Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
(Human Inability)
Reverendo C. H. Spurgeon
"Ninguém pode a vir mim, se o Pai que me enviou não o trouxer." (João
6:44)
"Vir a Cristo" é uma frase muito comum nas Sagradas Escrituras. Ela é
usada para expressar aquelas ações da alma em que, deixando
imediatamente nossa justiça própria e nossos pecados, corremos para o
Nosso Senhor Jesus Cristo, e recebemos Sua justiça para ser nossa
coberta, e Seu sangue para ser nossa expiação. Vir a Cristo, então,
inclui arrependimento, auto negação, e fé no Senhor Jesus Cristo, e
agrega dentro de si todas aquelas coisas que são o necessário
acompanhamento destas grandes condições do coração, tais como a
crença na verdade, diligência na oração a Deus, e submissão da alma
aos preceitos do evangelho de Deus, e todas aquelas coisas que
acompanham a aurora da salvação da alma. Vir a Cristo é exatamente a
única coisa essencial para a salvação do pecador. Aquele que não vir a
Cristo, faça o que faça, ou pense o que pense, está ainda "em fel de
amargura e laço de iniqüidade". Vir a Cristo é o primeiro efeito da
regeneração. Tão pronto como a alma é vivificada, descobre sua
condição perdida, e se horroriza ante seu estado, busca refúgio, e
crendo encontrá-lo em Cristo, corre para Ele e repousa nEle. Aonde não
há esse vir a Cristo, certamente tampouco tem havido vivificação; e
onde não há vivificação, a alma está morta em delitos e pecados, e
sendo morta não pode entrar no reino dos céus. Temos diante de nós
uma declaração muito surpreendente; alguns dizem muito ofensiva. Vir
a Cristo, apesar de ser descrita por muitas pessoas como sendo a coisa
mais fácil em todo o mundo, é em nosso texto declarado como sendo
uma coisa absolutamente e completamente impossível para qualquer
homem, a menos que o Pai o traga para Cristo. Será nossa ocupação,
então, estendermos sobre esta declaração. Não duvidamos que sempre
será ofensiva para a natureza carnal, porém, apesar disso, a ofensa à
natureza humana é às vezes o primeiro passo para trazê-la humilhada
diante de Deus. E se este será o efeito de um doloroso processo,
podemos esquecer a dor e regozijar nas gloriosas conseqüências.
Primeiro, ela não reside em qualquer defeito físico. Se para vir a Cristo,
mover o corpo ou andar com nossos pés fosse de qualquer auxílio,
certamente o homem teria todo poder físico para vir a Cristo nesse
sentido. Recordo haver ouvido um néscio Antinomiano declarar, que ele
não cria que qualquer homem tivesse poder para ir à casa de Deus, a
menos que o Pai o trouxesse. Ora, o homem foi simplesmente tolo,
porque ele deveria ter entendido que enquanto o homem estiver vivo e
tiver pernas, é tão fácil para ele ir à casa de Deus como para a casa de
Satanás. Se o vir a Cristo compreende a articulação de uma oração, o
homem não tem nenhum defeito físico nesse respeito; se ele não é
mudo, pode dizer uma oração tão facilmente como pode expressar uma
blasfêmia. É tão fácil para um homem cantar um dos hinos de Sião
como cantar uma profana e lasciva canção. Não há falta de poder físico
para vir a Cristo. Tudo quanto pode ser necessário em relação a força
corpórea, o homem, certamente o tem; e se qualquer parte da salvação
consiste nisto, estaria totalmente e completamente ao seu alcance sem
qualquer assistência do Espírito de Deus. Nem tampouco, esta
incapacidade reside em alguma deficiência mental. Eu posso crer que a
Bíblia é a verdade tão facilmente como posso crer que qualquer outro
livro o seja. Considerando o crer em Cristo como um mero ato da
mente, estou apto para crer em Cristo como em qualquer outro.
Admitindo que sua declaração seja verdade, é infundado que se me diga
que não posso crer. Posso crer nas declarações que Cristo fez, assim
como nas declarações de quaisquer outras pessoas. Não há deficiência
de faculdade na mente: o homem é capaz de apreciar como um mero ato
intelectual a culpa do pecado tanto como a responsabilidade de um
assassinato. Da mesma forma que é possível para mim exercitar a idéia
mental de buscar a Deus, posso exercitar o pensamento de ambição.
Tenho todo o poder e força mental que possa talvez ser necessário, se o
poder mental fosse necessário na salvação de um modo absoluto. Pelo
contrário, não há nenhum homem tão ignorante que possa alegar a
falta de inteligência como uma escusa para rejeitar o evangelho. Logo, o
defeito não reside no corpo, ou, no que chamamos, teologicamente
falando, na mente. Não há qualquer deficiência ou insuficiência nela,
embora que a depravação da mente, a corrupção ou ruína dela, é,
depois de tudo, a própria essência da incapacidade humana.
Assim pois, a razão pela qual o homem não pode vir a Cristo, não é
porque haja incapacidade em sua mente ou corpo, porém porque sua
natureza está tão corrompida que não tem nem o querer nem o poder
para vir a Cristo, a menos que seja trazido pelo Espírito. Porém, deixe-
me dar-lhes uma ilustração melhor. Vocês vêem uma mulher com seu
bebê em seus braços. Coloque uma faca em suas mãos, e ordene-a que
apunhale esse bebê no coração. Ela replica, e mui verdadeiramente: "Eu
não posso". Agora, no que se refere ao seu poder corporal, ela possui, se
quisesse; há uma faca, e há uma criança. A criança não pode resistir, e
ela possui suficiente força em sua mão para imediatamente cravar a
faca em seu coração. Porém, ela está completamente correta quando diz
que não pode fazê-lo. Ela pode pensar em matar em seu filho como um
mero ato da mente, e ainda assim diz que lhe é impossível pensar
semelhante coisa; e não fala falsamente quando assim diz, porque sua
natureza de mãe não lhe permite fazer algo ante o qual toda a sua alma
se revolta. Simplesmente porque ela é mãe daquele menino, sente que
não pode matá-lo. E assim ocorre com o pecador. O vir a Cristo é tão
odioso para a natureza humana que, ainda que no que diz respeito às
forças mentais e físicas (e estas não tem senão uma mui pequena ação
na salvação), os homens poderiam vir se quisessem: é estritamente
correto dizer que não podem nem querem, a menos que o Pai que
enviou a Cristo lhes traga. Deixe-nos entrar um pouco mais
profundamente na questão, e tentar mostrar no que consiste esta
inabilidade do homem, em suas mais minuciosas particularidades.
"Então", dirá alguém, "pelo que você tem dito até agora, me parece que
você considera que a razão porque os homens não vem a Cristo é a de
não querer em vez de a de não poder". Certo, mais do que certo. Eu
creio que a grande razão da incapacidade humana é a obstinação de
sua vontade. Uma vez superado isto, creio que está revolvida a grande
pedra do sepulcro, e a parte mais difícil da batalha já está ganha.
Porém, permitam-me que vá um pouco mais longe. Meu texto não diz:
"Ninguém quer vir", mas diz, "Ninguém pode vir". Agora bem, muitos
intérpretes crêem que o pode aqui, é senão uma forte expressão
transmitindo não mais do que o significado da palavra querer. Estou
firmemente seguro que esta interpretação não é correta. Há no homem,
não somente indisposição para ser salvo, mas também uma impotência
espiritual para vir a Cristo; e isto provarei ao menos para cada Cristão.
Amados, falo a vós que já haveis sido vivificados pela graça divina; não
vos ensina vossa experiência que há tempos que quereis servir a Deus,
e todavia não tens o poder para fazê-lo ? Não tem havido ocasiões nas
quais vocês tem sido obrigados a dizer que quiseram crer, porém
tiveram que orar: "Senhor, ajuda minha incredulidade?". Porque,
embora desejosos de receber testemunho de Deus, vossa natureza
carnal foi forte demais para vocês, e sentiram a necessidade de ajuda
sobrenatural. Vocês são capazes de entrar em vosso quarto a qualquer
hora que quiserem, e cair sobre seus joelhos e dizer: "Agora, é a minha
vontade que serei extremamente fervoroso na oração, e que me
aproximarei de Deus ?" Eu pergunto: encontrareis vosso poder
semelhante ao vosso querer ? Podereis dizer, até mesmo diante do
tribunal de Deus, que sois sinceros em vossa boa vontade; estão
desejosos de serem envoltos na devoção, e é vosso desejo que vossa
alma não se aparte de uma pura contemplação do Senhor Jesus Cristo,
porém vejam que, até quando vocês estão dispostos, não podereis fazê-
lo sem a ajuda do Espírito. Agora bem, se os filhos vivificados de Deus
encontram uma incapacidade espiritual, quão muito mais o pecador
que está morto em delitos e pecados ? Se até o Cristão maduro, depois
de trinta ou quarenta anos, se encontra às vezes disposto e todavia sem
poder – se tal é sua experiência – não parecerá mais do que lógico que o
pobre pecador que ainda não creu, necessite o poder tanto como o
querer da vontade ?
Suponha que um mentiroso diga que não está em seu poder falar a
verdade, que ele tem sido um mentiroso por tanto tempo, que ele não
pode deixar de o ser; isto é uma escusa para ele ? Suponha que um
homem, que tenha durante muito tempo se entregado à lascívia, vos
dissesse que se sente aprisionado por elas como por uma grande rede
de ferro, e que não pode desfazer-se de seus desejos; aceitarias esta
razão como uma escusa ? Sinceramente não há justificação alguma. Se
um bêbado tem se tornado tão abominavelmente um beberrão, que lhe
fosse impossível passar diante de uma taberna sem entrar nela, lhe
escusaria isso, então ? Não, porque sua incapacidade para reformar-se
reside em sua natureza, que não sente o desejo de refrear ou superar. O
efeito e a causa, sendo ambos procedentes da raiz do pecado, são dois
maus que não podem escusar-se um ao outro. Qual é a causa de que o
etíope não pode mudar sua pele, nem o leopardo suas manchas ? É pelo
fato de haver aprendido a fazer o mal, pelo que agora não podeis fazer o
bem; e portanto, em lugar de permitir que você se assente para escusar
a si mesmo, permita-me colocar um raio debaixo do assento de sua
indolência, para que você possa ser atemorizado por ele e despertado.
Recordai, que o permanecer sem fazer nada é estar condenado para
toda a eternidade. Oh ! que Deus o Espírito Santo possa fazer uso desta
verdade em um sentido muito diferente ! Confio que antes de terminar,
serei capacitado para mostrar-vos como esta verdade, que
aparentemente condena aos homens e lhes fecham a porta, é, depois de
tudo, a grande verdade que tem sido abençoada para a conversão dos
homens.
E quando ele vem para Cristo, por esta doce atração do Espírito,
encontra "uma paz com Deus, que excede todo o entendimento, o qual
guardará seu coração e pensamentos em Cristo nosso Senhor." Agora,
podeis claramente perceber que tudo isto pode ocorrer sem qualquer
compulsão. O homem é trazido tão voluntariamente que parece que não
foi trazido; e ele vem para Cristo com pleno consentimento, com tão
pleno consentimento como se nenhuma influência secreta jamais
houvesse sido exercida em seu coração. Porém, esta influência deve ser
exercida, ou se não, nunca teria existido nem jamais existiria qualquer
homem que pudesse ou tampouco quisesse vir ao Senhor Jesus Cristo.
Não tenho ouvido eu mesmo que haveis dito em vosso coração: "Jesus,
Jesus, toda minha confiança está em ti. Eu sei que nenhuma de
minhas justiças e virtudes podem salvar-me; somente Tu, Oh Cristo,
podes fazê-lo; passe o que passar me entrego completamente a ti" ?Oh,
irmão!; estás sendo trazido pelo Pai, porque não poderias vir se Ele não
te trouxesse. Doce pensamento ! E se tens sido trazido, sabes qual a
maravilhosa conclusão ? Deixa-me dizer-lhes com palavras da
Escritura, e oxalá te sirvam de consolo: "o Senhor me apareceu,
dizendo: Pois que com amor eterno te amei, também com amorável
benignidade te atraí". Sim irmão meu que choras, posto que vens a
Cristo, Deus te tem trazido; e posto que Ele te tem trazido, isso é a
prova de que te amou desde antes da fundação do mundo. És um dos
seus, deixa que teu coração salte dentro de ti. Teu nome foi escrito nas
mãos do Salvador quando foram cravadas no maldito madeiro. Teu
nome brilhas hoje no peitoral do Sumo Sacerdote; sim, ali estava antes
que a estrela da alva conhece seu lugar, ou os planetas iniciassem seu
ciclo. Regojiza-te no Senhor, tu que tens vindo a Cristo, e daí saltos de
alegria todos os que haveis sido trazidos pelo Pai. Porque esta é vossa
prova, vosso solene testemunho, de que haveis sido escolhidos dentre
todos os homens em eterna eleição, e que sereis guardados pelo poder
de Deus, mediante a fé, para alcançar a salvação que está preparada
para ser manifesta.