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Resumo: “O Federalista”: remédios republicanos para males republicanos

A “O Federalista” é dado o nome de um grupo de ensaios escritos por três


estadistas e pensadores americanos durante o período de independência dos EUA:
Alexander Hamilton, James Madison e John Jay. Embora houvessem divergências
quanto a questões políticas específicas, os três escritores concordavam que a
Constituição da forma como foi elaborada pela Convenção Federal era melhor do que
aquela proposta pela Confederação.

A intenção dos textos era reafirmar a possibilidade de que governos republicanos


e descentralizados eram possíveis sob as condições impostas pela modernidade, ao
contrário do que afirmava parte da literatura política da época, incluindo os defensores
dos Artigos da Confederação, que advogavam a necessidade de um estado forte e
centralizador para atender às novas demandas sociais e econômicas que surgiam. Essa
perspectiva tinha como fundamento o sistema monárquico.

Para Hamilton, os EUA não possuíam sequer um governo, uma vez que o
Congresso não tinha instituído poderes que garantissem o cumprimento das leis que ele
elaborava e aplicava, como um efeito cascata, aos estados e províncias que constituíam
o país. Para que as leis se tornassem efetivas na prática, a União deveria estabelecer um
vínculo direto com os cidadãos, evitando ao máximo a intervenção dos estados.

Essa crítica atingia diretamente as noções da teoria política até então vigentes.
Uma delas, estabelecida por Montesquieu, via na Confederação a possibilidade de se
estabelecer um vínculo entre as qualidades de um estado grande (a força) e as
qualidades de um estado pequeno (a liberdade). Os “antifederalistas” que defendiam
esse ponto de vista apontavam para os riscos que um estado forte e centralizado poderia
trazer às liberdades dos indivíduos. Propunham a alternativa de se compor a nação de
três ou quatro grandes confederações, cujo peso e força tenderia a se equilibrar,
evitando que uma federação se sobrepusesse a outra.

Hamilton, contudo, acreditava que uma concorrência comercial entre


confederações seria inevitável, conforme expôs no artigo “A União como barreira
contra facções”. Atribuía essa possibilidade a uma concepção da natureza humana como
sendo inerentemente ambiciosa e vingativa e que somente estaria sob controle com um
pacto federativo que conferisse coesão e uniformidade aos cidadãos e instâncias
políticas.

Madison, no artigo “O tamanho e as diversidades da União como um obstáculo


às facções”, destaca a importância de manter os poderes governamentais sob
permanente vigilância dos outros poderes (teoria dos “Freios e contrapesos”, conforme
citada em outro artigo de Madison) e também dos cidadãos. Isso evitaria que a própria
estrutura do governo seguisse o curso natural do poder e se tornar arbitrário e tirânico.
Sem barreiras e limites, tendo o homem uma natureza corrompida, todo o poder dado
em suas mãos se tornaria abusivo e ilimitado.

Nessa perspectiva, os escritos d’Os Federalistas se aproximam da concepção de


poder tripartida de Montesquieu. Todavia, para o pensador francês, a sua concepção
estava ancorada na teoria do “governo misto”, segundo a qual as funções do governo
devem estar igualmente distribuídas entre a realeza, a nobreza e o povo. A Inglaterra era
o modelo ideal e prático dessa concepção, que forçava a convivência civil harmoniosa e
à colaboração individual para que as liberdades adquiridas fossem preservadas.

O governo misto só encontra correspondência na separação dos poderes desde


que cada força social esteja ocupando uma das três funções propostas para a
composição administrativa: executivo, legislativo, judiciário. O grande dilema é que
essa correspondência era inviável nos EUA, uma vez que a independência foi feita
justamente contra uma autoridade monárquica.

A solução federativa é apontada por John Jay no artigo “As vantagens naturais
da União” como sendo a mais condizente com a cultura política criada e conservada
pelos americanos desde os seus primeiros assentamentos. Os benefícios trazidos pela
união do povo e seus méritos decorrentes introduziram nas pessoas o desejo de
preservá-la e perpetuá-la.

Mas cabe a Madison formular uma nova espécie de governo popular,


desconhecida da Antiguidade e das nações europeias modernas: a república
representativa. Nesse sistema de governo, as funções administrativas seriam delegadas a
um número menor de cidadãos ao mesmo tempo que seria aumentada a área e o número
de indivíduos sob uma mesma jurisdição.
Embora o poder entregue a poucos cidadãos pudesse ser utilizado por grupos
faciosos ou partidários e com propósitos contrários ao bem comum, isso seria
compensado pela extensão territorial e consequentemente pela maior densidade
populacional, de modo que a grande variedade de disputas e interesses em conflito
pudesse dificultar a articulação de apenas um único grupo ou facção que objetivasse o
máximo de poder disponível. Dito de outro modo, esse modelo se aproximaria do
chamado jogo de soma zero: enquanto uns perdem outros ganham e enquanto outros
ganham estes perdem.

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