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Indo da sutileza abstrata da teoria à solidez do corpo prático e tendo por base
tessituras reflexivas derivadas do enquadramento teórico então esboçado, tentaremos –
utilizando recursos da plataforma digital YouTube - analisar o percurso de determinadas
representações de poder contidas em construções discursivas, significados estéticos e
disputas semânticas contidas em nuances do álbum “Bluesman” - um conjunto de
gravações musicais1 e uma videogravação2, lançados em 23 de novembro de 2018, sob a
alcunha do “rapper” brasileiro Baco Exu do Blues, nome artístico de Diogo Álvaro
Ferreira Moncorvo, nascido em Salvador, Bahia. A trajetória do artista no âmbito das
representações culturais encontra sua foz na repercussão popular nacional de
significados políticos contidos na faixa “Sulicídio”3, lançada no ano de 2016, em
parceria com o rapper pernambucano Diomedes Chinaski, na qual ambos, de origem
nordestina, denunciam a condensação desmedida de recursos econômicos, simbólicos,
de iniciativas e de visibilidade relativas ao cenário musical do Rap entorno do “eixo
Rio-São Paulo”, reivindicando autonomia nas propostas de representação contidas em
suas músicas, vídeos, em suma, em sua visão de mundo, desde já associada à noção de
consciência de si (FANON, 2008, p. 180-184).
Cerca de um ano depois de “Sulicídio”, em 2017, Baco Exu do Blues lança seu
primeiro álbum, intitulado “Esú”, em referência ao sincretismo religioso contido na
mistura dos nomes Jesus e Exu, representado na sobreposição de palavras contida na
1
https://www.youtube.com/watch?v=82pH37Y0qC8&list=PLvDieTZVqJZWokopUaYQ7FTvary4WkiJU
(“Baco Exu do Blues – Bluesman (Álbum)”).
2
https://www.youtube.com/watch?v=-xFz8zZo-Dw (“BLUESMAN (Filme Oficial)”).
3
https://www.youtube.com/watch?v=2ZvGhK9aOK8 (“Sulicídio”).
capa do álbum. Desde então seu estilo se mostrava bem demarcado, pela utilização de
referências sincréticas, linguagem explicita e agressiva, metáforas críticas e temas
múltiplos, abordados em uma espécie de bricolagem que o capacita a abordar desde
questões objetivas como o crime, o assassinato e o racismo, até questões subjetivas
como o amor, a depressão e o suicídio.
Por outro lado, em “Kanye West da Bahia”, Baco critica a adaptação estética, a
rotulação social e a violência que persistem recortando as possibilidades de construção
da identidade negra, digamos que para além dos vícios de uma epistemologia
eurocêntrica, isto é, para além de formas racializadas de organização do conhecimento e
da experiência. A passagem a seguir ilustra com nitidez:
Neste último excerto se torna possível dimensionar com mais precisão em que direção
a proposta de ressignificação de categorias de representação correlatas à identidade
negra articulada por Baco Exu do Blues pretende incidir, o que demanda desconstrução
e o que demanda reconstrução. Interpretamos que o enclausuramento da identidade
advém de uma diretriz normativa incidente do mundo branco, que acarreta desde a
exploração braçal da força de trabalho do homem negro e a exploração sexual da mulher
negra – junto a todas as marcas históricas em sentido civil e mental - até a formatação
estética que reflete formas colonializadas de ser, pensar e agir no mundo a partir de
normas institucionalizadas, oriundas da igreja, da família, do sistema penal, das galerias
de arte, etc. Para preservar a representatividade politica da categoria identitária negra
frente à necessidade de desconstruir seus princípios de organização derivados da matriz
epistemológica eurocêntrica, outro discurso concorre, em favor da lógica diaspórica,
que envolve resgatar momentos históricos, figuras históricas, referências simbólicas
utópicas capazes de reavivar outra conotação, outro entendimento que ressignifique
formas de representação mordazes, levadas à incoerência por princípios de equalização
social e racial viciados por interesses de poder na organização do conhecimento e da
experiência. A partir desse movimento de resgate, tornar-se-ia possível ir contra a
corrente e quebrar expectativas de submissão – correspondendo ao intuito que
identificamos em Fanon, Appiah, Hall, Gilroy, e muitos outros no decorrer deste
semestre, e que percebemos ecoando na obra de artistas como Baco Exu do Blues.
Bibliografia