Você está na página 1de 3

Ivaldo Marciano de França Lima

Apresentação do mundo, bem como de temas alusivos aos


negros e do que se convencionou nomear por
“suas” práticas e costumes.
Quatro anos de África(s)! Com muito entu- Nas páginas deste periódico passaram
siasmo, bom humor, sorrisos e determinação autores em diferentes níveis de carreira. Ti-
conseguimos construir um periódico reunin- vemos nomes de repercussão internacional,
do autores para refletirem sobre temas di- bem como aqueles que ainda se encontram
versos alusivos ao continente africano, suas em vias de consolidação. Por nossas páginas
representações, ou mesmo aspectos da His- desfilaram, como diria o locutor das passare-
tória dos negros brasileiros. Afinal de contas, las dos concursos carnavalescos do Recife (o
se em nosso programa de pós-graduação há célebre Lima Neto), autores dignos de serem
colegas que defendem o uso conceitual da comparados a maracatus nação de primeira
categoria raça, em meio aos que não vêem categoria, e outros que ainda se encontram
validade no mesmo, por que não fazer com nos grupos intermediários. Poderíamos dizer,
que estas divergências tomem as páginas de em outro jargão, que nesta passarela passea-
nosso egrégio periódico? Há os que vêem os ram as poderosas escolas de samba do gru-
negros como descendentes dos povos africa- po especial, e outras da divisão de acesso. Os
nos, assim como também há os que enxer- olhares, para além dos níveis de experiência,
gam a descendência como algo construído, constituem traços fundamentais para a cons-
entendido como construção cultural... Sim, tituição das traduções que devemos realizar,
pelas nossas páginas autores diversos es- com o intuito de desvendar (ou interpretar,
creveram linhas defendendo a ideia de que como queiram) os fenômenos e eventos que
o conceito de raça não pode ser tomado de permeiam as relações humanas. Afinal de
outra forma que não seja pelos aspectos bio- contas, para que servem os estudiosos, se não
lógicos. Houve também quem mostrasse que para refletirem e traduzirem estes fenôme-
este, para além das marcas naturais, também nos? Sim, olhares múltiplos e contribuições
traz consigo as balizas da cultura. A polêmica diversas! E nós esperamos receber outras
continua! E o debate também, sobretudo por tantas, pois a polêmica contribui e propicia
que estamos em vistas de manter nossas ati- a construção do conhecimento, deslocando-o
vidades cada vez mais presentes entre aque- para novos formatos, como diria o ilustre Mi-
les que se dedicam aos Estudos Africanos, ou chel de Certeau.
ao que se convencionou nomear por Estudos Este volume é o segundo da era “perió-
Raciais. Eis uma das principais razões para dico de programa de pós stricto sensu”. Até
termos construído programas de pós-gra- então nossa revista servia aos propósitos de
duação em dois níveis, um na esfera lato, e nosso programa de pós-graduação lato sen-
outro em stricto sensu. Muito trabalho nos su. O acúmulo dos trabalhos e crescimento
espera, em meio às divergências, polêmicas da equipe propiciou as modificações atuais.
e debates, travados no bom estilo da acade- O plantel foi reforçado com contratações
mia, regados à erudição e paciência. Nesse de peso, como diria o ilustre Silvio Ferrei-
sentido, nossas páginas terão, assim espe- ra, um dos mais destacados dirigentes de
ramos, outros tantos artigos sobre a história um dos maiores clubes de futebol do Nor-
do continente africano, dos seus povos, das deste, o Santa Cruz do Recife, e docente do
representações da África em outras partes Departamento de Psicologia da UFPE. Tive-

Revista África(s), v. 04, n. 08, jul./dez. 2017 5


Apresentação

mos a incorporação da ilustre Dra. Alyxan- almejar contratação pelos clubes de primei-
dra Gomes Nunes, responsável pela revisão ra linha. O dossiê, reunindo artigos sobre
dos textos na língua inglesa. Sua presença é a escravidão atlântica, tem em seu escrete
igual à de um bom zagueiro, que não apa- “atletas de primeira grandeza”, como Thia-
rece tanto nos comentários esportivos, mas go Mota, da UFMG; Mairton Silva, da UFPI;
tem fundamental importância para o êxito Juliana Farias da UNILAB (BA) e colega de
de uma equipe. Maura Icléia Castro, biblio- nosso programa de pós-graduação; Mariza
tecária e responsável pelas indexações, é a Soares, da UFF e Maria de Fátima Pires, da
nossa ponta direita. Faz as jogadas, arma UFBA. Os comentários sobre o dossiê serão
o contra ataque e segura as oportunidades feitos logo a seguir, na apresentação do mes-
para o centroavante finalizar no fundo das mo, por seus organizadores.
redes. Com ela temos vencido jogos de go- O volume tem ainda a participação de ou-
leada! Lino Greenhalgh, nosso diagramador tros “atletas”, ao estilo de Josenildo Pereira,
e também revisor, é o ponta esquerda desta da UFMA, que traz uma instigante discussão
equipe, que junto com Maura garante sem- sobre a escravidão moderna, e os desdobra-
pre os três pontos na “casa do adversário”. mentos que culminaram na formação da so-
O time se completa com as ilustres figuras ciedade brasileira. O autor faz uma procla-
dos doutores Moiseis Sampaio e Raphael mação imperiosa: é preciso desracializar os
Rodrigues, editores desta revista, e centroa- estudos sobre o tráfico Atlântico. Na sequên-
vantes renomados, do calibre de ilustres cia, “sem deixar o jogo esfriar”, Pedro Leyva,
jogadores (como Grafite, Marcelo Ramos e da UNILAB (BA) e também integrante deste
Cláudio Adão, dentre outros), bem como de programa de pós-graduação, joga pelo meio,
nosso “meio campista” Cândido Domingues, com rapidez, e discute sobre as formas como
também editor e que no momento se encon- eram capturados homens e mulheres nas
tra em terras portuguesas, fazendo inveja a diferentes regiões do continente africano.
Cristiano Ronaldo e sendo cobiçado pelos O debate por ele entabulado mostra que as
técnicos Mourinho e Guardiola. A equipe representações sobre a escravidão atlântica
também tem neste missivista seu apoio nos ainda estão longe de se tornarem simples
bastidores, como uma boa torcida que apóia peças de análise, ou eventos ocorridos em
e incentiva nos momentos difíceis. Juntos, um passado distante. Estas representações
somos aqueles que seguram as pontas de ainda movem energias e emoções, tal qual
um “clube de futebol com poucos recursos”, o clube que está jogando para vencer, sem
e que ainda está galgando espaços nas di- dispor da condição simples do empate!
visões inferiores, mas que dispõe de muita Michelle Cirne, da UNILAB (campus
habilidade técnica e carisma junto a sua tor- Redenção – CE) nos brinda com excelente
cida. Somos a África(s)! trabalho sobre a análise da produção inte-
E como não deveria deixar de ser, para lectual de mulheres do continente africano
este volume trazemos mais um plantel de no âmbito dos Estudos Africanos e de gêne-
primeira, de deixar com inveja as torcidas do ro. Suas conclusões mostram como ocorrem
Santa Cruz, Bahia, Vitória e Corinthians. O os processos de invisibilização das questões
dossiê, organizado pelos craques Carlos Silva alusivas às mulheres africanas, e de como
e Cândido Domingues, traz os trabalhos de suas temáticas perdem visibilidade nestas
gente de peso, com expertise suficiente para áreas do conhecimento. Miki Sato, mestre

6 Revista África(s), v. 04, n. 08, jul./dez. 2017


Ivaldo Marciano de França Lima

em Terapia Ocupacional, e notável colabo- O volume tem, portanto, artigos de au-


radora da Casa das Áfricas (Núcleo Ama- tores das mais variadas áreas do conhe-
nar), joga com a torcida, faz embaixadas e cimento, respaldando África(s) como um
tabela com exímia maestria, discorrendo periódico dotado de rara perspectiva inter-
sobre mulheres de diferentes países do con- disciplinar, recurso imprescindível para a
tinente africano que vivem em São Paulo. análise de fenômenos que se relacionam
Seu trabalho mostra como estas mulheres com os Estudos Africanos, Representações
encetam diferentes discursos e ações, prota- da África, ou mesmo aspectos voltados para
gonizando estratégias diversas para o quoti- as práticas e costumes de homens e mulhe-
diano paulista, unidade mais rica deste país res nascidos no Brasil, mas que possuem
chamado Brasil. identidades múltiplas e estão inseridos em
O jogo segue, e agora a bola está com complexas redes de sociabilidade. Como di-
Paulo Sérgio Proença, que em belíssimo ria Obenga em célebre artigo, não há como
“overlaping”, mostra a existência de pro- abrir mão da interdisciplinaridade para
blemas relacionados à convivência entre os compreender os eventos ocorridos no con-
brasileiros de cores diversas a partir da fra- tinente africano. Ao que nos parece, esta ge-
se enigmática “Eu não sou racista, mas...” O ração de estudiosos, aos quais incluiríamos
autor discute diferentes sentidos para esta também Cheik Anta Diop, Joseph Ki-Zerbo,
oração, tomando como parâmetro metodo- Amadou Hampatê Bá, Boubacar Barry, den-
lógico uma competente revisão bibliográfi- tre outros, nos ensinou que o alargamento
ca, mostrando as entrelinhas do texto que da ideia de fontes, objetos e perspectivas, no
teria como sentido, a princípio, a negação campo da História, também é tributário do
de algo que em tese está, conforme o artigo, continente africano. Estes nomes, se compa-
mais do que nunca presente na sociedade rados numa perspectiva metafórica, ao fute-
brasileira. Ainda no tempo regulamentar da bol, possuem a grandeza da equipe formada
partida, temos o belo artigo de Dulce San- pelo Santa Cruz no ano de 1975. Dotado de
toro e Cláudio Cavas, escrito a quatro mãos intensa substância, genialidade e maestria,
em uma dupla que lembra as jogadas magis- poucos se lembram dos feitos deste plantel,
trais de Tostão e Pelé, nos áureos tempos do que por pouco não foi campeão brasileiro
escrete brasileiro. Tendo como tema as reli- daquele ano. Situação análoga aos trabalhos
giões que tem na possessão um dos seus ápi- dos ilustres historiadores que publicaram
ces, os autores discorrem em exímia pers- artigos geniais e magistrais na coleção His-
pectiva interdisciplinar sobre os diferentes tória Geral da África, para o qual devotamos
contextos de transformação, ressignificação aqui nossas homenagens.
e contextualização de fenômenos religiosos O jogo está nos momentos finais, e convi-
ainda carentes de análises e estudos à altura damos você, estimado leitor, a vibrar conos-
de sua importância em nossa sociedade. co, pois a vitória está próxima, e África(s)
Ao fim do volume, duas resenhas de li- caminha para o acesso, subindo para divi-
vros fundamentais para os que se arvoram sões mais nobres dos periódicos brasileiros.
na seara dos estudos sobre a escravidão
atlântica, que tal qual o grito de gol, insiste
em se manter na crista da onda dos historia- Ivaldo Marciano de França Lima
dores e cientistas sociais em geral. Editor de África(s).

Revista África(s), v. 04, n. 08, jul./dez. 2017 7

Você também pode gostar