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O prof. Miège inicia os trabalhos colocando claramente a proposta da aula e, por conseqüência,
a discussão que melhor o interessa: apontar questões a serem solucionadas pelos estudantes de
comunicação quando o assunto gira em torno das técnicas de informação: a entender, os pontos
tensionados pela microinformática e a telefonia. Nesse aspecto, o prof. ressalta que existem vários
trabalhos que, de modo exclusivo, procuram entender situações tão diversas como o EAD, a telefonia
móvel 3G, a comunicação política, o uso de produtos multimídias (ou, como ele se refere mais adiante,
plurimídias), a gestão empresarial, a gestão de desenvolvimento, etc.
Seguindo essa suposição, os bens culturais hoje se apresentam como bem e serviço, no lugar da
clássica idéia de articulação entre bem e serviço. Isso porque, antes de tudo, são mercadorias. Se no
caso da TV e do rádio nem toda produção cultural pode inicialmente ser considerada bem, as TICs se
encarregam de transformá-la em mercadoria, inclusive industrializadas. O que nos leva também a
considerar a existência paralela de uma indústria de serviços, portanto.
O professor apresentou então um conceito que implica na divisão das tecnologias em três
indústrias: de redes, de material e de programas. Todas as TICs representam um desafio econômico na
ordem das três indústrias, principalmente aos grandes grupos empresariais como as redes de Telecom,
os fabricantes de equipamentos e os desenvolvedores de conteúdo. A Globalização se vale das TICs com
conseqüências sociais muito grandes.
Como indústria de redes, ele cita a internet e, diretamente ligada a essa (sua antecessora e
precursora) a telefonia. As indústrias de materiais podem ser exemplificadas como os PCs, os GPSs, a TV
e o Celular, bem como a convergência entre todos esses; são as tecnologias que permitem produzir,
multiplicar e enviar a informação e estão no nosso cotidiano, cada vez mais perfeitos. É nossa tendência
multiplicar os materiais.
Já a indústria de programas está mais atrasada em relação às outras duas, e um dos motivos é
que o desenvolvimento de conteúdo é sempre mais demorado em relação ao surgimento das
tecnologias. Em outras palavras, a tecnologia surge antes do programa que a utiliza 100%, quando ele
chega a existir. Outra característica dessa indústria hoje é preparar o conteúdo para ser vendido, o que o
coloca também na linha para ser pirateado.
Tal consideração remete ao conceito de apropriação pelo usuário, o que nos deixa com quatro
novos questionamentos sobre o determinismo tecnológico, cujas razões são muitas:
Em função das diferenças sociais, os produtos são distribuídos/comercializados de
forma desigual no mundo (porém não estão totalmente ausentes de nenhum
local/extrato). O exemplo é da telefonia móvel na África, altamente ligada ao
entretenimento.
Uma vez que nem todas as previsões feitas no surgimento de uma TIC se concretizam, a
pergunta deve ser deslocada para: ‘qual o motivo de não terem feito sucesso?’.
Autores da academia e publicitários se adiantam e nos fazem crer que estamos na era
da cibercultura. Mas será que esses qualificativos se justificam? A sociedade se
caracteriza pelas redes, pelo digital ou pela informação?
O amadurecimento das funções e usos ocorre através da técnica (confirmar conf. artigo.
Esta parte não ficou clara)
Os discursos sociais não permitem ter uma visão clara do que acontece, e TICs são
objetos de uma valorização, enquanto se duvida de outros produtos (anteriormente
estabelecidos). Ou seja: a crítica às TICs é feita, normalmente, de forma valorizadora a
elas.
Tendo isso apontado, o primeiro questionamento apresentado então por Miège é:
1. antecipação permanente dos usos, tanto por acadêmicos como por publicitários,
jornalistas, etc. Aqui, o professor fala principalmente das previsões de mudanças que qualquer
novidade tecnológica acaba provocando. A evolução digital avança, mas traz consigo uma queda
rápida dos meios de comunicação (?). As mídias implantadas usam a internet, mas a internet não é
a mídia.
2. Prioridade constante dada à técnica e destinação/movimento dessas que têm a ver
com o social: Será que o social não está contido também na técnica? Qualquer mudança na ordem
técnica requer uma adaptação na sociedade, e o grande problema é que as questões políticas e
econômicas se impõem enquanto as questões sociais são deixadas de lado. Por exemplo a
economia de compartilhamento, da web colaborativa, do modo como é tratada hoje: fala-se muito
da quebra da hegemonia dos grandes, que a rede permite uma revolução econômica; Miège, no
entanto, aponta essa perspectiva como uma antecipação dos usos e das técnicas, que embaralha a
compreensão do que está ocorrendo justamente porque se funda na valorização da técnica.
3. Convergência, ou o que é a convergência?: Desde 1985/86 assistimos à convergência
entre Telecom, audiovisual e informática. No entanto, a convergência é algo que varia com o
tempo, porque os objetos convergentes mudam com o tempo. Hoje, por exemplo, são a
radiodifusão e a internet. E novas convergências são possíveis com as recentes nano-biotecnologias
da informação e comunicação. Se a situação é variável no tempo, ela também depende do caráter
técnico: convergência é horizonte, e não mais que uma construção social: ela depende das
estratégias articuladas por atores que postulam a convergência tanto nas indústrias de tecnologia e
de conteúdo.
Assim, a convergência é um elemento social: apesar de substrato tecnológico, não é ponto
unívoco nem ponto de chegada de um processo predeterminado. Ela conjuga elementos sociais,
econômicos e políticos com a técnica. Não se realiza convergência entre tecnologias sem vontade
política, jurídica ou a aceitação pelo usuário.
4. Os discursos possuem profecias auto-realizadoras: e é importante questionar se elas são
auto-realizadoras. Pierre Levy fala de uma Inteligência Coletiva (déc. 1990), na qual o virtual seria o
signo da transparência, o ciberespaço é transparente, e assim nós ganhamos poder. A utopia de
Adam Smith e Marx se encontrar nesse capitalismo informacional, mas ganham um acento
escatológico-religioso1. O ciberespaço ocupa outros espaços, e nós somos automídias que podem
se relacionar em comunidades virtuais.
1
(precisa de tradução...)
Existem poucos trabalhos realizados sobre as comunidades que se dizem virtuais. Oliver
Galiber (confirmar nome) pergunta, se são dispositivos comunicacionais, o dispositivo de
construção social viria das ferramentas técnicas? Existem, intrínsecos a tais ferramentas,
mecanismos que possibilitam comprovar empiricamente a existência das comunidades. E os
dispositivos técnicos acabam se aliando a questões político/sociais ao criar condições de
funcionamento das comunidades virtuais. As ferramentas técnicas dão oportunidade de atuar em
comunidade, mas existem outras condições que permitem explicar o desenvolvimento econômico,
político e social dessas comunidades (as quais o prof. não listou). Uma utopia racionalizada
combina com uma organização política e o uso das ferramentas técnicas: a tecnologia da
informática se transforma então em ferramenta de uso social. No entanto, a utopia não se realiza
porque os atores visam mudanças de abrangência imediata, e não global.
O último apontamento sobre essa questão das profecias é que as ferramentas técnicas não
geram mudanças utópicas decisivas por si só. Mas ocorrem mudanças significativas. A tela (as
redes) trazem conseqüências na distribuição do saber.
Retomando a questão da apropriação pelo usuário, Miège cita Patrice Lichier (confirmar grafia):
este autor se pergunta por que algo concebido em laboratório e aprimorado por engenheiros é
retomado por usuários. De acordo com o professor, temos hoje ferramentas que competem entre si,
temos modelos de mercado. E se associarmos o trabalho no laboratório com as reações dos usuários,
chegamos a mudanças decisivas. A evolução hoje se diferencia daquela do rádio e da TV, do surgimento
das redes telemáticas a anos atrás, porque as inovações hoje consideram o fator social.
Assim, as TICs são tudo o que coloca as pessoas em comunicação: não são apenas ferramentas
técnicas, e todas as possibilidades comunicacionais DEVEM ser levadas a sério. Desde a telemática até a
Web 2.0, o que se trata principalmente é da transferência de informação e das mudanças na
comunicação. É preciso ir além das relações entre pessoas para analisar qual informação está sendo
trocada. Essa é uma estratégia necessária/importante para o trabalho que o professor propõe.
Os processos sociais operam em todos os desenvolvimentos das TICs. Miège considera errado
dizer que a articulação entre determinações técnicas e processos sociais resultam na inserção social das
técnicas. Não é meramente um processo técnico, e sim sócio-técnico. Daí ele usar o termo
enraizamento, afinal, eles já existem na sociedade. Os desenvolvimentos das técnicas somente são
possíveis quando consideramos todos os atores envolvidos nos processos: os usuários, os
conglomerados multimídia, os governos, as empresas de Telecom e as indústrias de equipamentos.
A informacionalização3
Caracteriza-se pela circulação crescente e acelerada de fluxos de informação em nível global,
editada ou não4, que funcionam nas esferas privada e pública. É um elemento comum, cotidiano das
bases das TICs. Tem relação direta com os modos de produção capitalistas: para organizar as atividades
de consumo, é necessário que a informação circule. A informacionalização não se limita, no entanto aos
aspectos econômicos (de consumo).
Esse processo é muitas vezes confundido com a informatização: não devemos nos satisfazer
apenas com a designação das atividades ligadas ao uso da informática, sem chegar aos fluxos gerados
com o conceito de informacionalização, ou seja, o desenvolvimento dos fluxos de informação como algo
central. Fluxos de todas as naturezas são levados em conta nesse conceito, que tem como principais
fatores (elementos-chave) os satélites e as potências de telecomunicações.
Dentro da economia da circulação dos fluxos, encontramos as empresas-provedores que
fornecem acesso aos usuários. Os fluxos digitalizados, por sua vez, não tomaram o lugar dos fluxos
anteriores, mas houve mudança de natureza (por exemplo, o correio postal continua existindo, mas
para usos diferenciados em relação àqueles anteriores; o mesmo ocorre com a telefonia fixa). Múltiplos
fluxos significa múltiplas informações.
Para prosseguir a análise, é preciso fazer uma distinção entre informação e
conhecimento/saber. Não existem paralelismos entre um e outro. Apenas uma parte dos saberes gera
produção de informação; grande parte das pessoas produz informação no campo profissional – os dados
gerados são informação específica; know-how não é formalizado, e apesar de circular, não gera
informação.
Outra oposição existente é entre a informação produzida e não-produzida. No primeiro caso,
falamos da mobilização de produtores, organizações profissionais e de especialistas na produção de
informação. No segundo caso, a informação é produzida pelas comunidades individuais, indivíduos,
leigos: ou seja, não são mobilizados profissionais com competência comprovada na geração da
informação. Um exemplo claro é a Web, que congrega ambas as produções.
A terceira oposição destacada por Miège é entre informação regularmente proposta e
informação efêmera. O primeiro caso, que se liga diretamente à oposição descrita acima, refere-se à
imprensa tradicional: a produção de informação é uma coisa comum (eu diria mais, desejável). 5 Já a
importância adquirida pela informação efêmera é aquela garantida pelas TICs, e Miège a identifica como
aquela produzida pelas instituições, administrações públicas, empresas, etc.
3
O conceito de informacionalização foi abordado também por Castells, como um novo estado de espírito do
capitalismo contemporâneo, mas esse é um conceito diverso do usado por Miège. Abraham Moles se aproxima do
conceito, mas não leva em consideração a aproximação entre público e privado.
4
(ou seja, que tenham passado ou não por um processo de controle editorial)
5
Não é o cenário do século 18, quando não havia regularidade da imprensa.
A quarta oposição destaca a informação editada e a informação não-editada: a primeira possui
uma fonte clara, publicidade paga com modalidades variadas, considera o direito de ler ao propor títulos
com ressalvas; a segunda é geralmente gratuita e tem dinâmica própria, se apóiam nas TICs, como por
exemplo os sites de organizações que acabam ocultando quem é o emissor. As profissões jornalísticas
normalmente criticam a informação não-editada, mas acabam contribuindo com ela.
Quinta oposição, entre informação aberta e restrita. A informação aberta é aquela a que
tínhamos acesso anteriormente, com o uso de outros meios de comunicação. A informação restrita é
aquela que tem uma importância política, social, econômica, etc e não é acessível a todos. Neste
segundo grupo encontramos ainda as informações profissionais que se desenvolveram desde a década
de 1980, acompanhando as mutações nos modos de produção. Estas estão entre as mais importantes e
se beneficiam com as TICs, uma vez que sem as redes essa circulação estaria limitada.
A circulação das informações foi tratada com esperança para reduzir a rigidez do controle oficial
da informação produzida, o que significaria menor dominação. No entanto, o aumento da oferta de
circulação não é igual ao espectro do acesso: a distribuição deste continua desigual, mesmo que o fluxo
de informação tenha aumentado. Assim, mesmo a menor dominação não implica ainda em maior
democratização, pois vemos ainda tendências importantes em direção à concentração.
Mediatização da comunicação6
Aqui se concentram as promessas utópicas, resultados das expectativas das comunicações
novas. A maior parte dos autores tende para este aspecto, que gira em torno de três noções:
interatividade (desde 1980); virtual (desde 1990); relacional (da virada do século).
Sobre a interatividade dos meios, Miège pouco retrata e usa como exemplo a linha telefônica.
Sobre o virtual, o professor afirma que é representação do real (como muitos supõem). A comunicação
virtual possui mais interatividade do que a telefonia poderia oferecer ao incluir a imagem das pessoas e
as situações, há uma relação que é mais corporificada.
As novas TICs implicam em novas relações. Para alguns autores, existe uma fronteira
ultrapassada entre o real e o virtual. Essa é uma visão antropológica, resulta de uma mudança de
perspectiva ao que conhecemos. No entanto, há uma lacuna nas análises. Miège encara justamente a
descontinuidade das lacunas e pergunta o que sabemos sobre isso, ou o que é possível supor? As novas
possibilidades de comunicação implicam em uma nova moral. Hoje, as comunicações são valorizadas e
as críticas a elas são raras. Discursos utopistas são retomados sobre o pressuposto de que as vantagens
tecnológicas são superiores.
6
Para acabar com as dúvidas entre mediatização e midiatização, Miège deixou claro que mediatização refere-se
principalmente ao uso cada vez maior das técnicas, aos serviços e técnicas/ferramentas da ação comunicativa, aos
processos de mediação pela técnica.
A proposta de Miège é que as novas modalidades de comunicação não substituem as antigas:
elas se somam. As tecnologias voltadas para a mediatização se somam às existentes. Por esse motivo,
vemos a adjunção de práticas com as novas modalidades, ao invés de substituição delas. O ponto de
vista global é este: estamos mais numa fase de junção de modalidades de comunicação que de
substituição7. Miège prossegue com a análise de outros autores.
Dominic Wolton indica que as TICs têm papel essencial na relação indivíduo e massa. Com a
internet estamos na era da solidão interativa: é dolorosa a consciência da dificuldade de entrar em
contato com o outro (pessoalmente). Na passagem da comunicação técnica à comunicação humana, o
que temos na primeira muitas vezes induz a nada na segunda, algo explicado pelas dificuldades que o
indivíduo encontra nas relações reais, e pelas facilidades da internet. Em suma, a sociedade está se
tornando uma sociedade individualista de massa, e os indivíduos não se realizam nas interações
disponíveis. Miège, no entanto, não compreende um ponto de vista tão determinado.
Castells fala da mesma sociedade individualista de massas, mas tem uma visão menos
pessimista que Wolton.
Patrice Flichy fala de “individualismo conectado entre a técnica e a sociedade”. Três traços
definem a sociedade contemporânea: a mutação profunda na família, a mutação dos lazeres (que se
tornam privados e individuais) e mutação das empresas (que se dedicam a empregar funcionários mais
autônomos). No limite, isso significa uma redução das responsabilidades e dos compromissos sociais. Tal
individualismo se desenvolve com recurso das TICs, elas são o ponto-chave. Os indivíduos se tornam
mais autônomos, os recursos acompanham todas as mutações e influenciam os comportamentos em
longo prazo; o social permanece articulado, porém não depende da técnica. Essas são algumas pistas
para entender a mediatização da comunicação8.
Para entender melhor o processo de mediatização da comunicação, é preciso entender não os
primeiros usuários (que são sempre os mesmos) ou os usuários regulares, e sim os refratários: aqueles
que não buscam as tecnologias.
Miège oferece alguns pontos que podem trazer alguma luz a essas observações:
A emergência de comunicação mediatizada diversa da comunicação ordinária que
conhecemos. Existe, como apontado anteriormente, uma coexistência entre ambas, e se
prestarmos atenção as diferenças não são tão grandes assim. Podemos identificar
alguns processos ilustrativos: a) o tempo gasto com as atividades não foi
significativamente alterado pela entrada dos mecanismos de comunicação individual
(ex, a TV), o que significa que dormimos menos para comunicar mais; b) com relação ao
7
Outros autores dizem o contrário, especialmente quando falamos de Web 2.0. Miège lembra que, para ele, nesse
caso falamos de transformação, e não de inovação.
8
Como um resumo pessoal, acrescento que as novas técnicas de comunicação não substituem as antigas, apesar
de surgirem a partir/com a finalidade de outros usos sociais. E esses usos são mais individualizados que os usos das
tecnologias anteriores.
e-learning, as perspectivas de mudanças nas práticas de ensino não se concretizaram na
escala prevista, e hoje ele é implantado junto com práticas das instituições educacionais.
A mediatização da comunicação nas formas emergente é menos
permissiva/liberal/aberta do que se pode pensar, até mesmo porque as TICs não são tão
novas assim, já passaram por um processo de desenvolvimento. As ferramentas pré-
constroem práticas em todas as áreas que são desenvolvidas. Há idealizadores,
indústrias em busca de público e a maioria dos produtos precisa de interpretação.
O uso das TICs permite adquirir (e supõem a mobilização) de competências
comunicacionais úteis para a sociedade contemporânea. Essas competências estão em
formação e obedecem a normas de ações. Essas competências relacionadas às TICs não
estão em nossas mãos desde o princípio, são adquiridas no processo comunicacional, na
relação cotidiana com a técnica
o São mecanismos (uma inteligência organizacional) que podem mudar a forma
de atuação profissional: os indivíduos que não buscam/usam uma determinada
ferramenta não possuem tal competência comunicacional.
o As normas de ações comunicacionais são o conhecimento adquirido com os
usos das ferramentas/técnicas (por exemplo, as crianças que aprendem a se
comunicar a distância), sem se limitar à utilidade momentânea. A mediatização
da comunicação tem, então, mais efeito/eficiência com o domínio dessas
competências.
Em seguida a essas considerações, o prof. Miège fez uma análise de algumas formas
comunicacionais, como o espaço central ocupado pelos chat/fóruns na sociabilidade de praticantes
regulares, a ponto de se tornar um meio de interconexão cultural; por não poder ser considerado uma
conversa face-a-face e parecer contribuir com a solidão, essa ferramenta serve para a crítica de Wolton.
Sobre a saúde, o prof. destacou a gestão individualizada, a maior responsabilidade do paciente, a maior
racionalização, os intercâmbios de informação restrita, etc, possibilitados pelas TICs.
Ainda nas análises abordou a comunicação política e o papel preponderante da internet na
organização da militância e de organismos como sindicatos, partidos, etc. Apontou como problemas
hoje a falta de interatividade e de arquivamento de conteúdos, a limitação a interfaces digitais e a
ascensão dos webmasters a um patamar mais alto, de tomada de decisões em confronto com os
dirigentes dos partidos/sindicatos.
O último ponto analisado na aula é a internet como facilitadora de interesses públicos. O
primeiro destaque é que a segmentação é facilitada, uma vez que o contato entre indivíduos com
opiniões/desejos opostos é limitado, principalmente porque evitamos essas pessoas com intenções
diversas às nossas; ou porque discutimos à distância com pessoas próximas fisicamente. Miège sustenta
que as ferramentas da nova comunicação devem ser usadas para ampliar o debate.
As potencialidades de uma comunicação nova a partir dos dispositivos técnicos ou sócio-
técnicos seguem de forma relativamente fiel as lógicas sociais, as estratégias dos atores como eles são.
O professor acha difícil aceitar que simples ferramentas possam facilmente modificar o relacionamento
entre indivíduos, ou modos de comunicação que são bem inseridos na sociedade. Por exemplo, a
telepresença, a comunicação mediatizada, não dissolve a noção de local, mas retrabalha a noção ao
misturar a unipresença física e pluripresença mediatizada: mesmo que a transmissão a distância ocorra,
não supõe interação/comunicação.
9
Ele cita como exemplo McLuhan e a idéia dos meios de comunicação como extensão do homem. Esse é um dos
processos a ser evitados, por causar confusão na análise pelo caminho que ele propõe. Os meios de comunicação
devem ser entendidos diretamente como ele é na relação social.
10
Socio-técnicos porque não se refere somente à base técnica, é o continente e o conteúdo, que é um sentido
mais amplo. E sócio-simbólico porque as mídias, quando se desenvolvem adquirem características simbólicas que
são importantes e precisam ser evidenciadas
11
A imprensa escrita, por exemplo, é baseada num conjunto de técnicas de impressão. Uma mídia num site utiliza
outras técnicas de distribuição/divulgação para encaminhar suas publicações junto aos seus leitores.
funcionamento. O funcionamento é garantido por organizações com especificidades marcantes 12. Por
último, as mídias possuem públicos/audiências formados por elas mesmas e que não são facilmente
questionadas13.
Existem dois grandes modelos genéricos/fundamentais de produção-exploração-
comercialização-divulgação das mercadorias comunicacionais e informacionais (até as TICs): a) o
modelo editorial, e se refere aos sistemas de edição de material por um editor e sua equipe, para
criação de produtos que fazem parte de um catálogo, de uma coleção (como livros, discos, etc), a
relação financeira é direta com o consumidor final (ele compra o bem e paga a conta), e a remuneração
é dividida entre o editor/diretor e as equipes; b) o modelo de fluxo, surge com radiodifusão (1918), e o
modelo de financiamento se dá por patrocínio. A imprensa funciona como um duplo mercado: o editor
tem leitores regulares, mas existe um segundo mercado que é o publicitário. Ainda hoje, nos deparamos
com esses dois modelos. Por exemplo, no lançamento de um site, o problema acaba se deslocando para
a mesma dúvida do surgimento das primeiras emissoras de rádio: quem paga a conta? A rentabilização
da rede gira em torno desses mesmos problemas.
O que muda com as TICs?
As mídias de massa dispunham do monopólio da informação divulgada, mas agora enfrentam
concorrência de outros produtores que usam as TICs para levar aquela informação que outrora era
restrita. A abertura técnica possibilita que outros atores busquem seus espaços nas mídias.
Os dispositivos sócio-técnicos estão mudando ou já mudaram. Apesar de chamarmos essa etapa
de digitalização, vai mais além, pois essas mudanças ligadas ao uso das TICs produz uma reorganização
da produção, resulta em outra racionalização dos métodos de produção 14. Daqui para frente, uma mídia
não será mais baseada na unicidade do dispositivo: a oferta de conteúdo ocorre com base numa
pluralidade de dispositivos15. Uma das conseqüências é que o ritmo de difusão/divulgação está se
diversificando: a mesma mídia terá ritmos de divulgação diversos para adaptar-se à diversidade dos seus
públicos e concorrer com outras mídias. Por exemplo: o broadcast incorpora as necessidades do
receptor ao retransmitir o mesmo programa em horários alternativos: apesar da escolha dos horários
ser do emissor, é uma necessidade da audiência sendo atendida.
As formas de financiamento das mídias também estão se diversificando. Surgem verdadeiros
conglomerados de comunicação (plurimídias, e não multimídias) em torno da mídia principal (de massa).
Assim, como dito acima, a própria realização do conteúdo se dá numa pluralidade de dispositivos, o que
torna mais difícil identificar a mídia pelas suas características técnicas (exteriores).
12
Uma emissora, de TV, um site de internet, funciona num âmbito de organização que não pode ser confundido
com outra, emprega um pessoal específico, de diferentes categorias profissionais.
13
Miège aponta para a relação entre a definição da audiência, o trabalho das pesquisas, etc, ou seja: tudo o que
permite definir e ajuda a formar o público-alvo dessa empresa de comunicação.
14
Uma empresa jornalística, por exemplo, muda o seu modo de gravar em vídeo, de editar, etc.
15
Ao invés de uma mídia ter um dispositivo sócio-técnico único, ela possui uma diversidade técnica. Todas as
mídias passariam a usar os mesmos (e vários) dispositivos sócio-técnicos.
Do ponto de vista do consumidor, as mudanças provocadas pelas TICs são menos claras porque
estes são menos atentos às mudanças. Os consumidores esperam ter novas mídias, diferentes,
alternativas, que se diferenciem completamente daquelas mídias de massa, e um dos motivos é a perda
de credibilidade, de legitimidade que estas vêm sofrendo com o tempo. Essa, no entanto, é uma
perspectiva parcial porque mesmo as mídias implantadas não permaneceram inativas, mesmo com a
ascensão das comunidades virtuais dos usuários.
A questão da programação é um problema mais visível na relação com os usuários. Os
consumidores esperam que novos atores ocupem um espaço significativo no mercado das mídias. Ou
seja: espera-se que as pressões sejam suficientes no âmbito das mídias já instaladas, e por isso o prof.
considera que o ponto-chave da discussão seja a programação, uma vez que esta é a centralidade da
organização das mídias de massa16. A pressão dos consumidores atua na programação rumo a uma
fragmentação maior da audiência: o que antes servia como mecanismo para agregar públicos diversos e
formar campeões de audiência dá lugar a outra estratégia. Mesmo por trás da fragmentação existem
organizações mediáticas.
A ampliação da área midiática é muito importante. É uma evolução que não pode ser deixada de
lado, como se as comunidades virtuais fossem tomar por completo o espaço das mídias. Ao contrário,
ele vê uma maior diversificação e fragmentação das audiências e uma multiplicação das programações.
Devem surgir novas organizações midiáticas, que vão complementar e não substituir o que existe hoje.
Uma questão importante derivada desses pressupostos é a da desvinculação dos monopólios
públicos. No que se refere às telecomunicações, surgem oligopólios em que um pequeno número de
grandes empresas privadas controlam as comunicações em cada país. O capital foi aberto às empresas,
e mesmo que os Estados tenham mantido parte da propriedade dos serviços, prevalece a organização
capitalista. No caso das emissoras de Rádio e TV, mesmo em sociedades em que a escala pública é
grande há um caminho de abertura para a publicidade e para o setor privado.
17
A TV, o rádio, o cinema, por exemplo, são bens industrializados e, no caso dos dois primeiros, mantidos
especialmente pela publicidade. Principalmente nesses casos, o processo de venda é disfarçado.
O homem comerciante não existe apenas no nível do divulgador final: é toda uma cadeia que se
instalou em pouco tempo.
18
Este é o trecho integral do que foi dito em aula... “Mas são também, num aspecto social-simbólico, se a gente se
interessa, as práticas sociais de informação diária, não é... para as necessidades dos estudos de mercado dos
títulos de imprensa, não, mas é... a informação diária tem uma relação estreita com o funcionamento do espaço
público. E a evolução das práticas sociais de informação, por exemplo, o recurso de acesso ao site de informação
digital, é um elemento importante na evolução do que se torna o espaço público. Eis então porque eu insisto tanto
para começar por esse aspecto.”
3. Estar convencido de que novas ferramentas não vão reordenar as coisas: as
ferramentas de comunicação são diferenciadas socialmente, e as desigualdades
permanecem por ação de duas forças: como efeito de distinção social (Bourdieu) e
como reforço das lógicas de ações individuais. As complexidades das práticas somente
são entendidas se, durante a investigação, mantivermos a visão da dominação
(estratificação) social e acrescentarmos as variações intra-individuais dos
comportamentos culturais (Lahier) 19.A articulação entre essas variações permitem
entender a formação das hierarquias sociais. Esse terceiro eixo é importante para
entender o que são as práticas de comunicação, de cultura, de informação hoje. As
práticas das ferramentas evidenciam estratégias individuais, jogos entre indivíduos, mas
globalmente encontramos as diferenciações sociais por capital social, cultural e
econômico.
4. Efeitos das gerações: Esses efeitos de uma geração pra outra estão marcados nas
práticas das TICs. No caso dos jovens, as TICs os acompanham na busca por identidade.
Elas oferecem um complemento ao universo cultural que já é rico, servem tanto para o
isolamento como para inserção social do indivíduo; podem representar o fracasso da
escola ou da família ao permitir inclusive práticas de desvios (como chats, etc). A
incorporação pelos atores de uma multiplicidade de cadeias de ações (de percepção, de
avaliação, de hábitos, de pensamento, etc) que se organizam em múltiplos repertórios
ou contextos que ele consegue distinguir, é nomeado através do conjunto de suas
experiências socializadoras anteriores. Encontramos aí, aplicados às TICs uma coisa que
ultrapassa essa simples categoria de TIC, uma nova teoria de ação social, uma coisa que
permite novamente ligar a sociologia à psicologia.
5. Deslocamento das esferas de ação: A vida profissional e a vida privada de
interpenetram, a família não é mais a unidade totalizante como era antes. Há uma
pluralização de esferas, de locais, em que as TICs estão bem instaladas.
Miège retoma o tema da individualização das práticas, e contesta a idéia em sua base porque
ela parte da idéia de que os indivíduos, de qualquer estrato social, administram boa parte de suas vidas.
Isso deixa espaço para o tecno-determinismo, porque está ligada às ferramentas. É preciso, na
perspectiva da dupla mediação, não ligar as práticas às ferramentas: essas práticas vêm de um tempo
anterior. Há comportamentos individuais, e não seria bom questionar a autonomia e a interferência dos
indivíduos diante dos meios de comunicação de massa e seus conteúdos. Esses comportamentos
individuais são socializados.
19
O que acrescenta esse sociólogo ao pensamento de Bourdieu é: a relação entre indivíduos e variações no cerne
da pessoa, bem como variações entre diferentes períodos de análise, que se acrescentam aos efeitos de distinção
social evi
Se as TICs favorecem as práticas individuais, elas não estão na base disso. É preciso incluir essas
práticas numa teoria da ação social 20. As práticas sociais de informação, de cultura, de comunicação,
sofrem mutações com o tempo. As TICs acompanham o seu desenvolvimento, e por outro lado todos os
novos usos que podemos constatar só adquirem sentido se os inserimos nessas ‘práticas de
comunicação novas’. Não podemos nos contentar com a descrição do que acontece com as
ferramentas; para identificar e analisar o que se torna a comunicação, é preciso ir em direção às práticas
sociais.
20
O exemplo é o P2P: uma longa tradição de trocas que é anterior aos softwares que surgiram. Trata-se de uma
comunicação de massa autônoma, que permite outro interesse que apenas trocar arquivos. E são relações que
acontecem dentro de espaços públicos parciais (não virtuais). Hoje, dão lugar a novas práticas.
defasagens permanecem no fluxo das redes, na disponibilidade de softwares e no desempenho e na
manutenção dos aparelhos.
Nos últimos 15 anos, estamos vivendo a circulação mais ou menos mundializada dos fluxos.
Miège indica alguns pontos:
a) hegemonia das firmas do leste asiático nas ferramentas de comunicação, porém com
a concorrência de empresas européias e norte-americanas com instalações na Ásia;
b) a ascendência em potência das redes de comunicação, com o aumento de poder dos
operadores de telecomunicação, e a redistribuição do poder entre vários atores
(operadores, fabricantes e provedores) – o que também resulta numa concorrência
oligopolística pelo controle.;
c) emergência e desenvolvimento de produtores de serviços e de softwares para o
grande público (a Microsoft, durante muito tempo, e o Google hoje em dia);
d) organização em base nacional de serviços de rede e grupos de serviços de multimídia
(por exemplo, a Telefônica);
e) Houve acentuação não-excessiva das empresas de conteúdo (ainda em atraso em
relação à redes e ferramentas) em torno de alguns grupos plurimídias 21;
f) emergência de novos ramos de produção de conteúdo, sendo o mais impressionante
deles o da indústria de jogos, mas há também o EAD – uma nova indústria cultural se
impôs ao lado de outras. Existem alguns elementos de transnacionalização que devem
ser notados:
o A circulação de conteúdos está se intensificando, hoje os produtos circulam
muito mais. Existem revistas, jogos, informações profissionais em espaços
geográficos mais amplos
o As trocas interpessoais privadas estão mais presentes/socializadas hoje.
Vivemos um momento em que são grandes os intercâmbios entre o trabalho e a
vida particular, e essas trocas adquirem importância considerável no mundo
mundializado, dada a possibilidade de ultrapassar fronteiras.
o A circulação de informação é grande mesmo onde um controle maior é
exercido.
g) padronização do formato do produto, como podemos observar na duração dos
filmes, das músicas, mas sem se limitar ao fator tempo: o conteúdo também sobre uma
21
Esses grupos ainda não se desenvolveram muito, são geralmente centrados em mídias antigas. Muitas vezes são
pequenas empresas que atuam na indústria cultural para garantir a manutenção do conteúdo. Hoje surgem mais
produtores que antigamente, e esses produtores são muitas vezes dependentes de grupos que fazem a divulgação
dos produtos dada uma dificuldade para assegurar a divulgação de modo autônomo.
modelação, como por exemplo os espetáculos e eventos esportivos que são veiculados
na TV.
Há um 8º processo, que o prof. Miège não abordou mais profundamente, que é o reforço do controle
social da vida cotidiana, no qual as TICs participam. Trata-se do controle da informação, em que
participam o videocontrole, o controle de arquivos múltiplos, a informação publicitária. Não são de
desenvolvimento simples, e sim estruturais como todos os outros. As TICs não são somente ferramentas
de publicação, ou outras mais ativas interpessoais, são também ferramentas de controle social, que
estão inseridas no desenvolvimento da sociedade contemporânea.