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[30 - tteratura e Sociedade Foicko comevonathn [49-40] AURORA FORNONI BERNARDINI Universidade se Sto Paulo fesumo Palavas-chave furs Geum esse de ot pias do eae se Icminenaso spats pubs feos plan gute rnin orn, Som ngs, nha ‘le aguas gusts sas annie oltre tsk, como pba spl pce ror ¢ ned rated pi Abstract Tieashrmkasaney pap edofsan Keywords Feraton acorng Fe Eats sok say Ran Fomalio ening 9 the potion he ann form and ot adie Pree, lel AURORA FORNON! BERNARD Formalism ruso, uma revistagso « 31 Dificimente podia ter sido mais bem recebids a sugestio de paricipar deste niimero da Revista Literatura ¢ Sociedade com esta revisita: na verdade estou revisitando meu proprio ingtesso como docente na careira uunivesitria, Quando, no final da década de 1960, apos ter lecionado alguns anos inglés em colégios da capital volte a USP como mestranda dda FAPESP e fucura assistente do Curso de Russo, a canvite do Prof Boris Schnaiderman,o livro que carregava debaixo do braco era. traducio Francesa de Todorov (Seuil, 1965) dos Texts des formalistas russ, visto que a edigao brasileira da Globo, umm poco modificada, 56 sairia em 1970. A pritmeira discipina que frequentes do Curso de Pos-Greduacio em Teoria Litera e Literatura Comparads, ministrada pelo Prof. Antonio Candido, propuaha justamente, como estudo principal, a anilise ¢ a dlscussio daqueles textos, Recordo com que deshumbramento assistiamos a0 seminio de “Como foi feito O eapate de Gogol” (que a colega que 0 apresentou chamava com desenvoltura 0 manto): aquele pobre Akaki Aeikievitch que eu ten Raschel, se n4o me engano ~ que o havia interpretado tun filme t Uissimo no Cine Coral, quem dia, hein? fazendo num rompante inespe rado toda aquela declamacao patetica, que na verdade erao“gesto [nico ‘que se intexpuna a *narragzo coraica"! Ea semanticafoniea do conto cera estudada em termes de skaz, dscurso dre, discursoindreto,didlogo «etc. em modes bakhtinianos avant la ltr! Isso, em se tratando de pro- sa, foi apenas o comeco. Depois do mant® de Eskhenbaum viria "A de Tomachévski, com a fabula o sixjet, os motives lives e suas funedes, para cua dilerenciacao Boris Eichenbaum forjow o conceit de dominant, a motivacio dos procedimentos, 0 estranhamenta ou va em associar a um comico italiane = Renato singularizag2o, a "Evolucio literati" de Tynianav ete, ete. As funcdes de Propp nos contos maravilhosos s6 vinham prenutcadas em seu enssio sobte as “Transformacdes dos contos naravilhosos” (“fantisticos”, erroneamente traduzido, na ed. da Glabo): seu livro Morfologia do conto ‘maravithoso, com a tesposta a Lévi-Strauss seria ur capitulo a parte, um "So toate polemics Lev StausProp cus 4 pc, sis na tad i lvoe Propp Maflog da conc mares gue co 1964 sts tab ha ‘ers basa do ro ta eadgue de ssn Sewn, vale a pen esi be "specs principio € 0 exemple gue daemos de como er que exo egos «telat ap formalism eso aeabaram se genetlzan © se perpetande, Lore Sirs defend ates de que a nqse deforma de eure mo so equilenies "A forma se define por opie a uma mater que the © esha engamie que a strata ao ten coco in eb €» prpi conte pend tama er ao lg cones como propedal dol. Com 0, aca opp ‘eter comecado eu esto pb ante rele pu, nase com en ede, ‘ein abndonado mais ure pela esq in © cera, Lev Sasa ques sepa denonsar que © mateo onalst* de Propp eo steric eam lees formalistis Sto elvor da arbitariedade do sgn [34+ Uteratura ¢ Sociedade composto por ocasiao da visita do autor a Sao Paulo -, que contem conceituagSes nio apenas bisicas, mas revoluciondrias em termos de teoria da literatura, como a questio das fungbes da linguagem, a da equivalencia em poesia dos dois eixos, 0 paradigmatico (metaorico) € 0 da contigoidade (tetonimico), conceituagao esta que explica ao mesmo ‘tempo 0 efeito da “expectativafrustraia" e o do "estranhamento” ema poesia, ou a questio da determinacao da “diferencaespecifica, do trago distintivo, do eitrio qualitativo que permits, no caso da literatura, estabe- lecer seus limites frente as ouras expressbes das Humanidades, assaram-se os anos. Veio a vaga do estruturalismo francés, vie~ vam Luleies, Goldmann, Kristeva, Waller Benjamin, a Mimese, a Anato- mia da critica, a semistiea a psicocrtica Bakhtin, 0 desconstrucionismo. ‘eum belo dia, encontrando-me em Yale gracas a um projeto’ que previa ‘entrevista com personalidades universitirias que houvessem conhecido Roman Jakobson quando professor nos EUA, deparei com um seu ex- orientando, Vietor Erlich ~ entio professor emérito e um dos mais reconhecidos critics daquela prestigisa Universidade que, com toda 4 autoridade que pesava em seus ombros disse-me sem rodeios, em Aanirmada conversa,’ que apés o formalismo russo nada de tals original ‘ou de importante tinha surgido no dominio da Teoria da Literatura. N3o ‘nego a minha saisfaao: passada a voga dos anos 60-70, nao faltaram er ‘nosso proprio ambito universitério detatores do formalismo russo que, Dastando-se talvez com um conhecimento superficial, rextas copilados € ‘mal traduzidos, slogans descontextualizados ou mesmo pela falta de ‘empatiaideotogica, o tacharam de postivsta, formalista, estruturalisa, antibakhtiniano, anti-sociol6gico, saussuriano, aristotélico, modismo superado, ¢ assim por diante, E um pouco para tentar deslazer esses lchas e(rmuito) para relembrar aquees tempos que reli hi pouco a tese de doutorado de Erlich de 1954, Russian Formalism, e que, baseada ‘também em minha propria pritica como estudiosa e professora de russo (meus ts principais trabalhos académicos tiveram relagio com 0 formalism), disponho-mea volta aeertosconceitos que foram, durante tantos anos e ainda sio agora ~ para mim e para minha geragio -, 130 vivos e operantes, mas que pata as now geracGes nfo passam, quando muito, de “nomes nus", como dizia Umberto Eco no final de © nome da Abordemos a questo pelo fim, O que se tem assisido desde as ‘lta décadas do século XX em termas de metodologiageral da cultura -€a uma grande revisio que tee por objeto dais ertos herdados do século 2 GL projet BID-USP (990.198) * CL A eevist com Vicor Eich pr nde rlsds, pblcada em Rvs da USP, n. 24, desfew 1994/1995, * Sto eles, especavamente, Matras pas oxtudo do fui italiane €do cabo ‘Saurus (Sesado, 1970); Piste ptias do faarima (ra ain) (DO toro, 1973) Indias Pua em Marna Tvetina (Lise Docecs, 197) Formatsmo russo: uma revstacao + 35 | passado:o empirismo exttemado, que reconhece como real apenas 0 gue dado “imediatament", eo monismo rigido, que tentareduzit aves Ieterogenea a leis homogéneas "No nivel epistemoldgico” ~ ¢ aqui cito textualmente Erlich ~ *0 inceresse dos positivistas pelos dados sensoriis fo’ obscureio pea flosofa ds formas sibolicas,aconcepeo do horcem como animal symbolic (Cassirer).! Viu-se, ent que cada nivel de experiencia tem suas propras leis ou principios de oranizaao, aque nio podem ser deduzides de outros nves. Consequentemene, os estudiosos foram induzidos « indagar, primeiro, as propriedades cstraturais de um dado ssema e, sd mats tae, a relacionar ot dados assim abidos com os dados proprios a outros sistemas. Denteo desas dduas novastendencias da modernidade, que podemos eatacterisar com Erlich como a “interpretaco simbsica"e a “interpretacio gestaica’, onde se situaram os formalistas? O retrospecto de Eich sobre as raze literrias rssas que se nu- triam numa rica uadicao nacional de sensbilidade pelos problemas da forma poticaremonca Idd Medi faz uma pausa bastante longa na <época de Pichkin, em que “as eomtrovrsiascrtcas garam mas em, volta dos problemas da prosodia€ da linguagem do que de questoes ieologicas, Esta titimassurgram com grande orga na segunda metade do século XIX, com a questo dos raznetchntsy (a inellguentsiaplebéa) ‘mais tarde dos populisias, e com a tendéncia 2 jornalismo ea historia das ideias que imipregnou 2s escitoslteritos da épaca.E por feo que 0s estudiosos de literatura das vltimas décadas do mesmo século preferram manter-se afastados das “queimantes” questoes sociais € Aedicar suas intuigdesfecundas e sua pesquisa as questdes que dzian respeito& técnica lterdria, a estudo comparativo literaturafollore e& filosofia da linguagem. & aqui que surgem os ancestais diretos do formalsmo russo: A. Ptebni (1835-1891) eA. Vesslovsk (1839-1906). Do primeio, que se ocupos com as relagdes entre pensamento elingu- 2m, o¢formalistasabeorversm ov experimentos de descrgto de natoie- 2 da cragdo potdea em termos lingdistcos. “O pensamento pode dis pensar as plavras? Sim, pois i linguagensgrifiess, da misc, das co Fes, que nto utlizam palars, Pos, na medida em que pensamento € plata representam concetos coextensive, cada um tende a daminat 0 ‘outta, A razio quer a tode custo dominar a palvra est, na obra de * Alem do imo capit d ese de Vicor Eich aefrmad em li (formalin ‘so, Mane Bamps 1966) recomend aq, paral ors considerate an ss owas poses respec das lenin ede Aresma coca conempornea,ea ‘dolore Hans Georg Gade (Vrain, 1969 gu exc em wadaco braces ‘ele ended, Record, 1998) em parca ated de lane atin 2 edigestaanas de 1983, 1094 e 1997, A onologia hermeneutics na flesh fontemporinea » Ermer Case An Eeey on sm, au) ale Univers Pes 1942 (pu Vor Eich op. [36+ titeratura e Sociedade EDIGAC COMEMORATIVA poesia, consegue malor possibilidade de emancipar-se da tirania daidéia [aqui esto germe do tio mal compreendido “discurso autonomo!"| de resistra pressoes hostis,carregada que esti de sua maxima carga criativa". [Nao parece um item do manifesto de “A palavra enquanto tal"? Vessels dedicou-se a metodologia da indagacdo litera, tentativa de responder a pergunta “o que€ literatura?” © edificio lero ¢ por ele desmembrado fem elementos objetivos: esquemas, procedimentos, imagens candnicas, motives recortentes, formulas migratoria, dai seus estudos da tradicéo licerriae folclorca, prenunciando, entre outros, Propp, Tomachévshi e 4 pottica historia, dai o comeco das vastas intuigdes metodologicas formalistas, data enfase na estrutura objetiva da obra litera, mats do ‘que nos processos psiquicos que a acompanham, dai a desconsideracao (mesino que alguimas vezespanfletira) pela importancia do genio crativo rn historia da literatura, que aparece em alguns manifestes formalisas. [Nas primeiras décadas do século XX, enquanto o interesse social 1a literatura oficiaVacademica russa era substituido por um biogralismo estéril, os sequazes mais prometedores de Vesselévski, como © rmedievalista V. Pirets,esforcavam-se para distinguir entre estudo da literatura (como € dito) eestudo da cultura (0 que é dito). analise da linguagem poetica, atea-limice entre critica literaria e lingeistica, cconstcuiu o terreno de encontro entre os jovens estudiosos de literatura €-08 de linguistica, Pereebeu-se que os fates lingasstices podiam ser estudadas nao apenas por seus antecedentes histricos, mas também com base na “Fungo” que desempenham nos varios tipas de linguagem.Jovens estudiasos de literatura reuniam-se em seminstos, come aconteceu em tum deles de S.Petersburgo, ode S.A. Vengerov sabre Pachkin, ems 1908, ese aplicavam com zeloa estudaro estilo, o ritmo, rima, os epitetos, 0: temas, os procedimentos. Quem estava entre eles? Boris Fichenbaum, Boris Tomachévski, lui Tynianov.. Este timo, também aluno de Baudoin de Courtenay, que por sinal ja conhecia Chklowski desde 1913, ‘Caro que, como sempre acontece, ess tipo de imteresse nie existia apenas na Russia. Na Franca surgia a “Explication des textes", na Alema- ‘aha, 2 proposta de H. Wallin de “uma historia da are sem nomes” sua tese da “ilaminacio reciproca entre as varias artes” ete ete. A prop academia abria-s a0s novos estudos. Em S. Ptersburgo as velhasteoias ‘dos neogramaticos eram combatidas por Jan Baudoin de Courtenay e seus discipulos. Em Moscou, em razio da grande influéncia de F Fortunatoy, ur lingdista muito versado em analises morfologicas,aadesio 0s estudos dos problemas da funcioe do significado demorou um pouco mats a pegar, mas a chegada da fenomenologia de Edmund Hussetl foi decisiva. Em suas célebres Logische Untersuchungen ele analisava, profundamente a funcio logica dis categorias gramaticais fundamentais ‘comuns a todas as linguas ¢ introduzia 0 conceito de uma gramética ‘universal "pura", ou seja, da “lingua enquanto tal. Entre os precursores do formalismo est, paradoxalmente,a grande ‘escola que o precedeu, a do simbolismo russo. Nao vamos nos demorar AORN FONE TERROR Formelismo russo: uma revisitagao » 37 | 0-9 aqui sobre ela, nem sobre o acmeismo, que strgiv pouce depois, nem sobre os seus precursores ocidentais: 2 respeito da ambiencia do formalismo ha, em portugues, o estudo abrangeate de Krystina Pomorska, Formalismo ¢ futuriono. Falamos em precursors paradoxais quanto aos simbolistas, pois a0 mesmo tempo em que os formalisas reeitam seu {flere psicomistico (expressto de V Enlich) como Absoluto e sua eleicho ‘da imagem como trago construtivo da poesia, dele acetavam a abolicéo 4a dicotomia mecanicistaforma/conteido e, embors vacilante (pois para 105 simbolists ora o signo se confunde com o objeto, ora 0 objeto € ‘concebido como puro signo), a nto coincidéncia, para a linguagem poética, entre signo e referente. “A natureza particular da linguagem podtica tornou-se o principal ‘objeto de interesse ¢ de estudo de uma nova geracaa de filélogos, na medida em que representava um tipo de éiscurso funcional’ por ‘exceléncia cus componentes eram subordinadasa um mesmo prinepio informador: um discurso inteiramente organizado com a finaidade de ‘obter oefeito estticodesejado” — diz V. Erlich concluindo sua introducto. Dito e feito. Em 1915 um grupo de javens estucantes da Universidade de ‘Mascou (Busliex, Piotr Bogatyrioy, Roman Jakobson eG. O Vinoki) fandou 0 *Cireulo Linguistico de Moscou”. Um ano mais tarde, jovens fildlogos ¢ estudiosos de literatura que ‘mantinbam contato com o Circulo moscovita fundaram em S, Petesbutgo “Sociedade para o Estudo da Linguagem Potica", também conhecida~ ‘como Opoiaz, ciada pela coalizto de dois grupos distintos: estudiosas da linguagem segundo 2 escola de Baudoin de Courtenay como L. Jakubjnskd e E.D. Polivinov etedricos da literatura como B. Eichenbaum, ‘V. Chilovsi, SL. Bernstein e, logo em seguida 0. Brik. Tinka nascido 0 formalismo russ Desde a primeira fase do Opoiaz os partcipantes do movimento havi am focalizado seus interesses no estudo da linguagem postica, Cinco anos apes sua funda, simpatizantes do movimento jéafrmado crticamente € 4 inserido na cultura Iteriria academics, egresss da Segto de Histria da ‘Literatura do Instituto Nacional de Historia da Ane dS. Ptersburgo, tni- ramse a ele: V.Jimmdnshi, G. Guksvski, I Tyriinoy B, Tomachévsk, V. Vinogradox. Grupos de estudo diversificados foram incentivades. © novo Instituto encaregava-se das aividade didaticas epublicistieas. Sob sex pa tuocinio comegou a circular o perisdico Problema de Potica, onde aparece- ram alguns dos mais importantes estidosformalisas de histriae weoria da literatura. O formalismo tinha se tornado adulto, Na segunda fase, chamada “estruturaliste", quando unidos aos formalistas de Praga (de cujo cireulo Jakobson,o principal representante do circulo formalista de Moscou, que assim se desazia, passara a fazer pate desde sua partida da capital russa, em 1921), os te6ricosformalistas {do Opoiaz foram pioneiros no propdsita de fundar umn esquema gestaltico da criacioliteritia. Baste para tanto recordar seus reiterados conceitos de sistema, dominant, ¢ estrutura. 1 38 = Literatura © Sooedade: a ‘Ao mesmo tempo que continuavam indagando a natureza do to Iiteririo, os formalistas nda deixavam de se preocupar com a “evolugio lite- ‘irae com as relagoes da arte com a sociedade, ulizando para tanto com ‘ proveito as novas forulagdes metodoldgicas € levando-as adiante junta- ‘mente com 05 estruturalsiastchecos ‘Além de terem assim prenunciado e participado da Gestale, uma das mais importantes conquistas do pensamento moderno, deve-se 1 ressaltar que os formalistsruss0s, por terem desde o inicio contado ‘com a alianca da vanguarda cubo-fucurisa, tiveram seu movimento ‘ritico-terieo fortalecido, revigorado e atualizado (ate sua dispersao por volta dos anos 30), particularmente em termos de poesia. Citese, como ‘ exemplo, a Novissima poesia russa de R. Jakobson, sobre a poética de Velimir Khlebnikoy, os textos de O. Brik sabre o ritmo eo jé mencionado livrode Tynianov O problemada palevrapoeica. A ligacao coma vanguarda ‘explica também certas posigoes panfletérias e polémicas tomadas no . primeiroformalismo por alguns representantes do movimento, Chklovski, em particular, cuja insistencia na “arte como procedimento”, por exemplo, | ‘como exctusivo interesse do estudioso de poetica,além de exagero titico ‘uma das provas da limitagio de sua perspectiva. Assim mesmo, essa © i foutras nogses que ele propugnon como a da desautomatizacio, do ‘estranhamento, da perceptibilidade etc, bem como os textos-manifesto ddo primero formalismo foram muitas vezes mais lérteis do que os juizas cautelosos de criticas conservadores. fl ‘Sea questo da personalidade criatva,apesar de inicialmente e por alguns formalist enfaticamente negada, se ornou no formalism mais ‘maduro objeto de importante consideracio ~ Victor Erlich cita 0 ensaio de R Jakobson sobre a prosa de Pasternak -/ 0 que segundo ele restou impreciso no movimento foi a questio da avaliacdoexttica da obra. Para 0s lormalistas os valores estéticos, como qualquer outro valor, so relativos € sujeitos a variarem de periodo a perlodo (Cf, entre outros, 0 ja rmencionado A evolugio Iierdvia), Actescente-se a isso a desmitficagto das normas (CF. 0 famoso sdvig, ow desvio estudado por Krystina Pomorska como um dos pilares da poética de Khlebnikov) e a ddesconfianca em relagio a tudo o que poderia representar 0 “absoluta”, corroborada, no plano estético, pelo representante do estruturalismo {checo Jan Mukarévski em seu livzo de 1936, A funcao, a norma eo valor estetico como fatos sociais ("a esséncia da norma estética é de ser * muito imponae isis mas fortes regs do formalise com sie harca, ss quis voltaemos.O que se entnde por “evlucan srr” pode sero moe Sale de L.Tyanoy sobre o aunt em umn ds antclogias de exes formals ‘tados. Quanto a relaio ene eur Taper etry, vale pena lee 0 ‘exo lumina de Antonio Caddo "A eats ea arma do bomen na Re vista Cenc e Cul, vl, 248), seterbro 1972, (Republica em emete d Males CCrspinss,Unicamp, 199), * sRanibonehungen tr Prva des Dickters Fase, lavche Rundsch, Vl, 1935, Formalma niece: ume reicingto « 38 | <_< quebrada’), e poder-se-4 compreender por que a avaliacéo historica (de ‘um fato que podia ser comprovado historicamente) representou para 0s formalistas um catninho mais seguro da que 0 juizo critica. Expliquemos melhor: se ¢ importante saber se ceta obra cumpriu a “tarefa historia” a que se propunta ou que the cabia (enesse caso m0 st pode deixar de lembrar de “como escrever versos” de Maiak6vski ou de como Tols6i, segundo Eichenbaum, soube, apos sua famosa crise de 1880, romper com a tradicio romantica enquanto Turguenev se manteve nla) algumas obras curaprem sua tarefa mais esteticamente que outras. embora o ertico possa avaliar a obra Iteraria baseando-se nos seus criterias, esse ertérios deveriam ter cera validade geral, que inclusive ‘ranscendesse a poética de determinado periodo. Os formalistas focalizaram 0 “dinamismo interno” de um determinado sistema, suns leis imanentes, desengatando nos anos 20.arte literria da famosa “colcha de retathos” cultural que tudo acolhia, e tiveram sim, nos anos 30, a preocupasto de estudar sua insergio nas diferentes series sociais, mas — explica Victor Erlich ~ ndo tiveram ocasiio de deter-se suficiemtemente sobre a natureza dessa interrelacdo, nem sobre as leis “wanscendentes", coisa que poderia te feito uma filsofia da culeura mais Nexivel do que 0 referido monismo do século XIX e talvez mats organica do que @ “descritividade”, emborarigotosa, de que os formalist foram conside- sados adeptos. Este é literalmente, o reparo de Vietor Erlich, no ensaio final de Formalismo russe Se por “Teora da Literatura” entenecmoe tm esque orpico da cago ern, frdado mu sistema exico corn, numa consequent leslia da ‘altura, eres que adie que ofrmslsmo nao chegoa a tnt. Ma erence (que lenbrar bem qoe enim movment cio ja segue apoximou dese bio. |] e ques os lrmastas nto cneegiram decelerate ‘ear darts exaust devemosrecoahece ese mest de er eborado dea algun spetes essen” Curiosamente, também B, Engelgardt, um “companheiro de estrada’ do formalismo dos anos 20, em seu ensaio “A escola formal na historia da literatura” teve algo a dizer nesse sentido Ago a consrugo histric eri cia por eta excl no cheg ser ma icora da Lert, mas ums Tt viva sgn ds Jats Ungins signfats do porn de visa eto, uma pot formal Fm seu ja mencionado ensaio de 1927, “A evolugdo literdria", “Tynianox,justamente consciente da necessidade de ndo anular a Historia, Op tp. 30, "Gado in} yinox, Formalin e tra euereia (ood. Maria i Se), Trio, nau, 1973, p XX. 140 Literatura ¢ Sociedade: ee b's dda Literatura, mas reconstrut-la em sua totaidade ne interior da vida sociale levando em consideracdomomentos como os da geneseslitrsria, propos também uma hierarquia de niveis funciona (fungi construtiva © suas sudivisbes,funcio lterdri, Fungo linguistic, que de acordo com cle ligaa hieratura aos costumes et). Ourossim, lembra Maria Di Salvo, na Tese n, 8, que escreveu juntamente com Jakobson em 1928, ficava claro que: “A analise das funcbes respondia, para Tyninoy, a urna exi- géncia de esclarecimento e de especificacao, a0 estuds-las ele voltava a ‘um dos pontos eentrais de toda sua pesquisa, a andlise dos significados, Plo mesmo motivo ele sustentava a necessidade de se estudarem - 20 lado das grandes e nlo separadanente ~ também as figuras menores de uma epoea, que contribuem para o esgotamento das velhas funcdes, preparando 0 nascimento das novas",F sempre na Tes n. 8, referindo-se as leis imanentes da Historia da Literatura, que determinam uma série de posstbilidades evolutivas, repara ele entretanto que: “o problema da ‘scolha conereta de uma dizesio, ou a0 menos de uma dominante, pode ser resolvido apenas mediante aanlise da cortelagio entre série itearia as outrasséries [historical 2” Considereseo fato, porém, de ques tarefa de corelaclonar diversas esferas da cultura humana vai muito além da literauira e de qualquer dominio isolado. Esse tipo de cortelacdo requereria nao apenas uma ‘gorosa obra decolaboragao entre campos diferentes, todas, sem exchisto embre-se que Bakhtin teve a ideia de seu “cronotopo" a0 assistir a palestra de um fisélogo que participava de seu “ctrculo de estudos"), ‘mas o resultado dessa colaboragio ideal, para nao ser datado, deveria sofrer um processo de continua arualizagéo. Ninguém pode assegurar, por exemplo, que a formulacac que pretende definir a obra de arte fenquanto experitneia de verdade a que chegou a estética de cunho gadameriano, hoje, podera ser sentida como viva e tual daqui a cem ‘anos.” Para tanto, bastara fazer um ripido retrospecto, nem que fosse ado ma Iodugto de Mara Di SAvo Ik Formalin e storia eter, op. cp xt Au etre um suo dcilogo das araceiicas da obra de ste, extra da eos fe Posie otlg de Ga Vat, crea de Cates 1s obrade ae no se ncere no mundo, mas o mode quai varente 2) ma I eiferente que inde sobre a5 cola ecloe de mira diversas ents fom as quae alkane. 3) € uma Weiunschaug com a qual o mundo deve ena em loge; 4) € apa de um novo evento queue esp 3) Tandaso de uma nova lngger, portant de an mando 6) acbra find, e¢ ors ve undada durante o proceso. Ba anscendeo proceso; 17) a obra se dea eds a que ea ants nem se dei crn no muda ule 18) 0 prop atin eo raidor nao sto mals o que ertn ates de conhecer a bt: ‘nossa reges com 9 mando pasim et eetes 9) abr de arte em afore de peje um mundo, 10-40) J AURORA FORNON! SERMARDING Formaisma russo: uma revistagao + 41 | pelas teorias estéticas dos séculos IX e XX, para se veifcar como o con- eeito de Belo™ tenha sido submetido, 20 longo do tempo, a ateracdes € ‘mesmo contradigbes continvas, © que vale a pens ressaltay,finalmente, € a contemporaneidade das eonceituagdes do formalismo russo. Algumas de suas perguntas iniciais “O que €Iiteratura?; “Qual ¢ 0 mode de existéncia de um texto?” *O que diferencia a literatura dos outros dominios da escrita?; “O que acontece quando os limites desse dominio sto violados?”; ‘Que tipos de ‘obras literdrias existe”; “Como se estrutua o mundo do texto (Eabula siwjet, ritmo etc) frente ao mundo de que ele € imagem?" tem relagdo estrita com a orientagao ontologica e pos-cognoscitiva de nossa epoca ‘que tende a pergunarse: (Quemundo ese? O que devese fazer nim mundo dees) Quas dos mevs cok deve lato? Oqueéum mundo? Quetipa demmundor he? Come lesdfetem? (ques pss qundo os limites ente or mundo si vilados? Qual to mod de extscia de ums aba? Qual &o moda de exocia do mane gue a obta "epreseta? Comoe etratrado 0 undo dh qual speenada sige?” ‘Alem das perguntas, sua proprasconceituagdesbiscas concider em muitos pontos. O fendmeno lteriio, embora obaautnoma que explica se compse gracas a seus proceditentosretoricos, assume € soda de significado em fungio de um fundo (époce, period, dcologia ee), 0 que permite as diferentes icerpreugbes do faidor.E assim que ‘ynianov ve, por exemplo,a questo dos enero, quese sucederme alas vezes se alternam Eo qu diz Vatimo, um dos iosofos que tatam hoje de cultura, de “lag parte da cultura contmporanea"? © que import saenar que i Ings pit da clara conemporines ‘onetbe@ ster como compreensto Ge frsmena paca em relso a um fundo que permite compreendero tgrfaio verdad |.) © eat ip de experince abo quando reconduido aimee cn rac ua ce sedetne™ E ainda: Tats dr aberra pra uma conceptonso malic verdad, pando "lotto do modelo postive do saber cen 1 goon de expenonta da 10) as bases part ums fondaao ontaogica date oo esorco pra recomhecer ax ‘eles dt recom o se, 08s, reconbecer no apenas a coseenl te fee ‘eanscende a conscénia Araves dos interns doen, dos ponte dedesonindede dh experiencia a ares aproxima ao set * Leisseo lio de Lev Tea, ers sur Part, Fane, Gallimard, 1971, No Bel exit ‘uma tradugo parcial de seus excrits sobre © assunto publicda pela Editors Experimenta, de Sio Paulo "CE. Ceseran,Raconare I ps-madera, 134 "CG. vatime, Ponsa connlaga (Nueva edsoneamentads), Midna, Masia, 1967 1985, pp. 1S + Literatura e Sociedade EDIGAO COMEMORATIVA, ate edo modelo de retin, por exemple, |] uma ve que expeitaca pe ‘modema de verdad ¢rovvelment una experts esta een, que mos ‘Shamus ver am epics blada do real come puna died” ‘Mas sera que existe mesmo um cénone estavel para a arte? A resposta de Luigi Pareyson — um filésofo contemporaneo que como ‘Vato est sendo conkecide no Brasil—em sua Teoria da formatividade™ e "ado", Mas essa inexplicabilidade @ um fato absolutamente no axbitriri, onde “o todo ¢ rigorosamente regido por vimalei que comanda su estrutura de modo que cada parte apareca em sua ligacio necessérix com ele e este com cada parte”. Aqui est, em sintese, sua conclusto, bastante proxima da proposta do formalismo russo: a obra de arte € uma nova luz lagada sobre o mundo. A obra de arte nfo se insere no mundo {que esta af, mas cia um mundo novo, Ela se apresenta como portadora de uma lei que reonganiza as estraturas do mundo e funda sta propria historia, "CL G Vato, La fn dla moder, Nano, Gaza 1985p. 23 (fe brasil ‘a, Sto Paul, Martine Fonts, 1998) "CE L Pareyson,Cesttica et 10 polo, Mila, Musi, 1961 E and, cos por ‘atin, Comesacion cd ett, 1966, Exe tabicho tm pores de algun de seas vs, pel Martine Forde So Pal,

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