O Fim da Turnê (2015) é um desses filmes que deixam algumas perguntas e
imagens girando na cabeça. A história é sobre alguns dias na vida do consagrado escritor estadunidense, David Foster Wallace. Seguimos a linha narrada pelo jornalista da revista Rolling Stone, David Lipsky, no momento em que recebe a notícia da morte de Wallece (que mais tarde se confirmou como suicídio). Era o ano de 2008 e, a partir das vozes das entrevistas gravadas vinte anos antes, ressurge para Lipsky a memória de como tudo começou entre os dois naquela breve entrevista. Foram cinco dias acompanhando Wallace em aeroportos, hoteis, palestras e encontros com amigas do autor. Sobretudo, as situações que os cercaram, muitas das quais nem sempre amistosas, em função de mal-entendidos, ciúmes e idiossincrasias de ambos. A partir daí, em flash-back, entramos no pequeno mundo que cercou aqueles dois sujeitos: de um lado, um escritor que vendeu milhares de livros do colossal romance Infinite Jest, o qual se tornaria referência obrigatória para todos que se interessam por literatura norte-americana contemporânea. Do outro, um aspirante a escritor com um livro debaixo do braço e à procura, quem sabe, de alguma epifania junto ao seu entrevistado. Curioso notar que a relação forçada entre Wallace e Lipsky cria situações tensas e imagens singulares, isso porque as diferenças entre eles acabam se sobressaindo. Wallace se sente absolutamente desconfortável tendo que aceitar ser gravado em tempo integral, diante de um minigravador (daqueles de fita magnética) apontado para ele como uma arma. O escritor não esconde seu constrangimento e, em alguns momentos, inverte os papéis com Lipsky, ao dirigir-lhe perguntas. Mas o jornalista deixa claro quem é quem naquele jogo. Alguns diálogos são um pouco arrastados e o filme nem sempre funciona. A performance de Jesse Eisenberg oscila muito e não me convenceu como em outros filmes (como em sua brilhante atuação no A Rede Social, de Fincher). Mas de qualquer modo, as melhores passagens valem a pena no conjunto da obra. O mais interessante é como Wallace desdenha a fama alcançada, dizendo o quanto tudo aquilo era irreal, para ele. Sem entender bulhufas disso, Lipsky se admira com esse desprezo porque era, até certo ponto, tudo o que ele queria. Outro ponto importante, é como Lipsky é pressionado pelo editor da revista, que cobra uma matéria com alguns toques de sexo, drogas e coisas parecidas. Wallace passara por um episódio de internação provocada por suspeitas de tentativa de suicídio, em um período anterior à entrevista. Era essa a história que interessava ao editor, mas Lipsky recua e nunca faz a pergunta. É como se o jornalista temesse contrariar o escritor do qual se tornara fã, já que seus interesses eram contraditórios. Escrever para a Rolling Stone não era seu maior objetivo, e com certo desdém ele via sua condição de repórter de bandas para adolescentes. Nessa confusão de egos inflados, o encontro de Wallace e Lipsky só poderia acabar em mal-entendidos. Tal como Tom & Jerry, eles medem forças e provocam sutis alfinetadas, invertendo seus papéis de caça e caçador; até o momento mais tenso quando Wallace acusa Lipsky de paquerar sua ex-namorada, deixando claro que estava de olho nele, e o quanto tal comportamente do jornalista lhe deixava contrariado. A partir daí, os dois seguirão o caminho de volta para a casa do escritor, sem trocarem palavras, em imagens de puro ressentimento e auto-acusações. O que acontece depois, não convém revelar porque tiraria toda a magia do filme para aqueles que ainda não o viram. As perguntas que fritam na nossa cabeça são várias, mas a que se sobressaiu para mim é, basicamente, por aí: como um cara que alcançou o sonho de ser reconhecido em uma profissão tão competitiva e se tornou famoso, decide acabar com sua própria vida no auge da fama? Como que ao alcançar o grande objetivo, os novos problemas que surgem fazem com que a realização nunca esteja a altura daquilo que se sonhou? Nossas contradições nos esmagam, sempre.