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os lugares do sentido Hugo Mari YACULDADE DE LETRAS pal ots ~ BIBLIOTECA U.F.M.G. - BIBLIOTECA UNIVERSITARIA HAUTE AAA 118789362 NAO DANIFIQUE ESTA ETIQUETA Nimero 1 Julho - 1991 PROJETO GRAFICO DA CAPA Sonia Marcia Correa Claudio Rezende DATILOGRAFIA Ismael de Paula Eloisa Santos Pereira REVISKO Hugo Mari ALege. beaSacs PACULDADE DE LETRAS BIBLIOTECA 4 ENDERECO PARA CORRESPONDENCIA NOCLEO DE ASSESSORAMENTO A PESQUISA AV. ANTONIO CARLOS,6627 - SALA 2051 - 22 ANDAR 31270 - BELO HORIZONTE - MINAS GERAIS - BRASIL PACULDADE bY LETRAS BIBLIOTECA Normas para publicacdo nos Cadeenos det do NAPq, Ap On trabaltion deverio ser cneaminhadas na tera final para publ icagio, de acordo ccm 0 modelo fornoeide pelo NAPG. fnan e 9 miximo de 60(xencenta) paginas ¢ deveran ser datiloqratades como tipo COUNRIER, em espace de 1,5, © melo). Termos ou ex- Vico. Presnées aublinhados deverio vir em i = Si titulos deverdo ser datitogratadon om caixa-baixa, om negrito, alinhados 4 marge ro ner alinhados com quatro toquen a partir da marg da, On paraqrafos deve- fe hal do trabalho ¢ deverio sequir an norman em vigor da apn. 4- An notan ¢ referéncias bibliaqrifican deve: 5- Fm pSgina ncparada deverio vir o Litule d enixa-alta, o nome do‘antnr, em caix: Reus dadoa curricularen em forma sucis trabalho, ea Dbaixa, sequido de a, On trabalhos, de inteira responsabilidade do autor, deve- rio ner enviados a0 NAPq, via d wpartamenton da FALE-UPMG, de acordo com on critérion de nelngio que julqar pertinen tea. 7- Deverao estar relacionados com az linhas de pesquisa de- Partamentais e/ou do curso de Par jMagio da FALE-UFKG. pupabt DB Lata FAC OTECA \ os lugares do sentido Hugo Mari PACULDADE DE LETRAS pvloL ~, BIBLIOTECA U.F.M.G. - BIBLIOTECA UNIVERSITARIA NALCO MAU 0 118789302 NAO DANIFIQUE ESTA ETIQUETA —=;—-=>- _Nimero 1 age Or 92 fm ts Julho - 1991 1. INTRODUCAO A analise da significac&o numa lingua © natural tem sido marcada por uma série de ‘controvérsias que vdo desde uma flutuacdo terminolégica e conceitual até a incerteza da definicdo de um dimensionamento preciso daquilo que deve ser a tarefa de uma Teoria Semantica. Um aspecto dessa flutuacdo pode ser veri ficado nas diversas formulacées que buscaram uma compreensdo dos fundamentos da significado. Lembre mos as relagées triadicas de Peirce (objeto, sinal, interpretante), de Frege (sentido/referéncia/repre- sentacgéo) e a relac&o dual proposta por Saussure * (Se/So). Na extensdo desses comentarios, néo deta- lharei aqui problemas relativos ao contraste de ca- da uma dessas abordagens com suas concorrentes _e nem mesmo o peso tedérico de cada uma. Interessa ape nas ressaltar o que a intervencdo de Saussure intro duz de especifico: a analise da constituicgéo e dé funcionamento de um signo no interior de uma lingua natural. Isso nao é extensivo aos outros autores, ainda que seus modelos tenham sido usados também na analise do sentido em sistemas naturais. ‘E evidente que todos esses esquemas pressupdem um sistema de organizacao dos elementos {seja 14 qual for - um sistema linglistico, ou um sistema semidtico) e os agentes que o fazem circular, que o materializam de alguma forma. 1 1 vactiyanz pz LeTRAS BIBLIOTECA Apesar de todas as diferengas que podem ser a Pontadas em cada formulacdo especifica, & importan- te também guardar os muitos pontos em comum que per Passaram todas essas formas de abordagem. Vejamos alguns desses pontos convergentes: a) A_fungao de representagao:+ Desde formas genéri- cas de definir o signo, como uma proposta por Santo Agostinho , de dizer que ele 6 “alguma coisa que est4 no lugar de outra", ou mesmo passando por sua mengo explicita em Frege, a representacdo como "experiéncias sensiveis da ordem do’ subjetivo", até uma formulacao instrumental como a de Saussure, on- de Se e So recortam faces distintas de uma mesma realidade, a questao da representacaéo se fez presen te. Ao signo, nao importa em que concep¢cdo ou forma to, sempre foi assinalado o carater de mediador: me diacgao com uma realidade que pode fundar, ou deno- tar, ou apenas nomear, mas sempre se colocando “no lugar de", "como se fosse...". Essa tem sido uma quest4o controvertida em alguns aspectos da sua dis cussdo mais recente. Assinalemos as investidas da Teoria Causal da Referéncia, tanto no que diz res- peito ads nomes préprios (Kripke), como as espécies naturais (Putnam) .? Est4 em jogo n2ssa Teoria 0 ca- (1) Essa funcdo de representacdo costuma ser chama~ da também de fun¢gio de denotar, sobretudo em textos da Teoria da Referénci<. (2) C£. DONNELLANN (1377), KRIPKE (1972), PUTNAM “(1975) , (1988) e@ SCHWARTZ (1977... rater nado necessario das categorias que se atribu- em a signos particulares como condicdo primeira pa ra denotar. b) A funcdo de significar: Numa dimensio nio to evidente quanto 4 primeira, podemos admitir 6 fato de que as abordagens mencionadas confluem num ou- tro ponto: a relacdo entre signos (ou de signo so- bre signo) é também geradora de significagéo, inde pendente ou simultaneamente 4 funcgdo primeira de vepresentar. Nao ha nesse aspecto uma forma muito ‘uni forme que permita a avaliagao dessa premissa no conjunto das abordagens citadas. Apenas no que diz . respeito a teorias mais recentes é que se pode ve- rificar esta particularidade com mais evidéncia, Por exemplo, naqueles em que o significado é de na tureza composicional. (Katz/Lako££) .? De toda for- ma, a alusdo de que uma semantica da frase tem co- mo ponto de partida uma semantica da palavra é lu-. gar comum na introdugao de qualquer abordagem . so- bre o sentido numa lingua natural. “Mesmo reconhecendo uma certa necessidade de aprofundar muito vagamente nos comentarios anterio res, julgamos que o mais importante, no momento, é fazer avancar a discuss&o do ‘sentida naquela dire Gao que tem representado um desafio maior, isto 6, falar da sua produgao em contexto$ historicamente (3) C£. KATZ(1977), (1979) e LAKOFF (1978). . 3 determinados. Assim, para tratar a quest&o do sen- tido, numa dimens&o que dé conta das diversas modu lagées de significacdo a que a prdtica de lingua- gem remete e ndo apenas insistir no rastreamento de suas unidades formais ou na "colagem" de determi- nantes histéricas a certas tipologias de discurso, suponho que seja necessario percorrer os caminhos que se abrem com a seguinte questdo: De onde vem o sentido? 2. TRES DIMENSOES DO SENTIDO Se percorrermos a reflexado recente naquilo que se tem produzido de mais relevante sobre o sen tido, seja numa andlise tedrica da sua configura- ¢ao, seja numa orientacao pragmatica.de suas "fina lidades", vamos deparar com intervengédes bastan- te distintas que, para efeito de analise, podemos reunir nas trés direcgé2s seguintes: 2.1. - O SENTIDO VEM DO SISTEMA Influenciada ¢: um lado pelas possibilidades de arranjo estrut.al e de calculo que alguns sis- temas légicos téy proposto, da mesma forma que in- centivada pelos avangos alcancados com a sintaxe , a questao do seitido passou a ser vista, em alguns momentos, come mera extensao desses dois planos anteriores. Er o.tras palavras, dados sistemas for mais capazes ¢e lidar com qunatificacgdo, tempo, de 4 terminacéo, etc. e em funcdo das possibilidades de formalizacgéo sintatica de estruturas frasais, 0 sen tido (ou a interpretacdo semantica) passa a ser questao"menor".derivada sob a forma de "outputs dessas duas instancias. A maior parte das teori semanticas recentes, bem ou mal, alimentaram Principio, e o sentido passou a ter apenas essa di- mensao formal, secundaria e nao se pode esquecer fato de que o sucesso relativo alcangado com ce tipo de abordagem, em épocas recentes, sustentou a idéia de que ele seria a dnica forma de operar com © sentido. Categorias como postulados de sentido, , pressuposicéo, implicacdo, andfora, topicalizacao ; ete. Passaram a ser recrutadas na incumbéncia de comporem a forma ldgica de uma frase, estagio for- mal (final) da discusséo do sentido. Mas as posicdes nunca foram assim téo lineares e consensuais {isso seria simplificar). Basta avaliar o teor das contro vérsias e 0 espaco por elas ocupado nesse momento : a interpretacdo semantica deve comegar na estrutura Profunda ou na superficial? Qual.o papel de cada es trutura na interpretacao semantica? A légica classi ca d& conta da descricdo do sentido de uma Lingua Natural? Que modalizadores, além daqueles 34 intro- duzidos numa légica modal nao-stardard, s&o necessa xios para a descrigao do sentido? 0 sentido é de na tureza composicional? Os signos para espécies natu rais comportam definicdes analiticas? VACULDADE DE LETRAS Amplitude dessas questdes e a forma decisiva com que foram tratadas em alguns momentos possibi- litaram imprimir:‘na discussdo sobre o sentido um nivel de exigéncia (e transparéncia) que propiciou a fixacgao de um grupo: de categorias e a sua_ forma da articulacao como necessaéria 4 compreensdo dos fendmenos de sentido. Tal esforco de analise am- pliou o nimero de fendmenos em avaliacao (pratica- mente se fez andlise semantica de grande parte dos fatos sintaticos estudados na época), o que repre- sentou um avanco significativo na compreensdo e no alcance de uma Teoria Semantica. Mas essa devocao objetivista nao foi capaz de avaliar cortes exces- sivos que eram operados e acabou por estreitar de- mais a concepgdo de sentido numa lingua, isto é , fez dele o produto apenas de certas propriedades légicas disponiveis no aparatus formal utilizado na andlise. Assim, o sentido era processado de mo- do um tanto determinista: 0 que esta no conjunto das regras (organizagao funcional da frase + arran jo estrutural de unidades léxiras, elementos pre- viamente definidos) esta no produto final. Quando menciono que uma eoncepcdo determinis- ta do processamento do sentidc tende a estreitar o universo de compreensdo (ou @.s possibilidades de compreensdo), nao estou langardo restricdes sobre a@ natureza dos algoritmos qu: foram propostos para © seu cAlculo. Como maquinas légicas, deles s6 po- 6 demos esperar que tenham essa natureza. Mas nao, é somente.face ao dispositivo de cAlculo, uma feigdd um tanto exterior (metalingilistica) que a questdo de determinismo deve ser avaliada: interessa-nos indagar sobre o poder de mobilidade dos usuarios Nas suas relacdes com o sistema. E nesse aspecto, o sistema é ainda mais enfético na sua determina- ¢&o: um usuario se constitui como tal no interior do sistema. Por acaso existiria algum usuario isen to dessa determinacéo? A formulacdo mais contunden ‘te da quest&o & a nocdo de falante/ouvinte ideal: este € do tamanho do sistema, nem uma aresta a mais (uma hipdtese por absurdo), nem a menos. En- , t&o, o sistema, seja numa forma abstrata, seja co- mo um acontecimento, é sempre a Lei, esta acima do ‘desejo dos falantes: A lingua assume aqui uma di- mensdo de lugar: lugar onde se articula o sentido. Essa eu penso ser uma forma de relatar uma. parte da hist6ria da semantica moderna naquilo: que ela apresenta em termos de postura filoséfica. Nao resisto, todavia, ao fascinio de contrastar essa formulacao, que assegura um sentido monolitico,com a intuicdo que témos de uma certa diversificacgao (e até fluidez) dos discursos sociais. Enfim, nao gostaria de ceder completamente a esse modo de ope var o sentido. . 2.2 - O SENTIDO VEM DO SUJEITO Uma dimensdo imediatista e operacional,a ques tao do sentido também tem sido vista como alguma coisa que surge da situacdes de intercémbio entre os homens. Aqui o parametro basico da afericgao sao Os objetivos finalistas buscados numa eficacia co- municativa. 0 sujeito, na dimenséo de emissor, de falante, conjuga com o seu discurso um cero numero de intencgSes comunicativas que procuram saturar 0 nivel de redundancia da mensagem, a fim de permi tir, da parte de outro sujeito, na qualidade de re cebedor, de ouvinte, a compreensaéo global da men- sagem. O sujeito, nos termos aqui entendido, tor- Na-se o centro de todo o processo de produgéo do sentido: é ele que decide sobre os arranjos do cé- digo, seleciona o.canal, alimenta redundancias, fil tra ruidos. ; A preocupacgao mais impoytante desse enfoque foi traduzir a linguagem nura perspectiva instru- mental, onde o sentido, a iiformac&o ali veiculada est a servico de objetivo.-imediatos na interagao entre os falantes capaz 22 os induzir, de lhes im- por comportamentos, ativides, agdes... No ambito dessa co‘cepc&o incluiria, marcan- do diferencas relevante., um conjunto muito exten- so de abordagens que os::ilaram no peso atribuido ao proprio sistema, mas que registraram, unanime- 3 mente, sua intervencao no Problema por um apelo,ao papel do sujeito. Podemos listar aqui os comunicé- logos da era macLuhan que procediam a uma andlise minuciosa dos componentes.do processo de comunica ¢ao inserindo redundancias, diminuindo ruidos-e es colhendo canal e cédigo, como forma de garantir a eficacia do processo. Numa outra Perspectiva, in- cluem-se nesse dominio versdes sobre a teoria dos atos de fala’, responsaveis por recuperar, em al- guns momentos, uma visao empirista de um sujeito Portador de propésitos intencionais (cf. condicdes Preparatérias); e As vezes, em contraste com uma densidade dialégica da linguagem construida em ca- “da situacao discursiva, acabam por idvalizar um certo pacto de circulagdo do sentido. Por Gltimo, inclui-se parte da andlise sobre as funcdes da linguagem, como Preocupacao basica de definir uma tipologia de formagdes discursivas- a partir de dois pontos fundamentais: a recorrén- cia e o arranjo estrutural de unidades/fatos lin- gtiisticos, atrelados a intencgdes’e a convencées de comunicagdo. Penso que essa abordagem situa a ques, t&o do sujeito num nivel diferente do anterior, pois aponta sobretudo para um-arranjo do cédigo. (4) Refiro-me aqui 4 vers&o classica da Teoria dos Atos de Fala (Cf. AUSTIN(1962) e SEARLE (1984). Abordagens mais recentes dos Atos, como tém si do propostas por VANDERVEKEN(1983) e (1985) ,ul trapassam essa formulacao em grande parte. 9 £& dificil arrolar todo esse conjunto de abor- dagens numa avaliacdo global, tal foi o niimero de quest6es especificas analisadas a partir de cada situacdo, mas uma questao é comum a todas: a recu- peracdo do sujeito como necessério a uma composi Gao tedrica dos conceitos. E ao fazé-lo, elas aca- bam por se tornarem vulneraveis a todo o tipo de compromisso que uma alusdo a essa categoria impli ca na nossa tradicdo académica. As implicagdes des ses compromissos nado sdo atenuadas pela suposigdo de que a introdugao do sujeito, por si sé, 6 uma forma de confrontar o carater determinista do sis tema, visto na secdo anterior, mesmo porque algu Mas dessas versées (veja-se, p. e., a Teoria dos Atos de Fala, na sua forma original) apenas trocam © roupagem do determinismo: se no primeiro momen- to o conjunto das regras do sistema &€ que mantinha essa caracteristica, agora é o conjunto das conven gdes, dos rituais comunicativos que vai determinar a interpretagdo. Aqui é importante ressaltar que nenhuma das trés categoria; constitui um exemplo de Teoria Semantica, mas ‘*. evidente que todas tra~ taram.de quest6es sobre » sentido, o que é sufici- ente para inclui-las nuia dimens&o mais abrangente de Semantica. 5 Seguramente, deveros manter acesa uma certa expectativa da recupera740 do sujeito numa teoria do sentido, porque, por certo, ha argumentos que 10 : sustentam essa hipétese com base numa série de pro priedades de sentido que extrapolam 0 cAlculo pro- posicional e/ou dos predicados. A questdo paranés, ent&o, é saber o que fazer para isolar esses "com- promissos" largamente sedimentados, enfim, de assu mi-lo a partir de uma caracterizacéo gue o torne Necessério como um "dispositivo suplementar de cal culo". Nesta direc&o, o sujeito sé pode ser avalia do a partir de uma primeira ordem de determinagado, © sistema, o que faz dele uma prerrogativa de lin guagem. Entéo, se no final da secdo anterior, su- punha a linguagem como um lugar e insistia na sua expansdo para admitir a inscricao do desejo, aqui penso que podemos melhor assentar esse problema. , admitindo a "materializac%o" do desejo sob a forma do sujeito, o que sera desenvolvida mais adiante. 2.3. O SENTIDO' VEM DA HISTORIA? ‘o conjunto dos.enfoques que pode receber a de nominagSo de uma andlise social do sentido também deriva por caminhos bastante diversos. As andlises diacrénicas do sentido, onde se busca uma explica- ¢&o da evoluc&o (mudanga) do sentido com base em determinantes (as vezes um tanto vagas) de nature- za hist6rica (sociais, culturais, politicas, econd, micas), cobrem aquilo que seria entendido como par te dessa visdo. Numa outra dimensdo, podemos lem- : i 11 brar os trabalhos de Trier que tentou analisar a organizagao e a distribuicado, num campo lexical , do conjunto das palavras que expressavam ramifica- ¢6es da nogao de saber, com base nas oscilacdes globais sobre a questao do conhecimento que mar- cou, na Alemanha, a passagem do século XI para o ‘século XII. Mais recentemente, ensaios sobre a analise do Discurso, na sua versdo francesa, ampliaram a ques to com uma tonalidade um tanto distinta, que pode ser sintetizada numa indagacdo basica: qual 0 pa- pel das condicédes de producdo "lato sensu" na pro- ducdo do sentido? Em outras palavras, o que tem de histérico uma Teoria da Producgdo do Sentido?, Uma analise dessa questao implica o pressuposto de que existe um compromisso entre o social e o lingtlisti co, de forma organica, constitutiva e tem,como fuh co, demonstrar como esse compromisso se materiali za nas praticas de linguagem. Essa forma de conce- ber o problema ainda & diagnosticado em termos de proposicées muito abrangentes e tem, por isso mes mo, progredido muito pouco, ou, as vezes, recebido um tratamento reducionista que se contenta em cri ar uma certa covariacdo entre fato sociais e fa- tos lingisticos. e (5) Somente depois de ter redigidc essa formulacgao & que comecou, aqui entre nés, a circular a quest4o do fim da Histéria. Nav creio que ° teor incipiente da discussdo p»ssa alterar 0 raciocinio aqui desenvolvido. ‘ Se vamos assumir, como essa hipdtese prevé , que o sentido é produzido a partir de condigdes historicamente determinadas, precisamos especifi - car, com maior clareza, como é que essa determina~ ¢&o de fato se da na globalidade dos discursos ciais que conhecemos. O primeiro passo ayui é assu mir, na esteira dessa hipétese, que nenhum discur- so & necessariamente individual: haverd para qual quer pratica de linguagem marcas que prevém de re- presentacg6es disseminadas pelo coletivo-sovial;mas © discurso néo é também essencialmente univeral:ha vera nele tracos que o caracterizam como produto de condicgdes bem especificas e localizadas. 0 sen- tido, assim concebido, em outras palavras, se mos- tra como resultado de configuracdes atreladas a uma formagdo social especifica (por exemplu, pode- Mos tomar os movimentos de organizacéo sacial (gru pos/classes) como um aspecto de uma Formacgao So- cial dominante hoje no pais. - O que conhecemds como discurso sindicalista , hoje, assinala uma posicao de classe bastante evi- dente sobre a relacdo capital-trabalho. O paterna- lismo estatal/privatista foi substituido por um conflito aberto entre sindicalistas, empresarios e governo, decorrente de condicdes materiais e poli- ticas determinadas. Mas nao ha universalisino, nem consenso, quando consideramos o total das falas des i i 13 ses agentes. Logo, sea diferencga é o que conta na Mesa de negociacaéo (cada parte tem o seu indice de corre¢do/ajuste, sua posicéo sobre questdes micro e@ macro-politicas, etc.) é@ ela que concorre para desfazer o universal, assegurando até mesmo diver- géncias no interior de uma classe (ou um segmento de). Se esse arranjo, em bases ainda provisérias , tem repercussdo na natureza dos discursos, isso se d& de um modo um tanto global, ja que apenas apon- -taria para uma determinagdo que regula a flutuacdo entre o universal e o individual. - Entretanto, diferengas se configuram por ra- zdes ainda mais localizadas; resultam de valores situados no interior de uma formagao ideolégica:is to &, do conjunto de forgas politicas que se con- frontam (ou se anulam) numa dada conjuntura. Pro- jetando esse conceito sobre a linguagem, podemos dizer que uma Formacdo Ideolégica se define por um conjunto de formacdes discursivas - digamos assim, um conjunto de principios, de valores que regulam os discursos cabiveis, aceitaveis ou desejaveis nu ma dada posig&o de classe e em funzéo de algum objeto’ especifico. Assim, se 0 comportamento dizcursivo de gran- de parte do movimento sindical brisileiro decorre de uma formagao discursiva qué imp..ica valores co- mo “estamos preparados para o conf -onto", © sabemos 14 que ha faccdes desse movimento que pautam sua con- duta por parametros distintos, que a abrigam ainda a dependéncia e a tutela. Por isso, no discurso de uns, a tentativa de pacto.social é aceitadvel, mas nfo o 6 no de outros. Mas essa diferenga pode cx em alguns momentos (é, por exemplo, quando a idéia de uma greve geral comeca a caber om ambos os dis- cursos). Essa-marca relativamente consensual (uma greve geral) acaba se dissipando, na medida em que passa, na hora de operar objetivamente, a conviver com novas diferencas: "greve geral que para a pro dugdo", "greve geral que possibilita acordos".® Essa maneira de lidar com uma determinacdo da determinacado (o processo de produgéo determina cer tas expectativas de valores, que determinam os dis cursos) foi tratada de um modo mais elegante por Eliseo verén’, quando formula a hipétese de uma Gram&tica de Produg&o dos discursos sociais (e cor respondentemente uma Gramatica de Reconhecimento) . Dizemos que elas, como reguladoras dos processos discursivos, se fundam em condicdes materiais espe cificas © em fungao de posigdes de classe bem de- (6) Na greve geral, em abril de 1989, os meios de comunicagdo estamparam a diferenga de comportamento dos lideres das principais cen- trais de sindicatos: enquanto a CGT era mostra da, fazendo contratos com patrées, a CUT era mostrada, fazendo contas da paralisagao. (7) VERON (1980) : 15 PACULDAD DE LETRAS BIBLIOTECA terminadas. Elas, entdo, correspondem a dispositi- (vos de engendramento de sentidos e contém especifi cagdes sobre aquilo que pode e deve ser dito (ou reconhecido). Essas gramaticas teriam como fungao englobar, numa dGnica dimensdo de produgéo (ou de reconhecimento), o conjunto das determinacées his- téricas que "pesam" ‘sobre o sentido. Apesar da “elegancia" mencionada, a proposta do autor tem si do muito pouco explorada e o seu real alcance, em termos de andlise social do sentido, ainda esta pa ra ser dimensionado, seja como quadro tedrico, se- ja na sua feic&o operacional. As trés abordagens desta secdo permitem ava- liar a maneira pela qual a questéo do sentido tem sido tratada. Viu-se, através de cada um desses mo mentos, que o sentido é produto de determinacao,ou & fruto de acdes voluntaérias. Uma versdo atual de uma Teoria do Sentido tera de enfrentar problemas dessa natureza. Nao se pode recusar o determinismo em favor de um voluntarismo ingénuo, e nem refutar © voluntarismo em nome de um determinismo que tudo pode. Talvez aqui se situa uma especificidade da linguagem: possibilitar a emergéncia do desejo fa- ce o determinismo. A grande questao que se coloca para uma Teoria do Sentido sera avaliar a viabili- dade de integrac&o de dois niveis de determinacao com alguma dimensao do acaso, do imprevisto. 16 Em conclusdo, penso ser este um percurso so bre a questdo do sentido que compensa ser trilhada Aqui a percepcao, o ajuste dos conceitos ainda 6 nebuloso. 0 desafio 6 de-dupla natureza: ha que se avancgar teoricamente no intuito de apurar os con- ceitos e de articuld-los mais adequadamente; ha que se caminhar também numa avaliacaéo empirica mais particular, para fugir de formulacdes ainda muito generalizadas. 0 desafio é, de fato, muito grande, mas suponho ser hoje, depois de tudo que ja se fa- lou sobre o sentido e, sobretudo, por tudo aquilo , que se fala agora, uma diregdo irrecusavel. 17 PARTE II - 0 Sujeito Na seg&o anterior, comentei algumas questdes relativas 4 producdo do sentido, marcando trés lu gares privilegiados dessa producdo: o sistema, o sujeito e a histéria. Aqui gostaria de dar um des taque maior ao lugar de inscrigdo do sujeito, con siderando os seus momentos de intersecdéo com ou- tros lugares. Assim, no tratamento até aqui esbocado, cada um desses lugares foi visto de modo um tanto iso- lado, o-que pode alimentar a ilusdo de independén cia de uma instancia de produgdo em relacdo as ou tras. 0 objetivo inicial foi enfocar um certo ti- po de vis&o corrente sobre as questdes de senti- do e tem, portanto, um caréter mais de recenséo , de resumo do que de organicidade dos processos de producao do sentido. Relatei apenas como a ques - tdo foi freqtlentemente tratada, isolando componen tes, privilegiando lugares. Penso nao ser essa uma forma muito apropriada de fazer avangar a questao, ja que esses lugares se imbricam, se misturam em grande parte dos fatos que rotulamos como pratica de linguagem. Pretendo, entdo, uma abordagem de questées relativas ao sujeito, sem, porém, deixar de lado problemas que se cruzam pe- los caminhos a serem percorridos, 18 1, Para uma delimitacaéo do sujeito Falar do sujeito, comecgando por uma tentati va de conceitud-lo, pode parecer uma tarefa bastan- te 6bvia e desnecessdria, pela disseminac&o do seu uso em campos os mais diversos. Fala-se em sujeito num contexto global (sujeito transcendental, sujei to da ciéncia) versus um contexto localizado (su- jeito da matemdtica, sujeito do-inconsciente). Fa- la-se do sujeito em enfoques especificos de lingua gem (sujeito gramatical, sujeito psicolédgico, su- jeito do enunciado, sujeito da enunciacgao). Fala- se também daqueles termos que lhe fazem concorrén- cia, como falante/ouvinte, emissor/recebedor, locu tor/alocutario. Enfim, essa plurivaléncia de usos e sentidos resulta em embracos intransponiveis e acaba por tornar sua tarefa de conceituacfo como necessaria, na extensdo do trabalho aqui ‘proposto. Embora esteja convencido da necessidade de.uma for mulacao mais precisa dessa categoria, é bom lei ‘ brar que tem havido propostas para contornar os in convenientes de seu uso, como se fez recentemente em alguns contextos§, ao tentar substitui-la pela nocdo de recorte. Penso que ainda é muito pouco tentar contornar as dificuldades da categoria pela troca do seu nome, impressao que me ficou dessa a- bordagem. Por outro lado, se optassemos por uma di (8) C£. GUIMARAES (1987), p. ll e ss. 19 recaéo similar e fizéssemos coincidir a categoria com a nogdo quase fisicalista de falante/ouvinte , estariamos “progredindo" muito pouco, porque segu- ramente nos fechariamos nas malhas do sistema, si- tuagao sem retorno delineada por Chomsky na formu- lagdo de falante/ouvinte ideal. Se, de outro lado, ficdssemos com a nocdo de emissor/recebedor, isso acabaria nos complicando também, ji que uma certa autonomia que costuma ser atribuida a essas catego rias resultaria em nos fazer tropecar na histéria. Entaéo, ao acionar a categoria sujeito?, acionamos também tudo aquilo que se acha nela incrustado pe- la tradic&éo académica, a menos que delimitamos uma forma conceitual de operar. A partir dessas observacées, podemos pensar a gora a nocdo de sujeito como uma tensdo entre usud rios e o sistema a qual nao se traduz por uma absoluta confrorta¢&o com o determinismo (isso se- ria projetar-se para fora da linguagem) nem por uma submissdo :bsoluta a ele (isso seria a anula - ¢40 do sujeitc em favor do sistema). Aqui o sujei- to se deline‘a, entaéo, como uma prerrogativa de linguagem, o que garante, em decorréncia, a sua Presenca em qualquer forma discursiva. Assim, nao (9) A preferé:cia terminoldgica por sujeito se de- ve 4 sua tradic&éo em areas diversas do conheci, mento. 20 ha discurso sem sujeito: ainda que algumas formas de articular certos saberes possam colocar em questao essa categoria, os argumentos nao se sus- tentam quando. © conhecimento se traduz sob forma de discurso. Colocada nestes termos, a hipdtese do sujeito como lugar de producdo do sentido faz, portanto, ressaltar dois pontos importantes: (a) © sujeito como tensao entre usuarios e o sistema e (b) © sujeito como prerrogativa de linguagem . Passemos a uma discussdo mais demorada do cruza- mento desses dois pontos. : Esta ultima suposigao sobre 0 sujeito s6 ga- nha estatuto se conseguirmos estreitar a relacdo entre usuarios e sistema e a maneira pela gual aqueles se inscrevem neste. Benveniste!® assina - lou o que seriam alguns desses lugares de entrada do usuério no sistema. Para ele, os registros do sujeito ja esto assegurados pelo uso de certas expresses déiticas, por marcas de flexado “tempo 7 ral, pela relacdo dialética entre eu/tu no dis- curso. $6 nesses lugares 0 usuario se apropria da linguagem (ou do sentido que-se produz), consti- tuindo-se num sujeito. Benveniste fala assim da apropriacao do sis- tema pelo usuario, ou melhor, de lugares onde 9 (10) BENVENISTE (1976) 21 sistema faculta sua entrada. Este & sem divida um aspecto da quest4o, mas o texto do autor acaba nos deixando a ‘impressdo de uma convivéncia sem conflitos entre o sujeito e o sistema, j4 que es- te garante o lugar, e a forma de instituicZo da- quele. Ndo acho que isso seja suficiente, pois certamente nao cobriria as questées de sentido que vado além de um certo calculo de significado . Nem acho, em conseqléncia, que essa relacao entre sistema e usuario, no que diz respeito 4 producdo do sentido, se dé de forma tao linear. Se assim © fosse, o que tornaria possivel a metafora, a me tonimia, a pclissemia, a conotacdo em termos de sua origem? Entao, nessa relacdo necessaria entre © usudrio e a linguagem, a constituigado do sujei to acaba por ser decorréncia de um conflito que se instala entre a cadeia significante e os signi ficados: mas o que institui o sujeito é sua ins- cricgdo 1.a cadeia significante (assim suponho que Benven: ste tenha se expressado). 0 fato de que um Signo, num instante seguinte, poder converter-se num oi tro Se que se compora com Ses para formar uma catra cadeia, sé pode ser atribuido ao sujei- to qie ‘passeia" pelo sistema, ligando e desligan do Ses. &qui talvez se possa situar melhor a ques t&o da «riatividade lingtlistica, como esse consti _tuir in-inito de "novas" cadeias significantes : : 22 assim, as informagdes lexicais basicas (1° estagio da cadeia), sao primordiais na construcdo de uma metdfora (20 estagio da cadeia) que por sua vez po de se constituir como parte de uma outra cadeia de Ses, num estégio ulterior de interpretacdo. Toda- via, néo ha gratuidade nesse ato de fazer prolife- rar cadeias de Ses: © significado nao permanece a- lheio a essa intervencdo; em cada estA4gio buscamos efeitos de sentido muito precisos. E aqui, se va- mos falar do predominio do Se sobre o So, pensamos nesse desencadear permanente que pode ser operado sobre a matéria significante e 6 evidente, pois , que uma avaliacdo analitica (aquela que visa aos Processos de produc¢do do sentido) vai privilegiar _ a dimensao, os arranjos do Se, enquanto que inte resses pragmaticos (aqueles que visam aos efeitos de sentido) acabam por destacar o significado. Nes se particular, o sujeito tem, entdo, a linguagem como_condig&o (primeiro desdobramento da nogdo de. prerrogativa), no sentido em que ele se constréi nas malhas do sistema. E aqui o que aponto como tensio tem um caréter duplo, pois, constituir-se como sujeito é ser capaz, ao mesmo tempo, de repro duzir o sistema (nio é assim que se "aprende" uma lingua? e nao estaria aqui o "nascimento" do sujei to?), como também ser capaz de se confrontar com o sistema. Para mim, tanto a dimensdo de reproducdo 23 quanto a de confrontacgdo séo de dominio de qual- quer falante. : Um outro aspecto da dimenséo do Sujeito como prerrogativa de linguagem é o fato de ele se cons tituir como uma condicao para linguagem, ou seja, © sujeito também tem participagao na construc&o do sentido, reproduzindo o sistema ou confrontan do-se com ele. Esse momento ativo do sujeito pre- cisa ser, de alguma forma, preservado, embora nao possa implicar autonomia em relacdo ao sistema e & histéria. Ja vimos, na condigdo anterior, que aquela era uma primeira ordem de sua determinagao e ela & tao necessaria que & através dela que 0 sujeito comeca a se configurar. Mas voltando a es $a nova condicado, o que a faz diferente da primei ra? Quanto 4 linyuagem como condicdo, assinalamos que se tratava ja’ sua instituicao, isto é, a lin guagem é meio para sua “existéncia". Quando apon- to esse outro asjecto (condicdo para linguagem) es tou mais apropriadamente falando da construgéo do sentido. Aqui :.3sumo 0 sentido como uma possibili dade de interr.:diacdo entre o sujeito de.um lado e 0 objeto (a realidade) do outro; essa intermedi acgao material.za-se na linguagem, seu lugar de ar ticulacdoll /@ sentido & intermediagaéo, conte- Sees eee (11) Se ja era complicado refletir sobre a nocdo de suje.to, mais complicado fica introduzir a nocdo de objeto. Em termos de linguagem , isso sé é compreensivel. numa dimensdo ain- da funéamen.alista e nada (ou pouco) se re- ria ele marcas mais profundas de um dos polos {su- jeito/objeto) que © sustenta? Sabemos que ele deva conter "“tragos do objeto" que ele representa (is- to por uma questo de economia ) ? ! , mas sabemos que nele também encontramos vestigios do sujeito.a maior evidéncia desse vestigio é o fato de que se pode dispensar o peso da preexisténcia da realida- de (dos objetos) e ficar apenas com aquilo que sd0_ Pressuposicdes (do sujeito) sobre um certo mundo que se configura como possivel; o sentido passa aqui a construir uma realidade que, ainda que nao se preste a uma verificacfo fatual, pode ser analo gica e alguma admissivel. Se 0 raciocinio acima 6 correto, nao podemos mais admitir apenas uma dimen s4o especular para o sentido, ou seja, aquela que © marca como reflexo das propriedades, das caracte risticas de um objeto. Ao contrario, é preciso as- segurar uma dimensdo produtiva, organica, pois sé ela seria capaz de contemplar as marcas do sujeita indice de sua confrontacao com o sistema. Enfim, se o sentido nao fosse dessa natureza, ° ‘que seria da. literatura (ou pelo menos de formas possiveis de literatura) ?!Estariamos condenados e- ternamente a ouvir o mesmo discurso (nao que isso néo seja fato em certas circunstancias .sociais)! Uma realidade sd poderia ser concebida diferente , se ela realmente o fosse (isto é, diferente no con traste com alguma outra conhecida)! Entdo, tor- na-se evidente a necessidade de se buscar outros caminhos para parametrar melhor a relacdo. Em qual quer direcdo, teremos sempre uma dimensdo especu- lar e isso nao é suficiente. Enfim, concluo que , como condicdo para linguagem, a linguagem preser- va uma ‘dimensio que nado é a de mera reproducdo(ou reflexo) do sentido’e é nessa dimensdo também que o sujeito se faz. © terceiro desdobramento da idéia de sujeito como prerrogativa de linguagem pode ser expresso no fato de que o sujeito é também uma condicdo na linguagem. Nessa dimensdo, atribuo 4 linguagem a fungdo de figurar como uma instancia (naturalmen- te existem outras!) onde a determinac&o histérica se materializa na forma de praticas discursivas especificas. A linguagem incorpora, entao, aquilo que lhe é exterior, sob formas discursivas, @ a. condicgdo para a constituicdo do sujeito é a de a- ceitar a forma de funcionamento desses estratos discursivos. Assim, se nas duas condicdes acima, tentei relacionar'a ‘déia de prerrogativa com a de cons truco do suyeito (1@ condic&o) e de construcg&o do sentido \2a condigao), lembrando que nenhuma delas é exclusiva, agora penso que essa terceira condigao reflete mais 4s possibilidades de emer - géncia d> sujeito (que também & uma condigdo que nZo fun:iona isoladamente). Nao ha emergéncia do sujeite fora de condigdes histéricas especificas 26 © que torna possivel & uma conjuntura ideolégica singular (certas propriedades de producdo, da rela ¢ao capital/trabalho, da organizacéo social e cul- tural etc.) que vai determinar o que pode e 0: que deve ser dito. Como condigdo na linguagem 0 -sujei- to flutua assim entre compromissos aléticos (o po- der dizer) e compromissos dednticos (dever dizer) e @ nessa flutuac3o e pela prépria opacidade dos limites desses compromissos que se eStabelece a ten s&o que mais uma vez marca o sujeito. Assim, num discurso politico restrito, no discurso da. cién- cia, a tensdo nao estaria precisamente situada nu- ma indecisao entre o alético e o dedntico? Seria sem danos, em qualquer discurso, a troca do possi- vel pelo obrigatério, do impossivel pelo proibido, por exemplo? De toda forma, o nivel de tens&o aqui gerado no constitui uma forma de investimento in- dividualizada, o processo obedece a parametros mais ou menos gerais: num discurso politico, a troca en tre o alético e'o de6ntico pode decorrer de um es- quema ret6rico geral apropriado a certas circuns - tancias e no a outras. Entendo aqui a _ linguagem como portadora de propriedades que possibilitam a acgdo dessa determinacdo (ou de uma forma de bur 14-la). 0 que pode ser codificado “ historicamente em func&o de uma conjuntura politica pode ser codi ficado também em termos de sentido que vai circu lar numa sociedade. A linguagem, entdo, torna-se 27 ie nao sé meio de circulacdo de um sentido que carre- ga suas marcas histéricas, como ainda lugar onde esse sentido se cristaliza: uma metafora criada a partir de circunstancias histéricas especificas po de se cristalizar na lingua e seu uso recorrente j4 no lembra mais as condicgdes determinadas em “que foi elaborada (nao temos memoria, provavelmen- te, das condicgdes hist6ricas em que foram criadas a maioria das metaforas, das, metonimias e {caracte res que usamos com freqiiéncia. Em contrapartida,to da a rede de significagdes que foi desencadeada pe lo autoritarismo politico no Brasil, via palavra pacote, ainda se faz presente na nossa memoria;mas nao sabemos até quando isso perdurara. Retomaido a questao central, estou consideran do que mes'io a repeticao reiterada de certos blo- cos de seatido fossilizados ndo representa um ‘ en- trave, como 4 primeira vista possa parecer, 4 emer géncia do sujeito: trata-se de uma ordem de fato- res ‘nde o que esta em questdo é a necessidade so- cia. de se naturalizar o uso desses blocos. No ca- se presente, a condicdo na linguagem para a consti tiig&o do sujeito compreende acatar a forma de fun zionamento de uma metdfora, de um provérbio (por exemplo) com todos os esteredtipos que neles vém impressos (a nado ser que pretendamos deles um uso retalingtiistico). Embora certas produgdes de lin- 28 guagem sugiram a impressdo de uma auséncia de .ten- sio entre o usuario eo sistema, a questdo do su- jeito continua prevalente ja que aqui se trata di sua emergéncia, isto é,.de uma condicdo de entra- da do usuario num conjunto de formacées discursi - vas j4 concretizadas em clichés, em praticas dis- cursivas especificas. Ao concluir esta secao, ressalto aqui um cer- to desconforto que pode ter surgido em decorréncii de apontar, paradoxalmente, o sujeito como decor- réncia simultdnea de um determinismo (lingtiistico, histérico), de uma necessidade de rompimento com ¢ determinismo. Nao vejo dificuldade maior nessé quest&o: o fato de ter registrado o sujeito nesse encruzilhada decorre, muito mais, das condicdes contraditérias que regem as nossas praticas de lir guagem: o mesmo discurso que revelz, esconde o mes: mo que aglutina,desagrega; 0 mesmo que esclarece -, aliena... Assim é a linguagem humana, e diferente nao pode ser o sujeito que nela se engendra. 29 FACULDADE DE LETRAS _ BIBLIOTECA , PARTE III - Para uma avaliacdo empirica do sujeito Na seco anterior, tentei avaliar a questao do sujeito de um ponto de vista estritamente ted- rico, procurando apenas dimensionar uma forma pos- sivel de sua constituicao na linguagem. Se o avan- ¢o pretendido agora, implica uma compreenséo empiri ca dessa constituicdéo, precisamos admi __alguma de suporte da manifestagdo ~Sujeita, Digamos que esse _§ de_um ‘lado, coisa que sir ob a forma de um usuario (nos termos de Benveniste, pelo contraste entre EU/Tu), catego Xia indispensdvel a uma pratica de linguagem, .e que se materializa, por outro, na forma de signifi cantes associados, substancia necesséria 4 circula -¢30, de s idos., A partir dessa suposicado, pergun- ta-se de que modo o sujeito (na dimens&o de supor- te mencionada) se vale da linguagem, ou nela se instala? Essa indagacgdo ja concorre, de inicio, para uma situagdo conflitante: (a) ela incita um card - ter ativo para o usudrio-suporte de tal maneira a admitir yue ele se valha dos significantes (vu de uma cert.a feicao da cadeia de significantes) para instaler uma tensa; (b) ela projeta um car&‘er pas sivo, je forma ta’. a supor a auséncia de qui:lquer intenr.ionalidade dos usudrios, motivadora de algu- | ma tensdo. Aqui, mais do que discutir essa dupla : dite;4o, imports indagar sobre a necessidad: de se an introduzir a nogdo de suporte Para uma andlise do sujeito. Penso ser importante esse artificio (Ce nfo acho que ele possa significar uma “recaida" na argumentacao anterior) pela razio seguinte: a in- troducdo da categoria sujeito na Teoria do Sentido torna-se relevante pelo fato de que as tehtativas que levaram a conceber o sentido como produto de propriedades lexicais associadas a funcgdes gramati cais mostraram-se insuficientes para dar conta de alguns de seus aspectos. Assim, o cdlculo senten - } cial e o calculo dos predicados so capazes de co- brir certas dimensdes de significado, mas nao de xesponderem por uma dimensdo integrada do sentido. Ent&o, a quest&o do sujeito numa Teoria do Sentido esta atrelada, no meu entender, a dobras da signi- ficagéo que permanecem inatingidas pelos procedi - mentos de calculo habituais. : . A nogao de dobra ndo enseja aqui criar tipolo gias de sentido que sejam mais ou menos afetas a questdo do sujeito; ja assinalamos o universalismo da relac&o do sujeito com a linguagem. Vamos supor uma frase trivial como "o cio comeu a racdo": ° sentido consensual (o seu oposto é sempre uma hipé tese) comporta uma descricéo com base num cAlculo que leva em conta propriedades lexicais dos seus componentes (0,c&o, a,racao, comer) e as relacées gramaticais (O/cado, céo/comer, a/racdo, comer/ ragdo) isto é, “que existe num tempo x anterior ao 2 > Pee New DEE tempo y, o tempo presente, um tal animal canino que procede a uma acdo de triturar/engolir pela atividade instrumental de sua boca e que esta agao se dirige a um alvo, um objeto/artefato que contém caracteristicas alimentares pela presenca de pro teinas, sais... 012 £ evidente, pelo que ja vimos, “que mesmo essa leitura nao exclui o sujeito, mas ela mantém uma dimensdo de sentido que é, grosso modo, coberta por um mecanismo de cAlculo. Todavia nada indica que também ela ndo possua dobras ue oes eee eee ea .nao possam ser “des-dobradas" em outros _uso: veis. 0 que me impede de usar um enunciado esse numa situagdo de ironia, pela decepc&o de ver apenas o trivial realizado? Qualquer frase deve ter infinitas dobras; nfo existe a institucionali- zagao de um sentido Gnico, instalado (embora = um__ “sentido consensual seja previsivel) , nao obstantée a determinagéo do sistema e a da histéria. A cada momento que icionamos uma frase como essa, aciona- mos também 120 s6 o sentido global, mas ainda do- ————— (12) Essa é uma forma mais ‘discursiva de conceber o So dessa sentenca, que poderia também ser expresso sob a forma de predicacg&éo de tracos, um formato menos transparente, como: [ (Art): (watureza: definido(ALCANCE: isolar elementos rum conjunto)) ((N): (SUBSTANCIA(NATUREZA:na zural) (ESPECIE: ser vivo(ndo-humano) ) (TIPO:ca nino...) (AMBIENTE:doméstico)) ((V) : (ATIVIDA~ DE(TIPO: trituracdo, degustacao) (MEIO:boca})) ((Art): (NATURE2A:definido) ALCANCE: isolar elemento num conjunto)) ((N):(SUBSTANCIA (NA _ TUREZA:nao-natural) (FINALIDADE: alimentagao) bras desse sentido que passaram ilesas pelo algo- ritmo de cdlculo. Enfim, toda frase tem, pelo nos por _hipdtese, um_potencial nito de dobras e@ que aquilo a que chamamos de usudrio-suporte po~ de fazer acionar mecanismos que fazem emergir es- \ sas _dobras,13 © artificio de inserir o usudrio-suporte na analise nao altera a relacdo da ordem do necessa- rio que se estabelece entre sujeito e linguagem:ou seja,_nao ha recorte possivel de linguagem de onde excluiriamos o sujeito. Isso ndo constitui nenhuma Novidade; alguns momentos da discussi0 do sentido demonstrariam isso. Vejamos dois casos. _Na versao frageana da Teoria da Referéncia 1 @ categoria re- _ Presentagao pode acomodar a nogéo de sujei qt ainda numa forma primeira, ‘porque fala da relacao da linguagem com a realidade). A linguagem tor- na-se, por contingéncia, uma operacao de falseamen to da realidade; Q sentido de um sinal que denota Qje%o_real_nada_mais. se objeto. A tentativa de contornar a concepcao ge lo_que_o simulacro des- ral que o sentido garante pela intervencao daqui- lo a que Frege chamou de representacdo pode aqui (13) © avancgo da teoria gramatical tem proporciona do uma compreensdo muito grande dessas dobras. Por exemplo: até um certo momento se pensou nu ma equivaléncia semantica entre formas ativa e passiva, Os avancos em termos de conhecimen to da estrutura frasal tém demonstrado que uma “passagem" da ativa para a passiva, digamos , implica novos foe de sentido. ser tomado como uma primeira inst&ncia dessa ten- sao: a representacdo teria assim um papel de pro- jetar, naquilo que o sentido simula, uma ordem de tracos da diferenca. Podemos também cogitar de um percurso para a quest4o-sujeito na Teoria do Signo proposta por Saussure. Interessa, aqui, menos aquela avaliacio que vé na concepgao psiquica da definicdo de Se e So a marca do sujeito. Ressalta com mais. relevan- cia, dentro dos propdésitos pretendidos, uma exten- so da noc&o de valor ali formulada. Na sua defini c30, s&0 levados em conta dois fatores: a disseme- lhanga (que permite que um signo seja trocado por _ aquilo que venha a ser por ele representado) ; a semelhancga (que permite que um signo seja compara- do com outro concorrente, na busca de um posiciona mento mais adequado na matriz de sentido).De um ponto de vista operacional, 0 usuario-suporte pro cede a um trabalho de selecdo, dentre.as_uni' des concorrentes, daquela que melhi rc cobre os efeitos ido pretendidos. Esse proce di si la. neerteza/instabilidade dos signos. Ele pode ser fonte do ato~falho, __ do i nto é respon \ utuacgdo do uso i E trocadilho (como flutuagao intencional), introdu zindo, portanto, tensdes entre o usuario eo cédi do. .. : . sy © tracgado histérico ainda guarda uma certa 34 perspectiva fundamentalista da questao do sujeito: localizou-se em Frege e Saussure, mais no estilo de Benveniste, espacos onde o sujeito se alicerca na linguagem. Entretanto, penso que compensa aqui assinalar aqueles momentos onde a relacao entre usuario e sistema 6 "mixada " através | de _processos muito _es~ pecificos, wi lo a efeitos de entido lo também es- pecificos _Essa analise, entao, pretende “apontar, com maior énfase, alguns dos Processos pelos quais os usuarios se valem na "mixagem" e menos do produ to. Vejamos alguns casos. III.1 - No texto anexo "Pontos", podemos admitir que uma dimensao do seu sentido global possa ser resumido em termos da "trajetéria de uma pessoa pe la vida". Percebemos, entretanto,que essa dimensao nfo se "revela" a partir de um certo vocabulério que traduz esferas conceituais especificas como. conceitos geométricos e sinais graficos. 0 sentido ali se produz através de mecanismos que possibili- tam a recodificacao de algumas unidades basicas(pa lavras ou sintagmas), de mecanismos que jogam com © valor polissémico de alguns termos e de muitos outros processos.que o tecem numa direcao de sen- tido especifico. Desses varios fatores que podem ser lembrados e detalhados, ressalta Para os nos- sos objetivos aquele que diz respeito 4 forma pela qual o léxico é ali utilizado por parte de um usu- 35. Pacutoaps pg Letras BIBLIOTECA ario-suporte. Destaquemos, ent&o, trés, aspectos: 0 _primeiro_a que chamarei de “migracdo de signos” "transferéncia de sentido", denominacdes mais ou me nos comuns dentro da Semantica. Minha proposta é assumir_esses_trés__aspectos, juntamente com 0 seu papel na organizacéd do léxico de uma lingua,.como _Parametros de tensdo entre 0 usuario e 0 codigo. O que seria, entado, uma ‘proposta de organici- dade do léxico em que estes trés aspectos se inte- _grassem? Vou tentar esbocar aqui algumas linhas ge vrais da questdo./ Comecemos admitindd que a totali- dade dos sentidos que um sistema natural de signos pode cobrir esteja distribuida em "dimensdes de sentido" que, por sua vez, comportam unidades léxi cas discretas, como realizacdo material de fracdes do seu sentido global. O fundamento basico de uma "dimensdo" 6 ser, em potencial, um esquema aberto a novos mapeamencos, em fungdo de oposicgdes que po dem ser criadas, o que concretamente se torna pos- sivel pelo narero variavel de unidades léxicas de que dispomos para preenché-los. Por exemplo, a di- Mensdo’ de s.ntido “emiss&o de sons através do apa- relho fonaior..." agrega um certo niimero de lexe- Mas, como “falar, gritar, sussurrar., vociferar,can tar", etc, que correspondem a-um dos mapeamentos possivei.. Esse arranjo, entretanto, em instante algum e por maior que seja sua especificacao, pode "36 : . ser tomado como definitivo e acabado Para essa. di- Mensao., Isso implica, de imediato, que a distri buigéo de unidades léxicas numa dimens&o de senti- do & proviséria, e supde- ainda que ela possa sem- pre comportar novas segmentacdes ou inscrever no- vas unidades. Entdo, o arranjo das unidades se da por um principio paradoxal que permite que elas se _orgar izem _com base num aspecto de semelhanga(o (o que _ _ permite que e unidades: “discretas se di tr. uam por uma "dimensdo de sentido") e num aspecto de_ dife- : renga lo que possibilita que as_ unidades si renciem entre si) eee eeee eee Toda essa caracterizacgdo de nao-fechamento e de re-segmentaco de um continuo de sentido repre senta a aplicacdo de um_principio de economia para. dife- © léxico que possibilita que vn_niimets estavel (me no: i ssa rr a éada instante 10: rep ntar, a cada_ eee de uso, da lingua, um namero instave (maior) de significados em .potencial. ae ae _ dos num determinado campo lexical podem ___perfeita —— mente migrar pa Eros campos_e_passarem, a par- ~dos_especificos ‘ daquele campo. Esse processo de mi gracéo resulta na aquisigao ‘de. novos significados para um signo, que produz dois efeitos: o primei- "ai inacd ido" - YO a que chamamos de . disseminagdo de sentido", ou \ seja, 0 sentido de um determinado campo dissemina- se por x_signos | novos. que_passai dele a fazer parte. 37 : ' | tir de certas circunstancias, a-.assumir- significa | eee ne { | \ ! nt i ‘ ' | Trata-se de um processo. mediante o qual podemos _ atribuir a : jalquer signo um nimero _indeterminado se_ sentidos, © que ndo quer dizer que necessaria- mente essas disseminagédes se cristalizem na lin- gua. Suponho que a maior parte delas tenha um ‘ca- rater passageiro, pois s6 esse fato torna a exis- : téncia de dicionarios possivel, Quando uma a dissemi, _Nagéo se cristaliza, dizemos trata-se de uma _trans feréncia de sentido", o que, em outras palavras, 6 : uma disseminagaéo cujo uso se socializou , e que se tornou possivel até o seu registro no dicionario. i jAssim,-migracao de signos, disseminagdéo de sentido |_| [so categories que estio na oxigen da_polissenia, { da_met4fora,_da_metonimia,—se_consideradas.de um | [ponto de vista estrutural restrito. Em outro tipo \de abordagem, esses fatos tém sido explicado atra- vés de motivacées, deslizamentos, analogias, etc. “No texto "Pontos", vemos que palavras afeitas ao campo da Geometria (tangente, circuferéncia,cir culo, linha, ponto) migram para outro campo lexi- cal e ali se contaminam pelo sentido dominante (no caso, digamos, um campo lexical dominado pela di- menséo de sentido "estayios/processos da vida") .En | t&o_o uso que se faz destes si nao esta regula 0 uso que se faz desses signos nao esta regula ; do pelo sistema: nenhum dicionadrio me diz dessa pos nao decorre so de_yme sminagao hist6rica.Aqui, nao decorre sO _de_vma_dete cn entao, marcamos um lugar de entrada do usuario-su~ 38 fl J ; 1 tl _brepor-se,: de certa | form porte e a sua interferéncia efetiva para _garantir a migragdo e a disseminacdo. A essa maneira de so- a0 sistema, é€ que esta mos assinalando como lugar do -Sujeito na producdo_ . do sentido. £ evidente que a leitura desse “texto nao se faz por um tracgado linear: sua decodifica ¢%o ndo & apenas uma questdo de Operar, ao nivel do léxico, com processos composicionais; hd antes | esse movimento maior que se processa no ‘1éxico,que vai exigir do leitor uma “mixagem" do vocabulario “em pauta. A tensSo assim dimensionada fica nos li- mites do seu delineamento anterior: nem uma ruptu- ra completa, afinal o fendmeno é extensivo a qual- quer campo lexical e o seu esquema é mesmo previs- to pelo sistema que dele se vale como fonte para a polissemia; nem uma aceitacdo dnica dos preceitos lexicais estabelecidos. Onde estaria prescrito um tal uso do vocabulario? Nao é dele, ent&o, que po- demos derivar a emergéncia do desejo, ou do sujei- to? * Mas esse texto cobre muitos outros aspectos dessa tensSo; vejamos um segundo que privilegia os usos do signo "ponto" e suas formas cognatas, Esse signo, em termos de sua forma de expressao, apare- ce no texto sob duas feicdes: uma derivacional (pon tilhada, pontual, pontinhos; apontado, desapontar e@ pontificar - como lexemas diferentes) e outra 39 sintagmatica (ponto-de-partida, ponto final, pon- tos positivos, dormir no Ponto, entregar os pon- tos...) cada uma delas implicando extensdes de sen tido préprio. Até mesmo a forma significante |pon- tos| Se apresenta, ao longo do texto, com um gran- de potencial ,polissémico (inicio, pausa tonal, su- “tura, lugar...) que pode ser assim esquematizada: Se 14 Ss So, Sey . S6,, Neste caso nos _interessa_o_espaco_vazio entre oSo3__ registrado para a palavra, e uma possibilidade in- me Re te _finita de se criaren. novos significados. £ nesse nen COS SnOSS < eats espaco que se estatelece _tenso.-entre_o__usudrio @ 0 sistema, aqui sob a forma de léxico, Entaéo, o fato de "pontos" vir a significar "filhos" decorre dessa tentativa de preencher parte do intervalo ’ que é intermediida pelo sujeito. : > (14) Penso qu: esta matriz ndo esta atrelada ao uso de »onto de outros signos particulares.Ao contrério esse é um dispositivo de configura- ¢80 do! significados para qualquer Se na lin- gua. Nio se pode falar de qualquer signo que estej: fechado 4 polissemia, ou que ja tenha esgot:do seu poder polissémico. 0 dicionario € ape:.as im recorte consensual (mas arbitra - rio) ja cuesto, 40 Gostaria de concluir esse comentario insistin do no fato de que a codificagdo do diciondrio, se~ ja na projecao de conteidos, seja na formulagao de restricdes de selec&o, bem como a determinacSo his térica incorporada aos signos sob a ‘forma de_ san- sdes nfo sao suficientes para explicar certos usos correntes de itens lexicais, Ha questdes relativas ao sentido que extrapolam Os procedimentos de cal- culo légico até agora Propostos no interior das Teorias Semanticas, e a noc3o de sujeito, penso,po de ser um espaco possivel para uma discussio de co . Mo implementar um novo algoritmo. III.2 - Vejamos um segundo caso bastante generali- zado que essa reflexdo possibilita avaliar: tra- ta-se da andlise de provérbios. Existe uma certa tradicdo dessa andlise que aponta, ora para um for mato de sua organizacao estrutural, ora para suas condicgdes de uso; aqui me interesso por ressaltar . apenas dois outros aspectos de sua andlise: (a) o provérbio como um tipo de producgdo de linguagem cu jo sentido nao pode ser, na sua totalidade, calcu- lado a partir das suas unidades constitutivas; (b) © provérbio como um dispositivo-de-sentido e nao como um enunciado-sentido, em decorréncia de (a)15 (15)Na_verdade, ndo estou me propondo aqui a uma andlise de provérbios, mas apenas a uma demons tracdo, na linha de desenvolvimento do texto , de como eles representam um lugar de "manifes- tacgdo" do sujeito na lingua, dai a dimensdo de analise reduzida a (a) e (b). O que representam (a) e (b) no conjunto dos proble mas até agora comentados? Algumas Teorias Semanticas recentes, de um mo do geral, foram desenvolvidas a partir da nogdo de que o enunciado é um aglomerado de fatos atémicos, que pode ser calculado a partir de etapas sucessi- vas de combinacSo de itens lexicais e de funcdes gramaticais, como j4 vimos ao longo desse texto . Esse procedimento & razoavelmente (mas nfo sufici- entemente) satisfat6rio em se tratando de produ- ¢des de linguagem a que chamamos de enunciado-sen- tido. & bom salientar que as dificuldades assinala das nesse procedimento nao estao necessariamen- te vinculadas ao processo de cAlculo sucessivo,mas as condigées determinantes desse cAlculo, ou seja, aos fatos atGmicos a serem atribuidos a cada item lexical._Assim, um enunciado=sentido & aquele que contém certas camadas de significagdo mais esta veis (ou que contém_uma_interpretacao padronizada possivel) e que os procedimentos de combinagao su- cessiva dio conta de grande parte do seu sentido _ global, Diremos, em termos daquilo que ja foi ava- liado sobre as teorias semanticas, que um enuncia- do-sentido é ¢.a ordem do determinismo em termos do caleulo do s:u significado. (mas nenhum enunciado tem, absolu.a e eternamente, um sentido unico ins- talado). Um © wnciado dispositivo-de-sentido (por exem re ee eee / 42 . ¥ : Vey plo, © provérbio e é essa a distingdo basica que faria dele com outros tipos de enunciados concor- rentes: méxima, ditado...)_contém, entdéo, _ certas exigéncias, certas direcdes com base nas guais “oO sentido deve ser construido; mas elas constituem em si, apenas parcialmente, uma especificacgao de _sentido do provérbio em fungdo das circunstancia do seu uso corrente.—Como_dispositivo de célculo (do significado).,.o provérbio assegura cer’ certas _condi- goes desse calculo e libera alguns lugares que se- .x&o preenchidos a cada vez que ele é utilizado, o que o torna, nesses lugares especificos, _alguma coisa da ordem da incerteza, da_ instabilidade. Assim, 0 provérbio é uma possibilidade de des~ fazer essa feicZo quase absoluta da determinacao do sentido, mas essa possibilidade esta longe de o co locar numa dimensfo de indeterminismo absoluto:is so é impossivel e entraria em contradicg&o com a es séncia da prépria linguagem que precisa do sistema, como primeira determinagéo, para funcionar. Vejamos esses comentarios a partir de um exem plo. Num provérbio tradicional como "Céo que ladra nao morde"?® + temos espacos do enunciado ja preen- chidos por um certo significado, os quais consti- tuem a garantia minima que o sistema impde para o (16) Estou tomando agui um caso particularmente e- xemplar; mas havera certamente muito casos . onde a nitidez entre um enunciado-sentido e um dispositivo-de-sentido pode e: estar wofuscada Pe eee eee eae seu funcionamento; ha, porém, outros espacos em que esse sentido est& apenas sombreado e é neles _ que o usuario-suporte atua, atualizando signifi dos, produzindo sentidos. Resumindo, podemos repre sentaé-lo pelo seguinte esquema de interpretacao: morde ladra Nesse esquema, os significados para "que" e para "n@o" ja esto estabelecidos e eles precisam ser estaveis, como garantia de funcionamento do siste- ma. Mas sobram ainda trés espagos que, na forma ai ginal, sao 'camaleonicamente' ocupados pelo signi- ficado sine "cdo", “ladrar“* e “morder"..Nesses esPaz_ meira dos itens lexicais em em Ratedesor isto | é, “deles tuem exigéncias minimas de funcionamento do siste-_ \. ma, Assim, 6 fundamental a existéncia de um co tibilidade semantica entre CAQ/LI i i temos de reter apenas alguns vestigios que consti- | \ permanece em qualquer circunstancia de_aplica desse provérbio. Qualquer significado que for usa- a do para preencher "cdo" criara uma nova compatibi- “Lidade semantica com aqueles necessdrios ao preen- : chimento de "ladrar" e "morder", na mesma propor- ¢ao que a forma original prescreve, isto é, que se jam, por um lado, categorias possiveis.de serem predicéveis ao siginificado do primeiro termo, da 44 : . sequéncia e, por outro, categorias que guardem en tre si um-certo contraste de valor. Assim, existe no uso do provérbio aquilo a que temos chamado de tensdo entre 0 usuario e osis tema, uma vez que a saturago do significado de al gumas unidades decorre de relacgdes nado previsiveis, nfo determinadas na sua totalidade. Nada me obri- ga a preencher "c&o" com o significado de "politi- co", “vendedor" ou "professor"... (mas escolhido um deles, os termos subsequentes terao de ‘Lhe serem compativeis). Aqui, a tensao provém desse vacuo lo calizado na significacdo que pode ser circunstan - cialmente atualizada, respeitando os principios ja apontados. Aqui também, continua havendo o determi. nismo: as associagées que sio feitas decorrem de arranjos j4 previstos na forma original do provér- bio. Vejamos um breve comentario sobre um outro pro vérbio, "Nem tudo que reluz é ouro",que apresen- ta o seguinte esquema de leitura: Fig. 2: nem , tudo , que , reluz , é ,ouro (.7) No presente provérbic, esse contraste é asse- gurado pela prefixagao de nado ao terceiro ele mento da sequéncia, j4 que “ladrar" e "morder" s&o categorias de predicac&o analitica para “c&o", an Como dispositivo-de-sentido, os espacos sombreados sero também preenchidos em funcdo de uma situacdo especifica em que ele possa ser aplicado; mas par- te de seu sentido ja est4 delineado: num aspecto , pela presenca de unidades cujo significado precisa ser assegurado (nem tudo/que/é) e num outro, em fung&o da presenca de itens que asseguram um con- traste entre, digamos, valores da ordem da aparén- cia (reluz) e da ordem da esséncia (ouro). Vimos até agora_que-a—etualizagao do sentido —_ de um provérhie-décorre: (a) de uma faixa de signi ficados Stalizados pelo uso de itens “Texicais ' puraénte instrumentais (em algum momento deveria- _Mos’avaliar a existéncia de quase-operadores 1égis cos nos provérbios); (b) de um sombreamento do significado que se dilui por certas unidades pro- | | gramadas para flutuar; (c) de uma intervencdo do | usuario nos espacos onde o significado 6 instavel.' Isso, portanto, faz do sentido de um provérbio fo produto de uma flutuacao da ordem do sujeito (cf. (c) aciia)._bem como, contraditoriamente, o produto de uma determinacao-da~ istema (cf. (a) e (b) acima). Restaria ainda indagar sobre alguma outra for ma de determinacao que passaria pela ordem da His- téria. B légico que nado estou descartando essa ge t&o de uma andlise aqui, pela sua improcedéncia , pelo contrério. Isso exigiria um estudo mais aniplo 46 que apontasse para as condigdes sociais de seu u- so. Certamente, esse tipo de estrutura "congelada" (apesar das versdes diferentes de um provérbio) implica um grau de compromisso hist6rico preponde- rante. Numa proposta de avaliagao de uso, teriamos, de fato, de recompor todo um conjunto de implica- goes sociais, culturais, progmaticas que configu- ram a sua forma de ser. Assim, se a avaliacéo de qualquer pratica de linguagem exige uma recomposi- gio das suas condigdes sociais de engendramento e de controle (é isso, uma certa extensao, que a Teoria dos Atos postula com as "“condicgdes de since ridade" e com as “condigdes preparatorias") ,entao, estruturas socializadas (e até ritualizadas), como a de um provérbio, nao escapam as _determinacSes historicas que regulam o seu uso. Mas isso é uma outra discuyssao que foge aos objetivos imediatos desse texto. 47 PARTE IV: Do cAlculo do significado 4 producao do sentido 1. Definicdes Um aspecto particular, que se encontra em mui tos comentarios sobre as dificuldades da Semantica, naturalmente por parte daqueles que insistem em re duzi-la a uma dimensdo terminolégica, tem sido a Proliferacao de termos para cobrir nogdes equiva - lentes. Até um certo momento, se insistiu nessa critica com base, por exemplo, em termos como sen- . tido significado/significacao. Penso que essa é uma questao com dimensdes secundarias, nao Passando de um subproduto de outras maiores para as quais até mesmo uma formulacdo mais precisa s6 mais tar- de foi alcangada. No caso desses termos, costu- Ma-se, na reflexdo atual, admitir uma distincdo ba *sica que especificarei a seguir. Ao longo desse texto, salvo vacilacées inevi~ taéveis, os termos sentido e significado tém sido ’ usados com uma ‘distingdo basica: ao significado pre \. serva-se uma caracterizacaéo primeira de um item le xical (de um sintagema ou de uma sentenga). 0. sig- nificado, ent&o, nada mais é do que uma matriz de tragos atémicos, ou um amAlgama de matrizes, os quais servem para caracterizar o conteido nocional de um determinado signo, ou de uma unidade supe rior a ele. Essa definig&o, que tem uma feigao es- 48 truturalista (segmentacdo/oposicaéo de tragos), na- da mais é do que uma especificacgao técnica, produ- zida tanto no formato da Andlise Sémica como no da AnAlise Componencial, a partir da nocao de ‘signifi cado proposta por Saussure, como imagem concei- tuai.!8 qualquer livro de introdugéo 4 Semantica traz, no geral, reprodugdes desses dois formatos distintos de representacgdo do significad put A nocdo de sentido tem sido preservada uma caracterizacéo um tanto distinta, pelo menos naque le tipo de enfoque onde se busca uma resigdo con- ceitual maior. 0 sentido constitui gio ulterior de significacao:? é o significado a- crescido de uma direcéo, de uma intengao. Nao se rare gg trac se eae am trata, portanto, de um no sentido restrito; o sentido decorre ._ de_percu- sos do signo numa dada __situagao discursiva. A principio, pode-se pensar que essa conceituacao de sentid> se aproxima daquela proposta por Bese eeeeeeeeeee sence ece cee (18). Mas é evidente a distancia 1a forma de repre- sentido do significado que 2 Analise Sémica e a Andlise Componencial guazdam em relacao 4 proposta de Saussure. Ambas a3 formas de re- presentagéo guardam também entre si certas di fecencas: a Ultima inclui, como componente da definicao de um item lexical, aspectos do seu co iortamentos sintatico. (19) A 2sse termo, a partir de Saussire, atribui: sc o valor de uma relagao, isto 2, a signifi- eugao & uma funcao que projeta significados em significantes e vice-versa, E.a é, uma fun ¢3o encarregada da constituigao cos signos. 0. Existe Wittgenstein de que "o sentido é 0 uso"? uma proximidade entre uma e outra posicao, mas e- xiste também uma diferenca muito grande:_a___nocao _ Baud ahaa coloca ° signi eicade como uma pri- de oO sentir rtan © (0 uso) ndo é nem a tinica le, nem__a primeira) forma de sua determinagdo. 0 sentido, on \ tao, pode ser concebido como uma_ .extensio. do_ ‘signi : ficado; aquele é uma forma dé atualizacao. deste. Vi Em outras palavras, sO podemos falar..de..sentido em__ it ' \se tratando-de-praticas de linguagem efetivas. Essa distincdo, se é valida (e penso que ela hoje tem alguma uniformidade de uso) pode ser trms Posta para as categorias que estamos avaliando, ou seja((céleulo do significado e producdo do sentida _ Usualmente se tem preservado essa distinga&o ao tra tarmos desses dois estatutos de significacdo, As- \esim, a calculo do significado tém sido reservados aqueles procedimentos que, de fato, apresentam al- guma dimensao de calculo formal, enquanto 4 produ- — de sentido tem sido preservada uma feigdo or- . ganica de-uso dos signos, que contempla fatores de ordem das convengdes, das intengSes, da determina- (20) Essa concepgaéo de sentido tem sido constesta- da exatamente pelo fato de ela desconhecer uma | i determinacado "primeira" de significacdo. Para : maiores detalhes, veja KATZ (1980). 50 ¢do histérica, como veremos adiante. Quanto ao cl culo do significado, se é possivel pensar algorit- mos que processem alguns de seus aspectos numa lin gua natural, o mesmo nao se pode afirmar, no caso da produgao do sentido: aqui ainda nao dispomos de um procedimento formal com esse alcance: acionamos, no geral, categorias, recursos, mas de forma um tanto dispersa, nao obstante os avancos nos Glti mos tempos. Mais ainda, o caélculo do significado esta atrelado a uma certa concepcao logicista da Semantica: trata-se de criar "m&quinas légicas" que: sejam capazes de enumerar certos significados al partir de categorias at6émicas, de relacSes gramati * cais, aprioristicamente definidas. A producéo do sentido se vincula a uma concepgao de Semantica da | ordem do Acontecimento, 22 isto 6, o que esta em quest4o nao é a significacao que flui das regras de cAlculo, mas aquela que configura um formato (qua se) terminal da significacaéo para os enunciados e que inclui, portanto, alguma forma de emergéncia da ordem do sujeito. Entao, a produ do sentido 6é uma_tentativa de explicitagao de ecanismos (que Se registram no cédigo) que possibilitam os _efei- _tos de sentido. Ela nao tem como okjeto a signifi- cacao “ir. natura" como o faz o calciio do signifi- (21) Esta concepc&o de uma Semantica ia ordem do Acontecimento néo esta ainda dese-volvida,mas ela percorre certos caminhos da i:determina - ¢ao, do imprevisto. 51 cado, mas a sua forma desnaturada, degenerada, con taminada pelas praticas de linguagem correntes. Em linhas gerais, assim poderia ser demarca- da uma distin¢do entre uma e outra categoria. Na seqiiéncia,. vamos avaliar, através de exemplos, as formas de operar essa distincao. 2. Sobre o Calculo do Significado 0 conjunto das reflexdes que conhecemos como Semantica Moderna (termo que cobre uma amplitude pouco uniforme de tratamento do significado) ba- seou-se, fundamentalmente, nas possibilidades de se calcular o significado. ?? Mas essas reflexGes es tavam fundadas ainda numa outra categoria que ope- racionalmente convive com a de calculo: a de forma ldgica (FL). N&o ha unanimidade formal no tratamen to dessa’quest&o, mas ela corresponde, no geral, a um certo ntmero de operacdes que configuram, em graus distintos, aspectos do significado de uma sentenca. Para conduzir o nosso comentario, vamos colocar a FL como um dos estagios de formalizacdo (22) A noc&o de calculo aqui implicada nfo é uni- forme nas diversas abordagens semanticas, nem guarda necessariamente o mesmo rigor formal da légica. Assim, a nocio de cdlculo aqui es- tA sendo usada para cobrir tanto a composicao de matrizes de tracos da Anaélise Sémica e da Analise Componencial, as regras de Projegao da Semantica Interpretativa, bem como as Regras Derivacionais da Semantica Gerativa. 52 do significado. Entaéo, haveré tantas maneiras di ferentes de enfocar uma certa configuracado do sig nificado, quantas forem as nogdes de FL. Nao va- mos aqui fazer um percurso das diferentes manei- Tas com que ela tem sido usada; lembramos apenas dois pontos que me parecem comuns onde quer que o conceito tenha sido introduzido: (a) Para que ser ve a nocéo de FL na descricio semantica (ela é um estagio de configuracao do So? ou é um esquema de significac&o onde o cdlculo deverd operar?); (b) Que elementos devem fazer parte de uma FL? (ape- nas as correlagdes de unidades gramaticais? ou o conjunto das descricdes dos itens lexicais? ou fa tores de ordem "supra-segmental"?) Penso que o uso que se faz dessa nogéo tem vacilado entre os aspectos acima mencionados: é: evidente que em alguns casos acabe-se privilegia- do uns outro aspecto em detrimentu de outros. De toda forma, a questdo é contravertica e pouca re- levancia teria fixar-se, nesse momenio, em uma de suas formas de uso. Entretanto, a fim de acertar um pouto 0 seu uso, podemos pensar na distingéo que se faz no in terior da Semantica Moderna, configurando-: numa dimensa&o extensional e numa intensional, n&> obs- tante toda a dificuldade e polémica estabel.cida 53 7 ee ae em torno dessa dicotomia. : Se admitirmos esse cor te, ent&o, talvez possamos também operar com fatos mais bem delineados, em relac&o ao conceito de FL. Vamos supor uma FL que opere nas abordagens extensionais. Na sua dimens&o conceitual, ela in- corpora variaveis, quantificadores, modalizadores @ conectivos e funcionalmente ela é um esquematis- mo que permite apontar condicdes gerais de verda- de a uma sentenca qualquer. Por exemplo, se temos uma sentenga como: (1) Um carro matou um gato. a sua forma légica pode ser simbolizada: (1") PL, = (4x) (Ay) (lex acy) A May): '74) Ent&o, (1') f£ixa condicées gerais para a verdade de {1), mas, ao fazé-lo, acaba também por descrever parte do seu significado: (1') nos diz que se tra- ta de um evento particular qualquer, ou onde se en volvem objetos particulares (os quantificadores e- xistenciais que prendem as variaveis garantem is- so); (1') nos fala da relac&o de agente e pacien- te como predicado m(temos Mxy e ndo Myx). Entre- eee eee (23) Para uma discussdo mais detalhada da questio, veja KATZ (s.d.). (24) A especificacao de tempo aqui omitida é ape- nas uma conveniéncia para nao sobrecarregar a notac&o formal e nado uma impossibilidade de FL. Ao ser melhor detalhada, FL) pode incor- porar o tempo em que o evento transcorre. 54 tanto, essa forma de descrever o significado de (1)ainda é muito primaria e ela s6 6 valida para © falante que ja sabe o que significa (1). Logo, (1') n&o nos diz sobre a natureza semantica de "carro" de "matar" e de "gato"; essas categorias sdo ali tomadas como se fossem formas atémicas, re duzidas aC, M, G. Concluindo, aquilo a que chama- mos de FL,, nessa primeira dimens&o da descricao do significado, implica, sobretudo, a descricao das condigdes de verdade da frase. Assim, (1) é uma frase verdadeira se forem satisfeitas as seguintes condigdes: (a) a existéncia de um objeto indivi- dual a que se possa atribuir a variavel "x", (b). a variavel “y" também possaser atribuida a um outro individuo e (c) que ambas variaveis possam ser cor relacionadas pelo predicado de dois lugares “M" Se se verificar que ou (a), ou (b), ou (c), pelo me~ nos, n&o se aplicar, (1) sera falsa. Vamos supor, agora, uma outra forma de operar essa nogdo a que chamaria de FL). Essa versao re- flete mais as abordagens intensionais., Conceitual- mente, umz FL) é uma FL) acrescida da descri¢gao de todos os s2us itens lexicais. Funcionalmente, ela 6 um diacrama estrutural que possibilita uma apli cacgdo rei-erada das regras de projecao, que amalga nam unidaies léxicas de nivel mais baixo sucessiva mente até atingir unidades de nivel mais alto da sentenca. Portanto, numa FL, © calculo do signifi- . 55 FACULDADE De LETRAg cado ndo é produto apenas das chamadas_ particulas ldgicas (quantificadores, conectivos, modalizares, Operadores de tempo), mas também de todos itens le xicais da sentenca. Além do mais nenhum item sera tratado com um fato atémico, mas como uma matriz de fatos atémicos, a qual constitui a descricdo de seu significado, o que, em termos de (1), permiti- ria avaliar a natureza semantica de coda uma das unidades. Assim, o exemplo (1) poderia, grosso modo,ser representado por: (1'') FL, = FL, + toda informagaéo lexical ne- cessdria 4 caracterizacao de carro (# Jodo, tigre, Sni- bus...), de matar (# alimen tar, vacinar...), de gato (# cao, homem...) além de. uma especificac&o para o ar tigo " ete.2> Em outras palavras, numa FL. 0s aspectos descritos por FLy continuam apontando para as condigdes ge- rais de verdade e para condicdes globais de organi zacao do seu significado, enquanto os aspectos com (25) Uma forma menos informal de representar a des crigao lexical ja foi feita na pagina 32 des se texto, em nota ao pé de pagina. Julgo des- necessario aquele detalhamento aqui, ja que se trata apenas de uma oposicao na maneira de representar formas ldgicas possiveis. 56 plementares forneceriam todos os elementos necess& xios para a compreensZo da natureza do significado da sentencga. Nesses termos, a FL, é uma versao des eritiva aprimorada do significado, que aguca, ae um ‘lado, um pouco mais sua dimensdo estrutural, e do outro, sua dimensaéo conceitual (praticamente des prezada no plano de FL) + Supostamente, tudo que é basico na caracterizacao do Significado deve ter uma expressdo, uma fungao no formalismo em que oo calculo operara. . No interior dessa segunda abordagem, existem, ent&o, outros procedimentos que também atuam como expressdo da FL, isto 6, regras de organizacao de uma sentenga, configuracdo estrutural de itens le-. xicais, determinagdo de pressupostos e regras de composicéo de significados de nivel superior, ° que faz dela um mecanismo complexo”® e muito dife- rente de FL): Dessa complexidade resulta, portanto, que 0 cAlculo do significado a partir de FL deve cobrir fungdes distintas daquelas previstas para Flir ou seja, ele representa um investimento da or dem da fixacaéo da condicdes de aplicacZo de uma sentenga (¢ nao apenas das condigdes dos seus valo xes de verrlade). Vejamos essa distincgao no exemplo ambiguamen':e formuiado (26) Por esa razao, penso eu, & que nao existe ainda um formato ideal, claramente estipulado para uma FL,. 57 (2) Paulo est& crescendo. Tomemos de (2) as duas leituras que nos sao mais e videntes: "o crescimento corporal de Paulo" e "o erescimento ndo-corporal de Paulo". Ora, dentro daquilo que FL, pode estipular pa ra (2) esta a fixacgdo das suas condicdes de verda- de: (2) @ verdadeira se a constante Paulo, num tem po determinado (T)), apresenta uma "mudanga" qual- quer que é "maior" em relac&o ao seu “estado” num tempo (T,), anterior a (T,); caso contrério a sen- tenca é falsa. Ent&o, apresentada dessa forma, FL) néo é suficiente para desfazer a ambigilidade maior do significado de (2) e indicar, portanto, um cami nho que deva ser percorrido na sua derivacéo para a escolha apropriada de um dos significados possi- veis para “crescer". Essa caracterizacéo de FL, co bre, entdo, qualquer uma das leituras iniciais de (2), isto 6, ela "desconhece” a distingao entre as duas leituras. Entretanto, FL devera assegurar a (2} essa bifurcagdo de caminhos derivacionais que o item le xical "crescer” admite. Assim, dependendo da esco- lha da descri¢ao lexical de crescer feita por uma regra de projecao, FL, vai impor restri¢ées de aplicacaéo a (2) em certos contextos. Por exemplo , se a descricéo lexical de crescendo, selecionada por uma regra de projecdo, incluir o trago (...(NA TUREZA: corporal)...), 0 calculo a ser procedido 58 estaré especificando a que tipo de contexto (2) Po de se aplicar (digamos, naquelas situagdes em aque se fala do crescimento fisico de Jodo). Todavia,se © tracgo (...(NATUREZA: nao-corporal)...) € que fi- zer-parte da descricdo lexical escolhida, ent&o(2) se aplicara a um nimero muito amplo de contextos que pode incluir qualquer referéncia ao crescimen- to de Jodo, desde que nao'seja o do seu corpo em particular {isto 6, Paulo esta melhorando na nata- ¢ao, no futebol, nos estudos, nos negécios etc.). “£ evidente que todas essas aplicagdes de (2) continuam também sendo reguladas pelas suas condi gdes de verdade (cf. FL): ninguém vai utilizar es sa frase com um valor descritivo para relatar uma situacao onde se assiste ao "encolnimento" de Pau lo; dai a raz4o pela qual FL, dever incorporar as funcgdes de FL). Em resumo, ao compararmos as fun- cdes de FL; e de FLj, podemos infer.r que o fato _ de FL) prover uma descricao de naturvza semantica de uma frase com base na descricdo dor seus itens ‘lexicais, permitindo que se escolha ume das leitu- ras possiveis, faz dela uma aproximacao mais rea- lista daquilo que pode vir a ser, na seténcia do seu usc, 0 seu sentido terminal. 3. Sobre a producado do sentido A categoria Produga&o do sentido tem sido lar- gamente utilizada hoje no contexto de cu:tas refle 59 . rn x6es sobre significagao. No geral, se usa de Produ g&o do Sentido para cobrir situacdes que vao de ma cro-interpretacdes de textos até interpretacgdes sin gulares de itens lexicais. Nao existe nenhum incon veniente, necessariamente, nessa amplitude de uso, mesmo porque ela assegura uma certeza importante : nenhum sentido, na gama que tem compreendido sua" aplicacao, é dado, na sua terminalidade, mas produ zido. Fora essa convergéncia: de concepcao, ressal- tam-se empregos bastante distintos e que cobrem fa tos também diversos. Por exemplo, costuma-se usar essa nocao para: (a) abordar fatos que dizem res- peito a intervengdes de um leitor em um texto, ad- mitindo-se que leituras resultantes dessa interven ¢&o sao produzidas a partir de condigédes e de re- presentacées que sao feitas de objetos especificos do texto; (b) mostrar que situacdes histéricas es- pecificas determinam direcdes de leituras,ou seja, que o sentido se produz a partir de condi¢Ses his- téricas determinadas; (c) demonstrar que combina- cSes de itens lexicais especificos resultam senti- dos terminais nao apenas dedutiveis dos significa- dos basicos dos itens isolados, mas acrescidos de outros fatores nao previstos. Provavelmente, .exis- tem outros usos mais localizados, mas suponho que essa forma de resumir a questéo permite, de novo , ressaltar as trés categorias maiores que tém moti- vado essa reflexdo, isto é, Sujeito, Histéria e 60 Sistema. Se Produc&o do Sentido carece ainda de um ri gor conceitual maior, em relacdo a Calculo do Sig- nificado, uma busca de preciso conceitual consti- tui tarefa muito complicada, tais as funcdes que a ela tém sido atribuidas em termos de linguagem , isto 6, operar numa correlac&o que englobe as trés categorias ‘bAsicas mencionadas. Pelo que j& vimos delas, nenhuma se inscreve numa ordem de indepen- . déncia em relacao as demais; ao contrario, estamos lidando com elas numa perspectiva de determinacao que une Sistema-Sujeito e uma outra que aproxima Histéria-Sujeito. E desses momentos de determina- cao, portanto, e no contraste com 0 Calculo do Sig’ nificado, que podemos tecer algumas observacgSes em termos daquilo que se pode conceber como uma con- ceituagdo da Produg&o do Sentido. Quando abordamdés o Calculo do Significado, in cluimos uma primeira determinacdo, ou seja, a do sistema lingiistico sobre o usuario; entao, falar uma lingua, como j4 foi descrita, é, antes de tudo, sujeitar-se. 4s regras que sao im>ostas por um sis- tema partizular. Néo ha fala fore desse sistema,ou nao ha fala sem que se reproduzam alguns princi- pios de organizag&o que ele exige. A Produgdo do Sentido, como uma extensdo do Calculo, também in- corpora «ssa determinacdo e acrescenta uma outra : a determ:nagéo histérica. Assim, falar da Produgéo do Sentido para um signo ou para uma cadeia de sig nos @, antes de mais nada, apontar o que ha de re- siduo histérico em cada uma das situagdes. Nenhum conjunto de signos, ent&o, no momento de sua circu lag&o, estard isento dessa determinacdo. Os signos 'n&o funcionam, numa dada situacdo histérica, ape nas com o substrato conceitual que se pode a eles atribuir numa dimensdo puramente estrutural e uni- i versal. Os signos sao também produto de todo inti- |. neraério histérico que eles cumprem: a cada instan- | te de uso, a saber, a cada circunstancia politica propria, ele se deixa contaminar por aquilo que é circunstancial e momentaneo. Ao incorporar a deter minacdo histérica, a questo da Produc&o do Senti- do abre espago, ent&éo, para uma série de fatores que afetam uma configuracao final do sentido, fato res que se materializam numa manipulacdo do cédigo para produzir efeitos de sentido. Assim, comprimido entre esses dois niveis de determinacdo, o sentido pode figurar como alguma coisa que se apresenta sempre previsto, estavel. ~Ele_surge, entAo, como legitimado por essas duas _ instancias de determinacdo, isto 6, dada uma carac 2 Geterminagao, isto ¢, dada um AraC _terizagao de fungdes ao nivel do sistema conjunta- mente com especificagdes de ordem histérica, o sen tido terminal se emergeria automatico. Nao ha divi das de que grande estratos daquilo a que chamamos discursos sociais comportam de maneira un tanto 62 similar a isso que foi descrito acima.Ndo é assim, por exemplo, o discurso, digamos, da imprensa: en- trincheirado nos limites do sistema e da contempo- raneidade (ou até mesmo da instantaneidade) histé- rica? Mas esse esquema de determinag&o acaba por ge rar também uma perspectiva. (ou uma‘expectativa) de xompimento com o previsivel, o que nfo quer dizer que qualquer posibilidade de ocorréncia do nao-pre visivel seja_a-hist “Entdo, no € 0 fato de * desconhecer as marcas da determinac3o que pos onanataiiat ta o nao-previsivel, mas sim uma dimensfo menos hegemnica dela. Logo, & corrente falar em rodu ¢&o do Sentido tanto para discursos hegemnicos, is to é, aqueles discursos previstos pelas condic¢Ses gerais que regem seus processos de producdo, bem como para discursos com atenuantes na sua feicgdo hegeminica, isto 6, aqueles que facultam, apesar Ga determinacgdo, a emergéncia do "novo". — mén..cos, tem siz nstragao de inimeros de seus aspec-— tes. No ceral, costuma~se propor cara>terizagdes desses dscursos em termos de suas regras constitu. tivas, dos objetivos a que .se destinam e dos limi-_ tes em que se enquadram. Isso tem sido dimonstrado para o ¢iscurso publicitario, o eleitoral o juri- 63 : : dico, o pedagégico, o cientifico. vamos lembrar aqui apenas um pequeno aspecto, que tem merecido pouca énfase em grande parte de reflexdes que abor dam esses estratos de linguagem. Trata-se de ‘um certo tipo de abordagem que deixa escapar, na sua_ forma de constituicgdo,uma referéncia explicita aos "atos de linguagem" que permeiam esses discursos como pratica de linguagem institucionalizada por diversos lugares da sociedade. Uma analise dos "a- tos", nesse momento, poderia nos prover de informa _gdes mais detalhadas sobre a estrutura e@0 funcio-_ ~amento: desses dircursos. Exemp1ificando sumaria- mente: costuma-se argumentar que um discurso elei- toral se "macula" pelo excesso de promessas incabi veis. Esta é uma constatacdo inegével nesse tipo de instrumento de campanha, mas sua critica sé 6é valida se levada 4s iltimas conseqléncias da reali zacgdo politica (administrativa ou parlamentar), © que uma decisdo "a priori" é sempre temerosa. Toda via, em termos de organizacao discursiva talvez es ta seja a inica forma de possivel existéncia do discurso eleitoral: as palavras que constiutem uma pratica de linguagem dominada pelo ato de prometer descrevem o real e o irreal,o possivel e o impossi vel sem limites de clareza e disting4o.0s filéso- fos analiticos propuseram que os procedimentos que permitiriam avaliar essa questao se resumiam numa afericao das condigées—preparatérias_(aquelas—que_ lconferem ao usudrio “autoridade” para empregat cor tos termos, em resumo) e das condicGes de sinceri- dade (aquelas que emparelham sentidos com_as_tboas' intencgdes de realizar atos gue_eles descrevem).Tu- do isso seria muito correto (pelo menos para © con texto da Teoria dos Atos), se qualquer pratica de linguagem ndo tornasse confundiveis as fronteiras entre a realidade e a ficcao e nao tendesse a uni- formizar esses dois niveis de elaboracdo conceitu- al. Assim, o ato de prometer precisa ser visto co- mo norma constitutiva de um certo tipo de discur- so, pois essa é, provavelmente, a tinica forma de discurso-eleitoral que é dada a conhecer. Depois dessa digressao, voltemos 4 questao central que esta a nos interessar mais de perto: uma avaliac&o’ daqueles discursos considerados nao hegemSnicos numa dada conjuntura politica. No ge- ral,—o-que_os caracteriza é a fungao de "denunciar paracts oo oenuneter _.© velho" e de "anunciar o novo" 0”?! permintindo que. uma pratica de pabenauagens se e constitua como um esta Em particular, a sua fungao é é introduzir algum estra- trocuzir algum estrar_ ilo que,pela. reproducéo -hegemén _nhamento na ica se por. camadas ersas da sociedad Assim,um discurso revoluciondério & nao-hegeménico, (27) Denincia e anincio aqui ndo pressupdem, embo- ra importante, uma avaliacdo axiologica, éti- ca de sentido circulante, mas apenas a possi- bilijade de rompimento com formacdes discur- sivas predominantes e de uma praética de lin- guagem a partir de outras formacées. enquanto instrumento que visa "estranhar" 0 ‘sta tus-quo', ou seja, introduzir, numa ordem que se naturalizou pela identidade, pela semelhanca, pelo monopolio, a diferenca. ‘Nao teriam, por acaso, es~ sa een os eben cate ou "politico-re uma_"t "troca" de para- = pcb eaten danse -digma_nao , implica “estranhar ° ) pradi a em curso, isto 6, marcar aiferencas daquilo que se propde com © que cesta assentado? Por iltimo, do ponto de vis- ta operacional, ° que viria caracterizar esses dis cursos nao-hegeménicos? Retomando parte de comentarios que ja = foram desenvolvidos em relacdo aquilo que consitui o su- jeito, lembramos que ele foi apontado como decor- réncia de dois momentos de tens&o: (a) de um lado uma tensdo que se verificou entre o usuario eosis tema lingilistico, a qual se manifesta sob formas variadas de ‘anipulagéo pulagdo do cédigo, que serao comen tadas mais adiante; (b) de outro, -uma_tensao__que se manifesta pela necessidade politica ¢ de confron- tagdo com posigdes hist6ricas hegemonicamente es- tratificadas num processo social. A expressao mate rial desse segundo momen le. sentar, pelos Jefeitos de sentido, /Logo, a possibili dade, na sua forma mais evidente, de caracterizar- sf0 se faz repre- ‘um discurso, ndo-hegemdnico é.de mostrar que esse _@iscurso é uma resultante:dos-dois momentos de ten- _sa0_acima..Na sua forma mais imediata, ele € = um 66 : discurso "cunhado" pelo Sujeito, porque decorre de um momento de tensio que implica na manipulacdo ao, | cédi j e de_um outro, que visa projetar efeitos de | sentido. Aqui, usaremos uma dimensado restrita de, nog&o de efeitos de sentido, ou seja, na sua_ori- gem,. sao canadas de sentido produzidas a Raat de sao camadas de sentido que propiciam ‘“sangrias” no discurso. hegeminico. 4. Alguns processos de manipulacAO do cédigo Nos comentarios seguintes, tentarei apontar al guns procedimentos de manipulagdo do cédigo que, no meu entender, constituem uma primeira aproxima- ¢ao mais especificada de elementos que devem fazer parte da configuracaéo de uma Gramatica de Produgao (e de reconhecimento, em alguma extensao). A argu- mentacgao aqui estara centrada numa preocupagéo de isolar os processos de producdo do sentido, e nao em avaliar exaustivamente os efeitos de sentido que deles decorrem. Isolario processos, estamos nos em penhando naquilo que he de essencial na produ¢do do sentido, ja que os efeitos, embora importantes,tém apenas uma dimens&o cont:ngente. 4.1 - Conotacdo Essa nogéo tem sido us:da, no geral, como for ma de classificar certos sicnificados dos signos, en ou seja, existe uma tipologia dos significados de um signo cujo rétulo de conotativo costuma caber a alguns deles e nao a outros. Nao estou aqui in- teressado neste tipo de utilizacdo do terno2®, nem vamos aqui desenvolver maiores comentarios sobre as inconveniéncias do seu uso. Interessa-nos, mais de imediato, fazer uso dessa nogaéo a partir daqui- lo que Roland Barthes”? (retomando Hjelmslev) for- mulou: a conotacéo é um processo cao de no- ,vos signos mediante a anexacao de Sos a signos j existentes_e,..como processo, ela tem a caracteris-_ | tiea de ser aleat< a, "erraética", no dizer do au tor, Isso nos obriga a admitir que n&o existe "sen. ignificado conotativo" t ', Mas existe um uso CO_ “| notativo que pode ser projetado, potencialmente,pa | jza qualquer signo da lingua e que, cessado esse u- \ | s0 particular, suspende-se também a atuac&o da‘co- \ notac4o...Ela_tem, assim, um carater eventual e por isso mesmo se torna a marca de um uso muito singu- lar que emerge e se esvai na mesma rapidez. No geral, todos os signos, no seu processo de ey (28) Também no estou aqui preocupado com a denomi nacao do fato que pode, a principio, serqual ‘quer uma. O uso de conotagdo se deve 4 tenta- tiva que tem sido feita de especializar o ter mo nessa direcdo. (29) BARTHES (1975) 68 circulacao social, estéo expostos a essa turbulén- cia que a conotacao pode introduzir e que nenhuma normatizacgao pode evitar. Esquematicamente, usando a nomeclatura de Suassure, Barthes formulou assim uma representacao desse conceito: ((Se/So)/So), ou seja, a conotagado é esse algoritmo que pode, a ca~ da momento de uso do signo, _ adicionar-lhe _nevos significados, os quais tendem a se desfazer, na me dida em que cessa aquele uso particular. : vamos simplificar este funcionamento da cono- tacao a partir do texto "9 descaralhamento Gas res ponsabilidades" (Cf. Anexo II) .0. que permite a com _preens&o da nog&o de crise em que o va imediatamente de uma expresso ja ‘consagrada na lingua como “estar no buraco" (que ja se naturali- zou na lingua e Chala nao guarda | mais “Lembranca oS notativa"). Estat Esta ‘expresso’ thao aparece_] ‘literalmen- _te no texto, mas foi introduzida pela sua frase i- nicial- "0 pais atravessa um momento de buraco". A partir dai, entao, o signo buraco passa a represen tar no texto, os diverscs ‘momentos de buraco' em que o pais vive, seja a trimestalidade do buraco,e xevisao do buraco,o buréco argentino, o governo do Novo Buraco, oO presidente José Buraco, o corte do buraco etc. Para cada um esses usos se aproveitou © signo buraco para a ele se acrescentar novos sig nificados momentaneos, qu: perduram apenas enquan~ 69 to perdura aquele momento do texto. Em resumo, po-~ demos dizer que buraco se apresenta nesse texto,em grande parte do seus usos, como um mero receptdcu- lo, que possibilita fazer circular outros signifi- cados e que sinteticamente se pode representar por (Se: |b-u-r-a-c-0] /So,: “depress&o numa superficie qualquer...") /So,+ saldrio, repiblicaprc¢amento...). Assim, um nivel de significacéo naturalizada, sob forma de (Se/So,), absorve,. em cada instante de u- so, um (.../S80,) que passa, ent&o, a articular um outro nivel de significagdo, isto é, ((Se/S0,) So), conforme-os exemplos. Essa maneira de formular a conotacéo tem le- vantado algumas questdes importantes, como, por e~ xemplo: (a) quanto do primeiro nivel de significa- ¢&o se aproveita na conotagdo? (b) a conotacgio sé se naturaliza sobre um signo constituido e nado so- bre um significante (cujo significado tenha sido deslocado)? (c) ha correspondéncia numérica entre os signos usados para construir um primeiro siste- ma e aqueles usados na conotac&o, (por exemplo, po de-se "colar" um significado de ironia, num segun- . do nivel, num conjunto muito extenso de signos do ' primeiro nivel de significag&o)? N&o vamos aqui entrar em detalhes dessas ques axe tées, interessa apenas enfatizar o fato’de queaco / notagdo n&o pode ser tomada como um produto acaba- 70 do, como uma instancia de significac&o ja naturali zada na lingua. _Nenhuma dessas relacdes criadas pe ~ la-conotagdo-comporta-uma regulamentagdo_via di- cionario: elas acontecem e deixam de acontecer no momento seguinte;-elas. nao estdo. naturalizad -nenhum lugar do sistema, embora sempre utilizemos _ formas naturalizadas do primeiro sistema para che- _gar. até elas?” - Embora indiferentes, num primeiro momento, a uma socializagao efetiva, os significa- dos de um segundo sistema nfo sdo necessariamente universais e nem podem ser tributados a individuos auténomos. Que autonomia do sujeito-suporte se po- . de entrever no texto em questao? A sujeicgao comega pela ordem do sistema: embora se possa reconhecer uma certa "frouxidao" nos prccessos combinatérios do signo buraco (trimestralidide do buraco, presi- dente José Buraco...), em nenham momento ele foi empregado num ambiente sintatice que nado fosse a- propriado a signos da sua espécie (por exemplo: mo mento de N, reaquecimento de N, ccrte de N, deposi (30) © uso recente da palavra "paco-e", na acepcao de "conjunto de medidas autoritérias" tinha, até um certo momento, um valor .cnotativo.Por exemplo, os jornais, para chamar atencgao para outro nivel de leitura,costumavar grafa-la en tre aspas. Trata-se hoje de uma ;:atica em to tal desuso, porque essa acepcdo estabilizou-se, foi absorvida pelo sistema, ndo se constituin do mais em um uso conotativo. E nesia perspec tiva, ent&o, que dizemos que um sigio natura- lizou um certo sentido que fcra even-ual, fa- to extensivo a qualquer sign» da linua. 7 tard seu N, etc.). HA momentos de quebra relativa dessa uniformidade de emprego do termo, que pode ser lembrado na expressdo "Cidadios, é hora de bu- raco!" por admitir projecdes com valor verbal"...é hora de votar", por exemplo. Mas trata-se apenas de uma possibilidade de leitura para buraco; nada . € hora de impede sua compreensdo em termos de voto" ou ". de responsabilidade." que retomaria o padréo de de terminac&o mais corrente no texto. é hora de democracia", ou "... é hora Além do mais, efeitos de sentido que s&o pro- duzidos a partir de momento em que acionamos a co- notac&o para a leitura de certos lugares desse tex to, decorrem, naturalmente, de uma localizac&o das coordenadas que permitem situd-lo no processo his- térico, Ent&o, para nés, sujeitos-histéricos dessa contemporaneidade brasileira que o texto espelha , nao ha dificuldades na selec4o de coordenadas e a compreenséo dele é imediata, porque, como ja vimos, ela esta, em grande parte, assegurada por uma natu_ _Falidade sintatica que comanda 0 seu processo de " produgdo e de uma naturalidade semantica que pode divergir em aspectos apenas acidentais. (Cf. a ques to levantada acima sobre a expressao "...é hora de buraco"). E possivel que a grande dificuldade na compreensdo ,hist6rica de um texto decorra precisa- mente da extrema dificuldade na localizac&o de suas coordenadas, o que, em tiltima andlise,- concorre : 72 ~~ eo see assegurar uma informacéo_ a- dequada" costfima da_em_si.mesmo alguma cois: para inibir o funcionamento da conotacao. — Em resumo, é nessa direcdo que penso Roger "encampar" a conotagdo como um desses processos\ jue, no seu conjunto, poderaéo explicitar melhor ido, vista a partir de, uma flo- ¢&0 de produgdo do_sen: manipulag&o do cédigo e, em conseqiiéncia,- como um lugar de-emergéncia do_sujeito.— 4.2 - Ambigtlidade/Duplicidade Referencial No momento em que situamos a quest&o da rela- ¢ao entre sentido e referente, ao longo dessa re- flexdo, fizemo-lo baseando-nos no fato de que ° sentido, tal como aqui definido, numa forma abran- gente, & uma intermediagao entre um sujeito~-supor- i te e a realidade dos objetos dos quais ele € uma representagao conceitual. Assim,fo sentido ja guar da 3 dem do sujeito, ja segura também uma “certa imedj atez entre « ° “sentido ser tomado cco uma forma de pro _piciar que a passagem do sentiio para o referente (por exemplo) seja garantida sem desvios, univoca- _mente. £ isso, _Mais ow menos, g # se costuma advo- gar como relevancia do uso da ' aA mais direcionada para a normatizacao de linguagem, essa posicéo tem sido alimentada como uma espécie de pardmetro de objetividade do discurso técnico / cientifico. Outras praticas de linguagem tém sido lembradas como expressdo de uma estreiteza das re- lagées entre sentido e referente. Nenhuma dessas préticas, entretanto, esta isenta de uma contamina cao de origem, isto é, a instabilidade de uma cate goria como representacdo. No seu estagio de criac&o, o sentido jé traz consigo marcas de tensao decorrentes de uma funcdo mediadora primaria que lhe é propria, como ja vi- mos anteriormente. Ndo é este, porém, o aspecto que aqui nos interessa. Entendemos que existe um outro nivel de tenséo que implica uma certa manipu lagao do cédigo*+ que decorre do aproveitamento de um sentido num dado instante, com mais de uma pos- sibilidade referencial. Este fendmeno tem-sido de- nominado de ambigtidade, numa_andlise lingtliistica da sua origem e estruturac&o e cobre aspectos. que dizem respeito a arranjos de ordem fonolégica, mor foldgica, sintatica e lexical. Nao importa, entdo, fete eee o nivel lingistico em que possamos situar o fend- meno: ele tera uma conseqiléncia uniforme, ou seja, i (31) Aqui cabe uma reflex&éo futura sobre o teor consciente/inconsciente dessa manipulacdo, a partir dos efeitos de sentido que ela pode propiciar. 74. i a de produzir uma duplicidade referencial. Logo, em cada lugar de um texto em que situe- mos uma ambigtidade, estamos apontando para um pon to de estrangulamento do cédigo que permite uma bi furcacdo de leituras derivadas que conduzem a di- mensdes referenciais distintas. Vejamos um exemplo a partir do texto "Variacdes" (Cf. Anexo III). O presente texto cobre duas situacdes referen ciais: uma que trata dos objetos da Economia, a ou tra, de uma situacdo ce enforcamento. Ha, ent&o, termos usados pelo "ministro" e pelo enforcado que cobrem as duas situacdes simultaneamente. Por exem plo, descongelamente gradual, flexibilizacao tém direcdes referenciai: duplas: da parte do "minis- tro", elas certamente cobrem objetos da Economia , pela prépria seqiléncia de sua fala nas situacdes seguintes. Da parte ¢. enforcado, elas, seguramen- te, cobrem relacoes raferenciais distintas: a bar ra de gelo e a corda e. seu pescoco. Um outro exem plo: a expressdo final do enforcado "Puxa!” tanto compreende o espanto/sa-isfagdo pela situacdo eco- némica descrita, como uni solicitacdo para “puxar a corda" diante do deses ero da situacio. £ ligico que o texto “presenta muitos outros detalhes na construcdo de :2u sentido e nos efei- tos decorrentes, mas aqu. «ustamos interessados mais 75 em assinalar. m entos de tenso no cédigo, que pos sibilitam aquilo a que chamamos de emergéncia do sujeito, e menos numa avaliacdo finalista dos seus efeitos. Entéo, nado se trata apenas de "calcular « © significado de uma expresso como "O descongela- mento sera gradual" a partir de uma polissemia pre visivel do termo descongelamento. Isso é, natural mente, importante, mas precisamos também buscar uma explicacgéo menos taxionémica da questo, admitindo que o sentido em tela decorre também da organiza- ¢&o (proposital) do cédigo, de uma maneira tal a permitir que simultaneamente duas Gramaticas de “Producg&o/Reconhecimento, atreladas a condicdes ma- teriais especificas, estejam atuando sobre fragmen tos de linguagem idénticos. Assim, a interpretacado de um texto, como este, por parte de qualquer lei- tor implica a dominio de pelo menos duas Gramati + cas de Reconhecimento, uma que atribuira sentidos : “adequados aos objetos da Economia e a outra que o fara com base no enforcamento, a partir dos mesmos extratos de discurso. ; Embora tendo optado aqui por uma dimensdo mais restrita de produc&o do sentido, aquela que aponta para arranjos do cédigo, nao podemos deixar esca- par a oportunidade para reafirmar que uma avalia- ¢&o teérica dessa nocdo implica uma avaliacao de Gramaticas de Produgdo/Reconhecimento disponiveis para a consecugdo dos discursos sociais. Ainda que 76 anunciadas aqui na forma de plural, nada nos leva a supor essa gramaticas como expressZo de falantes individuais. Por mais pluralistas que sejam, elas se curvam, na sua origem, a duas ordens de determi nacg&o basicas: os sistema, como limites de expres- s&0 do cédigo e a histéria, como mecanismo de "dis tribuicdo" dos lugares sociais. Por Gltimo, sio nesses momentos de elaboracdo do cédigo que melhor se evidencia a "emergéncia do sujeito" na lingua, embora como j4 insistimos, em outras ocasides, esse tipo de extrato discursivo , aqui analisado, constitui apenas momentos privile- giados, mas nao exclusivos, dessa emergéncia. De toda forma, é preciso aprofundar ainda muito a ex- tens&o desse fendmeno ambicdidade/duplicidade re- ferencial) nos processos de producdo do Sentido. PARTE _V: Conclus&o Ao longo desse texto procirei reagrupar algu- mes reflexGes mais importantes nas discussdés_ so- br2 a questéo da Semantica nos iltimos tempos. N&o se pretendeu aqui uma avaliacao je nenhuma corren- te, nem de nenhuma teoria em pz ticular; procurei apenas mencionar grande parte d..ssas questées que ja so de conhecimento geral, ¢.ntando extrair de- las aqueles aspectos que nos po em conduzir a um 77 equacionamento de problemas, superando o impasse em que se encontra a Semantica. Se de um lado, podemos reconhecer um certo pro gresso na discussdo de questdes a ela relacionadas, constatamos também um vacuo que "desconhece” muitos problemas de sentido que emergem de nossas praticas. didrias de linguagem. 0 nicleo desses problemas 6é, sem divida, a impressdo de que a Teoria fala do aci dental e esquece o essencial, cobrindo, entao, uma parte muito pequena daquilo que projetamos para a Semantica. Muitas abordagens levantaram discuss6es perti- nentes: umas caminharam na direcdo de uma “arquitetu ra" lexical, outras, na busca de um formalismo efe- - tivo. Assim, abordagens como a da Analise Sémica e a da Andlise Componencial fizeram da Semantica Es~ “ trutural um procedimento importante na percepgao do significado como sistema de tracos, mas deles nao pudemos esperar muito mais, porque nao chegaram a transpor uma dimensao de andlise lexical. Por outro lado, os fatos que propiciaram a polémica entre Se~- mantica Gerativa e Semantica Interpretativa foram tecnicamente importantes em ajustes dos processos derivacionais, mas dela nao extraimos o suficien- te que permita fundar qualquer Teoria com base nes- se ou naquele enfoque. Também a discussdo, na estei ra da polémica acima, sobre o fato de ser ou nado a 78 , interpretacéo semantica um fendmeno de superficie permitiu equacionar problemas relativos ao sentido, mas o que daqui decorreu ndo resultou em nenhuma teoria especifica. Afinal, existiria alguma Teoria numa ou noutra dimensdo? Nao ha ainda o que negar do avancgo do formalismo alcangado no interior de ca da uma dessas abordagens, ou de outras paralelas,no tratamento de questdes especificas, mas tudo ainda permanece muito longe de se constituir num algoritmo eficaz para tratar dos fatos que nomeamos como se- manticos. Enfim, no ha como descartar, aprioristi- éamente, quaisquer dessas incursGes processadas no bojo daquilo que entendemcs como uma reflexaéo sobre © sentido. Mas também pode ser dificil equacionar um nimero muito grande de iciossincrasias que se alimentaram nessa discusséo .om a necessidade - ~ de “uma proposta global. Assim, as dificuldades, le\zntadas no decorrer _desse texto, estiveram centradas ima preocupag&o basica: ‘a de ampliar, sem relegar -quilo que tem constituido preocupagdes fundament :is, o raio de abrangéncia de uma abordagem que pri venda responder | por fatos de sentido, nas dimensves iais diversas (sua ‘origem, sua configuragao f¢rmal, sua funcdo so cial...). - . Sendo assim, néo ha porgi2 impor linites 4 for ma de operar com essa questAc, mesmo porqie estar 79 q - : { correndo o risco de apenas dizer "les verités de la Palice", como ja disse Pécheux, néo é nem ao menos : ser original. Ent&o, ndo existem razées para se res guardar dos riscos, a Gonstrugio de uma Teoria do Sentido, digamos, oscila entre uma ontologia, uma Logica, a Hist6ria e, provavelmente, muitos desva rios. : HUGO MARI Dep. de Letras Vernaculas . fev./1990 80 ANEXO I PONTOS Luis Fernando Verissimo ‘No inicio era um porto. Ponto de partida. O ponto onde ‘@ tangente toca a circunteréacia, ¢ faz-se a vida. Ponto pacifico. © circulo ¢ a timidez do ponto. A linha ¢ 0 porto des- valrado, © travessio € 0 ponto-ante-ponto. a primeira explora- sao embevecida, a infincia. Lirando as patavras, Nascca num. Ponto qualquer do mapa. Sua mic levou pontos depois do parto. A linha reta ¢ 0 caminho mais chato cntre 6 purta ¢ 0 ponto final, = Preferiu 0 ziguecague. Teve ura vida ponuthada, os pontos que ‘fam nos exames, os pontos que subiam na Bolsa. os pontes de macumba, os pontapés. Mas sempre fol pontval. 0 ponto ¢ uma virgula sem rabo. A virgula no é como o ponto ¢ virgula ponto e visgula a virgula qualquer um usa mas o ponto ¢ virgula requer pritiea e discernimento virgula modéstin & parte ponto. . Nova linha, Fez ponto em frente 4 cara da namotada, ‘uma circunferéncia com viirios pontos posittzos, como a sua mic apontada acims. Nio dormiu no ponto. acabou convidado para entrar quando estava a ponto de desistir, pontificou sobre vatics Pontos, no demora ji era apontado como intimo da czsa, jorava carlas (pontinho) com a familia. parccia um pontifice, nio éesa- Pontou. Casaram. Tinham muitos pontos em comum, O sexo! Ponto de-exclamagio. Querida, estou 3 ponto de... no! Culdado, Ponto fraco. A tangente loca a clreunte- .. Outro ponto no mapa. Parto. Pontos. Tivcram multcs pontos em comum. Os outros cagoavem: que pontariat Discordavam,num ponto: a pflula. Zig-cag-zig-cag. Os ponteiros andando, Um dia, no fute- bol — jogava nz ponta — sentiu umas pontadas. Coracio, © pon to-chave. © médico insistiu num ponto: para. ‘Mas como? Chegara a um porto em gue ndo podia parar, era um ponto projetado no espaco, a tds ¢ um fonto com raiva, Parar como? A que ponto? Saiu encurvado. Como um ponto de interrogacio. -_ 86 uma solugio, dois pontos: > 13 pontos na loteris, Seno cra um ponto m A linha ret, no electro, outro ponta Pacifico, o ponto no infinito onde as pars'clas, 9 distincla mais Surta entre, cheguei a um ponto em que, 1 cu Deus... trés pon Unhes. Jogou o que tinha num ponto de bich. +0 que nio tinha num ponto lotérico, Nao deu ponto. Em casa a circunferéncia e os sete pon ‘thos, Resolrew. Pingar os pontos nos is, Melhor deixar uma vi ponte. Deum ponto de énibus merguthou, de po -12-cabeca, na Ponta de um taxi, ou de um ponto de taxi na ponta «> um dnibus, ¢ um ponto discutivel. Entregow os pontos. © Popular, Rlo te Janeiro Sood Olymplo, 1.73, p. 7-8 81 ANEXO II EDITORIAL 0 descaralhamento das responsabilidades Perry White O pais atravessa um momento de buraco. So- mente com a retomada do buraco eo reaquecimen- . to do buraco poderemios alcancar a otimizagao do processo de buraco. A pressdo do buraco internacio- nal éintolerdvel. Nossa classe trabalhadora jd deu sua cota de buraco. A trimestralidade do buraco é uma tealidade. As Forgas Armadas nao permitirio, em hi- potese alguma, uma revisio do buraco. O exemplo ‘do buraco argentino nao deve ser buraco aqui. Te- mos que dar todo nosso apoio ao governo do Novo - |} Buraco do presidente José Buraco, no que diz respeito ao corte no buraco. Cidadios, ¢ hora de buraco! Em 15 de buraco todo eleitor consciente, munido de seu buraco se di- iigira ao buraco eleitoral e depositard o seu buraco no buraco, escolhendo livremente o buraco de seu buraco! Buracoe Buraca 82 ANEXO III Luis Fernando Verissimo VARIAGOES 0 RexoAMaD Ls ie € Rf Pons EOE REKCLIZAGAG : 7 1G: GER CERIN Boul Te acuret A MHA TE6E soe AINRAgIO INeReAL AMORA Oe Wo! AeA? oe 5% VEJA,16 SE"EMBRO DE 1987 83 ol. 02. 03. 04, 05. 07. AUSTIN, J.L. How to things with words. Oxford University Press, 1962. BARTHES, R. Elementos de Semiologia, So Paulo, Cultrix, 1975. BENVENISTE, E. Da Subjetividade na Linguagem . In: Problemas de Linglistica Geral. So Pau- lo, Nacional, 1976. DONNELLANN, K. S. The contingent 'a priori' and rigid designators. In: SCHWARTZ, S. (org.) Naming, Necessity and Natural Kindes.Ithaca, Cornell University Press, 1977 GUIMARAES, E. Texto e Argumentagdo. Um_estudo de conjungdes do Portugués. Campinas,Pontes, 1987. : KATZ, J.J. Teoria Semantica. In: LOBATO,L.M.P. (org.) A Semantica na Lingtlistica Moderna. 0 - Léxico. Rio de Janeiro, Francisco Alves,1977, The Neoclassical Theory of Reference. In: FRENCH, P.A. et alii (ed.) 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