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CURSO DE FILOSOFIA

DISCIPLINA DIALÉTICA

PROFESSOR EDUARDO CHAGAS

ALUNA: LAURELIA MONTEIRO 2017.1

A dialética nos pré-socráticos

O termo “dialética” não tem um uso único na história da filosofia. O propósito aqui é, depois de
esboçar alguns conceitos de dialética, tentar identificar nos fragmentos e nos textos dos pré-
socráticos (Heráclito, Parmênides, Zenão e o movimento sofista) trechos em que se pode vislumbrar
o desenvolvimento de um possível pensamento dialético.
A primeira dificuldade é escolher quais dos conceitos de dialética existentes e cunhados depois de
Platão podem ser adotados nesse caso, porque não há ainda nos pré-socráticos um conceito firmado
do que poderia ser entendido como dialética.
A segunda grande dificuldade é utilizar esse conceito a posteriori como parâmetro para identificar
esboços do que viria a ser entendido como dialética.

O TERMO “DIALETICA”

Segundo ABAGGNANO1, a dialética pode ser definida genericamente como o processo em que há
um adversário a ser combatido ou uma tese a ser refutada, e que supõe, portanto, dois protagonistas
ou duas teses em conflito. Ou ainda como um processo resultante do conflito ou da oposição entre
dois princípios, dois momentos ou duas atividades quaisquer. Mas esses conceitos são muito abertos
e não permitem um entendimento mais uniforme.

1 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia, 5a edição, Såo Paulo: Martins Fontes, 2007.
Ao tentar estabelecer conceitos de acordo com o desenvolvimento da história da Filosofia,
ABAGGNANO diz que esse termo, que deriva de diálogo, não foi empregado, na história da
filosofia, com significado unívoco, que possa ser determinado e esclarecido de uma vez por todas.
Segundo ele, tal conceito recebeu significados diferentes, com diversas inter-relações, não sendo
redutíveis uns aos outros ou a um significado comum. Todavia, entende que seria possível distinguir
quatro significados fundamentais:
I. como método da divisão;
2. como lógica do provável;
3. como lógica;
4.como síntese dos opostos.

A dialética como método de divisão, foi o conceito de Platão. Para ele, a dialética era a técnica da
investigação conjunta, feita através da colaboração de duas ou mais pessoas, segundo o
procedimento socrático de perguntar e responder. A dialética seria o ponto mais alto a que pode
chegar a investigação conjunta e compõe-se de dois momentos:
a) O primeiro consiste em remeter as coisas dispersas para uma idéia única e em definir essa idéia
de tal modo que possa ser comunicada a todos.
b) O segundo, o procedimento da divisão consiste "em poder dividir de novo a idéia em suas
espécies, seguindo suas interações naturais e evitando fragmentar suas partes como faria um
trinchador canhestro"(Fed.,265 d).

Registre-se ainda que existem entendimentos que apontam que Platão teria engendrado uma síntese
entre os autores do mobilismo e do imobilismo. Partindo do princípio de que haveria duas
realidades distintas, mas complementares: o mundo sensível e o mundo inteligível. No sensível, o
mundo das sensações, há variedade e multiplicidade e percebe-se o movimento, que por si só
impediria toda predicação. No inteligível, há o problema da comunicação entre as ideias. Então,
para salvaguardar a unidade da inteligência nos discursos que são sensíveis, Platão desenvolveu
uma nova forma de dialética, que partia do diálogo entre interlocutores que saem do plano
meramente sensível em busca das ideias. O conhecimento puro seria ideal, mas ainda que não
possamos alcançá-lo absolutamente, não devemos desistir.

A dialética como lógica do provável seria um conceito aristotélico. Para Aristóteles, a dialética seria
o procedimento racional não demonstrativo. Dialético é o silogismo que, em vez de partir de
premissas verdadeiras, parte de premissas prováveis, geralmente admitidas. "Provável", diz
Aristóteles, "é o que parece aceitável a todos, à maioria ou aos sábios, e, entre estes, a todos, à
maioria ou aos mais notáveis e ilustres".

A dialética como lógica seria o conceito creditado aos estóicos, que a identificaram com a lógica em
geral ou, pelo menos, com a parte da lógica que não é retórica. Considerando a retórica como a
ciência do bem falar nos discursos que dizem respeito às "vias de saída", ao passo que a dialética é a
ciência do discutir corretamente nos discursos que consistem em perguntas e respostas.

A dialética como síntese dos opostos. Esse conceito de dialética é formulado pelo Idealismo
romântico, em particular por Hegel. O princípio foi apresentado pela primeira vez por Fichte como
"síntese dos opostos por meio da determinação recíproca". Em apertada síntese, a dialética
consistiria na colocação de um conceito abstrato e limitado". No suprimir-se desse conceito algo
"finito" e na passagem para o seu oposto na síntese das duas determinações precedentes, que
conserva "o que há de afirmativo na sua solução e na sua transposição". Hegel dá a esses três
momentos os nomes, respectivamente, de intelectual, dialético e especulativo ou positivo racional.

Ciente da dificuldade de partir de um conceito de dialética formulado em tempo diverso do qual os


textos estudados foram escritos, não se adotou nenhum conceito fechado de dialética, sendo certo
que em determinados momentos um ou outro pode ser vislumbrado nos textos dos filósofos que
viveram antes de Sócrates.

Os Pré-socráticos

Muitos dos autores que estudam os filósofos denominados pré-socráticos afirmam que tanto
Heráclito quanto Parmênides fizeram avanços nos limites dos pensamentos quando comparados
aos demais pré-socráticos.

Se os primeiros pré-socráticos se preocuparam em estabelecer uma explicação para o mundo


baseando-se na natureza, Heráclito e Parmênides avançaram os limites desse pensamento
acrescentando implicações para as entidades e processos cósmicos, coisa que seus predecessores
não fizeram.
Heráclito (540 a.C a 480 a.C) aponta a sua descoberta do logos (princípio geral) e tenta explicar
de que forma ele pode explicar os fenômenos que ocorrem no mundo, fazendo argumentações
acerca da multiplicidade e da unidade.

Parmênides (515 a.C a 450 a.C) ao suscitar os caminhos investigação da realidade teria sido o
primeiro a fazer uso sistemático de argumentos para provar suas teses.

Desde então, a argumentação racional é o modo do discurso filosófico, claramente porque as


questões filosóficas não podem ser resolvidas por meio empírico, muito menos pelo apelo à
autoridade de quem fala.

Zenão (490 a.C - ?), como discípulo de Parmênides, escreve suas teses de forma a rebater aqueles
que escreviam refutações aos argumentos de seu mestre e se não apresentou ideias originais. pelo
menos a forma que utilizou para apresentá-las é notável. Aristóteles chega a dizer que Zenão era o
pai da dialética, com a suas antinomias e os argumentos de redução ao absurdo. 2

O movimento sofista (século V a.C) deixou poucas fontes materiais (apenas duas obras completas
de Górgias), mas se considerarmos que Platão é a fonte mais extensa sobre a obra sofística, tendo
lhes dedicado cinco diálogos (Protágoras, Górgias, Hípias Maior, Hípias Menor, Eutidemo), a
importância das ideias destes pensadores não deve ser menosprezada, apesar das inúmeras
críticas.

3
Segundo UNSTERSTEINER “Os sofistas coincidem com uma concretude antiidealista que não
segue o caminho do ceticismo, mas sim aquele de um realismo e de um fenomismo que não detêm a
realidade dentro de um esquema dogmático porque, ao contrário, deixam-na fremir em todas as
suas antíteses, em toda sua tragicidade, em toda a imparcialidade imposta por uma
cognoscibilidade que despertará a alegria da verdade”.

FRAGMENTOS DE HERACLITO

Nos fragmentos a seguir podemos observar que Heráclito aponta o devir ao qua1 tudo está
destinado e caracteriza-se por contínua passagem de um contrário ao outro. As coisas frias se

2 MCKIRAHAN, Richard D, A filosofia antes de Sócrates: uma introdução com textos e comentário - São
Paulo: Paulus, 2013
3 UNSTERSTEINER, Mario, A Obra dos Sofistas - uma interpretação filosófica - São Paulo: Paulus, 2012
aquecem, as quentes se resfriam, as úmidas secam, as secas tornam-se úmidas, o jovem envelhece, o
vivo morre, mas daquilo que está morto renasce outra vida jovem, e assim por diante.
Haveria uma espécie de “guerra” eterna entre os contrários que se aproximam. Mas, como toda
coisa tem realidade precisamente no devir, a guerra, a oposição se revela essencial.
Não é possível apontar uma dialética como uma lógica, mas o que se percebe no pensamento de
Heráclito é quase uma ideal de dialética como síntese de opostos, bem próxima da dialética
“moderna”.

50. Não de mim, mas do logos tendo ouvido é sábio homologar tudo é um.

51. Não compreendem como o divergente consigo mesmo concorda; harmonia de tensões
contrárias, como de arco e lira. Conjunções o todo e o não todo, o convergente e o divergente, o

10. consoante e o dissoante, e de todas as coisas um e de um todas as coisas.

8. Heráclito (dizendo que) o contrário é convergente e dos divergentes nasce a mais bela
harmonia, e tudo segundo a discórdia.

88. O mesmo é em (nós?) vivo e morto, desperto e dormindo, novo e velho; pois estes, tombados
além, são aqueles e aqueles de novo, tombados além, são estes.

FRAGMENTOS DE PARMENIDES

O poema de Parmênides divide-se em três partes: o proêmio, rico em metáforas, descreve uma
experiência de revelação divina. A primeira parte apresenta o conteúdo principal dessa revelação
mostrando o que seria a "via da verdade". A segunda parte caracteriza a "via da opinião", opinião
dos mortais. A distinção fundamental entre os dois caminhos está em que, no primeiro, o homem se
deixa conduzir apenas pela razão e é então levado à evidência de que "o que é, é — e não pode
deixar de ser", possivelmente a primeira formulação explícita do princípio lógico- ontológico de
identidade. Já na segunda via, "os mortais de duas cabeças", pelo fato de atentarem para os dados
empíricos, as informações dos sentidos, não chegariam ao desvelamento da verdade (aletheia) e à
certeza, permanecendo no nível instável das opiniões e das convenções de linguagem.
MCKIRAHAN afirma que no trecho a seguir, a explicação acerca do caminho verdadeiro, é o mais
longo trecho de escrita contínua de qualquer pré-socrático e contém a primeira série estruturada de
maneira elaborada de argumentos dedutivos na história da filosofia ocidental. A fim de convencer
que o mundo que das sensações não fornece a verdade sobre a realidade, ele usa argumentos lógicos
para provar sua tese.

Só ainda (o) mito de (uma) via esta, que é; e sobre esta indícios existem, bem muitos, de que
ingênito sendo é também imperecível, pois é todo inteiro, inabalável e sem fim;

nem jamais era nem será, pois é agora todo junto,uno, contínuo; pois que geração procurarias
dele?

Por onde, donde crescido? Nem de não ente permitirei que digas e pense; pois não dizível nem
pensável é que não é; que necessidade o teria impelido a depois ou antes, se do nada iniciado,
nascer?

Assim ou totalmente é necessário ser ou não. Nem jamais do que em certo modo é permitia força
de fé nascer algo além dele; por isso nem nascer nem perecer deixou justiça, afrouxando amarras,
mas mantém; e a decisão sobre isto está no seguinte:

é ou não é; está portanto decidido, como é necessário, uma via abandonar, impensável,
inominável, pois verdadeira via não é, e sim a outra, de modo a se encontrar e ser real.

E como depois pereceria o que é? Como poderia nascer? Pois se nasceu, não é, nem também se um
dia é para ser. Assim geração é extinta e fora de inquérito perecimento. Nem divisível é, pois é
todo idêntico; nem algo em uma parte mais, que o impedisse de conter-se, nem também algo
menos, mas é todo cheio do que é, por isso é todo contínuo; pois ente a ente adere.

Por outro lado, imóvel em limites de grandes liames é sem princípio e sem pausa, pois geração e
perecimento bem longe afastaram-se, rechaçou-os fé verdadeira. O mesmo e no mesmo persistindo
em si mesmo pousa. e assim firmado aí persiste; pois firme a Necessidade em liames (o) mantém,
de limite que em volta o encerra, para ser lei que não sem termo seja o ente; pois é não carente;
não sendo, de tudo careceria.

O mesmo é pensar e em vista de que é pensamento. Pois não sem o que é, no qual é revelado em
palavra, acharás o pensar; pois nem era ou é ou será outro fora do que é, pois Moira o encadeou a
ser inteiro e imóvel; por isso tudo será nome quanto os mortais estatuíram, convictos de ser
verdade, engendrar-se e perecer, ser e também não, e lugar cambiar e cor brilhante alternar.

Então, pois limite é extremo, bem terminado é, de todo lado, semelhante a volume de esfera bem
redonda, do centro equilibrado em tudo; pois ele nem algo maior nem algo menor é necessário ser
aqui ou ali; pois nem não-ente é, que o impeça de chegar ao igual, nem é que fosse a partir do ente
aqui mais e ali menos, pois é todo inviolado; pois a si de todo igual, igualmente em limites se
encontra. Neste ponto encerro fidedigna palavra e pensamento sobre a verdade; e opiniões mortais
a partir daqui aprende, a ordem enganadora de minhas palavras ouvindo.

Pois duas formas estatuíram que suas sentenças nomeassem, das quais uma não se deve — no que
estão errantes —; em contrários separaram o compacto e sinais puseram à parte um do outro, de
um lado, etéreo fogo de chama, suave e muito leve, em tudo o mesmo que ele próprio mas não o
mesmo que o outro; e aquilo em si mesmo (puseram) em contrário, noite sem brilho, compacto
denso e pesado. A ordem do mundo, verossímil em todos os pontos, eu te revelo, para que nunca
sentença de mortais te ultrapasse.

FRAGMENTOS DE ZENAO

Segundo MCKIRAHAN, o livro de Zenão era uma série de argumentos nos quais são questionadas
as ideias dos oponentes de Parmênides fazendo emergir implicações:
“Aristóteles reputava Zenão o pai da Dialética. Dialética para Aristóteles, é uma importante técnica
filosófica para sondar as ideias de um oponente, fazendo-os enunciar uma tese, e a seguir,
questionando-os de modo a fazer emergir as implicações. A estratégia dialética, tal como exposta
nos Tópicos de Aristóteles, consiste em tentar mostrar que a tese tem consequências falsas ou
inaceitáveis, sendo ela mesma, portanto, falsa, enquanto o oponente defende a tese, tentando evitar
tais resultados. Ademais os argumentos de Zenão assumem a forma de antinomias: eles extraem
consequencias mutuamente contraditorias a partir da hipotese de que ha muitas coisas -... um estado
de coisas impossível, o que prova que a ideia é falsa.”

O trecho a seguir é do diálogo Parmênides de Platão, no qual Zenão e suas teses são mencionados:

Estes aqui, lhe falei, são meus conterrâneos e filósofos de alto merecimento.
Ouviram dizer que esse Antifonte acompanhava com certo Pitodoro, amigo de Zenão, e que sabe
de cor as conversações havidas entre Sócrates, Zenão e Parmênides, por as ter ouvido dele,
Pitodoro, assaz de vezes.
Tudo isso é verdade, observou. Pois são justamente essas conversações, voltei a falar, que
desejamos ouvir.
Não é difícil, respondeu; no tempo de moço, Antifonte aplicou-se muito em decorá-las. Sócrates
nesse tempo era muito jovem.
Incumbiu-se da leitura o próprio Zenão, na ausência casual de Parmênides. Já se encontravam
quase no fim, segundo Pitodoro, quando ele próprio entrou,acompanhado de Parmênides e de
Aristóteles, o mesmo que depois foi um dos Trinta. Assim, só pegaram trecho muito pequeno da
leitura. Aliás, Pitodoro já a ouvira antes, do próprio Zenão.
II-Terminada essa parte, Sócrates lhe pediu que relesse a primeira hipótese do primeiro
argumento, depois do que se manifestou: Que queres dizer com isto, Zenão? Se os seres são
múltiplos, por força terão de mostrar, a um só tempo, semelhanças e dissemelhanças, o que não é
possível. Nem o semelhante pode ser dissemelhante, nem o dissemelhante semelhante. Declaraste
isso mesmo, ou fui eu que não compreendi direito?
Isso mesmo, respondeu Zenão. Compreendo, Parmênides, continuou Sócrates; nosso Zenão deseja
tornar-se-te mais íntimo por vários meios, mas principalmente com a ajuda de seus escritos.
No final de contas, o que ele afirma é mais ou menos o que tu próprio escreveste; porém
introduzindo algumas modificações, quer dar-nos a impressão de que diz coisa diferente. Declaras
em teus Poemas que Todo é um, em reforço do que aduzes argumentos belos e convincentes. De
seu lado, ele nega a existência do múltiplo, para o que apresenta provas de todo o ponto fortes e
superabundantes.
Desse modo, quando um diz que o Uno existe e outro nega a existência do múltiplo, falando cada
um como se nada tivesse de comum com o outro, quando em verdade ambos afirmam a mesmíssima
coisa, o que enuncias parece voar muito por cima de nossas cabeças.
Mas,que há de extraordinário dizer alguém que eu sou ao mesmo tempo uno e múltiplo?
Seria o caso, para provar minha pluralidade, de mostrar a diferença entre o lado direito e o
esquerdo, a frente e o dorso, a porção superior e a inferior, pois de muitas maneiras, quero crer,
participo da pluralidade. Ou então, para insistir na unidade, dizer que eu sou um dos sete
indivíduos aqui presentes, visto participar da unidade. De onde se colhe que as duas assertivas são
igualmente verdadeiras. A este modo, sempre que um se abalança a demonstrar a simultaneidade
do Uno e do múltiplo em coisas com seixos, pedaços de madeira e outras mais da mesma natureza,
dizemos que essa pessoa provou simplesmente a existência de unidades e da multiplicidade, não
que o Uno seja múltiplo, e o inverso: o múltiplo, Uno. Com isso, não terá dito nada extraordinário,
senão algo em que todos convirão. Porém se alguém, como afirmei neste momento, começar por
distinguir umas das outras as idéias de si mesmas: semelhança e dissemelhança, pluralidade e
unidade, repouso e movimento, e tudo o mais do mesmo gênero , e demonstrar, em seguida, que
todas elas são capazes de unir-se umas com as outras o de separar-se: isto sim, Zenão, continuou a
falar, é que me deixaria contentíssimo.
És muito novo, Sócrates, teria dito Parmênides; a filosofia ainda não se apoderou de ti como
espero que o faça quando o não desprezares nada disso. Por enquanto, dás excessiva importância
à opinião do homens; é defeito de idade.
V -Dize-me uma coisa: pelo que declaraste, admites a existência de idéias, das quais as coisas
tiram os nomes, na medida em que delas participam , a saber: a participação da semelhança as
deixa semelhantes, a da grandeza, grandes, e a da beleza e da justiça, justas e belas?
Perfeitamente, teria respondido Sócrates.

O MOVIMENTO SOFISTA

O termo “sofista" significa "sábio", "especialista do saber". Apesar da acepção do termo ser positiva
em si mesma, tornou-se negativa sobretudo pela interpretação das obras de Platão e Aristóteles que
desvalorizavam o movimento sofista, considerando esse momento um tempo de decadência da
filosofia grega.

Somente no século XX foi possível uma revisão mais sistêmica desses juízos e, por via de
conseqüência , uma radical reavaliação do valor do pensamento dos sofistas.

A hostilidade contra os sofistas provinha de duas ordens: a primeira é a de que os sofistas se


prostituíam vendendo o conhecimento, ensinavam aretê por dinheiro e somente a quem o podia
pagar. A segunda é a de que os sofistas seriam mestres nos argumentos desonestos, sem apreço pela
verdade. Eles eram capazes de “tornar o argumento mais fraco mais forte”, sendo a característica
mais importante para conseguir isso a prática da retórica. Toda a argumentação é feita tendo por
objetivo a persuasão que representa a garantia do sucesso nas arenas para os quais os sofistas
treinavam seus alunos. A persuasão (peithô) era uma deusa.

Os sofistas ensinavam a seus alunos a arte da antilogia que é argumentar da maneira mais forte para
ambos os lados de um caso, cujo treinamento consistia em exibições retóricas. Protágoras cindiu o
logos nos "dois raciocínios", descobrindo que o logos diz e contradiz.
TRECHOS DE “ARGUMENTOS DUPLOS”, autor desconhecido, mas mencionado nas obras
sofísticas

Tem-se também argumentos duplos no que concerne ao verdadeiro e ao falso, dos quais uns
afirmam que o logos verdadeiro e o logos falso são diferentes uns dos outros, e outros afirmam que
eles são o mesmo. E eu afirmo o seguinte. Primeiro que o logos verdadeiro e falso expressam-se
pelas mesmas palavras. Segundo quando um logos é enunciado, se os eventos ocorreram do modo
como o logos diz, o logos é verdadeiro, mas se os eventos não ocorreram o mesmo logos

No ‘Elogio a Helena’ Górgias anuncia que utilizará argumentos lógicos para liberar Helena da
acusação de ter fugido de casa com um estrangeiro:

(2) Do mesmo homem é dizer corretamente o devido e refutar *** os que censuram Helena, mulher
sobre quem uníssona e unânime se fez a crença dos que escutaram os poetas e a fama do nome, que
das desgraças se tornou memória. Eu então quero, tendo dado uma lógica ao discurso, tanto a que
escuta maldades livrar da acusação, e os que a censuram, demonstrando que mentem e mostrando
a verdade, livrá-los da ignorância.
(6) Pois, ou por desígnio da Sorte, decisão dos deuses e decreto da Necessidade ela fez o que fez,
ou foi por força raptada, ou então por discurso persuadida, < ou por amor conquistada >

Nas linhas seguintes Górgias assume que toda persuasão envolve falsidade e associa a verdade e a
falsidade com os meios pelos quais obtemos conhecimento e opinião. A persuasão depende do
discurso (logos) que não pode produzir o estado de conhecimento certo e infalível:

(11) Quanto a quantos persuadiram e persuadem, sobre quanta coisa, um falso discurso
modelando! Se com efeito sobre todas as coisas todos tivessem memória das passadas < visões >,
das presentes e previsão das futuras, não seria semelhante o discurso para aqueles aos quais
agora, o discurso enganaria. De fato porém, nem para recordar o passado, nem para examinar o
presente, nem para adivinhar o futuro tem bom caminho; de maneira que, sobre o maior número de
casos a maioria tem a opinião como conselheira presente da alma. Mas a opinião, escorregadia e
instável, em escorregadios e instáveis desencontros arremessa os que dela se servem.

(13) Que a persuasão, associando-se ao discurso, forja a alma como quer, deve-se primeiro
aprender os discursos dos astrônomos, os quais, opinião contra opinião, ora tirando uma, ora
suscitando outra, fazem que o incrível e obscuro se evidenciem aos olhos da opinião; em segundo
lugar, os inevitáveis debates, por meio dos discursos, nos quais um só discurso muita gente deleita
e persuade, com técnica é escrito, não com verdade proferido; em terceiro lugar, as disputas de
discursos filosóficos, nas quais se mostra inclusive a rapidez do pensar, que faz mutável a crença
da opinião.

Górgias tem uma posição em relação à retórica nova e original. Se não existe verdade absoluta e
tudo é falso, a palavra adquire então autonomia própria, quase ilimitada, porque desligada dos
vínculos do ser.

UNTERSTEINER, em sua obra já mencionada neste texto, aponta que o método de raciocínio
usado por Górgias no Elogio a Helena e na Defesa de Palamedes depende não da práxis jurídica,
mas da lógica filosófica. A prova de que estamos lidando com uma argumentação disjuntiva e
apagógica nos fornece uma comparação entre o método de Górgias e os Analíticos de Aristóteles.
Esse método não foi inventado por Górgias, mas extraído das discussões filosóficas de seu tempo,
visto que foi usado por Zenão, por Melisso, de modo que se pode levantar a hipótese de que a
apagogia era própria dos eleatase remontaria a Parmênides.

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