo, ajudam apenas a
definir quem são os primeiros usuários. Já as práticas sociais demoram um certo tempo para se
estabilizarem, não necessariamente um longo prazo.
O que Miège define como prática social? Lidamos com usos que se tornam práticas sociais. Esses
usos só podem ser considerados como constribuição para a formação de uma prática social quando, em
uma última etapa, se efetua sua cristalização: consolida-se como uma norma social de produção e
consumo da técnica e dos programas. Ela se individualiza pela emergência e o uso constante e
recorrente, integrados na vida cotidiana.
Como identificar a prática social? A proposta é cruzar 5 orientações:
 1. Mediatização crescente das atividades comunicacionais: para enfatizar as mutações
das práticas sociais precisamos saber mais sobre a mediatização. Não devemos, no
entanto, nos basear apenas nas mudanças técnicas. A questão é: como as ferramentas
encontram essas atividades?
 2. Encontrar índices de articulação entre redes de comunicação, ferramentas e
conteúdo: Qual a articulação que atua entre esses três elementos? Miège oferece como
exemplo uma pesquisa de que participou com usuários de celular, e eles recorrem mais
a funções antigas. Essas funções antigas são mais estáveis, e as novas funções não se
desenvolvem (ou se desenvolvem lentamente). Mesmo assim, essas novas funções são
associadas a ferramentas existentes, e a migração é lenta. No entanto, a nova
ferramenta vai se basear em funções distantes no tempo, ao contrário do que
costumamos pensar. Os primeiros usuários vão basear o uso da nova ferramenta na
adaptação dos usos mais comuns.

18
Este é o trecho integral do que foi dito em aula... “Mas são também, num aspecto social-simbólico, se a gente se
interessa, as práticas sociais de informação diária, não é... para as necessidades dos estudos de mercado dos
títulos de imprensa, não, mas é... a informação diária tem uma relação estreita com o funcionamento do espaço
público. E a evolução das práticas sociais de informação, por exemplo, o recurso de acesso ao site de informação
digital, é um elemento importante na evolução do que se torna o espaço público. Eis então porque eu insisto tanto
para começar por esse aspecto.”
 3. Estar convencido de que novas ferramentas não vão reordenar as coisas: as
ferramentas de comunicação são diferenciadas socialmente, e as desigualdades
permanecem por ação de duas forças: como efeito de distinção social (Bourdieu) e
como reforço das lógicas de ações individuais. As complexidades das práticas somente
são entendidas se, durante a investigação, mantivermos a visão da dominação
(estratificação) social e acrescentarmos as variações intra-individuais dos
comportamentos culturais (Lahier) 19.A articulação entre essas variações permitem
entender a formação das hierarquias sociais. Esse terceiro eixo é importante para
entender o que são as práticas de comunicação, de cultura, de informação hoje. As
práticas das ferramentas evidenciam estratégias individuais, jogos entre indivíduos, mas
globalmente encontramos as diferenciações sociais por capital social, cultural e
econômico.
 4. Efeitos das gerações: Esses efeitos de uma geração pra outra estão marcados nas
práticas das TICs. No caso dos jovens, as TICs os acompanham na busca por identidade.
Elas oferecem um complemento ao universo cultural que já é rico, servem tanto para o
isolamento como para inserção social do indivíduo; podem representar o fracasso da
escola ou da família ao permitir inclusive práticas de desvios (como chats, etc). A
incorporação pelos atores de uma multiplicidade de cadeias de ações (de percepção, de
avaliação, de hábitos, de pensamento, etc) que se organizam em múltiplos repertórios
ou contextos que ele consegue distinguir, é nomeado através do conjunto de suas
experiências socializadoras anteriores. Encontramos aí, aplicados às TICs uma coisa que
ultrapassa essa simples categoria de TIC, uma nova teoria de ação social, uma coisa que
permite novamente ligar a sociologia à psicologia.
 5. Deslocamento das esferas de ação: A vida profissional e a vida privada de
interpenetram, a família não é mais a unidade totalizante como era antes. Há uma
pluralização de esferas, de locais, em que as TICs estão bem instaladas.
Miège retoma o tema da individualização das práticas, e contesta a idéia em sua base porque
ela parte da idéia de que os indivíduos, de qualquer estrato social, administram boa parte de suas vidas.
Isso deixa espaço para o tecno-determinismo, porque está ligada às ferramentas. É preciso, na
perspectiva da dupla mediação, não ligar as práticas às ferramentas: essas práticas vêm de um tempo
anterior. Há comportamentos individuais, e não seria bom questionar a autonomia e a interferência dos
indivíduos diante dos meios de comunicação de massa e seus conteúdos. Esses comportamentos
individuais são socializados.

19
O que acrescenta esse sociólogo ao pensamento de Bourdieu é: a relação entre indivíduos e variações no cerne
da pessoa, bem como variações entre diferentes períodos de análise, que se acrescentam aos efeitos de distinção
social evi
Se as TICs favorecem as práticas individuais, elas não estão na base disso. É preciso incluir essas
práticas numa teoria da ação social 20. As práticas sociais de informação, de cultura, de comunicação,
sofrem mutações com o tempo. As TICs acompanham o seu desenvolvimento, e por outro lado todos os
novos usos que podemos constatar só adquirem sentido se os inserimos nessas ‘práticas de
comunicação novas’. Não podemos nos contentar com a descrição do que acontece com as
ferramentas; para identificar e analisar o que se torna a comunicação, é preciso ir em direção às práticas
sociais.

A circulação dos fluxos e a transnacionalização das atividades info-comunicacionais


As TICs andam em consonância com a mundialização, executando muitas vezes um papel
acelerador. A eficiência na transnacionalização é incontestável. Todas essas mutações reais são
acompanhadas por efeitos de crença.
A idéia de sociedade da informação inclui as TICs, e até mesmo acentua sua função. Miège
desenvolve a idéia de imposição em nível mundial de crença no papel das TICs. O filho dos Mattellart
escreveu sobre as Teorias da Globalização Cultural: se estas teorias estão longe de formar um conteúdo
homogêneo, elas convergem para um paradigma dominante para pegar os efeitos das mídias e das
comunicações. Estudar a emergência dessas teorias é reescrever a história da expropriação política (?).
O paradigma da globalização substitui, na análise da economia política que evidenciavam as questões de
dominação em nível mundial, uma visão que acentua o caráter que se move das culturas. Um apelo nos
chama a defender a soberania cultural contra o malfeitor das sociologias da comunicação; sucede uma
perspectiva mais confiante na capacidade das culturas de se nutrir das contribuições exteriores. Toda
uma série de correntes da antropologia cultural (Canclini no meio)participa da teoria da globalização
cultural reabilitando uma cultura de consumo, deixando de lado as bases materiais a e as relações
econômicas que estão por trás. Esses estudos negligenciam as bases de formação de identidade, bem
como as relações culturais entre os países e os povos, as regiões.
A questão tratada com esse sétimo procedimento é muito debatida, mas houve uma regressão
porque as bases da transnacionalização e da circulação de fluxos são negligenciados e colocados de
lado.
Podemos também falar da fratura digital. Esse fator remonta às políticas de desenvolvimento
dos anos 1960: quem não tinha recursos alcançaria quem tinha, e essas políticas contribuiriam para a
redução das diferenças sociais. A idéia fundamental é que, mostrando as diferenças a fratura seria
reduzida. O problema é que essa idéia coloca no mesmo plano qualquer tipo de equipamento, e as

20
O exemplo é o P2P: uma longa tradição de trocas que é anterior aos softwares que surgiram. Trata-se de uma
comunicação de massa autônoma, que permite outro interesse que apenas trocar arquivos. E são relações que
acontecem dentro de espaços públicos parciais (não virtuais). Hoje, dão lugar a novas práticas.
defasagens permanecem no fluxo das redes, na disponibilidade de softwares e no desempenho e na
manutenção dos aparelhos.
Nos últimos 15 anos, estamos vivendo a circulação mais ou menos mundializada dos fluxos.
Miège indica alguns pontos:
 a) hegemonia das firmas do leste asiático nas ferramentas de comunicação, porém com
a concorrência de empresas européias e norte-americanas com instalações na Ásia;
 b) a ascendência em potência das redes de comunicação, com o aumento de poder dos
operadores de telecomunicação, e a redistribuição do poder entre vários atores
(operadores, fabricantes e provedores) – o que também resulta numa concorrência
oligopolística pelo controle.;
 c) emergência e desenvolvimento de produtores de serviços e de softwares para o
grande público (a Microsoft, durante muito tempo, e o Google hoje em dia);
 d) organização em base nacional de serviços de rede e grupos de serviços de multimídia
(por exemplo, a Telefônica);
 e) Houve acentuação não-excessiva das empresas de conteúdo (ainda em atraso em
relação à redes e ferramentas) em torno de alguns grupos plurimídias 21;
 f) emergência de novos ramos de produção de conteúdo, sendo o mais impressionante
deles o da indústria de jogos, mas há também o EAD – uma nova indústria cultural se
impôs ao lado de outras. Existem alguns elementos de transnacionalização que devem
ser notados:
o A circulação de conteúdos está se intensificando, hoje os produtos circulam
muito mais. Existem revistas, jogos, informações profissionais em espaços
geográficos mais amplos
o As trocas interpessoais privadas estão mais presentes/socializadas hoje.
Vivemos um momento em que são grandes os intercâmbios entre o trabalho e a
vida particular, e essas trocas adquirem importância considerável no mundo
mundializado, dada a possibilidade de ultrapassar fronteiras.
o A circulação de informação é grande mesmo onde um controle maior é
exercido.
 g) padronização do formato do produto, como podemos observar na duração dos
filmes, das músicas, mas sem se limitar ao fator tempo: o conteúdo também sobre uma

21
Esses grupos ainda não se desenvolveram muito, são geralmente centrados em mídias antigas. Muitas vezes são
pequenas empresas que atuam na indústria cultural para garantir a manutenção do conteúdo. Hoje surgem mais
produtores que antigamente, e esses produtores são muitas vezes dependentes de grupos que fazem a divulgação
dos produtos dada uma dificuldade para assegurar a divulgação de modo autônomo.
modelação, como por exemplo os espetáculos e eventos esportivos que são veiculados
na TV.

Há um 8º processo, que o prof. Miège não abordou mais profundamente, que é o reforço do controle
social da vida cotidiana, no qual as TICs participam. Trata-se do controle da informação, em que
participam o videocontrole, o controle de arquivos múltiplos, a informação publicitária. Não são de
desenvolvimento simples, e sim estruturais como todos os outros. As TICs não são somente ferramentas
de publicação, ou outras mais ativas interpessoais, são também ferramentas de controle social, que
estão inseridas no desenvolvimento da sociedade contemporânea.

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