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A ARTE DA PRECE

A ARTE DA PRECE
Uma Antologia Ortodoxa

compilado por
HEGÚMENO CHARITON DE VALAMO
editado com uma introdução de
TIMOTHY WAREa introdução de
Timothy Ware
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

PREFÁCIO

I - O QUARTO INTERNO DO CORAÇÃO

II - O QUE É ORAÇÃO?
(i) O Teste de Todas as Coisas
(ii) Graus de Oração

III - A ORAÇÃO DE JESUS


(i) Meditação Secreta
(ii) Oração Incessante
(iii) A Oração de Jesus
(iv) Lembrança de Deus

IV – OS FRUTOS DA ORAÇÃO
(i) Atenção e Temor a Deus
(ii) Graça Divina e Esforço Humano
(iii) A Combustão do Espírito

V - O REINO DO CORAÇÃO
(i) O Reino Dentro de Nós
(ii) A União da Mente e do Coração

VI - GUERRA COM AS PAIXÕES


(i) Guerra com as Paixões
(ii) Conheça a Si Mesmo
(iii) Trabalho, Interno e Externo
(iv) Solidão
(v) Tempos de Desolação
(vi) Ilusão
(vii) Humildade e Amor

VII - OS ENSINAMENTOS DOS STÁRTSI


DO MONASTÉRIO DE VALAMO

OUTRAS LEITURAS
INTRODUÇÃO

O Padre Chariton e seu monastério

“O que é a oração? Qual é a sua essência? Como


podemos aprender a orar? O que é que o espírito do Cristão
experimenta quando ele ora na humildade do coração?” 1
Tais são as questões que este livro se propõe a
responder. Ele apresenta um retrato da oração em seus
vários graus, da prece oral comum até a oração incessante do
coração; acima de tudo, entretanto, ele está preocupado com
uma oração em particular, conhecida na Igreja Ortodoxa
como a Oração de Jesus. Uma das mais simples de todas as
orações Cristãs, ela consiste de uma única curta sentença:
“Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim.”2
Dez palavras em português, em outras línguas é ainda mais
curta – em grego e russo, não mais que sete palavras. Mesmo
assim, em torno destas poucas palavras muitos Ortodoxos
através dos séculos construíram a própria vida espiritual, e
através desta única oração entraram nos mistérios mais
profundos do conhecimento Cristão. A presente antologia
ajuda a explicar como os homens chegaram a descobrir tanto
em frase tão curta.
O compilador, Hegúmeno3 Chariton, foi um monge
Ortodoxo, um membro da antiga e histórica comunidade de
Valamo, situada numa ilha do Lago Ladoga, na fronteira
entre a Finlândia e a Rússia. Entrando na comunidade na
virada do século, tornou-se superior durante o período entre
as duas grandes guerras, em um tempo quando Valamo
ainda estava fora dos limites da União Soviética.
A antologia do Padre Chariton brota diretamente de sua
própria experiência monástica. Logo na sua entrada para o
monastério – seguindo o costume habitual nas comunidades
religiosas Ortodoxas – foi colocado sob a supervisão de um
stárets4, que instruiu o jovem noviço na prática da Oração de

1 Veja Cap II (i,1), p.51 (Bispo Nikon)


2 Outra possível tradução: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tenha misericórdia de
mim.” Ambas com 10 palavras, adotamos a primeira versão por estar em consonância
com aquela feita em Relatos de um Peregrino Russo (Vozes, 2009). (Nota da versão em
português)
3 Hegúmeno (ήγούµενος): título usado em grego e em russo para o superior da comunidade
monástica.
4 Stárets (plural startsi), literalmente um ‘ancião’: um monge (ocasionalmente uma
pessoa leiga) que se distingue por sua santidade, longa experiência na vida espiritual,
Jesus, e ao mesmo tempo em outras formas de oração e
esforços ascéticos. Com a morte de seu stárets, Chariton – na
ausência de um professor vivo – procurou por direção nos
livros. Ele tinha o costume de copiar num distinto caderno de
notas as passagens que particularmente o impressionavam e
assim, ao longo do tempo, compilou uma antologia sobre a
arte da prece. Veio a ele a idéia de que as palavras que lhe
foram úteis também seriam de ajuda para outros – não
apenas aos monges mas às pessoas leigas do mundo – e
assim, em 1936, decidiu publicar o material de seu caderno
de notas. Deliberadamente discreto, não adicionou
comentários nem conexões associativas próprias – ‘não
ousando a presunção’, como ele mesmo coloca, de que tivesse
‘alcançado a Oração Interior’5 – mas deixou que os autores
falassem inteiramente por eles mesmos.
A Arte da Prece, então, representa o fruto de cuidadosa
leitura através de muitos anos de vida monástica. Contêm
autores de épocas amplamente distintas, estendendo-se do
quarto ao vigésimo século, mas o grosso das citações vem de
escritores russos da segunda metade do século IXX. Tomada
como um todo, a antologia do Padre Chariton expõe diante do
leitor o ensinamento espiritual da Igreja Ortodoxa na sua
forma clássica e tradicional. Existem outros livros que
tentam, em diversas maneiras, cumprir a mesma meta, mas
poucos deles são emoldurados em termos tão inusitados,
diretos e vívidos.
Vivendo no grande monastério de Valamo, Padre
Chariton não poderia deixar de sentir-se como o herdeiro de
uma rica e antiga tradição que se estendia através de muitos
séculos passados. Quando entrou na comunidade, Valamo
ainda estava no cume de sua prosperidade, com 300-400
monges e quatro igrejas dentro do recinto principal, ao lado
de muitas capelas menores: era um lugar de peregrinação
honrado por toda a Rússia, com uma imensa casa de
hóspedes suficiente para abrigar 200 visitantes ao mesmo
tempo. Mas não era tanto a glória exterior que atraia um
monge como Chariton; seu interesse pousava mais na
tradição do ascetismo e da oração interior pela qual Valamo
se mantinha, e é esta herança invisível e espiritual que ele
e dom especial para guiar a alma dos outros.
5 p. 40. Cap. I (3). (3 é o número da página no arquivo ‘pdf’ em português, 40 a página
do trecho em inglês.)
busca tornar disponível para outros através de sua antologia.
Valamo por muito tempo foi um famoso centro
missionário: durante a Idade Média membros do monastério
viajaram através do distrito circundante de Karelia pregando
às tribos pagãs, enquanto que em 1794 foram nove monges
de Valamo os escolhidos para ir ao Alaska como os primeiros
missionários Ortodoxos no Novo Mundo. Embora fale aos
Cristãos, não pagãos, em seu próprio modo o Hegúmeno
Chariton também é um missionário – não através da
pregação direta, mas através da palavra impressa. Ele fala
daquele reino interno do coração, desconhecido à maioria dos
Cristãos, que todo membro batizado do Corpo de Cristo pode
descobrir dentro de si mesmo através da arte da prece.

As fontes da antologia

Durante o século IXX a Igreja Ortodoxa Russa


testemunhou um florescimento extraordinariamente rico de
vida espiritual. Foi, principalmente, por dois dos maiores
escritores deste movimento que Chariton atraiu-se ao
compilar seu caderno de notas – pelo Bispo Teófano, ‘o
Recluso’ (em russo, Zatvornik) e pelo Bispo Inácio
Brianchaninov. Citações do primeiro compreendem a maior
parte da Arte da Prece.
Teófano, o Recluso (1815-94), conhecido no mundo
como George Govorov, nasceu em Chernavsk, perto de Orlov,
na província de Viatca situada na Rússia central. Seu pai era
um padre de paróquia e, como muitos filhos do clérigo na
Russia pré-revolucionária, ele próprio foi preparado para o
sacerdócio, sendo enviado para estudar num seminário. Suas
características posteriores já eram aparentes neste primeiro
estágio de sua vida: os professores do seminário o descreviam
como ‘disposto a solidão, gentil e silencioso’. Após o
seminário passou quatro anos na Academia Teológica de Kiev
(1837-41). Aqui na cidade de Kiev veio a conhecer a vida
monástica em primeira mão, fazendo frequentes visitas ao
Lavra Petchersky, o berço do monasticismo russo, e estando
sob a influência de um dos startsi da comunidade, Padre
Parthenii.6
Ao graduar-se na Academia, Teófano tomou os votos

6 Veja Cap. III(iii) – parte 2 p-17.


monásticos e foi ordenado padre. Intelectualmente dotado,
estudioso por inclinação natural, tornou-se professor no
seminário de Olonetz e mais tarde na Academia de São
Petersburgo. Logo após, passou sete anos (1847-54) no
Oriente Próximo, especialmente na Palestina, onde serviu na
Missão Espiritual Russa. Durante esta época adquiriu um
excelente domínio do grego e tornou-se completamente
familiarizado com os Padres – conhecimento do qual ele fez
bom uso na sua vida posterior. Retornando a Rússia, tornou-
se reitor da Academia de São Petersburgo. Em 1859 foi
elevado ao episcopado, servindo como Bispo, primeiro em
Tambov, e depois em Vladimir.
Mas o coração de Teófano pousava, não no trabalho
ativo da administração diocesana, mas sim numa vida de
oração e seclusão; e assim em 1866, depois de sete anos
como bispo, renunciou a seu cargo e retirou-se para um
modesto monastério provincial em Vyshen, onde permaneceu
até sua morte, vinte e oito anos depois. De início tomou parte
nos serviços da igreja do monastério, mas de 1872 em diante
permaneceu estritamente recluso, nunca saindo, não vendo
ninguém exceto seu confessor e o superior do monastério. Ele
viveu com a máxima simplicidade em dois quartos
pobremente mobiliados, enquanto que em sua pequena
capela doméstica tudo foi reduzido ao estritamente essencial,
e não havia nem mesmo um iconostasis. 7 Aí, depois de sua
reclusão, ele celebrava a Sagrada Liturgia8, de início aos
Sábados e Domingos somente, mas durante os últimos onze
anos de sua vida, diariamente. Ele executava o serviço por si
mesmo, sem um auxiliar, sem ninguém para dar as respostas
– nas palavras de um biógrafo, ‘tudo sozinho, em silêncio, co-
celebrando com os anjos’.
Como um recluso, Teófano dividia seu tempo entre a
oração e o trabalho literário: em particular, passava muitas
horas a cada dia respondendo a vasta correspondência que
lhe chegava de todos os cantos da Rússia, principalmente de
mulheres. Para relaxar pintava ícones e trabalhava um pouco
com carpintaria. Sua dieta era de grande austeridade: pela
manhã, uma xícara de chá com algum pão; por volta das
14:00, um ovo (se não fosse um dia de jejum) e outra xícara
7 Tela de ícones que normalmente divide o santuário em uma igreja Ortodoxa do resto
do prédio.
8 A Liturgia: o termo Ortodoxo usual para o Serviço de Comunhão ou Missa.
de chá; a noite, chá novamente e pão. Isto era tudo.
De todos os autores monásticos russos, Teófano é
provavelmente o mais altamente educado. Em seu retiro em
Vyshen ele levou consigo uma biblioteca bem abastecida,
incluindo trabalhos de filosofia contemporânea ocidental,
mas que continha primordialmente os Padres: entre seus
livros estava a completa Patrologia de Migne. Sua reverência
pelos Padres é evidente em todas as coisas que escreveu;
embora citações explícitas sejam comparavelmente
infrequentes, ele sempre se mantém extremamente perto dos
seus ensinamentos.
Como um visível monumento das suas três décadas de
seclusão, Teófano deixou um substancial corpo de escritos.
Ele preparou edições em russo de vários trabalhos espirituais
gregos9 e compôs muitos volumes de comentários às
Epístolas de São Paulo. Mas seu principal legado está em sua
correspondência, parcialmente publicada em dez volumes, e é
dela, em sua maioria, que o Padre Chariton faz citações em
sua antologia. Apesar de seu conhecimento acadêmico,
Teófano tinha o dom especial de expressar-se em linguagem
vívida e direta. Escreveu em resposta para questões práticas
e problemas pessoais específicos; e assim escreveu de modo
simples, em termos que poderiam penetrar diretamente no
coração destas crianças espirituais que nunca tinha
encontrado, embora as entendesse tão bem. Profundamente
enraizado na tradição do passado, e ao mesmo tempo em que
mantinha-se estreitamente conectado com problemas
contemporâneos através de sua correspondência, Teófano
representa aquilo que é o melhor do ensinamento espiritual e
ascético da Igreja Ortodoxa. Foi corretamente dito: ‘Não
podemos compreender a Ortodoxia Russa a menos que
entendamos o celebrado Recluso.’ 10
O autor que, próximo a Teófano, Chariton mais
frequentemente cita – Inácio Brianchaninov (1807-67) –
seguiu uma carreira que foi em muitos aspectos paralela.
Como Teófano, Inácio tornou-se um bispo, e como Teófano
serviu como tal apenas por um curto período,
voluntariamente renunciando e retirando-se em seclusão, de
modo a devotar suas plenas energias à escrita e à orientação

9 Algumas destas edições estão disponíveis em inglês: veja a Bibliografia.


10 S. Tyszkiewicz, S. J., in Orientalia Christiana Periodica, xvi (i950), p. 412.
espiritual. Os dois vieram, entretanto, de diferentes meios
sociais: enquanto o pai de Teófano era um pastor de
paróquia, Dimitri (como Inácio era chamado antes de tornar-
se um monge) foi um membro da nobreza, o filho de um
fazendeiro provincial.
Na Rússia do século dezenove era muito incomum que
um membro da aristocracia fosse ordenado ou se tornasse
um monge. O pai de Dimitri pretendia que seu filho seguisse
o natural percurso de vida para alguém de sua classe e
assim, em 1822, o rapaz foi enviado à Pioneira Escola Militar
em São Petersburgo. Ali provou ser um exemplar pupilo –
dotado e diligente – e durante uma inspeção foi
particularmente notado pelo Grande Duque Nicolas Pavlovich
(prestes a subir ao trono como o Imperador Nicolas I). Mas o
coração de Dimitri não pertencia aos estudos militares. Desde
cedo sentia um profundo anseio interior pela vida monástica,
e num momento, durante a época em que esteve na Escola
Pioneira, ele até chegou a pedir por sua liberação, mas ela foi
recusada pelo Imperador Nicolas. Em 1826, foi comissionado
como um oficial, mas no fim daquele ano ficou seriamente
adoecido, passando por uma crise física e espiritual, e a ele
foi permitido dar entrada ao desligamento do Exército. Logo
em seguida, tornou-se noviço e passou os próximos quatro
anos em muitos monastérios diferentes, acabando por tomar
seus votos e receber o sacerdócio em uma pequena
comunidade perto de Vologda.
Mas não foi permitido que Padre Inácio – como era agora
conhecido – permanecesse ali por muito tempo. Mais ou
menos nessa época, o Czar visitou a Escola Pioneira e
(desconhecendo a saída de Inácio do exército) ele perguntou
ao Diretor o que havia acontecido com Brianchaninov. ‘Ele é
agora um monge’, veio a resposta. ‘Onde?’ perguntou Nicolas;
mas o diretor não sabia. Depois de uma ulterior investigação,
Nicolas soube do retiro de Inácio perto de Vologda, e deu
ordens imediatas para que ele retornasse a capital.
Convencido de que um bom oficial dificilmente daria um
monge ruim, Nicolas prontamente nomeou Inácio – na tenra
idade de vinte e seis anos – para ser Arquimandrita (Superior)
do importante monastério de S. Sergii em Petersburgo. Este
não ficava longe do Palácio e do apreço do patronato imperial;
o Czar instruiu Inácio a transformá-lo em uma comunidade
modelo, onde os que visitavam a corte poderiam ir para
aprender aquilo que um verdadeiro monastério deveria ser.
Lá Inácio permaneceu pelos próximos vinte e quatro anos.
Em 1857 foi consagrado Bispo de Staropol, mas renunciou
em 1861, retirando-se pelos últimos seis anos de sua vida
para o monastério Babaevski na diocese Kostroma.
Assim como Teófano, Inácio foi um escritor prolífico e a
edição da coleção dos seus trabalhos atingiu cinco pesados
volumes. A maioria dos seus livros são destinados
especificamente para um público monástico. Entre outras
coisas, compôs um tratado sobre a Oração de Jesus. 11 Ele
estava ancorado, como Teófano estava, na tradição dos
Padres. Nenhum deles buscou ser ‘original’, mas viam a si
mesmos mais como guardiões e porta-vozes de uma grande
herança ascética e espiritual recebida do passado. Ao mesmo
tempo eles foram muito além da repetição mecânica dos
escritores anteriores; pois esta tradição herdada do passado
era também algo que eles próprios tinham experimentado
criativamente nas suas próprias vidas interiores. Esta
combinação de tradição e experiência pessoal dá aos seus
escritos um particular valor e autoridade.
Além de Teófano e Inácio, Padre Chariton também faz
citações ocasionais de outras autoridades russas do fim do
século dezenove e início do século vinte, tais como Bispos
Justin e Nikon, e São João de Kronstadt. Junto com esses
escritores russos, ele inclui uma quantidade de textos gregos
– por exemplo, passagens de S. Marco, o Monge, e as
Homílias de S. Macário (séc. V), de S. Barsanúfio e João (Séc.
VI), S. Simeão o Novo Teólogo (séc XI), Sts. Gregório do Sinai
e Gregório Pálamas (séc. XIV). Alguns Padres Sírios também
comparecem, tais como S. Efraim (séc. IV) e S. Isaac (séc. VI);
e também um Padre Latino, São João Cassiano (séc. V).
A maioria destes autores não-russos, Chariton
consultou na grande coleção de textos espirituais intitulada
de Filocalia (‘Amor ao Belo’), editada primeiramente em grego
por S. Nicodemos da Sagrada Montanha em 1782; uma
versão eslava, do stárets russo Paissy Velichkovsky, apareceu
dez anos mais tarde, enquanto que uma edição muito
expandida, preparada por Teófano o Recluso, foi publicada
em cinco volumes durante os anos de 1786-90 sob o título de
Dobro-tolubiye.12 Foi este último que Chariton consultou. No
11 Traduzido para o inglês (ver Bibliografia).
12 Uma grande parte deles apareceu em inglês: veja a Bibliografia.
todo, entretanto, ele não inclui muitos trechos da Filocalia,
talvez pelo desejo de manter sua antologia o mais simples e
inteligível possível: pode ter temido que a Filocalia provasse
ser muito difícil para a maioria dos leitores. Ele se dirigiu,
portanto, aos trabalhos de Teófano e Inácio, que contêm
precisamente o mesmo ensinamento básico dos textos gregos
na Filocalia, mas que são apresentados em uma forma que
pode ser mais facilmente assimilada pelos Cristãos do século
vinte. Nas próprias palavras de Bispo Inácio (claro que não
está, de fato, falando de si mesmo, mas o que ele diz se aplica
também a ele e a Teófano): ‘os escritos dos Padres russos nos
são mais acessíveis que aqueles das autoridades gregas,
devido à particular clareza e simplicidade de exposição deles,
e também porque nos são mais próximos no tempo.’ 13

A mente, o espírito e o coração

A definição básica de prece dada na antologia do Padre


Chariton é extremamente simples. Orar é essencialmente um
estado de permanência diante de Deus. Nas palavras de S.
Dimitri de Rostov (séc. XVII): ‘Orar é dirigir a mente e os
pensamentos a Deus. Orar significa permanecer diante de
Deus com a mente, olhar mentalmente para Ele de modo
inabalável, e conversar com Ele com reverente medo e
esperança.’ 14 Esta noção de ‘permanecer diante de Deus’
recorre repetidamente em Teófano: ‘A coisa principal é ficar
com a mente no coração diante de Deus, e seguir em pé
diante dele incessantemente dia e noite, até o final da vida.’15
‘Nós não contradiríamos o significado das instruções dos
Santos Padres se disséssemos: comporte-se como queira,
contanto que você aprenda a permanecer diante de Deus com
a mente no coração, pois nisto reside a essência da
questão.’16 Este estado de permanência diante de Deus pode
ser acompanhado por palavras, ou pode ser ‘silencioso’:
algumas vezes falamos a Deus, algumas vezes simplesmente
permanecemos em Sua presença, nada dizendo, mas
conscientes de que Ele está perto de nós, ‘mais perto do que

13 p. 107. Cap. III (iii, 9) parte 2.


14 p. 50. Cap. I (20).
15 p. 63. Cap. II (i, 25).
16 pp. 62-63. Cap. II (i, 24).
nossa própria alma.’ 17 Como Teófano coloca: ‘A oração
interior significa pôr-se de pé com a mente no coração diante
de Deus vivendo simplesmente em Sua presença, ou
expressando súplica, agradecimento e glorificação.’ 18
Enquanto S. Dimitri fala de ‘permanecer diante de Deus
com a mente’, Teófano é mais preciso e diz ‘permanecer
diante de Deus com a mente no coração’. Esta noção de estar
‘com a mente no coração’ constitui um princípio primordial
da doutrina da oração Ortodoxa. Para apreciar as implicações
desta frase, é necessário olhar brevemente para a natureza do
homem no ensinamento Ortodoxo.
Teófano e outros autores em A Arte da Prece falam de
três elementos no homem – corpo, alma e espírito – que
Teófano descreve como segue: ‘O corpo é feito de terra;
embora não seja algo morto, mas vivo, e dotado com uma
alma viva. Dentro desta alma soprou-se um espírito – o
espírito de Deus - destinado a conhecer Deus, a reverenciá-
Lo, a buscar e prová-Lo, e a obter a felicidade Nele e em nada
mais.’ 19 A alma, então, é o princípio básico da vida – o que
faz do ser humano algo vivo, oposto a uma massa inanimada
de carne. Mas enquanto a alma existe primariamente no
plano natural, o espírito nos leva a contatar a ordem das
realidades divinas: é a mais alta faculdade no homem, e
aquela que o capacita a entrar em comunhão com Deus.
Assim sendo, o espírito do homem (com ‘e’ minúscula) está
estreitamente ligado com a Terceira Pessoa da Trindade, o
Espírito Santo, ou Espírito de Deus (com ‘E’ maiúscula); mas
embora conectados, os dois não são idênticos – confundi-los
seria terminar em panteísmo.
Corpo, alma, e espírito têm cada um sua especial
maneira de conhecer: o corpo através dos cinco sentidos; a
alma através do raciocínio intelectual; o espírito através da
consciência, através de uma percepção mística que
transcende o processo racional comum.
Juntamente com os elementos do espírito, alma e corpo,
há outro aspecto da natureza do homem que fica de fora
desta classificação ternária – o coração. O termo ‘coração’ é
de particular significância na doutrina Ortodoxa do homem.
Quando as pessoas no ocidente falam hoje do coração, eles
17 Uma frase do escritor grego, Nicolas Cabasilas (séc. XIV): Migne, P.G.
(Patrofagia Graeca), cl. 712 A.
18 pp. 70-71. Cap. II(ii, 13).
19 pp. 60-61. Cap. II(I, 20).
normalmente referem-se a emoções e afetos. Mas na Bíblia,
como na maioria dos textos ascéticos da Igreja Ortodoxa, o
coração tem uma conotação muito mais ampla. É o órgão
primário do ser do homem, seja físico como espiritual; é o
centro da vida, o princípio determinante de todas as nossas
atividades e aspirações. Como tal, o coração obviamente
inclui os afetos e as emoções, mas, além disso, inclui muito
mais coisas: ele abarca na realidade tudo que se inclui
naquilo que chamamos uma ‘pessoa’.
As Homílias de S. Macário desenvolvem esta idéia do
coração: ‘O coração governa e reina sobre todo o organismo
corporal; e quando a graça possui as fileiras do coração, ela
governa sobre todos os membros e os pensamentos. Pois lá,
no coração, está a mente, e todos os pensamentos da alma e
sua expectativa; e neste modo a graça também penetra em
todos os membros do corpo ... Dentro do coração há abismos
insondáveis. Nele há salas de recepção e quartos de dormir,
portas e varandas, e muitos escritórios e passagens. Nele está
a oficina dos justos e dos malvados. Nele está a morte; nele
está a vida… O coração é o palácio de Cristo: ali Cristo, o Rei,
vem tomar Seu repouso, com os anjos e os espíritos dos
santos, e Ele mora lá, caminhando pelo interior e colocando o
Seu Reino ali.
‘O coração é apenas um pequeno vaso; e, no entanto,
dragões e leões estão ali, e lá estão criaturas venenosas e
todos os tesouros da perversidade; caminhos ásperos e
irregulares estão ali, e escancarados abismos. Igualmente ali
está Deus, estão os anjos, ali a vida e o Reino, ali a luz e os
Apóstolos, as cidades celestiais e os tesouros da graça: todas
as coisa estão lá.’ 20
Compreendido neste todo-abrangente sentido, o coração
claramente não se limita dentro de nenhum dos três
elementos no homem – corpo, alma e espírito – se tomados
singularmente, mas está conectado com todos eles ao mesmo
tempo:
(1) O coração é algo que existe no nível material, uma
parte do nosso corpo, o centro do nosso organismo do ponto
de vista físico. Este aspecto material do coração não deve ser
esquecido. Quando os textos ascéticos Ortodoxos falam do
coração, eles querem dizer (entre outras coisas) o ‘coração

20 Hom. xv. 20, 32, 33; xliii. 7.


carnal’, ‘um pedaço de carne muscular’21, e eles não são
apenas entendidos no sentido simbólico ou metafórico.
(2) O coração está conectado de um modo especial com a
composição psíquica do homem, com sua alma: se o coração
pára de bater sabemos por isto que a alma não se encontra
mais no corpo.
(3) Na mais importante de todas as significações para o
nosso presente propósito, o coração está conectado com o
espírito. Nas palavras de Teófano: ‘O coração é o homem
intimo ou espírito. Aqui estão localizadas a ciência de si, a
consciência, a idéia de Deus e da própria e completa
dependência Dele, e todos os eternos tesouros da vida
espiritual.’22 Existem momentos, ele continua, em que a
palavra ‘coração’ é para ser compreendida ‘não no seu
significado comum, mas no sentido do “homem interior”.
Temos dentro de nós um homem interior, de acordo com o
Apóstolo Paulo, ou um homem oculto do coração, de acordo
com o Apóstolo Pedro. É o espírito de Deus que foi soprado no
primeiro homem e permanece continuamente conosco,
mesmo depois da Queda.’23 Nesta conexão os escritores
russos e gregos gostam de citar o texto: ‘O homem interior e o
coração estão muito profundos’.24 Este ‘coração profundo’ é
equivalente ao espírito do homem: significa o âmago ou ápice
do nosso ser, aquilo que os místicos Renânios25 e Flamingos
nomearam como sendo o ‘solo da alma’. É aqui, no ‘coração
profundo’, que um homem fica face a face com Deus.
Agora é possível compreender, em alguma pequena
medida, o que Teófano quer dizer quando ele descreve a
oração como ‘permanecer diante de Deus com a mente no
coração’. Tanto quanto o asceta ora com a mente na cabeça,

21 p. 191 (Teófano). Cap. V(ii, 27)


22 p. 190. Cap. V(ii, 26)
23 p. 191. Cap. V(ii, 28)
24 Salmos lxiii. 7 de acordo com a numeração Septuaginta; Salmos lxiv. 6 no Livro de
Oração Comum. [Salmos lxiv. 7 na Bíblia. O texto na Bíblia de Jerusalém (Paulus,
2008.) é: No fundo do homem o coração é impenetrável. (nota da versão em
português)] A Igreja Ortodoxa usa a numeração dos Salmos como é dada na tradução
grega do Velho Testamento, conhecida como Septuaginta; a mesma numeração
também é dada na Vulgata Latina. No caso da maioria dos Salmos, esta se diferencia
levemente da numeração do texto Hebreu, que é seguido pelo Livro Anglicano de
Oração Comum e a Versão Autorizada.
No caso do texto presente, traduzimos diretamente do Hebreu ao invés da
Septuaginta, onde o sentido é um pouco obscuro.
25 Renânia (em alemão: Rheinland) é o nome genérico de uma região do oeste da
Alemanha, nas duas margens do médio e baixo Reno, rio do qual tira seu nome.
ele ainda está trabalhando somente com as reservas do
intelecto humano, e neste nível nunca obterá um imediato e
pessoal encontro com Deus. Pelo uso do seu cérebro, ele irá
na melhor das hipóteses saber sobre Deus, mas ele não
conhecerá a Deus. Pois não pode existir conhecimento direto
de Deus sem um amor extremamente grande, e tal amor deve
vir não apenas do cérebro, mas da plenitude do homem – isto
é, do coração. É necessário, então, que o asceta desça da
cabeça ao coração. Não é requerido que abandone seus
poderes intelectuais – a razão, também é um dom de Deus –
mas ele é chamado a descer com a mente ao seu coração.
Ao coração, então, desce – ao seu coração natural
primeiro, e de lá ao coração ‘profundo’ – naquele ‘quarto
interno’ do coração que não é mais de carne. Aqui, nas
profundezas do coração, descobre de início o ‘espírito divino’
que é a Sagrada Trindade implantada no homem na criação,
e com este espírito vem a conhecer o Espírito de Deus, que
habita dentro de todo Cristão desde o momento do batismo,
muito embora a maioria de nós seja ignorante de Sua
presença. De um ponto de vista, a plena meta da vida
ascética e mística é a redescoberta da graça do batismo. O
homem que avança ao longo do caminho da oração interior
deve, deste modo, ‘retornar a si mesmo’ encontrando o reino
do céu que está dentro e, assim, atravessar a misteriosa
fronteira entre o criado e o incriado.

Três graus de oração

Assim como existem três elementos no homem, assim


existem três principais graus de oração26:
(1) Prece oral ou corporal
(2) Prece da mente
(3) Prece do coração (ou ‘da mente no coração’): oração
espiritual.
Resumindo esta distinção ternária, Teófano observa:
‘Você deve orar não somente com palavras, mas com a mente;
e não só com a mente, mas com o coração, de modo que a
mente compreende e vê claramente o que é dito em palavras,

26 A oração é uma realidade viva, um encontro pessoal com o Deus vivo, e como tal
não pode estar confinada dentro dos limites de quaisquer análises rígidas. O esquema
de classificação dado aqui, como todos tais esquemas, pretende ser apenas um guia
geral. Leitores cuidadosos desta antologia observarão que os Padres não são
absolutamente consistentes no uso da própria terminologia.
e o coração tem o sentimento daquilo que a mente está
pensando. Todos eles juntos e combinados constituem a
prece real, e se algum deles está ausente a sua prece ou não
é perfeita ou não é, de fato, uma prece.’27
A primeira espécie de prece – oral ou corporal – é oração
dos lábios e da língua, oração que consiste na leitura ou
recitação de certas palavras, de joelhos, de pé ou fazendo
prostrações. Claramente, tal prece, se é meramente oral ou
corporal, não é realmente de fato uma oração: além de recitar
as sentenças é também essencial para nós concentrar-nos
interiormente no significado daquilo que dizemos, ‘confinar
nossas mentes dentro das palavras da prece’. 28 Assim, o
primeiro grau da prece se desenvolve naturalmente no
segundo: toda prece oral, se é digna de ser chamada de
‘prece’, deve ser em alguma medida uma prece interna ou
uma prece da mente.
Na medida em que a prece torna-se mais interna, a
recitação oral externa torna-se menos importante. É
suficiente para a mente rezar as palavras internamente sem
qualquer movimento dos lábios; algumas vezes, na verdade, a
mente ora sem formar quaisquer palavras. No entanto,
mesmo aqueles que são avançados nos caminhos da oração
normalmente ainda desejarão uma ocasião para usar a prece
oral comum; mas a prece oral deles é, ao mesmo tempo, uma
prece interna da mente.
Não é suficiente, entretanto, meramente alcançar o
segundo grau da prece. Tanto quanto a oração permanece na
cabeça, no intelecto ou cérebro, ela fica incompleta e
imperfeita. É necessário descer da cabeça ao coração –
‘encontrar o lugar do coração’, ‘baixar a mente no coração’,
‘unir a mente com o coração’. Então, a prece se tornará
verdadeiramente ‘prece do coração’ – a oração não de uma
faculdade apenas, mas do inteiro homem, alma, espírito e
corpo: uma oração que não é só de nossa inteligência, de
nossa razão natural, mas do espírito com seu especial poder
de direto contato com Deus.
Observe que a prece do coração não é apenas a oração
da alma e do espírito, mas também do corpo. Não deve ser
esquecido que o coração significa, entre outras coisas, um

27 p. 67. Cap. II(ii, 7)


28 p. 67. Cap. II(ii, 8)
órgão corporal. O corpo tem também um papel positivo no
trabalho da prece. Isto é claramente indicado nas vidas dos
santos Ortodoxos cujos corpos, durante a oração, foram
externamente transfigurados pela Luz Divina, assim como o
corpo de Cristo também se transfigurou no Monte Tabor.29
A prece do coração assume dois modos – um (nas
palavras de Teófano) ‘ativo, quando o homem, ele mesmo,
esforça-se pela oração, e o outro auto-impelido, quando a
oração existe e age por si mesma’.30 No primeiro estágio, ou
aquele ‘ativo’, a oração ainda é algo que um homem oferece
por seu próprio esforço consciente, auxiliado, é claro, pela
graça de Deus. No segundo estágio, a oração oferece-se
espontaneamente, sendo conferida ao homem como um dom:
é como se ele tivesse sido ‘tomado pelas mãos e fosse,
forçosamente, levado de um quarto para outro’31— não é mais
ele que ora, mas o Espírito de Deus que ora nele. Tal oração,
‘concedida como um presente’, pode ser algo que vem ao
homem apenas de tempos em tempos, ou pode ser
incessante. No segundo caso, a oração continua dentro dele
junto com qualquer coisa que esteja fazendo, presente
quando fala e escreve, falando em seus sonhos, acordando-o
pela manhã. A oração num tal homem não é mais uma série
de atos mas um estado; e ele encontrou o caminho para
cumprir o mandamento de Paulo: ‘Ore sem cessar’ (I Tess. v.
17). Nas palavras de S. Isaac o Sírio: ‘Quando o Espírito
estabelece sua morada num homem, este não cessa de rezar,
porque o Espírito irá constantemente orar nele. Então, quer
esteja dormindo quer esteja acordado, a oração não se separa
de sua alma; mas enquanto ele come, enquanto bebe, quer
esteja deitado, quer esteja trabalhando ou mesmo
mergulhado no sono, o perfume da oração exalará em seu
coração espontaneamente. ’ 32 Como a Bíblia o expressa: ‘Eu
dormia, mas meu coração velava’ (Cântico dos Cânticos. v. 2).
Deste ponto em diante a prece do coração começa a
tomar a forma de ‘oração mística’ no mais estreito sentido – o
que Teófano nomeia como ‘oração contemplativa’, ou oração

29 Veja p. 66 Cap II(ii, 7); e compare com p. 156 Cap. IV(iii, 15), onde Teófano fala da
‘espiritualização da alma e do corpo’.
30 p.71. Cap. II (ii, 14)
31 p. 65 Cap. II (ii, 4) (Teófano).
32 Mystic Treatises, ed. A. J. Wensinck, Amsterdam, 1913, p. 174. [Veja Pequena
Filocalia, Paulus, São Paulo, 1985, p.61.]
‘que vai além dos limites da consciência’.33 ‘O estado de
contemplação’, diz ele, ‘é o aprisionamento da mente e da
inteira visão por um objeto espiritual tão poderoso que todas
as coisas externas são esquecidas, e ficam inteiramente
ausentes da consciência. A mente e a consciência tornam-se
tão completamente imersas no objeto contemplado que é
como se nós não mais as possuíssemos.’34 Teófano também
denomina este estado de contemplação de ‘oração de êxtase’
ou ‘arrebatamento’. Não muito, entretanto, é dito na antologia
de Chariton a respeito destes níveis superiores de oração.
Aqueles sem experiência pessoal de tal oração não
entenderiam o que é dito, enquanto que aqueles que a
experimentassem iriam ter pouca necessidade de livros.

As paixões e a imaginação

Na medida em que o asceta busca avançar da prece oral


à prece da mente no coração, ele se defronta com dois
obstáculos principais: as paixões e a imaginação.
‘O desafio ascético mais importante’, escreve Teófano, ‘é
proteger o coração dos movimentos apaixonados e a mente
dos pensamentos apaixonados.’35 Por ‘paixões’ os escritores
Ortodoxos não querem remeter simplesmente à luxúria e ao
ódio – as coisas que hoje despontam na mente da maioria das
pessoas quando a palavra ‘paixão’ é empregada. Eles querem
se referir a algo mais amplo – todo anseio e mau desejo por
onde o demônio busca conduzir os homens ao pecado.
Tradicionalmente as paixões são classificadas em oito
‘demônios’ ou maus pensamentos: gula, luxúria, avareza,
tristeza36, ‘acídia,’37 vangloria e orgulho.38 Em última
instância todas as oito despontam da mesma raiz – amor-
próprio (φιλαυτία), o estabelecimento de ‘eu’ em primeiro, e de
Deus e nossos vizinhos em segundo; e assim, das oito, talvez
o orgulho possa ser considerada como a paixão fundamental.
33 pp. 52 Cap II(i, 4); p 64, Cap II(ii, 3).
34 p. 64. Cap II(ii, 3).
35 p.185. Cap V(ii, 12).
36 Inclui-se aqui a inveja.
37 Do grego: ‘akedia’, do latim: ‘acidia’. No texto em inglês ‘accidie’: Não há nenhum
termo exato e equivalente a este no inglês moderno. É uma forma de apatia, falta de
entusiasmo, e depressão.
38 Esta lista vem de Evágrios Pôntico, um monge do Egito do século IV. Tomado pelo
ocidente e levemente adaptado, tornou-se os ‘sete pecados capitais’. Alguns Padres
usam uma classificação diferente – por exemplo, São Marco, o Monge com seu ‘três
gigantes espirituais’ (p. 200 – Cap. VI (i, 5)).
‘Felizes os puros no coração, porque verão a Deus’
(Mateus v. 8). A visão de Deus e a pureza de coração seguem
juntos: ninguém, portanto, pode ter esperanças de ascender
na escada da oração a menos que tome parte numa amarga e
persistente luta contra as paixões. Como Teófano insiste: ‘Há
apenas um modo de começar e este é através do domínio das
paixões.’39 O caminho até a oração pura é uma caminho
moral, que envolve uma disciplina da vontade e do caráter.
Essa é a razão pela qual uma extensa sessão em A Arte da
Prece é devotada para o tema da ‘guerra com as paixões’.
No entanto, em paralelo com a disciplina moral deve
haver também uma disciplina da mente. Não são apenas os
pensamentos apaixonados um obstáculo à oração interior,
mas todas as imagens, acompanhadas por paixões ou não.
De acordo com o ensinamento da Cristandade oriental, a
imaginação (φαντασία)— a faculdade através da qual
formamos retratos mentais mais ou menos vívidos de acordo
com nossa capacidade – tem na sua melhor expressão um
lugar muito restrito no trabalho da prece; e muitos (incluindo
Teófano) atestam que ela realmente não tem lugar algum.40
Na oração, assim ensina Teófano, não ‘sustente
nenhuma imagem intermediária entre a mente e o Senhor’
[…] ‘A parte essencial é habitar em Deus, e esta caminhada
diante de Deus significa que você sempre vive com a
convicção, diante de sua consciência, que Deus está em você,
como Ele está em tudo: você vive com a firme certeza de que
Ele vê tudo que está dentro de si, conhecendo-lhe melhor que
você mesmo. Esta ciência do olho de Deus olhando para seu
ser interior não deve ser acompanhada por qualquer conceito
visual, mas deve confinar-se a uma simples convicção ou
sentimento’.41
‘Não permita quaisquer conceitos, imagens ou visões.’42;
‘dissipe todas as imagens da mente.’ 43; ‘Na oração a regra
mais simples é não formar imagem de nada’.44 Tal é o padrão
39 p. 200. Cap. VI (I, 5).
40 Contraste os métodos da meditação discursiva amplamente recomendados na Igreja
Católica Romana desde a Contra-Reforma, que dependem muito extensivamente do
uso da imaginação. Sobre a diferença, aqui, entre a espiritualidade Ortodoxa e a
espiritualidade moderna ocidental, veja a introdução do Professor H. A. Hodges da
obra Unssen Warfare (traduzido por E. Kadloubovsky e G. E. H. Palmer), Londres,
1952, especialmente pp.34-35.
41 p. 100. Cap. III (iii, parte 1, 29).
42 p. 101. Cap III (iii, parte 1, 31).
43 p. 101. Cap. III (iii, parte 1, 32).
44 p.183. Cap. V (ii, 8).
do ensinamento dos Padres orientais. Como um deles
colocou: ‘Quem quer que nada veja em sua oração, vê Deus.’
Nossa mente que está normalmente dispersa no exterior,
entre uma ampla variedade de pensamentos e idéias, deve ser
‘unificada’. Deve ser trazida da multiplicidade para a
simplicidade e para a vacuidade, da ‘diversidade’ para
‘escassez’: ela deve ser despida de qualquer imagem mental e
conceito intelectual, até que seja consciente de nada exceto a
presença do invisível e incompreensível Deus. Escritores
Ortodoxos descrevem este estado como ‘pura prece’ – pura,
isto é, não apenas de pensamentos pecaminosos e sim de
todos pensamentos. No ocidente uma equivalência parcial
pode ser encontrada naquilo em que algumas vezes nomeou-
se de ‘oração da simples estima’ ou ‘oração da atenção
amorosa’.
Mas embora insistindo na exclusão de todas as imagens,
Teófano e outros escritores em A Arte da Prece não são tão
exigentes em relação aos sentimentos. Pelo contrário, eles
enfatizam que a prece do coração é uma oração de
sentimento, e esta é uma das coisas que a distingue da prece
da mente.
Entre os sentimentos que Teófano e os outros
mencionam, três são de particular interesse:
(1) O sentido de ‘dor’ no coração.46 Este parece ser
predominantemente penitencial – um sentimento de
compunção, de ser ‘aferroado’ no coração.
(2) O sentimento de ‘calorosa ternura’ ou umilenie.47
Aqui o sentimento de compunção, de indignidade humana
ainda está presente, mas é eclipsado por um sentimento de
alegria amorosa e sensível.
(3) Mais importante de todos é o sentido de calor
espiritual – a ‘combustão do espírito’ dentro de nós, a ‘chama
da graça’ acesa no coração.48 Estreitamente relacionada a
esta experiência da chama ou fogo é a visão da Luz Divina
que muitos santos Ortodoxos receberam, entrando no
mistério da Transfiguração: no entanto, sobre isto, há apenas
poucas alusões passageiras em A Arte da Prece.
Estas referências a ‘sentimentos’, a ‘calor’ e ‘luz’, ainda

45 p. 127. Cap IV (I, 9)


46 pp. 65, Cap II(ii, 4); 108 -110, Cap III(iii, parte 2, 11-17); 149-163, Cap. IV(iii, 2 -31).
47 pp. 94-95. Cap. III(iii, 19-21)
que não sejam explicadas como meras metáforas, também
não devem ser compreendidas num sentido muito material e
grosseiro. A Luz que o santo vê ao seu redor e dentro de si, o
calor que sente em seu coração – estes são, de fato, calor e
luz objetivos e reais, perceptivamente experimentados através
dos sentidos. Mas ao mesmo tempo são luz e calor
espirituais, diferentes, em espécie, da luz e do calor natural
que normalmente sentimos e vemos; e como tais podem
somente ser experimentados por aqueles cujos sentidos
foram transformados e refinados pela graça divina.
Apesar de atribuir grande importância aos sentimentos,
Teófano também é agudamente consciente dos perigos que
podem seguir se são procurados sentimentos da espécie
errada. É necessário distinguir com o máximo cuidado entre
sentimentos naturais e espirituais: os primeiros não são
necessariamente danosos, mas não têm nenhum valor
particular, e não devem ser considerados como o fruto da
graça de Deus. Deveríamos vigiar cuidadosamente para
assegurar que nossos sentimentos na oração não sejam
poluídos por qualquer coloração de prazer sensual49; os
incautos caem muito facilmente apenas num hedonismo
espiritual, desejando a ‘doçura’ na prece como um fim em si
mesmo50 — uma das mais perniciosas formas de ‘ilusão’
(prelest).51 ‘O principal fruto da oração não é calor nem
doçura, mas temor a Deus e contrição. ’52

A Oração de Jesus

Em teoria, a Oração de Jesus é apenas uma dos muitos


possíveis caminhos para obtenção da oração interior; mas na
prática ela obteve tanta influência e popularidade na Igreja
Ortodoxa que quase chegou a ser identificada como a própria
oração interior. Em uma após outra autoridade espiritual, a
Oração de Jesus é especialmente recomendada como um
‘caminho rápido’ até a oração incessante, como o melhor e
mais fácil meio para concentrar a atenção e estabelecer a
mente no coração. Tais referências à Oração de Jesus, como
‘fácil’, não devem, é claro, ser levadas muito longe. Orar em

49 p. 127. Cap. IV (i, 8).


50 Sobre a ‘doçura’ e seus perigos, ver p.128, Cap IV(i, 11) e p.160. Cap. IV(iii, 24)
51 Sobre prelest, ver nota 1. Cap VI (I, 31).
52 p. 131 (Teófano) Cap. IV (I, 20)
espírito e em verdade nunca é fácil, muito menos nos estágios
iniciais. Para usar uma expressão russa, orar é um podvig –
um ato de luta ascética, um ‘feito’ ou ‘proeza’; orar, nas
palavras do Bispo Inácio, é um ‘martírio oculto’.53 Se a
Oração de Jesus é denominada ‘fácil’, é assim feita apenas
num sentido relativo.
A Oração de Jesus é normalmente dita na forma:
‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim.’ As
palavras ‘um pecador’ podem ser acrescentadas no fim, ou a
prece pode ser dita no plural, ‘tem piedade de nós’; e existem
outra variações. O que é essencial e constante através de
todas as formas é a invocação do Nome Divino. Como um
auxílio na recitação da Oração de Jesus é comum empregar-
se um cordão de oração (em grego, κοµβοσχοίνιον; em russo,
vervitsa, lestovka, ou tchotki). Este rosário Ortodoxo difere na
estrutura daquele utilizado no ocidente: normalmente é um
cordão enodado de lá ou outro material, de modo que,
diferente de um colar de contas, ele não faça barulho.
A divisão geral da prece em três graus – dos lábios, da
mente e do coração – aplica-se também à Oração de Jesus:

(1) Para começar, a Oração de Jesus é uma prece oral


como qualquer outra: as palavras são pronunciadas em voz
alta, ou ao menos formadas silenciosamente pelos lábios e
língua. Ao mesmo tempo por um deliberado ato de vontade a
atenção deve se concentrar no significado da Oração.
Durante este estágio inicial, a atenta repetição da Oração
frequentemente prova-se como uma meta difícil e cansativa,
invocando uma humilde persistência.
(2) No curso do tempo, a Oração torna-se mais interna e
a mente a repete sem qualquer movimento exterior dos lábios
ou da língua. Com este aumento de interioridade, a
concentração da atenção também se torna mais fácil. A
Oração adquire gradualmente um ritmo próprio, às vezes
cantando dentro de nós quase espontaneamente, sem
qualquer ato consciente da nossa parte. Como stárets
Parthenii colocou, temos dentro de nós ‘um pequeno córrego
murmurante’.54 Tudo isto é um sinal de que um homem se
aproxima do terceiro estágio.
(3) Finalmente a Oração entra no coração, dominando

53 p. 216. Cap. VI (i, 43).


54 p. 110. Cap. Cap. III (iii, parte 2, 16).
toda a personalidade. Seu ritmo se identifica mais e mais
estreitamente com o movimento do coração, até que
finalmente torna-se incessante. O que originalmente exigiu
esforços dolorosos e intensos é, agora, uma inextinguível
fonte de paz e felicidade.
Durante os estágios iniciais, quando a Oração é ainda
recitada com um deliberado esforço, é normal que uma
pessoa separe uma determinada parte do dia – talvez não
mais do que um quarto ou meia hora para começar, talvez
mais, cada um de acordo com a orientação do seu stárets –
durante a qual toda sua atenção é dirigida à repetição da
Oração de Jesus, excluindo-se todas as outras atividades.
Mas aqueles que obtiveram o presente da oração incessante
descobrem que a Oração de Jesus continua dentro deles sem
interrupção, mesmo quando estão ocupados com atividades
externas – em uma frase de Teófano: ‘As mãos à obra, a
mente e o coração com Deus’55 Mesmo assim, a maioria das
pessoas naturalmente irão querer separar a maior
quantidade de tempo possível para a recitação da Prece sem
distrações.
Historicamente as raízes da Oração de Jesus se
estendem até o Novo Testamento e ainda mais cedo. Os
Judeus do Velho Testamento tinham uma reverência especial
para o nome de Deus – o tetragrama que, de acordo com uma
tradição Rabínica posterior, ninguém poderia pronunciar em
voz alta. O Nome de Deus era visto como uma extensão de
Sua Pessoa, como uma revelação do Seu ser e uma expressão
do Seu poder. Continuando esta mesma tradição, o
Cristianismo, desde o princípio, mostrou respeito pelo Nome
que Deus tomou em Sua Encarnação – JESUS.56 Três textos
do Novo Testamento são de particular importância aqui:
(1) A declaração de Nosso Senhor na Última Ceia: ‘Até
agora nada tendes pedido em meu nome.... se pedirdes
alguma coisa ao Pai, ele vo-la concederá em meu nome (João
xvi. 24, 23).
(2) A solene afirmação de S. Pedro diante dos Judeus;
mencionando depois ‘o nome de Jesus Cristo de Nazaré’, ele
proclama: ‘não existe nenhum outro nome abaixo do céu,
dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos.
55p.92. Cap. III( iii, parte 1, 12).
56O Nome de ‘Jesus’ carrega o sentido especial de ‘Salvador’: ‘E lhe porás o nome de
Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles’ (Mateus. i. 21).
(Atos, iv. 10, 12)
(3) As familiares palavras de S. Paulo: ‘Pelo que também
Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está
acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre
todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra’ (Filipenses,
ii. 9-10). É fácil compreender como, com base em passagens
Bíblicas como estas, desenvolveu-se no tempo a prática da
invocação do divino Nome na Oração de Jesus.57
Além do próprio Nome, as outras partes da Oração
também têm um fundamento Bíblico. Duas orações no
Evangelho devem ser notadas: aquela do homem cego: ‘Jesus,
Filho de Davi, tem compaixão de mim!’ (Lucas xviii. 38)58; e
aquela do Publicano ‘Ó Deus, sê propício a mim, pecador!’
(Lucas xviii. 13.) No uso Cristão ‘Filho de David’ naturalmente
tornou-se ‘Filho de Deus’. Assim desenvolveu-se a fórmula da
Oração de Jesus – ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem
piedade de mim, um pecador’ – tomada inteiramente das
Escrituras.
Mas enquanto os elementos constituintes estão todos
claramente presentes no Novo Testamento, parece que
passou-se algum tempo até que fossem de fato reunidos
numa única oração. É claro que os primeiros Cristãos
reverenciavam o Nome de Jesus: se eles também praticavam
a contínua invocação do Nome e se praticavam, de que forma,
não podemos dizer. O primeiro claro desenvolvimento em
direção a Oração de Jesus, como a conhecemos hoje, ocorreu
com o surgimento do monasticismo no século IV, no Egito. Os
Padres do Deserto davam grande proeminência ao ideal da
prece contínua, insistindo que um monge deve sempre
praticar dentro dele o que eles denominaram de ‘meditação
secreta’59 ou ‘a lembrança de Deus’. Para ajudá-los nesta
meta de lembrança perpétua, tomaram alguma fórmula curta
que eles repetiam uma e outra vez: por exemplo: ‘Senhor,
Socorro,’60 ‘Oh Deus, venha rápido salvar-me,’61 ‘Senhor, o
57 Existem, é claro, muitas outras passagens Bíblicas relevantes para o desenvolvimento da
Oração de Jesus: por exemplo: 1 Cor. xii. 3: ‘ninguém pode dizer: Senhor Jesus!, senão
pelo Espírito Santo.’; e 1 Cor. xiv. 19: ‘prefiro falar na igreja cinco palavras com o meu
entendimento ... a falar dez mil palavras em outra língua’. Na exegese da tradição
Ortodoxa, as ‘cinco palavras’ foram tomadas para significar ‘Senhor Jesus Cristo, tem
piedade de mim’, que em grego e russo dão exatamente cinco palavras (veja p. 91. Cap. III
(iii, parte 1, 10)).
58 Compare com Mateus ix. 27; e também com xx. 31: ‘Senhor, Filho de Davi, tem
misericórdia de nós!’
59 Sobre isto, veja p. 75. Cap. III (I, 1-2)
60 Recomendado por S. Macário (morto 390): Apophtegmata 19 (P.G. xxxiv. 249A).
Filho de Deus, tenha misericórdia de mim,’62 ‘Eu pequei como
um homem, Tu como Deus tenha misericórdia.’63 Nos
períodos monásticos iniciais havia uma considerável
variedade destas preces ejaculatórias.
Tal era o meio no qual a Oração de Jesus desenvolveu-
se. Inicialmente era apenas uma entre muitas fórmulas
curtas, mas tinha uma incomparável vantagem sobre todas
as restantes – o fato de que continha dentro dela o Nome
Sagrado. Por isso, não é uma surpresa que no curso do
tempo passou a ser cada vez mais utilizada em detrimento às
outras. Mesmo assim – pois a Ortodoxia é uma religião de
liberdade – a variedade original nunca cessou inteiramente e
em certa ocasião em A Arte da Prece Teófano recomenda
outras fórmulas curtas, observando: ‘A força não está nas
palavras, mas nos pensamentos e sentimentos.’64 Em outro
lugar, entretanto, ele a qualifica, atribuindo uma eficácia
especial ao Nome Sagrado: ‘As palavras “Senhor Jesus Cristo,
Filho de Deus, tem piedade de mim” são apenas o
instrumento e não a essência do trabalho; mas elas são um
instrumento muito forte e efetivo, pois o Nome do Senhor
Jesus é apavorante para os inimigos da nossa salvação e uma
benção para todo aquele que O busca.’65 ‘A Oração de Jesus é
como qualquer outra prece. Ela só é mais forte que todas as
outras em virtude do todo-poderoso Nome de Jesus, Nosso
Senhor e Salvador.’66
Em que data o texto desenvolvido da Oração de Jesus
surgiu pela primeira vez em uma forma claramente
reconhecível? As fontes monásticas mais remotas (séc. IV),
enquanto mencionam outras fórmulas, não falam da
Invocação do Nome. Os primeiros escritores a se referirem
explicitamente a tal invocação ou ‘lembrança’ do Nome de
Jesus são S. Diádocos de Photike (muitas vezes citado em A
Arte da Prece) e S. Neilos de Ancara (ambos do séc. V); eles,
entretanto, não explicam exatamente qual forma esta
invocação tomou. Já o texto inteiro – ‘Senhor Jesus Cristo,
Filho de Deus, tem piedade de mim’ – é encontrado em um
trabalho de data levemente posterior (séc. VI–VII.:

61 Recomendado por S. João Cassiano: Collat, x. 10.


62 Vitae Patrum, V. v. 32: P. L. (Migne, Patrologia Latina), lxxiii, 882BC
63 Apophtegmata (P.G. Ixv), Apollo 2.
64 p. 62. Cap. II (I, 24)
65 pp. 100-101. Cap. III (iii, parte 1, 29-30)
66 p. 99. Cap. III(iii, parte 1, 26)
possivelmente no início do séc. VI), a Vida de Abba Filemon,
um eremita egípcio.67 Assim, não há nenhuma explícita e
definida evidência para a Oração, em sua forma totalmente
desenvolvida, antes do século sexto; mas suas origens
remontam à veneração do Nome no Novo Testamento.
No tempo, cresceu em torno da Oração de Jesus um
corpo de ensinamento tradicional – parcialmente escrito, mas
principalmente oral – normalmente designado pelo nome de
‘Hesicasmo’, aqueles que seguem este ensinamento sendo
denominados como ‘Hesicastas’.68 Desde o século sexto, esta
tradição viva da Oração de Jesus continuou
ininterruptamente dentro da Igreja Ortodoxa. Transmitida
por missionários gregos aos países eslavos e mais
notavelmente à Rússia, exerceu uma imensa influência sobre
o desenvolvimento espiritual de todo o mundo Ortodoxo.
Houve três períodos quando a prática da Oração tornou-se
particularmente intensa: o primeiro, a idade dourada do
Hesicasmo no décimo quarto século Bizantino, com S.
Gregório Palamas, o maior teólogo do movimento Hesicasta;
então o renascimento Hesicasta na Grécia durante o final do
século dezoito, com S. Nicodemos da Sagrada Montanha e a
Filocalia; e finalmente a Rússia durante o século dezenove,
com S. Serafim e S. João de Kronstadt, o stárets do
Heremitério de Optina, e também com Teófano, o Recluso e
Inácio Brianchaninov. Mais recentemente ainda, durante
nossa própria época, houve uma ampla difusão da prática da
Oração de Jesus na emigração russa, não menos importante
entre as pessoas leigas; nenhuma dúvida que a publicação
russa da antologia do Padre Chariton em 1936 fez parte
disto. Principalmente através do contato com a diáspora
russa, muitas pessoas do ocidente chegaram a conhecer e a

67 O padre Chariton cita a passagem decisiva (pp. 76-77, Cap III(i, 4-5)). Outras
antigas autoridades, importantes para a história da Oração de Jesus, são a Vida de
Santo Dositéos (Palestina, início do séc. VI), as cartas espirituais de S. Barsanúfio e
João (Palestina, início do séc. VI), e os trabalhos de S. João Clímaco e Hesíquio (Sinai,
sécs. VI e VII): nenhum destes, entretanto, dá a Oração exatamente em sua forma
desenvolvida. Também de importância são as vidas Coptas de S.Macário (ver E.
Amelineau Histoire des monastères de la Basse-Ègjpte, Annales du Musée Guimet,
vol. xxv, Paris, 1894, pp. 142, 152-3, 160, 161, 163).
Sobre a história antiga da Oração de Jesus, veja B. Krivocheine, ‘Date du texte
traditionnel de la ‘Priere de Jesus’’, Messager de l'Exarchat du Patriarche russe en
Europe occidental, 7-8 (1951), pp. 55-59.
68 Do grego ήσυχία, significando ‘quietude’, ‘repouso’. Hesicasmo, a rigor, abarca todas
as formas de oração interna, e não apenas a Oração de Jesus; mas na prática muito
do ensinamento Hesicasta ocupa-se com a Oração de Jesus.
amar a Oração de Jesus.69
Três coisas na Oração de Jesus evocam um comentário
especial e ajudam a explicar o seu apelo extraordinariamente
amplo. Primeiro, a Oração de Jesus traz juntos, em uma
curta sentença, dois ‘momentos’ essenciais da devoção
Cristã: adoração e compunção. A adoração é expressa na
sentença inicial: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus’;
compunção, na oração por misericórdia que se segue. A glória
de Deus e o pecado do homem – ambos estão vividamente
presentes na Oração; é um ato de agradecimento pela
salvação que Jesus traz, e uma expressão de pesar pela
fraqueza de nossa resposta. A Oração é tanto penitencial
como plena de alegria e de confiança amorosa.
Em segundo lugar, é uma prece intensamente
Cristológica – uma oração endereçada a Jesus, concentrada
sobre a Pessoa do Senhor Encarnado, enfatizando de uma só
vez tanto a Sua vida na terra – ‘Jesus Cristo’- e Sua
Divindade – ‘Filho de Deus’. Aqueles que usam esta prece são
constantemente lembrados da Pessoa histórica que
permanece no coração da revelação Cristã, e assim são salvos
do falso misticismo que não dá um lugar apropriado ao fato
da Encarnação. Mas embora Cristológica, a Oração de Jesus
não é uma forma de meditação sobre particulares episódios
na vida de Cristo: aqui também, como em outras formas de
oração, o uso de imagens mentais e conceitos intelectuais são
fortemente desencorajados. ‘Permanecendo com consciência e
atenção no coração’, ensina Teófano ‘invoque
incessantemente: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem
piedade de mim’, sem ter na sua mente qualquer conceito ou
imagem visual, acreditando que o Senhor o vê e o ouve.70
Em terceiro lugar, a Invocação do Nome é uma oração
da maior simplicidade. É um caminho de oração que
qualquer um pode adotar, nenhum conhecimento especial é
requerido e nenhuma elaborada preparação. Como um
recente escritor coloca, tudo que devemos fazer é
‘simplesmente começar’: ‘Antes de começar a pronunciar o
Nome de Jesus, estabeleça paz e recordação dentro de si
mesmo e peça por inspiração e orientação do Espírito

69 Muitos grandes santos do ocidente medieval – S. Bernardo de Clairvaux, por


exemplo, São Francisco de Assis e S. Bernardino de Siena— tinham uma fervente
devoção ao Sagrado Nome de Jesus; mas não parece que tenham conhecido a Oração
de Jesus em sua forma Bizantina.
70 p. 96. Cap III (iii, parte 1, 20)
Santo.... Então, simplesmente comece. Para caminhar deve-
se dar um primeiro passo; para nadar uma pessoa deve
atirar-se na água. É o mesmo com a invocação do Nome.
Comece a pronunciá-lo com adoração e amor. Apegue-se a
ele. Repita-o. Não pense que você está invocando o Nome;
pense apenas no Próprio Jesus. Diga Seu Nome lentamente,
levemente e calmamente.’71
Este elemento de simplicidade é muitas vezes
sublinhado por Teófano: ‘O trabalho de Deus é simples: é a
oração – crianças conversando com seu Pai, sem quaisquer
subterfúgios72.... A prática da Oração de Jesus é simples73….
A prática da oração é denominada como uma ‘arte’, e é uma
arte muito simples. Permanecendo com consciência e atenção
no coração, invoque incessantemente: ‘Senhor Jesus Cristo,
Filho de Deus, tem piedade de mim’’.74
Ao iniciante, portanto, é aconselhado a recitar a Oração
‘lentamente, levemente e calmamente’. Cada palavra deveria
ser dita com lembrança e sem pressa, mas ao mesmo tempo
sem indevida ênfase. A Oração não deveria ser labutada ou
forçada, mas deveria fluir em um modo gentil e natural. ‘O
Nome de Jesus não é para ser gritado ou moldado com
violência, mesmo internamente.’75 Devemos sempre orar com
atenção interna e concentração, mas ao mesmo tempo não
deve haver nenhum sentido de tensão, nenhuma intensidade
auto-induzida ou emoção artificial.
No fim de cada Oração, é bom deixar uma curta pausa
antes de começar novamente, pois isto ajuda a manter a
mente atenta. De acordo com o Bispo Inácio, deveria levar
cerca de meia hora para dizer a Oração de Jesus uma
centena de vezes: algumas pessoas, ele acrescenta, levam
ainda mais tempo. Outros textos sugerem que a Oração
possa ser dita mais rapidamente: nos Relatos de um
Peregrino Russo – como Inácio, do século dezenove – é dito ao
Peregrino, pelo seu stárets, para recitar a Oração 3000 vezes
por dia, no início, então 6000 e finalmente 12000, depois do
que ele pára de contar76 Esses valores elevados implicam um
71 ‘A Monk of the Eastern Church’, On the invocation of the Name of Jesus, London,
1950, pp.5-6. Em português, publicado pela Ed. Paulus na coleção ‘A Oração do
Pobres’.
72 p. 106. Cap III (iii, parte 2, 6).
73 p. 89. Cap III (iii, parte 1, 5)
74 p. 96. Cap III (iii, parte 1, 20)
75 'A Monk of the Eastern Church', op. cit., p. 6.
76 Relatos de um Peregrino Russo (em português, publicado pela Ed. Paulus e também
pela Ed. Vozes).
ritmo mais acelerado do que aquele recomendado por
Brianchaninov.
Além destas regras básicas e muito simples para recitar
a Oração, os Hesicastas também desenvolveram – como um
auxílio à concentração – certo ‘método físico’. Uma postura
corporal particular foi recomendada – cabeça inclinada,
queixo apoiado no peito, olhos fixos no lugar do coração; ao
mesmo tempo em que a respiração era cuidadosamente
regulada, de modo a manter o passo com a Oração. Estes
‘exercícios físicos’ foram claramente descritos pela primeira
vez em um texto intitulado: Sobre os três métodos da atenção
e prece, atribuído a S. Simeão, o Novo Teólogo (séc. XI), mas
quase que certamente não por ele; o provável autor é S.
Nicéforo, o Solitário77; embora possa estar descrevendo uma
prática já bem estabelecida muito tempo antes de sua própria
época.78
Em uma série de passagens de A Arte da Prece, Teófano
e Inácio referem-se a estas técnicas respiratórias. Quando
eles as mencionam, entretanto, é quase sempre com
desaprovação e, cuidadosamente, evitam quaisquer
descrições detalhadas. Esta reticência irá, sem dúvida,
desapontar uma boa parte dos leitores ocidentais que vêem
no Hesicasmo uma espécie de Yoga Cristã; aquilo que atraiu
muitos não-Ortodoxos à Oração de Jesus em anos recentes, e
fascinou a maioria deles, foi precisamente os exercícios
corporais. Tal abordagem à oração interior certamente não
ganharia a aprovação de Inácio e de Teófano: qualquer uso
indiscriminado dos exercícios respiratórios eles consideram
como altamente perigoso.
Para apreciar o lugar do método físico, três pontos
devem ser mantidos na mente de forma clara:
Primeiro, os exercícios respiratórios não são nada mais
do que um acessório – um auxílio à memória, útil para
alguns mas não obrigatório para todos. Em nenhum sentido
eles são uma parte essencial da Oração de Jesus, que pode
ser praticada em sua plenitude sem eles.
77Veja p. 104. Cap III (iii, parte 2, 2)
78Escritores mais antigos – por exemplo, S. Hesíquio (p. 103. Cap III (iii, parte 1, 35)) –
nos dão conselhos gerais como: ‘deixe a Oração de Jesus unir-se à sua respiração.’
Mas não há evidência de que conhecessem os exercícios respiratórios em suas formas
evoluídas.
Em segundo lugar, estes exercícios respiratórios devem
ser usados com a máxima prudência, pois eles podem se
revelar extremamente prejudiciais se utilizados de maneira
errada. Por si mesmos, repousam sobre um princípio
teológico que soa perfeitamente – que o homem é um único
todo integrado, uma unidade de corpo e alma e, portanto, o
corpo tem um papel positivo a desempenhar no trabalho da
prece. Mas, ao mesmo tempo, tais técnicas físicas, se
aplicadas incorretamente, podem danificar gravemente a
saúde e até mesmo levar a insanidade como alguns
recentemente descobriram a seus próprios custos. Por esta
razão os escritores Ortodoxos normalmente insistem que
qualquer um que pratique o método físico deveria estar sob
estrita orientação de um guia espiritual experimentado. Na
ausência de tal stárets – e mesmo nos países Ortodoxos
existem poucos guias com o conhecimento requisitado – é
muito melhor simplesmente praticar a Oração por si mesma,
sem se incomodar de modo algum a respeito das complicadas
técnicas físicas. Para citar Bispo Inácio: ‘Nós aconselhamos
nossos amados irmãos a não tentar a prática desta técnica
mecânica a menos que ela se estabeleça por si própria
neles.... O método mecânico descrito nestes escritos é
plenamente substituído por uma tranquila repetição da
prece, com breve pausa depois de cada uma, uma respiração
calma e constante, e um envolvimento da mente nas palavras
da Oração.’79
Em terceiro lugar, a prática da Oração de Jesus (com ou
sem a técnica respiratória) pressupõe uma plena e ativa
participação na Igreja. Se a Oração é algumas vezes descrita
como um ‘método fácil’ ou ‘caminho rápido’, tal expressão não
deve ser mal-entendida: salvo em casos muito excepcionais, a
Oração de Jesus não nos dispensa das normais obrigações da
vida Cristã. Teófano e os outros autores em A Arte da Prece
tomam por garantido que seus leitores são Cristãos Ortodoxos
praticantes, admitidos na Igreja através do sacramento do
batismo, que assistem regularmente à Liturgia, realizando
frequentemente a confissão e a santa comunhão. Se eles dizem
pouco a respeito destas coisas, não
é porque consideram-nas sem importância, mas porque
assumem que quem quer que se proponha a usar a Oração
de Jesus já está apropriadamente instruído nos
79 p. 104. Cap. III (iii, parte 2, 2-3)
ensinamentos comuns da Igreja.
Mas no ocidente dos dias de hoje a situação é muito
diferente. Alguns daqueles que se atraem pela Oração de
Jesus não são, de fato, Cristãos praticantes. Na verdade, o
que faz despontar o interesse deles é precisamente o fato de
que a Oração de Jesus aparece como algo fresco, excitante e
exótico, enquanto que as práticas mais familiares da vida da
Igreja comum lhes saltam como aborrecidas e sem inspiração.
Mas a Oração de Jesus não é enfaticamente um ‘caminho
curto’ neste sentido. Uma casa não pode ser construída sem
fundações. Sob condições normais, uma vida sacramental
equilibrada e regular é uma condição sine qua non para
qualquer um que pratique a Oração. ‘O caminho mais certo
para obter esta união com o Senhor,’ escreve o Bispo Justin,
‘próxima a comunhão de Sua Carne e Sangue, é a interna
Oração de Jesus’.80 A comunhão deve vir primeiro, e então a
Oração; a Invocação do Nome não é um substituto para a
Eucaristia, mas um adicional enriquecimento.
Sendo assim curtíssima e simples, a Oração de Jesus
pode ser recitada em qualquer momento e em qualquer lugar.
Pode ser dita em filas de ônibus, ao se trabalhar no jardim ou
na cozinha, vestindo-se ou caminhando, quando se sofre de
insônia, em momentos de aflição ou tensão mental quando
outras formas de oração são impossíveis: deste ponto de
vista, é uma oração particularmente bem adaptada às
tensões do mundo moderno. É uma oração especialmente
recomendada para monges, a quem é dado um cordão de
oração como parte do hábito em sua profissão 81; mas é
igualmente uma oração para pessoas leigas, quaisquer que
sejam suas ocupações no mundo. É uma oração para o
eremita e para o recluso, mas ao mesmo tempo uma oração
para aqueles envolvidos em trabalho social ativo, cuidando,
ensinando, fazendo visitas a prisões. É uma prece que cabe
em cada estágio da vida espiritual, desde aquele mais
elementar àquele mais avançado.

A Presente Edição

A Arte da Prece apareceu originalmente em Russo sob o


título de YMHOE ДЪПАНІЕ. О МОПИТВЪ ІИСУСОВОЙ (A

80 p. 88 Cap V (ii, 34)


81 Veja p. 39. Prefácio de Charito no Cap I.
Arte Mental. Sobre a Oração de Jesus), publicado pelo
Monastério de Valamo em 1936.
Quatro anos depois esta Valamo submergiu na segunda
guerra mundial. Em 3 de fevereiro de 1940, foi pesadamente
bombardeada pelas tropas soviéticas, e no dia seguinte
Chariton e setenta monges fugiram atravessando a neve,
conseguindo refúgio no interior da Finlândia. No fim da
guerra, a ilha de Valamo permaneceu dentro da fronteira da
U.R.S.S, e nenhuma permissão foi dada para que fosse
retomada a vida monástica ali: as construções do monastério
estavam sendo usadas para campo de férias. Mas, depois de
grande fadiga, os refugiados na Finlândia conseguiram
restabelecer a vida da comunidade, denominando sua recém
criada fundação como: ‘Novo Monastério de Valamo’: hoje
existem cerca de vinte e cinco monges. O Superior do Novo
Valamo, Hegúmeno Nestor, deu sua benção para os
tradutores ingleses, de modo que esta presente edição possa
justamente afirmar uma continuidade espiritual com a
original ‘antologia de Valamo’.
Como o Padre Chariton admite em seu Prefácio à edição
original, o trabalho está longe de ser sistemático em sua
composição, e é frequentemente repetitivo. Na presente
edição as divisões em capítulos e a ordem dos extratos foram
modificadas, para tornar o livro mais facilmente inteligível
para os leitores ocidentais, e algumas passagens que não dão
nenhuma nova contribuição foram omitidas. Mas, ainda que
tenham ocorrido omissões, nenhum texto adicional foi
inserido. Títulos curtos foram postos no início de cada
extrato; e todas as notas de roda pé são de autoria dos
tradutores e do editor desta versão em inglês. Trechos de
autores gregos, onde possível, foram traduzidos diretamente
do original grego, e não do texto russo do Padre Chariton.

Os tradutores e o editor desejam expressar seus


sinceros agradecimentos a todos aqueles que lhes auxiliaram.
Em particular, oferecem a mais calorosa gratidão a uma
amiga Anglicana, Priscilla Napier, que dedicou muitas horas
na revisão da versão em inglês; a Alexander Javoroncof, pela
ajuda com a interpretação do texto russo; ao Convento
Ortodoxo Russo da Mãe de Deus de Lesna, Fourqueux,
França; e ao Convento Ortodoxo Russo da Anunciação,
Londres.
Este é o ultimo trabalho de tradução feito por Madame
Kadloubovsky. Ela esteve trabalhando nos capítulos finais de
A Arte da Prece durante as últimas semanas de sua vida, e
no momento de sua morte, em 16 de fevereiro de 1965, tinha
acabado de completar sua participação na tradução. Possa o
Senhor conceder-lhe descanso com Seus santos.

HIEROMONGE KALLISTOS
(Timothy Ware)
Outubro 1965 - Maio 1966
OUTRAS LEITURAS
S. Teófano, o Recluso e S. Inácio Brianchaninov não viam a
si mesmos como inovadores, mas buscaram
fundamentar seus ensinamentos nos Padres Gregos. Alguém
que se interesse por explorar o plano de fundo Patrístico da
teologia ascética deles, deveria consultar diretamente a
grande coleção de textos espirituais conhecida como The
Philokalia, editada por S. Nicodemos da Sagrada Montanha e
S. Macário de Corinto. Uma completa tradução desta coleção,
feita do original grego, está em processo de publicação: The
Philokalia: The Complete Text, traduzido por G. E. H. Palmer,
Philip Sherrard e Kallistos Ware. Os volumes 1-4 já
apareceram (Faber, London/Boston, 1979-95); um quinto e
último volume está sendo preparado. Há uma antiga
tradução em dois volumes de trechos selecionados, baseada na
versão russa de A Filocalia feita por S. Teófano: Writings from
the Philokalia on Prayer of the Heart (Faber, London, 1951), e
Early Fathers from the Philokalia (Faber, London, 1954),
ambos traduzidos por E. Kadloubovsky e G. E. H. Palmer.

Certo número de escritos de S. Teófano foram traduzidos


para o inglês. Entre os mais recentes volumes surgidos estão
The Path of Prayer e The Heart of Salvation, ambos traduzidos
por Esther Williams e publicados pelo ‘Praxis Institute Press
(Newbury, MA/Robertsbridge)’; e The Spiritual Life and how to
be attuned to it, traduzido por Alexandra Dockham ‘(St Herman
of Alaska Brotherhood, Platina, 1995)’. A adaptação de Teófano
dos trabalhos de Lorenzo Scupoli Spiritual Combat e Path to
Paradise surgiram em inglês com o título de Unseen Warfare,
traduzido por E. Kadloubovsky e G. E. H. Palmer, com uma
interessante introdução de H. A. Hodges (Faber, London, 1952).

O trabalho mais importante de S. Inácio Brianchaninov


foi publicado em inglês como The Arena: An Offering to
Contemporary Monasticism, traduzido pelo Arquimandrita
Lazarus ‘(Moore) (3rd printing, Holy Trinity Monastery,
Jordanville, 1991)’. Também está disponível em inglês o
trabalho de S. Inácio On the Prayer of Jesus, também
traduzido pelo Arquimandrita Lazarus ‘(Watkins, London,
1951; 2nd impression, London, 1965).’
A melhor introdução à Oração de Jesus foi feita pelo
autor Ortodoxo francês, o Arquimandrita Lev Gillet, que a
escreveu sob o pseudômino de ‘Um Monge da Igreja Oriental’:
The Jesus Prayer, edição revisada com um prefácio do Bispo
Kallistos Ware ‘(St Vladimir's Press, Crestwood, 1987)’. Mais
acadêmico, mas menos perceptivo, é o estudo feito pelo
Jesuíta Francês Irenee Hausherr, The Name of Jesus,
traduzido por Charles Cummings ‘(Cistercian Studies Series
44, Kalamazoo, 1978)’. Para um vívido e motivado exemplo do
que a Oração de Jesus pode significar em seu uso pessoal,
veja o trabalho de um russo anônimo do Séc. XIX, Relatos de
um Peregrino Russo, traduzido para o Francês por Jean-Yves
Leloup, tradução para o português de Karin Andrea de Guise.
(Petrópolis, Vozes, 2008). Sobre S. Paissi Velichkovskii, que
forma a conexão entre a Filocalia Grega e os professores do
século XIX russo, ver Fr. Sergii Chetverikov, Starets Paisii
Velichkovskii: His Life, Teachings, and Influence on Orthodox
Monasticism (Nordland, Belmont, 1980); e o trabalho editado
por S. Herman da Irmandade do Alaska, Blessed Paisius
Velichkovsky (Platina, 1976). Consulte também o Bispo
Seraphim Joantă, Romania: Its Hesychast Tradition and
Culture (St Xenia Skete, Wildwood,1992).

Em português, há ainda a Pequena Filocalia – o livro


clássico da Igreja Oriental, uma seleção de trechos da
Filocalia traduzidos para o francês e apresentados por Jean
Gouillard, com tradução para o português de Nadyr de Salles
Penteado, apresentados na coleção ‘Oração dos Pobres’
(Paulus, São Paulo, 2003) [1]. Pela mesma coleção também foi
publicado ‘A Invocação do nome de Jesus’ do mesmo já citado
pseudômino ‘Um Monge da Igreja Oriental’ (Lev Gillet).

[1] Nota do editor: Em 2017 foi publicado em português pela Ed. Paulinas
(Portugal) uma versão ainda mais completa (800 páginas) da Filocalia (no
entanto, ainda é uma versão reduzida comparada a original grega) com o
título de Pequena Filocalia.
A Arte da Prece - Uma Antologia
Ortodoxa - (Prefácio e Capítulo I) – O
Quarto Interno do Coração
PREFÁCIO

Quando um monge faz os votos monásticos, a ele é dado um cordão de oração


– que é denominado como sua ‘espada espiritual’ – e ele é instruído a praticar
a Oração de Jesus dia e noite.

Ao entrar no monastério eu estava zeloso de seguir esta instrução, e fui guiado


nisto pelo meu stárets , Padre A., que continuamente dissolvia as perplexidades
que eu encontrava na prática desta prece. Depois da morte do meu stárets, para
resolver minhas dificuldades fui forçado a recorrer aos escritos dos sábios
Padres. Extraindo destes escritos tudo o que era essencial com relação à Oração
de Jesus, costumava escrevê-lo inteiramente no meu caderno de anotações, e
assim no decorrer do tempo coletei uma antologia sobre a prece.

O material da antologia cresceu de ano em ano e esta é a razão pela qual os


temas dela não estão em uma estrita e sistemática ordem e seqüência. Seu
propósito foi ser aquele de uma ajuda pessoal para mim como um livro de
referência.

Agora me surgiu a idéia de publicar este livro de referência ou antologia, na


esperança que ele possa ser de algum auxílio a outros que também procuram
por instrução no aperfeiçoamento de suas vidas espirituais interiores. Os
sábios conselhos dos Santos Padres e dos ascéticos dos dias atuais, que aqui
são citados, podem ajudá-los nas suas boas intenções.

Se este livro contém muitas repetições dos mesmos temas, isto é por causa do
meu sincero desejo de imprensá-los profundamente na mente do leitor. Afinal,
tudo o que está nele, uma vez que representa as profundas convicções de
homens espirituais, deveriam ser do maior interesse vital. Seus ensinamentos
são particularmente necessários em nossos tempos quando se observa em
toda parte uma severa escassez de esforço no domínio da vida spiritual.

Portanto, nosso propósito em publicar esta antologia é simplesmente explicar,


através de toda espécie dos mais variados meios e freqüentes repetições, como a
Oração de Jesus deveria ser praticada, e assim tornar claro o quanto todos nós
necessitamos desta oração e quão necessária ela é em nosso trabalho de
espiritualidade a serviço de Deus. Em uma palavra, buscamos lembrar nossos
contemporâneos – tanto os monges como todas as pessoas leigas que se
esforçam pela salvação de suas almas – das instruções deixadas pelos Santos
Padres em relação ao trabalho interno e a luta com as paixões. Estamos todos
muito desejosos de fazer isto porque, como Bishop Inácio (Brianchaninov), diz,
“a maioria das pessoas tem uma idéia muito turva e confusa da Oração de
Jesus. Alguns que consideram a si próprios – e são considerados por outros –
como dotados com bom julgamento espiritual, temem esta prece como uma
espécie de infecção, dando como a razão do temor deles o perigo da ilusão [1]
que se supõe inevitavelmente acompanhar a prática da Oração de Jesus. Assim
eles a evitam e aconselham outros a fazerem o mesmo”. Mais adiante, Bishop
Inácio diz: “O autor original desta teoria é, em minha opinião, o diabo, que
odeia o Nome do Senhor Jesus Cristo já que ele rouba todos os seus poderes.
Ele treme diante deste Nome todo-poderoso e assim o difamou diante de
muitos Cristãos, para que eles rejeitassem esta poderosa arma; terrível para o
inimigo, mas uma graça salvadora aos homens.”

Por esta razão o compilador sentiu uma necessidade premente de coletar todo o
material necessário para jogar uma ulterior luz sobre as perplexidades desta
meta espiritual. O compilador, não ousando a presunção de que ele tenha
alcançado a Oração Interior, não se aventurou a contribuir com nada de si
próprio, mas simplesmente extraiu do tesouro das obras dos Santos Padres seus
sábios conselhos no que diz respeito a oração incessante. Estes são tão
necessários para todos aqueles que são zelosos pela própria salvação como o ar é
necessário para a respiração.

A presente antologia que diz respeito à meta da Oração Interior contém umas
400 passagens dos Santos Padres e de ascéticos dos dias atuais, que
detalharam instruções de sábios homens experimentados no trabalho da prece.

Valamo. 17 de Julho de 1936. Hegúmeno Chariton

Notas

[1] 'Ilusão': O Bispo Inácio usa aqui um termo técnico na teologia ascética. Prelest
(прелесть), uma tradução do grego πλάνη. Significa literalmente 'perder-se' ou
'desviar-se'. Em outro lugar em seus escritos, o Bispo Inácio define prelest como a
corrupção da natureza humana através da aceitação pelo homem de miragens
confundidas com a verdade. Estar em prelest é estar em um estado de engano e
ilusão, aceitando uma ilusão como realidade.
CAPÍTULO I
O QUARTO INTERNO DO CORAÇÃO
por São Dimitri de Rostov [1]

Entre em teu quarto e feche a porta

Existem muitos entre vocês que não têm conhecimento do trabalho interior
requerido do homem que sustentaria Deus na lembrança. Tais pessoas nem
mesmo entendem o que a lembrança de Deus significa, ou nem mesmo sabem
qualquer coisa sobre a oração espiritual, pois elas imaginam que a única
maneira correta de orar é utilizando as orações que são encontradas nos livros
da Igreja. Quanto à secreta comunhão com Deus no coração, elas nada sabem a
respeito, nem do benefício que vem desta, nem mesmo saborearam sua doçura
espiritual. Aqueles que apenas ouvem sobre a meditação e a oração espiritual e
não têm direto conhecimento dela são como homens cegos de nascimento, que
ouvem sobre o nascer do sol sem nunca saber o que ele realmente é. Através
desta ignorância eles perdem muitas bênçãos espirituais, e são vagarosos em
chegar às virtudes que se dirigem ao cumprimento da boa vontade de Deus.
Deste modo é dada aqui alguma noção do treinamento interior e da oração
espiritual para a instrução de iniciantes, de modo que aqueles que desejem,
com a ajuda de Deus, possam iniciar a aprender os rudimentos.

O treinamento espiritual interior inicia-se com estas palavras de Cristo: “Tu,


porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechando tua porta, ora a teu
Pai que está lá, no segredo.” (Mat. VI. 6).

A dualidade do homem e os dois tipos de prece

O homem é dual: exterior e interior, carne e espírito. O homem exterior é


visível, da carne; mas o homem interior é invisível, espiritual – ou como o
Apóstolo Pedro define ‘... o homem oculto no íntimo do coração, isto é, na
incorruptibilidade de espírito manso e tranqüilo.’ (I Ped. iii. 4). E São Paulo se
refere a esta dualidade quando diz: ‘Embora em nós, o homem exterior vá
caminhando para a sua ruína, o homem interior se renova dia a dia’ (II Cor. iv.
16). Aqui o Apóstolo fala claramente sobre o homem exterior e o interior. O
homem exterior é composto de muitos membros, mas o homem interior chega à
perfeição através de sua mente – pela atenção a si mesmo, por temor do Senhor,
e pela graça de Deus. Os trabalhos do homem exterior são visíveis, mas aqueles
do homem interior são invisíveis, de acordo com o Salmista: “o homem interior
e o coração são muito profundos”. (Sl. lxiii.7: Septuagint) E São Paulo o
Apóstolo também disse: “Quem, pois, dentre os homens conhece o que é do
homem senão o espírito do homem que nele está?” (I Cor. ii. 11) . Somente
Aquele que experimenta os corações mais profundos e as partes internas
conhece todos os segredos do homem interior.

O treinamento, então, deve também ser duplicado, externo e interno: externo na


leitura de livros, interno nos pensamentos de Deus; externo no amor da
sabedoria, interno no amor de Deus; externo em palavras, interno em oração;
externo na sutileza do intelecto, interno no calor do espírito; externo na técnica,
interno na visão. A mente exterior é ‘inchada’ (I Cor. viii. 1), a interna torna-se
humilde; a exterior é cheio de curiosidade, desejando conhecer tudo, a interna
presta atenção a si mesma e nada deseja além de conhecer Deus, falando a Ele
como David falou quando disse: “Meu coração diz a teu respeito: ‘Procura sua
face!’ É tua face, Senhor, que eu procuro” (Sl xxvii. 8) E também “Como a corça
bramindo por águas correntes, assim minha alma brame por ti, ó meu Deus!”
(Sl xlii. 2)

A oração é dupla também, exterior e interior. Existe a oração feita abertamente,


e existe a oração secreta; oração com outros e a oração solitária; a oração
realizada como um dever e a oração voluntariamente oferecida. A oração como
dever, efetuada abertamente, de acordo com as regras da Igreja, em companhia
de outros, tem seus próprios horários: o Ofício da Meia-Noite, Matinas, as
Horas, a Liturgia, Vésperas e Completa. Estas orações, para as quais as pessoas
são chamadas por sinos, são um tributo adequado para o Rei do Céu que deve
ser pago todos os dias. A oração voluntária que é feita em segredo, por outro
lado, não tem hora fixa, sendo feita quando quer que você queira, sem
comando, simplesmente quando o espírito o move. O primeiro, em outras
palavras: a prece da Igreja; tem um número estabelecido de Salmos, troparia,
cânones [2] e outros hinos juntos com ritos executados pelo sacerdote: mas o
outro tipo de prece – secreta e voluntária – desde que não possui horário
definido, também não está limitada a um número definido de orações: cada um
ora como quer, algumas vezes brevemente, algumas vezes longamente. O
primeiro tipo é executado pelos lábios e voz, o segundo somente em espírito. O
primeiro é efetuado em pé, o segundo, não só de pé ou sentado, mas também
deitado, em uma palavra, sempre – quando quer que lhe ocorra de elevar sua
mente a Deus. O primeiro, feito em companhia com outros, é efetuado na igreja,
ou em alguma ocasião especial em uma casa onde muitas pessoas se reúnem
juntas; mas o Segundo é executado quando você está fechado e sozinho no
quarto de acordo com a palavra do Senhor: “Tu, porém, quando orares, entra no
teu quarto e, fechando tua porta, ora a teu Pai que está lá, no segredo.” (Mat. VI.
6).

O quarto também é duplicado, externo e interno, material e espiritual: o lugar


material é de madeira ou pedra, o quarto espiritual é o coração ou a mente: S.
Teofilato [3] interpreta esta frase como sendo o pensamento secreto ou a visão
interna. Portanto, o quarto material permanece sempre fixo no mesmo lugar,
mas o espiritual você o carrega dentro de si para onde quer que você vá. Onde
quer que o homem esteja seu coração está sempre com ele, e assim, tendo
recolhido seus pensamentos dentro do seu coração, ele pode fechar-se dentro e
orar a Deus em segredo, quer ele esteja conversando ou ouvindo, quer ele esteja
entre poucas ou muitas pessoas. Oração interna, se ela vem ao espírito do
homem quando ele está com outras pessoas, não requer a utilização dos lábios
ou de livros, nenhum movimento da língua ou som da voz: e o mesmo é
verdadeiro quando você está sozinho. Tudo aquilo que é necessário é elevar sua
mente a Deus, e descer profundamente em si mesmo, e isto pode ser feito em
todos os lugares.
O quarto material de um homem que é silencioso inclui somente o próprio
homem, mas o quarto espiritual interior também contem Deus e todo o Reino
do Céu, de acordo com as Próprias palavras de Cristo no Evangelho: “O reino de
Deus está dentro de vós”. (Lucas xvii. 21). Explicando este texto, S. Macário do
Egito [4] escreve: “O coração é um pequeno vaso, mas todas as coisas estão
contidas nele; Deus está lá, os anjos estão lá, e lá também está a vida e o Reino,
as cidades celestiais e os tesouros da graça.”

O homem precisa fechar-se no quarto interno de seu coração mais


freqüentemente que necessita ir à igreja: e recolhendo todos os seus
pensamentos lá, ele deve colocar sua mente diante de Deus, orando a Ele em
segredo com todo calor do espírito e com fé viva. Ao mesmo tempo ele deve
também aprender a direcionar seus pensamentos a Deus de tal modo a ser
capaz de se transformar em um homem perfeito.

Amável união com Deus

Antes de tudo deve ser compreendido que é o dever de todos os Cristãos –


especialmente aqueles cuja vocação os faz dedicar à vida espiritual – lutar
sempre e em todas as maneiras para estar unido com Deus, seu criador, amante,
benfeitor, e o seu supremo bem, por quem e para que, eles foram criados. Isto é
porque o centro e o propósito final da alma, que Deus criou, deve ser Deus Ele
Próprio, e nada mais – Deus de quem a alma recebeu sua vida e sua natureza, e
para quem ela deve eternamente viver. Pois todas as coisas visíveis na terra que
são adoráveis e desejáveis – riquezas, glória, esposa, crianças, em uma palavra
tudo deste mundo que é belo, doce e atrativo – não pertence à alma, mas
somente ao corpo, e sendo temporário, passará tão rapidamente como uma
sombra. Mas a alma, sendo eterna por sua própria natureza, pode obter
descanso eterno somente no Deus Eterno: Ele é seu mais alto bem, mais perfeito
que todas as belezas, doçuras, e graciosidades, e Ele é seu lar natural, de onde
ela veio e para onde deve retornar. Pois assim como a carne vinda da terra
retorna para a terra, assim a alma vinda de Deus retorna a Deus e mora com
Ele. Pois a alma foi criada por Deus para que habite com Ele para sempre;
portanto nesta vida temporária devemos diligentemente buscar a união com
Deus, para ser considerado digno de estar com Ele e Nele eternamente na vida
futura.

Nenhuma unidade com Deus é possível exceto por um amor extremamente


grande. Isto nós podemos ver na história, nos Evangelhos, da mulher que era
uma pecadora: Deus em sua grande compaixão concedeu-lhe o perdão de seus
pecados e uma firme união com Ele, “porque ela demonstrou muito amor”
(Lucas vii. 47). Ele ama aqueles que O amam, Ele abre caminho para aqueles que
se agarram a ele, dá Si mesmo àqueles que O buscam, e abundantemente
concede plenitude de alegria para aqueles que desejam desfrutar Seu amor.

Para acender em seu coração tal amor divino, para unir-se a Deus em uma
inseparável união de amor, é necessário para um homem orar freqüentemente,
elevando a mente até Ele. Pois assim como uma chama aumenta quando é
constantemente alimentada, assim a oração, feita freqüentemente, com a mente
habitando cada vez mais profundamente em Deus, desperta o amor divino no
coração. E o coração, em chamas, aquecerá o homem interno, irá iluminá-lo e
ensiná-lo, revelando a ele toda sua desconhecida e oculta sabedoria, e
tornando-o como um serafim em chamas, sempre de pé diante de Deus dentro
de seu espírito, sempre olhando para Ele dentro de sua mente, e extraindo desta
visão a doçura da felicidade espiritual.

A Oração dita pelos lábios sem a atenção da mente não é nada

Nós faríamos bem ao aplicar a nós mesmos as palavras de S. Paulo aos


Coríntios. Qual é a utilidade para vocês, oh Coríntios (assim ele escreve), se
oram somente com a voz, enquanto suas mentes não prestam nenhuma
atenção oração, mas sonham sobre alguma outra coisa? Que benefício há se a
língua muito diz, mas a mente não pensa sobre o que é dito, mesmo se vocês
pronunciam muitíssimas palavras? Que benefício há se vocês tivessem que
cantar em plena voz, e com toda a força de seus pulmões, enquanto suas
mentes não estivessem diante de Deus e não O vissem, mas vagassem por aí em
pensamento para algum outro lugar? Uma oração assim não lhes trará nenhum
benefício. Não será ouvida por Deus, mas permanecerá infrutífera. Bem julgou
S. Cipriano [5] quando disse: “Como você pode esperar ser ouvido por Deus,
quando você não se ouve? Como esperar que Deus se lembre de você quando
você ora, se você não se lembra de você mesmo?

A oração deveria ser curta, mas freqüentemente repetida

Daqueles que têm experiência em elevar suas mentes a Deus, eu aprendi que, no
caso da oração feita pela mente vinda do coração, uma prece curta,
freqüentemente repetida, é mais calorosa e mais útil do que uma longa. A
oração longa também é muito útil, mas somente para aqueles que estão
atingindo a perfeição, não para os iniciantes. Durante a oração longa, a mente
do inexperiente não pode ficar muito tempo diante de Deus, mas é geralmente
dominada pela sua própria fraqueza e mutabilidade, e impelida à deriva por
coisas externas, de modo que aquele calor do espírito rapidamente se esfria. Tal
oração não é mais uma oração, mas somente distúrbio mental, por causa dos
pensamentos que vagam de lá para cá: isto acontece tanto durante os salmos
recitados na igreja, como também durante a regra das orações para a cela [6], o
que toma um longo tempo. A prece curta, mas freqüente, por outro lado, tem
mais estabilidade, porque a mente, imersa por um curto tempo em Deus, pode
executá-la com maior calor. Por isso o Senhor também diz: “Nas vossas orações
não useis de vãs repetições” (Mat. vi. 7), pois não é pela sua prolixidade que
você será ouvido. E S. João da Escada [7] também ensina: “Não tente usar
muitas palavras para que sua mente não se torne distraída pela busca delas. Pois
de uma curta sentença, o Publicano recebeu a misericórdia de Deus, e uma
breve afirmação de crença salvou o Ladrão. Uma excessiva multidão de palavras
na oração dispersa a mente em sonhos, enquanto uma única ou curta sentença
ajuda a recolher a mente”.

Mas alguém pode perguntar: “Por que o apóstolo diz na Epístola aos
Tessalonicences: ‘Orai sem cessar’? (I Tess. V. 17). Usualmente nas Sagradas
Escrituras, a palavra ‘sempre’ é usada no sentido de ‘freqüente’, por exemplo:
“Os sacerdotes sempre iam à primeira tenda, para realizar o serviço a Deus”
(Hb. ix. 6): isto significa que os sacerdotes iam à primeira tenda em certas horas
fixadas, não que eles iam lá incessantemente de dia e de noite; eles iam
freqüentemente, mas não ininterruptamente. Mesmo se os sacerdotes fossem
todo o tempo na igreja, manter aceso o fogo que vem do céu, e adicionando óleo
a ele de modo que ele não apagasse, eles não estariam fazendo isto todos no
mesmo momento, mas por turnos, como vemos de S. Zacarias: “Ele
desempenhou as funções sacerdotais diante de Deus, no turno de sua classe.”
(Lucas i. 8). Dever-se-ia pensar na mesma maneira em relação à oração, a qual
o Apóstolo ordena ser feita incessantemente, pois é impossível para o homem
permanecer na oração dia e noite sem interrupção. Afinal, o tempo é também
necessário para as outras coisas, para os necessários cuidados na administração
da própria casa; nós precisamos de tempo para trabalhar, tempo para
conversar, tempo para comer e beber; tempo para descansar e dormir. Como é
possível orar incessantemente exceto através da oração freqüente? Mas a oração
freqüentemente-repetida pode ser considerada oração incessante.

Conseqüentemente não permita que sua freqüentemente-repetida mas curta


oração se expanda em muitas palavras. Isto é o que os Santos Padres também
aconselharam. Em seu comentário sobre o Evangelho de S. Mateus (vi. 7), S.
Teofilato atesta: “Você não deveria fazer longas preces, pois é melhor orar curto
e freqüentemente.” E S. Crisóstomo [8] no seu comentário sobre as Epístolas de
S. Paulo, observa: “Quem quer que fale demasiadamente na oração não ora, mas
favorece a conversa indolente.” S. Teofilato também diz em sua interpretação de
Mateus vi. 6: “Palavras supérfluas são conversa indolente.” O Apostólo disse
bem: “Prefiro dizer cinco palavras com minha inteligência ... a dizer dez mil
palavras em línguas.” (I Cor. xiv. 19): isto é, é melhor para mim orar a Deus
brevemente mas com atenção, do que pronunciar inumeráveis palavras sem
atenção, preenchendo em vão o ar com ruído.

Há também outro sentido no qual as palavras do Apóstolo devem ser


interpretadas. “Ore sem cessar” (I Tess. v. 17) deve ser tomado no sentido de
uma oração executada pela mente: seja lá aquilo que um homem esteja fazendo,
a mente pode sempre ser dirigida a Deus, e desta maneira ela pode orar a Ele
incessantemente.

Portanto, inicie agora, oh minha alma, pouco a pouco, a trajetória de


treinamento que lhe foi apresentada, comece em nome do Senhor, de acordo
com a instrução do Apóstolo: “E tudo o que fizerdes de palavra ou ação, fazei-o
em nome do senhor Jesus.” (Col. iii. 17). Faça tudo, diz ele, primariamente não
para seu próprio benefício, mesmo espiritual, mas para a glória de Deus; e assim
em todas as suas palavras, ações e pensamentos, o Nome do Senhor Jesus
Cristo, nosso Salvador, será glorificado.

Mas antes que você inicie, explique brevemente a si mesmo o que é a oração.
Orar é dirigir a mente e os pensamentos em direção a Deus. Orar significa
permanecer diante de Deus com a mente, olhar mentalmente para Ele de
modo inabalável, e conversar com Ele com reverente medo e esperança.
E assim recolhendo todos os seus pensamentos: pondo de lado todos os
externos e mundanos cuidados, dirija sua mente em direção a Deus
concentrando-a inteiramente sobre ele.

Notas

[1] São Dimitri, Metropolita de Rostov (1651 - 1709): um dos pregadores mais
celebrados da história da Igreja russa. Sua principal obra literária foi uma
grande coleção das Vidas dos Santos.

[2] Um tropario (troparia plural) é um trecho curto de poesia religiosa -


normalmente uma estrofe de cerca de seis linhas - utilizada nos serviços da
Igreja Ortodoxa. Às vezes esses troparia ocorrem isoladamente, outras vezes
são agrupados em odes. Um cânone consiste normalmente numa série de nove
odes (na prática, oito odes, já que o segundo ode é geralmente omitido). Um
cânon é lido todos os dias nas Matinas;; os cânones também são indicados para
as Completas e o Ofício da Meia-Noite.

[3] São Teofilato, Arcebispo da Bulgária (Século XI): Escritor teológico


bizantino, autor de muitos comentários sobre a Sagrada Escritura.

[4] São Macário (?300-390), um dos maiores dos primeiros líderes


monásticos, fundador do Scetis no deserto egípcio. Os vários escritos
tradicionalmente atribuídos a ele não são mais considerados como sua obra:
sua origem exata permanece obscura, mas parecem ter sido escritos no Egito
ou na Síria durante o final do século IV ou início do século V.

[5] São Cipriano, bispo de Cartago no Norte de África, morreu como mártir em
258.

[6] Além dos serviços litúrgicos realizados na igreja, um monge Ortodoxo é


exigido por sua regra a recitar diariamente algumas orações na sua própria
cela.

[7] São João da Escada, também conhecido como João Clímaco (?579- 764-9),
do Monte Sinai, autor de A Escada da Ascensão Divina, uma obra clássica
sobre a vida ascética e espiritual que é normalmente lida cada Quaresma nos
mosteiros Ortodoxos.

[8] São João Crisóstomo, Arcebispo de Constantinopla (?344-407), asceta,


pregador e escritor. De todos os Padres gregos, ele é talvez o mais amado na
Igreja Ortodoxa, e aquele cujas obras são mais amplamente lidas.
A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa.
(Capítulo II, i) – O Que é a Oração – O Teste
de Todas as Coisas

CAPÍTULO II
O QUE É A ORAÇÃO?

Por Teófano, o Recluso

(i) O TESTE DE TODAS AS COISAS.

Questões últimas [1]

O que é a oração? Qual é sua essência? Como nós podemos aprender a orar?
O que o espírito do Cristão experimenta quando ele ora com humildade de
coração?

Todas estas questões deveriam constantemente ocupar a mente e o coração do


crente, pois na oração o homem conversa com Deus, ele entra, através da
graça, em comunhão com Ele, e vive em Deus. E os Santos Padres e professores
da Igreja dão respostas a todas estas questões, fundamentados na iluminação
da graça-recebida que é adquirida através da experiência da prática da oração
– experiência igualmente acessível ao simples e ao sábio.

O teste de todas as coisas.

A oração é o teste de todas as coisas; oração é também a fonte de todas as


coisas; a oração é a força motriz de tudo; a oração é também o diretor de tudo.
Se a oração está correta, tudo está correto. Pois a oração não permitirá que
qualquer coisa siga errada.

Graus da oração.

Existem vários graus da oração. O primeiro grau é a oração corporal, que


consiste em sua maior parte de leituras, em permanecer de pé, e em fazer
prostrações. Em tudo isto deve haver a necessidade de paciência, trabalho, e
suor; pois a atenção foge, o coração não sente nada e não tem desejo de orar. No
entanto, apesar disto, dê a si mesmo uma regra moderada e mantenha-se nela.
Tal é a oração ativa.

O segundo grau é oração com atenção: a mente torna-se acostumada a recolher


ela mesma na hora da oração, e ora conscientemente por toda parte, sem
distração. A mente está focada sobre as palavras escritas ao ponto de falá-las
como se elas fossem suas próprias.
O terceiro grau é a oração do sentimento: o coração está aquecido pela
concentração de modo que o que até aqui foi só pensamento agora torna-se
sentimento. Onde anteriormente havia uma frase contrita agora é a própria
contrição; e o que era uma súplica em palavras é transformado em uma
sensação de completa necessidade. Tudo aquilo que passou através da ação e do
pensamento ao verdadeiro sentimento, orará sem palavras, pois Deus é Deus
do coração. De modo que o fim do aprendizado na oração pode ser dito que
chega quando em nossa oração nós nos movemos somente de sentimento a
sentimento. Neste estado a leitura pode cessar, tanto quanto o pensamento
deliberado; permita haver somente uma morada no sentimento com específicas
marcas de oração.

Quando o sentimento da oração chega ao ponto onde ele se torna contínuo,


então a oração espiritual pode ser dita como iniciada. Este é o presente do
Espírito Sagrado orando por nós, o último grau da oração cuja a mente pode
apreender.

Mas há, eles dizem, ainda uma outra espécie de oração que não pode ser
compreendida pela nossa mente, e que vai além dos limites da consciência: sobre
isto leia S. Isaac, o Sírio [2].

A essência da oração.

Sem a oração espiritual interior não há oração de fato, pois, sozinha, esta é a
oração real, agradável a Deus. É a alma dentro das palavras o que importa,
mesmo se a oração é feita em casa ou na igreja, e se a oração interior está
ausente, então as palavras têm somente a aparência e não a realidade da oração.

O que é, então, a oração? Oração é a elevação da mente e do coração a Deus em


louvor e gratidão a Ele e em súplica pelas boas coisas que necessitamos, tanto
espirituais como físicas. A essência da oração é, portanto, a elevação espiritual
do coração em direção a Deus. A mente no coração está conscientemente
diante da face de Deus, preenchida com a devida reverência, e começa a
derramar-se diante Dele. Isto é oração espiritual, e toda oração deveria ser
dessa natureza. Oração externa, tanto em casa como na igreja, é somente a
expressão verbal e formal da prece; a essência ou a alma da oração está dentro
do coração e da mente de um homem. Toda nossa ordem de orações na Igreja,
todas as preces compostas para utilização em casa, estão preenchidas com o
direcionamento espiritual a Deus. Qualquer um que ora, mesmo com a mínima
parcela de atenção, não pode evitar este direcionamento espiritual a Deus, a
menos que ele esteja completamente desatento com aquilo que está fazendo.

A oração interior é necessária para todos

Ninguém pode dispensar a oração interior. Nós não podemos viver


espiritualmente a menos que elevemos nós mesmo em oração a Deus. Mas a
única maneira que podemos elevar a nós mesmos é através da ação espiritual:
pois Deus é espiritual. É verdade que existe oração espiritual articulada com a
prece oral e exterior, estando em casa ou na igreja, e há também oração
espiritual, por si mesma, sem qualquer forma exterior ou postura corporal;
mas em ambos os casos a essência da coisa é a mesma. Ambas as formas são
obrigatórias para o laico tanto quanto para o monge. O Salvador ordenou-nos a
entrar em nosso quarto e ali orar a Deus, o Pai, em segredo. Este quarto, como
interpretado por S. Dimitri de Rostov, significa o coração. Conseqüentemente,
para obedecer ao mandamento de nosso Senhor, devemos orar secretamente a
Deus com a mente no coração. Este mandamento abrange todos os Cristãos. O
Apóstolo Paulo também dá esta orientação quando ele diz: “Com orações e
súplicas de toda sorte, orai em todo tempo, no Espírito” (Ef. vi 18). Ele quer
significar a oração espiritual da mente, e orienta a todos os Cristãos, sem
exceção, a orar assim. Ele também orienta a todos os Cristãos a “Orar sem
cessar” (I Tes. v. 17). Mas a oração incessante somente é possível através da
oração com a mente no coração.

Ao se levantar de manhã, esteja tão firmemente quanto possível diante de Deus


em seu coração, ao oferecer suas preces matinais; e então vá para o trabalho
que foi partilhado com você por Deus, sem afastar-se Dele em seus sentimentos
e consciência. Desta maneira você fará seu trabalho com as forças da sua alma e
do seu corpo, mas na sua mente e coração você irá permanecer com Deus.

Oração exterior não é suficiente (pelo Bispo Inácio)

Sozinha, a oração exterior não é suficiente. Deus presta atenção à mente, e não
são verdadeiros monges aqueles que fracassam em unir a oração exterior com a
oração interior. Estritamente definido, a palavra ‘monge’ significa um recluso,
um solitário. Quem quer que não tenha se retirado para dentro de si mesmo
ainda não é um recluso, ele ainda não é um monge muito embora possa morar
no mais isolado dos monastérios. A mente do ascético que não está retirada e
circunscrita dentro de si mesma habita necessariamente entre o tumulto e a
inquietação. Inumeráveis pensamentos, sendo livremente admitidos em sua
mente, fazem com que isto aconteça; sem propósito ou necessidade sua mente
vagueia dolorosamente através do mundo, trazendo dano sobre si. A retirada
de um homem para dentro de si mesmo não pode ser conseguida sem ajuda de
uma concentrada oração, especialmente a atenta prática da Oração de Jesus.

A obtenção da impassibilidade e santidade – em outras palavras, da


perfeição Cristã – é impossível sem a conquista da oração interior. Todos os
Padres concordam com isto.

O caminho da oração verdadeira torna-se incomparavelmente mais estreito


quando o buscador ascético começa a deparar-se com ela através da atividade
do homem interior. Mas quando ele entra neste estreito caminho e sente quão
correto, redentor, e necessário este caminho é, e quando ele chega a amar seu
trabalho na cela interior, então ele também virá a amar a estreiteza da sua
vida exterior porque ela serve como um claustro e uma tesouraria da atividade
interior.

Prece oral

“Em salmos e hinos e cânticos espirituais, cantando com graça em seus


corações para o Senhor...” (Col. iii. 16). As palavras “em salmos e hinos e
cânticos espirituais” descrevem a prece oral; mas as palavras “cantando com
graça em seus corações para o Senhor” descrevem a prece interior, da mente no
coração.

Salmos, cânticos, hinos, odes, e assim por diante são nomes diferentes para
cantos religiosos. É difícil indicar a diferença entre eles, porque sues conteúdos
e formas são muito similares. Todos são expressões do espírito da oração.
Quando movido a orar, o espírito glorifica a Deus, agradece a Ele e eleva a Ele
suas petições. Todas estas manifestações do espírito da oração são
essencialmente indivisíveis, não possuindo existência separada. Quando a
oração começa a funcionar, ela passa de uma destas manifestações a outra,
freqüentemente mais de uma vez. Expresso em palavras, é prece oral, mesmo se
chamado de salmo, hino, ou ode. Portanto, não faremos nenhuma tentativa
para definir a diferença entre seus nomes. O Apóstolo pretendeu, por esta frase,
abranger todos os tipos de oração expressa em palavras. Todas as orações que
estão em uso agora estão sob este título. Ao lado do Saltério, nós usamos cantos
de Igreja, ‘stichera’, cânones, ‘akathists’ [3], e as diversas orações que estão
contidas nos nossos livros de orações.

Você não estará errado se, quando ler as palavras do Apóstolo sobre a prece
oral, você entendê-las como se referindo à prece oral que utilizamos hoje. O
poder da oração não reside nesta ou naquela oração, mas na maneira pela
qual oramos.

No uso que faz da palavra ‘espiritual’ o Apóstolo nos mostra como deveríamos
rezar oralmente. As orações são espirituais porque elas originalmente
nasceram no espírito e amadureceram pela graça do Espírito Santo. Salmos e
outras preces orais não eram orais no início. Em suas origens elas eram
puramente espirituais, e somente depois vieram a ser vestidas com palavras e
assim assumiram uma forma oral. Mas o tornar-se oral não as privou da
espiritualidade delas: mesmo agora, elas são orais apenas na aparência externa,
mas em seus poderes elas são espirituais.

Segue-se disto que se você quiser aprender das palavras do Apóstolo sobre a
prece oral, deve agir assim: entre no espírito das orações que você ouve e lê,
reproduzindo-as em seu coração; e deste modo ofereça -as a Deus, como se elas
tivessem nascido em seu próprio coração sob a ação da graça do Espírito Santo.
Então, e só então, a oração é agradável a Deus. Como podemos obter uma
oração assim? Pondere cuidadosamente sobre as orações que você irá ler em
seu livro de orações; sinta-as profundamente, até mesmo aprenda-as de cor. E
assim quando você orar expressará aquilo que já é profundamente sentido em
seu coração.

O propósito dos hinos da Igreja

“Falai uns aos outros com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e
louvando ao Senhor em vosso coração.” (Ef. v. 19).

Como deveríamos interpretar estas palavras? Elas significam que quando você
está preenchido com o Espírito, você deveria cantar com sua boca e coração? Ou
que se você deseja ser preenchido com o Espírito Sagrado, você deveria primeiro
cantar? Este canto com a boca e o coração, mencionado pelo Apóstolo, significa
a conseqüência de ser preenchido pelo Espírito, ou o meio em direção a ele?

A infusão do Espírito Santo não está dentro do nosso poder. Ela vem quando o
Espírito Ele Mesmo deseja. E quando esta infusão vier, ela tão imensamente
animará as forças do nosso espírito que a canção a Deus irromperá de si mesma.
A liberdade de escolha está somente entre permitr que esta canção seja cantada
apenas no coração, ou expressá-la em voz alta para todos ouvirem.

As palavras do Apóstolo devem ser tomadas no segundo sentido ao invés do


primeiro. Deseje ser preenchido com o Espírito, e cante com esta meta em
mente. O canto irá incendiar o Espírito, ou conduzir a um estado de infusão pelo
Espírito, ou revelar Sua ação. De acordo com o Abençoado Teodoreto [4] o
Apóstolo refere-se ao arrebatamento espiritual quando ele diz: “Buscai a
plenitude do Espírito” (Ef. v. 18), e ele nos mostra como atingir isto, nomeando-
o por “cantando louvores a Deus incessantemente, entrando profundamente em
si mesmo, e sempre estimulando o pensamento”. Ou seja: através do canto com
a língua e com o coração.

Não é difícil entender que a parte mais importante disto não é a boa harmonia
do canto, mas o conteúdo do que é cantado. Tem o mesmo efeito de um discurso
escrito com sentimento caloroso, que anima quem quer que o leia. O
sentimento, expresso em palavras, é carregado pelas palavras até a alma
daqueles que as ouvem ou as lêem. O mesmo pode ser dito das canções da
Igreja. Salmos, hinos e cantos da Igreja são explosões, espiritualmente
inspiradas, de sentimento em direção a Deus. O Espírito de Deus preenche Seu
eleito, e eles expressam a plenitude dos seus sentimentos em canções. Aquele
que as canta como elas deveriam ser cantadas entra novamente nos sentimentos
que o autor experimentou quando ele originalmente as escreveu. Estando
preenchido por estes sentimentos, ele se aproxima do estado onde é capaz de
receber a graça do espírito, e adaptar-se a ela. O propósito das canções de Igreja
é, precisamente, fazer com que a centelha da graça que está escondida dentro de
nós arda com mais brilho e com maior calor. Esta centelha é dada pelos
sacramentos. Salmos, hinos e odes espirituais são introduzidos, para soprar a
centelha e transformá-la em fogo. Elas agem na centelha da graça como o vento
age na centelha escondida na lenha.

Mas permita-nos lembrar que este efeito depende da sua utilização ser
acompanhada pela purificação do coração. S, João Crisóstomo ordena isto,
guiado pelo próprio ensinamento de S. Paulo, e também diz que as canções
devem ser primeiramente espirituais, e não somente cantadas pela língua, mas
também pelo coração.

Portanto, para que as canções na Igreja possam nos levar a ser preenchidos pelo
Espírito, o Apóstolo é insistente de que as elas devem ser espirituais. Isto
deveria ser entendido de modo que elas não sejam somente espirituais no
conteúdo, mas movidas pelo Espírito: elas devem ser elas próprias o fruto do
Espírito Santo, e serem derramadas por corações que estejam preenchidos com
Ele. Sem isto elas não nos levarão à nossa possessão pelo Espírito. Isto está de
acordo com a lei segundo a qual ao cantor é dado aquilo que foi posto na
canção.

A segunda condição do apóstolo é que as canções devam ser cantadas não pela
língua somente, mas pelo coração. É necessário não somente entender a canção,
mas estar em simpatia com ela, aceitar os conteúdos da canção no coração, e
cantá-la como se viesse do nosso próprio coração. Uma comparação deste texto
com outros torna evidente que no tempo do Apóstolo somente aqueles que
estavam em tal estado costumavam cantar; os outros entravam em um estado
de espírito semelhante e toda a congregação cantava e glorificava a Deus
somente a partir do coração. Nenhuma surpresa se, em conseqüência disto, toda
a congregação era preenchida com o Espírito! Que tesouro está oculto nas
canções da Igreja se elas são executadas corretamente!

S. João Crisóstomo diz: “O que quer dizer: ‘aqueles que cantam em seus
corações para o Senhor’? Significa: Realize este trabalho com atenção, pois
aqueles que são desatentos cantam em vão, pronunciando só palavras,
enquanto que seus corações vagueiam por aí.” O Abençoado Teodoreto
acrescenta isto: “Aquele que canta no coração, que não só move sua língua, mas
estimula sua mente a compreender o que é dito.” Outros Santos Padres,
escrevendo sobre a oração a Deus, acreditam que a oração é melhor atingida
quando oferecida pela mente estabelecida no coração.

Aquilo que o Apóstolo diz aqui sobre encontros na Igreja pode também ser
aplicado a uma salmodia particular. Isto qualquer um pode executar sozinho em
casa. E o fruto disto será o mesmo, quando feito como deveria; isto é: com
atenção, compreensão e sentimento, e vindo do coração.

Façamos notar também que embora as palavras do Apóstolo se refiram ao


canto, seu pensamento indica um direcionar-se em oração a Deus. É, de fato,
isto que desperta o Espírito.

A oração da mente no coração

Algumas vezes nós oramos usando palavras de orações já compostas; outras


vezes a oração nasce diretamente no coração, e de lá se eleva a Deus. Assim foi
a prece de Moisés diante do Mar Vermelho. Os Apóstolos se referem a isso nas
palavras: “Através da graça, cantando em seu coração ao Senhor”. Explicando
esse texto S. João Crisóstomo escreve: “Cante a partir da graça do Espírito, diz
Paulo, não simplesmente com os lábios mas com atenção, permanecendo com
seu pensamento diante de Deus em seu coração. Pois isto é o que cantar a Deus
significa: de outra forma a canção é em vão, e as palavras se esvanecem no ar
tênue. Não é um canto para ser mostrado, pois mesmo se você estiver no
mercado, você pode dirigir-se a Deus internamente e cantar, sem ser ouvido
por ninguém. É bom orar no coração mesmo quando viajando, e ser alçado ao
alto.” Somente este tipo de oração é oração real. A prece oral é prece somente
na medida em que a mente e o coração também oram.

Esta oração é formada no coração pela graça do Espírito Santo. Aquele que se
dirige a Deus e é santificado pelos sacramentos, imediatamente recebe um
sentimento para com Deus de dentro de si mesmo, o qual, deste momento em
diante, começa a estabelecer as bases em seu coração para a ascensão ao alto.
Desde que não sufocado por algo indigno, este sentimento arderá em chamas,
na medida do tempo, da perseverança, e do trabalho. Mas se é sufocado por algo
indigno, embora o caminho de aproximação e reconciliação com Deus não tenha
assim se fechado, este sentimento não mais será dado de uma só vez e
gratuitamente. Diante de si estará o suor e o trabalho de busca e de obtenção
dele através da oração. Mas ninguém é recusado. Porque todos têm graça, só
uma coisa é necessária: dar a esta graça espaço livre para agir. Graça recebe
espaço livre na medida em que o ego é esmagado e as paixões desenraizadas.
Quanto mais o nosso coração é purificado mais vivo se torna o nosso sentimento
em relação a Deus. E quando o coração é totalmente purificado, então esta
sensação de calor em direção a Deus pega fogo. Mesmo para aqueles que
deixaram por um tempo de experimentar o trabalho da graça, esse calor em
direção a Deus reaviva muito antes de se completar uma total purificação das
paixões. Ainda é só uma semente ou uma centelha, mas quando é bem cuidada,
ela brilha e começa a chama. Ainda não é permanente, pois resplandece e depois
se extingue, e sua combustão ainda não é forte. Mas não importa o quão fraca
ou brilhantemente queime, essa chama do amor sempre sobe ao Senhor e canta
uma canção para ele. A Graça fortalece todas as coisas, porque a graça está
sempre presente nos crentes. Aqueles que se comprometem irrevogavelmente
com a graça ficarão sob a sua orientação. Ela os molda e os forma de uma
maneira conhecida apenas por ela mesma.

Sentimento e palavras

Sentimento em relação a Deus – mesmo sem palavras – é uma oração. As


palavras sustentam e algumas vezes aprofundam o sentimento.

O dom do sentimento

Proteja este dom do sentimento, dado a você pela misericórdia de Deus. Como?
Primeiro e antes de tudo pela humildade, atribuindo tudo à graça e nada a si
mesmo. Tão logo você dê crédito a si mesmo, a graça diminuirá em você; e se
você não cair em si, ela cessará de trabalhar completamente. Então haverá
muito choro e lamentação. Em segundo lugar, considerando a si mesmo como
pó e cinzas habite na graça e não dirija seu coração ou pensamento a nada mais
exceto por necessidade. Esteja todo o tempo com o Senhor. Se a chama interna
começar a extinguir-se um pouco, imediatamente apresse-se em restaurar sua
força. O Senhor está perto. Dirigindo-se a Ele com contrição e temor, você
imediatamente receberá Seus dons.

Corpo, alma e espírito

O corpo é feito de terra; embora não seja algo morto, mas vivo, e dotado com
uma alma viva. Dentro desta alma soprou-se um espírito – o espírito de Deus
- destinado a conhecer Deus, a reverenciá-Lo, a buscar e prová-lo, e a obter a
felicidade Nele e em nada mais.
Atraia a mente para o coração

Volte-se para o Senhor, atraindo a atenção da mente para o coração, e chamando


por Ele lá. Com a mente firmemente estabelecida no coração, permaneça diante
do Senhor com respeito, reverência e devoção. Se cumpríssemos esta pequena
regra infalivelmente, então, os desejos e sentimentos apaixonados nunca iriam
surgir, nem surgiria qualquer outro pensamento.

O trabalho primário da nossa vida

A oração é o trabalho primário da vida moral e religiosa. A raiz desta vida é uma
livre e consciente relação com Deus, que então dirige todas as coisas. A prática
da oração expressa esta livre e consciente atitude em relação a Deus, assim
como os contatos sociais da vida cotidiana expressam nossa atitude moral em
relação aos nossos vizinhos, e nossas lutas ascéticas e esforços espirituais
expressam nossa atitude moral em relação a nós mesmos. Nossa oração reflete
nossa atitude a Deus, e nossa atitude a Deus é refletida na oração. E desde que
esta atitude é diferente em pessoas diferentes, assim também os tipos de oração
também não são idênticos. Aquele que é descuidado da salvação tem uma
diferente atitude em relação a Deus daquele que abandonou o pecado e é zeloso
pela virtude, ainda que não tenha entrado dentro de si mesmo, e trabalha para
o Senhor apenas externamente. Finalmente, aquele que entrou dentro e carrega
o Senhor em si mesmo, permanecendo diante Dele, possui ainda outra atitude.
O primeiro homem é negligente na oração assim como ele é negligente em sua
vida; e ele ora na igreja e em casa meramente de acordo com o costume
estabelecido, sem atenção ou sentimento. O segundo homem lê muitas preces e
vai freqüentemente à igreja, tentando, ao mesmo tempo, evitar que sua atenção
se disperse e experimentar sentimentos de acordo com as preces que são lidas,
embora ele raramente seja bem sucedido. O terceiro homem, plena e
internamente concentrado, permanece diante de Deus, e ora a Ele em seu
coração sem distração, sem longas orações verbais, mesmo quando permanece
por um longo tempo orando em sua casa ou na igreja. Retire a prece oral do
segundo e você levará toda a sua oração; imponha a prece oral ao terceiro e você
extinguirá a sua oração pelo vento das muitas palavras. Pois cada categoria de
pessoa, e cada grau de aproximação a Deus têm sua própria oração e suas
próprias regras. Quão importante é ter instrução experimentada aqui, e quão
prejudicial pode ser guiar e conduzir-se por si mesmo!

Oração sonora e oração silenciosa

“O que é melhor: orar com os lábios ou com a mente?” A resposta é que devemos
usar ambas as formas: orar algumas vezes com palavras, algumas vezes com a
mente. Mas é necessário explicar aqui que a oração mental também envolve o uso
de palavras que neste caso não são ouvidas, mas são somente pronunciadas dentro
do coração. É melhor colocar deste modo: Ore algumas vezes com palavras
pronunciadas, e algumas vezes com palavras inaudíveis, que são silenciosas. Mas é
necessário estar atento de que tanto as orações vocais quanto as silenciosas devem
vir do coração.

O poder não está nas palavras


Orar é muito direto. Permaneça com a mente no coração diante da face do
Senhor e clame: “Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim”, ou
apenas: “Senhor, tem piedade”, “Senhor misericordioso, tem piedade de mim,
um pecador” – ou com quaisquer outras palavras. A força não está nas
palavras, mas nos pensamentos e sentimentos.

Uma tensão vigilante dos músculos

Nós não contradiríamos o significado das instruções dos Santos Padres, se


disséssemos: comporte-se como queira, contanto que você aprenda a
permanecer diante de Deus com a mente no coração, pois nisto reside a
essência da questão.

Entre atividades corporais, entretanto, existem algumas que parecem ir de


mãos dadas com a oração interior, e nunca a deixam. Nossa meta deve ser ficar
com a atenção no coração, e manter todo o corpo numa tensão vigilante dos
músculos, e não permitir que a atenção seja influenciada e dispersa pelas
impressões externas dos sentidos.

Oração oriunda do coração

Toda oração deve vir do coração, e qualquer outra oração não é, de fato, oração.
As orações do livro de preces, suas próprias orações, e orações muito curtas,
todas devem ser emitidas a partir do coração até Deus, visto diante de você. E
isto deve ser ainda mais assim com a Oração de Jesus.

A coisa principal

A coisa principal é ficar com a mente no coração diante de Deus, e seguir em


pé diante dele incessantemente dia e noite, até o final da vida.

Notas

[1] O primeiro trecho não é de Teófano, mas do Bispo Nikon de Volodsk. Escritor
espiritual russo no final do século XIX e início do século XX.

[2] Santo Isaac o Sírio (falecido c. 700), Bispo nestoriano de Nínive e autor místico.
Suas obras, traduzidas do sírio para o grego durante o século IX, têm sido
amplamente lidas e honradas na Igreja Ortodoxa.

(Nota do editor da tradução em português: sobre a ortodoxia de Santo Isaac,


e contra a alegação de que ele era “nestoriano” - uma ideia que passou a ser
propagada entre os cristãos ocidentais - apresento aqui um trecho do livro sobre a
vida de São Paísios do Monte Athos:

Um dia, sentado no banquinho fora de Stavronikita, o Ancião estava de visita com


peregrinos, entre os quais se encontrava um professor de teologia do ensino
secundário. O professor de teologia, repetindo um erro popular ocidental, afirmou
que Abba Isaac, o Sírio, era um nestoriano. Pai Paisios tentou persuadi-lo de que
Abba Isaac não apenas era Ortodoxo, mas também um santo, e que as suas
Homilias Ascéticas possuíam grande graça e força. Mas as palavras do Ancião
foram em vão: o professor de teologia teimou em insistir em seus pontos de vista. O
Ancião partiu para seu eremitério, orando e tão triste que estava em lágrimas.

Quando o professor tinha chegado a um lugar no caminho perto de uma grande


árvore, algo aconteceu com ele. Essas palavras, "algo aconteceu", foram a única
descrição que ele nos deu do incidente, não querendo revelar os detalhes exatos. De
acordo com um testemunho, ele viu numa visão o coro dos Santos Pais passando
diante dele, e um deles, parando, disse-lhe: "Eu sou Isaac, o Sírio. Eu sou
completamente Ortodoxo. A heresia nestoriana estava de fato presente na minha
região, mas eu lutei contra ela". Não estamos em posição de endossar ou rejeitar a
confiabilidade desta testemunha. Sabemos com certeza apenas que o Ancião
experimentou uma ocorrência supranatural que confirmou com perfeita clareza a
santidade e a ortodoxia total de Abba Isaac.

Do livro, Elder Paisios of Mount Athos por Hieromonge Isaac p. 226)

[3] Sobre troparia e cânones, ver acima, p. 45, n. I. Um sticheron é uma estância de
poesia religiosa, semelhante a um troparion. Um acatiste é uma composição em 24
estâncias, dirigida ao Salvador, à Mãe de Deus, ao nosso Anjo da Guarda ou a um
dos Santos. O título significa "não sentado": um acatiste deve ser sempre recitado
em pé.

[4] Teodoreto, Bispo de Kyrrhos (co 393- c. 4-5'8). Alguns dos seus escritos foram
condenados no quinto Concílio Ecumênico (Constantinopla, 553), mas os seus
comentários sobre a Sagrada Escritura são, na sua maioria, excelentes e continuam
a ser lidos e respeitados na Igreja Ortodoxa.
A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa
- (Capítulo II - ii) Graus da Oração

(ii) GRAUS DA ORAÇÃO


Três graus da oração

Nós podemos distinguir três estágios.

1. O hábito da prece oral comum, na igreja e em casa.

2. A união dos pensamentos e sentimentos devocionais com a mente e


o coração.

3. A oração incessante.

A Oração de Jesus pode ir tanto com o primeiro como com o segundo estágio,
mas seu lugar real é com a oração incessante. A principal condição para o
sucesso na oração é a purificação do coração das suas paixões, e de todo apego às
coisas sensuais. Sem isto, a oração permanecerá todo o tempo no primeiro grau,
ou, aquele oral. Quanto mais o coração for purificado mais a prece oral se
tornará a oração da mente no coração. E quando o coração tornar-se muito puro,
então a oração incessante será estabelecida. Como isto pode ser feito? Na igreja,
siga o serviço e retenha os pensamentos e sentimentos que você experimentar lá.
Em casa, desperte em si mesmo o pensamento e o sentimento da oração e os
mantenha em sua alma com a ajuda da Oração de Jesus.

Distinções ulteriores

A oração tem vários graus. De início, ela é somente a oração da palavra falada,
mas a partir daí deve tornar-se oração da mente e do coração, o que a aquece e a
mantém. Mais tarde, a oração da mente-no-coração ganha sua independência:
tornando-se algumas vezes ativa, estimulada por seu próprio esforço, e algumas
vezes auto-motivada, concedida como uma dádiva. A oração como uma dádiva é
o mesmo que uma atração interna em direção a Deus, que se desenvolve a
partir desta. Mais tarde, quando o estado da alma sob a influência desta atração
se torna constante, a oração da mente no coração se tornará incessantemente
ativa. Todas as atrações temporárias iniciais são, agora, transformadas em
estados de contemplação; e é neste ponto que a oração contemplativa começa.
O estado de contemplação é a prisão da mente e da completa visão por um
objeto espiritual tão poderoso que todas as coisas externas são esquecidas, e
ficam inteiramente ausentes da consciência. A mente e a consciência tornam-se
tão completamente imersas no objeto contemplado que é como se nós não mais
as possuíssemos. [1]

Oração executada pelo homem, oração dada por Deus, oração


de êxtase

Há a oração que o homem, ele mesmo, faz; e há a oração que Deus, Ele mesmo,
dá àquele que ora (I Reis ii. 9: Sept.). Quem não conhece a primeira? E você
deve conhecer a segunda, ao menos em seu princípio. Qualquer um que deseje
aproximar-se do Senhor irá inicialmente aproximar-se Dele pela oração. Ele
começa a ir à igreja e a orar em casa, com ou sem a ajuda de um livro de preces.
Mas os pensamentos continuam fugindo. Ele não pode tratar de controlá-los.
Contudo, mais ele empenha-se em orar, mais os pensamentos irão se acalmar e
se iniciará uma oração mais pura. Mas a atmosfera da alma não fica purificada
até que uma pequena chama espiritual seja acesa na alma. Esta chama é o
trabalho da graça de Deus; não uma graça especial, mas uma comum a todos.
Esta chama aparece quando um homem obteve certa medida de limpidez na
ordem moral geral de sua vida. Quando esta pequena chama é acesa, ou um
calor permanente se forma no coração, o fermento dos pensamentos é
silenciado. Essa mesma coisa que acontece na alma aconteceu à mulher com
hemorragia: “E logo se lhe estancou a hemorragia” (Lucas viii. 44). Neste
estado, a oração mais ou menos se aproxima da permanência; e para isto a
Oração de Jesus serve como um intermediário. Este é o limite no qual a oração
executada pelo homem pode erguer-se. Eu acho que isto está bastante claro
para você.

Mais adiante, neste estado, outra espécie de oração pode ser dada, uma que
chega ao homem ao invés de ser executada por ele. O espírito da oração vem
sobre o homem e o conduz nas profundezas do coração, como se ele fosse
tomado pelas mãos e fosse, forçosamente, levado de um quarto para outro. A
alma é aqui aprisionada por uma força invasora, e é mantida voluntariamente
dentro, tanto quanto este irresistível poder da oração ainda exerça grande
influência sobre ele. Eu conheço dois graus de tal invasão. No primeiro, a alma
vê tudo e é consciente de si mesma e do seu ambiente exterior; ela pode
raciocinar e governar a si própria, ela pode até mesmo destruir este estado se
ela assim desejar. Isto também deveria estar claro para você.

Mas os Santos Padres, e especialmente S. Isaac, o Sírio, mencionam um


segundo grau desta oração que é dada ou desce sobre um homem. Issac
considera que esta oração, que ele chama de êxtase ou arrebatamento, é
superior do que aquela descrita acima. Aqui também, o espírito da oração vem
sobre um homem, mas a alma, arrebatada por ele, passa a tal estado de
contemplação que ela esquece o seu ambiente exterior, pára de raciocinar, e
somente contempla; e não tem nenhum poder de controlar a si mesma ou
romper-se deste estado. Você se lembra de como os Santos Padres escreveram
sobre alguém que começou a orar antes da sua refeição noturna e voltou a si
somente na manhã seguinte. Esta é a oração do arrebatamento ou
contemplação. Com alguns, ela foi acompanhada por iluminação das suas faces,
por luz ao redor deles [2], com outros, por levitação. São Paulo o Apóstolo
estava neste estado quando ele foi levado até o Paraíso. E os Santos Profetas
também estava no mesmo estado de êxtase quando o Espírito os levou.

Olhe com espanto para a grande misericórdia de Deus verso a nós pecadores:
um pequeno esforço e quão grande é o resultado. Com justeza podemos dizer
para aqueles que labutam: trabalhe nisto, pois aquilo que busca é de real valor.

Três tipos de oração: dos lábios, da mente, do coração

Você provavelmente ouviu estas palavras: prece oral, prece mental, prece do
coração; você pode também ter ouvido discussões sobre cada uma delas
separadamente. Qual é a causa desta divisão da prece em partes? Acontece que
algumas vezes através da nossa negligência a língua recita as sagradas palavras
da oração, mas a mente vagueia em algum outro lugar: ou a mente entende as
palavras da oração, mas o coração não responde a elas com o sentimento. No
primeiro caso a prece é somente oral, e não é de fato prece, no segundo, a prece
mental se junta à oral, mas esta oração é ainda imperfeita e incompleta. A
oração completa e real ocorre somente quando a prece da palavra e do
pensamento é acompanhada pela prece do sentimento. A oração interna ou
espiritual ocorre quando aquele que ora, depois de juntar sua mente dentro do
coração, de lá dirige sua prece a Deus em palavras não mais orais mas
silenciosas: glorificando-O e dando graças, confessando seus pecados com
contrição diante de Deus, e pedindo a Ele as bênçãos espirituais e físicas que se
necessita. Você deve orar não somente com palavras, mas com a mente; e não só
com a mente mas com o coração, de modo que a mente compreende e vê
claramente o que é dito em palavras, e o coração tem o sentimento daquilo que a
mente está pensando. Todos eles juntos e combinados constituem a prece real, e
se algum deles está ausente a sua prece ou não é perfeita ou não é, de fato, uma
prece.

O fogo da prece e o Paraíso na alma

Quando a oração interior ganha força, então ela controlará a prece oral,
adquirindo controle sobre a prece externa e até a absorvendo. Como resultado, o
zelo da oração pegará fogo, pois então o Paraíso estará na alma. Se você
contenta-se só com a prece exterior, você pode esfriar-se no trabalho da oração,
mesmo se a pratique com atenção e entendimento. A principal coisa na prece é
um coração com sentimento.

Confine sua mente dentro das palavras da prece

Eu já lhe falei mais de uma vez sobre como este trabalho é para ser feito. Você
não deve permitir que seus pensamentos vagueiem aleatoriamente, mas tão logo
eles fujam, você deve imediatamente trazê-los de volta, censurando a si mesmo,
lamentando e deplorando este vaguear da mente. S. João da Escada diz isto:
“Você deve fazer um grande esforço para confinar sua mente dentro das
palavras da prece”.

Oração da imaginação, da mente, do coração

Ao passarmos de fora para dentro, nós, primeiro, encontramos as forças da


imaginação e da fantasia [3]. Muitas pessoas param aqui, não percebendo que
elas devem, imediatamente, passar além deste primeiro estágio: pois se
trabalhamos, principalmente, através da nossa imaginação e fantasia, nós não
estamos ainda orando corretamente. Este é, portanto, o primeiro método
incorreto de oração. O segundo estágio no caminho para dentro é representado
pela razão, intelecto, e mente, e, em geral, pelo poder do pensamento e do
raciocínio pertencente à alma. Também não devemos nos demorar aqui, mas
seguir adiante: e coletando junto todo este poder racional, devemos descer para
o coração. Se nos demorarmos aqui, ficaremos envolvidos com um segundo
método incorreto de oração, cuja característica principal é que a mente
permanece na cabeça, desejando por si mesma dirigir e governar todas as
coisas na alma. Nada vem destes esforços: a mente vai atrás de todas as coisas,
mas não pode dominar nenhuma, e sofre apenas derrotas. Esta fraqueza da
qual nossa mente sofre é plenamente descrita por S. Simeão o Novo Teólogo
[4]. Esta segunda maneira de orar pode ser denominada, apropriadamente, de
‘mente-na-cabeça’, em contraste com a terceira maneira, que é a ‘mente-no-
coração’. Neste segundo estágio da oração, enquanto que esta fermentação
mental ocorre na cabeça, o coração segue seu próprio caminho: ninguém vigia
sobre ele, e assim ele é invadido pelas preocupações e pelas paixões, e somente
com grande dificuldade vem a si novamente.

A este relato sobre a segunda maneira de orar, eu adicionaria umas poucas


palavras da introdução aos textos de Gregório do Sinai [5] escritas pelo stárets
Basil [6], um monge do grande hábito [7], companheiro e amigo de Paissy
Velichkovsky [8].

Tendo citado Simeão o Novo Teólogo, stárets Basil complementa: “Como você
pode querer manter a mente intacta meramente protegendo as suas sensações
externas, quando seus pensamentos, por eles mesmos, fluem em diferentes
direções e rodopiam em torno de coisas materiais? É essencial para a mente, na
hora da oração, retirar-se o mais rapidamente possível para o coração e
permanecer lá, surda e muda para todos os pensamentos. Quem quer que se
afaste somente externamente do ver, ouvir e falar; obtém pouco resultado.
Encerre sua mente na cela interior do coração, e então você gozará o repouso
dos maus pensamentos; e experimentará a felicidade espiritual que é provocada
pela oração interior e a atenção do coração.

S. Hesíquio diz [9]: “Nossa mente não pode derrotar os sonhos maus por ela
mesma; e nunca permita que ela espere ser capaz de assim fazer. Acautele-se,
portanto, não pense desmesuradamente de si mesmo como a velha nação de
Israel, para que você também não seja entregue nas mãos dos inimigos
invisíveis. Quando o Deus de toda a criação libertou Israel dos egípcios, os
Israelitas fundiram uma imagem para ser o protetor deles. Você deve entender
essa imagem fundida como sendo nossa fraqueza mental: quando ela evoca
Jesus Cristo contra os espíritos do mal, facilmente os expulsa; mas quando em
sua insensatez confia plenamente em si mesma, ela experimenta uma
repentina e dolorosa queda.”

O desejo e o anseio por Deus

O que acontece à alma quando nós desejamos orar muito, ou quando somos
atraídos à oração, e como deveríamos nos comportar?

Todos experimentam este desejo em maior ou menor grau na medida em que


prosseguem no caminho da vida Cristã, uma vez que começaram a buscar Deus
através de um esforço pessoal, até que finalmente alcançaram suas metas: uma
viva comunhão com Ele. Eles também o experimentam mesmo depois de ter
atingido este objetivo. É um estado que se parece com aquele de um homem
mergulhado em reflexão profunda, retirado dentro de si mesmo, concentrado
em sua alma, não prestando atenção ao ambiente externo, às pessoas, coisas e
eventos. Mas quando um homem está mergulhado em reflexão é a mente que
está trabalhando, enquanto que aqui é o coração. Quando o anseio por Deus
vem, a alma é recolhida dentro de si mesma, e permanece diante da face de
Deus. Além disso, ou derrama diante Dele suas esperanças e os sofrimentos do
seu coração, como Ana, a mãe de Samuel; ou O glorifica, como a Santíssima
Virgem Maria; ou, ainda, permanece maravilhado diante Dele, como o Aposto
Paulo freqüentemente fez. Aqui todas as ações pessoais, pensamentos, e
intenções cessam; e tudo que é externo se afasta da nossa atenção. A alma por si
mesma não deseja estar ocupada com qualquer coisa alheia. Isto pode acontecer
na igreja ou durante a regra da oração, ou durante a leitura ou a meditação, e
mesmo durante ocupações externas ou na companhia de outros. Mas em
nenhum caso isto depende da nossa vontade. Aquele que uma vez tenha
experimentado este anseio pode lembrar-se dele e desejar sua repetição, ele
pode esforçar-se nesta direção, mas ele mesmo nunca o atrairá através do seu
próprio empenho: ele acontece por si mesmo.

Somente uma coisa depende do nosso livre arbítrio – quando este estado
ocorrer, não se permita destruí-lo, mas tome o máximo cuidado, de modo a dar
a ele a plena oportunidade de permanecer dentro de você tanto quanto
possível.

Dois tipos de oração interior

A oração interior significa pôr-se de pé com a mente no coração diante de


Deus vivendo simplesmente em Sua presença, ou expressando súplica,
agradecimento, e glorificação. Nós devemos adquirir o hábito de sempre estar
em comunhão com Deus, sem qualquer imagem, qualquer processo de
raciocínio, qualquer perceptível movimento de pensamento. Tal é a verdadeira
expressão da oração. A essência da oração interior, ou o pôr-se de pé diante de
Deus com a mente no coração, consiste precisamente nisto.

A oração interior compreende dois estados, um ativo, quando o homem, ele


mesmo, esforça-se pela oração, e o outro auto-impelido, quando a oração
existe e age por si mesma. Este último acontece quando somos puxados
adiante involuntariamente, mas o primeiro deve ser um constante objeto de
empenho. Embora em si mesmo tal empenho não seja bem sucedido porque
nossos pensamentos estão sempre se dispersando, ainda assim, como prova do
nosso desejo e esforço para obter a oração incessante, ele atrairá a misericórdia
do Senhor; e por este trabalho Deus completará nossos corações, de tempos em
tempos, com aquele irresistível impulso através do qual a oração espiritual
revela-se em sua verdadeira forma.

Orações ‘auto-motivadas’

No caso das orações ‘auto-motivadas’, quando o espírito da oração vem sobre


um homem, não temos nenhum poder de escolha sobre qual forma de oração
nos será dada; elas são diferentes córregos de uma única e mesma graça. Mas,
de fato, estas orações ‘auto-motivadas’ são de duas espécies. Numa delas o
homem tem o poder de obedecer ou desobedecer a este espírito; ele pode
favorecê-lo ou contrariá-lo. Na outra espécie ele não tem o poder de fazer nada,
mas é conduzido para a oração e mantido nela por uma força externa a ele
próprio, que não deixa a ele nenhuma liberdade para agir diferentemente. Esta
completa ausência de escolha ocorre somente nesta última espécie de oração.
Em relação a todas as outras espécies a escolha é possível.

Oração do Espírito

“Mas o próprio Espírito intercede por nós sobremaneira com gemidos


inexprimíveis.” (Rom. Viii. 26).

Isto será fácil de compreender se pudermos relacioná-lo a algo que aconteceu


em nossa própria experiência. O Espírito move-se em nós na oração que vem
por si mesma. Normalmente oramos usando ou um livro de preces ou nossas
próprias palavras. A oração pode ser acompanhada por sentimentos e suspiros,
mas não podemos alcançá-los em nós deliberadamente. Junto com estes
sentimentos e suspiros, algumas vezes, acontece que a autêntica inspiração
para orar chega por si mesma forçando-nos a orar, não nos dando paz até que a
oração esteja completamente entornada. Isto, ou algo similar, é o que o
Apóstolo descreve. O conteúdo de tal oração raramente pode ser bem definido,
mas quase sempre é inspirado pela rendição à vontade divina, e pela completa
confiança na conduta de Deus, que é quem sabe melhor do que nós aquilo que é
bom para o nosso ser interno e externo, que é quem deseja isto para nós com
maior força do que desejamos para nós mesmos, e que é quem está pronto para
nos dar tudo aquilo que é bom e colocar tudo em ordem para nós – na medida
em que nós mesmos não opomos resistência. Todas as orações que nos
chegaram através dos Santos Padres possuem esta origem e são movidas pelo
Espírito: está é a razão pela qual permanecem tão definidamente efetivas.

A aproximação à prece contemplativa

Na oração puramente contemplativa, palavras e pensamentos, desaparecem,


não por nosso próprio desejo, mas pela própria concordância deles. A oração da
mente modifica-se em oração do coração, ou melhor, na oração da mente no
coração: seu aparecimento coincide com o nascimento de um calor no coração.
Daqui por diante no curso normal da vida espiritual não existe outra oração.
Esta oração, tomando profundas raízes no coração, pode ser sem palavras ou
pensamentos: pode consistir apenas de uma permanência diante de Deus, numa
abertura do coração para Ele em reverência e amor. É um estado no qual se fica
irresistivelmente atraído para dentro para pôr-se de pé diante de Deus em
oração. Mas tudo isto ainda não é a verdadeira oração contemplativa, que sendo
o mais alto estado de oração, aparece de tempos em tempos nos eleitos de Deus.

Oração ativa e oração contemplativa

A ação da prece no coração pode ser duplicada. Algumas vezes a mente reage
primeiro, abrindo caminho ao Senhor numa incessante lembrança Dele no
coração; algumas vezes é a prece, ela mesma, que age, quando é movida pelo
fogo da felicidade e atrai a mente ao coração, mantendo-a lá em invocação ao
Senhor Jesus numa reverente permanência diante Dele. O primeiro tipo de prece
requer esforço, o segundo trabalha por si mesmo. No primeiro caso, quando o
cabresto das paixões é afrouxado, a ação da prece começa a desobstruir-se
através do cumprimento dos mandamentos e do calor do coração, como
conseqüência de uma vigorosa invocação do Senhor Jesus. No segundo caso, o
Espírito atrai a mente em direção ao coração e a estabelece ali, nas profundezas,
impedindo-a de realizar suas habituais divagações. Neste caso não é mais como o
prisioneiro que é sequestrado de Jerusalém para Assíria, mas, ao contrário, é um
recém-chegado que vem da Babilônia a Sião, clamando junto com o profeta: “A
ti, ó Deus, confiança e louvor em Sião! E a ti se pagará o voto em Jerusalém.” (Sl.
lxiv. 2. sept.). Destes dois tipos de prece, às vezes, surge uma mente ativa, às
vezes, uma contemplativa. A mente ativa derrota as paixões com o auxílio de
Deus. A mente contemplativa vê Deus tanto quanto isto é possível para o
homem.

A jornada interior da mente e do coração

Aquele que se arrependeu viaja para o Senhor. O caminho até Deus é uma
jornada interna realizada na mente e no coração. É, portanto, necessário
sintonizar os pensamentos da mente e a disposição do coração de modo que o
espírito do homem sempre esteja com o Senhor, como se unido com Ele. Aquele
que está assim sintonizado é constantemente iluminado pela luz interna, e
recebe em si mesmo os raios do resplendor espiritual (como diz Teodoreto),
como Moisés, cuja face foi glorificada no Monte porque ele estava iluminado
por Deus. David se refere a isto: “A luz da tua aprovação, oh Senhor, foi vertida
sobre nós.” (Sl. Iv. 6). O meio pelo qual este estado pode ser obtido é através da
oração da mente feita no coração. Somente quando esta é formada a visão da
mente se tornará clara, e o espírito, contemplando Deus claramente, receberá
Dele o poder para ver e afastar tudo aquilo que poderia envergonhá-lo diante de
Deus.

Contudo, existem muitos que esperam se aproximar de Deus, meramente,


através de atos e palavras externas. Eles vivem nesta expectativa, mas nunca a
efetivam, pois não seguem o caminho correto. Para tais pessoas fazemos o
seguinte apelo: aproxime-se de Deus com a mente e o coração e você será
iluminado e não mais será derrotado pelo inimigo, que neste momento – a
despeito de toda a sua boa conduta externa – constantemente lhe subjuga e lhe
faz envergonhar pelos seus pensamentos e pelos sentimentos do seu coração.
Aproximar-se de Deus em sua mente e coração lhe dará poder sobre todos os
movimentos da alma, e o poder para envergonhar o inimigo, sempre que ele
tentar envergonhar você.

Ore como se começasse a orar pela primeira vez

Você nunca deve considerar qualquer trabalho espiritual como firmemente


estabelecido, e isto é especialmente verdadeiro para a oração; por isto, sempre
ore como se começasse pela primeira vez. Quando fazemos algo pela primeira
vez, nos achegamos com frescor e com um recém nascido entusiasmo. Se ao
iniciar a orar você sempre abordasse a tarefa como se ainda nunca tivesse
orado apropriadamente, e somente agora, pela primeira vez, desejasse assim
fazê-la, você sempre orará com um zelo fresco e vivo. E tudo irá bem.

Se você não é bem sucedido em sua oração, não espere ter sucesso em nenhuma
outra coisa. É a raiz de tudo.

Notas

[1] Aqui Teófano aparentemente distingue cinco estágios:

(i) oração oral


(ii) oração da mente no coração, produzida por nossos próprios esforços
(iii) oração da mente no coração, concedida como um dom
(iv) oração incessante da mente no coração
(v) oração contemplativa (também descrita por Teófano como oração de
arrebatamento ou êxtase).

Os três últimos estágios estão intimamente relacionados, e não podem ser


claramente distinguidos.

[2] Vários santos orientais participaram no mistério da Transfiguração de


Nosso Senhor, com o rosto ou corpo inteiro deles rodeado e iluminado pela Luz
Divina, tal como o rosto e o corpo de Cristo foram iluminados no Monte Tabor.
Um exemplo particularmente impressionante desta transfiguração corporal
ocorreu na vida de um santo russo, Serafim de Sarov (1759-1833): veja o relato
da testemunha ocular do seu amigo Nicolas Motovilov, Conversation of Saint
Seraphim on the Aim of the Christian Life, em A Wonderful Revelation to the
World, Jordanville (N. Y.).

[3] Sobre o significado de "imaginação" veja a introdução.

[4] São Simeão, o Novo Teólogo (949-1022), Abade do Mosteiro de São Mamas
em Constantinopla: provavelmente o maior dos escritores místicos bizantinos.

[5] São Gregório do Sinai (final do século XIII - 1346), monge do Monte Athos,
um dos líderes do Movimento Hesicasta.

[6] Staretz Basil (faleceu em 1767), russo de nascimento, Hegúmeno de vários


mosteiros na Romênia. Ele escreveu introduções às obras de vários autores
gregos que falam da Oração de Jesus.

[7] Os monges Ortodoxos são divididos em três graus: rasóforo (aquele que usa
o rason ou batina), monge do pequeno hábito e monge do grande hábito (ou
schema monge). Apenas alguns monges entram na terceira e mais alta destas
classes, o grande hábito: na Rússia espera-se normalmente que um schema
monge siga uma vida de estrito isolamento e jejum (nos mosteiros gregos as
regras para os schema monges são frequentemente menos rigorosas).

[8] Paissy Velichkovsky (1722-94). De origem russa, entrou na vida monástica


no Monte Athos e mais tarde estabeleceu-se na Romênia, onde se tornou
Hegúmeno do mosteiro de Niamets. Editor da edição eslava da Filocalia. O
renascimento espiritual e monástico na Rússia do século XIX foi em grande
medida inspirado por seus discípulos e seguidores.

[9] São Hesíquios de Batos foi superior de um mosteiro na península do Sinai


durante os séculos VI e VII.
A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa
- (Capítulo III - i) Meditação Secreta

CAPÍTULO III
A ORAÇÃO DE JESUS
(por vários autores)
(i) MEDITAÇÃO SECRETA [1]
Os frutos da meditação secreta

O homem sábio que é proprietário de riquezas esconde seus tesouros dentro da


sua casa; pois tesouro a vista excita a criminalidade dos ladrões, e é cobiçada
pelos poderosos da terra. E do mesmo modo o monge virtuoso e humilde
esconde suas virtudes como um homem rico esconde seus tesouros, e não
segue seus próprios desejos. Mas ele repreende-se a cada hora e forçosamente
devota suas energias à meditação secreta, seguindo as palavras da Escritura:
“Meu coração queimava dentro de mim, ao meditar nisto o fogo se inflamava”
(Sl. xxxix. 4.) Que espécie de fogo? O fogo da qual a Escritura fala aqui é Deus:
“nosso Deus é um fogo abrasador.” (Heb. xii. 29). O fogo derrete a cera e seca a
lama: do mesmo modo a meditação secreta derrete nossos maus pensamentos
e seca as paixões da alma; ele ilumina nossa mente, torna o entendimento
radiante, e enche o coração com alegria. A meditação secreta fere os demônios,
e expulsa os pensamentos perversos. Aquele que se arma com esta meditação
secreta, tornando o seu homem interior resplandecente, é fortalecido por Deus,
fortificado pelos anjos, e glorificado pelos homens. A meditação secreta e a
leitura transformam a alma numa fortaleza inexpugnável, uma fortaleza
invencível, um paraíso de tranqüilidade, e elas preservam-na imperturbável e
inabalável. Os demônios ficam muito perturbados e incomodados quando o
monge arma-se com a meditação secreta e a leitura. A meditação secreta é um
espelho para a mente e uma luz para a consciência; ela doma a luxúria,
apascenta a fúria, afasta a ira, expulsa a amargura, põe a irritabilidade em fuga,
e bane a injustiça. A meditação secreta ilumina a mente e expele a preguiça.
Dela nasce a ternura que aquece e dissolve a alma. Através dela o temor a Deus
entra e habita dentro de você, tocando-o até as lágrimas. Pela meditação
secreta é dada ao monge uma verdadeira humildade da mente, um oração
imperturbável, uma abençoada vigília por ternura e calor. A meditação secreta
dispersa maus pensamentos, castiga os demônios, santifica o corpo, ensina-nos
a perdurar no sofrimento e a contê-lo em nós mesmos, e nos mantêm
conscientes da Geena. A meditação secreta preserva a mente livre de distrações
e a ajuda a refletir sobre a morte. A meditação secreta é plena de todo tipo de
boa obra, adornada com toda virtude; e está muito distante de qualquer mal.

ABBA ISAIAS [2]


Meditação secreta e prece continua

Certo irmão de nome João veio dos países costeiros até o grande e santo padre
Philemon, e, agarrando-lhe os pés, disse: “O que devo fazer, Padre, para ser
salvo? Eu vejo que minha mente é distraída, e vagueia aqui e ali aonde ela não
devia.” Depois de um breve silêncio, Philemon [3] disse a ele: “Esta é uma
doença sofrida por aqueles que são externos, e ela permanence em você porque
o seu amor a Deus ainda não é perfeito; até agora o calor do amor e do
conhecimento de Deus ainda não surgiram em você.” O irmão perguntou: “O
que devo fazer então?” “Vá,” respondeu o padre, “e por hora pratique a
meditação secreta em seu coração; isto limpará sua mente de sua doença.” O
irmão, não compreendendo o que havia sido dito a ele, disse a Philemon: “O
que é esta meditação secreta, Padre?” “Vá”, ele respondeu, “preserve a
sobriedade em seu coração, e em sua mente repita, calmamente, com temor e
tremor: “Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim.” Isto é o que o abençoado
Diádocos [4] prescreveu para iniciantes.”

O irmão partiu, e pela ajuda de Deus e pelas preces do padre ele começou a
guardar silêncio e a saborear a doçura desta secreta meditação. Mas isto durou
somente por um curto tempo. Já que repentinamente ela o deixou e ele não
pôde mais mantê-la ou orar calmamente, ele veio novamente até o padre e
contou-lhe o que havia acontecido. O padre disse: “Agora você trilhou um pouco
do caminho do silêncio e da prática interior e saboreou sua doçura. Portanto,
mantenha-o sempre em seu coração. Se for comer ou beber, ou conversar com
alguém fora da sua cela ou no caminho para algum lugar, não se esqueça de
recitar esta oração com uma mente atenta e sóbria, e cantar e meditar sobre
preces e salmos. Mesmo se estiver satisfazendo alguma necessidade essencial,
não deixe que sua mente seja negligente, mas faça -a meditar e orar em segredo.
Todo o tempo – quando retirar-se para dormir ou ao acordar, quando comer ou
beber, ou conversar com alguém – mantenha seu coração trabalhando
secretamente, algumas vezes meditando sobre um verso dos Salmos, algumas
vezes orando: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim’.”

Da VIDA DE ABBA PHILEMON

O trabalho interior deve começar tão cedo quanto possível. Isto é


extremamente importante

Recolha a si mesmo no coração, e ali pratique a meditação secreta. Por este


meio, com a ajuda da graça de Deus, o espírito do zelo será mantido no seu
verdadeiro caráter – ardendo algumas vezes menos e algumas vezes mais
brilhantemente. A meditação secreta põe nossos pés no caminho da oração
interna, que é a estrada mais direta para a salvação. Devemos deixar tudo mais
e nos direcionar somente para este trabalho, e tudo estará bem. De maneira
inversa, se cumprirmos todas as outras obrigações e negligenciarmos a esta
única tarefa não colheremos fruto.

Aquele que não se volta para dentro e olha para esta tarefa espiritual, não faz
progresso. É correto dizer que esta tarefa é extremamente difícil, especialmente
no início, mas por outro lado ela é direta e frutífera em seu resultado. Um pai
espiritual deveria, portanto, introduzir a prática da oração interior entre seus
filhos tão cedo quanto possível, e fortalecê-los na sua utilização. É possível
iniciá-los nela mesmo antes de quaisquer observâncias exteriores, ou junto com
eles; em qualquer caso é essencial não deixar que isso se postergue
demasiadamente. Isto porque a real semente do crescimento espiritual reside
neste voltar-se interno a Deus. Tudo que é necessário é tornar isto claro,
enfatizar sua importância, e explicar a maneira de fazê-lo. Quando este padrão
estiver tecido dentro de nós então todo trabalho exterior também será
executado desejosamente, com sucesso e frutos: sem ele, a atividade exterior é
como uma linha apodrecida, sempre se rompendo. Note, particularmente, que
a prática deve proceder-se passo a passo, lentamente e com grande contenção.
A menos que este modo de vida seja gradualmente adotado pode ocorrer que
ele perca seu caráter essencial e torne-se nada mais do que uma observância de
regras externas. Portanto, embora existam pessoas que procedem da regra
externa para a vida interior, o princípio inalterável deve ser este: voltar-se para
dentro tão cedo quanto possível, e acender ali o espírito do zelo.

Na superfície soa simples, mas ao menos que você saiba sobre a oração
interior você pode suar muito sem produzir nenhuma colheita. Isto é devido à
natureza da atividade física, que é mais fácil e, portanto, mais atrativa;
atividade interior é difícil e assim ela nos repele. Aquele que se apega à
primeira como essencial, irá gradualmente tornando-se material, e,
conseqüentemente, esfriará, seu coração ficará menos motivado, e seguirá
afastando-se longe e mais longe do início do trabalho interior, pensando em
deixá-lo de lado até que venha o momento em que se esteja maduro para
empreendê-lo. Olhando para trás, mais tarde, ele perceberá que perdeu o
momento. Ao invés de trabalhar, gradualmente, em direção a uma plena vida
interior, ele tornou-se, neste entretempo, incapaz de tal trabalho. Não que
devamos abandonar o trabalho exterior, que é, pelo contrário, o suporte
daquele que segue dentro de nós: ambos deveriam ser feitos juntos. Prioridade
deve ir à adoração interior, porque se deve servir a Deus em espírito, se deve
servi-Lo em espírito e verdade. Os dois devem ser interdependentes –
mantendo em mente seus valores relativos. Não permita nem que um force a
obediência do outro, nem que eles sejam a causa de uma aliança rompida.

TEÓFANO, O RECLUSO

Habite dentro e adore secretamente

A coisa mais importante que os Santos Padres desejam e recomendam é a


compreensão do estado espiritual, e a arte de mantê-lo. Aqui permanece apenas
uma regra para quem quiser obter este estado: habite dentro e adore
secretamente no coração. Medite no pensamento de Deus, na lembrança da
morte, e recorde seus pecados com auto-reprovação. Esteja consciente destas
coisas e fale sobre elas freqüentemente para si mesmo – por exemplo: Onde
estou indo? Ou: eu sou um verme e não um homem. Meditação secreta consiste
na ponderação de tais pensamentos em nossos corações, com a devida atenção
e sentimento.
É possível resumir em apenas uma curta sentença os caminhos que aquecem e
preservam o espírito do zelo: depois de acordar, entre dentro de si mesmo,
fique encerrado no coração, considere toda a atividade da vida espiritual,
absorva-se numa parte escolhida dela e ali permaneça. Ou, ainda mais
brevemente: reúna si mesmo e faça uma oração secreta no coração.

TEÓFANO, O RECLUSO

Evitando a dormência

Todos os dias, mantenha girando na sua mente algum pensamento que lhe
impressionou profundamente e caiu em seu coração. A não ser que você exercite
seus poderes de pensamento, a alma fica entorpecida.

TEÓFANO, O RECLUSO

[1] ‘Meditação secreta: em grego, κρυπτή μλέτη; em russo, тайное поученіе. O


termo μλέτη (поученіе) significa literalmente ‘prática’, ‘exercício’, ou ‘estudo’:
num contexto spiritual e asceta, ela abraça a idéia de ‘meditação’ e de ‘prece’.
De acordo com o Bispo Inácio, ‘Sob o nome de meditação (поученіе) os Santos
Padres compreendem qualquer prece curta ou mesmo qualquer pensamento
espiritual, que tenham adquirido como um hábito, e pelo qual eles se
esforçaram para assimilar com suas mentes e memórias, no lugar de todos os
outros pensamentos’. Assim a frase ‘meditação secreta’ pode se referir, entre
outras coisas, à prática da Oração de Jesus, ou a meditação sobre algum verso
dos Salmos ou outro texto na Escritura.

[2] Abba Isaias, ou S. Isaias, o Heremita (morto em 488), viveu como um


monge primeiro em ‘Scetis’ no Egito, e depois em Gaza na Palestina.

[3] Abba Philemon: um heremita egípcio do século VI – VII.

[4] S. Diádocos foi Bispo de Photike em Epirus (Norte da Grécia) durante a


metade do séc. V. Seus Capítulos Gnósticos são de particular importância no
desenvolvimento histórico da Oração de Jesus.
A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa
- (Capítulo III - ii) A Oração Incessante

CAPÍTULO III
A ORAÇÃO DE JESUS
(por vários autores)

(ii) A ORAÇÃO INCESSANTE

O caminho para a oração incessante

Alguns pensamentos divinos chegam mais perto do coração do que outros. Se


assim ocorrer, depois que você terminou suas preces, continue a insistir com tal
pensamento e permaneça alimentando-o. Este é o caminho para a oração
incessante.

TEÓFANO, O RECLUSO

A oração incessante sem palavras

Elevar a mente para o Senhor, e dizer com contrição: “Senhor, tem piedade!
Senhor, conceda Tua benção! Senhor, ajude-me!” – isto é clamar em oração a
Deus. Mas se o sentimento em direção a Deus nasceu e vive em seu coração,
então você possuirá a oração incessante, muito embora seus lábios não mais
recitem palavras e seu corpo não esteja, externamente, em uma postura de
prece.

TEÓFANO, O RECLUSO

Ore em todos os momentos e em todos os lugares

‘Com orações e súplicas de toda a sorte, orai em todo tempo, no Espírito. ’ (Ef.
vi. 18)

Falando da necessidade de orar, o Apóstolo indica aqui como devemos orar


para sermos ouvidos. Ore, ele diz, ‘com orações e súplicas de toda a sorte’, em
outras palavras, muito ardentemente, com dor no coração e com um anseio
abrasador em direção a Deus. E ore, ele diz, ‘sempre’, a qualquer momento;
com isto ele urge para que oremos persistente e incansavelmente. A oração não
deve ser simplesmente uma ocupação para certas ocasiões, mas um permanente
estado do espírito. Certifique-se, diz S. João Crisóstomo, que você não limita
sua oração meramente a certa parte do dia. Volte-se para a oração a qualquer
momento, como o Apóstolo diz em outro lugar: “Orai sem cessar” (I Tess. V. 17).
Em terceiro lugar, Paulo nos fala para orar ‘no espírito’: em outras palavras a
oração não deve ser somente externa, mas também interna, uma atividade da
mente no coração. Nisto reside a essência da oração, que é a elevação da mente
e do coração a Deus.
Os Santos Padres fazem uma distinção, entretanto, entre a oração da mente no
coração e a oração motivada pelo Espírito. A primeira é a ação consciente da
prece do homem, mas a segunda chega ao homem; e embora esteja ciente dela,
trabalha por si mesmo independentemente dos seus esforços. Esta segunda
espécie de oração, motivada pelo Espírito, não é algo que se possa recomendar
para que as pessoas pratiquem, porque não está em nosso poder alcançá-la. Nós
podemos desejá-la, buscá-la, e recebê-la com gratidão, mas não podemos
chegar a ela toda vez que se queira. Não obstante, naqueles que estão
purificados, a oração é mais geralmente motivada pelo Espírito. Portanto,
devemos supor que o Apóstolo refere-se à oração da mente no coração quando
ele diz: “Orai no espírito.” Pode-se adicionar: ore com a mente no coração com o
desejo de obter a oração motivada pelo Espírito. Tal oração sustenta a alma
conscientemente diante da face do Deus sempre-presente. Atraindo o raio
divino para si mesma, e refletindo este mesmo raio de si mesma, a alma
dispersa os inimigos. Pode ser dito com certeza que nenhum demônio pode
aproximar-se de uma alma em tal estado. Somente deste modo podemos orar
em qualquer momento, em qualquer lugar.

TEÓFANO, O RECLUSO

O segredo da oração incessante – amor

‘Orai sem cessar’, S. Paulo escreve aos Tessalonicenses (I Tess. V. 17). E em


outras epístolas, ele ordena: ‘Orando sempre com súplicas de toda sorte no
espírito’ (Ef. vi. 18), ‘perseverai na oração, vigilantes na mesma’ (Col. iv. 2),
‘assíduos na oração’ (Rom. xii. 12). Também o Salvador, Ele próprio, ensinou a
necessidade da constância e da persistência na oração, na parábola da viúva
importuna que venceu o juiz iníquo pela persistência dos seus apelos (Lucas
xviii. 1-8). Fica claro daí que a oração incessante não é uma prescrição acidental,
mas uma característica essencial do espírito Cristão. A vida de um Cristão, de
acordo com o Apóstolo, ‘está oculta com Cristo em Deus’, (Col. iii. 3). Assim o
Cristão deve viver em Deus continuamente, com atenção e sentimento: fazer isso
é orar incessantemente. Também nos ensinaram que todo Cristão é ‘o templo de
Deus’, no qual ‘habita o Espírito de Deus’ (I Cor. iii. 16; vi. 19; Rom. Viii. 9). É
este ‘Espírito’, sempre nele presente e requerente, que ora dentro dele ‘com
gemidos inefáveis que não podem ser proferidos’ (Rom. Viii. 26), e assim ensina-
o a como orar sem cessar.

A primeiríssima ação da graça de Deus, quando o pecador retorna a Deus,


manifesta-se fazendo com que sua mente e seu coração curvem-se a Deus.
Quando mais tarde, depois do arrependimento e da dedicação de sua vida a
Deus, a graça de Deus, que agiu de fora, desce sobre ele e permanece em seu
interior através dos sacramentos, então, o movimento da mente e do coração a
Deus, que é a essência da prece, também se tornará imutável e permanente
nele. Esta mudança torna-se evidente em diferentes graus, e como qualquer
outro dom, deve ser renovado. Ele é atualizado de acordo com sua espécie: pelo
esforço da oração e especialmente pela prática atenta e paciente das preces da
Igreja. Ore sem cessar, esforce-se na oração, e você obterá a oração incessante
que agirá por si mesma no coração sem um esforço especial.

Fica claro para qualquer um que o conselho do Apóstolo não é realizado por
meramente se praticar aquelas estabelecidas orações de horas marcadas, mas
requer uma caminhada permanente diante de Deus, uma dedicação de todas as
atividades Àquele que tudo vê e é onipresente, um apelo sempre-fervoroso ao
céu com a mente no coração. Toda a vida, em todas as suas manifestações, deve
ser permeada pela oração. Mas seu segredo é o amor pelo Senhor. Como a noiva,
que amando o noivo, não se separa dele em lembranças e sentimentos, assim a
alma, unida com Deus no amor, permanece constantemente com Ele, dirigindo
apelos calorosos a Ele a partir do coração. ‘Aquele que se une ao Senhor,
constitui com ele um só espírito. ’ (I Cor. vi. 17).

TEÓFANO, O RECLUSO

A prática dos Apóstolos

Eu lembro que S. Basílio, o Grande [1] solucionou a questão de como os


Apóstolos puderam orar sem cessar, desta maneira: em tudo que faziam,
respondeu, eles pensavam em Deus e viviam em constante devoção a Ele. Este
estado espiritual era a oração incessante deles.

TEÓFANO, O RECLUSO

A oração incessante como uma atitude implícita

Você lamenta que a Oração de Jesus não seja incessante, que você não a recita
constantemente. Mas uma repetição constante não é requerida. O que é
requerido é uma constante vivacidade em Deus – uma vivacidade que está
presente quando você fala, lê, olha ou examina algo. Mas desde que você já
está praticando a Oração de Jesus na maneira correta, continue como você está
fazendo agora, e no devido tempo a oração irá ampliar seu alcance.

TEÓFANO, O RECLUSO

Sempre de pé diante de Deus com reverência

Nós podemos algumas vezes passar todo o tempo, que a regra nos reserva a
oração, recitando um salmo, compondo nossa própria oração a partir de cada
verso. Novamente, podemos passar todo o tempo dado pela regra, recitando a
Oração de Jesus com prostrações. Também podemos fazer um pouco de cada
uma destas coisas. O que Deus pede é o coração (Prov. xxiii. 26); e é suficiente
que se esteja de pé diante Dele com reverência. Estar sempre de pé diante de
Deus com reverência é a oração incessante: tal é a sua exata descrição; e neste
sentido a regra da oração é somente o combustível para o fogo, ou o
fornecimento de madeira a um fogão à lenha.

TEÓFANO, O RECLUSO

Os frutos da oração incessante.

Através da oração incessante o asceta obtém real pobreza espiritual:


aprendendo a pedir incessantemente pela ajuda de Deus, ele gradualmente
perde a certeza de si mesmo. Se ele realiza algo de bem sucedido, ele vê nisso
não o seu próprio sucesso; mas a piedade de Deus pela qual ele orou, a Deus,
incessantemente. A oração incessante conduz a aquisição da fé, porque aquele
que ora sem cessar começa gradualmente a sentir a presença de Deus. Este
sentimento, pouco a pouco, cresce e aumenta a tal grau que o olho espiritual
vê Deus em Sua Providência de modo mais claro que o olho físico vê os objetos
materiais no mundo; e então o coração conhece, por experiência imediata, a
presença de Deus. Aquele que viu Deus desta maneira e sentiu Sua presença
assim, não pode deixar de acreditar Nele com uma fé viva, que a seguir se
mostrará em ações.

A oração incessante supera o mal através da esperança em Deus, ela conduz o


homem à sacra simplicidade, liberando sua mente do hábito da diversidade no
pensamento e da imaginação de planos para si e seus vizinhos; mantendo-o
sempre em escassez e humildade de pensamentos. Disto se compõe seu
treinamento. Aquele que ora sem cessar gradualmente perde o hábito de divagar
em pensamentos, de distrair-se, de se preencher com vãs preocupações, e mais
profundamente este treinamento em santidade e humildade entra na alma e se
enraíza nela, mais ele perde estes hábitos da mente. Finalmente, ele torna-se
como uma criança, como se ordena nos Evangelhos, e dele se faz um tolo por
amor de Cristo, isto é, ele perde a falsa razão do mundo, e recebe de Deus a
compreensão espiritual.

Através da oração incessante, a curiosidade, a desconfiança, e a suspeita são


destruídas, e por esta razão outras pessoas começam a ver o bem em nossos
olhos. Por tal empenho do coração a favor delas, nasce o amor da espécie
humana. Aquele que ora sem cessar habita constantemente no Senhor, conhece
o Senhor como Deus, adquire temor Dele, através do temor entra em pureza, e
através da pureza em amor divino. O amor de Deus preenche-o com os dons do
Espírito, do qual ele é o templo.

BISBO INÁCIO

Eu coloquei o Senhor sempre diante de mim

Pela graça de Deus chega-se a uma oração que é só do coração, a oração


espiritual, vivificada no coração pelo Espírito Santo. Aquele que ora é consciente
dela, embora não seja ele que executa a prece, pois ela segue dentro dele por si
mesma. Tal prece é a característica do perfeito. Mas a oração que é acessível a
qualquer um, e que é requerida de todos, é a oração na qual o pensamento e o
sentimento estão sempre unidos com as palavras.

Há também outra espécie de oração, que é chamada de permanência diante de


Deus, quando aquele que ora está totalmente concentrado dentro do seu coração
e mentalmente contempla Deus, presente para ele, dentro dele. Ao mesmo
tempo ele experimenta os sentimentos que correspondem a tal estado: temor de
Deus e reverente admiração por Ele em toda sua grandeza; fé e esperança, amor
e entrega a Sua vontade; contrição e prontidão para qualquer sacrifício. Tal
estado vem àquele que está profundamente absorvido na usual prece da palavra,
mente, e coração. Aquele que assim ora por um longo tempo e no modo
apropriado irá desfrutar de tal estado mais e mais frequentemente até que ele
finalmente possa se tornar permanente: então pode-se chamá-lo de caminhada
diante de Deus, e isto se constitui como a oração incessante. S. David estava
neste estado quando ele deu testemunho de si próprio: “Tenho sempre o Senhor
na minha presença; com ele à minha direita, não vacilarei” (Sl. xvi. 8)

TEÓFANO, O RECLUSO

A oração que repete a si mesma


Frequentemente acontece que nenhuma atividade interna ocorre numa pessoa
durante o cumprimento dos seus deveres externos, de modo que sua vida
permanece sem alma. Como podemos evitar isto? Em cada um dos nossos
deveres um coração temeroso a Deus deve ser acrescentado, um coração
constantemente permeado pelo pensamento de Deus; e esta será a porta
através da qual a alma entrará na vida ativa. Todos os esforços devem ser
dirigidos ao pensamento incessante de Deus, através da constante ciência de
Sua presença: “Buscai o Senhor... Buscai sempre sua face” (Sl. cv. 4) É sobre
esta base que a sobriedade e a oração interna repousam.

Deus está em todo lugar: cuide que seus pensamentos também estejam sempre
com Deus. Como isto pode ser feito? Os pensamentos atropelam-se uns aos
outros como um enxame de mosquitos, e as emoções seguem os pensamentos.
Para fazer com que os pensamentos se mantivessem em uma única coisa, os
Padres acostumaram-se à repetição continua de uma curta prece, e, através
deste hábito de continua repetição, esta pequena prece unia-se à língua de tal
modo que repetia a si mesma por conta própria. Desta maneira o pensamento
deles unia-se à oração e, através da oração, à constante lembrança de Deus.
Uma vez que este hábito tenha sido adquirido, a oração nos sustenta na
lembrança de Deus, e a lembrança de Deus nos sustenta na oração; elas
mutuamente apóiam-se uma a outra. Aqui, então, está um modo para
caminhar diante de Deus.

A oração interna começa quando estabelecemos nossa atenção no coração, e


do coração oferecemos a oração a Deus. A atividade espiritual se inicia quando
permanecemos com atenção no coração na recordação do Senhor, rejeitando
todos os outros pensamentos que tentam entrar.

TEÓFANO, O RECLUSO

Oh meu Deus, que severidade há aqui

A principal regra monástica é permanecer constantemente com Deus na mente


e no coração, isto é, orar incessantemente. Para manter esta tarefa iluminada e
quente, definidas preces são criadas – o ciclo de serviços diários executados na
igreja, e certas regras de oração para a cela. Mas a coisa principal é possuir um
constante sentimento por Deus. É este sentimento que nos dá poder na vida
espiritual, mantendo nosso coração quente. É este sentimento que se constitui
como nossa regra. Tanto quanto este sentimento está lá, todas outras regras
são substituídas por ele. Se ele está ausente, nenhuma quantidade de enérgicas
leituras pode substituí-lo. As orações se destinam a alimentar este sentimento,
e se elas fracassam em fazê-lo elas não são de nenhuma utilidade: elas são
apenas trabalho que não produz fruto – como uma vestimenta exterior sem
nenhum corpo dentro ou como um corpo que não tem alma. Oh meu Deus,
que severidade há aqui! Mas não é possível descrever as coisas exceto como
elas são.

TEÓFANO, O RECLUSO

Um mandamento dirigido a todos


Que ninguém pense, meus caros Cristãos, que somente padres e monges
precisam orar sem cessar, e não os homens leigos. Não, não: todo Cristão sem
exceção deve permanecer sempre em oração. Gregório o Teólogo [2] ensina a
todos os Cristãos que o Nome de Deus deve ser lembrado em oração tão
frequentemente quanto se respira.

Quando o Apóstolo nos ordena a “Orar sem cessar” (I Tess. v. 17), ele quer dizer
que devemos orar internamente com nossa mente: e isto é algo que sempre
podemos fazer. Pois, quando estamos envolvidos no trabalho manual e quando
caminhamos ou sentamos, quando comemos ou bebemos, sempre podemos
orar internamente e praticar a oração da mente, oração real, que agrada a Deus.
Vamos trabalhar com nosso corpo e orar com nossa alma. Deixe o nosso homem
exterior executar o trabalho físico, e deixe o homem interior consagrar-se inteira
e completamente ao serviço de Deus e nunca esmorecer no trabalho espiritual
da oração interna. Isto também é ordenado por Jesus, o homem-Deus, quando
Ele diz nos Evangelhos: “Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e,
fechando tua porta, ora a teu Pai que está lá, no segredo.” (Mat. vi. 6). O quarto
da alma é o corpo, as portas são os cinco sentidos corporais. A alma entra em
seu quarto quando a mente não divaga aqui e ali sobre coisas mundanas, mas
permanece dentro do nosso coração. Nossos sentidos se fecham, e assim
permanecem, quando não permitimos que eles se prendam a coisas visíveis e
externas; e desta maneira nossa mente fica livre de todos os seus apegos
mundanos, e através da sua oração secreta e interna fica unida com Deus nosso
Pai.

Atribuído a S. GREGÓRIO PALAMAS [3]

Notas

[1] S. Basílio, o Grande (c. 330-79), Arcebispo de Cesareia na Capadócia (Ásia


Menor). Amigo de S. Gregóro o Teólogo, um irmão mais velho de S. Gregório de
Nissa: estes três juntos eram conhecidos como os Padres Capadocianos, e seus
escritos exerceram uma influência formativa sobre a teologia Ortodoxa.

[2] S. Gregório o Teólogo, geralmente conhecido no ocidente como Gregório de


Naztanzus (319-389): um dos três Padres Capadocianos. Como Bispo de
Constantinopla, ele presidiu o segundo Conselho Ecumênico, ocorrido naquela
cidade em 381. Um orador brilhante, ele é especialmente lembrado por seus
sermões e homílias.

[3] São Gregório Palamas (1296 - 1359), Arcebispo de Tessalônica: o maior


teólogo do movimento Hesicasta. Sua doutrina de oração e ensinamento com
respeito a Luz Divina foi duramente atacado durante sua vida, mas foram
confirmados pelos dois Concílios (Constantinopla: 1341, 1351) e assim veio a ser
aceito pela Igreja Ortodoxa como um todo.
A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa.
(Capítulo III - iii) A Oração de Jesus - parte 1-

CAPÍTULO III

A ORAÇÃO DE JESUS
(por vários autores)

(iii) A ORAÇÃO DE JESUS – Parte 1


Para o leigo tanto quanto para os monges

Todo Cristão deve sempre lembrar que deve unir-se ao Senhor nosso Salvador
com todo o seu ser, deixando que Ele venha e habite em sua mente e em seu
coração; e o caminho mais seguro para adquirir tal união com o Senhor,
próximo à Comunhão da Sua Carne e Sangue, é a interna Oração de Jesus.
A Oração de Jesus é obrigatória também para o leigo, e não só para os monges?
Na verdade é obrigatória, pois, como dissemos, todo Cristão deveria estar
unido com o Senhor em seu coração, e o melhor meio para adquirir tal união é,
precisamente, a Oração de Jesus.

BISPO JUSTINO [1]

O poder do Nome

O que diremos desta divina oração de invocação do Salvador: “Senhor Jesus


Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim”?

É uma oração, um juramento e uma confissão de fé; que confere sobre nós o
Espírito Santo e os dons divinos, limpando o coração, expulsando demônios. É a
interiorização da presença de Jesus Cristo dentro de nós, e uma fonte de
reflexos espirituais e pensamentos divinos. É a remissão dos pecados, a cura da
alma e do corpo, e o resplendor da iluminação divina; é um bem da misericórdia
de Deus, conferida sobre as humildes revelações e a iniciação nos mistérios de
Deus. É a nossa única salvação, pois ela contém em si o salvador Nome de nosso
Deus, o único Nome sobre o qual invocar: o Nome de Jesus Cristo o Filho de
Deus. “Pois não há, debaixo do céu, outro nome dado aos homens pelo qual
devamos ser salvos”, como o Aposto diz (Atos iv. 12).

Esta é a razão pela qual todos os crentes devem continuamente confessar este
Nome: tanto para pregar a fé quanto como o testemunho do nosso amor pelo
Senhor Jesus Cristo, de quem nunca nada deve nos separar; e também por causa
da graça que vem a nós através do Seu nome, e pela remissão dos pecados, a
cura, a santificação, a iluminação, e, acima de tudo, a salvação que ele confere.
Os Evangelhos Sagrados dizem: “Esses, porém, foram escritos para crerdes que
Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome”
(João xx. 31). Vê, assim é a salvação e a vida.
S. SIMEÃO DA TESSALÔNICA [2]

A simplicidade da Oração de Jesus

A prática da Oração de Jesus é simples. Permaneça diante do Senhor com a


atenção no coração, e O invoque: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem
piedade de mim!” A parte essencial não está nas palavras, mas na fé, contrição,
e auto-entrega ao Senhor. Com estes sentimentos é possível permanecer diante
do Senhor mesmo sem palavras, e ainda será uma oração.

TEÓFANO, O RECLUSO

Sob o olho de Deus

Trabalhe com a Oração de Jesus. Possa Deus o abençoar. Mas, ao hábito de


recitar esta prece oralmente una a lembrança do Senhor, acompanhada por
temor e piedade. A coisa principal é caminhar diante de Deus, ou sob o olho de
Deus, ciente de que Deus está olhando para você, procurando por sua alma e
por seu coração, olhando tudo que ali está. Esta consciência é a mais poderosa
alavanca no mecanismo da vida espiritual interior.

TEÓFANO, O RECLUSO

Um refúgio para o indolente

Por experiência na vida espiritual, pode-se muito bem concluir que aquele que
tem zelo ao rezar não necessita ser ensinado em como aperfeiçoar-se na prece.
Pacientemente mantido, o esforço da própria oração nos levará ao seu
verdadeiro cume.

Mas o que as pessoas fracas e indolentes podem fazer e, especialmente, aqueles


que, antes de terem compreendido a verdadeira natureza da oração, tornaram-
se endurecidos pela rotina exterior e arrefeceram-se por uma formal leitura das
orações indicadas? Como um refúgio e uma fonte de força eles ainda podem
usar a técnica com que se pratica a oração de Jesus. E não é principalmente
para eles que essa técnica foi inventada, de modo a enxertar a verdadeira
oração interna em seus corações?

TEÓFANO, O RECLUSO

Um remédio contra a sonolência

Está escrito nos livros, que quando a Oração de Jesus ganha força e se
estabelece no coração, então ela nos enche de energia e dissipa a sonolência.
No entanto, fazer com que ela se torne habitual à língua é uma coisa, e fazer
com que ela se estabeleça no coração é outra.

TEÓFANO, O RECLUSO
Mergulhe profundamente

Aprofunde-se na Oração de Jesus, com toda força que possui. Ela o levará
junto, dando-lhe uma sensação de força no Senhor, e como consequência você
estará com Ele constantemente: seja sozinho ou com outras pessoas, quando
estiver fazendo as tarefas de casa e quando ler ou orar. Só você pode inferir o
poder desta oração, não por repetir certas palavras, mas por fazer com que a
mente e o coração voltem-se em direção ao Senhor nestas palavras – pela ação
que acompanha as palavras.

TEÓFANO, O RECLUSO

Uma canção cantada com entendimento

Como o Apóstolo disse: “Eu antes quero falar cinco palavras com o meu
entendimento... do que dez mil palavras em língua ignorada” (I Cor. xiv.19).
Antes de tudo, mais necessário é purificar a mente e o coração com estas
poucas palavras, repetindo-as incessantemente nas profundezas do coração:
‘Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim’, [3] de modo que esta oração
ascenda como uma canção cantada com entendimento. Qualquer um que
comece, muito embora possa estar envolto nas paixões, pode ofertar esta
oração através da vigilância de seu coração. Ela canta dentro dele somente
quando ele estiver purificado pela oração espiritual.

PAISSY VELICHKOVSKY

Uma lanterna para os nossos pés

Aprenda a praticar a oração da mente no coração; pois a Oração de Jesus é uma


lanterna para os nossos pés e uma estrela nos conduzindo na direção do céu -
como os Santos Padres ensinam na Filocalia. A Oração de Jesus, brilhando
incessantemente na mente e no coração, é uma espada contra as fraquezas
carnais e contra os maus desejos da gula e da luxúria. Depois de iniciar com as
palavras: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus,’ você pode continuar assim: ‘pela
Mãe de Deus tem piedade de mim, um pecador.’ Sozinha, a oração externa não é
suficiente. Deus escuta a mente com atenção; e aqueles monges que não
combinam a prece interior com aquela exterior não são monges, mas são como
lenha inutilizada. O monge que não conhece ou que esqueceu a prática da
Oração de Jesus não tem o selo de Cristo. Livros não podem nos ensinar a
oração interna, eles só podem mostrar métodos externos para a sua prática.
Deve-se persistir na sua execução.

TEÓFANO, O RECLUSO

Mãos à obra e a mente e o coração com Deus

Você leu sobre a Oração de Jesus, não leu? E você sabe o que ela é por
experiência prática. Somente com a ajuda desta prece a necessária ordem da
alma pode ser firmemente estabelecida; somente através desta prece podemos
preservar imperturbada a nossa ordem interna, mesmo quando distraídos
pelos cuidados domésticos. Apenas esta prece torna possível cumprir a
prescrição dos Padres: mãos à obra, a mente e o coração com Deus. Quando
esta prece for transplantada em nosso coração, então não haverá interrupções
internas e ela continuará sempre no mesmo passo, fluindo uniformemente.

O caminho para a obtenção de uma sistemática ordem interior é muito difícil,


mas é possível preservar este estado mental (ou um similar) durante as várias e
inevitáveis tarefas que se deve executar; e o que faz isso possível é a Oração de
Jesus que foi transplantada no coração. Como ela pode ser assim transplantada?
Quem sabe? Mas isso acontece. Aquele que se esforça é cada vez mais
consciente deste transplante, sem saber como ele é adquirido. Para lutar por
esta ordem interna devemos sempre caminhar na presença de Deus, repetindo a
Oração de Jesus tão freqüentemente quanto possível. Tão logo haja um
momento livre, imediatamente, comece de novo e o transplante será bem
sucedido.

Um dos meios para renovar a Oração de Jesus e trazê-la à vida é através da


leitura, mas é melhor ler, principalmente, sobre a oração.

TEÓFANO, O RECLUSO

A Oração de Jesus e o calor que a acompanha

Orar é ficar espiritualmente de pé diante de Deus no nosso coração em


glorificação, gratidão, súplica, e em penitência contrita. Tudo deve ser
espiritual. A raiz de qualquer oração é um devoto temor a Deus; disto vem a
crença em Deus e a fé Nele, submissão de si mesmo a Deus, esperança em Deus;
uma adesão a Ele com sentimento de amor, em esquecimento a todas as coisas
criadas. Quando a oração é forte, todos estes sentimentos e movimentos
espirituais estão presentes no coração com um correspondente vigor.

Como a Oração de Jesus nos ajuda nisto?

Através da sensação de calor que se desenvolve no coração e ao seu redor


como um efeito desta Oração.

O hábito da prece não é repentinamente formado, mas requer um longo


trabalho e labuta.

A Oração de Jesus, e o calor que a acompanha, auxilia melhor que qualquer


outra coisa na formação do hábito da oração.

Note que todos estes são os meios, e não a própria ação.

É possível que tanto a Oração de Jesus quanto a sensação de calor estejam


presentes sem a oração real. Isto, de fato, acontece, por mais estranho que
pareça. Quando oramos devemos permanecer em nossa mente diante de Deus,
e só pensar Nele. Ainda assim, vários pensamentos ficam remexendo na mente,
e a afastam de Deus. Para ensinar à mente a repousar em uma única coisa, os
Santos Padres usaram orações curtas e adquiriram o hábito de recitá-las
incessantemente. Esta incessante repetição de uma curta oração mantinha a
mente no pensamento de Deus e dispersava todos os pensamentos
irrelevantes. Eles adotavam várias orações curtas, mas foi a Oração de Jesus
que, particularmente, se estabeleceu entre nós e é a mais geralmente
empregada: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim,
pecador!”

A Oração de Jesus é isto. É uma dentre várias orações curtas, oral como as
outras. Seu propósito é manter a mente no pensamento único de Deus.

Quem quer que tenha formado o hábito desta Oração e a utilize,


apropriadamente, realmente lembra-se de Deus incessantemente.

E desde que a lembrança de Deus em um coração sincero e crente é,


naturalmente, acompanhada por um senso de piedade, esperança,
agradecimento, devoção à vontade de Deus, e por outros sentimentos
espirituais; a Oração de Jesus, que produz e conserva esta lembrança de Deus,
é chamada de prece espiritual. É corretamente nomeada assim somente
quando é acompanhada por estes sentimentos espirituais.

Mas quando não vem acompanhada por eles permanece oral como qualquer
outra prece do mesmo tipo.

Esta é a maneira como alguém deveria pensar sobre a Oração de Jesus.


Agora, qual o significado deste calor que acompanha a prática da Oração?

Para manter a mente em uma única coisa através do uso de uma oração curta, é
necessário conservar a atenção e assim conduzi-la ao coração: pois tanto quanto
a mente permanece na cabeça, onde os pensamentos empurram um ao outro,
ela não tem tempo de concentrar-se em uma só coisa. Mas quando a atenção
desce ao coração, ela atrai ali, para um único ponto, todos os poderes da alma e
do corpo. Esta concentração de toda a vida humana em um único local é,
imediatamente, refletida no coração por uma sensação especial que é o início do
calor futuro. Esta sensação, débil no início, torna-se gradualmente mais forte,
firme, profunda. De início é somente tépida, mas cresce num sentimento
caloroso e concentra a atenção sobre si própria. E ocorre que enquanto nos
estágios iniciais a atenção é mantida no coração por um esforço da vontade, no
devido tempo, esta atenção, pelo seu próprio vigor, dá nascimento ao calor no
coração. Este calor, então, mantém a atenção sem um especial esforço. Por isto,
os dois seguem um apoiando o outro e devem permanecer inseparáveis; porque
a dispersão da atenção resfria este calor, e a diminuição do calor enfraquece a
atenção.

Daí segue uma regra da vida espiritual: se você mantém o coração vivo na
direção de Deus, você sempre estará na lembrança de Deus. Esta regra foi
estabelecida por S. João da Escada.

A questão que agora surge é se este calor é espiritual. Não, ele não é espiritual. É
um calor físico comum. Mas desde que mantém a atenção da mente no coração,
e assim, ali, auxilia no desenvolvimento dos movimentos espirituais descritos
acima, ele é chamado espiritual – assegurado, entretanto, que ele não seja
acompanhado por prazer sensual, ainda que leve, mas mantenha a alma e o
corpo numa sóbria disposição.

Disto se segue que quando o calor que acompanha a Oração de Jesus não
inclui sentimentos espirituais, ele não deveria ser chamado de espiritual, mas
simplesmente de sangue quente. Não há nada de mal nesta sensação de sangue
quente, a não ser que ela esteja conectada com o prazer sensual, por mais leve
que seja. Se assim estiver conectado, é ruim e deve ser suprimido.

As coisas começam a seguir erradas quando o calor se move sobre partes do


corpo inferiores ao coração. E as coisas tornam-se ainda piores quando, no
desfrute deste calor, imaginamos que ele seja tudo o que importa, sem se
preocupar a respeito dos sentimentos espirituais ou mesmo sobre a lembrança
de Deus; e assim dispomos nosso coração só para que ele sinta este calor. Esta
direção equivocada é ocasionalmente possível, embora não para todos, e nem
em todos os momentos. Deve ser notada e corrigida, pois de outra forma só o
calor físico permanecerá, e não devemos considerar este calor como espiritual
ou ocasionado pela graça. Este calor é espiritual somente quando
acompanhado pelo ímpeto espiritual da oração. Quem quer que o chame de
espiritual sem que ele tenha este movimento está equivocado. E quem quer que
imagine que ele ocorra devido à graça está ainda mais equivocado.

O calor que é satisfeito com a graça é de uma natureza especial e somente ele é
verdadeiramente espiritual. É distinto do calor da carne, e não produz qualquer
mudança notável no corpo, mas manifesta a si mesmo por um sutil e doce
sentimento.

Qualquer um pode facilmente identificar e distinguir o calor espiritual por este


particular sentimento. Cada um deve evocá-lo por si próprio: não é uma questão
para alguém que está do lado de fora.

TEÓFANO, O RECLUSO

O caminho mais fácil para adquirir a oração incessante

Adquirir o hábito da Oração de Jesus, de modo que ela se enraíze em nós


mesmos, é o caminho mais fácil para ascender à região da oração incessante.
Homens da maior experiência encontraram - através da iluminação de Deus -
que esta forma de prece é o mais simples e mais efetivo meio de estabelecer e
fortalecer a plenitude da vida espiritual e ascética; e nas suas regras de oração
deixaram detalhadas instruções sobre ela.

Em todos os nossos esforços e lutas ascéticas, aquilo que buscamos é a


purificação do coração e a restauração do espírito. Existem dois caminhos para
isto: o caminho ativo, a prática de labores ascéticos; e o caminho contemplativo,
o voltar-se da mente a Deus. Pelo primeiro caminho a alma torna-se purificada e
assim ela recebe Deus; pelo segundo caminho, o Deus de quem a alma se torna
ciente, Ele mesmo, queima toda impureza e assim vem habitar na alma
purificada. Todo o segundo caminho está resumido na simplicidade da Oração
de Jesus, como S. Gregório do Sinai diz : “Deus é obtido ou pelo trabalho e pela
atividade, ou pela arte de invocar o Nome de Jesus.” Ele adiciona que o primeiro
caminho é mais longo do que o segundo, sendo o segundo mais rápido e mais
efetivo. Por esta razão alguns dos Santos Padres deram primordial importância,
entre todas as diferentes espécies de exercício espiritual, à Oração de Jesus. Ela
ilumina, fortalece, e anima; ela derrota todos os inimigos visíveis e invisíveis, e
conduz diretamente a Deus. Vê quão poderosa e efetiva ela é! O Nome do
Senhor Jesus é o tesouro de todas as boas coisas, o tesouro da força e da vida no
espírito.

Segue daí que deveríamos, desde o início, dar plenas instruções sobre a prática
da Oração de Jesus para quem quer que se arrependa ou comece a buscar pelo
Senhor. Apenas sequencialmente a isto, deveríamos introduzir o iniciante em
outras práticas, porque é desta maneira que, mais rapidamente, ele pode tornar-
se firme e espiritualmente consciente, obtendo paz interior. Muitas pessoas que
não sabem disto - pode-se dizer - gastam seu tempo e trabalho não indo além
das atividades formais e externas da alma e do corpo.

A prática da oração é denominada como uma ‘arte’, e é uma arte muito simples.
Permanecer com consciência e atenção no coração, invocando
incessantemente: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim’,
sem ter na sua mente qualquer conceito ou imagem visual, acreditando que o
Senhor o vê e o ouve.

É importante manter sua consciência no coração, e fazendo isso controlar um


pouco a sua respiração de modo que ela mantenha o passo com as palavras da
oração. Mas a coisa é acreditar que Deus está perto e ouve. Diga a oração
apenas para o ouvido de Deus.

No início, por um longo tempo, esta oração permanece sendo uma atividade
como outra qualquer; mas com o tempo ela passa para a mente e finalmente
enraíza-se no coração.

Existem desvios desta correta maneira de orar; portanto, devemos aprendê-la


de alguém que conhece tudo sobre ela. Os erros acontecem principalmente
quando a atenção fica na cabeça e não no coração. Aquele que mantém sua
atenção no coração está seguro. Mais seguro ainda está aquele que em todos
os momentos une-se a Deus em contrição, e ora para ser liberto da ilusão.

TEÓFANO, O RECLUSO

Um pensamento, ou o pensamento do Único apenas

Esta curta oração a Jesus tem um propósito superior – aprofundar sua


lembrança de Deus e seus sentimentos em relação a Ele. Estas exclamações da
alma a Deus são todas, também, facilmente desfeitas pela chegada da
primeira impressão que entra; e, além disso, a despeito destas invocações, os
pensamentos continuam atropelando-se como mosquitos em sua cabeça. Para
terminar com este atropelo, você deve amarrar a mente com um único
pensamento, ou somente com o pensamento do Uno. Um auxílio para isto é a
oração curta, que ajuda a mente a se tornar simples e unificada: ela
desenvolve o sentimento em relação a Deus e é enxertada com ele. Quando
este sentimento surge dentro de nós, a consciência da alma torna-se
estabelecida em Deus, e a alma começa a fazer todas as coisas de acordo com a
sua vontade. Junto com a oração curta, você deve manter seu pensamento e
sua atenção direcionados a Deus. Mas se você limita sua prece somente a
palavras, você é como um ‘bronze que soa’. (I Cor. xiii. 1)

TEÓFANO, O RECLUSO

‘Técnicas’ e ‘métodos’ não importam: uma única coisa é essencial

A prece: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim” é uma prece
oral como qualquer outra. Não há nada de especial sobre ela em si, mas ela
recebe todo seu poder do estado da mente na qual é feita.

Os vários métodos descritos pelos Santos Padres (sentar-se, fazer prostrações, e


as outras técnicas usadas ao executar esta prece) não são adequados para todos:
de fato sem um guia pessoal eles são realmente perigosos. É melhor não
experimentá-los. Há um único método que é obrigatório para todos: ficar com a
atenção no coração. Todas as outras coisas são secundárias, e não conduzem ao
ponto crucial do problema. É dito do fruto desta oração, que não há nada
superior no mundo. Isto é equivocado. Como se ela fosse algum talismã! Nada
nas palavras da oração e em seu pronunciamento podem, por conta própria,
dar seu fruto. Todo fruto pode ser recebido sem esta oração, e até mesmo sem
qualquer prece oral, meramente conduzindo a mente e o coração em direção a
Deus.

A essência de toda a coisa é estar estabelecido na lembrança de Deus, e


caminhar em Sua presença. Você pode dizer para qualquer um: “Siga quaisquer
métodos que você queira – recite a Oração de Jesus, execute reverências e
prostrações [4], vá a Igreja: faça aquilo que deseja, somente esforce-se para
estar, sempre, em constante lembrança de Deus.” Lembro-me que encontrei
um homem em Kiev que dizia: “Não utilizei absolutamente quaisquer métodos,
não conhecia a Oração de Jesus, e ainda assim, pela misericórdia de Deus,
caminho sempre em Sua presença. Mas como isso veio a acontecer, eu mesmo
não sei. Deus deu!”

É mais importante perceber que a oração é sempre dada por Deus: de outro
modo podemos confundir o dom da graça com alguma realização própria.

As pessoas dizem: obtenha a Oração de Jesus, pois isso é a oração interna. Não é
correto. A Oração de Jesus é um bom meio de chegar a oração interior, mas por
ela mesma não é interna, mas externa. Aqueles que adquirem o hábito da
Oração de Jesus fazem muito bem. Mas se param somente nisso e não seguem
adiante, eles param no meio do caminho.

Muito embora estejamos recitando a Oração de Jesus, é ainda necessário


mantermos o pensamento de Deus: de outro modo a Prece é alimento seco. É
bom que o Nome de Jesus venha aderir -se a sua língua. Mas com isso, ainda é
possível não lembrar-se absolutamente de Deus e até abrigar pensamentos que
são opostos a Ele. Consequentemente tudo depende da consciência e de um livre
voltar-se a Deus, e de um esforço equilibrado para se manter nisto.

TEÓFANO, O RECLUSO
Por que a Oração de Jesus é mais forte que outras preces

A Oração de Jesus é como qualquer outra prece. Ela só é mais forte que todas
as outras em virtude do todo-poderoso Nome de Jesus, Nosso Senhor e
Salvador. Mas é necessário invocar Seu Nome com uma fé plena e inabalável –
com uma profunda certeza que Ele está perto, ouve e escuta, presta plena e
sincera atenção à nossa súplica, e está pronto para cumpri-la e conceder o que
buscamos. Não há nada porque se envergonhar de tal esperança. Se a
realização é, algumas vezes, retardada, pode ser porque o suplicante ainda não
está pronto para receber aquilo que pede.

TEÓFANO, O RECLUSO

Não é um talismã

A Oração de Jesus não é um talismã. Seu poder vem da fé no Senhor, e de uma


profunda união da mente e do coração com Ele. Com tal disposição, a
invocação do Nome do Senhor torna-se muito efetiva de várias maneiras. Mas
uma mera repetição das palavras não significa qualquer coisa.

TEÓFANO, O RECLUSO

Repetição mecânica não leva a nada

Não esqueça que você não deve limitar si mesmo a uma repetição mecânica
das palavras da Oração de Jesus. Isto não levará a nada mais do que o hábito
de repetir a prece automaticamente com a língua, sem mesmo pensar sobre
ela. Não há nada de errado nisto, é claro, mas isto se constitui apenas como o
extremo limite externo do trabalho.

A coisa essencial é permanecer conscientemente na presença do Senhor, com


temor, fé e amor.

TEÓFANO, O RECLUSO

Prece oral e prece interior

Pode-se recitar a Oração de Jesus com a mente no coração sem o movimento


da língua. Isto é melhor que a prece oral. Use a prece oral como um apoio para
a oração interior. Algumas vezes ela é requerida para fortalecer a oração
interior.

TEÓFANO, O RECLUSO

Evite conceitos visuais

Ao praticar a Oração de Jesus não sustente nenhuma imagem intermediária


entre a mente e o Senhor. As palavras pronunciadas são meramente uma ajuda,
e não são essenciais. A coisa principal é permanecer diante do Senhor com a
mente no coração. Isto, e não as palavras, é a oração espiritual interior. As
palavras, aqui, são partes tão ou menos essenciais que as palavras de qualquer
outra prece. A parte essencial é habitar em Deus, e esta caminhada diante de
Deus significa que você sempre vive com a convicção, diante de sua consciência,
que Deus está em você, como Ele está em tudo: você vive com a firme certeza de
que Ele vê tudo que lhe está dentro, conhecendo-lhe melhor que você mesmo.
Esta ciência do olho de Deus olhando para seu ser interior não deve ser
acompanhada por qualquer conceito visual, mas deve confinar-se a uma
simples convicção ou sentimento. Um homem em um quarto quente sente como
o calor o envolve e lhe penetra. O efeito, em nossa natureza espiritual, da toda-
envolvente presença de Deus - que é o fogo no quarto do nosso ser - deve ser o
mesmo.

As palavras “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim” são
apenas o instrumento e não a essência do trabalho; mas elas são um
instrumento muito forte e efetivo, pois o Nome do Senhor Jesus é apavorante
para os inimigos da nossa salvação e uma benção para todo aquele que O busca.
Não esqueça que esta prática é simples, e não permita qualquer coisa fantasiosa
sobre ela. Ore por todas as coisas ao Senhor, à nossa puríssima Senhora, aos
Anjos Guardiões; e eles lhe ensinarão tudo, ou diretamente ou através de
outros.

TEÓFANO, O RECLUSO

Imagens e ilusão

Para não cair em ilusão [5] enquanto se pratica a oração interior, não permita
quaisquer conceitos, imagens ou visões. Pois imaginações vívidas, correndo de
lá para cá, junto com vôos fantasiosos não cessam mesmo quando a mente
permanece no coração e recita a oração: e ninguém é capaz de controlá-las,
exceto aqueles que obtiveram a perfeição pela graça do Espírito Santo, e que
adquiriram a estabilidade da mente através de Jesus Cristo.

S. NIL SORSKI [6]

Dissipe todas as imagens de sua mente

Você pergunta sobre a oração. Nos escritos dos Santos Padres eu encontro que
ao orar você deve dissipar todas as imagens da mente. Isto é aquilo que eu
também tento fazer, forçando-me a perceber que Deus está em toda parte – e,
portanto (entre tantos lugares), aqui, onde meus pensamentos e sentimentos
estão. Eu não posso ter êxito em me libertar inteiramente das imagens, mas,
gradualmente, mais e mais elas se evaporam. Então, chega um ponto em que
elas desaparecem completamente.

TEÓFANO, O RECLUSO

Clame incessantemente: Senhor Jesus Cristo

Se um monge está comendo ou bebendo, se está sentado ou servindo, se viaja,


ou faz qualquer outra coisa, deve clamar incessantemente: “Senhor Jesus
Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim.” Desse modo, o Nome do Senhor
Jesus, descendo às profundezas do coração, irá domar o dragão que defende os
pastos do coração, e salvará a alma e a vivificará. Conserve-se incessantemente
com o Nome do Senhor Jesus, de modo que seu coração possa absorver o
Senhor, e o Senhor absorver seu coração, e os dois serem um. Não separe seu
coração de Deus, mas conserve-se com Ele. Sempre proteja seu coração com a
lembrança do Senhor Jesus Cristo até que o Nome do Senhor esteja
profundamente enraizado ali e que cesse de pensar em qualquer outra coisa: e
assim Cristo será glorificado em você.

CALISTO E INÁCIO XANTHOPOULOI [7]

Se Jesus Cristo está em nós, todas as coisas são possíveis

Nossos ilustres guias e professores, tendo o Espírito Santo habitando dentro


deles, em sua sabedoria, transmitem instruções a todos nós, e, especialmente,
àqueles que desejam lançar a si mesmos no mundo de silêncio-celeste e
consagrar seus seres, em plenitude, a Deus; arrancando eles mesmos do
mundo e, sabiamente, praticando o silêncio. Eles nos ensinam a preferir a
oração no Senhor acima de todos os outros bons trabalhos e atividades,
implorando sua misericórdia com uma confiança indubitável; e a termos como
meta, e contínua ocupação, a invocação do Seu mais sacro e doce Nome. Nós
devemos sempre carregar isto no coração e na mente e nos nossos lábios,
devemos compelir-nos a respirar e viver, dormir e acordar, caminhar, comer e
beber, e fazer todas as coisas, em geral, com Ele e Nele. Se ele está ausente,
tudo o que é prejudicial corre até nós, não deixando espaço para qualquer coisa
que nos seja aproveitável; mas se Ele está presente dentro de nós, tudo aquilo
que se opõe a Ele é afastado. Então, não há a falta de qualquer coisa abençoada
e nada fica impossível; como o nosso Senhor Ele Mesmo diz: “Aquele que
permanece em mim e eu nele produz muito fruto; porque, sem mim, nada
podeis fazer.” (João xv. 5)

CALISTO E INÁCIO XANTHOPOULOI

Deixe que a Oração de Jesus una-se à sua respiração

Se você realmente deseja fazer com que seus pensamentos se envergonhem, se


deseja ser serenamente silencioso, e viver no gozo sem esforço de um coração
sóbrio e calmo; deixe a Oração de Jesus unir-se à sua respiração e em poucos
dias verá tudo isso realizado.

S. HESÍQUIO

Um cordão de oração ou uma respiração rítmica

Há uma técnica sugerida por um dos primeiros Padres: respirar


ritmicamente, no tempo, com a Oração de Jesus, ao invés do uso de um
cordão de oração. [8]

Técnicas respiratórias, ilusão e luxúria

Praticar a Oração de Jesus, como nós todos estamos ganhando o hábito de fazer,
é uma coisa excelente. Nos monastérios ela foi posta como uma meta. Se ela
fosse perigosa eles a colocariam como uma meta? O que são perigosas são
somente as técnicas mecânicas que foram adicionadas posteriormente e
ajustadas para caber na recitação da prece; e estas são perigosas porque, às
vezes, elas nos fazem precipitar num mundo de sonho e ilusão, e algumas vezes
– estranho dizer – num constante estado de luxúria. Por esta razão
deveríamos aconselhar contra tais técnicas e proibi-las. Mas invocar o mais
doce Nome do Senhor, na simplicidade do coração, é algo que podemos
sugerir e recomendar para qualquer um.

TEÓFANO, O RECLUSO

Notas

[1] Justino (Polyansky), um celebrado escritor espiritual na Rússia durante o


fim do séc. XIX e início do séc. XX, Bispo primeiro de Tobolsk e depois de
Ryazan.

[2] S. Simeão, Arcebispo da Tessalônica (morreu em 1419): Teólogo Bizantino


e liturgo.

[3] ‘Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim’ em eslavão contém


exatamente cinco palavras, e não sete: daí a apropriada citação de Paissy dos
Coríntios I.

[4] Na prática Ortodoxa é comum prostrar-se ou inclinar-se depois de fazer o


sinal da Cruz. Esta prostração ou inclinação assume duas formas principais:

(i) uma profunda inclinação da cintura, tocando o solo com os dedos da mão
direita.

(ii) uma completa prostração, tocando o solo com a fronte da testa.

[5] A palavra em russo, usada aqui, é prelest (ver nota na Introdução de


Chariton)

[6] S. Nil Sorski (Nilus de Sora, ?1433-1508), escritor asceta russo; monge
num remoto eremitério nas florestas além do Volga, e líder dos “Não-
Possessores” (um movimento na Rússia do séc. XV e XVI que protestou contra
a posse monástica de terras).

[7] Calisto e Inácio Xanthopouloi: escritores espirituais bizantinos do fim do


séc. XIV e começo do séc. XV. Calisto foi patriarca de Constantinopla em 1397.

[8] Sobre o “controle respiratório” na Oração de Jesus deve-se compreender


que ele não é nada mais do que um acessório, um meio de auxílio para o
controle dos pensamentos, útil para alguns mas não obrigatório para todos.
Em segundo lugar, estes exercícios respiratórios devem ser usados com a
máxima discrição, pois podem ser extremamente nocivos se executados de
modo inadequado e sem orientação experimentada. (Nota dos tradutores da
versão russa.)
A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa -
(Capítulo III - iii) A Oração de Jesus - Parte 2

CAPÍTULO III
A ORAÇÃO DE JESUS
(por vários autores)

(iii) A ORAÇÃO DE JESUS – Parte 2

O lugar das técnicas respiratórias (i)

No tratado de Simeão, o Novo Teólogo, sobre as três formas de oração, nos


trabalhos de Nicéforo, o Monge [1], e na Centúria de Calisto e Inácio
Xanthopouloi – todos contidos na Filocalia – o leitor encontrará instruções
sobre a técnica onde a mente pode ser introduzida ao coração com o auxílio da
respiração física; em outras palavras, um método mecânico desenvolvido para
nos ajudar a obter a oração interna. Este ensinamento dos Padres criou e
continua a criar muitas perplexidades para seus leitores, embora de fato não
haja, realmente, nada de difícil a respeito. Nós aconselhamos nossos amados
irmãos a não tentar a prática desta técnica mecânica a menos que ela se
estabeleça por si própria neles. Muitos que tentaram aprendê-la pela
experiência prática prejudicaram seus pulmões e não conseguiram nada. A
coisa essencial para a mente é unir-se ao coração na oração, e isto é efetuado
pela graça divina, em seu próprio tempo, determinada por Deus. O método
mecânico descrito nestes escritos é plenamente substituído por uma tranquila
repetição da prece, com breve pausa depois de cada uma, uma respiração calma
e constante, e um envolvimento da mente nas palavras da oração. Com o auxílio
de tais meios podemos facilmente obter certo grau de atenção. Pouco tempo
depois, o coração começa a estar em simpatia com a atenção da mente na
medida em que ela está orando. Pouco a pouco, a simpatia do coração com a
mente começa a transformar-se numa união da mente e do coração; e então a
técnica mecânica sugerida pelos Padres aparecerá por si própria. Todos os
métodos mecânicos de caráter material são sugeridos pelos Padres apenas
como auxílios para uma mais rápida e fácil obtenção da atenção durante a
prece, e não como algo essencial. O elemento essencial e indispensável na prece
é a atenção. Sem atenção não há oração. A verdadeira atenção, dada pela graça,
chega quando nosso coração morre para o mundo. Auxílios sempre
permanecem sendo nada mais que auxílios. A união da mente com o coração é
uma união dos pensamentos espirituais da mente com os sentimentos
espirituais do coração.

BISPO INÁCIO

O lugar das técnicas respiratórias (ii)


S. Simeão [2] e outros escritores na Filocalia sugerem métodos físicos para
serem usados em conjunto com a Oração de Jesus. Algumas pessoas ficam tão
absorvidas nestes métodos externos que elas esquecem o apropriado trabalho
da prece; em outros, a própria prece é distorcida pelo uso destes métodos.
Desde que, pois, por falta de instrutores, estas técnicas físicas podem ser
acompanhadas por efeitos prejudiciais, nós não as descrevemos. De qualquer
modo, elas nada mais são do que um auxílio externo para o trabalho interno e
não são, de maneira alguma, essenciais. O que é essencial é isto: obter o
hábito de permanecer com a mente no coração – de estar dentro deste nosso
coração físico, embora não fisicamente.

É necessário fazer a mente descer da cabeça ao coração e se estabelecer ali, ou,


como um dos Padres o colocou, unir a mente com o coração. Mas como isto
ode ser obtido?

Busque e você encontrará. O modo mais fácil para obter isto é caminhando
diante de Deus, e através do trabalho da oração, especialmente indo a Igreja.

Mas devemos lembrar que nossa é somente a labuta; o objeto em si, isto é, a
união da mente e do coração, é um dom da graça, que o Senhor nos concede
tanto e quando Ele quer. O melhor exemplo é aquele de Máximo de
Kapsokalyvia. [3]

TEÓFANO, O RECLUSO

Crianças conversando com seu Pai

Não se deixe levar por métodos externos ao praticar a interna Oração de Jesus.
Para algumas pessoas elas são necessárias, mas não para você. Em seu caso, o
tempo para tais métodos já passou. Você já deve ter conhecido, por experiência,
o local do coração sobre o qual eles falam: não se preocupe pelo resto. O
trabalho de Deus é simples: é a oração – crianças conversando com seu Pai,
sem quaisquer subterfúgios. Possa o Senhor lhe dar sabedoria para sua
salvação.

Para aquele que ainda não encontrou o caminho para entrar dentro de si,
peregrinações a lugares sagrados são uma ajuda. Mas para aquele que o
encontrou elas são uma dissipação de energia, pois o forçam a sair da mais
íntima das partes de si mesmo. É o momento para você, agora, aprender mais
perfeitamente como ficar dentro. Você deveria abandonar seus planos externos.

TEÓFANO, O RECLUSO

Crescimento na oração não tem fim

Você lê a Filocalia? Bom. Não se deixe confundir pelos escritos de Inácio e


Calisto Xanthopouloi, Gregório do Sinai, e Nicéforo. Tente achar se alguém tem
a vida do stárets Paissy Velichkovsky. Ela contém prefácios a certos textos na
Filocalia, compostos pelo stárets Basil , e estes prefácios explicam sobre o lugar
das técnicas mecânicas quando se recita a Oração de Jesus. Eles irão ajudá -lo,
também, a compreender todas as coisas corretamente. Eu já havia lhe dito que
no seu caso estas técnicas mecânicas não são mais necessárias. O que elas iriam
produzir você já possui do momento que você sentiu o chamado à prática da
Prece. Mas não chegue a concluir, equivocadamente, que sua jornada no
caminho da oração já se completou. O crescimento na oração não tem um fim.
Se este crescimento pára significa que a vida pára. Possa o Senhor salvá-lo e lhe
ter misericórdia! É possível perder o estado correto, e aceitar a mera memória
dele como sendo o próprio estado. Deus proíba que isto aconteça a você!

Você sente que sofre de pensamentos errantes. Tome cuidado: isto é muito
perigoso. O inimigo quer conduzi-lo em algum matagal e ali matá-lo. Os
pensamentos começam a errar quando o temor a Deus diminui e o coração se
resfria. O resfriamento do coração é causado por muitas coisas –
principalmente, por convencimento e presunção. Estes estão muito próximos
da sua natureza. Atento a eles, e apresse-se em restaurar o temor a Deus e um
sentimento de calor em sua alma.

TEÓFANO, O RECLUSO

Leitura espiritual. Autores Russos são mais fáceis que os Gregos

Todos os escritos dos Padres Gregos são dignos do mais profundo respeito pela
riqueza da graça e sabedoria espiritual que residem neles e respiram deles. Mas
os escritos dos Padres Russos nos são mais acessíveis que aqueles das
autoridades gregas, devido à particular clareza e simplicidade de exposição
deles, e também porque eles nos são mais próximos no tempo. Os escritos do
stárets Basil são os primeiros livros que deveriam ser consultados por qualquer
um que deseja praticar a Oração de Jesus com sucesso. Na verdade, o stárets os
escreveu especialmente com este propósito em mente. Ele os batizou de
‘introduções’ ou ‘estudos preliminares’, que preparam o leitor para os Padres
Gregos.

BISPO INÁCIO

Como planejar nossa leitura

Na questão da leitura deveríamos ter em mente a principal meta de nossa vida, e


escolher aquelas coisas que estão de acordo com ela. Então, aquilo que resultar
ficará integrado, coerente, e, portanto, forte. Esta solidez de conhecimento e
convicção também dará força ao nosso caráter como um todo.

TEÓFANO, O RECLUSO

Não são as palavras que importam, mas seu amor por Deus

Se o seu coração se aquece através da leitura de preces comuns, então acenda


seu calor interno a Deus desta maneira.

A Oração de Jesus, se dita mecanicamente, é sem valor: não é de maior ajuda


que qualquer outra prece falada por língua e lábios. Ao recitar a Oração de
Jesus, tente, ao mesmo tempo, ativar a percepção de que nosso Senhor Ele
Próprio está perto, que Ele está em sua alma e escuta o que está acontecendo ali
dentro. Desperte em sua alma a sede pela salvação, e a certeza de que só nosso
Senhor pode trazê-la. E então clame Àquele que você vê diante, em seus
pensamentos: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim’, ou:
‘Oh, misericordioso Senhor, me salva pelo caminho que Tu conheces’. Não são
as palavras que importam, mas seus sentimentos em direção ao Senhor.

A combustão espiritual do coração a Deus nasce do nosso amor por Ele. O


coração se acende através do toque do Senhor. Porque Ele é inteiramente amor,
Seu toque no coração, imediatamente, acende amor por Ele; e deste amor
chega a combustão do coração em direção a Ele. É isto que deve ser o objeto de
sua busca.

Faça com que a Oração de Jesus esteja na sua língua; faça com que a presença
de Deus esteja diante de sua mente; e em seu coração faça com que haja sede
por Deus, por comunhão com o Senhor. Quando tudo isto tornar-se
permanente, então o Senhor, vendo como você se esforça, dará aquilo que
você pede.

TEÓFANO, O RECLUSO

A centelha de Deus

O que nós buscamos através da Oração de Jesus? Buscamos que o fogo da graça
apareça em nosso coração, e buscamos pelo início da oração incessante que
manifesta um estado de graça. Quando a centelha de Deus cai no coração, a
Oração de Jesus a ventila até pegar fogo. Por si mesma a oração não produz a
centelha, mas nos ajuda a recebê-la. Como ela ajuda? Reunindo nossos
pensamentos, capacitando a alma a estar diante do Senhor e a caminhar em
Sua presença. Esta é a parte mais importante – permanecer e caminhar diante
de Deus, clamar por Ele do nosso coração. Isto foi o que Máximo de
Kapsokalyvia fez e todos aqueles que buscam o fogo da graça deveriam fazer o
mesmo. Eles não deveriam se preocupar com palavras e posições do corpo, pois
Deus olha para o coração.

Eu estou lhe contando isto porque algumas pessoas esquecem completamente


sobre o chamado do coração. Toda a preocupação delas está nas palavras e na
posição do corpo, e tendo recitado a Oração de Jesus certo número de vezes
numa escolhida posição, com prostrações, descansam satisfeitas com isto, não
sem auto-estima, não sem criticar aqueles que vão a igreja para a ordem
habitual de oração. Algumas pessoas vivem suas vidas desta forma e são
desprovidas de graça.

Se alguém me perguntasse como realizar a tarefa da oração, eu diria a ele:


habitue-se a caminhar na presença de Deus, mantenha a recordação Dele, e seja
reverente. Para preservar esta recordação, escolha umas poucas preces curtas,
ou simplesmente pegue as vinte e quatro preces curtas de S. João Crisóstomo
[4], e as repita frequentemente com sentimentos e pensamentos apropriados.
Na medida em que se habituar a isto, a recordação de Deus trará luz à sua
mente e calor ao seu coração. E quando obtiver este estado, a centelha de Deus,
o raio da graça, cairá finalmente em seu coração. Não há outra maneira pela
qual você pode produzi-la: ela vem direta de Deus. Quando ela chegar,
conserve-se apenas na Oração de Jesus, e, com esta prece, assopre a centelha
até as chamas. Este é o caminho mais direto.
TEÓFANO, O RECLUSO

Uma pequena centelha

Mais tarde, quando notar que alguém começa a ir mais profundamente à


oração, você pode sugerir-lhe que use a Oração de Jesus incessantemente,
sempre preservando a lembrança de Deus com temor e reverência. A oração é o
mais essencial. O que devemos buscar, principalmente, na oração é a recepção
de uma pequena centelha, como a que foi dada a Máximo de Kapsokalyvia.
Esta centelha não é atraída por nenhum artifício, mas é dada livremente pela
graça de Deus. Por isto o incansável esforço da oração é necessário, como S.
Macário diz: ‘Se você deseja obter a oração verdadeira, persevere firmemente
na oração, e Deus, vendo quão arduamente você busca, lha dará. ’

TEÓFANO, O RECLUSO

Um córrego murmurante

Você pergunta o que é necessário ao rezar a Oração de Jesus. O que fez estava
correto. Lembre-se como fez, e continue da mesma maneira. Eu vou lembrar-lhe
apenas de uma coisa: deve -se descer com a mente para o coração, e ali
permanecer diante da face do Senhor, sempre presente, que tudo vê dentro de
você. A oração tem uma firme e constante sustentação quando uma pequena
chama começa a queimar no coração.

Tente não apagar este fogo, e ele se estabelecerá de tal modo que a oração repete
a si mesma: e então terá dentro de si um pequeno córrego murmurante, para
usar a expressão do stárets Parthenii [5] da Lavra de Kiev. E um dos primeiros
Padres disse: ‘Quando ladrões se aproximam de uma casa esgueirando-se até ela
para roubá-la, e ouvem que alguém está falando dentro, não se atrevem a
entrar; da mesma maneira, quando nossos inimigos tentam assaltar a alma e
tomar possessão dela, eles rastejam por tudo envolta mas temem entrar quando
ouvem o jorro de uma curta oração. '

TEÓFANO, O RECLUSO

Esforços humanos e a graça de Deus

Há somente poucas palavras na Oração de Jesus, mas elas contêm tudo. Faz
tempo que se reconheceu que esta oração poderia, uma vez fosse adquirida
como um hábito, tomar o lugar de todas as outras preces orais. Alguém que se
esforça pela salvação é ignorante deste método? Se utilizada da maneira
prescrita pelos Santos Padres, esta oração tem grande poder; mas entre
aqueles que adquiriram o hábito de recitá-la, nem todos descobriram seu
poder, nem todos saborearam seus frutos. Por que isto ocorre? Por que eles
desejam alcançar por si mesmos aquilo que é um presente de Deus, vindo
somente através de Sua graça.

Não precisamos de qualquer ajuda especial de Deus para iniciar o trabalho de


repetir esta oração ao amanhecer, ao anoitecer, ao caminhar, ao sentar-se, ao
deitar-se, trabalhando ou descansando. Por sermos assim sempre ativos,
podemos, por nós mesmos, treinar a língua a repetir a Oração mesmo sem um
esforço consciente. Certo alívio no pensamento pode se seguir a isto, e até
mesmo uma espécie de calor do coração. Mas tudo isto, diz o monge Nicéforos
na Filocalia, é somente a ação e fruto dos nossos próprios esforços. Parar neste
ponto e permanecer satisfeito com uma mera habilidade de recitar como
papagaio as palavras Senhor, tem piedade: é imaginar que obtivemos algo
quando realmente não obtivemos nada. Isto é o que acontece quando caímos
no hábito de repetir as palavras desta prece mecanicamente, sem compreender
o que a prece realmente é. Como resultado, ficamos satisfeitos com os
princípios naturais da sua ação, e deixamos de olhar adiante. Mas quem quer
que tenha compreendido a natureza da oração continuará a busca. Percebendo
que não importa quão diligentemente segue as instruções dos mais velhos as
verdadeiras gratificações da oração ainda lhe escapam, ele deixará de esperá-
las por seus próprios esforços e depositará toda sua esperança em Deus. A
partir deste momento a graça pode fluir até ele; e, num dado momento
conhecido somente por ela própria, ela transplantará a oração em seu coração.
Todas as coisas, como nos ensinam os mais velhos, continuarão externamente
iguais: a única diferença residirá em nosso poder interior.

O que é verdadeiro para esta prece é verdadeiro para todas as formas de


crescimento espiritual. Um homem de temperamento quente pode estar pleno
de desejo de acabar com a irritabilidade e obter a mansidão. Nos livros de
ascetismo existem instruções de como disciplinar a si próprio para obter isto.
Um homem pode ler estas instruções e segui-las; mas quão longe chegará por
seus próprios esforços? Não mais longe do que silêncio externo durante os
acessos de raiva, reprimindo somente o tanto da raiva que o auto-controle lhe
permite. Por si mesmo, ele nunca conseguirá a completa extinção de sua raiva
e o estabelecimento da mansidão em seu coração. Isto apenas acontece quando
a graça invade o coração e ela mesma coloca a mansidão ali.

Isto é verdadeiro para toda qualidade espiritual. Qualquer coisa que possa estar
buscando, busque-a com toda sua força, mas não espere que sua própria busca
e seus esforços tragam frutos por eles mesmos. Ponha sua confiança no Senhor,
nada atribuindo a si próprio, e Ele lhe dará o desejo do seu coração. (Sl. xxxvii.
3-4.)

Ore assim: ‘Eu desejo e busco, apressa-Te a mim, pela Tua justiça.’ O Senhor
disse: ‘Sem mim, nada podeis fazer.’ (João xv. 5), e esta lei é cumprida com
exatidão na vida espiritual; ela não se desvia nem por um fio de cabelo. Quando
as pessoas perguntam: ‘O que devo fazer para adquirir esta ou aquela virtude?’
há uma única resposta: ‘Volte-se ao Senhor e Ele lha dará. Não há outro meio
para encontrar o que você busca. ’

TEÓFANO, O RECLUSO

Um córrego que murmura no coração

Na medida em que começar a se acostumar a orar como deve com as preces


escritas por outros, suas próprias preces e invocações a Deus irão afluir em você.
Nunca negligencie estas aspirações a Deus que se manifestam em sua alma.
Toda vez que surgirem, esteja calmo, e ore com suas próprias palavras; nem
pense que orando assim você prejudica a oração em si mesma. Não: somente
deste modo você ora como deve, e esta prece ascende mais rapidamente a
Deus que qualquer outra. Por esta razão há uma regra que se aplica a qualquer
um: seja em casa ou na igreja, se sua alma deseja orar por sua própria conta e
não com palavras de outros homens, dê liberdade a ela; deixe-a orar, mesmo
se ela orar assim durante todo o serviço, ou deixar incompleta sua própria
regra de oração em casa e não encontrar tempo para terminá-la.

Ambas as formas de oração são agradáveis a Deus – preces atenciosamente


recitadas dos livros de oração e acompanhadas por adequados sentimentos e
pensamentos sagrados; e preces sem livros vindas de suas próprias palavras.
Apenas a oração negligente O desagrada, quando alguém lê as preces em casa
ou permanece no serviço da igreja sem atentar para o significado das palavras: a
língua lê ou o ouvido escuta, mas os pensamentos vagam sabe lá onde. Não há
oração aqui. Mas, enquanto ambas as formas são agradáveis a Deus, a oração
que não é lida, mas é sua própria, está mais perto do coração da questão e é
muito mais proveitosa.

Não é suficiente, entretanto, apenas esperar pelo desejo de orar. Para se obter a
oração espontânea, devemos nos forçar a orar de uma maneira particular –
com a Oração de Jesus – não somente durante o serviço da igreja e durante a
oração em casa, mas em todos os momentos. Homens experimentados na
oração, escolhendo esta única oração endereçada ao Senhor e Salvador,
estabeleceram regras para sua execução, de modo que com a ajuda delas
podemos adquirir o hábito da oração auto-impelida ou espontânea. Estas
regras são simples. Permaneça com a mente no coração diante do Senhor e reze
a Ele: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim’. Faça isto em
casa antes de iniciar as orações, nos intervalos entre elas, e no fim da oração;
faça isto na igreja, e durante todo o dia, de modo a preencher cada momento do
dia com a oração.

De início esta prece salvadora é, normalmente, uma questão de destemidos


esforços e trabalho duro. Mas se a pessoa se concentra nela com zelo, ela
começará a fluir por sua própria conta, como um córrego que murmura no
coração. Esta é uma grande benção e vale à pena trabalhar duro para obtê-la.

Aqueles que com longos esforços obtiveram sucesso nesta oração prescrevem
um exercício, não muito difícil, que rapidamente irá nos capacitar a dominá-la.
Antes ou depois de sua regra de oração, de noite e de manhã ou durante o dia,
consagre um período de tempo fixo para a execução desta única oração. Faça
deste modo. Sente-se, ou – melhor ainda – fique numa posição de prece,
concentre toda a sua atenção no coração diante do Senhor, completamente
certo de que Ele está ali e o ouve, e O invoque: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de
Deus, tem piedade de mim.’ Se quiser, acompanhe isto com inclinações da
cintura, ou mesmo com prostrações. Faça isto por um quarto de hora ou meia
hora – ou mais, ou menos – como lhe convir. Quanto mais zeloso seus esforços,
mais rapidamente a oração será transplantada em seu coração. É melhor
começar este trabalho com zelo, e não pará-lo até que tenha obtido o que deseja,
e esta prece iniciar a mover por si mesma em seu coração. Depois disso você
tem apenas que mantê-la em seu próprio curso.
O calor do coração ou brilho do espírito, sobre o qual falamos antes, só é obtido
desta maneira. Mais a Oração de Jesus penetra no coração, mais quente o
coração se torna, e, também, mais auto -impelido torna-se a oração, de modo
que o fogo da vida espiritual é aceso no coração e sua combustão torna-se
incessante. Ao mesmo tempo, a Oração de Jesus preencherá todo o coração, e
nunca deixará de mover-se dentro dele. Esta é a razão pela qual aqueles em
quem a vida interior perfeita está nascendo, oram quase que exclusivamente só
com esta oração, incluindo-a inteiramente em suas regras de oração.

TEÓFANO, O RECLUSO

O tesouro escondido da graça batismal

O dom que recebemos de Jesus Cristo no sagrado batismo não está destruído,
mas somente escondido como um tesouro no chão. E tanto o bom senso como a
gratidão exigem que se deva ter cuidado para desenterrar este tesouro e trazê-lo
a luz. Isto pode ser feito de dois modos. O dom do batismo é revelado antes de
tudo pelo meticuloso cumprimento dos mandamentos; quanto mais os
colocamos em prática, mais claramente o dom brilha sobre nós em seu
verdadeiro esplendor e brilho. Em segundo lugar, ele vem à luz e é revelado
através da contínua invocação do Senhor Jesus, ou pela incessante lembrança
de Deus, o que é uma única e mesma coisa. O primeiro método é poderoso, mas
o segundo é ainda mais; tanto mais que mesmo a fidelidade aos mandamentos
recebe sua plena força da oração. Por esta razão, se realmente desejamos
desabrochar a semente da graça que está oculta em nós, devemos nos apressar a
adquirir o hábito deste exercício do coração, e sempre praticar esta prece nele,
sem qualquer imagem ou forma, até que ele aqueça nossa mente e incendeie
nossa alma com um inexpressível amor por Deus e pelos homens.

S. GREGÓRIO DO SINAI

Aja sempre com grande humildade. A necessidade de um


guia espiritual

Esta oração é chamada de Oração de Jesus porque é endereçada ao Senhor


Jesus, e como qualquer outra oração curta, em sua forma exterior, é verbal. Ela
torna-se oração interior, e assim deve ser chamada, quando é ofertada não
somente com palavras, mas com a mente e o coração, com sentimento e ciência
do seu conteúdo; e especialmente quando através de prática prolongada e
atenciosa, estiver tão fundida com os movimentos do espírito que só estes
últimos são aparentes e as palavras parecem desvanecer-se. Toda oração curta
pode elevar-se a este nível. A preferência é dada à Oração de Jesus porque ela
une a alma com o Senhor Jesus: e Ele é a única porta de comunhão com Deus,
que é a meta de toda prece. Ele próprio disse: “Ninguém vem ao Pai a não ser
por mim” (João xiv, 6) Portanto, quem quer que adquira esta prece ganha para
si todas as riquezas da divina criação da Encarnação, onde reside nossa
salvação. Ouvindo isto, você não ficará abismado por aqueles que em seu zelo
pela salvação não pouparam esforços para ganhar o hábito desta prece,
fazendo da sua força a deles próprios. Siga o exemplo deles.
O hábito da Oração de Jesus é externamente dominado quando as palavras
começam, por elas mesmas, a se mover incessantemente na língua. Sua
conquista interior envolve a indivisa atenção da mente no coração e constante
permanência do ser, pleno, diante de Deus; acompanhado por vários graus de
calor no coração, pela rejeição de todos os outros pensamentos, e, acima de
tudo, por um contrito e humilde abrir-se ao Senhor e Salvador.

Este estado espiritual é conquistado através da repetição da Prece tão


frequentemente quanto possível, com nossa atenção firmemente estabelecida no
coração. Através da perseverança nesta continua repetição, nós unificamos a
mente de modo que ela permanece em plenitude diante de Deus. O
estabelecimento de tal ordem dentro de nós mesmos é acompanhado pelo
aquecimento do coração, e é seguido pela expulsão de todos os pensamentos,
tanto os comuns e inofensivos como aqueles apaixonados. Quando a chama de
nosso anseio por Deus começa a queimar incessantemente no coração, a ela se
juntará uma sensação de paz interna na alma, como se a mente se aproximasse
do Senhor em humildade e contrição

Nossos próprios esforços (sustentados pela graça de Deus) chegam somente até
aí: qualquer prece superior a isto somente será um dom da graça. Os Santos
Padres mencionam isto com o único propósito de mostrar àqueles que
alcançaram o estágio que apenas descrevi; que eles não devem achar que nada
mais têm a desejar, nem que possam imaginar que estão no verdadeiro cume
da plenitude da prece ou da perfeição espiritual

Não se apresse com uma oração depois da outra, mas as diga com ordenada
deliberação, como alguém que, naturalmente, se dirigisse a uma grande pessoa
para pedir um favor. Também não preste atenção somente às palavras, mas, ao
invés disso, permita que a mente esteja no coração, de pé diante do Senhor,
com plena ciência da Sua presença, com plena consciência de Sua grandeza,
graça e justiça.

Para evitar erros, tenha alguém para lhe aconselhar – um pai espiritual ou
confessor, um irmão de mente similar; e faça-o saber de tudo que lhe acontece
com o trabalho da prece. Por si mesmo, aja sempre com grande humildade e
com a máxima simplicidade, não atribuindo nenhum sucesso a si mesmo.
Saiba que o verdadeiro sucesso é conquistado dentro, inconscientemente, e
acontece de modo tão imperceptível quanto o do crescimento do corpo
humano. Desse modo, quando você ouvir uma voz interior dizendo: “Ah! É
isto!” você deveria perceber que esta é a voz do inimigo, mostrando a você uma
miragem ao invés da realidade. Este é o início do auto-engano. Abafe esta voz
imediatamente, de outro modo ela ressoará em você como uma trombeta,
inflando seu amor-próprio.

TEÓFANO, O RECLUSO

Nenhum progresso sem sofrimento

Deve ser percebido que o verdadeiro sinal do empenho espiritual e o preço do


sucesso nele é o sofrimento. Aquele que prossegue sem sofrimento não colherá
fruto. Dor do coração e esforço físico trazem à luz o dom do Espírito Santo,
outorgado no sagrado batismo sobre todo crente, escondido pelas paixões
através de nossa negligência em colocar em prática os mandamentos, e trazido
uma vez mais à vida pelo arrependimento, através da indescritível misericórdia
de Deus. Por causa do sofrimento que os acompanha, não cesse de fazer
diligentes esforços para que você não seja condenado como infrutífero e ouça as
palavras: ‘Tirai-lhe o talento que tem’ (Mateus xxv. 28). Cada luta no
treinamento da alma, seja física ou mental, que não é acompanhada por
sofrimento, que não exige o máximo esforço, não dará fruto. ‘O Reino dos Céus
sofre violência, e os violentos o tomam pela força.’ (Mateus. xi. 12). Muitas
pessoas trabalharam e continuam a trabalhar sem dor, mas por causa desta
ausência elas são estranhas à pureza e afastadas da comunhão com o Espírito
Santo, porque se desviaram da severidade do sofrimento. Aqueles que
trabalham débeis e descuidadamente podem ir através de movimentos que
pedem grandes esforços, mas não colhem nenhum fruto, porque não se
submetem a nenhum sofrimento. De acordo com o profeta, a menos que nossos
lombos sejam quebrados, enfraquecidos pelo labor do jejum, a menos que
sejamos submetidos a uma agonia de contrição, a menos que se sofra como uma
mulher no parto, não seremos bem sucedidos em dar nascimento ao espírito da
salvação no solo de nosso coração.

TEÓFANO, O RECLUSO

O outro lado do Jordão

A prática da Oração de Jesus culmina na obtenção da pura prece, que é coroada


por impassibilidade ou perfeição Cristã – um dom de Deus, que Ele concede
aos lutadores espirituais como Lhe agrada escolher.

S. Isaac, o Sírio diz: ‘O dom da pura prece não é concedido a muitos, mas
somente a poucos. De uma geração para outra, raramente uma única pessoa
alcança a realização do mistério em pura prece e, pela graça e pelo amor de
Deus, alcança o outro lado do Jordão. ’

BISPO INÁCIO
Notas

[1] Nicéforo o Solitário, monge do Monte Athos no início do século XIV, pai
espiritual de São Gregório Palamas. Ele é o primeiro autor ascético a descrever
em detalhes os exercícios físicos associados à recitação da Oração de Jesus. O
tratado sobre os três métodos de oração, ao qual o Bispo Inácio se refere aqui, é
quase certamente de Nicéforo, não de Simeão, o Novo Teólogo.

[2] i.e. Nicéforo do Monte Athos.

[3] São Máximos de Kapsokalyvia, monge do Monte Athos em meados do século


XIV, contemporâneo e amigo de São Gregório do Sinai. Durante muito tempo
orou à Santa Virgem para que lhe fosse concedido o dom da oração incessante:
então, um dia, enquanto estava em oração fervorosa diante do ícone da Mãe de
Deus, sentiu de repente um calor particular no seu coração - o que Teófano
denomina a "centelha" da graça em seus escritos - e a partir daquele momento a
oração incessante nunca mais o deixou.
[4] Estas vinte e quatro orações de São João Crisóstomo ocorrem entre as orações
diárias prescritas para serem utilizadas cada noite por todos os Ortodoxos, sejam
eles clérigos, monges ou leigos. São primariamente de caráter penitencial.

[5] Staretz Parthenii (1790-1855), monge do grande hábito, membro da Lavra


Pechersky em Kiev: pai espiritual de um amplo círculo, tanto de monges como de
pessoas no mundo. Ele praticava a Oração de Jesus e recomendava seu uso a
outros. Teófano, enquanto estudante na Academia de Kiev (1837-41), costumava
visitar Staretz Parthenii, e foi profundamente influenciado por ele em seu
desenvolvimento espiritual. Durante os últimos dezessete anos de sua vida, o
Padre Parthenii celebrava a Liturgia diariamente; durante seu último ano,
embora não tendo mais forças para celebrar a Liturgia, ele ainda recebia a santa
comunhão todos os dias.
A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa
- (Capítulo III - iv) Lembrança de Deus

CAPÍTULO III
A ORAÇÃO DE JESUS (por vários autores)
(iv) A LEMBRANÇA DE DEUS

Lembrança no coração e na cabeça

Quando a lembrança de Deus vive no coração e ali preserva o temor a Ele,


então tudo vai bem; mas quando esta lembrança se enfraquece ou é mantida
somente na cabeça, então tudo se desvia.

TEÓFANO, O RECLUSO

Fique calma e silenciosa

Eu frequentemente lhe recordei, minha querida irmã, sobre a lembrança de


Deus, e agora eu lhe digo novamente: a menos que você trabalhe e sue para
imprimir em seu coração e na sua mente este Nome reverente-inspirador, você
mantém silêncio em vão, canta em vão, jejua em vão, você vigia em vão. Em
suma, todo o trabalho de monja será inútil sem esta atividade, sem a
lembrança de Deus. Este é o início do silêncio por amor ao Senhor, e é também
o seu fim. Este desejabilíssimo Nome é a alma da quietude e do silêncio. Ao
chamá-lo à mente ganhamos júbilo e alegria, perdão dos pecados e riqueza de
virtudes. Poucos foram capazes de encontrar este que é o mais glorioso dos
Nomes, guardado somente na quietude e no silêncio. O homem não pode obtê-
lo de outro modo, mesmo com grande esforço. Portanto, conhecendo o poder
deste conselho, eu lhe rogo, pelo amor de Cristo, a sempre estar calma e
silenciosa, já que estas virtudes enriquecem a lembrança de Deus dentro de
nós.

TEÓFANO, O RECLUSO

Conversa secreta com o Senhor

Sempre e em todo lugar Deus está conosco, perto de nós e em nós. Mas não
sempre estamos com Ele, visto que não nos lembramos Dele; e porque não
nos lembramos Dele nos permitimos muitas coisas que não faríamos se
lembrássemos. Tome para si esta tarefa – fazer de tal lembrança um hábito.

Faça para si a regra de sempre estar com o Senhor, mantendo sua mente em
seu coração, e não permita que seus pensamentos vaguem; tanto quanto eles se
extraviem, faça-os retornar novamente e mantenha-os em casa, no quarto do
seu coração, e deleite-se em conversar com o Senhor.

TEÓFANO, O RECLUSO

Torne-se um homem real

Mais firmemente você estiver estabelecido na lembrança de Deus – estando


mentalmente de pé diante de Deus em seu coração – mais calmo seus
pensamentos se tornarão e menos eles irão vagar. Ordem interior e o sucesso
na prece seguem juntos.

Desta maneira nosso espírito é restaurado aos seus justos direitos. Quando
assim estiver re-estabelecido, se iniciará uma ativa e vital transformação da alma
e do corpo, e das relações externas; até que eles finalmente ficarão limpos. E
você se tornará um homem real.

TEÓFANO, O RECLUSO

Uma rápida entrada ao Paraíso

Quando você se estabelecer no homem interior através da lembrança de Deus,


então Cristo, o Senhor, entrará e habitará dentro de você. As duas coisas vão
juntas.

E aqui lhe está um sinal, pelo qual pode estar certo de que este glorioso trabalho
se iniciou dentro de você: você irá experimentar certo sentimento de calor para
com o Senhor. Se cumprir todo o prescrito, então este sentimento logo
começará a aparecer mais e mais frequentemente, e com o tempo se tornará
contínuo. Este sentimento é doce e beatífico, e desde a sua primeira aparição ele
nos estimula a desejá-lo e buscá-lo, para que não deixe o coração: pois nele está
o Paraíso.

Você deseja entrar neste Paraíso tão rápido quanto possível? Aqui está, então, o
que deve fazer. Quando orar, não termine sua oração sem ter despertado em seu
coração algum sentimento para com Deus, seja ele de reverência, ou devoção, ou
agradecimento, ou glorificação, ou humildade e contrição, ou esperança e
confiança. Também, quando depois da prece você começar a ler, não termine a
leitura sem ter sentido em seu coração a verdade do que leu. Estes dois
sentimentos – aquele inspirado pela oração, e o outro pela leitura – aquecem-se
mutuamente um ao outro; e se você prestar atenção a si mesmo, eles o manterão
sob suas influências durante todo o dia. Com afinco, tente praticar estes dois
métodos com exatidão e verá por si próprio o que acontecerá.

TEÓFANO, O RECLUSO

A recordação incessante é um dom de Deus

A lembrança de Deus é algo que Deus Ele Próprio transplanta sobre a alma. Mas
a alma deve esforçar-se também na perseverança e na labuta. Trabalhe, fazendo
todos os esforços para obter a incessante lembrança de Deus. E Deus, vendo
quão ardentemente você a deseja, lhe dará esta constante recordação Dele
Próprio.

TEÓFANO, O RECLUSO

Prostrações frequentes

A todo o tempo, do despertar ao repousar-se, caminhe na lembrança da


onipresença de Deus, tendo sempre em mente que o Senhor vê e avalia cada
movimento dos seus pensamentos e do seu coração. Para este propósito ore
com a Oração de Jesus incessantemente, e, frequentemente, ao aproximar-se
dos ícones, curve-se ou prostre-se de acordo com o movimento e as demandas
do seu coração. Assim, durante todo o dia, seu momento sempre será
interrompido por estas prostrações, o que se transmitirá ao incessante
pensamento de Deus e à execução da Oração de Jesus, durante cada espécie de
ocupação.

TEÓFANO, O RECLUSO

O pensamento de Deus e a Oração de Jesus

É possível substituir o pensamento de Deus pela Oração de Jesus, mas onde


está a necessidade disto já que são uma única e mesma coisa? O pensamento de
Deus é manter em mente – sem qualquer conceito deliberadamente imposto -
alguma verdade tal como a Encarnação, a morte na Cruz, a Ressurreição, a
Onipresença de Deus, ou outras.

TEÓFANO, O RECLUSO

A proximidade e a presença de Deus no coração

Busque e você encontrará. Mas o que se deve buscar? Uma comunhão


consciente e viva com o Senhor. Esta é dada pela graça de Deus, mas é também
essencial que nós mesmos trabalhemos, que nós mesmos venhamos a encontrá-
Lo. Como? Sempre se lembrando de Deus, que está perto do coração e,
precisamente, presente dentro dele. Para ser bem sucedido nesta lembrança é
aconselhável habituar -se à contínua repetição da Oração de Jesus: ‘Senhor
Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim’, mantendo na mente o
pensamento da proximidade de Deus, Sua presença no coração. Mas também
deve ser compreendido que em si mesma a Oração de Jesus é somente uma
prece oral externa; oração interior é ficar diante do Senhor, invocando-O
continuamente sem palavras. Por este intermédio a lembrança de Deus se
estabelecerá na mente, e a face de Deus estará em sua alma como o sol. Se você
coloca algo frio no sol ele começa a esquentar; do mesmo modo sua alma será
aquecida pela lembrança de Deus, que é o sol espiritual. O que se segue disto
logo aparecerá.

Sua primeira meta é adquirir o hábito de repetir a Oração de Jesus


incessantemente. Desse modo comece: e continuamente repita e repita, mas a
todo o momento mantenha diante de si o pensamento de nosso Senhor. E aqui
está tudo.

TEÓFANO, O RECLUSO

Lança teu cuidado sobre o Senhor

Nosso inteiro objetivo é adquirir o hábito de manter nossa atenção sempre no


Senhor, que é onipresente e vê tudo, que deseja a salvação de todos nós e está
pronto para nos ajudar nesta direção.

Este hábito não lhe permitirá lamentos, estejam suas mágoas dentro ou fora;
pois ela preenche a alma com um sentido de perfeito contentamento, que não dá
espaço para qualquer sentimento de carência ou necessidade. Ele nos faz
confiar, nós mesmos e tudo o que temos, nas mãos do Senhor, e assim dá
nascimento a um sentido de Sua permanente proteção e ajuda.

TEÓFANO, O RECLUSO

Os perigos do esquecimento

Orar não somente significa permanecer em oração. Manter a mente e o coração


virados a Deus e direcionados a Ele – isto já é orar, seja lá a posição em que se
possa estar. Orar de acordo com a regra é uma coisa, e este estado de oração é
outra. O caminho até ele é obter o hábito da constante lembrança de Deus, até a
última hora e no julgamento que dela se segue. Acostume-se a isto, e tudo irá
bem. Cada passo que tomar será intimamente consagrado a Deus. Você deve
dirigir seus passos de acordo com os mandamentos; e você sabe o que são os
mandamentos. Isto é tudo. É possível aplicar estes mandamentos a todo evento,
e consagrar, intimamente, todas as suas atividades a Deus; e então toda sua vida
será dedicada a Ele. O que mais é necessário? Nada. Você vê como é simples.

Você tem zelo pela salvação. Quando se tem este zelo, ele mostra a si próprio
em um ardente cuidado pela salvação. É absolutamente necessário evitar a
indiferença. É assim que a indiferença surge: começa com o esquecimento. Os
dons de Deus são esquecidos, e assim são esquecidos: Deus Ele Próprio, nossa
salvação Nele, e o perigo de estar sem Deus; e a lembrança da morte desaparece
– em uma palavra, todo o reino espiritual fica fechado para nós. Isto é devido ao
inimigo, ou à dispersão dos pensamentos por preocupação com os negócios e
por excessivos contatos sociais. Quando tudo isso é esquecido o coração se
esfria, e sua sensibilidade para coisas espirituais é interrompida: e assim
caímos num estado de indiferença, e então de negligência e descuido. Como
resultado, as ocupações espirituais são postergadas por um tempo, e em
seguida completamente abandonadas. E então, começamos novamente nosso
velho estilo de vida, descuidado e negligente, esquecido de Deus, buscando
somente nossos próprios prazeres. Mesmo se não há nada de desordenado nele,
não se olha para qualquer coisa divina. Será uma vida em vão.

Se você não quer cair neste abismo, cuidado com o primeiro passo – isto é, o
esquecimento. Portanto, caminhe sempre em recordações divinas – na
lembrança de Deus e das coisas divinas. Isto o manterá sensível a tais coisas, e
estas duas juntas – recordação e sensibilidade – o fixará a fogo com o zelo. E aí
vai ser a verdadeira vida.

TEÓFANO, O RECLUSO

Caia como pó diante da face de Deus

Com relação à prece espiritual, tome uma precaução. Cuidado para que, mesmo
incessantemente lembrando-se de Deus, você não esqueça também de acender
o temor, e a reverência, e o desejo de cair como pó diante da face de Deus –
nosso mais misericordioso Pai, mas também nosso terrível Juiz. Frequente
recordação de Deus sem reverência embota o sentimento de temor a Deus, e
assim nos priva da salvadora influencia que este senso de temor – e só ele –
pode produzir em nossa vida espiritual.

TEÓFANO, O RECLUSO
A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa
- (Capítulo IV - i) Os Frutos da Oração

CAPÍTULO IV
OS FRUTOS DA ORAÇÃO
(por Teófano, o Recluso)
(i) ATENÇÃO E TEMOR DE DEUS

Os primeiros frutos da oração – atenção e uma calorosa ternura


do coração [1]

Qualquer regra de oração que é apropriadamente executada produzirá como


seus primeiros frutos atenção e uma calorosa ternura do coração [2]; mas estas
coisas virão especialmente da prática da Oração de Jesus, que se situa num
nível superior que a salmodia e outras formas de prece. A atenção dá
nascimento à calorosa ternura do coração, que por sua vez faz aumentar a
atenção. Eles se fortificam juntos, apoiando um ao outro. Eles dão profundidade
à oração, ativando gradualmente o coração: banindo as distrações e os
pensamentos errantes, concedendo à oração a sua pureza. A verdadeira oração é
um dom de Deus; assim também são a atenção e a calorosa ternura do coração.

A prece do coração nunca chega prematuramente

Você deveria saber que a atenção nunca deve deixar o coração. O trabalho no
coração, entretanto, algumas vezes torna-se apenas mental, executado pela
mente, ao passo que outras vezes não é somente no coração, mas do coração,
em outras palavras, ele se inicia e continua com caloroso sentimento. Esta lei
aplica-se não somente a eremitas mas a todos os Cristão, a todos aqueles que
gostariam de estar diante de Deus com o coração purificado e trabalhar diante
da Sua Face. Se a mente se esgota dizendo as palavras da oração, então, ore sem
palavras curvando-se diante do Senhor no íntimo do seu coração e doando-se a
Ele. Esta é a oração real. As palavras são somente a expressão da prece e são
sempre mais fracas aos olhos de Deus do que a própria prece.

A prece do coração nunca chega prematuramente. Com seu advento, Deus


começa a trabalhar dentro de nós; na medida em que de modo crescente torna-
se estabelecido no coração, este trabalho é levado cada vez mais à sua
plenitude. Esta prece deve ser buscada sem meios esforços; então Deus, vendo
nossa labuta, nos dará o que buscamos. A oração real não será obtida por
esforços humanos; é um dom de Deus. Busque e você encontrará.

Você nada perdeu por não ter orado com técnicas artificiais para enxertar a
oração; pois tais técnicas não são indispensáveis. O que é importante não é a
posição do corpo mas o estado interior. Nossa inteira meta é permanecer com a
atenção no coração, e olhar para Deus, e clamar a Ele.

De fato, eu nunca encontrei alguém que aprovasse as técnicas artificiais. Nem o


Bispo Inácio nem o Padre Makarii de Optina [3] as aprovam.

Os frutos naturais e o fruto da graça

Nossa meta é a arte da Oração de Jesus. Devemos tentar executá-la pura e


simplesmente com nossa atenção no coração, sempre conservando a lembrança
de Deus. Isto traz por si mesmo seus próprios frutos naturais – concentração da
mente, devoção e temor de Deus, lembrança da morte, serenidade de
pensamento e certo calor do coração. Todos estes são os frutos naturais da
oração no coração e não são os frutos da graça. Este fato deve ser mantido bem
em mente para que não nos vangloriemos a nós e aos outros e não nos tornemos
arrogantes.

Nossa oração começa a ter valor quando vem a graça. Enquanto apenas
obtivermos os frutos naturais da oração o que alcançamos é sem valor, tanto
em si mesmo quanto diante do julgamento de Deus. Pois a chagada da graça é o
sinal de que Deus olhou para nós com misericórdia.

Eu não posso lhe dizer como esta ação da graça se manifestará, mas é certo que
a graça não pode surgir antes que estes frutos naturais da oração interior
façam sua aparição.

Os frutos naturais são acessíveis a todos

O fruto da oração é a concentração da atenção no coração acompanhado por


um sentimento de calor. Este é o efeito natural. Qualquer pessoa pode obtê-lo.
E digo: quaisquer pessoas, não somente os monges mas os leigos também,
podem executar uma prece de tal tipo.

Esta espécie de trabalho é simples, e não está num nível elevado. A Oração de
Jesus por si mesma não é milagrosa, mas como qualquer outra oração curta é
oral e consequentemente externa. Ainda assim ela pode tornar-se uma prece da
mente-no-coração de um modo inteiramente natural. Em relação àquilo que
vem da graça, por outro lado, a isto devemos simplesmente esperar; nenhuma
espécie de técnica pode apreendê-lo pela força.

Quando se está ocupado com a oração contemplativa superior, é necessário


em primeiro lugar purificar-se das paixões. Mas aqui estamos ocupados com a
oração simples, embora ela possa nos conduzir à oração superior.

Para que a prática da oração prossiga sendo bem sucedida, é sempre essencial
de início colocar tudo de lado, de modo que o coração fique completamente livre
das distrações. Nada deveria introduzir-se na mente: nenhuma face, nenhuma
atividade, nenhum objeto. Neste momento tudo deve ser afastado. Cumpra esta
regra e não haverá necessidade de desistir de tal prece, que é para ser dita a
qualquer momento. Tão logo você esteja livre, volte imediatamente para ela.

Durante o serviço a atenção deve ser mantida na cerimônia, mas quando algo
é indistintamente lido ou cantado, repita a Oração de Jesus.

Os perigos da distração

Como uma permissão especial, você consentiu-se a uma pequena distração e


não tomou bastante cuidado na vigilância de seus olhos, de sua língua e de seus
pensamentos. Assim o calor se foi e lhe deixou vazio. Isto é ruim. Apresse-se a
restabelecer a ordem interior apropriada, ou a recebê-la novamente em resposta
às suas preces. Confine-se dentro, e nada mais faça que orar e ler sobre a oração
até que sua atenção se una a Deus no coração, e um espírito de contrição e uma
calorosa ternura sejam ali restabelecidos: este espírito lhe fará saber claramente
se você está no correto estado ou desviou-se dele. Você parece considerar a
atenção como uma excessiva austeridade, enquanto que na verdade é a raiz de
nossa vida espiritual interior. Esta é a razão pela qual o inimigo tão
particularmente toma armas contra ela, e usa de todos os meios para formar
atrativas imagens diante dos olhos da alma, e sugere pensamentos sobre
permissões especiais e distrações.

Dor no coração

Quer seja a Oração de Jesus quer seja qualquer outra oração curta, é bom que
ela sempre esteja na boca. Apenas tome cuidado para que a atenção esteja no
coração e não na cabeça, e mantenha isto não somente quando em oração mas
também em todos os outros momentos também. Tente obter uma espécie de
dor em seu coração. Com esforço constante obterá isto rapidamente. Não há
nada de peculiar nisto: o surgimento desta dor é um efeito natural. Irá lhe
ajudar a recolher-se melhor. Mas a coisa principal é que o Senhor, que vê seu
esforço, lhe dará ajuda e a graça na oração. Uma ordem diferente irá, então,
estabelecer-se no coração.

Início da reintegração interior

Continue a praticar esta regra, e seus pensamentos irão gradualmente acalmar-


se mais e mais, enquanto a debilidade que você notou será curada. Se
perseverar no modo correto, isto criará uma dor em seu coração e esta dor fará
com que seus pensamentos liguem-se apenas a Deus; e assim, a divagação dos
pensamentos cessará. A partir desse momento, se nosso Senhor o conceder, a
reintegração de todo nosso ser interior se inicia e nós nunca deixaremos de
caminhar diante Dele.

Apaixonando-se pela doçura espiritual

Você diz que teme apaixonar-se pela doçura espiritual. E, certamente, você não
pode pensar em fazer tal coisa. Não é pela sua doçura que se pratica a oração,
mas porque é nosso dever servir a Deus desta maneira, embora a doçura vá com
a necessidade do verdadeiro serviço. A coisa mais importante na prece é
permanecer diante de Deus com temor e reverência, com a mente no coração;
pois isto modera e dispersa toda tolice e planta, no coração, a contrição diante
de Deus. Estes sentimentos de temor e aflição aos olhos de Deus, o coração
contrito e submisso, são as principais características da oração interna real, e o
teste de todas as orações, pelo qual podemos dizer se nossa oração está sendo
executada como deveria ou não. Se eles estão presentes a oração está em
ordem. Quando eles estão ausentes a oração não está no seu verdadeiro
caminho e deve ser trazida de volta à sua apropriada condição. Se não
produzimos esta sensação de temor e contrição, então a doçura e o calor podem
gerar presunção; e isto é arrogância espiritual; e conduzirá a uma perniciosa
ilusão. Logo, a doçura e o calor desaparecerão, deixando apenas memórias, mas
a alma ainda irá imaginar que os tem. Disto você deveria ter medo, e por isto
deveria estimular em seu coração, de modo crescente, o temor a Deus, a
humildade, e uma contrita prostração diante Dele, sempre caminhando em Sua
presença. Esta é a essência da questão.

A instabilidade da doçura interior [4]

Não fique atraído pela doçura interior: sem a Cruz ela é instável e perigosa.

Considere a todos como sendo melhores que você. Sem este pensamento mesmo
um operador de milagres está distante de Deus.

Sobriedade da mente e calor do coração

Cumprindo a regra com zelo, proteja a sobriedade da mente e o calor do


coração. Se este último começa a diminuir, apresse- se a aquecê-lo, estando
convencido de que seu desaparecimento significará que você se afastou mais
de meio caminho de Deus. O temor de Deus é o guardião e revigorador do
calor interno, mas a humildade também é necessária, a paciência, a fidelidade
às regras e, acima tudo, a sobriedade. Vigie a si mesmo de perto, por causa de
Deus. Desperte-se se você tornou-se sonolento, erga-se de todos os modos para
não cair no sono.

Sobriedade e discernimento

Os guerreiros de Cristo deveriam manter estreita vigilância sobre duas coisas


em particular: sobriedade e discernimento. A primeira é dirigida para dentro, a
segunda para fora. Com a sobriedade observamos os movimentos que
emergem do próprio coração; com o discernimento nós antevemos os
movimentos que estão para surgir nele sob o impulso das influências externas.
A regra para a sobriedade é: depois que cada pensamento tenha sido banido da
alma pela lembrança da presença de Deus, fique de pé na porta do coração e
vigie cuidadosamente tudo que entra e que sai dali. Em especial, não permita
que suas ações sejam prejudicadas pela emoção e pelo desejo, pois todo mal
vem daí.

Seja sóbrio, esteja vigilante

Ser sóbrio significa não permitir que o coração se apegue a qualquer coisa
que não seja Deus. Ligar-se a outras coisas embebeda a alma, e ela começa a
fazer muitas e inumeráveis coisas. Estar vigilante significa vigiar
cuidadosamente para que nada de mal brote no coração.

Humildade e calor do coração

Você ainda conserva seu estado de calor espiritual? Deveria ser conservado. Sua
base é a humildade. Tão logo a humildade diminui, entra a frieza. Pois quando a
alma começa a se considerar como algo importante, o Senhor se afasta de uma
só vez; e, deixada por si só, a alma esfria. Não é somente com a língua que
deveríamos ficar dizendo: “Eu não sou nada”, mas deveríamos sentir nossa
nulidade no coração. Então o Senhor sempre estará ali, Aquele que cria e criou
todas as coisas do nada. O Senhor dará o calor, mas devemos fazer a nossa
própria parte também.

Com o que, pois, contribuímos para este trabalho? Humildade e atenção, e


uma sofrida submissão a Deus nas profundezas do coração, que deveria
continuar incessantemente com tudo que possamos estar fazendo ou dizendo,
se estamos sentados ou nos movimentando por aí, seja em casa ou na igreja.
Que o Senhor lhe conceda sabedoria. Leia as sagradas escrituras, reflita sobre
elas, e absorva tudo o que é útil, aplicando-as à sua vida e à sua alma.

Leitura espiritual. O temor de Deus

Você tem um livro? Então o leia, reflita sobre aquilo que ele diz, e aplique as
palavras para si mesmo. Aplicar o conteúdo em si mesmo é o propósito e o fruto
da leitura. Se você ler sem aplicar o que é lido em si mesmo, nada bom virá e
pode até resultar prejudicial. Teorias se acumularão na cabeça, levando você a
criticar os outros ao invés de melhorar sua própria vida. Portanto, tenha ouvidos
e ouça. Se você já tem a Filocalia, dê uma olhada em Hesíquio e leia o que ele diz
sobre a sobriedade. Ele dá direções exatas de como controlar e pôr os
pensamentos em ordem. Leia suas palavras atentamente, tome-as no seu
coração, e então aja como sugerido.

Nós sempre deveríamos nos agarrar ao temor de Deus. É a raiz de todo


conhecimento espiritual e de toda ação correta. Quando o temor a Deus governa
a alma tudo vai bem tanto dentro como fora. Tente acender este sentimento de
temor em seu coração a cada manhã antes de fazer qualquer outra coisa. Então
ele irá trabalhando por si mesmo como uma espécie de pêndulo.

O principal fruto da oração

O principal fruto da oração não é calor nem doçura, mas temor a Deus e
contrição.

A raiz da ordem interior

A raiz da boa ordem interior é o temor a Deus. Conserve este temor dentro de
você constantemente: ele manterá todas as coisas bem esticadas e não permitirá
nenhuma lassidão, seja nos pensamentos ou no aparato físico, criando um
coração vigilante e uma mente sóbria, e não permitindo nenhum torpor
corporal ou obscuridade de pensamento.

Mas deve-se sempre lembrar que o sucesso em qualquer aspecto da vida


espiritual é o fruto da graça de Deus. A vida espiritual vem inteiramente do
Seu mais sagrado Espírito. Nós temos nosso próprio espírito, porém ele está
sem energia. Ele começa a se fortalecer somente quando a graça de Deus flui
para ele.

Sentimentos de êxtase

O que você deve buscar na oração é estabelecer no coração um calmo e caloroso


sentimento para com Deus, não criando expectativas sobre êxtases ou qualquer
estado extraordinário. Todavia, quando Deus envia tais sentimentos especiais
na oração você deve ser grato por eles e não imaginar que eles ocorrem devido a
você, e nem lamentar o desaparecimento deles como se fosse uma grande
perda; mas sempre descer destas alturas para a humildade e serenidade de
sentimento para com o Senhor.

Esforços humanos e os frutos do Espírito (por São Macário do Egito)

A menos que estejamos adornados com simplicidade e bondade, a aparência


exterior e a atitude da oração não nos trarão proveito algum. Isto é verdadeiro
não somente a respeito da oração, mas a respeito de qualquer trabalho ou
esforço, tais como virgindade ou jejum, ou qualquer espécie de trabalho que
seja feito por causa da virtude. Se não vemos abundantemente em nós mesmos
os frutos do amor, a paz, felicidade e mansidão, os frutos da humildade,
simplicidade e sinceridade, os da fé e os da paciência, então trabalhamos sem
proveito e em vão: pois todo o propósito do nosso trabalho e labuta foi para
ganhar estes frutos. Se os frutos do amor e da paz não estão em nós, então todo
nosso trabalho foi inútil e em vão. Aqueles que labutam deste modo, provarão
ser, no dia do julgamento, como as cinco virgens tolas que assim foram
chamadas porque ainda não tinham no vaso dos seus corações o óleo espiritual,
isto é, as virtudes que mencionamos; e assim elas foram expulsas da festa de
núpcias, não obtendo nenhum proveito de suas virgindades. Agricultores que
trabalham em uma vinha empreendem todo o próprio trabalho na esperança de
obter fruto, e se não há fruto tudo fica sem propósito; e do mesmo modo, se não
vemos em nós mesmos, através da ação do Espírito, os frutos do amor, paz,
felicidade, humildade, e todas as outras virtudes enumeradas pelo Apóstolo (Gl.
v. 22); se não sentimos com plena segurança e percepção espiritual que eles
estão presentes dentro de nós, então todo o trabalho de castidade, oração,
salmodia, jejum, e vigília se mostrarão em vão e sem proveito. Pois estes
trabalhos da alma e do corpo devem ser praticados na esperança da obtenção
dos frutos espirituais; e o fruto do Espírito que as virtudes carregam é um
contentamento espiritual de um prazer incorruptível, conferido pelo Espírito
sobre o coração dos fiéis. Portanto, esforços e empenhos deveriam ser
simplesmente considerados – pois assim são em verdade – apenas como
esforços e empenhos e nada mais do que isso, e o fruto considerado como fruto.
Mas se, por causa de conhecimento insuficiente, alguém chegue a considerar
seu esforço e empenho como o fruto do Espírito, ele se engana completamente;
e através desta falsa opinião priva a si mesmo dos frutos reais do Espírito, que
são incomparavelmente maiores.

Notas

[1] Este primeiro parágrafo é do Bispo Inácio, não do Teófano.

[2] 'Calorosa ternura do coração': em russo, umilenie, ' ... palavra que resiste à
tradução. Poderia talvez ser traduzida como "um súbito amolecimento do coração"
ou "uma enchente de profunda emoção no coração". É um impulso repentino e
inesperado que toma conta do homem, um sentimento de ternura inexplicável que
captura o mais duro dos corações... é a emoção do amor e do perdão, as lágrimas do
arrependimento e da alegria, o dom de si oferecido na alegria" (Nicholas Arseniev,
Russian Piety, Londres, 1964, pp. 75-76).

[3] Pe. Makarii (1788-1860), staretz no eremitério de Optina, na Rússia. Erudito,


estudioso patrístico, esteve em contato próximo com os movimentos intelectuais de
seu tempo e influenciou vários escritores, como Gogol, Khomiakov e Dostoievski.

[4] Pela monja Madalena (1827-69), membro do Convento de Nossa Senhora do


Sinal em Yeletsk, Rússia.
A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa
(Capítulo IV - ii) Graça Divina e Esforço Humano
CAPÍTULO IV
OS FRUTOS DA ORAÇÃO
por Teófano, o Recluso
(ii) Graça Divina e Esforço Humano

O chamado da graça e o livre arbítrio do homem

No primeiro chamado e aceno da graça, ao se entrar dentro pela primeira vez, o


reino espiritual abre-se diante de nós e nos é concedida a visão de outro mundo,
independentemente se o desejamos ou não. Mais tarde, no entanto, esta visão
junto com o poder de habitar constantemente no interior são deixadas ao livre
arbítrio humano e devemos trabalhar para obtê-las.

Nada vem sem esforço

Possa o Senhor lhe dar a benção de um forte desejo para permanecer


internamente diante de Deus. Busque e você encontrará. Busque Deus: tal é a
inalterável regra para todo progresso espiritual. Nada vem sem esforço. O
auxílio de Deus sempre está pronto e sempre está perto, mas somente é dado
àqueles que buscam e trabalham, e somente àqueles buscadores que, depois de
colocarem todos os seus próprios poderes à prova, clamam então com todo o
coração: “Senhor, socorra-nos”. Tanto quanto você sustente alguma esperança,
ainda que mínima, de adquirir algo por suas próprias forças, o Senhor não
interfere. É como se Ele dissesse: “Você espera ser bem sucedido por conta
própria – Muito bem, siga tentando! Mas tanto quanto queira tentar não obterá
nada.” Possa o Senhor lhe dar um espírito contrito, um humilde e contrito
coração.

A árvore da vida

O estado de espírito essencial do penitente é este: ‘Na maneira que Tu sabes, Oh


Senhor, salve-me. Da minha parte trabalharei sem hipocrisia, sem desvios e má
interpretação, mas de acordo com uma pura consciência, fazendo tudo que
compreendo e que reside em meu poder’. Quem quer que possa
verdadeiramente sentir isto em seu coração é aceito pelo Senhor, que vem então
governar dentro dele como um rei.

Deus é seu professor, Deus é quem ora dentro dele, Deus é quem decide e age
nele, Deus é quem nutre frutos nele, Deus é seu governador. Tal estado é a
semente e o coração da árvore da vida celestial dentro dele.

Dependência da graça de Deus


A primeira semente da nova vida está na combinação entre liberdade e graça; e
o seu crescimento e amadurecimento vêm do desenvolvimento dos mesmos
elementos. Ao fazer a promessa de viver de acordo com a vontade de Deus, por
Sua glória, o penitente deveria dizer: ‘Somente se Tu fortaleces e confirmas
minha resolução’; e daí por diante ele deve, por assim dizer, colocar-se a cada
minuto na mão de Deus, com a oração: ‘Que Tu executes dentro de mim o que é
agradável à Tua vontade’. Desta maneira, tanto na consciência como na
vontadade, é Deus que estará agindo em nós, tanto naquilo que desejamos
quanto naquilo que fazemos, de acordo com sua boa vontade.

Mas tão logo um homem, por si mesmo, espere adquirir algo em virtude de seu
próprio poder e autodomínio, então imediatamente a real vida espiritual, plena
de graça, se extingue. Neste estado, a despeito de imensuráveis esforços, o
verdadeiro fruto não pode vir a ser.

Completa serenidade

Completa serenidade da mente é um dom de Deus; mas esta serenidade não é


dada sem nossos próprios e intensos esforços. Você não adquirirá nada somente
através dos seus próprios esforços; e ainda assim Deus não lhe dará coisa
alguma, a menos que trabalhe com toda a sua força. Esta é uma lei inviolável.

A união da liberdade com a graça

S. Macário diz (Primeiro Tratado sobre a Vigília do Coração, Cap. xii) que a
graça que chega ao homem ‘não se vincula à sua vontade por força de
necessidade, nem a torna inalterável quer queira quer não. Ao contrário, o
poder de Deus que existe no homem cede o lugar diante do seu livre arbítrio,
para revelar se a vontade do homem está de acordo com a graça ou não. ’ A
partir deste momento a união da liberdade com a graça começa. De início, a
graça fica de fora, e age de fora. Então, ela entra e começa a tomar posse de
partes do espírito: mas, somente assim o faz quando o homem por sua própria
vontade abre a porta para ela, ou abre sua boca para recebê-la. A graça está
sempre pronta para ajudar, se um homem deseja. Por si mesmo um homem não
pode fazer ou estabelecer dentro de si mesmo aquilo que é bom, mas ele pode
ansiar e lutar por isto. Por causa deste anseio, a graça consolida dentro dele o
bem pelo qual ele aspira. E assim se segue, até que o homem adquira uma
completa maestria sobre si, e assim seja capaz de cumprir o que é bom e
agradável a Deus.

Esforços humanos e a oração dada pela graça (por São Macário do


Egito)

Em resposta à pergunta dele, às vezes a oração dada pela graça é concedida a


um homem junto com um parcial repouso e felicidade no Espírito; muito
embora em seu próprio lapso de oração ele se força a orar apenas com este fim
em vista, sem adquirir submissão, humildade, e amor, ou sem cumprir os
outros mandamentos do Senhor. Entretanto, no caráter, ele permanecerá como
era antes. Porque não tem submissão, já que não fez nenhum esforço para
ganhar esta virtude e não preparou-se para recebê-la. Ele não tem humildade,
porque não pediu por ela nem se esforçou por ser modesto. Ele não tem amor
pela espécie humana, pois não fez disto sua preocupação nem orou
vigorosamente para que lhe fosse concedido este amor. Pois todo homem que se
compele e se força a orar, mesmo contra o próprio desejo do coração, tem
também de compelir-se a amar, ser modesto, submisso, inocente, e generoso.
Assim ele também obriga-se a rebaixar-se, considerando-se como o mais pobre
e inferior de todos os homens; ele deve abster-se de conversas inúteis, sempre
estudando as palavras do Senhor, mantendo-as em seus lábios e em seu
coração. Ele deveria compelir-se a evitar a irritação e o discurso irado, como
está escrito: “Longe de vós, toda amargura, e cólera, e ira, e gritaria, e
blasfêmias, e bem assim toda malícia.” (Ef. iv. 31).

Em resposta a tudo isto o Senhor, que então vê o propósito e o anseio do


homem, lhe dará o poder de obter sem fadiga ou coerção todas as coisas que
anteriormente lhe pareciam difíceis de conservar, mesmo com forte coação, por
causa do pecado que estava nele. E todas estas práticas virtuosas se tornarão
uma segunda natureza dentro dele, pois afinal o Senhor vem ao homem e
habita nele, e ele no Senhor; e o Próprio Senhor trabalha Seus mandamentos
dentro dele sem esforços, enchendo-o com o fruto do Espírito.

Pobre, nu, cego, e sem valor

Não há nenhuma necessidade de ter medo da ilusão [1]. Ela assalta aqueles que
se tornam vãos, aqueles que começam a achar que só porque algum calor lhes
chegou ao coração já estão no cume da perfeição. De fato, este calor é somente
o começo e pode não se provar estável. Porque este calor e paz no coração
podem ser apenas algo natural – o fruto de uma concentrada atenção. Temos
que trabalhar e trabalhar, esperar e esperar, até que o natural seja substituído
pela graça que nos é dada. É melhor nunca pensar que qualquer coisa tenha
sido obtida por você mesmo, mas sempre ver-se como pobre, nu, cego, e sem
valor.

Fraternos trabalhadores com Deus

O Senhor vê sua necessidade e seus esforços, e lhe dará uma mão auxiliadora.
Ele lhe sustentará e lhe estabelecerá como um soldado, plenamente armado e
pronto para ir à batalha. Nenhum apoio pode ser melhor que o Dele. O maior
perigo está na alma achar que pode encontrar esta ajuda em si mesma; então
ela perderá tudo. O mal a dominará de novo, eclipsando a luz que já se agita na
alma ainda que fracamente, e extinguirá a pequena chama que ainda queima de
modo insuficiente. A alma deveria perceber quão impotente ela é por si mesma;
e assim, não esperar nada de si, e deixar-se cair em humildade diante de Deus,
e em seu próprio coração reconhecer-se como sendo nada. Então a graça – que
é todo-poderosa – irá, a partir deste nada, criar tudo nela. Aquele que em total
humildade se coloca na mão do Deus misericordioso, atrai o Senhor para si, e
torna-se forte em Sua força.

Embora esperando tudo de Deus e nada de nós mesmos, devemos, no entanto,


forçar-nos a ação, empregar toda nossa força de modo a criar algo ao qual a
ajuda divina possa vir, e que o poder divino possa circundar. A graça já está
presente dentro de nós, mas ela somente agirá depois que o próprio homem
agir, preenchendo sua impotência com seu próprio poder. Estabeleça-se,
portanto, firmemente no humilde sacrifício de sua vontade a Deus, e então tome
uma ação sem qualquer indecisão ou frouxidão do coração.

O espírito da graça e o espírito de um Fariseu

Quando você realizar algum esforço especial, não concentre sua atenção e seu
coração nele, mas olhe para ele como algo secundário, e através de uma total
entrega a Deus abra a si mesmo para a graça de Deus, como um vaso disposto e
pronto para recebê-la.

Quem quer que encontre a graça encontra-a por meio da fé e do zelo, diz São
Gregório do Sinai, e não apenas através do zelo. Por mais meticuloso que seja
nosso trabalho, tanto quanto nos omitimos de entregar-nos a Deus enquanto o
executamos, falhamos em atrair a graça de Deus, e nossos esforços edificam
dentro de nós não tanto um verdadeiro espírito da graça, mas o espírito de um
Fariseu. A graça é a alma do esforço.

Nossos esforços serão corretamente orientados tanto quanto preservamos a


humilhação de si, a contrição, o medo de Deus, devoção a Ele, e a percepção de
nossa dependência da ajuda divina. Se estamos vaidosos e satisfeitos com
nossos esforços, é um sinal que eles não estão sendo executados no modo
correto, ou que nos falta sabedoria.

A Verdadeira vida Cristã é a vida da graça

A vida é a força para agir. Vida espiritual é a força para agir espiritualmente, de
acordo com a vontade de Deus. O homem perdeu esta força; deste modo, até
que ela lhe seja restaurada, ele não pode viver espiritualmente, não importando
o quanto ele assim pretenda. Esta é a razão pela qual o fluxo da graça na alma
de um crente é essencial para a verdadeira vida Cristã. A verdadeira vida Cristã
é a vida da graça. Um homem toma algumas resoluções religiosas: mas para ser
capaz de agir de acordo com elas, é necessário que a graça esteja unida com seu
espírito. Quando esta união está presente, a força moral, até aqui evidente só
em seu primeiro e temporário entusiasmo, é impressa em seu espírito e
permanece sempre lá. Este restabelecimento da força moral do espírito é
efetuado pela ação que regenera o batismo, pelo qual ao homem são
concedidas a razão e a força para agir “diante de Deus com retidão e verdadeira
santidade.” (Ef. iv. 24).

Verdades que o dedo de Deus inscreve

Você escreve que às vezes, durante a prece, uma solução para algum problema,
que o deixa perplexo em sua vida espiritual, vem por si mesmo de uma fonte
desconhecida. Isto é bom. É a verdadeira maneira Cristã com que é ensinada a
verdade de Deus. Aqui a promessa é cumprida: “E serão todos ensinados por
Deus.” (João Cap. vi. 45). Assim de fato é. As verdades são inscritas no coração
pelo dedo de Deus, e ali permanecem firmes e indeléveis. Não negligencie estas
verdades que Deus inscreve, mas as registre.

Purificando a fonte
Para que o homem seja purificado e curado, a graça divina começa, antes de
tudo, a entregar a fonte e a nascente original de todas as atividades humanas a
Deus. Em outras palavras, a graça virá à consciência do homem e o seu livre
arbítrio em direção a Ele, de modo que, usando isto como um ponto inicial,
possa no seu apropriado curso efetuar a cura de todos os poderes do homem
através de suas próprias atividades: a fonte foi curada e santificada, e assim
todas as faculdades dependentes daquela fonte são gradualmente purificadas
desde esta mesma nascente.

Progresso na vida da graça

Aqui está um relato das práticas que ajudam a fortalecer, em bondade, os


poderes da alma e do corpo do homem; e que habilitam a vida da graça, dentro
do espírito, em arder mais e mais brilhantemente. De acordo com o zelo e os
esforços do homem que se entregou a Deus, a graça entrará e penetrará nele
com seu poder, cada vez mais, santificando-o e fazendo dele um dos seus. Mas
não se pode, nem se deve parar neste estágio. Isto ainda é apenas uma semente,
um ponto de partida. É necessário que esta luz de vida siga adiante, e que
permeando toda a substância da alma e do corpo, deste modo, santifique-os,
reivindicando-os para si mesma; arrancando a estranha e antinatural
passionalidade que agora nos domina; ela deve erguer a alma e o corpo ao seu
estado puro e natural. A luz não deveria permanecer encerrada em si mesma
mas deveria espalhar-se sobre todo o nosso ser com todos os seus poderes.

Porém, desde que estes poderes estão infectados com o que é antinatural, o puro
espírito da graça, chegando ao coração, é incapaz de entrar direta e
imediatamente neles, sendo bloqueado pelas suas impurezas.

Portanto, devemos estabelecer algum canal entre o espírito da graça que vive
dentro de nós e nossos próprios poderes, de modo que o espírito possa fluir
sobre eles e curá-los, assim como medicamentos curam os lugares feridos sobre
os quais são aplicados.
É evidente que, para efetivamente agir como um canal, todos estes meios devem
carregar, por um lado, o caráter e as qualidades de uma origem divina e
celestial, e, por outro, ser perfeitamente adaptado aos nossos poderes em seus
naturais propósitos e disposições. De outro modo eles não agirão como um
efetivo canal da graça, nem nossos poderes serão capazes de atrair a cura deles.
Tais, portanto, devem ser, necessariamente, a origem e as qualidades internas
destes meios de cura. Em relação às suas formas exteriores, eles não podem ser
nada mais que atividades, exercícios, trabalho; pois eles são aplicados a poderes
e faculdades humanas cuja qualidade distintiva é a ação.

Estas, então, são as atividades e exercícios que se constituem como meios de


cura dos nossos poderes e trazem de volta a pureza e a plenitude que eles
perderam: jejum, trabalho, vigília, solidão, afastamento do mundo, controle dos
sentidos, leitura das escrituras e dos Santos Padres, idas a igreja, frequente
confissão e comunhão.

Os dois movimentos do livre arbítrio


Quando somos estimulados pela graça é impossível não estar consciente do
fato, mas é possível não prestar a devida atenção a ele; e assim, depois de viver
por um tempo neste estado desperto, descemos novamente ao comum ciclo de
atividades da alma e do corpo. O estímulo não leva a termo o ato da conversão
do pecador, mas apenas o inicia, sendo que ali ainda permanece trabalho sobre
si; e este trabalho é muito complicado.

No entanto, tudo que se refere a este trabalho deve ser efetuado em dois
movimentos do livre arbítrio – o movimento de sair do mundo externo para seu
ser interno e o subsequente movimento do ser para Deus. No primeiro
movimento, o homem retoma o poder sobre ele próprio o qual havia perdido, e
no segundo ele entrega-se como uma oferenda a Deus – o livre arbítrio de
oferecer-se em holocausto. No primeiro ele decide abandonar o pecado, e no
segundo, aproximando-se de Deus, ele jura pertencer apenas a Ele todos os dias
da sua vida.

A graça de Deus fende um homem em dois

A graça de Deus chegando inicialmente ao primeiro despertar do homem, e em


seguida visitando-o durante o inteiro período de sua conversão, fende-o em
dois. Faz com que ele se cientifique de uma dualidade dentro dele próprio, e o
habilita a distinguir entre aquilo que é antinatural daquilo que deveria ser
natural; e assim isto faz com que ele se decida por peneirar ou separar-se de
tudo aquilo que é antinatural, de modo que sua natureza divina seja
inteiramente posta à luz. Mas, obviamente, tal decisão é apenas o começo do
empreendimento. Neste estágio é apenas com sua vontade e intenção que ele
deixou o reino da estranha antinaturalidade, rejeitando-a, e almejando à
naturalidade que ele espera e deseja. Mas, de fato, toda a sua estrutura
permanece como antes – isto é, saturada com pecado; e as paixões dominam
sua alma em todas as suas faculdades e dominam seu corpo em todas as suas
funções, do mesmo modo como faziam antes – com apenas esta diferença: de
que antigamente ele escolhia e abraçava tudo isto com desejo e prazer, mas
agora isto nem é desejado nem é escolhido, mas é odiado, calcado, rejeitado.
Neste estado um homem emergiu de si próprio como de um cadáver putrefato:
ele vê como o fumo das paixões fluem de diferentes partes de si mesmo contra
sua vontade, e algumas vezes ele experimenta o fedor que sai de si tão
fortemente que sufoca sua mente. Assim, a real vida da graça num homem é em
seu início somente uma semente, uma centelha constantemente abafada pelas
cinzas. É ainda somente uma pálida chama cintilando numa densa neblina. O
homem através de sua consciência e vontade ligou-se a Deus, e Deus o aceitou,
uniu-se com ele nesta ciência de si e neste ponto de livre escolha dentro de sua
mente – que é denominado como espírito, por Santo Antônio do Egito e São
Macário, o Grande. E isto é apenas uma de suas partes que é saudável,
agradável a Deus, e foi salva. Todas as outras partes ainda são mantidas
prisioneiras e não querem e não podem ser obedientes às exigências da nova
vida: a mente como um todo ainda não sabe como pensar na nova forma mas
pensa como antes; a vontade ainda não sabe como desejar do novo modo, mas
deseja como antes; o coração não sabe como sentir na nova maneira, mas sente
como antes. Ocorre o mesmo com o corpo e com todas as suas funções.
Consequentemente o homem ainda está inteiramente impuro exceto em um
ponto que é este poder de livre escolha consciente dentro de sua mente – o que
denominamos espírito. Deus, sendo inteiramente puro, entra em união
somente com esta única parte; porém todas as outras partes, estando impuras,
permanecem fora Dele e estranhas a Ele. Ele está pronto para preencher todo o
homem, mas assim não o faz porque o homem está impuro. Entretanto, tão
logo ele se purifica, Deus dá a conhecer nele sua plena morada.

As ações todo-abrangentes da graça

Antes do nascimento da vida interior – antes da palpável manifestação da ação


da graça e da união com Deus – acontece frequentemente que um homem ainda
aja por sua própria iniciativa, até o limite de suas forças. Mas quando ele está
exausto pelo fracasso de seus esforços ele finalmente põe de lado a sua própria
atividade, e entrega-se de todo coração às ações todo-abrangentes da graça.
Então o Senhor o visita com Sua misericórdia, e acende nele o fogo da vida
espiritual, e ele sabe por experiência que não foram seus próprios esforços que
efetuaram esta grande transformação. Posteriormente, os mais ou menos
frequentes afastamentos da graça o ensinam, por experiência, que a sustentação
deste fogo de vida também não é dependente dos seus próprios esforços.

O frequente aparecimento de bons pensamentos e intenções, sua frequente


infusão pelo espírito da prece – vindo não sabe de onde nem como – convence-
o, similarmente por experiência, de que todo este bem só é possível a ele através
da ação da graça divina, que está sempre presente nele, pela misericórdia do
Senhor, que salva todos aqueles que lutam pela salvação. Ele se entrega ao
Senhor, e só o Senhor age nele. A experiência mostra que ele só é inteiramente
bem sucedido quando se confia plenamente a Deus. Assim ele nunca volta para
trás, mas protege esta graça de todos os modos possíveis.

Teóricos ficam inteiramente absorvidos pela questão da relação entre a graça e


o livre arbítrio. Para qualquer um que tem a graça em si, esta questão é
resolvida pela experiência prática. Aquele que carrega a graça em seu coração,
entrega-se inteiramente a ação da graça, e é a graça que age nele. Para ele esta
verdade é mais evidente não apenas que qualquer verdade matemática, mas
mais evidente que qualquer experiência de sua vida exterior, porque ele já
parou de viver fora de si e está plenamente concentrado dentro. Ele tem agora
apenas um cuidado, sempre ser fiel à graça presente dentro dele. A infidelidade
ofende a graça, ou fazendo com que ela se retire ou reduzindo sua ação. O
homem atesta sua fidelidade à graça ou ao Senhor, ao não permitir – sejam
pensamentos, sentimentos, ações, ou palavras – qualquer coisa que ele sabe ser
contraria à vontade do Senhor. Por outro lado, ele não deixa por fazer qualquer
trabalho ou empreendimento desde que sabe que é a vontade de Deus que ele
seja feito, julgando pelo correr das circunstâncias, e pelas indicações fornecidas
pelos seus impulsos e anseios interiores. Algumas vezes isto requer muito
trabalho, dolorosa auto-coerção, e resistência a si mesmo, mas ele fica feliz ao
sacrificar tudo para o Senhor, porque depois de cada um destes sacrifícios ele
recebe recompensas internas: paz, felicidade, e uma especial audácia na oração.

Estes atos de fiel devoção a graça, combinado com a oração (que neste estágio já
é contínua) fazem com que o dom da graça aumente em fervor e calor. Quando
um fogo é acendido o movimento do ar é necessário para manter a chama acesa
e para fortalecê-la: de um modo exatamente igual, quando o fogo da graça é
acendido no coração, a oração é necessária, pois ela age como uma corrente de
ar espiritual no coração. O que é esta oração? É o incessante voltar-se da mente
para o Senhor no coração, é a contínua permanência diante do Senhor com a
mente no coração, acompanhado ou não por súplicas a Ele, mas apenas com
sentimentos de devoção e contrita rendição a Ele no coração. Nesta atividade,
ou melhor, neste estado mental reside a principal maneira de sustentar o calor
interior e a plenitude da ordem interior, de dispersar pensamentos vãos e maus,
e de confirmar bons pensamentos e empreendimentos. Os bons pensamentos e
intenções chegam; o homem vai fundo na oração e ao perceber se estes tornam-
se mais fortes ou desaparecem durante a oração, ele sabe se estes pensamentos
e iniciativas são agradáveis a Deus ou não. Quando chegam maus pensamentos,
ou algo começa a perturbar a alma, ele novamente vai fundo na oração sem
prestar atenção àquilo que está acontecendo dentro, e os pensamentos
perturbadores se esvanecem. Deste modo, a oração interna é estabelecida nele
como a principal força diretiva e governadora de sua vida espiritual. Não se
admire assim, que todas as instruções dos escritos dos Padres estejam
direcionadas proeminentemente a nos ensinar como orar interiormente ao
Senhor no modo correto.

Dois estágios da prece. Martírio interior (pelo Bispo Inácio)

Para começar, durante o primeiro estágio no caminho da prece, nós somos


deixados orando somente através de nossos próprios esforços. Sem dúvida, a
graça de Deus ajuda qualquer um que ora com sinceridade, mas ela não revela
sua presença. Durante este período, paixões escondidas no coração entram em
jogo, e conduzem o homem que ora a um martírio no qual as derrotas e vitórias
alternam-se incessantemente, e o livre arbítrio e a fraqueza do homem são
claramente expostas.

Durante o segundo período, a graça de Deus faz sua presença e ação sentirem-
se de modo tangível, unindo a mente com o coração, e tornando possível a
oração sem sonhos ou distrações, mas com um coração que lacrimeja e tem
calor. Neste ponto, pensamentos pecaminosos perdem seu poder de dominar a
mente.

O primeiro estado na vida da prece pode ser comparado às árvores nuas


durante o inverno; o segundo, às mesmas árvores cobertas com folhas e
florescimentos trazidos pelo calor da primavera. Em ambos os estados o
arrependimento deve ser a alma e a meta da prece. Como um prêmio pelo
arrependimento que um homem oferece, enquanto ainda está procedendo
através dos seus próprios esforços, Deus concede, na Sua própria boa hora, um
arrependimento que vem cheio de graça; e o Espírito Sagrado, tendo entrado
no homem, ‘faz intercessões’ por ele ‘com suspiros que não podem ser
pronunciados... Ele intercede pelos Santos segundo a vontade de Deus’, que
apenas Ele conhece (Rom. 8. 26-27)

É, portanto, muito claro que a busca dos iniciantes é pelo lugar do coração; isto
é, suas inoportunas e prematuras tentativas para acender a ação manifesta da
graça, são os maiores erros que comete, pervertendo a devida ordem e o
sistema da ciência da prece. Tal procedimento é orgulho e tolice. Do mesmo
modo não é correto para um iniciante usar as práticas recomendadas pelos
Santos Padres para os monges avançados e os hesicastas.

A força vivificante da graça

Trabalhe, exercite-se, busque e você encontrará; bata e lhe será aberto. Não
relaxe e não se desespere. Mas, ao mesmo tempo, lembre-se que estes esforços
não são mais que tentativas da sua parte para atrair a graça; eles não são a
própria graça, que ainda temos de ir buscar. A principal coisa que nos falta é a
força vivificante da graça. É muito notável que quando raciocinamos, ou
oramos, ou fazemos qualquer outra coisa desta natureza, é como se
estivéssemos forçando em nosso coração algo externo, de fora para dentro. É
isto o que acontece algumas vezes: nossos pensamentos ou preces causam uma
impressão em nós, e seus efeitos descem ao coração a certa profundidade,
dependendo da força dos esforços que fizemos; mas então, logo em seguida,
esta impressão é novamente expulsa – como um graveto que é atirado
verticalmente na água e é forçado a voltar para cima novamente – por causa de
uma espécie de resistência no coração que é desobediente e desacostumada a
tais coisas. Imediatamente em seguida a isto, a frieza e vulgaridade começam
novamente a tomar conta da alma: um claro sinal que não era a ação da graça o
que experimentávamos ali, mas somente os efeitos de nosso próprio trabalho e
esforço. Portanto, não fique contente apenas com estes esforços; não descanse
sobre eles como se fossem o que você tem que encontrar. Esta é uma ilusão
perigosa. É igualmente perigoso pensar que nestes trabalhos há mérito, que a
graça é obrigada a recompensar. De fato, não: estes esforços são apenas
preparação para receber a graça, mas o dom em si depende inteiramente da
vontade do Doador. Portanto, com cauteloso uso de todos os meios já
mencionados, aquele que busca deve ainda caminhar na expectativa da visita
divina, que não dá nenhum aviso de sua vinda, e chega de um lugar que
ninguém conhece.

Somente quando este vivificante poder da graça chega é que o trabalho interno
de transformação de nossa vida e caráter irá realmente começar. Sem ele, não
podemos esperar pelo sucesso; haverão apenas tentativas mal sucedidas. Bem-
aventurado Agostinho testemunha isto, pois ele trabalhou sobre si mesmo dura
e longamente, mas dominou a si próprio somente quando estava preenchido
com a graça. Trabalhe com expectativa confiante. A graça virá e colocará tudo
em ordem.

A graça atrai todas as coisas para a unidade

Enquanto os esforços do espírito irrompem espasmodicamente, primeiro um e


depois outro, ora deste lado e ora daquele, não há vida neles. Mas quando o
poder superior da divina graça, que flui para o espírito, atrair todas estas
vertentes de esforços para um único ponto e mantê-los na unidade, então, o
fogo da vida espiritual chega.

Serpentes e nuvens negras


Quando a graça não habita no homem, os demônios se enrolam como
serpentes nas profundezas do coração, impedindo, completamente, que a alma
deseje o bem; mas quando a graça entra na alma, então estes demônios são
soprados e espalham-se como nuvens negras de uma parte do coração a outra,
transformando-se em paixões ou distrações pecaminosas, a fim de eclipsar a
lembrança de Deus e atrair a mente para longe da conversa com a graça.

As ilusões do demônio e a graça de Deus: como eles são distinguidos


(pelo Bispo Inácio)

Que ninguém, ouvindo inúmeras informações sobre a ação do Espírito dos


lábios de um pecador, hesite na descrença e na inquietação do pensamento; e
que a ação que ele ouve seja considerada como trabalho dos demônios e uma
ilusão. Ele deve descartar qualquer um destes pensamentos blasfemadores.
Não! Não! Não é assim a ação da ilusão, ou seus atributos? Diga-me: é possível
para o demônio, o inimigo e assassino do homem, tornar-se seu médico? É
possível para o demônio juntar, numa única, as partes e poderes do homem que
foram cindidos pelo pecado, liberá-los da dominação do pecado, conduzi-los
para longe do estado de contradição e guerra civil a um estado de sagrada paz
no Senhor? É possível para o demônio livrar um homem dos profundos abismos
de sua ignorância de Deus, e dar a ele o vivo conhecimento de Deus, baseado em
experiência, que não mais necessita qualquer prova exterior? É possível para o
demônio pregar e explicar em detalhes a respeito do Salvador – pregar e
explicar como nós podemos nos aproximar Dele através do arrependimento? É
possível para o demônio restaurar a imagem perdida do homem, pôr a
distorcida semelhança em ordem? É possível para ele transmitir o sabor da
pobreza espiritual e, junto com isso, o sabor da ressurreição, da renovação e
união com Deus? É possível para o demônio erguer o homem à altura da
comunhão com Deus, uma comunhão na qual o homem torna-se como nada,
sem pensamentos, sem desejos, inteiramente imerso em um maravilhoso
silêncio? Este silêncio é a absorção de todos os poderes de um ser humano:
todos eles são atraídos em direção a Deus, como se desaparecessem diante de
Sua infinita majestade.

A ilusão age de um modo, e Deus de outra – Deus o ilimitável Mestre do homem


que foi e é, agora, seu Criador. Aquele que criou e re-cria, não permanece Ele,
sempre, como o Criador? Por esta razão, amado irmão, ouça como a ação da
ilusão difere da ação divina. A ilusão, quando se aproxima do homem em
pensamento ou em sonho, em alguma idéia sutil, por alguma aparição que pode
ser vista com os olhos físicos, ou ouvida de uma voz que vem do alto através de
seus ouvidos físicos; nunca se aproxima como um mestre absoluto, mas vem
como um sedutor que procura a aceitação do homem, e através de sua aceitação
ganha poder sobre ele. A ação da ilusão, dentro ou fora do homem, é sempre
uma ação que vem de fora; é lícito ao homem rejeitá-la. A ilusão sempre vem
junta, de início, com certa dúvida no coração: somente aqueles a quem ela
conquistou decisivamente a aceitam sem questionamento. A ilusão nunca une
um homem que está dividido pelo pecado, ela não para a erupção do sangue,
não conduz o asceta ao arrependimento, não o faz pequeno aos seus próprios
olhos; ao contrário, ela põe fogo em sua imaginação, encoraja o fluxo do sangue,
traz a ele certa insípida, venenosa satisfação, e corteja-o insidiosamente,
inspirando-o com vaidade e estabelecendo em sua alma um ídolo – ‘Eu’.
A união da mente e do coração e a sua imersão em Deus (pelo Bispo
Inácio)

A ação divina não é algo material: é invisível, inaudível, inesperada,


inimaginável, e inexplicável por qualquer analogia tomada deste mundo. Seu
advento e seu trabalho dentro de nós são um mistério. Primeiro ela mostra ao
homem o seu pecado, ampliando-o aos seus olhos, e mantendo o horror ao
pecado constantemente diante de sua visão.

Conduzindo sua alma à autocondenação, a ação divina mostra ao homem a


nossa Queda – este terrível, obscuro e profundo abismo de destruição em que o
homem caiu através do pecado de seu primeiro pai. Depois disso, pouco a
pouco, a ação divina permite que o homem aumente sua atenção e sua contrição
do coração na prece. Tendo preparado o vaso deste modo, ela toca as partes
cindidas repentinamente, inesperadamente, de modo imaterial, e elas juntam-
se em uma única. Quem tocou? Eu não posso explicar: não vejo nada, não
escuto nada; mas eu reconheço e sinto uma repentina mudança em mim
mesmo, devida a uma ação todo-poderosa. O Criador agiu agora na renovação,
como Ele agiu certa vez na criação. Diga-me: poderia o corpo de Adão, formado
de pó, ainda deitado diante do Criador sem estar animado pela alma, ter alguma
concepção de vida ou alguma sensação dela? Quando o corpo foi
repentinamente vitalizado pelo sopro de vida, poderia ele considerar se
aceitaria ou rejeitaria a vida? O Adão criado sentiu-se repentinamente vivo,
pensando, desejando. A re-criação é realizada com a mesma rapidez. O Criador
era e é o Governador absoluto: Ele age autocraticamente, de um modo
supranatural, muito além de qualquer pensamento ou concepção, com infinita
sutileza. Ele age espiritualmente, e não materialmente.

Pelo toque da Sua mão no meu inteiro ser, minha mente, coração e corpo
ficaram unidos, compondo um único e unificado todo. Eles tornaram-se
imersos em Deus, e em Deus eles permanecem tanto quanto esta Mão invisível,
incompreensível e todo-poderosa, sustenta-os lá.

Três tipos de desejo: mental, compassivo, ativo.

Aquele que buscou pelo auxílio da graça e agora sente sua presença deve estar
firmemente decidido, não somente a corrigir a si mesmo, mas também a
começar a fazê-lo de uma vez por todas. Este desejo de corrigir a si mesmo já o
conduziu em todos os seus esforços anteriores, mas há ainda algo a ser
adicionado à sua composição ou ao seu aperfeiçoamento. Pois existem vários
tipos de desejo. Há o desejo mental: a mente exige algo e o homem faz o esforço;
tal desejo dirige o trabalho preparatório. Há o desejo compassivo: este nasce
sob a influência das afeições e sentimentos induzidos pela graça. Finalmente, há
o desejo ativo: o consentimento da vontade para começar de uma vez com a
tarefa de reerguer-se do estado decaído. Sustentado pela graça de Deus você
deve, agora, inciar.

Notas

[1] Prelest. Veja a nota [1] no prefácio do livro.


[2] Santo Antônio do Egito (251-356), pai do monaquismo cristão, viveu a maior
parte de sua vida como eremita. O mais antigo e mais celebrado dos starets
monásticos, ele se tornou (como disse seu biógrafo, Santo Atanásio de
Alexandria) "um médico de todo o Egito". Ele não teve estudos, e nunca foi
ordenado sacerdote. Algumas de suas Cartas sobrevivem.
A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa
(Capítulo IV - iii) Combustão do Espírito

CAPÍTULO IV
OS FRUTOS DA ORAÇÃO
por Teófano, o Recluso
(iii) A Combustão do Espírito
Não apague o Espírito

‘Não extingais o Espírito...’ (1 Tess. v. 19). O homem normalmente vive


descuidado e despreocupado sobre o culto da Igreja e sua própria salvação.
Então a graça desperta o adormecido pecador e o chama para a salvação.
Escutando a este chamado com um senso de arrependimento, ele decide
devotar o resto de sua vida a trabalhos que são agradáveis a Deus e, assim
fazendo, obter a salvação. Esta resolução se revela no anseio e no zelo; e estes,
por sua vez, tornam-se efetivos quando fortalecidos pela graça divina através
dos sagrados sacramentos. A partir deste momento o Cristão começa a
combustão no espírito – isto é, ele começa a ser incessantemente zeloso para
realizar tudo aquilo que sua consciência lhe mostra ser a vontade de Deus.

Tanto é possível sustentar e fortalecer esta combustão do espírito, quanto


extingui-la. Ela é aquecida sobretudo por atos de amor para com Deus e nossos
vizinhos - isto, de fato, é a essência da vida espiritual – por uma geral fidelidade
a todos os mandamentos de Deus com uma tranquila consciência, por ações que
são impiedosas com nossa própria alma e corpo, e por oração e pensamentos de
Deus. O espírito se apaga pela distração da atenção em Deus e aos trabalhos de
Deus, por excessiva ansiedade a respeito de questões mundanas, por
indulgência aos prazeres sensuais, por satisfação de desejos carnais, e por
apaixonado afeto por coisas materiais. Se este espírito se extingue, então a vida
Cristã também se extinguirá.

S. João Crisóstomo discute sobre esta combustão do espírito em alguns escritos.


Segue um resumo daquilo que diz: ‘Uma espessa neblina, escuridão e nuvens
são espalhadas sobre a terra. Referindo-se a isto o Apóstolo disse: “Pois,
outrora, éreis trevas” (Efésios v. 8). Estamos circundados pela noite, sem
nenhuma luz da lua para nos ajudar, e é através desta noite que devemos
caminhar. Mas Deus nos deu um lampião fulgurante quando acendeu a graça do
Espírito Santo em nossas almas. Mas, daqueles que receberam esta luz alguns a
tornaram mais clara e brilhante, como Paulo, Pedro, e todos os santos;
enquanto outros a apagaram, como as cinco virgens tolas ou aqueles que
sofreram naufrágio na fé, o fornicador Coríntio ou os Gálatas decaídos. E assim
Paulo diz: “Não extingais o Espírito”, isto é, o presente, pois ele geralmente fala
do “presente” do Espírito Santo. E aquilo que o extingue é uma vida impura.
Pois se qualquer um despejar água ou jogar terra sobre a luz de um lampião, ela
se desvanece, e isto também ocorre se o óleo do lampião é despejado: do mesmo
modo o presente da graça é extinto. Se você abarrotou sua mente com coisas
mundanas, se você se entregou aos cuidados das questões cotidianas, você já
apagou o Espírito. A chama também se desvanece quando não há óleo
suficiente, isto é, quando não mostramos caridade. O Espírito chegou-lhe
através da misericórdia de Deus; logo, se ele não encontra correspondentes
frutos de misericórdia em você, ele se afasta para longe. Pois o Espírito não faz
sua morada numa alma sem piedade.

‘Vamos, então, tomar cuidado para não apagar o Espírito. Todas as ações más
extinguem esta luz: calúnias, ofensas e coisas do gênero. A natureza do fogo é
tal que tudo aquilo que lhe é estranho o destrói, e tudo o que é semelhante lhe
dá ulterior força. Esta luz do Espírito reage da mesma maneira’.

Este é o modo no qual o espírito da graça se manifesta nos Cristãos. Através do


arrependimento e da fé ele desce à alma de cada homem no sacramento do
batismo, ou ainda é devolvido a ele no sacramento da penitência. O fogo do
zelo é sua essência. Mas ele pode tomar diferentes direções de acordo com o
indivíduo. O espírito da graça conduz um homem a se concentrar inteiramente
em sua própria santificação por severos feitos ascéticos, outro é guiado
proeminentemente a trabalhos de caridade, outros são inspirados a devotar sua
vida à boa organização da sociedade Cristã, e ainda outro é conduzido a
disseminar o Evangelho pregando-o: um exemplo deste último é Apolo que, em
combustão de espírito, falou e ensinou sobre nosso Senhor (Atos xviii. 25).

Os sinais da combustão do espírito

‘Sejam alegres na esperança, pacientes na tribulação e perseverantes na oração.’


(Rom. xii. 12).

Aí estão os sinais da combustão do espírito. ‘Aquele em quem o espírito


queima trabalha com zelo para o Mestre, esperando regozijar-se nas boas
coisas que anseia, e ele supera as tentações que encontra enfrentando seus
ataques com paciência e invocando, incessantemente, o auxílio da divina graça’
(Abençoado Teodoreto). ‘Todas estas coisas servem para manter este fogo, a
combustão do Espírito’ (S. João Crisóstomo)

‘Sejam alegres na esperança’. Desde o primeiro instante do despertar do espírito


pela graça, a consciência e o anelo do homem passam da criação para o Criador,
do terreno para o celeste, do temporário para o eterno. Neste reino está seu
tesouro, ali está o seu coração. Ele não tem esperanças por qualquer coisa daqui,
todas suas esperanças estão no mundo superior. Seu coração retrai-se de tudo
aquilo que pertence a este mundo, nada nele o atrai, ele não põe sua expectativa
em qualquer coisa daqui e não busca por felicidade imediata. São nas boas
coisas a vir que ele se regozija, são estas que ele firmemente espera possuir.
Neste transplante do tesouro de um homem e nas esperanças de seu coração
está um traço essencial do despertar e da combustão do espírito.
Essencialmente, faz do homem, na terra, um peregrino que busca sua pátria: a
Jerusalém celeste. Tal deve ser o caráter de todos os Cristãos que receberam a
graça. Portanto o apóstolo também prescreve em outro lugar: ‘Se vocês foram
ressuscitados com Cristo (isto é, se foram inspirados no espírito pela graça de
Cristo), procurem as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus.
Pensem nas coisas do alto e não nas coisas da terra. Vocês estão mortos (isto é,
morreram para tudo que é terreno, criado, temporário), e a vida de vocês está
escondida com Cristo em Deus. (Col. iii. 1-3)

Por quê fracassamos na combustão do espírito

‘Combustão no espírito…’ Todos nós recebemos a graça no batismo e na crisma.


Portanto, deveríamos queimar em nosso espírito que está animado pela graça
do Espírito Santo. Por que é, então, que não queimamos em espírito? Porque
estamos largamente ou mesmo exclusivamente ocupados com nossos problemas
pessoais, com negócios mundanos e com a vida pública, de modo que o espírito,
muito embora ainda se faça sentir, está asfixiado. Para acender o espírito
devemos estar cientes da insatisfatória direção de nossas atividades,
especialmente da orientação às coisas mundanas e terrenas; e devemos entrar
profundamente na contemplação daquilo que é divino, sagrado, celestial e
eterno. A coisa mais importante é começar a agir de uma maneira que é
verdadeiramente espiritual. E então o espírito começará a queimar: pois como
resultado de tudo isto, o dom da graça que vive dentro de nós começará a
aquecer-se.

Este é o ensinamento dos Santos Padres e de nossos guias espirituais. S. João


Crisóstomo, depois de descrever as diferentes formas de atuar com firmeza e
decisão, então continua: ‘Se você cumpriu tudo isto, você atrairá o espírito. E o
Espírito habitará em você, então Ele o fará se tornar fervoroso em tudo aquilo
que falei. E quando você se tornar inflamado pelo Espírito e pelo amor, então
todas as coisas se tornarão fáceis para você. Você nunca viu quão terrível fica
um boi quando fogo é aceso em suas costas? Do mesmo modo, você se tornará
insuportável para o demônio se aferrar-se a estas duas tochas flamejantes’ –
pelas quais está se denominando: a graça do Espírito e o amor. O Abençoado
Teodoreto fala disto em pleno detalhe: ‘O Apóstolo chama o Espírito de um
dom (isto é, um presente da graça que anima nosso espírito) e ele nos manda
alimentar este dom com nosso zelo, como um fogo é alimentado com madeira: e
isto significa meditação em coisas divinas e atos espirituais. Ele diz o mesmo
em outro lugar: “Não extingais o Espírito” (i Tess. v. 19). O espírito é extinto por
aqueles que não merecem a graça por não terem mantido purificado o olho de
suas mentes, e assim eles não percebem os raios da graça. Do mesmo modo, a
luz é escuridão para os fisicamente cegos, e em plena luz do dia eles trabalham
na escuridão. Portanto, o Apóstolo nos ordena a queimar em espírito, e a ter um
ardente amor pelas coisas divinas.’

Solidão, oração, meditação

Ponha de lado tudo aquilo que pode extinguir esta pequena chama que está
começando a queimar dentro de você, e circunde-se com tudo aquilo que pode
alimentá-la e arejá-la em um forte fogo. Isole-se, ore, pense sobre aquilo que
deve fazer. A ordem de vida, de ocupação e trabalho, que você se forçou por
adotar quando estava buscando pela graça, é também a mais útil para
prolongar dentro de você a ação da graça que agora começou. O que você mais
precisa na sua atual situação é solidão, oração, e meditação. Sua solidão deve
tornar-se mais unificada, sua oração mais profunda, e sua meditação mais
enérgica.

Um coração ardente

Como é que nossos ascetas, padres e professores aqueceram o espírito da prece


interiormente e estabeleceram-se firmemente na oração? O grande objetivo
deles foi fazer o coração arder incessantemente apenas em direção ao Senhor.
Deus reivindica o coração porque dentro dele reside a fonte da vida. Onde está o
coração há consciência, atenção, mente; há a plena alma. Quando o coração está
em Deus, então a plena alma está em Deus, e um homem permanece em
incessante adoração a Ele em espírito e em verdade.

Para alguns esta essencial conquista veio rápida e facilmente: tal é a


misericórdia de Deus. Quão profundamente o temor a Deus os estremeceu, quão
rapidamente a consciência deles se ativou com toda a sua força, quão
velozmente o zelo se acendeu enviando-os para seus caminhos purificados e
inocentes diante do Senhor, quão depressa o anseio deles em agradar a Deus
ventilou a pequena centelha em chamas! Estas são almas seráficas, em
combustão, ligeiras no movimento e muito ativas.

Mas com outros tudo se retarda. Talvez eles sejam indolentes por natureza, ou a
intenção de Deus para eles seja diferente, porém seus corações não se aquecem
rapidamente. Eles têm todos os hábitos da piedade e suas vidas parecem
externamente honestas; mas tudo não vai bem, pois seus corações estão vazios
daquilo que deveria estar lá. Isto acontece não somente no caso de homens
leigos mas com pessoas vivendo em monastérios e mesmo com eremitas.

Como acender uma constante chama de fogo no coração.

Eu agora contarei a você o modo de acender uma constante e calorosa chama


em seu coração. Lembre-se de como chegamos a produzir calor no mundo
físico: nós friccionamos madeira contra madeira e o calor aparece seguido pelo
fogo; ou nós deixamos uma coisa no sol e ela se torna quente, e se mais raios são
concentrados nela, ela pega fogo. O método para dar nascimento ao calor
espiritual é, simplesmente, o mesmo. A fricção necessária é a luta e a tensão da
vida ascética; a oração interna a Deus é a exposição aos raios do sol.

O fogo no coração pode ser aceso pelo esforço ascético, mas só tal esforço não se
combustará rapidamente em fogo. Existem muitos obstáculos no caminho.
Assim, desde os tempos antigos aqueles que eram zelosos pela salvação e
experimentados na vida espiritual – através da inspiração de Deus e sem
renunciar a seus esforços ascéticos – descobriram outro método para aquecer o
coração, o qual entregaram para o uso dos outros. Este método parece simples e
fácil, mas na verdade não é menos difícil de ser realizado. Este atalho para a
realização de nossa meta é a prática sincera da oração interior de nosso Senhor
e Salvador. É assim que deveria ser realizada: esteja com a mente e a atenção no
coração, estando seguro de que o Senhor está perto e ouvindo; chame-O com
fervor: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, um pecador”.
Faça isto constantemente na igreja e em casa, trabalhando à mesa, e no leito:
em uma palavra, do momento em que você abre seus olhos até o momento em
que você os fecha. Isto será exatamente igual a manter um objeto no sol, porque
isto é manter a si mesmo diante da face do Senhor, que é o Sol do mundo
espiritual. No início, você deve abrir mão de uma parte reservada de tempo,
noite e manhã, exclusivamente para esta prece. Então, você perceberá que a
prece começa a dar fruto, no momento em que ela se apodera do coração e
torna-se, profundamente, enraizada nele.

Quando tudo isto é executado com zelo, sem preguiça ou omissão, o Senhor
olhará com misericórdia para você e acenderá uma chama em seu coração; e esta
chama é o testemunho seguro para a intensificação da vida espiritual no íntimo
do seu ser, para a entronização interna do Senhor.

A característica distintiva deste estado onde o Reino de Deus é revelado dentro


de nós, ou (o que é a mesma coisa) quando o incessante fogo espiritual é aceso
no coração, é que nosso ser passa a estar centrado sobre sua vida interior. O
total de nossa consciência é reunido no coração e permanece diante da face do
Senhor: nós despejamos diante Dele todos nossos sentimentos, caindo diante
Dele em um humilde arrependimento, prontos para devotar toda nossa vida a
Seu serviço. Tal padrão na alma é estabelecido todos os dias, do momento em
que se acorda até o sono; ele continua por entre todas as nossas várias
atividades e ocupações, e não nos deixa até que o sono, uma vez mais, feche
nossos olhos. Com o estabelecimento de tal ordem, o desgoverno que
prevaleceu na alma até este momento chega ao fim.

A sensação de incompletude e insatisfação que nos atormentava antes que o


fogo espiritual fosse aceso em nossos corações, as irrefreáveis divagações de
pensamentos com as quais sofríamos: tudo isso agora cessa. A atmosfera da
alma torna-se clara e sem nuvens: ali permanece somente um pensamento e
somente uma única lembrança, que é aquela de Deus. Há clareza dentro e por
toda parte, e nesta nitidez cada momento é percebido e avaliado, de acordo
com seus méritos, na luz espiritual que flui do Senhor ao qual contemplamos.
Cada pensamento ruim e sentimento que assaltam o coração encontram
oposição tão logo se aproximam e são postos para longe. Se algo contrário
escorrega a despeito de nossa vontade, é de imediato confessado ao Senhor, e
purificado tanto por arrependimento interno como por confissão externa, de
modo que a consciência sempre é mantida limpa diante do Senhor. Como uma
recompensa por toda esta luta interna, nos é concedida a ousadia de se
aproximar de Deus com a oração que resplandece incessantemente no coração.
Um calor constante da oração é a verdadeira respiração desta vida, de modo
que o progresso em nossa jornada espiritual cessa quando este calor se
extingue, do mesmo modo que a vida do corpo chega ao fim com a parada da
nossa respiração natural.

TEÓFANO, O RECLUSO

A transformação da alma e do corpo pelo fogo divino


Eu não digo que tudo é obtido de uma vez, tão logo alcançamos o estado de
consciente comunhão com Deus. Esta é somente a fundação estabelecida para o
próximo estágio, para um novo capítulo de nossa vida Cristã. De agora em
diante a transfiguração ou espiritualização da alma e do corpo se iniciará na
medida em que compartilhamos crescentemente com o espírito da vida que está
em Jesus Cristo. Tendo dominado a si mesmo, o homem começará a instilar em
si tudo o que é verdadeiro, sagrado e puro; expulsar tudo aquilo que é falso,
pecaminoso e corpóreo. Até agora, fez extenuantes esforços para fazer isto, mas
os frutos dos seus esforços eram roubados a cada momento do dia; de modo
que qualquer coisa que ele conseguia obter era completamente destruída.
Agora, o caso é diferente. Ele permanece firmemente sobre seus pés, sem ser
condescendente diante das dificuldades, e conduz a si mesmo de acordo com a
meta de sua vida.

De acordo com S. Barsanúfio [1] quando recebemos em nosso coração o fogo


que o Senhor veio lançar sobre a terra (Lucas xii. 49), todas as faculdades
humanas começam a combustar dentro. Quando, através de longa fricção, o
fogo é aceso e a lenha começa a queimar com ele, as madeiras incendiadas irão
estalar e soltar fumaça até que elas estejam apropriadamente em chamas. Mas
quando estiverem devidamente em chamas, elas parecem estar permeadas com
fogo e produzem uma luz calorosa e agradável, sem fumaça ou estalos. Assim
acontece com os homens. Eles recebem o fogo e começam a queimar – e quanta
fumaça e estalidos ocorrem, apenas aqueles que experimentaram isto podem
saber. Mas, quando o fogo está propriamente aceso a fumaça e os estalos
cessam e dentro reina somente a luz. Esta condição é um estado de pureza; o
caminho até ele é longo, mas o Senhor é muito misericordioso e onipotente.
Assim, fica claro que quando um homem recebeu o fogo da comunhão
consciente com Deus, o que espera diante dele não é paz mas grande trabalho.
No entanto, deste ponto em diante, para ele, a tarefa parecerá doce e cheia de
frutos, onde antes o trabalho era amargo e dava pouco ou nenhum fruto.

Desordem interior e luz interior

O problema que preocupa o buscador, mais do que qualquer outro, é a desordem


interna em seus pensamentos e desejos; todo seu anseio está inclinado a
encontrar alguma maneira de eliminar esta desordem. Há apenas um caminho
para obter isto – adquirir o sentimento espiritual, ou calor do coração, junto com
a lembrança de Deus.

Tão logo este calor seja estimulado, seus pensamentos irão ordenar-se, a
atmosfera interna se tornará clara, a repentina aparição dos movimentos do bem
e do mal se tornarão completamente aparentes para você, e lhe surgirá o poder
para expulsar o mal. Esta luz interna também se estende para as coisas externas
e torna clara a distinção entre certo e errado, dando-lhe a força para que você se
estabeleça naquilo que é correto, a despeito de qualquer tipo de obstáculos. Em
uma palavra, você agora iniciou a verdadeira vida espiritual ativa, pela qual até
aqui você ainda estava buscando; e quando ela aparecia, aparecia-lhe apenas
espasmodicamente.

Aquelas saudades por Deus das quais falei inicialmente também trarão calor,
mas é um calor temporário que cessa quando a saudade cessa. Mas o calor
agora concebido no coração permanece dentro incessantemente, e sustenta a
atenção da mente sempre fixa sobre ele.

Quando a mente está no coração, este fato é, na verdade, aquela união da mente
e do coração que representa a reintegração do nosso organismo espiritual.

Incessante combustão interna, e o advento do Senhor no coração

O Senhor virá para verter Sua luz em seu entendimento, para purificar suas
emoções, para guiar suas ações. Você sentirá, em si mesmo, forças que até então
lhe eram desconhecidas. Esta luz virá: não de forma aparente à visão e aos
sentidos, mas chegando invisivelmente e espiritualmente – e, no entanto, não
menos efetivamente. O sintoma do seu advento é a origem, neste ponto, de uma
constante combustão do coração: na medida em que a mente permanece no
coração, esta incessante combustão infunde nela a lembrança de Deus, você
adquire o poder de habitar internamente e, consequentemente, todas as suas
potencialidades internas são efetuadas. Você aceita o que é agradável a Deus,
enquanto tudo aquilo que é pecaminoso você rejeita. Todas as suas ações são
conduzidas com uma precisa percepção da vontade de Deus a respeito delas; é-
lhe dado poder para governar o pleno curso de sua vida, tanto dentro como
fora, e você adquire a maestria sobre si mesmo. Neste estado, o homem é,
geralmente, mais influenciado do que ativo. Quando a chegada de Deus é
conscientemente experimentada em seu coração, ele conquista a liberdade de
ação. Então é cumprida a promessa: “Se, pois, o Filho vos libertar,
verdadeiramente sereis livres. (João viii. 36) É isto e não algo inteiramente
oculto aquilo que o Senhor lhe trará.

Não tente medir o seu progresso

Calor do coração, sobre o qual você escreve, é uma boa condição que deveria ser
protegida e mantida. Quando enfraquece, você deve continuar a estimulá-lo,
recolhendo-se internamente com toda sua força e invocando por Deus. Para
evitar que este calor lhe abandone, você deve evitar a distração do pensamento e
as impressões que vêm através dos sentidos, que são incompatíveis com este
estado. Evite o apego de seu coração a qualquer coisa visível, ou a absorção de
sua atenção por qualquer cuidado mundano. Faça com que sua atenção em
direção a Deus seja resoluta, e a firmeza de seu corpo plena, como uma corda,
ou como um soldado na parada. Mas a coisa mais importante é orar a Deus e
pedir-Lhe para prolongar esta misericórdia do calor no coração.

Quando surgir a questão: ‘É isto?’, estabeleça uma regra, de uma vez por todas,
para afastar tais questões, impiedosamente, tão logo elas apareçam. Elas se
originam do inimigo. Se você demorar sobre esta questão o inimigo irá
pronunciar a decisão sem vacilo: ‘Oh sim, certamente que é – você fez tudo
muito bem!’ Dai por diante, você sobe em pernas-de-pau e começa a abrigar
ilusões sobre si e a achar que os outros não servem a nada. A graça diminuirá,
mas o inimigo lhe fará pensar que a graça ainda está com você. Significará dizer
que você imagina que possui algo quando na realidade não possui, de fato,
nada. Os Santos Padres escreveram: “Não se meça” Se você acha que pode
decidir qualquer questão a respeito do seu progresso, significa que você está
começando a medir-se para ver o quanto você evoluiu. Por favor, evite isto
como se evitasse o fogo.

Os dois tipos de calor

Calor real é um dom de Deus; mas existe também o calor natural que é o fruto
dos seus próprios esforços e passageiros estados de espírito. Os dois são tão
distantes um do outro como o céu da terra. Nos estágios iniciais não é claro qual
tipo de calor você tem; mais tarde isto será revelado.

Você diz que seus pensamentos o cansam, que eles não lhe permitem que você
permaneça firmemente diante de Deus. Este é um sinal de que o seu calor não
vem de Deus mas de si mesmo. O primeiro fruto do calor de Deus é uma
reunião dos pensamentos em um único, e uma incessante concentração deles
sobre Deus. Pense na mulher cujo fluxo de sangue repentinamente secou. Do
mesmo modo, quando recebemos o calor de Deus, o fluxo de pensamentos é
estancado.

O que é necessário, então? Mantenha o seu calor natural mas não atribua
nenhum valor a ele, e o considere apenas como uma espécie de preparação
para o calor de Deus. E então, afligido com a fraqueza do eco do calor de Deus
em seu coração, ore a Ele incessantemente e com pesar: ‘Seja misericordioso!
Não vire Tua face de mim!’ Junto com isto acrescente privações corporais de
comida, sono, trabalho e assim por diante. E coloque todas as coisas na mão de
Deus.

Calor físico, calor luxurioso, calor espiritual

De acordo com Speransky [2], os zelosos na vida espiritual começam com


‘Senhor, tenha piedade’, mas logo passam além desse estágio. Assim também
tem sido com a nossa experiência. A chama, uma vez acesa, queima por ela
mesma e ninguém sabe como é alimentada. Aqui reside todo o mistério.
Somente no momento da vinda a nós mesmos é que encontramos de novo:
‘Senhor, tem piedade’ em nossos pensamentos.

As palavras desta oração são “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade
de mim” ou “Jesus, Filho de Deus, tem piedade de mim”. A chama sobre a qual
falamos não se acende imediatamente, mas apenas depois de trabalhos visíveis,
quando ali no coração surge certo calor que cresce constantemente e que
queima ainda mais brilhantemente durante a oração interna. Oração ao Senhor,
oferecida das profundezas do nosso ser, faz com que o calor espiritual surja.
Padres experimentados fazem uma estrita distinção entre três espécies de calor:
calor físico, que é direto e chega como resultado da concentração de nossas
forças na região do coração através da atenção e do empenho; o calor luxurioso,
que é algumas vezes produzido pelo inimigo em nós; e o calor espiritual que é
sóbrio e puro. Este último é de duas espécies: natural – o resultado da
combinação da mente com o coração – e aquele dado pela graça. A experiência
nos ensina como distinguir cada espécie. Este calor é cheio de doçura e assim
esperamos mantê-lo, tanto pela própria doçura como também porque ele traz
certa harmonia a todas as coisas internas. Mas qualquer um que se esforce por
manter e aumentar este calor, somente por causa da própria doçura,
desenvolverá em si uma espécie de hedonismo espiritual. Portanto, aqueles que
praticam a sobriedade não prestam nenhuma atenção a esta doçura, mas
tentam permanecer, simplesmente, firmemente enraizados diante do Senhor
em completa entrega a Ele, deixando a si mesmos nas mãos de Deus. Eles não se
importam com a doçura que vem deste calor, nem apegam sua atenção a ela. É
possível, por outro lado, atar nossa plena atenção a este sentimento de doçura e
calor, tendo prazer nele como se fosse um quarto quente ou um cobertor e,
então, parar neste ponto, sem tentar subir nem mais um pouco. Alguns místicos
não vão além disto mas consideram tal estado como o mais alto que um homem
pode obter: ele os emerge numa espécie de nulidade, numa completa suspensão
de pensamento. Este é o ‘estado de contemplação’ alcançado por alguns
místicos.

Interioridade e calor do coração

O mundo espiritual está aberto para aquele que vive dentro de si mesmo. Por
permanecer dentro e por vislumbrar esta visão do outro mundo, origina-se um
senso de calor em nossos sentimentos espirituais; e, inversamente, este mesmo
senso de calor espiritual nos capacita a habitar no interior, e desperta nossa
percepção do reino espiritual dentro. A vida espiritual amadurece pela ação
mútua de ambas as coisas – interioridade e calor. Aquele que vive com
sentimento espiritual e calor do coração tem seu espírito vinculado e
subordinado, mas o espírito de um homem que carece deste calor irá extraviar-
se. Portanto, para uma ulterior e constante interioridade empenhe-se pelo calor
do coração; mas empenhe-se também, através de intensos esforços, para entrar
e permanecer no interior de si. Esta é a razão pela qual aqueles que buscam
permanecer focados somente com a mente – sem calor do coração – lutam em
vão: de um momento a outro tudo se dispersa. E assim não é de se admirar que,
apesar de toda educação, os cientistas constantemente percam a verdade – é
porque eles trabalham apenas com a cabeça.

Calor interno e morada no coração

Experimentar algum sentimento de calor é muito importante na vida


espiritual. Aquele que tem tal sentimento já está dentro de si e dentro de seu
coração. Nossa atenção sempre é mantida pela parte em nós que é ativa, e se o
coração está ativo – fazendo-se manifesto por este sentimento de calor – então
estamos no coração.

Conservando o calor e o recolhimento

Tão logo você acorde de manhã, tenha o cuidado de recolher-se interiormente e


estimular um sentimento de calor interno. Considere isto como sua condição
normal. Tão logo deixe de ser assim, você pode estar certo que o seu ser interior
não estará em ordem. Quando, de manhã, você levou-se a uma condição
recolhida e calorosa, deve cumprir todas as suas obrigações de tal maneira que
não destrua sua ordem interior, e, quando tiver a possibilidade, fazer aquilo que
sustenta esta condição. Em nenhuma circunstância faça qualquer coisa que a
destrua, pois isto significaria ser seu próprio inimigo. Apenas determine-se a
uma regra de manter o recolhimento e o calor, permanecendo em sua mente
diante de Deus. Isto em si mesmo lhe mostrará o que deve ser feito e o que deve
ser negado a si próprio.

A todo-poderosa ajuda nisto é a Oração de Jesus. Sua prática deveria tornar-se


tão habitual que ela seja repetida incessantemente no íntimo do coração. Este
hábito não se estabelecerá sem um trabalho persistente. Se já não lhe é
habitual, deve começar a fazê-lo agora. A mim pareceu que você a praticava
somente quando cumprindo sua regra de oração. Ela tem seu lugar ali, mas
você deve também praticá-la incessantemente – sentado ou caminhando,
comendo ou no trabalho. Se a Oração de Jesus não está firmemente enraizada
em seu coração, deixe todo o resto e pratique-a sozinha, até que ela se
estabeleça ali. Esta meta é simples.

Fique de pé ou sente-se diante dos ícones numa atitude de oração, e traga sua
atenção para baixo, ao lugar onde está o seu coração: então, sem pressa,
pratique a Oração de Jesus ali, sempre mantendo na lembrança a presença de
Deus. Faça isto por meia hora, uma hora, ou mais. É difícil no começo, mas
quando o hábito for uma vez adquirido, será executada tão naturalmente como a
respiração.

Quando você tiver estabelecido esta ordem interna, a vida espiritual (ou os
trabalhos espirituais como eles a nomeiam) começará em você. Aqui a
primeira exigência é a pureza da consciência, sua impecabilidade – não
somente diante de Deus, mas diante dos homens e diante de si mesmo, até
mesmo diante de objetos inanimados. Se algo minúsculo desliza em seus
pensamentos ou em palavras que perturbam sua consciência, você deve
imediatamente arrepender-se internamente diante de Deus, que vê todas as
coisas e que dará paz à sua consciência.

Resta a luta com os pensamentos que frequentemente continuarão a zumbir


como mosquitos inoportunos. Você deve aprender por si mesmo como superá-
los: a experiência lhe ensinará. De uma coisa eu lhe aviso: é normal que os
pensamentos girem ao redor de sua cabeça, e estes não são importantes; mas
vigie aqueles que perfuram seu coração como uma flecha, deixando suas
marcas como uma flecha abre e deixa uma cicatriz. Ponha-se imediatamente no
trabalho e apague esta marca com a oração, restaurando um sentimento oposto
em seu lugar. Saiba que quando o calor é conservado, tais casos são raros e
triviais.

Tudo está nas mãos de Deus

Onde existe o zelo, a graça do Espírito Santo, como uma chama, também
estará presente. Uma chama é mantida flamejante pelo óleo, e o óleo espiritual
é a oração. Tão logo a graça toca o coração, a semente da oração é ali semeada,
e segue-se um imediato direcionamento da mente e do coração à Deus.
Pensamentos de Deus seguem-se, então, no devido tempo.

A graça de Deus direciona a atenção da mente e do coração para Deus, e as


mantém fixas sobre Ele. Já que a mente nunca fica sem atividade, quando é
direcionada para Deus ela pensará a respeito Dele. Esta é a razão da lembrança
de Deus ser uma constante companhia do estado da graça. A lembrança de
Deus nunca é preguiçosa mas, invariavelmente, nos leva a meditar na perfeição
de Deus e na Sua bondade, verdade, criação, providência, redenção,
julgamento, e retribuição. Todos estes juntos compreendem o universo de Deus
ou o reino do espírito. Aquele que é zeloso vive sempre neste reino.
Reciprocamente, habitar neste reino sustenta e anima o zelo. Se você quer
permanecer zeloso, mantenha-se no estado descrito acima. Cada parte deste
reino é como se fosse uma tora de combustível espiritual. Sempre tenha esse
combustível à mão, e tão logo você perceba que o fogo do zelo esta se esvaindo,
peque uma tora da sua pilha de lenha espiritual e renove o fogo, e tudo seguirá
bem. Do resultado da soma de todos estes movimentos espirituais emergirá o
temor a Deus, a reverente permanência diante de Deus no coração. Este temor é
o guardião e o defensor do estado da graça. Impregne-se de divino temor, reflita
profundamente sobre ele, e o imprima firmemente em sua consciência e
coração. Revivifique-o constantemente dentro de si e por sua vez ele lhe
preencherá com vida.

Seu sótão é exatamente como uma cela no deserto. É possível que você não
veja ou escute nada. Você pode ler um pouco e pensar; você pode orar um
pouco e pensar novamente. E isto é tudo. Se só Deus poderia nos dar calor do
coração e o estabelecê-lo em nós! Consciência purificada e incessante
direcionamento a Deus em oração, normalmente, produzirão este calor. Mas
tudo está nas mãos de Deus.

Notas

[1] S. Barsanúfio (falecido c. 540), monge de um mosteiro perto de Gaza na


Palestina, celebrado como guia espiritual e diretor. Junto com outro monge do
mesmo mosteiro, João (falecido c. 530), é autor de uma grande coleção de mais
de 800 cartas dirigidas a monges e leigos.

[2] Não fica claro quem Teófano tem em mente aqui; O Conde Michael
Speransky (1772 - 1839), o célebre estadista russo, ou possivelmente algum
outro Speransky, menos conhecido.
A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa
- (Capítulo V - i) O Reino Dentro de Nós
CAPÍTULO V
O REINO DO CORAÇÃO
(i) O Reino Dentro de Nós
A escada para o Reino

Entre ardentemente na casa do tesouro que está dentro de você, e verá a casa
do tesouro do céu; pois os dois são o mesmo, e há apenas uma única entrada
para ambos. A escada que conduz ao Reino está escondida dentro de você, e se
encontra em sua própria alma. Mergulhe em si mesmo e você descobrirá os
degraus pelos quais subir.

S. ISAAC, O SÍRIO

A essência da vida Cristã

As pessoas preocupam-se com a formação Cristã mas a deixam incompleta;


elas negligenciam o mais essencial e o lado mais difícil da vida Cristã, e
habitam naquilo que é mais fácil: o externo e o visível.

Esta formação imperfeita e má orientada produz pessoas que observam com a


máxima retidão todas as regras formais e exteriores para uma conduta devota,
mas que prestam pouca ou nenhuma atenção aos movimentos interiores do
coração e ao real aperfeiçoamento da vida espiritual interior. Eles são
desconhecedores dos pecados mortais, mas não se preocupam com o jogo de
pensamentos no coração. Assim, às vezes, deslizam em julgamentos, dão vazão a
vanglória ou orgulho, às vezes tornam-se irados (como se este sentimento fosse
justificado pela justeza de sua causa), ficam algumas vezes distraídos pela beleza
e pelo prazer, algumas vezes até ofendem os outros em ataques de irritação,
outras vezes ficam preguiçosos demais para orar, ou perdem a si mesmos
durante a oração em pensamentos inúteis. Eles não se entristecem por fazer
estas coisas, mas as consideram sem importância. Eles já estiveram na igreja,
oraram em casa de acordo com a regra estabelecida, e cumpriram com seus
negócios cotidianos, e assim estão bem contentes e em paz. Porém, eles pouco
se preocupam com aquilo que está acontecendo no coração. Neste entretempo, o
coração pode estar forjando o mal, e assim todo o valor das suas vidas corretas e
piedosas lhes são retirado.

Vamos, agora, tomar o caso de alguém que no trabalho de salvação teve uma
queda relativamente curta; ele fica ciente de sua incompletude, e vê a
imperfeição do seu modo de vida e da instabilidade de seus esforços. E assim
de atos de piedade externos ele se dirige àqueles internos. Ele é levado a isto
pela leitura de livros sobre a vida espiritual, ou por conversas com aqueles que
conhecem qual é a essência da vida Cristã, ou pela insatisfação com seus
próprios esforços, por certa intuição de que algo está faltando, e que tudo não
está caminhando como deveria.

Apesar de toda sua retidão ele não tem paz interior; a ele falta aquilo que foi
prometido aos verdadeiros Cristãos: “paz e alegria no Espírito Santo” (Rom. xiv.
17). Uma vez que esse perturbador pensamento nasce nele, então através de
conversas com pessoas que têm conhecimento ele virá a perceber qual é o
problema, ou ele pode ler a respeito em um livro. Uma ou outra dessas coisas
lhe capacitará a ver o defeito essencial na ordem de sua vida, ou seja, sua falta
de atenção aos movimentos dentro de si, e sua falta de autodomínio.

Ele entende então que a essência da vida Cristã consiste em estabelecer-se com
a mente no coração diante de Deus, no Senhor Jesus Cristo, pela graça do
Espírito Santo. Neste modo ele fica habilitado a controlar todos os movimentos
internos e todas as ações externas, transformando tudo em si mesmo, seja
grande ou pequeno, num serviço ao Deus da Trindade, oferecendo-se
inteiramente a Deus, livre e conscientemente.

TEÓFANO, O RECLUSO

Mente, coração e sentimento

Uma vez que um homem tenha se tornado consciente do que é a essência da


vida Cristã, e descobriu que é algo que ele ainda não possui, ele se põe a
trabalhar com sua mente de modo a obtê-la. Ele lê, pensa e conversa. E
assim ele chega a perceber que a vida Cristã depende da união com o Senhor.
Mas embora ele reflita sobre esta verdade com sua mente, ela ainda
permanece distante de seu coração e ainda não é sentida. E assim, ela não dá
fruto.

TEÓFANO, O RECLUSO

Olhe internamente, o que você encontra?

Neste ponto o homem zeloso olha para dentro, e o que você acha que ele
encontra lá? Um incessante vagar dos pensamentos, constantes assaltos das
paixões, frieza e rigidez de coração, obstinação e desobediência, desejo de fazer
tudo de acordo com sua própria vontade. Em uma palavra, ele acha todas as
coisas dentro de si num péssimo estado. E vendo isto seu zelo é inflamado e,
agora, direciona árduos esforços para o desenvolvimento de sua vida interior,
para controlar seus pensamentos e as disposições de seu coração. A partir de
alguns conselhos sobre a vida espiritual interior ele descobre a necessidade de
prestar atenção sobre si mesmo, de vigiar sobre os movimentos do coração.
Para que nada ruim seja admitido, é necessário conservar a lembrança de
Deus.

E assim ele se põe a trabalhar na aquisição desta lembrança. No entanto, seus


pensamentos não podem ser detidos mais do que o vento; seus maus
sentimentos e impulsos indignos não podem ser evitados mais do que o fedor
de um cadáver; sua mente, como um pássaro encharcado e congelado, não
pode alçar-se à lembrança de Deus.

O que deve ser feito? Seja paciente, eles dizem, e siga trabalhando. Paciência e
trabalho são exercitados, mas tudo continua o mesmo. Finalmente, alguém com
experiência é encontrado e este explica que tudo está internamente
desordenado porque as forças internas estão divididas: mente e coração, cada
um segue seu próprio rumo. A mente e o coração devem estar unidos; então o
devaneio dos pensamentos terminará, e você ganhará um leme para orientar o
barco da sua alma, uma alavanca com a qual pôr em movimento todo seu
mundo interior. Mas como alguém pode unir a mente e o coração? Adquire o
hábito de rezar estas palavras com a mente no coração: “Senhor Jesus Cristo,
Filho de Deus, tem piedade de mim”. E esta oração, quando você aprender a
executá-la apropriadamente, ou melhor, quando ela tiver sido enxertada no
coração, lhe conduzirá para o fim que almeja. Ela unirá sua mente com seu
coração, ela cortará seus pensamentos errantes e lhe dará poder para governar
os movimentos de sua alma.

TEÓFANO, O RECLUSO

Da impotência à força. Um autocrata no trono do coração

Se tudo vai bem, um homem que busque a vontade de Deus, após reflexão,
decide desfazer-se das distrações e vive em abnegação, inspirado pelo temor a
Deus e por sua consciência. Em resposta a esta decisão, a graça de Deus, que
até então agia de fora, entra através dos sacramentos; e o espírito do homem,
previamente impotente, torna-se agora pleno de força.

O homem, agora, adquire ciência de si e liberdade interna, e começa uma vida


interior diante de Deus; uma vida verdadeiramente livre, sensata e auto-
governada. As importunações da alma e do corpo e a pressão dos eventos
externos não mais o distraem; ao contrário, ele começa a governá-las de acordo
com a orientação do Espírito Santo. Ele senta como um autocrata no trono do
coração e, de lá, ordena como as coisas devem ser orientadas e executadas. Tal
autocracia começa desde o primeiro momento da transformação interna e da
entrada da graça, mas ela não se mostra em sua plena perfeição logo de uma
vez. Antigos mestres frequentemente forçam a entrada e não só produzem
distúrbios na cidade interna, mas frequentemente levam embora o governador
da cidade, como um prisioneiro. No início, tais ocasiões ocorrem com
frequência; mas a força do zelo vigoroso, junto com a constância da atenção a
nós mesmos e ao nosso trabalho, e a sábia paciência em nossos esforços para
executá-lo, auxiliado pela graça divina, gradualmente tornam estas ocasiões
mais e mais raras. Finalmente o espírito faz-se tão forte que os ataques
daqueles que antigamente tinham influência sobre ele ficam como um grão de
pó lançado contra um muro de granito. O espírito habita sempre dentro de si
próprio, permanecendo diante de Deus; e pelo poder de Deus reina firme e
imperturbável.

TEÓFANO, O RECLUSO

Teoria e prática. Os perigos de muita leitura e fala


Aquele que busca o reino interno de Deus e uma comunhão viva com Ele
buscará, naturalmente, permanecer continuamente no pensamento de Deus.
Direcionando sua mente para Ele com toda sua força, seu único desejo será ler
apenas Dele, falar apenas Dele. Mas apenas estas ocupações não conduzirão até
aquilo que é buscado, a menos que sejam acompanhadas por outras atividades
mais práticas. Certo tipo de místico fala apenas destas ocupações: a razão é que
tais professores são pessoas de teoria e não de prática. Há algum exagero a esse
respeito nas instruções Católicas Romanas sobre a vida espiritual, e isto não é
desacompanhado de perigo.

Esta prática da leitura e da conversa sobre Deus, utilizada por si mesma, cria um
fácil hábito para as seguintes coisas: é mais fácil filosofar do que orar ou prestar
atenção sobre si. E desde que é um trabalho da mente, que cai tão facilmente no
orgulho, ela predispõe um homem a auto-estima. Pode, ao mesmo tempo,
esfriar o desejo por esforço prático e, consequentemente, entravar um sadio
progresso por um bajulador sucesso nesta atividade mental.

Por esta razão, professores de mentes saudáveis advertem seus pupilos do


perigo, e os aconselham a não preocuparem-se demasiadamente com tais
leituras e conversas em detrimento de outras coisas.

TEÓFANO, O RECLUSO

Não fique muito apegado a leitura

É errado tornar-se demasiadamente apegado à leitura. Não leva a nenhum bem


e constrói um muro entre o coração e Deus. Leva ao desenvolvimento de uma
danosa curiosidade e ao sofisma.

TEÓFANO, O RECLUSO

Encontrando o lugar do coração

Por fim o período de busca enfadonha se vai; o afortunado buscador recebe por
aquilo que procurava. Ele encontra o coração e se estabelece nele com sua
mente diante de Deus, e permanece diante Dele sem desviar-se, como faz um
leal súdito diante do Rei, recebendo Dele o poder e a força para governar toda
sua vida interior e exterior, de acordo com a boa vontade de Deus. Este é o
momento quando o reino de Deus entra nele e começa a manifestar-se em seu
natural vigor.

TEÓFANO, O RECLUSO

O reino de Deus dentro de nós; e a espiritualização da alma e


do corpo

Agora começa a tarefa de nos acostumarmos à oração espiritual ao Senhor. Os


primeiros frutos desta oração despertam nossa fé, a fé reforça nossos esforços
e multiplica seus frutos; e assim o trabalho segue de forma bem sucedida.
Se obtivermos este hábito de oração espiritual ao Senhor, descobriremos que
pela misericórdia de Deus o anseio interior por Ele nos vem mais
frequentemente. E, posteriormente, ficará claro que este envolvimento interior
será confirmado para sempre, e o homem habitará interiormente diante de
Deus sem cessar. Este é o estabelecimento do reino de Deus dentro de nós.
Mas permita-nos acrescentar que com isto chega também o início de um novo
ciclo de mudanças em nossa vida interior, que pode ser chamado de
espiritualização da alma e do corpo.

Do ponto de vista psicológico, sobre o reino de Deus deve ser dito isto: nasce em
nós quando a mente se une com o coração, ambos aderindo iguais e
resolutamente à lembrança de Deus.

O homem entrega ao Senhor sua consciência e liberdade como um sacrifício


que Lhe agrada, e recebe de Deus poder sobre si mesmo e, através desta força
recebida Dele, governa toda sua vida interna e externa como um vice-gerente de
Deus.

TEÓFANO, O RECLUSO

Um Professor dentro de você

Em vez de concentrarem-se sobre comportamentos externos, todos aqueles que


trabalham sobre si devem ter como suas metas serem atenciosos e vigilantes, e
caminhar na presença de Deus. Se Deus assim concede, aparecerá uma dor em
seu coração; então aquilo que deseja, ou mesmo algo ainda mais alto, virá por
si mesmo. Certo ritmo entrará em movimento por si próprio, em virtude do
qual tudo progredirá corretamente, coerentemente e na maneira apropriada,
sem que se pense a respeito. Então, você carregará um professor dentro de
você, muito mais sábio do que qualquer professor terreno.

TEÓFANO, O RECLUSO

O novo paraíso do coração

Muito trabalho e tempo são necessários na oração para, dolorosamente,


adquirir-se um estado de mente livre de toda perturbação – aquele novo
paraíso do coração no qual habita Cristo, como diz o Apóstolo: “Será que vocês
não reconhecem que Jesus Cristo está em vocês?” (2 Cor. xiii. 5).

JOÃO DE KARPATHOS [1]

Três espécies de comunhão com Deus

Pode parecer estranho que a comunhão com Deus ainda tenha que ser obtida
quando ela já nos foi dada no sacramento do batismo e renovada através do
sacramento da confissão, já que está dito: “Pois todos vocês, que foram
batizados em Cristo, se revestiram de Cristo.” (Gal. Iii. 27); “Vocês estão mortos
(isto é, mortos para o pecado através do batismo ou confissão), e a vida de vocês
está escondida com Cristo em Deus” (Col. iii. 3). E também sabemos que Deus
está em toda parte, que ele não está longe de cada um de nós, “...se, por ventura,
tateando, o possam achar” (Atos xvii. 27), e Ele está pronto para habitar em
qualquer um que esteja desejoso de aceitá-Lo. É somente por falta de vontade,
descuido e pecado que nos separamos Dele. Agora, se uma pessoa se
arrependeu e repudiou tudo, e assim entrega-se a Deus, qual é, então, o
obstáculo para que Deus venha a habitar nela? .

Para remover desentendimentos é necessário discriminar entre diferentes


tipos de comunhão com Deus. A comunhão começa no momento em que a
esperança é estimulada, e ela mostra-se ao lado do homem em um anseio e
aspiração verso a Deus, e por estar ao lado da boa vontade, auxílio e proteção
de Deus. Mas Deus ainda está do lado de fora do homem, e o homem do lado
de fora de Deus; eles não se interpenetram, nem entram um no outro. Nos
sacramentos do batismo e da confissão, o Senhor entra em um homem por Sua
graça, vividamente estabelece comunhão com ele e lhe dá um sabor de toda a
doçura do Divino, tão abundante e intensamente como aqueles que obtiveram
perfeita experiência dela; mas em seguida Ele novamente esconde esta
manifestação de Sua comunhão, renovando-a apenas de tempos em tempos – e
então mais ligeiramente, meramente como um reflexo, não mais como o
original. Isto deixa o homem em ignorância a respeito de Deus e a respeito de
Sua morada no homem, até que certa medida de maturidade ou educação
tenha sido obtida, de acordo com a sabedoria de Sua direção. Depois disto o
Senhor revela perceptivamente sua morada no espírito de um homem, que
então se torna um templo preenchido pelas Três Pessoas da Divindade.

Existem, de fato, três espécies de comunhão com Deus: uma primeira em


pensamento e intenção, que ocorre na época da conversão; e duas outras que
são atuais, das quais uma está oculta, invisível para os outros e desconhecida
para si, e a outra é evidente tanto para si como para os outros.

Toda nossa vida espiritual se consiste na transição da primeira espécie de


comunhão com Deus – em pensamento e intenção – para a terceira espécie –
uma comunhão real, viva e consciente.

TEÓFANO, O RECLUSO

Comunhão com Deus deve ser nosso constante estado

Seria errado pensar que já que a comunhão com Deus é a suprema meta do
homem, ela lhe seria concedida apenas nos últimos tempos, por exemplo, no
fim dos nossos trabalhos. Não, aqui e agora ela deve ser nosso constante e
incessante estado. Quando não temos a comunhão com Deus, e não O sentimos
dentro de nós, devemos reconhecer que fugimos de nossa meta e do caminho
escolhido para nós.

TEÓFANO, O RECLUSO

A graça entra através dos sacramentos da iniciação


Uma comunhão mística com nosso Senhor Jesus Cristo é concedida aos fiéis no
santo sacramento do batismo. No batismo e na crisma [2] a graça entra no
coração do Cristão, e depois disso permanece constantemente dentro dele,
ajudando-o a viver de um modo Cristão e a ir de esforço a esforço na vida
espiritual.

Todos nós que fomos batizados e crismados recebemos o dom do Espírito Santo.
Ele está em todos nós, mas Ele não está ativo em todos nós.

TEÓFANO, O RECLUSO

A graça e o pecado não moram juntos

O pecado é agora expulso da sua fortaleza e a bondade toma seu lugar, enquanto
que a força do pecado é fragmentada e dispersa.

‘A graça e o pecado não moram juntos na mente’, diz S. Diádocos, ‘no entanto,
diante do batismo a graça estimula a alma à bondade, de fora, enquanto que
Satã espreita em suas profundezas, empenhando-se para bloquear todos os
acessos da honestidade na mente; mas no exato momento em que renascemos o
demônio permanece fora e a graça habita dentro.’

TEÓFANO, O RECLUSO

Cristo vive dentro de nós através dos sacramentos

Você está fazendo árduos esforços para obter o hábito da Oração de Jesus. Possa
o Senhor abençoá-lo! Você deve acreditar que o Senhor Jesus Cristo está dentro
de nós – pelo poder do batismo e da sagrada comunhão, de acordo com Sua
promessa; pois Ele está unido conosco através destes sacramentos. Pois aqueles
que são batizados estão vestidos em Cristo, e aqueles que fazem a sagrada
comunhão recebem o Senhor: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue
vive em mim e eu vivo nele’ (João vi. 56), diz o Senhor. Apenas os pecados
mortais nos despojam desta grande misericórdia; e mesmo assim ela pode ser
recuperada por aqueles que se arrependem e vão à confissão, e depois recebem a
sagrada comunhão. Você deve acreditar nisto. Se sua fé é insuficiente, ore para
que Deus possa aumentá-la e estabelecê-la em você, firme e imperturbável.

TEÓFANO, O RECLUSO

Busquem a plenitude do Espírito

O Espírito da graça vive nos Cristãos desde a época do batismo e da crisma. E a


participação nos sacramentos de arrependimento e comunhão – não seria isto
a recepção do mais abundante fluxo de graça?

Para aqueles que já têm o Espírito é obviamente apropriado dizer: ‘Não


extingais o Espírito’ (I Tess. V. 19) . Mas como se pode dizer para tais pessoas:
‘Busquem a plenitude do Espírito’ (Efésios. v. 18)? A graça do Espírito Santo é
realmente dada para todos os Cristãos, porque tal é o poder da fé Cristã. Mas o
Espírito Santo, que vive nos Cristãos, não efetua a salvação deles por Si
Mesmo, mas trabalha junto com o livre arbítrio de cada indivíduo. Neste
sentido o Cristão pode ofender ou extinguir o Espírito – ou ainda pode
contribuir para a perceptível manifestação da ação do Espírito dentro dele.
Quando isto acontece, o Cristão sente que está em um extraordinário estado
que expressa a si mesmo em profundidade, doçura, calma alegria e algumas
vezes ascendendo ao regozijo do espírito: isto é o júbilo espiritual. Em
contraste com a embriaguez pelo vinho, o Apóstolo diz que não devemos
buscar o entusiasmo através do vinho, mas o regozijo que ele chama: ‘a
plenitude do Espírito’. [3] Portanto, o mandamento de ‘buscar a plenitude do
Espírito’ é simplesmente uma prescrição para comportar-se e agir de tal modo
para cooperar com o Espírito Santo ou dar-Lhe livre espaço, tornar possível
que o Espírito Santo manifeste-Se por perceptíveis toques no coração.

Nos escritos dos homens de Deus, que foram honrados com esta graça do
Espírito e que até viveram permanentemente sob sua influência, encontramos
que duas coisas, em particular, são requeridas de um homem para obter isto: ele
deve purificar seu coração das paixões, e dirigir-se a Deus em oração. O
Apóstolo Paulo sublinha estas duas coisas, como faz S. João Crisóstomo. A
oração, diz ele, permite que o Espírito Santo aja livremente no coração: ‘Aqueles
que cantam salmos, se plenificam com o Espírito.’ E ele fala, a seguir, da
purificação das paixões que conduz ao mesmo fim: ‘Está em nosso poder ser
plenificado com o Espírito?’ ele pergunta, ‘Sim, está em nosso poder. Quando
purificamos nossa alma da mentira, crueldade, fornicação, impurezas e cobiça,
quando nos tornamos bondosos de coração, compassivos, auto-disciplinados,
quando não há blasfêmia ou gracejos mal colocados em nós – quando nos
tornamos merecedores disto, então o que irá impedir o Espírito Santo de
aproximar-se e pousar dentro de nós? E Ele não só se aproximará, mas trará
plenitude ao coração.’

TEÓFANO, O RECLUSO

Tudo deve ser feito no seu devido tempo. Uma ascensão ordenada

O Senhor, tendo entrado em união com o espírito do homem, não


imediatamente o preenche completamente ou habita nele plenamente. Isto não
por qualquer relutância de Sua parte – pois Ele está pronto para preencher tudo
– mas por nossa causa: é porque as paixões ainda estão misturadas com os
poderes da nossa natureza, não ainda separadas deles e ainda não substituídas
pelas virtudes opostas.

Ao lutar com zelo contra as paixões devemos ter os olhos da mente


direcionados para Deus. Este é o primeiro princípio a ser mantido ao se
construir um modo de vida agradável a Deus. Através dele deveríamos testar a
retidão, ou a tortuosidade, das regras e dos feitos ascéticos que temos em mente
e empreendemos.

Esta necessidade de estar direcionado internamente a Deus deve ser


plenamente reconhecida, porque todos os erros na vida ativa parecem vir da
ignorância deste princípio. Não vendo sua relevância, algumas pessoas logo
param no estágio exterior dos exercícios devotos e esforços ascéticos, outros
logo param na prática habitual das boas ações, sem erguerem-se nada além.
Outros ainda tentam passar diretamente à contemplação. Todas estas coisas nos
são requeridas mas tudo deve ser feito no seu próprio tempo. No início, há
apenas uma semente, que em seguida se desenvolve – não exclusivamente, mas
em sua tendência geral – em uma forma de vida ou outra. É necessário
gradualidade – uma ordenada ascensão dos feitos externos aos internos e,
então, de ambos para a contemplação. Tal é sempre a sequência – e nunca ao
contrário.

TEÓFANO, O RECLUSO

A parábola do fermento

Lembre-se da parábola sobre o fermento escondido em três medidas de


farinha. O fermento não se faz notável de uma vez, mas permanece oculto por
certo tempo, então mais tarde sua ação torna-se manifesta, e finalmente ele
penetra toda a massa. Assim também o Reino dentro de nós é inicialmente
mantido em segredo, mais tarde ele se revela, e finalmente abre-se e aparece
em sua plena força. Ele se revela, como vimos anteriormente, através do
involuntário anseio por recolher-se e permanecer diante de Deus. Aqui a alma
não tem poder próprio, mas é movida por uma influência externa. Alguém a
toma e a conduz para dentro. É Deus, a graça do Espírito Santo, o Senhor e
Salvador: não importa qual você nomeie, o significado é um e o mesmo. Deus
mostra com isso que Ele aceita a alma e deseja tornar-se mestre dela, e ao
mesmo tempo Ele faz com que a alma se habitue à Sua maestria, revelando sua
verdadeira natureza. Até que este anseio apareça – e ele não aparece de uma
vez – o homem parece agir aparentemente por si mesmo; e embora ele, de fato,
esteja sendo auxiliado pela graça, esta ação permanece oculta para ele. Ele
eleva sua atenção e concebe boas intenções de estar dentro de si, de lembrar-se
de Deus, de expulsar maus e vãos pensamentos, e de completar todas as tarefas
de um modo que seja agradável a Deus; ele se esforça e luta até cansar, mas não
tem nenhum sucesso nesta empreitada. Seus pensamentos ficam distraídos,
movimentos da paixão o dominam por completo, há desordem e erro em seu
trabalho. Tudo isto é porque Deus ainda não revelou Sua maestria sobre a
alma. Mas tão logo isto aconteça (e acontece quando somos subjugados por
este mesmo anseio involuntário de recolher-se e permanecer diante de Deus),
imediatamente todas as coisas internas ficam em ordem – um sinal de que o
Rei está presente lá.

TEÓFANO, O RECLUSO

O habitar de Cristo e a morte da paixão carnal

S. João Crisóstomo escreve: ‘Você perguntará: “O que acontecerá se Cristo está


em nós?” “Se Cristo está em vocês, o corpo de vocês está morto para o pecado,
mas o espírito vive na retidão.” (Rom. viii 10). Você vê quanto mal surge por
não ter o Espírito Santo em si: morte, inimizade em relação a Deus, a
impossibilidade de Lhe agradar por submissão à Sua Lei, ou impossibilidade de
pertencer a Cristo e tê-Lo habitando em você. Veja também como é bom ter o
Espírito em si: realmente pertencer a Cristo, ter o Próprio Cristo dentro de si,
competir com os anjos! Pois ter um corpo que está morto para o pecado,
significa começar a viver na vida eterna, carregar dentro de si – mesmo aqui na
terra – a promessa da ressurreição e o poder que garante o avanço sobre o
caminho da virtude. Note que o Apóstolo não apenas disse que “o corpo está
morto”, mas acrescentou: “para o pecado”, de modo que se deveria entender
que são os pecados da carne e não o próprio corpo que está mortificado. Não é
do corpo como tal que fala o Apóstolo; ao contrário ele quer que o corpo,
embora morto, ainda permaneça vivo. Quando nossos corpos, no que diz
respeito às reações carnais, não diferem daqueles que estão nas tumbas, isto é
um sinal de que temos o Filho dentro de nós, e que em nós habita o Espírito".

Como a escuridão não pode permanecer diante da luz, assim tudo que é carnal,
apaixonado, ou pecaminoso, não pode permanecer diante de nosso Senhor
Cristo e Seu Espírito. Mas como a existência do sol não exclui o fenômeno da
escuridão, assim a presença do Filho e do Espírito dentro de nós não exclui a
existência de algo que é apaixonado e pecaminoso em nós, mas somente afasta a
sua força. Tão logo surge uma ocasião, os elementos apaixonados e
pecaminosos dão um passo à frente e se oferecem à nossa consciência e
vontade. Se nossa consciência presta atenção e se ocupa com eles, então nossa
vontade também dirigir-se-á a eles. Mas se, naquele momento, nossa
consciência e vontade atravessam para o lado do espírito e dirigem-se para
nosso Senhor Cristo e Seu Espírito, então tudo que é carnal e apaixonado
desaparecerá imediatamente como fumaça diante de um sopro de vento. Isto
significa que a carne está morta, impotente. Tal é a regra de vida geral para os
verdadeiros Cristãos; mas eles estão em estágios diferentes. Quando alguém
permanece resolutamente com sua consciência e vontade ao lado do Espírito,
em uma visível e tangível união com Cristo nosso Senhor em Seu Espírito,
então, naquele momento, nada que seja carnal ou apaixonado pode mostrar-se
tanto, nenhum tanto a mais do que a escuridão diante do sol ou o frio diante das
chamas. Num tal caso, a carne está bem morta e imóvel. É deste estágio que São
Paulo está falando no texto citado por S. João Crisóstomo. S. Macário do Egito
descreve este estágio frequentemente.

O curso geral a ser seguido na vida espiritual está bem descrito por S. Hesíquio.
A essência do seu ensinamento é este: quando a carne e a paixão surgem, afaste-
se deles com desdém, com desprezo, com inimizade; e dirija-se com oração para
nosso Senhor Cristo que está dentro de você – então o desejo carnal e
apaixonado imediatamente lhe deixará.

TEÓFANO, O RECLUSO

Três espécies de atividade: do intelecto, da vontade, do coração

Existem três espécies de atividade exercida pelos poderes da alma. Cada espécie
é, ao mesmo tempo, adaptada aos movimentos do espírito, e conduzem a um
tipo particular de sentimento espiritual. Cada uma conduz também ao
fortalecimento das condições iniciais para a constante interiorização. Estas
atividades são: a atividade intelectual que conduz a concentração da atenção; a
atividade da vontade que conduz à vigilância; a atividade do coração que conduz
à sobriedade. A oração abraça todas estas atividades de uma vez e as unem
todas, como explicamos antes. Estas atividades, penetrada por elementos
espirituais, conectam a alma com o espírito e fundem os dois juntos. Fica
manifesto, por isto, quão fundamentalmente necessário elas são, e quão
equivocados estão aqueles que as desconsideram. Tais pessoas são, elas
próprias, a causa do por que seus trabalhos permanecem infrutíferos; e então
elas rapidamente esfriam e isto é o fim de tudo.

TEÓFANO, O RECLUSO

Habitando no mundo de Deus

Se obtivermos uma constante interiorização, então também estaremos


capacitados a habitar no mundo de Deus. O reverso é igualmente verdadeiro:
quando esta morada em outro mundo torna-se habitual, somente então, uma
constante interiorização é assegurada.

TEÓFANO, O RECLUSO

Duas pré-condições essenciais – interioridade e visão

Se nossa mente e coração estão para ser conduzidos corretamente ao caminho


da salvação, existem duas pré-condições essenciais e inevitáveis – interioridade
e visão do mundo espiritual. A primeira condição introduz o homem numa
certa atmosfera espiritual e a segunda o planta lá mais firmemente, num clima
favorável à chama da vida. Portanto, pode ser dito que nós apenas temos que
produzir estes dois estados preparatórios, e o que segue virá por sua própria
conta. As pessoas frequentemente reclamam que o coração está endurecido, e
isto não é surpreendente. O homem não se recolhe internamente, e assim fica
desacostumado à ciência interna de si mesmo; ele fracassa em estabelecer-se
onde deveria, e não conhece o lugar do coração – assim, como sua vida e suas
atividades podem ser dirigidas corretamente? É como se alguém removesse o
coração do seu lugar e então exigisse que a vida continuasse.

TEÓFANO, O RECLUSO

O olho do espírito

O propósito do espírito, como suas manifestações mostram, é manter o homem


em contato com Deus e com a ordem divina das coisas, independentemente de
todos os fenômenos visíveis que o cercam e fluem fora dele. Para ser capaz de
cumprir tal propósito apropriadamente, o espírito deve estar naturalmente
dotado com conhecimento de Deus e da ordem divina, junto com o sentido de
uma forma de existência mais abençoada, que mostra a si mesma em uma falta
de contentamento com todas as coisas materiais. Esta visão espiritual existiu,
deve-se supor, no primeiro homem até a Queda. Seu espírito claramente viu
Deus e todas as coisas divinas – tão nitidamente quanto com olhos normais
vemos hoje um objeto diante de nós. Mas depois da Queda os olhos do espírito
foram fechados, e o homem não mais viu o que era natural para ele ver. O
próprio espírito permanece e tem olhos – mas estão fechados. Sua condição é
como aquela de um homem cujas pálpebras ficaram grudadas juntas. O olho
está intacto, ele tem sede de luz, ele anseia por ver a luz, sente que a luz existe;
mas as pálpebras, estando coladas, não permitem que o olho abra e entre em
direto contato com a luz. Obviamente, essa é a condição do espírito em um
homem desde a Queda. O homem tentou substituir a visão do espírito pela visão
da mente, por construções mentais abstratas, por ideologias; mas isto sempre
careceu de resultados, como podemos ver por todas as teorias metafísicas dos
filósofos.

TEÓFANO, O RECLUSO

Paraíso perdido e Paraíso recuperado

Então você começou a perceber o que significa a paz real. Glória a Deus! Então,
qual é o problema? Agora, você deve avançar no reino onde esta paz é
encontrada. Busque o Paraíso perdido, para cantar louvores ao Paraíso
recuperado. Isto é tudo o que importa. Todas as coisas externas e separadas
desta paz são vãs. E esta paz não está longe, está quase dentro do seu alcance,
embora você deva desejá-la, e desejar não é tão fácil. Possa a Mãe de Deus e seu
Anjo Guardião ajudarem você!

TEÓFANO O RECLUSO

Cultivando e guardando o jardim do Éden

O Senhor tomou o homem que Ele criou e ‘o colocou no jardim do Éden para o
cultivar e o guardar’ (Gen. ii. 15). Este mandamento para cultivar e guardar o
Paraíso deve ser entendido não apenas no sentido físico direto, mas também no
seu significado espiritual superior. Por ‘Paraíso’ os Santos Padres querem
significar a alma dos primeiros seres humanos, o lugar onde a mais abundante
graça divina habita e onde um grande número de variadas virtudes dão seus
frutos. Por ‘cultivar’ este jardim espiritual eles querem se referir àquilo que
mais tarde foi chamado ‘trabalho espiritual’, e pela ‘guarda’ desta atividade
interna referem-se à conservação da pureza já adquirida pela alma.

BISPO PEDRO [4]

A regra interior de Cristo, o Rei

O reino de Deus está dentro de nós quando Deus reina em nós, quando a alma
em suas profundezas confessa Deus como seu Mestre, e é obediente a Ele em
todos os seus poderes. Então Deus age dentro dela como mestre ‘tanto da
vontade como da ação, conforme sua benevolência’ (Filipenses ii. 13). Este reino
começa tão logo decidamos servir a Deus em nosso Senhor Jesus Cristo, pela
graça do Espírito Santo. Então o Cristão oferece a Deus sua consciência e
liberdade, que compreende a substância essencial de nossa vida humana, e Deus
aceita o sacrifício; e deste modo a aliança do homem com Deus e Deus com o
homem é obtida, e o pacto com Deus, que foi rompido pela Queda e continua
sendo rompido por nossos obstinados pecados, é restabelecido. Esta aliança
interna é selada, confirmada, concedendo a força para manter-se através do
poder da graça no divino sacramento do batismo e para aqueles que caíram após
o batismo, no sacramento do arrependimento; e depois disso é constantemente
fortalecida pela sagrada comunhão.

Todos os Cristãos vivem assim; e consequentemente todos eles carregam o


reino de Deus dentro deles próprios, o que significa dizer que eles obedecem a
Deus como um Rei e são governados por Deus como Rei.

Falando sobre o reino de Deus dentro de nós, deve-se sempre acrescentar: no


Senhor Jesus Cristo, pela graça do Espírito Santo. Esta é a marca do Cristão – o
reino de Deus dentro de nós. Deus é o Rei sobre todos, Ele é o Criador de todas
as coisas e em Sua Providência assiste sobre todas elas: mas Ele
verdadeiramente reina na alma e verdadeiramente é ali declarado como Rei,
somente depois do restabelecimento daquela união da alma com Ele, aquela que
foi rompida pela Queda. E esta união é efetuada pelo Espírito Santo no Senhor
Jesus Cristo, nosso Salvador.

TEÓFANO, O RECLUSO

Notas

[1] João, Bispo de Karpathos (uma ilha entre Creta e Rodes), escritor espiritual
grego do século VII.

[2] Crisma: de acordo com a prática da Igreja Ortodoxa, imediatamente após o


batismo o recém batizado é ungido com o Santo Crisma (myron). O sacerdote
faz o sinal da Cruz com o Crisma em várias partes do corpo, dizendo: "O selo do
dom do Espírito Santo". Este sacramento da crisma equivale à confirmação no
Ocidente.

[3] E não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos do
Espírito; Efésios 5:18

[4] Bispo Pedro (Ekaterinovski): Escritor espiritual russo do século XIX.


A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa - (Capítulo
V - ii) A União da Mente e o Coração

CAPÍTULO V
O REINO DO CORAÇÃO (por vários autores)

(ii) A União da Mente e o Coração

O depósito de todos os nossos pensamentos

Quando lutamos com diligente sobriedade para manter a vigilância sobre


nossas faculdades racionais, para controlá-las e corrigi-las, de que outro modo
podemos ser bem sucedidos nesta tarefa exceto recolhendo a mente, que está
dispersa no exterior através dos sentidos, e trazendo-a de volta para o mundo
interno, para o próprio coração, que é o depósito de todos os nossos
pensamentos?

S. GREGÓRIO PALAMAS

Fora está a morte: dentro está o reino

O reino do céu está dentro de você. Tanto quanto o Filho de Deus habita em
você, o reino do céu está dentro de você também.

Aqui dentro estão as riquezas do céu, se você as deseja. Aqui, Oh pecador, está o
reino de Deus dentro de você. Entre em si mesmo, busque mais avidamente e
você o encontrará sem grande labuta. Fora está a morte e a porta da morte é o
pecado. Entre dentro de si mesmo e permaneça em seu coração, pois ali está
Deus.

S. EFRAIM DA SÍRIA [1]

Ciscos de poeira

Você deve recolher-se dentro do seu coração e permanecer ali diante do Senhor.
Isto lhe revelará qualquer cisco de poeira. Ore, e possa Deus conceder sua prece.

TEÓFANO, O RECLUSO

Vigie o coração com discernimento

Atenção sobre aquilo que acontece no coração e sobre aquilo que sai dele é o
principal trabalho de uma vida Cristã bem-ordenada. Através desta atenção o
interior e o exterior são levados a uma devida relação um com o outro. Mas a
esta vigilância o discernimento sempre deve ser adicionado, de modo que nós
possamos entender corretamente o que acontece internamente e o que é
requerido pela circunstância externa. A atenção é inútil sem discernimento.

TEÓFANO, O RECLUSO

Cuidado com a imaginação [2]

Na ordem natural das coisas, quando tentamos trazer nossos poderes


espirituais sob controle, o caminho de fora para dentro é bloqueado pela
imaginação. Para chegar com sucesso ao nosso objetivo interno, devemos viajar
com segurança através da imaginação. Se formos descuidados a este respeito
podemos nos apegar à imaginação e permanecer ali, sob a impressão que
chegamos dentro, quando de fato estamos apenas do lado de fora da entrada,
como se estivéssemos na corte dos gentios. Em si mesmo isto não tem muita
importância, não fosse este estado quase sempre acompanhado por auto-
engano.

É bem sabido que o pleno propósito daqueles que são zelosos na vida espiritual,
é colocá-los na correta relação com Deus: e esta correta relação é realizada e
tornada manifesta na oração. A oração é o caminho de ascensão a Deus e seus
estágios são os estágios da aproximação do nosso espírito a Deus. Na oração a
regra mais simples é não formar imagem de nada: recolhendo a mente dentro
do coração permaneça na convicção que Deus está perto, que Ele vê e ouve, e
nesta convicção prostre-se diante Dele que é terrível em Sua majestade e ao
mesmo tempo muito íntimo em Sua amável bondade em relação a nós. As
imagens, não importando quão sacras possam ser, retêm a atenção do lado de
fora, quando no momento da oração a atenção deve estar dentro – no coração. A
concentração da atenção no coração – este é o ponto de partida para a
verdadeira oração. E uma vez que a prece é o caminho de ascensão a Deus, se
nossa atenção desvia do coração significa que estamos desviando do caminho e
deixando de ascender a Ele.

TEÓFANO, O RECLUSO

Desça da sua cabeça ao seu coração

Você deve descer da sua cabeça ao seu coração. No momento, seus pensamentos
a respeito de Deus estão em sua cabeça. E Deus Ele Próprio está, por assim
dizer, fora de você, de modo que assim sua oração e outros exercícios espirituais
permanecem externos. Enquanto você ainda estiver em sua cabeça os
pensamentos não serão facilmente conquistados mas sempre estarão girando ao
redor, como neve no inverno ou nuvens de mosquitos no verão.

Neste estágio a solidão e a leitura são dois rápidos auxiliares.

TEÓFANO, O RECLUSO
Uma feira de rua abarrotada

Quando você ora com sentimento, onde está a sua atenção se não no coração?
Adquira sentimento e você também obterá atenção. A cabeça é uma feira de
rua abarrotada: não é possível orar a Deus lá. Se às vezes a oração vai bem e
segue por si mesma, este é um bom sinal. Significa que ela começou a ser
transplantada ao coração. Proteja seu coração de apegos; tente lembrar-se de
Deus, vendo-O diante de você e trabalhando diante de Sua face.

TEÓFANO, O RECLUSO

No coração está a vida e você deve viver lá

Eu me lembro da sua carta que conta que você fica com dor de cabeça quando
tenta agarrar-se à sua atenção. Sim, se você trabalhar somente com a cabeça é
isto o que acontecerá; mas quando você descer ao coração não haverá, de
fato, nenhuma fadiga nervosa. A cabeça se tornará vazia e haverá um fim dos
pensamentos. Eles estão sempre na cabeça, perseguindo um ao outro, e não é
possível controlá-los. Mas se você entra no coração, e é capaz de permanecer
dentro dele, então a cada vez que os pensamentos começam a lhe confundir,
você tem apenas que descer ao coração e os pensamentos irão lhe abandonar.
Será um refúgio confortável e seguro. Não seja preguiçoso em relação a esta
descida. No coração está a vida e você deve viver lá. Não pense que isto é algo
que só os perfeitos tentam. Não. É para qualquer um que começou a buscar o
Senhor.

TEÓFANO, O RECLUSO

Todo o secreto mistério da vida espiritual

Como deveríamos interpretar a expressão: “concentrar a mente no coração”?


A mente é onde está a atenção. Concentrar a mente no coração significa
estabelecer a atenção no coração e mentalmente ver diante de você o sempre-
presente e invisível Deus; significa virar-se para Ele com aprovação,
agradecimento e petição, ao mesmo tempo em que se vigia para que nada de
estranho possa entrar no coração. Aqui está todo o mistério secreto da vida
espiritual.

O desafio ascético mais importante é proteger o coração dos movimentos


apaixonados e a mente dos pensamentos apaixonados. Você deve olhar para o
coração e expulsar dele tudo que está incorreto. Faça tudo que está prescrito e
então você quase será uma monja, ou talvez uma monja por completo. Mesmo
fora de um convento pode-se ser uma monja se a pessoa vive como uma monja,
enquanto que mesmo num convento uma monja pode ser uma mulher leiga.

TEÓFANO, O RECLUSO

O eremitério do coração. Diferentes tipos de sentimentos na oração

Você sonha com um eremitério. Mas você já tem seu eremitério, aqui e agora!
Sente-se quieto e invoque: “Senhor, tem piedade”. Quando você está isolado do
resto do mundo, como você cumprirá a vontade de Deus? Simplesmente
preservando dentro de você o correto estado interior. E o que é isto? É um
estado de incessante lembrança de Deus com temor e sincera devoção, junto
com a lembrança da morte. O hábito de caminhar diante de Deus e mantê-Lo
na lembrança – tal é o ar que respiramos na vida espiritual. Criados como
somos à imagem de Deus, este hábito deveria existir em nosso espírito
naturalmente: se ele está ausente, isto é porque nos afastamos de Deus. Como
resultado desta queda, temos que lutar para adquirir o hábito de caminhar
diante de Deus. Nossa luta ascética consiste, essencialmente, no esforço para
permanecer conscientemente diante da face do Deus sempre-presente; mas
existem também várias atividades secundárias que também formam parte da
vida espiritual. Aqui também há trabalho a ser feito de modo a direcionar estas
atividades para suas verdadeiras metas. Leitura, meditação, prece, todas as
nossas ocupações e contatos devem ser conduzidos de tal modo que não
maculem ou perturbem a lembrança de Deus. O assento de nossa consciência e
atenção deve estar concentrado nesta lembrança de Deus.

A mente está na cabeça e os intelectuais sempre vivem na cabeça. Vivem na


cabeça e sofrem de incessante turbulência dos pensamentos. Esta turbulência
não permite que a atenção se estabeleça sobre qualquer coisa. Nem a mente
pode, quando está na cabeça, habitar constantemente no pensamento único de
Deus. Todo tempo ela fica fugindo. Por esta razão, aqueles que querem
estabelecer o pensamento único de Deus dentro deles próprios são aconselhados
a deixar a cabeça e descer com suas mentes aos seus corações, e permanecer ali
com a atenção sempre presente. Somente então, quando a mente estiver unida
com o coração, é possível esperar ter sucesso na lembrança de Deus.

Esta, portanto, é a meta que você deveria colocar agora diante de você e em
direção à qual você deveria começar a avançar. Não pense que esta meta está
além de sua força; mas também não pense que é tão fácil que baste apenas
desejá-la e imediatamente ela se cumprirá. O primeiro passo para atrair a
mente ao coração é, essencialmente, estar motivado com simpatia, entrando
com seus sentimentos nos significados das orações que você lê ou escuta; pois
são os sentimentos do coração que normalmente dominam a mente. Se você dá
este primeiro passo como se deve, estes sentimentos irão se modificar de acordo
com o conteúdo das orações. Mas além deste primeiro tipo de sentimentos,
existem outros, muito mais poderosos e mais arrebatadores – sentimentos que
capturam tanto nossa consciência como o coração, acorrentando a alma e não
lhe dando nenhuma liberdade para continuar lendo, pois reivindica sua atenção
inteiramente para eles próprios. Estes são sentimentos especiais e, tão logo eles
nasçam, a alma também dá nascimento às orações que são de sua própria
progenitura. Você nunca deve interromper estes sentimentos e orações
especiais que nascem no coração – não siga, por exemplo, a leitura, mas pare-a
de uma vez – pois você deve deixá-los livres para verterem-se até que estejam
esgotados e a emoção retorne ao nível dos sentimentos mais comuns que
ocorrem durante a prece. Esta segunda forma de oração é mais poderosa que a
primeira, e envia a mente para baixo no coração mais rapidamente. Mas ela
somente pode agir depois da primeira forma, ou junto com ela.

TEÓFANO, O RECLUSO
Nossos corações ficam inquietos até que repousam em Ti

Pode ser que em seu caso Deus peça por uma derradeira entrega de seu coração,
e seu coração anseie por Deus. Pois sem Deus ele nunca está contente,
permanecendo insatisfeito para sempre. Examine-se deste ponto de vista.
Talvez você encontrará aqui a porta para o local da morada de Deus.

TEÓFANO, O RECLUSO

A sala de recepção do Senhor

Você busca o Senhor? Busque, mas apenas dentro de si mesmo. Ele não está
longe de ninguém. O Senhor está perto de todos aqueles que verdadeiramente
O invocam. Encontre um lugar em seu coração e fale ali com o Senhor. É a sala
de recepção do Senhor. Todos aqueles que encontram o Senhor, O encontram
ali; Ele não fixou nenhum outro local para encontrar as almas.

TEÓFANO, O RECLUSO

Atenção interior e solidão no coração

Você conserva a atenção interior e a solidão no coração. Possa o Senhor ajudar-


lhe a sempre permanecer assim. Esta é a coisa mais importante em nossa vida
espiritual. Quando a consciência está dentro do coração, ali também está o
Senhor; e assim os dois tornam-se unidos e o trabalho de salvação progride
com sucesso. A entrada é bloqueada por maus pensamentos e, ainda mais, por
emoções e estados de humores. O Nome do Senhor, Ele mesmo, dispersa tudo
que é estranho ao coração e atrai tudo que é semelhante.

O que você deve temer mais que tudo? Auto-satisfação, auto-apreciação, auto-
orgulho e todas as outras coisas que começam com eu próprio.

Trabalhe na sua salvação com temor e tremor. Acenda e mantenha um


espírito contrito, um humilde e contrito coração.
TEÓFANO, O RECLUSO

Um sentimento de calorosa ternura

Durante a prece, é essencial que o espírito tenha que se unir com a mente, e
que eles tenham que recitar a oração juntos; mas na medida em que a mente
trabalha com palavras, proferindo-as seja mentalmente ou em voz alta, o
espírito age através de um sentimento de calorosa ternura ou lágrimas. A união
dos dois é concedida no devido tempo; mas para o iniciante é suficiente se o
espírito simpatiza e coopera com a mente. Se a atenção é mantida pela mente, o
espírito fica confinado a sentir um verdadeiro calor e ternura. O espírito é
algumas vezes chamado de coração, assim como a mente é algumas vezes
denominada como cabeça.

BISPO INÁCIO
Oração da mente, do coração, e da alma

A oração é chamada ‘da mente’, quando é recitada pela mente com profunda
atenção e com a solidariedade do coração. A oração é chamada ‘do coração’,
quando recitada pela mente unida com o coração, quando a mente desce como
se estivesse no coração e envia ao alto, das suas profundezas, a prece. A oração é
chamada ‘da alma’, quando ela vem de toda a alma, com a participação do
próprio corpo – quando é oferecida pelo ser inteiro, que se torna por assim
dizer o porta-voz da prece.

Os Santos Padres em seus escritos incluem frequentemente sob o termo ‘oração


da mente’ ou ‘oração mental’, tanto a oração do coração como a oração da alma.
Mas algumas vezes eles os distinguem. Assim, S. Gregório do Sinai disse: ‘Clame
incessantemente com a mente, ou com a alma.’ Mas em nossos dias, quando o
ensinamento oral sobre este tema diminui enormemente, é muito útil conhecer
as distinções entre as definições. Em algumas pessoas a oração da mente é mais
ativa, em outras a oração do coração, ainda em outras a oração da alma: tudo
depende como cada qual é presenteado, seja naturalmente ou através da graça,
pelo Doador de todos os bens. Mas algumas vezes no mesmo lutador ascético
podem tornar-se ativas primeira uma oração e depois outra. Muito
frequentemente, na verdade na maioria dos casos, tal oração é acompanhada
por lágrimas.

BISPO INÁCIO

Como chegar ao discernimento dos pensamentos

Para você, o caminho da salvação ainda está obscuro. Leia os primeiros


parágrafos de Filoteu do Sinai [3] na Filocalia, e veja o que é dito lá. Um ato é
requerido – e este é tudo: pois este único ato carrega todas as coisas juntas e
mantém tudo em ordem. Tente organizar-se como Filoteu orienta, e você
receberá a correta ordem interna, como claramente perceberá. Este único ato
é manter-se com atenção em seu coração, e permanecer lá diante de Deus em
adoração. Este é o início da sabedoria espiritual.

Você deseja ficar sábio a respeito do discernimento de pensamentos. Desça da


cabeça ao coração. Então, verá todos os pensamentos claramente, como se
movessem diante do olho da afiada visão de sua mente. Mas até que você
desça ao coração, não espere possuir uma devida discriminação de
pensamentos.

TEÓFANO, O RECLUSO

O que significa estar com a mente no coração

Você pergunta o que significa estar com a mente no coração? Significa isto. Você
sabe onde o coração está? Como saber isto pode ajudá-lo tendo uma vez
aprendido? Então, esteja ali com a atenção e permaneça firmemente dentro, e
você fará com que sua mente esteja no coração. A mente é inseparável da
atenção; onde uma está a outra estará.
Você escreveu que com frequência sente um fogo em seu coração quando lê o
hino Acatiste ao nosso dulcíssimo Senhor Jesus. Faça, então, com que sua
atenção esteja no lugar onde sente este fogo; e permaneça ali, não somente
durante a oração mas em todos os outros momentos. Não é suficiente apenas
pôr-se em oração: você deve se colocar em oração com a ciência de que está
defrontando-se com o Senhor, que está diante do Seu olho que tudo vê, que
penetra as profundezas secretas do coração; e para ficar assim esforce-se para
ter algum caloroso sentimento em relação a Deus: de temor, amor, esperança,
devoção, contrição carregada de dor, ou algo similar a estas coisas. Este é o
princípio básico da ordem interior. Vigie, e tão logo veja que esta ordem é
perturbada, apresse-se em restaurá-la.

TEÓFANO, O RECLUSO

Encontrando o lugar do coração

Quando lemos nos escritos dos Padres sobre o lugar do coração que a mente
encontra através da oração, devemos compreender por isto a faculdade
espiritual que se encontra no coração. Colocada pelo Criador na parte superior
do coração, esta faculdade espiritual distingue o coração humano do coração
dos animais: pois os animais têm a faculdade da vontade ou desejo, e a
faculdade do ciúme ou fúria, na mesma medida que o homem. A faculdade
espiritual no coração manifesta-se – independentemente do intelecto – na
consciência ou ciência de nosso espírito, em temor a Deus, em amor espiritual
para com Deus e nossos vizinhos, em sentimentos de arrependimento,
humildade, ou mansidão, em contrição de espírito ou profunda tristeza por
nossos pecados, e em outros sentimentos espirituais; todos os quais sendo
estranhos aos animais. A faculdade intelectual na alma do homem, embora
espiritual, habita no cérebro, isto é, na cabeça: do mesmo modo a faculdade
espiritual que denominamos por espírito do homem, embora espiritual, habita
na parte superior do coração, perto do mamilo esquerdo do peito e um pouco
acima dele. Assim a união da mente com o coração é a união dos pensamentos
espirituais da mente com os sentimentos espirituais do coração.

BISPO INÁCIO

O coração é o homem profundo

O coração é o homem profundo ou espírito. Aqui estão localizadas a ciência de


si, a consciência, a idéia de Deus e da própria e completa dependência Dele, e
todos os eternos tesouros da vida espiritual.

TEÓFANO, O RECLUSO

Não pergunte como

Onde está o coração? Onde a tristeza, a alegria, a raiva, e outras emoções são
sentidas, aí está o coração. Fique lá com atenção. O coração físico é um pedaço
de carne muscular, mas não é a carne que sente e sim a alma; o coração carnal é
como um instrumento para estes sentimentos, assim como o cérebro serve de
instrumento para a mente. Fique no coração, com a fé que Deus também está
ali, mas perguntar -se como Ele está ali, isto não é para especulação. Ore e
suplique para que no devido tempo o amor por Deus possa avivar-se dentro de
você pela Sua graça.
TEÓFANO, O RECLUSO

O homem oculto do coração

O espírito da sabedoria e da revelação e um coração que é limpo são dois


problemas diferentes; o primeiro é do alto, de Deus, o ultimo é de nós mesmos.
Mas no processo de obtenção da compreensão Cristã eles estão
inseparavelmente unidos e esta compreensão não pode ser ganha, a menos que
ambos estejam presentes conjuntamente. O coração sozinho, a despeito de
toda purificação – se é possível a purificação sem a graça – não nos dará
sabedoria; mas o espírito da sabedoria não virá a nós a menos que tivermos
preparado um puro coração para ser seu lugar de morada.

Aqui, o coração deve ser entendido não no seu significado comum, mas no
sentido do ‘homem interior’. Temos dentro de nós um homem interior, de
acordo com o Apóstolo Paulo, ou um homem oculto do coração, de acordo com
o Apóstolo Pedro. É o espírito de Deus que foi soprado no primeiro homem e
permanece continuamente conosco, mesmo depois da Queda. Ele mostra-se no
temor a Deus que se funda na certeza da existência de Deus e na ciência de
nossa completa dependência Dele, nos movimentos da consciência e em nossa
falta de contentamento com tudo que é material.

TEÓFANO, O RECLUSO

A alavanca que controla tudo

A alavanca que controla todas as nossas atividades é o coração. Aqui são


formadas as convicções e simpatias que determinam a vontade e dão força a
ela.

TEÓFANO, O RECLUSO

A vida do coração

Ninguém tem poder para comandar o coração. Ele vive sua própria vida
especial. Ele se regozija de si mesmo, é triste de si mesmo; e ninguém pode
fazer qualquer coisa a este respeito. Apenas o Mestre de tudo, sustentando
tudo na Sua mão direita, tem poder para entrar no coração, para colocar
sentimentos nele independentemente de suas correntes naturalmente
mutáveis.

TEÓFANO, O RECLUSO
Estamos em casa no coração

Congratulações pelo seu seguro retorno! Sua própria casa é um paraíso depois
de uma ausência. Todos sentem o mesmo a esse respeito. Exatamente o mesmo
sentimento chega a nós quando, depois da distração, retornamos à atenção e à
vida interna. Quando estamos no coração estamos em casa; quando não
estamos no coração estamos desabrigados. E é a esse respeito acima de todas
as coisas que devemos nos inquietar.

TEÓFANO, O RECLUSO

O propósito pelo qual o homem foi criado

Não se deve estar sem trabalho por um único momento. Mas há trabalho
executado pelo corpo, visivelmente, e há trabalho que é feito mentalmente,
invisivelmente. E é este segundo tipo que se constitui como trabalho real. Ele
consiste primariamente na incessante lembrança de Deus, com a oração da
mente no coração. Ninguém o vê, ainda que aqueles que estão neste estado
trabalhem com incessante vigor. Esta é a única coisa necessária. Uma vez que
está ocorrendo, não se preocupe a respeito de qualquer outro trabalho.

O primeiro decreto divino a respeito do homem é que ele deve estar numa viva
união com Deus, e esta união consiste em viver em Deus com a mente no
coração: assim, de qualquer um que almeje tal vida e, ainda mais, de qualquer
um que participe dela em alguma extensão, pode ser dito que ele cumpre o
propósito na vida para a qual foi criado. Aqueles que buscam esta união viva
deveriam compreender o que estão tentando fazer, e não ficar perturbados pelas
suas carências de obtenções em quaisquer feitos externos especialmente
importantes. Este trabalho por si mesmo engloba todas as outras ações.

TEÓFANO, O RECLUSO

União com o Senhor

Todo verdadeiro Cristão sempre deve lembrar e nunca deve permitir-se


esquecer que é indispensável que ele esteja unido com Nosso Senhor o Salvador
em todo seu ser; permitir que o Senhor habite em sua mente e em seu coração,
e começar a viver de acordo com Sua mais sagrada vida. O Senhor apropriou-se
de nossa carne e nós devemos apropriar-se de Sua carne e Seu Espírito todo-
santo, aceitando-os e apegando-se a eles para sempre. Somente tal união com
Nosso Senhor nos dará aquela paz e boa vontade, aquela luz e vida que
perdemos no primeiro Adão, agora renovadas dentro de nós pelo segundo
Adão, o Senhor Jesus Cristo. E o caminho mais certo para obter esta união com
o Senhor, próxima a comunhão de Sua Carne e Sangue, é a interna Oração de
Jesus.

BISPO JUSTINO

Alguém que está sempre presente


“Eu estou tentando tomar coragem.” Possa Deus lhe ajudar! Mas não
negligencie a coisa mais importante que é estar concentrado com a mente no
coração. Dirija todos os seus esforços principalmente para isto. A única
maneira é tentar ficar com a atenção no coração, lembrando-se da onipresença
de Deus e que Seu olho enxerga seu coração. Acredite firmemente que, embora
possa estar sozinho, você sempre tem – não apenas perto, mas dentro de você –
alguém que está sempre presente, olhando e vendo tudo que está em você. O
que lhe escrevi a respeito de recitar a Oração de Jesus muitas vezes num dia,
provará ser um poderoso meio em direção a este fim. Faça isto por dez a quinze
minutos por vez; e é melhor ficar na posição da prece, fazendo prostrações da
cintura ou não - como melhor preferir. Trabalhe nesta maneira e ore a Deus
para que Ele possa finalmente lhe conceder, no fim, o conhecimento do que
significa ter uma ‘dor’ no coração, como o stárets Parthenii coloca. Isto não é
dado de uma vez. Tomará um ano de trabalho concentrado, ou talvez mais,
antes que quaisquer traços dele comecem a aparecer. Possa o Senhor lhe
abençoar neste trabalho e neste caminho; não pense nisto como uma atividade
secundária, mas a considere como seu principal trabalho.

TEÓFANO, O RECLUSO

Permanecendo diante do Senhor invisível

Ficar de guarda sobre o coração, estar com a mente no coração, descer da


cabeça ao coração – todas estas indicações são uma única e mesma coisa. A
essência do trabalho reside na concentração da atenção e na permanência
diante do Senhor invisível, não na cabeça mas dentro do peito, perto do coração
e no coração. Quando chegar o calor divino, tudo isto ficará claro.

TEÓFANO, O RECLUSO

Concentrado dentro de si mesmo

Esteja concentrado dentro de si mesmo e tente não deixar o coração, pois o


Senhor está lá. Busque este estado e trabalhe por ele. Quando você o tiver obtido
perceberá quão precioso ele é.

TEÓFANO, O RECLUSO

Um bebê nos braços de sua mãe

O fato de que você seja guiado por sentimentos ou que você tenha sentimentos
espirituais em geral, ainda não significa que você esteja permanecendo
firmemente com a atenção no coração. Quando este último estado é obtido,
então, a mente permanece no coração incessantemente, ficando diante de
Deus com temor e piedade e não tendo desejo de mover-se dali: não mais do
que um bebê deseja mover-se quando envolto pelos braços de sua mãe. Possa o
Senhor lhe ajudar a alcançar este ponto.

TEÓFANO, O RECLUSO
A Oração de Jesus une a mente com o coração

Toda sua desordem interior é devida à desarticulação de seus poderes, a mente e


o coração indo cada um pelo seu próprio caminho. Você deve unir a mente com
o coração: então o tumulto dos seus pensamentos cessará e você obterá um leme
para guiar o barco da sua alma, uma alavanca com a qual colocar todo seu
mundo interior em movimento. Como esta união pode ser obtida? Torne um
hábito orar estas palavras com a mente no coração: “Senhor Jesus Cristo, Filho
de Deus, tem piedade de mim.” E esta oração, quando tiver aprendido a usá-la
apropriadamente, ou melhor, quando ela for transplantada ao coração, o
conduzirá ao fim que deseja: ela unirá sua mente com seu coração, ela irá conter
a turbulência de seus pensamentos e lhe dará poder para governar os
movimentos de sua alma.

TEÓFANO, O RECLUSO

A piscina de Betesda

Na medida em que um estado de desordem interna prevalece dentro de nós, o


trabalho da oração pode estar presente mas o coração está quase sempre frio,
muito raramente movendo-se para a oração calorosa e fervente. Quando esta
confusão interna é eliminada, por outro lado, o calor da prece é constante e há
apenas um esfriamento ocasional; e este é logo subjugado por uma paciente
permanência na ordem de vida e nas ocupações que acendem o sentimento
caloroso. Há também uma grande diferença na atitude do coração em relação
aos ataques da vaidade e das paixões. Quem está livre deles? Mas na condição
anterior eles entravam no coração, dele tomavam posse, e (como se por força)
capturavam suas simpatias, de modo que o coração se tornava continuamente
corrompido, encontrando prazer em pensamentos pecaminosos, ainda que neste
estado não houvesse atos pecaminosos. Na condição presente, quando estes
mesmos ataques se aproximam, o guardião – a atenção – fica permanentemente
na entrada do coração e, em Nome de Senhor Jesus, repele os inimigos; sendo
que apenas raramente o inimigo é bem sucedido na sutil insinuação de alguma
tentação favorita. Esta, entretanto, é imediatamente percebida, vindo a ser
expulsa e o coração purificado por arrependimento, de modo que nenhum
vestígio dela permanece.

Durante o período de busca, antes de alcançarmos este estágio, passamos anos


sentados na beira d’água, chorando como o homem da piscina de Betesda: “Não
tenho ninguém que me ponha no tanque” (João v. 7). Oh, quando a salvação de
Israel virá para colocar-nos na piscina que dá a vida! Como é possível que Ele,
aceito por nós internamente, possa nos fazer definhar desta maneira? A falta é
nossa: Ele está, de fato, dentro de nós, mas nós mesmos não ficamos diante Dele
em Sua presença. Portanto, devemos retornar para dentro de nós mesmos e
encontrá-Lo lá. Lemos o suficiente, agora devemos agir; nós observamos o
suficiente como os outros caminham, agora devemos nós mesmos caminhar.

TEÓFANO, O RECLUSO
O cumprimento dos mandamentos – antes e depois da união
da mente e do coração

O cumprimento dos mandamentos que ocorrem antes da união da mente com o


coração, é diferente do cumprimento dos mandamentos que ocorrem depois.
Antes da união, o lutador ascético cumpre os mandamentos com o maior labor,
tendo que forçar-se e compelir sua natureza decaída. Mas uma vez que esta
união é adquirida, o poder espiritual que une sua mente com o coração, por si
só o atrai para cumpri-los, fazendo disto algo confortável, fácil e prazeroso de
ser feito. ‘Correrei o caminho dos teus mandamentos, quando alargares o meu
coração’, como disse o Salmista (Sl. cxix. 32)

BISPO INÁCIO

A coisa essencial na oração

A coisa essencial é unir a mente com o coração na prece. Consegue-se isto pela
graça de Deus no tempo apropriado e por Ele Próprio determinado. Nossas
primeiras técnicas foram completamente substituídas pelo tranquilo
pronunciamento da Oração; deve haver uma curta pausa após cada prece, a
respiração deve ser calma e sem pressa e a mente deve estar encerrada nas
palavras da oração. Com tais métodos, podemos obter facilmente certo grau de
atenção. Muito rapidamente o coração começa a sentir-se em simpatia com a
atenção da mente que ora. A concórdia do coração e da mente começa pouco a
pouco a ser transformada na união da mente com o coração, e o caminho da
oração recomendado pelos Padres virá assim a estabelecer-se automaticamente.
Métodos mecânicos de espécie física são sugeridos pelos Padres, exclusivamente,
como um meio de obter a atenção na prece de forma mais rápida e fácil; mas não
como algo essencial.

BISPO INÁCIO

O lugar dos métodos mecânicos

A parte indispensável e essencial da prece é a atenção. Sem atenção não há


prece. A atenção verdadeira, plena de graça, vem da mortificação do coração em
relação ao mundo. Métodos mecânicos sempre permanecem como algo
secundário – simples meios em relação a um fim. Os mesmos Santos Padres
que sugerem introduzir a mente no coração em conjunção com a respiração,
dizem que quando a mente adquiriu o hábito de estar unida com o coração – ou
mais corretamente, quando esta união é obtida pelo dom e pela ação da graça –
a mente não mais necessita da ajuda destes métodos mecânicos para tal união;
mas simplesmente por si mesma, pelo seu próprio movimento, une-se com o
coração.

BISPO INÁCIO

A maneira de respirar

A descida da mente ao coração por meio da maneira de respirar é sugerido para


o caso daqueles que não sabem onde concentrar sua atenção ou onde está o
coração; mas se você souber, sem esse método, como encontrar o coração,
escolha seu próprio caminho até lá. Apenas uma coisa importa: estabelecer-se no
coração.

TEÓFANO, O RECLUSO

Tesouro oculto

Possa o Senhor lhe ajudar a ser plenamente vivo e preservar a sobriedade. Mas
não se esqueça da coisa principal: unir a atenção e a mente com seu coração e
permanecer lá, incessantemente, diante do Senhor. Todo esforço que você faz na
oração deve dirigir-se a isto. Ore ao Senhor de modo que Ele possa dar-lhe esta
benção: é o tesouro escondido no campo, a pérola de valor inestimável.

TEÓFANO, O RECLUSO

Notas

[1] São Efraim da Síria (c. 306-73): escritor dogmático e ascético, autor de
muitos hinos e comentários sobre a Bíblia. Suas obras, originalmente
compostas em siríaco, foram traduzidas para o grego muito cedo.

[2] Para o significado de "imaginação" nesta e em outras passagens paralelas,


veja a introdução do Bispo Kallistos Ware.

[3] São Filoteu do Sinai: Escritor espiritual grego do século VII - VIII, muito
influenciado por São João Clímaco.
A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa
- (Capítulo VI - i) Guerra com as paixões

CAPÍTULO VI

GUERRA COM AS PAIXÕES

(i) GUERRA COM AS PAIXÕES (de vários autores)

Um remédio que cura todas as paixões

Devemos saber que a constante invocação do Nome de Deus é um remédio que


cura não somente todas as paixões mas também seus efeitos. Como um médico
aplica um curativo ou uma pomada na ferida do paciente, e eles produzem
efeito embora o paciente ele próprio não saiba como isto acontece, assim o
Nome de Deus, quando invocado, mata todas as paixões, embora não saibamos
como.

S. BARSANÚFIO E JOÃO

Foge para o refúgio no Nome

Meu irmão, as paixões são aflições; e assim o Senhor não nos excomunga por
causa delas, mas ele diz: “invoca-me no dia da angústia; eu te livrarei, e tu me
glorificarás.” (Sl. l 15.) [1] Portanto, quando assaltado por qualquer tipo de
paixão, não há nada mais útil do que invocar o Nome de Deus. Tudo o que
podemos fazer, fraco como somos, é fugir para o refúgio no Nome de Jesus.
Pois as paixões, sendo demônios, recuam se este Nome é invocado.

S. BARSANÚFIO E JOÃO

Os quatro degraus da escada

Lembre-se do sábio ensinamento de S. João da Escada. Ele descreve o caminho


da nossa ascensão a Deus na forma de uma escada com quatro degraus.
Algumas pessoas, diz ele, domam suas paixões; outras cantam, isto é, oram
com seus lábios; um terceiro grupo pratica a oração interior; finalmente um
quarto eleva-se para ter visões. Aqueles que querem subir por estes quatro
degraus não podem começar do topo, mas devem começar de baixo; eles devem
pisar no primeiro degrau e subir ao segundo, então ao terceiro, e finalmente ao
quarto. Por esta escada todos podem subir ao céu. Primeiro você deve trabalhar
em domar e reduzir as paixões; então praticar a salmodia – em outras palavras,
obter o hábito da prece oral; depois disto, praticar a oração interior; e assim,
por ultimo, alcançar a fase na qual é possível ascender a visões. O primeiro
degrau é o trabalho do noviço; o Segundo é o trabalho daqueles que estão
progredindo; o terceiro, daqueles que progrediram ao final; e o quarto é
reservado para aqueles que obtiveram perfeição.

TEÓFANO, O RECLUSO
Somente um modo de começar – domando as paixões

Há apenas um modo de começar: e é através do domínio das paixões. Estas não


podem ser trazidas sob o controle da alma exceto através da guarda do coração
e pela atenção. Aqueles, portanto, que passam através de todos estes estágios na
devida ordem, cada um no seu próprio tempo, podem, quando o coração é
purificado das paixões, devotar a si próprios inteira e plenamente à salmodia, e
lutar contra os pensamentos; e eles podem olhar para o céu com seus olhos
físicos ou contemplá-lo com os olhos espirituais da alma, orando corretamente
com pureza e verdade.

TEÓFANO, O RECLUSO

Os três gigantes espirituais

Se você deseja obter vitória sobre as paixões, entre dentro de si mesmo através
da oração e da ajuda de Deus; então descenda às profundezas do seu coração e
lá rastreie estes três poderosos gigantes – esquecimento, preguiça, e ignorância.
São estes três que animam as fileiras dos nossos adversários espirituais:
sustentadas por estes três, todas as outras paixões, retornando ao coração,
agem, vivem, e ganham força nas almas auto-indulgentes e desinstruídas. Mas
se através de grande atenção e persistência da mente, e com ajuda do alto, você
encontrar aqueles gigantes maus que passam despercebidos a muitos, você
poderá facilmente afastá-los com as armas da justiça – com a lembança do que
é bom, com a ânsia que impulsiona a alma a salvação, e com o conhecimento
que vem do céu.

S. MARCO, O MONGE [2]

Ladrões espirituais

Assim como ladrões não atacam despreocupadamente um lugar onde eles


vêem armas reais armadas contra eles, assim aquele que enxertou a oração em
seu coração não é facilmente assaltados pelos ladrões da mente.

S. MARCO, O MONGE

Combatendo Satanás no coração

O mais importante trabalho que um lutador espiritual pode fazer é entrar


dentro do coração e ali lutar contra Satanás; odiar e repelir os pensamentos
que ele inspira e travar uma guerra contra ele.

S. MACÁRIO DO EGITO

Exílio e restauração

Depois de render ao homem um exílio do Paraíso, através de sua falta, de modo


a excomungá-lo de Deus, o diabo com seus demônios obtiveram acesso ao
poder de raciocínio de todo homem, de modo a agitá-lo mentalmente dia e
noite, em algumas pessoas mais, em outras menos, e em outras ainda, num
grau muito grande. E a única maneira de proteger-se do diabo é pela constante
lembrança de Deus: esta lembrança deve ser impressa no coração pelo poder da
Cruz, de modo a tornar a mente firme e inabalável. Esta é a meta para a qual
todos os nossos esforços na vida espiritual interior estão direcionados. Todo
Cristão é chamado a seguir este caminho, e se ele viaja, ao invés, em outra
direção, ele se esforça em vão. Qualquer homem que tem Deus dentro de si
também se submete a toda variedade de exercícios espirituais com este mesmo
propósito em vista: através de voluntária abnegação de si próprio ele empenha-
se a invocar a graça de Deus todo misericordioso, de modo que Deus possa
restaurar nele sua condição anterior, firmando a marca de Cristo em sua mente:
como disse o Apóstolo: “Meus filhos, por quem sofro de novo as dores do parto,
até que Cristo seja formado em vós” (Gál. iv. 19).

S. SIMEÃO, O NOVO TEÓLOGO

A proteção das virtudes

Aquele que está sempre em casa dentro de seu coração é um estranho para
todos os prazeres desta vida. Ele caminha no Espírito, e assim nada sabe das
luxúrias da carne. Todos os estratagemas dos demônios contra tal homem
permanecem inefetivos, pois ele faz seu caminho sob a proteção das virtudes,
que ficam como guardiões fazendo a vigília sobre a cidade da pureza.

S. DIÁDOCOS DE PHOTIKE

Separação de Deus e suas conseqüências

Se nosso espírito tivesse que separar-se de Deus, então o poder de


autodeterminação, dado ao homem por Deus, também seria retirado de nós.
Então, um homem não poderia mais controlar seja as inclinações da alma, seja
as necessidades do seu corpo, ou ainda os contatos externos. Então, ele ficaria
despedaçado em fragmentos pelos desejos da sua alma, seu corpo, e pela
vaidade da vida exterior, embora todas estas coisas no nível superficial pareçam
contribuir para seu próprio prazer e felicidade. Compare estes dois estados de
vida e você verá que no primeiro, o homem vive plenamente dentro de si diante
de Deus, e que no segundo o homem está inteiramente fora de si, esquecendo-se
de Deus. Este segundo estado de vida torna-se muito pior pela entrada das
paixões que, enraizadas no ego, penetram por toda alma e corpo, e dão uma
perversa direção a tudo que ali está, uma direção que não é construtiva mas
destrutiva, levando um homem para longe do caminho do Espírito e do temor a
Deus, postando-o contra sua consciência. Neste modo, o homem torna-se ainda
mais superficial que antes.

TEÓFANO, O RECLUSO

Impiedade e implacabilidade sobre nós mesmos

Ao dedicar-se a uma entrega de oração a Deus e Sua graça, desafie cada uma das
coisas que incitam você a pecar e tente afastar seu coração delas, dirigindo-o para
o lado oposto. Deste modo elas serão desenraizadas do seu coração e a violência
delas irá diminuir. Nesta tarefa dê espaço livre para o seu poder de discernimento
e conduza seu coração nesta vigília.

Esta luta contra as forças do mal é absolutamente essencial se quisermos quebrar


com nossa própria inclinação. É necessário ir trabalhando em nós mesmos deste
modo até que, ao invés de auto-piedade, nasça em nós uma impiedade e
implacabilidade sobre nós mesmos, um desejo de sofrer, de torturar a nós
mesmos, de cansar nossos corpos e almas. Isto deve continuar até que, ao invés de
tentar agradar aos homens, formemos um sentimento de repulsão contra os maus
hábitos e más associações – até que formemos uma resistência hostil e feroz
contra elas, ao mesmo tempo em que nos submetemos a todas as injustiças e
depreciações que os homens nos impõem. É necessário ir trabalhando até que
nosso exclusivo apetite por coisas materiais, sensoriais, e visíveis desapareça
completamente e seja substituído por um sentimento de desgosto por tais coisas;
e, ao invés, comecemos a nos atrever a buscar somente por aquilo que é espiritual,
puro, e divino. Em vez de limitação terrena – a limitação da vida e da felicidade
exclusiva a esta terra – o coração vem a ser preenchido com uma sensação de não
ser mais que um peregrino nesta terra, cujo todo desejo é pelo seu lar celestial.

TEÓFANO, O RECLUSO

Eu me erguerei e seguirei adiante

Depois do despertar inicial através da graça, o primeiro passo pertence ao livre


arbítrio do homem. Exercitando este livre arbítrio, ele viaja para dentro de si em
três maneiras. Primeiro, sua vontade inclina-se para o bem e o escolhe. Segundo,
ela remove obstáculos: para romper com os laços que o atam ao pecado, ela bane
de seu coração a ato-piedade, o desejo de agradar aos homens, as inclinações em
direção a coisas sensoriais e terrenas, e em seu lugar ela desperta a impetuosidade
consigo mesmo, ausência de desejo por coisas dos sentidos, aceitação de todo tipo
de desgraça. Ela o faz sentir que seu verdadeiro lar é o mundo que virá, enquanto
que aqui ele é somente um viajante e exilado. Em terceiro, o livre arbítrio é
inspirado a começar de uma vez por todas no caminho correto, não permitindo
nenhuma auto-indulgência, e fazendo com que o homem mantenha-se
constantemente em alerta.

Desta maneira tudo se acalma na alma. Estimulado pela graça, o homem livra-se
de todos os grilhões, e com completa prontidão diz a si mesmo: Eu me erguerei e
seguirei adiante.

A partir deste momento outro movimento inicia-se na alma – um movimento em


direção a Deus. Tendo dominado a si mesmo pela compreensão dos motivos de
todas as suas inclinações, ganhando assim liberdade interior, ele deve agora
sacrificar-se inteiramente a Deus. No entanto, somente metade do trabalho foi, até
aqui, realizado.

TEÓFANO, O RECLUSO

Nossa campanha contra as paixões

Do momento em que seu coração começa a pegar fogo com o calor divino sua
transformação interna começará apropriadamente. Esta delicada chama irá, no
tempo, consumir e derreter tudo dentro de você, ela começará e continuará a
espiritualizar seu ser à plenitude. De fato, até que essa chama comece a queimar,
não haverá espiritualização, a despeito de todos os seus esforços para obtê-la.
Assim a criação de sua primeira centelha é tudo que importa no momento, para
este fim certifique-se de dirigir todos os seus esforços. Mas você deve perceber que
esta ignição não pode ocorrer em você enquanto as paixões ainda estão fortes e
vigorosas, muito embora elas possam, de fato, não estarem sendo satisfeitas. As
paixões são a humidade na lenha do seu ser, e madeira molhada não entra em
combustão. Não há outra coisa a ser feita que não seja trazer madeira seca de fora
e acendê-la, deixando que as suas chamas sequem a madeira molhada, até que
esta, por sua vez, fique suficientemente seca para, lentamente, pegar fogo. E
assim, pouco a pouco, a combustão da madeira seca dispersará a humidade e se
espalhará, até que toda a madeira esteja envolta em chamas.

Todos os poderes da alma e as atividades do corpo são o combustível do nosso ser,


mas na medida em que o homem não presta atenção a si mesmo tudo isto fica
saturado e torna-se inefetivo pela empapada humidade das suas paixões. Até que
as paixões sejam expulses, elas, obstinadamente, resistem ao fogo espiritual. As
paixões penetram tanto na alma quanto no corpo, e subjugam até mesmo o
próprio espírito do homem, sua consciência e liberdade; e desta maneira elas
chegam a dominá-lo inteiramente. Como elas são aliadas com os demônios,
através delas os demônios também dominam o homem, embora ele, falsamente,
imagina que é seu próprio mestre.

Transmitido pela graça de Deus, o espírito é o primeiro a soltar a si mesmo destas


correntes. Preenchido com o temor a Deus e sob a influência da graça, o espírito
rompe com cada um dos elos com a paixão, e arrependendo-se do passado, decide
firmemente, daqui por diante, agradar só a Deus em todas as coisas, viver somente
para Ele, caminhar de acordo com Seus mandamentos. Com a ajuda da graça de
Deus, o espírito é capaz de permanecer firme nesta decisão, banindo as paixões da
alma e do corpo, e espiritualizando tudo dentro de si.

E agora em você também, o espírito libertou-se dos vínculos que o mantinham


preso. Você está de pé ao lado de Deus, conscientemente e por deliberada escolha.
Seu desejo é pertencer a Deus e só a Ele agradar, e isto é a escora da sua atividade
espiritual. Mas enquanto o seu espírito foi reestabelecido em sua correta
liberdade, a alma e o corpo ainda estão sob a agitação das paixões e delas sofrem
violências. Você tem que, agora, armar-se contra as suas paixões e conquistá-las.
Expulse-as da sua alma e do seu corpo. Esta luta contra as paixões é inevitável,
pois elas não vão ceder de bom grado a posse ilegal delas sobre o nosso ser.

A recordação de Deus é a vida do espírito. Ela excita o seu zelo em agradar a Deus,
e torna inabalável sua decisão de pertencer a Ele. É, eu repito, a escora da vida
espiritual; e é, eu adicionaria, a base para a sua campanha contra toda paixão que
invade o coração.

TEÓFANO, O RECLUSO

Como o inimigo nos ataca através de outras pessoas

Derrotado no próprio coração, o inimigo tem seus próprios métodos de nos atacar
através de influências externas. Vou evidenciar os casos principais. Suponha que
alguém, tendo aprendido a sabedoria, não permiti a si mesmo ser minimamente
agitado por pensamentos ou impulsos que possuem a aparência de estarem
corretos, mas imediatamente os corta, seguindo ou seu próprio poder de
discernimento ou o conselho de homens experimentados, e age desta maneira com
tal resolução que parece não haver nenhuma possibilidade de surpreendê-lo por
este método: o inimigo, então, deixa de lado esta estratégia, e começa a agir vindo
do lado de fora através de pessoas que pode usar. Então chegam saudações
aduladoras, calúnias, perseguições e desagrados de todos os tipos. É para isto que
você deve manter ambos os olhos abertos, algo que você deve antever e entender.
Evitar isto completamente não está em nosso poder, mas está em nosso poder ser
mais inteligente do que o inimigo. A coisa principal é suportar tudo enquanto
ainda se preserva inviolado, em nossos corações, um sentimento de amor e paz.
Nosso protetor é o Senhor. Deveríamos suplicar a Ele para trazer paz aos nossos
corações e, se isto é Sua vontade, endireitar também as coisas externas. Da nossa
parte não devemos nos esquecer de onde vem a tempestade e por quem ela é
provocada, nem devemos dirigir nosso sentimento de hostilidade para as pessoas,
mas para aquele que, estando por detrás, as encoraja e coordena todo o caso.

TEÓFANO, O RECLUSO

Como preservar dentro de você a paz de Deus

Se você sentiu que sua mente chegou a ser uma com a alma e o corpo, que você
não está mais cortado em pedaços pelo pecado, mas tornou-se algo unificado e
pleno, que a bendita paz de Cristo está respirando em você, então cuide deste
presente de Deus com todo cuidado possível. Faça com que a oração e a leitura de
livros religiosos sejam sua principal ocupação; dê aos outros trabalhos apenas uma
importância secundária, seja frio em relação a atividades mundanas, e se possível
afaste-se de todas elas. A paz sagrada, refinada como a respiração do Espírito
Sagrado, é imediatamente removida da alma que se comporta com descuido em
sua presença; a alma, que carece de reverência, prova deslealdade saciando-se no
pecado, e permite-se crescer negligente. Junto com a paz de Cristo, a oração com a
graça-concedida é igualmente removida da alma indolente: então as paixões a
invadem como bestas famintas, e começam a atormentar a vítima que se entregou
a elas, deixada a si própria por Deus que se afastou dela. Se você abarrotar-se com
comida, ou mais ainda com bebida, a paz de Deus cessará de agir em você. Se você
ficar com raiva, perderá está paz por muito tempo. Se permitir tornar-se
irreverente, o Espírito Santo não mais trabalhará dentro de você. Se começar a
amar algo mundano, se ficar contaminado por um apaixonado apego por certo
objeto ou conhecimento, ou por certa especial ligação com alguma pessoa, a paz
sagrada certamente será removida de você. Se permitir-se ter prazer em
pensamentos impuros, a paz o deixará por um longo tempo, porque ela não tolera
o cheiro fétido do pecado – e especialmente dos pecados da luxúria e da vaidade.
Você procurará por esta paz e não a encontrará; chorará a sua perda; mas ela não
prestará atenção às suas lágrimas, para que você possa aprender a dar o devido
valor ao presente divino, e protegê-lo com cuidado e reverência apropriados.

Odeie tudo aquilo que lhe derrube na distração ou no pecado. Crucifixe a si mesmo
na cruz dos mandamentos Evangélicos; mantenha-se sempre pregado nela. Rejeite
todos os pensamentos e desejos pecaminosos com coragem e vigilância; jogue fora
cuidados mundanos; tente viver o Evangelho através da diligente prática de todos
os seus mandamentos. Quando orar, crucifixe a si mesmo, ainda uma vez, na cruz
da prece. Ponha de lado todas as memórias que possam surgir durante a prece,
por mais importantes sejam. Não teologize, não seja levado longe ao seguir idéias
originais, brilhantes e poderosas que, repentinamente, possam ocorrer a você.
Silêncio sagrado, que é induzido na mente no momento da oração pelo sentido da
grandeza de Deus, fala de Deus mais profundamente e mais eloqüentemente que
quaisquer palavras humanas. “Se orar verdadeiramente” dizem os Padre, “você é
um teólogo.”
BISPO INÁCIO

Os perigos da saciedade

Fuja da saciedade – o estado quando o coração diz ardilosamente para si


mesmo: Basta! Eu não necessito nada mais; eu trabalhei duro, eu estabeleci
ordem em mim mesmo, agora posso permitir-me um pequeno descanso. Foi
dito sobre Israel: “Ficaste gordo, robusto, corpulento” (Deut. 32,15). Que outro
contentamento havia para buscar? Mas qual foi o resultado? “Rejeitou o Deus”.
No seu contexto original este verso se refere à saciedade física e à satisfação com
as próprias condições externas. Mas é igualmente aplicável à saciedade
espiritual e à satisfação com o próprio estado interior. O resultado é o mesmo –
um abandono de Deus. Quando há suficiente de tudo, por que orar a Deus e
pensar Nele? Embora auto-satisfeitas as pessoas não atingem este estado de
uma única vez, o germe dele já está nelas. O efeito direto da saciedade é o
enfraquecimento da atenção e a permissão de isenções para si mesmo. Quem
quer que permita isto começará deslizar morro abaixo como um homem em
uma ladeira escorregadia. Este é o perigo. Portanto vigie!

TEÓFANO, O RECLUSO

O mal da “troika”

A mim parece que, a todo o momento, você está colocando os outros sob
julgamento e condenando-os em sua alma. Olhe cuidadosamente. Mesmo se
isto apenas acontece de tempos em tempos e não é um estado permanente da
mente, traz considerável dano.

Elevada opinião de nós mesmos dá origem a duas coisas: sopramos nossa


própria corneta e censuramos aos outros. Estes três compõem o mal da ‘troika’
que nos leva, em alta velocidade, a perdição. Nós devemos desatrelar estes três
cavalos espirituosos e livrarmo-nos deles. E então o resultado será que quanto
mais devagar se vai, mais longe se chega. [3] Por favor, observe-se mais
cuidadosamente.

O trabalho físico é uma coisa boa; o mesmo trabalho feito como parte da sua
obediência monástica é um trabalho de santidade. Permita que a memória de
Deus nunca deixe seu coração. Deveríamos ver o Senhor diante de nós assim
como vemos a luz; e em nosso coração deveríamos nos prostrar diante Dele num
espírito de humildade e contrição. Virá, então, um sóbrio temor.

É uma coisa boa quando alguém o repreende: regozije-se se isto acontece. É


ruim quando todas as pessoas ao seu redor lhe exaltam e ninguém está lhe
dizendo a verdade. Não leva muito tempo para que esta cilada lhe enrede. Em
tais momentos não ajuda que você considere-se como um santo, e comece a
censurar todos ao seu redor.

Possa o Senhor lhe dar força para fazer o que é correto. Tome cuidado para não
cair no caminho daqueles que seguem adiante, friamente, com correto
comportamento externo, mas que carecem dos sentimentos internos que
santificam um homem e atraem a graça de Deus. No entanto, isto irá acontecer
tão logo você ceda à sua alta estima sobre si mesmo e à auto-satisfação, que são
sinais de vaidade.
TEÓFANO, O RECLUSO

Julgando os outros

Nós temos que discriminar entre diferentes tipos de julgamento. O pecado


começa quando iniciamos a desprezar uma pessoa em nosso coração por causa
de alguma falta que ela tenha cometido. É possível julgar, pura e simplesmente,
sem trazer uma sentença contra a pessoa que julgamos. E se, ao mesmo tempo,
sentimos compaixão em nosso coração pela pessoa em falta, sinceramente
desejando seu aperfeiçoamento de vida e orando para que ela possa fazer
melhor no futuro, então não haveria pecado no julgamento mas, ao contrário,
julgá-la seria mais um ato de amor como é possível no caso. O pecado do
julgamento está mais no coração do que nos lábios. Falar sobre uma
determinada coisa pode ser um pecado ou não, dependendo sobre o sentimento
com o qual as palavras são ditas. O sentimento dá ao discurso o seu caráter. Mas
é melhor evitar qualquer tipo de julgamento, por temor de tornar-se inquisidor;
em outras palavras, é melhor não chegar muito perto do fogo e da fuligem para
não se queimar nem se sujar. Faríamos melhor ao dirigir nossa censura e crítica
contra nós mesmos.

TEÓFANO, O RECLUSO

Sua própria morte e o funeral de outras pessoas

Para evitar que seus pensamentos divaguem você deve conquistar um


sentimento de estar constantemente com Deus no coração. Então não haverá
lugar para pensamentos alheios. Para parar de condenar os outros, você deve
se tornar profundamente consciente da sua grande pecaminosidade e ofender-
se com ela, entristecido por sua alma como se ela estivesse morta. Como
alguém disse: Com sua própria morte em casa você não irá perturbar-se sobre
o funeral de outras pessoas.

TEÓFANO, O RECLUSO

Um ladrão interno em conspiração com ladrões de fora

Eles dizem que a vaidade é um ladrão interno em conspiração com ladrões de


fora. Ele abre as portas e janelas para os outros; eles entram e causam grande
estrago dentro. Quem sabe? Pode ser que o tempo obscuro que você
experimentou e que o deixou tão logo orou seja um ardil do inimigo para gerar
pensamentos vaidosos – para fazê-lo dizer para si mesmo: “Como sou bom na
oração! No momento que eu orei todos os demônios fugiram!” Acautele-se: se
pensamentos vaidosos lhe ocorrem depois da oração, isto mostra que o
inimigo está tentando excitar seu orgulho.

TEÓFANO, O RECLUSO
As chamas da raiva e o fogo do inferno

“Não se ponha o sol sobre a vossa ira: nem deis lugar ao diabo” (Ef. iv. 26-27).

O diabo não tem acesso à alma, se a alma ela mesma não acolhe as paixões.
Num tal estado ela é transparente e o diabo não pode vê-la. Mas quando ela
admite o movimento de uma paixão e consente este movimento, ela fica
escurecida e o diabo a vê. Atrevidamente ele se aproxima e assume o controle
dela. Duas más paixões, principalmente, perturbam a alma – luxúria e
irritabilidade. Quando o diabo trata de aprisionar uma pessoa através da
luxúria, ele a deixa sozinha em suas agitações: o diabo não a atormenta mais,
exceto talvez para perturbá-la um pouco com a raiva. Mas se um homem não
cede à luxúria, o diabo apressa-se a incitar a raiva nele, e reúne em torno dele
uma quantidade de coisas irritantes. Um homem que falha em discernir as
artimanhas do diabo se permite ficar aborrecido com tudo, permitindo que a
raiva o domine, e assim ele “dá lugar ao diabo”. Mas um homem que reprime
cada surto de raiva resiste ao diabo e o repele, e não dá lugar a ele dentro de si
mesmo. A raiva “dá lugar ao diabo”, tão logo seja considerada como algo justo e
satisfazê-la seja sentido como lícito. Então, o inimigo imediatamente entra na
alma e começa a sugerir pensamentos, cada um mais irritante que o outro. O
homem principia a estar em chamas com a raiva como se estivesse em meio ao
fogo. Este é o fogo do inferno; mas o pobre homem acha que ele está queimando
com o zelo pela sua integridade, quando nunca há qualquer integridade na
cólera (Tiago i. 20). Esta é a forma de ilusão [4] peculiar a cólera, assim como
há outra forma de ilusão peculiar à luxúria. Um homem que rapidamente
supera a cólera dispersa esta ilusão e assim repele o diabo como se por um forte
golpe no peito. Existe alguém que, depois de ter extinguido sua raiva e analisado
todo o evento em boa fé, não perceba que havia algo errado na base da sua
irritação? Mas o inimigo transforma o erro num sentido de honra por si mesmo
e o acumula numa tal montanha que parece que o mundo inteiro se
despedaçaria se nossa indignação não fosse satisfeita.

Você diz que não pode ajudar sendo rancoroso e hostil? Muito bem então, seja
hostil – mas na direção do diabo, não na direção do seu irmão. Deus nos deu a
cólera como uma espada para perfurar o diabo – não para dirigi-la para os
nossos próprios corpos. Então, apunhale-o com ela, até o cabo da espada;
pressione o cabo tanto quanto queira, e nunca o ceda, mas use também outra
espada. Isto pode ser obtido quando nos tornamos gentis e amáveis com todos
os outros. “Deixe-me perder meu dinheiro, deixe-me destruir minha honra e
glória – meu fraternal companheiro é mais precioso para mim que eu próprio.”
Assim, vamos falar uns com os outros, e não vamos ferir nossa própria natureza
para ganhar dinheiro e fama.

TEÓFANO, O RECLUSO

Nunca vale a pena perder a calma

Em face disso, não há nada no mundo sobre o qual valha a pena perder nossa
paciência; pois o que é mais valioso do que a alma e sua paz? Esta paz é
destruída pela raiva. Quando um homem está com raiva, ele assume o papel de
um caluniador e sopra as chamas até um grande incêndio, exagerando, em sua
imaginação, a ofensa do outro. A razão para tudo isto é que ele não mantém sua
atenção virada para si mesmo – e assim tais sentimentos doentios irrompem.
No fundo do coração nós abraçamos nosso direito de julgar e punir os outros
por seus pecados, ao invés de nós mesmos. Isso é tudo o que há ali. Se um
homem visse a si mesmo como um pecador, estando claramente consciente do
pecado, a raiva estaria longe dele.

TEÓFANO, O RECLUSO

Extinguindo todos os sentimentos de raiva

Não pronunciar uma única palavra colérica é uma grande conquista, que se faz
possível pela ausência de irascibilidade no coração. A irascibilidade é extinta,
como uma centelha, pela submissão a vontade de Deus. Nós reconhecemos que
Deus permite que as tribulações ocorram para nos testar e assim demonstrar a
força da nossa virtude; e isto ajuda-nos a preservar, em tais casos, nossa
serenidade, pois acreditamos que Deus Ele Mesmo está nós observando num tal
momento.

Sua idéia de que as pessoas que trazem problemas possam ser instrumentos do
inimigo é correta. Assim, toda vez que alguém causar problemas a você, sempre
assuma que o demônio está por detrás deles, excitando-os e sugerindo atos e
palavras ofensivos às suas mentes.

TEÓFANO, O RECLUSO

Como as tentações do inimigo agem

Lembremo-nos da maneira pela qual as tentações do inimigo agem. O alcance


da espada do inimigo está na introdução de um pensamento no coração: o
demônio espera que o coração responderá a ele, e a partir desta suposição passa
a elaborar uma forte tentação. Por exemplo, você pensa numa pessoa que lhe
ofendeu: aí está o alcance da espada do inimigo. Quando o coração responde a
este pensamento acolhendo um sentimento desagradável em relação ao ofensor,
isto significa que a espada penetrou até a alma e a feriu. Imediatamente o
inimigo envolve-se com a alma e atiça ali uma tempestade de inimizade e
vingança. Mas quando o coração sempre estiver pronto para perdoar as ofensas,
mantendo a si mesmo num estado de serena mansidão e paz em relação a
qualquer pessoa, então não importa quão vividamente o inimigo apresenta uma
idéia do ofensor à alma, não haverá resposta no coração; e assim o inimigo não
terá nenhum vão através do qual possa introduzir sua tentação. O alcance da
sua espada irá recuar do coração tanto quanto diante de um guerreiro vestido
em armadura.

TEÓFANO, O RECLUSO

O traidor interno

Há um método que, se praticado com plena atenção, raramente permitirá que


qualquer coisa apaixonada deslize furtivamente no coração. É examinar nossos
pensamentos e sentimentos, de modo a descobrir para onde eles tendem: para
satisfazer Deus ou satisfazer a nós mesmos. É muito fácil determinar isso. Tudo
que você tem a fazer é vigiar a si mesmo. Saiba que na medida em que você não
dê satisfação a si mesmo naquilo que faz, não há falta. Um dos guias espirituais
disse a seu discípulo: “Vigie, para que você não acolha um traidor dentro de si
mesmo.” “Quem é o traidor?” perguntou o discípulo. “Auto-satisfação”,
respondeu o stárets. E, de fato, isso é assim. Se você examinar todas as coisas
ruins que fez, verá que em cada um dos casos elas se originaram na satisfação de
si mesmo.

TEÓFANO, O RECLUSO

Um copo de veneno

Como regra geral, decida se algo é permissível pelo efeito que produz dentro.
Permita a si mesmo aquilo que é construtivo, mas nunca o que é destrutivo.
Algum homem no seu perfeito juízo estenderia suas mãos para um copo no qual
soubesse ter sido enchido com veneno?

TEÓFANO, O RECLUSO

Um lugar calmo em seu coração aos pés do Senhor

Quando maus pensamentos vêm você deve desviar o olho mental deles. Vire-se
ao Senhor e expulse-os em Seu Nome. Se um pensamento já motivou o coração
e, pouco a pouco, o induziu a um miserável deleite nele, você deve culpar-se,
pedir o perdão do Senhor, e censurar-se até que o sentimento oposto nasça em
seu coração. Por exemplo: ao invés de censurar alguém, você deve ter em seu
coração um sentimento de louvor ou ao menos de respeito por aquela pessoa.

Prepara de antemão um calmo lugar no seu coração que está aos pés do Senhor.
Tão logo os problemas surgem, apresse-se até ali e invoque, incessantemente,
por Ele, como se exorcizasse uma peste miserável. E Deus ajudará – tudo mais
irá se acalmar.

TEÓFANO, O RECLUSO

Em aliança com as paixões

Um homem que está em aliança com as paixões na sua consciência e no seu


coração é passional por completo: tal estado é ofensivo a Deus. Mas quando um
homem deseja sinceramente a impassibilidade, muito embora emoções
violentas surjam e o ataquem, ainda assim seu estado não é ofensivo a Deus,
pois ele odeia as paixões e anseia agir de acordo com a vontade de Deus ao
invés de ser escravizado por elas.

TEÓFANO, O RECLUSO

Sempre em casa

Você deve discriminar entre sentimentos que são parte de sua constituição e
emoções fugazes que vem e vão. Na medida em que as paixões não estão
completamente destruídas, pensamentos e sentimentos errados, intenções e
impulsos equivocados não cessarão. Eles diminuem com a diminuição das
paixões, sendo o lado apaixonado da nossa natureza a fonte delas; assim
devemos dirigir toda nossa atenção a esta guerra contra as paixões. Existe um
método para nos treinar nisto – que é a constante lembrança do Senhor e a
oração a Ele. Os startsi sabiam como expulsar todo o mal por este meio,
estabelecendo em seu lugar um estado aceitável a Deus. Adquirir o hábito da
Oração de Jesus é o aspecto exterior desta arma. Na sua realidade interna, pode
ser mais bem descrita como ‘estar sempre em casa’. Devemos sempre estar em
nosso coração com o Senhor, invocando-o; e isto bane todo mal. Leia S.
Hesíquio sobre sobriedade. Nesta tarefa constância e persistência sempre se
provam vitoriosos.

TEÓFANO, O RECLUSO

Jesus presente e ausente

Quando a Oração de Jesus está ausente, toda sorte de coisas prejudiciais nos
assaltam, não deixando espaço para nada de bom na alma. Mas quando o
nosso Senhor está presente na oração, tudo que alheio é banido.

S. GREGÓRIO PALAMAS

Como os demônios entram

Os demônios não têm meios de tomar posse do corpo ou do espírito do homem,


nenhum poder para entrar por força na sua alma, a menos que eles o despojem de
todos os pensamentos sagrados, e o tornem vazio e carente de contemplação
espiritual.

S. JOÃO CASSIANO [5]

A hora do martírio oculto

É da natureza da oração interna revelar as paixões ocultas escondidas no coração


humano e domá-las. A oração interna revela nossa escravidão aos espíritos
decaídos, fazendo-nos perceber nosso aprisionamento e nos livrando dele.

Não há necessidade, então, de se inquietar e se desorientar quando as paixões


surgem da nossa natureza decaída ou quando elas são esporeadas pelos maus
espíritos. Já que as paixões são subjugadas pela prece, assim que surjam devemos
praticar a Oração de Jesus internamente, muito calmamente e sem pressa: pouco
a pouco isto acalmará as paixões emergentes. Às vezes o assalto das paixões e a
invasão de pensamentos hostis é tão forte que se segue uma grande batalha na
alma. Esta é a hora do martírio oculto. Quando atacados pelas paixões e pelos
demônios, devemos proclamar nossa fé no Senhor através da nossa devoção à
mais persistente oração. Invariavelmente isto nos leva a vitória.

BISPO INÁCIO

A prática do jejum

A prática do jejum é esta: permanecer em Deus com a mente e o coração,


abandonando tudo mais, cortando toda satisfação ensimesmada, tanto no sentido
espiritual como físico. Devemos fazer tudo pela glória de Deus e pelo bem dos
nossos próximos, suportando voluntariamente e com amor as tarefas do jejum e as
privações na comida, sono, e descanso, e renunciando a consolar-se com a
companhia de outras pessoas. Todas estas privações devem ser moderadas de
modo a não atrair a atenção e não nos desprover da força para cumprir a prática
da oração.

TEÓFANO, O RECLUSO

Um momento para falar e um momento para manter silêncio

Você pergunta se deveria conversar com outros sobre a vida espiritual. Faça-o,
somente não fale a eles sobre sua própria experiência pessoal. Discuta a questão
genericamente, mas adaptando seus comentários ao estado daqueles que
fizeram a questão. Algumas vezes as pessoas levantam questões espirituais
somente como assunto para conversar. Mesmo isso é melhor do que falar sobre
assuntos mundanos ou se entreter com conversa mole. Manter silêncio, como
você disse preferir, é possível quando se está sozinho, ou quando a conversa não
nos diz respeito. Se orar ao Senhor para vigiar sua língua quando estiver a
caminho de visitar alguém, isto é boa coisa. A melhor coisa é estar sempre com
o Senhor. É possível, entretanto, falar e ainda assim permanecer com o Senhor.
Tente se habituar a isto.

Quando falar a alguém, abstenha-se sobretudo de contrariá-la com


agressividade, ou expressando uma opinião diretamente oposta a ela, vinda de
um claro desejo de seguir seu próprio modo. É o inimigo que o inspira a assim
fazê-lo, para iniciar uma discussão e desse modo levantar uma discórdia.
Igualmente evite falar de coisas espirituais para demonstrar sua própria
sabedoria. Isto também é uma sugestão do inimigo, e se você a seguir irá ser
motivo de risada entre os homens e ganhará o desgosto de Deus.

TEÓFANO, O RECLUSO

A batalha ascética. A vitória vem somente pela graça

A primeira vitória sobre si mesmo – a condição e base de todas as outras


vitórias internas, que sozinha torna as outras possíveis – reside em quebrar
nossa própria vontade e em render-se a Deus, rejeitando e nos desapegando de
todas as coisas pecaminosas. Este ato de auto-rendição nos leva a desviar-nos
com repugnância e aversão das paixões. Com este recurso espiritual para lutar
conosco na batalha, somos tão fortes quanto um exército inteiro. Onde não há
redenção a Deus, a vitória já está nas mãos do inimigo antes que qualquer
batalha seja articulada. Mas quando este ato de rendição está presente, a vitória
nos é freqüentemente concedida sem uma luta. Disto podemos ver que já que o
nosso estado mais interno é o ponto de partida para qualquer atividade
positiva, este será também o ponto contra o qual a campanha do inimigo é
lançada. Consciência e vontade, se atraídas para o lado do bem, cortam todo
mal e todas as paixões, especialmente aquelas que estão dentro de nós mesmos.
O momento decisivo é, precisamente, esta atração da vontade para o lado do
bem. Aqui, como sempre, a força que promove a guerra sobre as paixões é a
mente ou o espírito no qual assenta consciência e liberdade – o espírito, isto é,
sustentado e fortalecido pela graça. É a graça que cura nossas faculdades,
coroando todas as nossas lutas ascéticas. É também a graça que dota nossa
mente e espírito com força para atacar as paixões e derrubá-las. E,
inversamente, quando as paixões tornam-se fortes, elas visam diretamente à
mente ou o espírito – em outras palavras elas se esforçam para subjugar nossa
consciência e liberdade. Contra este santuário interno onde a consciência e a
liberdade habitam, o inimigo direciona seus dardos flamejantes, atacando-nos
através das paixões e usando nosso corpo e alma como um lugar para
emboscadas. Mas na medida em que nossa consciência e liberdade
permanecem intactas, de pé ao lado do bem, a vitória é nossa, não importando
quão forte seja a investida.

Isto, entretanto, não significa que o pleno poder de conquista venha de nós e
não de Deus – indica somente o ponto através do qual este poder de conquista
opera. O imediato combatente nesta guerra é nosso regenerado espírito. Mas é
a graça que é a vitoriosa e destruidora força contra as paixões. Ela cria uma
coisa em nós e destrói outra – agindo sempre através do espírito, em outras
palavras, através da consciência e da vontade. O homem que luta prostra-se
diante de Deus e clama por ajuda, pleno de repugnância e aversão contra os
inimigos. Agindo através dele, Deus então os põe em debandada e os derruba.

TEÓFANO, O RECLUSO

Peça ajuda a Deus

O que fazemos quando somos atacados por algum criminoso? Nós o atacamos e
gritamos por socorro. Nossos gritos são respondidos pela polícia que, então, nos
salva do perigo. Devemos fazer o mesmo na batalha interna com as paixões.
Cheio de raiva contra elas, chamamos por auxílio: Socorra-me, Oh Senhor!
Jesus Cristo, Filho de Deus, salve-me! Oh Deus, salva-me depressa! Oh Senhor
apresse-se a socorrer-me! Tendo chamado assim ao Senhor, não permita que
sua atenção se afaste Dele, não deixe que ela volte-se para aquilo que está
acontecendo dentro de você, mas prossiga de pé diante do Senhor implorando
Sua ajuda. Isto fará o inimigo fugir como se estivesse sendo perseguido por
chamas.

Sem entrar em veemente discussão com os pensamentos apaixonados, vamos


nos virar diretamente a Deus, com temor, devoção, e confiança, rendendo-nos
a Sua influência. Ao fazer isso já empurramos todas as coisas apaixonadas para
longe do nosso olho mental, e olhamos somente para o Senhor. Porque não
prestamos atenção a ele, o pensamento apaixonado é arrancado da alma: ele
retira-se por acordo próprio como se tivesse sido incitado por alguma causa
natural. Mas se o inimigo também está presente nele, ele é derrubado pelo raio
da luz interna que vem da contemplação do Senhor. Assim tão logo a alma se
vira a Deus e a Ele suplica, liberta-se do ataque das paixões.

TEÓFANO, O RECLUSO

Trabalho sem pressa

Nós devemos trabalhar sem pressa, aumentando gradualmente nossos esforços


de modo a não exigir demais de nossa energia. De outro modo nosso trabalho
parecerá um remendo novo em uma roupa velha. A decisão de adotar algum
esforço ascético deve vir de dentro. No mesmo modo um homem doente, às
vezes, encontra um remédio ou antídoto por intuição, por uma espécie de
espontâneo anseio por ele.

TEÓFANO, O RECLUSO
Guerra interna e oposição ativa

Se a guerra é conduzida somente internamente ela expulsa a paixão da


consciência do homem; mas a paixão ainda permanece viva, embora não em
evidência. Mas uma oposição ativa apunhala esta serpente diretamente na
cabeça. Isto não significa que a guerra interna deva ser abandonada. Deve
permanecer constante; de outro modo todo o esforço pode não produzir fruto e
nossa inclinação em direção as paixões pode até crescer ao invés de decrescer.
Se abandonarmos a guerra interior, veremos que, na medida em que lutamos
com uma paixão, uma outra chega e nos fere: por exemplo: expelimos a
gulodice através do jejum, e então a vaidade ocupa o lugar. Se falharmos em
dar a devida atenção à guerra interna, nenhum esforço, por mais extenuante,
produzirá qualquer fruto. Guerra interna acoplada com oposição ativa às
paixões ataca tanto de dentro como de fora, e assim as destrói tão rapidamente
quanto um exército inimigo é destruído quando cercado e atacado pela frente e
pela retaguarda.

TEÓFANO, O RECLUSO

Impureza e inocência

Tome como regra nunca, voluntariamente, encorajar qualquer pensamento,


sentimento ou desejo apaixonado; mas afastá-los com aversão no momento em
que você os notar. Então você sempre estará inocente diante de Deus e de sua
consciência. Você ainda terá a impureza das paixões em si, mas você também
terá a inocência.

TEÓFANO, O RECLUSO

As duas forças opostas

Duas forças completamente opostas me influenciam: a força do bem e a força do


mal, a força da vida e a força da morte. Sendo poderes espirituais, ambos são
invisíveis. Despertada pela minha oração livre e sincera, a força do bem sempre
afasta a do mal, pois a força do mal movimenta sua vitalidade somente pelo mal
que se dissimula em mim. Para evitar a deprimente influência do mau espírito,
sempre devemos ter em nosso coração a Oração de Jesus: “Jesus, Filho de Deus,
tem piedade de mim.” Contra o invisível demônio põe-se de pé o invisível Deus,
contra aquele que é poderoso põe-se de pé Aquele que é o mais Poderoso de
todos.

S. JOÃO DE KRONSTADT [6]


Notas

[1] Ps. l.15 (B.C.P.)

[2] S. Marco o Monge ou Asceta (também conhecido como Marco o Heremita):


Autor grego asceta do início do século V, que viveu como eremita no Egito ou
Palestina.

[3] Provérbio Russo.

[4] Prelest. Veja a nota na introdução escrita pelo Hégumeno Chariton.

[5] São João Cassiano (c.360-435) foi originalmente professado como monge
em Belém. Depois de passar mais de sete anos em Scetis no Egito, viajou
primeiro a Constantinopla (onde esteve sob a influência de S. João Crisóstomo)
e então para o ocidente. Por volta de 415 fundou dois monastérios na França
perto de Marseilles, em no fim da vida compôs vários trabalhos em Latin. Uma
figura que foi como uma ponte entre o oriente e o ocidente, um instrumento na
divulgação do conhecimento espiritual monástico do Egito no mundo latino.

[6] São João de Kronstadt (1819-1908), sacerdote russo, um membro do


clérigo paroquial casado: celebrado por suas obras de caridade e dons de cura,
e também como orador e diretor spiritual. Seu notável diário My Life in Christ
apareceu em muitas línguas, inclusive o inglês (traduzido por E.E. Goulaeff,
Londres,1897). Foi proclamado um santo em 1964 pelo Sínodo Sagrado da
Igreja Ortodoxa Russa no Exílio, e foi a única pessoa a ser canonizada pela
Igreja Russa desde a Revolução de 1917.
A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa
- (Capítulo VI - ii) Conheça a Ti Mesmo

CAPÍTULO VI
GUERRA COM AS PAIXÕES

(ii) CONHEÇA A TI MESMO


Vendo a si mesmo

Até que a alma esteja estabelecida com a mente no coração, ela não vê a si
mesma, nem é ciente de si mesma de modo apropriado.

TEÓFANO, O RECLUSO

Como encontrar qual é o seu valor

Eu cheguei à conclusão de que você ainda está na cabeça e não no coração.


Desça até o coração e você saberá de imediato qual é o seu valor. Você
expressou o desejo de obter um senso da sua própria miséria. Isto você
começará a ver e a sentir tão logo você desça ao coração. Quanto mais fundo
você vai, mais claro aparecerá.

TEÓFANO, O RECLUSO

Verdadeiro autoconhecimento

Verdadeiro autoconhecimento é ver os próprios defeitos e fraquezas com tanta


clareza que eles preenchem o pleno conjunto de nossa visão. E anote isto – mais
você vê a si mesmo em falta, sendo merecedor de toda censura, mais você
avançará.

TEÓFANO, O RECLUSO

A medida do progresso na vida espiritual

Preste atenção sobre si. Eu diria apenas uma coisa, ou melhor, repetiria aquilo
que já disse. O progresso na vida espiritual é revelado por uma sempre crescente
percepção de nossa própria nulidade, no pleno e literal sentido desta palavra.
No momento em que atribuímos algum valor para nós mesmos, não importando
qual seja o sentido, isto significará que as coisas estão indo erradas. É também
perigoso; o inimigo se aproximará e começará a dispersar nossa atenção,
deixando obstáculos escorregadios em nosso caminho. Uma alma que pensa
demasiado de si mesma é como o corvo da fábula que ouvindo a adulação da
raposa deixa o pedaço de queijo cair só para se mostrar. Possa o Senhor ajudá-lo
a tornar-se mais cuidadoso na meta de não atribuir nenhum valor aos seus
trabalhos. Olhe para a meta, ademais, de modo que haja menos imagens em sua
alma e mais pensamento e sentimento. Persevere com a oração interna que
começou; este é o caminho para reduzir o fluxo das imagens através da mente.
Chegará o momento em que você sentirá que a sua vazão será estancada, como a
hemorragia na mulher (Lucas, viii. 44).

TEÓFANO, O RECLUSO

‘Eu não sou como os outros’

Que panegírico você compôs – chamando a si mesmo de mau, furtivo,


inconstante, ingrato, orgulhoso, mal-temperado, ignorante de como orar a
Deus! Muito bem – mas você deveria adicionar uma coisa mais: inútil e sem
valor. Repita isto com freqüência para si mesmo, fazendo com que toda sua
alma o diga, e não só recitando-o mecanicamente de cor. Pois,
profundamente, podemos nos valorizar e nos valorizamos de modo
demasiado.

Quando assim nos valorizamos, a língua ou a memória repetem as palavras que


mencionou, ou algumas similares, enquanto que na alma vive a convicção de
que não somos como os outros. A coisa mais estranha é que é quase impossível
para a alma perceber este auto-engano. E assim ele permanece escondido até
que o Senhor o revele de um modo ou de outro e o descubra em toda a sua
repugnância. Talvez possa entrever a presença de tal estado de coisas em nós,
quando percebemos que palavras críticas ditas diretamente ou ditas em nossas
costas provocam um desgosto ou mágoa contra aqueles que as disseram. Tente
discernir o estado de sua alma em tais momentos. Mas cuidado com a
autojustificação, pois isto é um grande obstáculo.

TEÓFANO, O RECLUSO

O sentimento de pecaminosidade

Um senso de nossa própria honra nos causa grande dano. Mantenha em mente,
firmemente, o ponto de que no momento em que este sentimento surge, mesmo
fracamente, é sinal certo de que nossos esforços extraviaram-se. Quanto maior a
convicção de que você é um pecador, maior a certeza de que você está viajando
na via correta. Mas este sentimento de pecaminosidade deve florescer das
profundezas da alma de modo natural, ao invés de ser sugerido de fora por
nossas próprias reflexões, ou por algum comentário de outra pessoa.

Existem muitos bons sentimentos, mas o sentimento de nulidade é o mais


fundamental; e quando ele está ausente todo o resto é inútil. Confie isso,
cuidadosamente, à sua memória.

TEÓFANO, O RECLUSO
A fumaça e o fedor do inferno

Suponha que as outras monjas estejam caminhando por uma colina ou pelo
cume, enquanto você está longe, muito abaixo delas. E se suceder de que tua
alma olhe para baixo, para outra monja como se ela fosse inferior, você
deveria reprovar-se vigorosamente e apressar-se a pedir o perdão do Senhor.
A pior coisa de todas é a auto-exaltação, a vaidade, e a condenação dos outros.
É a fumaça e o fedor do inferno. Habitue-se a um maior contentamento
quando você é tratada com desprezo, reprovação, e até mesmo com injustiça,
do que quando você é bem vinda e tratada com gentileza. Nisto reside o mais
infalível caminho para a humildade.

TEÓFANO, O RECLUSO

Julgue a si mesmo e você irá parar de julgar os outros

Por que nós criticamos os outros? Porque nós não tentamos conhecer a nós
mesmos. Quem quer que esteja ocupado tentando conhecer a si mesmo não tem
tempo de perceber as faltas dos outros. Julgue a si mesmo e você irá parar de
julgar os outros. Considere todo homem como sendo melhor do que você, pois
sem este pensamento um homem está longe de Deus, muito embora ele execute
milagres.

MONJA MADALENA

Uma ininterrupta cadeia de atos de abnegação

Imprima isto em sua memória, eu lhe peço. Do momento do despertar ao


momento de fechar os olhos para dormir devemos nos comportar de tal modo
que o dia inteiro torne-se como uma ininterrupta cadeia de atos de abnegação,
sempre empreendidos por causa do Senhor, diante de Sua face e para Sua
glória. Não há nada de excepcional a respeito de atos de abnegação; eles
ocorrem nas atividades diárias da vida e consistem de uma decisão interna e
de uma modificação da vontade. Eles podem estar atrás de qualquer palavra,
movimento ou problema trivial. Seu traço distintivo é a recusa à auto-
satisfação em qualquer coisa grande ou pequena, uma resistência constante
contra a vontade própria.

TEÓFANO, O RECLUSO

Um sentimento de auto-importância

Examine a si mesmo para ver se você tem dentro de si um forte senso de sua
própria importância, ou, negativamente, se falhou em perceber que você não é
nada. Este sentimento de auto-importância está profundamente oculto, embora
controle toda nossa vida. Sua primeira exigência é que tudo deve ser como
desejamos, e tão logo isto não é assim reclamamos a Deus e ficamos aborrecidos
com as pessoas. O alto valor que damos a nós mesmos, em conseqüência deste
sentimento de importância, não somente prejudica nossa relação com outros
homens, mas também nossa atitude a Deus. A auto-importância é tão astuta
como o demônio e habilmente se esconde atrás de palavras humildes, fixando-
se firmemente no coração de modo que oscilamos entre a autodepreciação e o
auto-orgulho.

TEÓFANO, O RECLUSO

A graça trabalha secretamente. Arrependimento incessante


e lágrimas incessantes

Deve ser compreendido que um homem que luta pela perfeição não fica ciente
do progresso que ele faz em seu caminho. Ele trabalha duro com o suor de seu
rosto, mas (tanto quanto possa ver) sua labuta não produz fruto. Isto é porque
a graça trabalha secretamente. O olho da visão humana não discerne o bem que
se está fazendo. A única coisa que o homem pode ver é sua própria nulidade. O
caminho até a perfeição é através da percepção de que estamos cegos, pobres, e
nus. Este senso de nudez está estreitamente ligado com a contrição do espírito,
quando em arrependimento incessante derramamos diante de Deus nossa
tristeza e dor sobre nossa impureza. Sentimentos penitentes é elemento
essencial do progresso espiritual real, e quem quer que os evite está se
desviando do caminho correto. O arrependimento é o ponto inicial e a pedra
fundamental da nossa vida em Cristo; e deve estar presente não somente no
início mas através de todo nosso crescimento nesta vida, aumentando
conforme se avança. Ao alcançar a maturidade espiritual um homem torna-se
agudamente consciente de sua pecaminosidade e corrupção, e seu senso de
contrição e arrependimento crescem ainda mais profundamente. As lágrimas
são a medida do progresso, e as lágrimas incessantes são um sinal da
purificação que chega.

TEÓFANO, O RECLUSO

Re-criação através do Espírito Santo

Mas você ainda está hesitando em dúvida! Olhando para mim, e vendo tal
pecador diante de você, pergunta involuntariamente – é possível que o Espírito
Santo atue neste pecador, em quem o movimento das paixões é tão evidente e
tão forte?

Uma só questão! E ela me leva à perplexidade e ao horror. Eu sou levado, eu


peco; cometo adultério com o pecado, eu traio meu Deus, eu O vendo pelo
abominável preço do pecado. E a despeito da minha continua traição, do meu
comportamento traiçoeiro e pérfido, Ele permanece imutável. Sempre gentil,
Ele espera pelo meu arrependimento com paciência, e por todos os meios me
chama para a penitência e a reforma da vida. Você ouviu o que o Filho de Deus
diz no Evangelho? “Não necessitam de médico os sãos, mas sim os enfermos; eu
não vim chamar justos, mas pecadores.” (Marcos ii. 17). Assim falou o Salvador,
e assim Ele agiu. Ele comeu com publicanos e pecadores, convertendo seus
corações à fé e à virtude, conduzindo-os assim à camaradagem espiritual junto
com Abraão e outros homens justos. Será que a interminável bondade do Filho
de Deus o espanta? Saiba que o Todo-Espírito Santo é igualmente bom e
igualmente desejoso pela salvação da espécie humana; Ele é igualmente dócil,
gentil, paciente, e totalmente misericordioso. O Espírito Santo é uma das três
Pessoas consubstanciais da Santíssima Trindade, que partilham, sem confusão
e sem divisão, da única Essência divina.

Todavia, o pecado atrai o Espírito Santo ao homem! O pecado que foi visto pelo
homem mas não foi cometido, que ele reconheceu e deplorou - esta espécie de
pecado atrai Ele! Mais o homem pondera sobre seus pecados e mais ele lamenta
sobre si mesmo, mais agradável e acessível ele é para o Espírito Santo, que
como um médico aproxima-se somente daqueles que reconhecem si mesmos
como estando doentes. Por outro lado, Ele se afasta daqueles que são ricos em
vã presunção. Olhe para o seu pecado, e busque-o. Não tire os seus olhos dele.
Negue a si mesmo, não superestime sua alma. Entregue-se inteiramente à
contemplação do seu pecado, e chore sobre ele. Então, no devido tempo, você se
tornará ciente da sua re-criação através da incompreensível e inexplicável ação
do Espírito Santo. Quando menos esperar Ele virá até você. Ele agirá em você
quando você reconhecer-se como muito indigno Dele.

TEÓFANO, O RECLUSO

Arrependimento continuo

É impossível viver em paz com Deus sem um contínuo arrependimento. O


apóstolo João estabeleceu a seguinte condição para a paz com Deus: “Se o
coração não nos condena” (I João iii. 21). Se você não tem nada em sua
consciência, você pode ter a ousadia de acessar a Deus com um sentimento de
paz, mas se você tem alguma coisa, então a paz é perturbada. Ter algo em nossa
consciência – isto ocorre devido à consciência do pecado. Mas, de acordo com o
mesmo Apóstolo nós nunca estamos sem pecado: e ele sente isto tão
intensamente que chama qualquer um que imagina de outro modo como um
mentiroso (I João i. 8). Consequentemente, não há um único momento onde
não temos nada em nossa consciência, voluntaria ou involuntariamente, e,
portanto, não há um único momento em que nossa paz com Deus esteja
assegurada. Segue-se disto que é absolutamente essencial limpar nossa
consciência para estarmos em paz com Deus. A consciência é limpa por
arrependimento: consequentemente é necessário arrepender-se
incessantemente. Pois o arrependimento limpa toda a poluição da alma e a
torna pura (I João i. 9). O arrependimento não consiste apenas nas palavras:
“Perdoa, Oh Senhor; tem piedade, Oh Senhor’. Para receber a remissão dos
pecados devemos também perceber plenamente a definida impureza de cada
pensamento, olhar, e palavra; de cada espécie de atração, devemos ser
conscientes de nossa própria culpa e de nosso próprio desregramento e falta de
razão, devemos reconhecer nossa necessidade de orar pelo perdão de Deus, até
que o espírito obtenha paz. Tanto quanto grandes pecados nos afetam, eles
devem ser, imediatamente, confessados ao nosso pai espiritual para obtermos
o perdão, porque no caso de tais pecados não podemos restaurar a paz do
nosso espírito simplesmente por atos de arrependimento diário em nossas
preces particulares. Assim, o dever do contínuo arrependimento é o mesmo
que o dever que mantém nossa consciência pura e irrepreensível.

TEÓFANO, O RECLUSO
Conforme-se com o atrito ao longo da vida

Faça do que se segue uma regra – primeiro de tudo, antecipe o problema a todo
o momento e quando ele chegar encontre-o como algo já esperado. Em segundo
lugar, quando acontecer algo que entra em conflito com sua vontade e estiver a
ponto de irritá-lo ou transtorná-lo, apresse-se a levar sua atenção ao coração e
esforce-se com toda força para evitar que tais sentimentos surjam: arme-se
contra eles e ore. Se você for bem sucedido em evitar que sentimentos
irritadiços e perturbatórios surjam dentro de você, então você terminou com o
seu problema, pois estes sentimentos são o seu ponto de partida. Mas, se
mesmo um pequeno sentimento chegou a nascer, decida-se, se possível, não
fazer ou dizer qualquer coisa até que você o tenha conduzido para fora. Se lhe
parece que é impossível não dizer ou fazer algo, tente não falar e agir de acordo
com estes sentimentos, mas de acordo com o mandamento de Deus, na
maneira que Ele ordena, manso e calmamente, como se nada tivesse
acontecido. Em terceiro lugar, ponha para fora da sua mente toda expectativa
de que a natureza das coisas irá se modificar, e conforme-se com o atrito ao
longo da viva. Não se esqueça disto nem subestime sua importância, pois a
menos que você aja neste modo a paciência não pode tornar-se firmemente
estabelecida. Finalmente, com tudo isso, mantenha uma expressão bem-
humorada, um tom de voz afável, comportamento amigável, e acima de tudo
evite lembrar as pessoas, seja como for, sobre as suas injustas palavras ou
ações. Comporte-se como se elas não tivessem feito nada de errado. Acostume-
se a conservar a lembrança de Deus incessantemente.

TEÓFANO, O RECLUSO

Elimine todas as impressões alheias

Eu me esqueci de lembrar-lhe que qualquer impressão alheia ao estado interior


ao qual você está empenhado deve ser imediatamente eliminada tão logo ela
surja. Não protele o assunto até a noite, deixando-o sozinho por um longo
tempo. É muito simples de fazer isto: desça ao seu coração onde a impressão
permaneceu, rejeite-a, recusando-se a acolhê-la, e ao mesmo tempo ore para o
Senhor para que lhe proteja em oposição a ela. Faça isto até que ela o deixe.

TEÓFANO, O RECLUSO

Examinando os nossos pensamentos

Não permita que o olho da mente afaste-se do coração; e quando qualquer


coisa sair de lá, apanhe-a e examine-a imediatamente. Se for bom, deixe estar;
se não for bom, deve ser aniquilada imediatamente. Nesta maneira, aprenda a
conhecer a si mesmo. Se algum pensamento emergir mais frequentemente que
outros, significa uma paixão mais forte que as outras. Isto significa que você
deve combatê-la com maior energia. Contudo, não deposite qualquer confiança
em você mesmo e não espere obter qualquer coisa pelos seus próprios esforços.
Todos os meios de cura e todos os remédios são enviados pelo Senhor. Assim,
entregue-se a Ele – todas as vezes. Esforce-se e continue esforçando-se, mas
espere que todo o bem venha somente do Senhor.

TEÓFANO, O RECLUSO

Autoconhecimento e a leitura dos Padres

Olhe para si mesmo, e preocupe-se mais com o coração. Para discriminar entre
os movimentos do coração, leia e reflita sobre os escritos de S. João da Escada,
Issac da Síria, Barsanúfio e João – também naqueles de Diádocos, Filoteos,
Abba Isaías, Evágrios [1], Cassiano e Neilos [2] na Filocalia ; e aplique o que
eles dizem a você mesmo. Quando você ler, não apenas deixe impresso na sua
mente uma idéia geral do argumento do autor, mas sempre transforme aquilo
que ele diz numa regra pessoal a ser aplicada a si mesmo. Quando você faz isto,
a idéia geral que você formou sempre experimenta algumas tonalidades de
mudança.

TEÓFANO, O RECLUSO

Passando de uma percepção a outra

De agora em diante, suas deliberações consigo mesmo não serão mais como
antes. A menos que esteja animado pela graça, o raciocínio humano geralmente
deriva em generalidades; agora, ao contrário, guiado pela graça e sob seu
controle, ele irá relacionar todas as coisas diretamente a você mesmo sem
desculpas ou evasivas, ele lhe apresentará assuntos em aspectos que são mais
relevantes à sua própria situação. Assim, na realidade você não irá meditar
tanto ao passar de uma percepção a outra.

TEÓFANO, O RECLUSO

O purificador caminho dos sofrimentos sempre-crescentes

Nós devemos aceitar, continuamente, desafios e tribulações nas mãos de Deus,


e também o espírito de contrição que Ele transmite: pois estas e outras coisas
tais são o mais poderoso instrumento em nossa purificação. O efeito destas
experiências é de tão grande ajuda quanto aquele de um guia espiritual, e
quando nos está faltando um guia espiritual eles podem substituí-lo, e assim o
fazem desde que a pessoa em questão tenha fé e humildade. Pois em tais
circunstâncias é Deus, Ele mesmo, que age como guia, e Ele é certamente mais
sábio do que o homem. S. Isaac da Síria descreve em detalhes o gradual
processo pelo qual o Senhor conduz um homem que está sendo limpo pelo
purificador caminho dos sofrimentos sempre-crescentes, e como Ele acende,
dentro dele, o espírito de contrição. Tudo que é requerido da nossa parte é fé na
amorosa providência de Deus, e uma pronta, alegre, e grata aceitação de tudo
que é enviado por Ele. Falta de fé e aceitação despoja estas amargas
experiências do seu poder purificador, impedindo que ela alcance o coração e o
fundo do nosso ser. Sem aflições externas e contrariedades, é duro para um
homem resistir ao orgulho e evitar uma alta opinião de si mesmo. Sem lágrimas
de contrição, como podemos sacudir e nos livrar do egoísmo farisaico e da
hipocrisia?

TEÓFANO, O RECLUSO
A nada serve

Uma alma que não é posta à prova por aflições a nada serve.

TEÓFANO, O RECLUSO

A estrada para o reino

Há uma única estrada para o reino de Deus – uma cruz, voluntária ou


involuntária.

TEÓFANO, O RECLUSO

O Espírito Santo nos mostra aquilo que somos

O Espírito Santo concede a verdadeira humildade. Não importa quão


inteligente, sensível, e talentoso um homem possa ser, se ele não possui o
Espírito Santo dentro dele, ele não pode conhecer-se apropriadamente; pois
sem a ajuda de Deus ele não pode ver o estado interno da sua alma. Mas
quando o Espírito Santo entra no coração do homem, ele lhe mostra toda a sua
fraqueza e miséria interior, a corrupção da sua alma e seu coração, e seu
afastamento de Deus. O Espírito Santo mostra a um homem todos os pecados
que coexistem com suas virtudes e sua retidão: sua preguiça e falta de zelo pela
salvação e pelo bem dos outros, o egoísmo que denuncia aquelas que parecem
ser suas mais altruístas virtudes, o grosseiro amor próprio que espreita onde ele
nunca suspeitaria. Em resumo, o Espírito Santo mostra todas as coisas em seu
verdadeiro aspecto. Iluminado pelo Espírito Santo, um homem começa a
experimentar a verdadeira humildade, desconfiando de seus próprios poderes e
virtudes e considerando a si mesmo como o pior da espécie humana.

O Espírito Santo ensina a oração real. Ninguém, até que receba o Espírito
Santo, pode orar de modo realmente agradável a Deus. Isto é assim, porque
qualquer um que começou a orar sem ter o Espírito Santo em si, encontra que a
sua alma está dispersa em todas as direções, voltando-se para cá e para lá, de
modo que ele não pode fixar seus pensamentos sobre uma única coisa. Além
disso, aquele que não conhece apropriadamente a si mesmo, ou as suas próprias
necessidades; não sabe nem como e nem o que pedir de Deus; ele nem mesmo
sabe o que Deus é. Mas um homem com o Espírito Santo habitando nele
conhece Deus e vê que Ele é seu Pai. Ele sabe como se aproximar Dele, como
pedir e pelo quê pedir. Seus pensamentos na oração são ordenados, puros, e
direcionados a um único objeto – Deus; e através da sua prece ele é
verdadeiramente capaz de fazer todas as coisas.

METROPOLITA INOCÊNCIO DE MOSCOU [3]


Notas

[1] Evágrios de Pontus (146-99), monge nas Celas no deserto de Nitria, Egito.
Embora alguns de seus trabalhos sejam de duvidosa origem na doutrina
ortodoxa, ele permanece como um dos mais importantes escritores
espirituais gregos. Os trabalhos de Evágrios incluídos na Filocalia, e que
Teófano aqui recomenda ao seu correspondente, são inteiramente livres de
heresia.

[2] Neilos, o Asceta (morreu em 430), fundador e líder de um monastério


perto de Ancyra na Ásia Menor: aproximadamente quase mil de suas cartas
sobreviveram, junto com tratados sobre a vida monástica. Muitos trabalhos de
Evágrios foram incorretamente atribuídos a ele.

[3] Inocêncio (Veniaminov) (1797-1879), o maior missionário Russo durante o


século IXX. Por grande parte da sua vida (1824-68) serviu na Sibéria oriental e
no Alaska, onde pregou para os Esquimós e os Índios Vermelhos: ele foi o
primeiro bispo Ortodoxo a trabalhar no continente americano.
A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa.
(Capítulo VI - iii) Trabalho, Interno e Externo

CAPÍTULO VI

GUERRA COM AS PAIXÕES


(de vários autores)

(iii) TRABALHO, INTERNO E EXTERNO


Trabalho interno

A menos que um homem seja auxiliado pelo trabalho interno, de acordo com
a vontade de Deus, ele trabalha em vão naquilo que é externo.

S. BARSANÚFIO E S. JOÃO

Folhas e frutos

Um irmão perguntou ao Abade Agathon [1]: ‘Diga-me, Abba , o que é maior, o


trabalho físico ou a proteção do que reside dentro?’ Abba respondeu: ‘O homem é
como uma árvore; o trabalho físico é como se fosse as suas folhas e a guarda
daquilo que está dentro é como se fosse seus frutos. Agora, no Evangelho é dito:
“Toda árvore que não produzir bom fruto será cortada e lançada ao fogo.” (Mateus.
iii. 10): claramente, então, todo nosso cuidado deve ser sobre o fruto, isto é, sobre
a vigilância da mente. Mas nós também precisamos da proteção e do adorno das
folhas, isto é, o trabalho físico. ’

DITOS DOS PAIS [2]

As duas ordens de vida em um monastério

Duas ordens de vida acontecem em um monastério: uma externa, a outra interna.


As regras impostas em um monastério estão todas relacionadas com a vida
externa. Estas regras são necessárias, simplesmente, porque trazemos para um
monastério tanto nossos corpos quanto nossas almas: mas o trabalho de salvação
da alma deve prosseguir, à sua própria maneira, lado a lado com estas regras
externas. Se um homem não percebe isto ele pode se afastar dos primeiros passos
da vida monástica, considerando que estas regras e deveres são inconsistentes
com o seu propósito e sua inclinação. Por outro modo, enquanto permanece no
monastério, pode achar que o todo da vida monástica está contido nesta regras.
Neste caso, ele se esforçará em vão não dando um só passo em direção à
purificação e à perfeição de sua alma.

Dedique-se a uma vida onde mãos e pés fazem uma coisa, enquanto a alma, em
seu desejo pela salvação, está ocupada com outra coisa.

TEÓFANO, O RECLUSO
O principal inimigo da vida em Deus

O principal inimigo da vida em Deus é uma profusão de preocupações


mundanas. Esta profusão de preocupações lança um homem numa
interminável roda de atividades seculares. Todos os dias, de manhã até a noite,
ela o conduz de um trabalho a outro, não lhe dando um só momento de
descanso, não lhe deixando tempo para dirigir-se a Deus e permanecer, por um
momento, elevado em oração a Ele.

Esta profusão de preocupações não tem lugar entre os monges. Aqueles que
entendem isto entram para um monastério, simplesmente, para livrarem-se
desta tortura de preocupações. E eles se livram. Quando a multidão de
problemas desaparece, a mente e o coração são deixados completamente livres;
e não há nada que os impeça de permanecer em Deus, tendo sua alegria Nele.
Aqueles que praticam a vida monástica, em um modo inteligente, rapidamente
obtêm sucesso nisto e tornam-se firmemente estabelecidos em seus propósitos.
Tudo o que resta, depois, é manter este tesouro livre das preocupações; e tais
pessoas, de fato, conseguem mantê-lo. Cada monge ou monja tem uma tarefa a
ser executada no curso das vinte e quatro horas. Visto que estas tarefas são
uma questão de rotina, elas não demandam qualquer atenção especial; e assim
as mãos podem estar trabalhando, enquanto a mente conversa com Deus e
assim alimenta o coração. Esta norma para a ordem interna das coisas foi,
muito tempo atrás, recomendada por Santo Antônio, o Grande. Assim, você vê
que mesmo os monges têm uma vida ativa, similar à vida ativa dos homens
seculares. É esta liberação da ansiedade, resultante da sequência ordenada da
vida monástica, que os capacitam a reterem-se firmes em suas metas – em
outras palavras, permanecerem constantemente com Deus e em Deus.

TEÓFANO, O RECLUSO

Paz interior e saúde corporal

Não negligencie o fato de que saúde não depende somente de comida, mas,
acima de tudo, de paz interior. A vida em Deus, separando-nos do tumulto
mundano, traz paz ao coração e, através disto, também mantém o corpo em boa
saúde.

As atividades não são a principal coisa na vida. O mais importante nela é ter
o coração direcionado e sintonizado com Deus.

TEÓFANO, O RECLUSO

Contemplação e ação devem seguir lado a lado

Nós não podemos nos limitar somente a uma vida ativa, mas devemos combiná-
la com ocupações intelectuais, de modo que, com a ajuda delas, a gente possa,
sem quaisquer remorsos, manter o estado interno na sua justa ordem. Devemos,
invariavelmente, conectar a contemplação com a ação e a ação com a
contemplação. Quando estas duas estão assim reunidas elas rapidamente
possibilitam o avanço da alma, limpando-a do mal e fortalecendo-a no bem.
Veja os escritos do Abba João Colobos e do Abba Poimén [3], porém o mesmo
ensinamento pode ser encontrado em todos os escritores ascetas.
TEÓFANO, O RECLUSO

Vivendo a vida contemplativa no mundo

Existem dois caminhos para se tornar uno com Deus: o caminho ativo e o
caminho contemplativo. O primeiro é para Cristãos que vivem no mundo, o
segundo para aqueles que abandonaram todas as coisas mundanas. Mas, na
prática, nenhum dos caminhos pode existir em total isolamento do outro.
Aqueles que vivem no mundo também devem se manter no caminho
contemplativo em alguma medida. Como lhe disse antes, você deve habituar-se
a sempre se lembrar do Senhor e a sempre caminhar diante da Sua face. Isto é
o que se entende por caminho contemplativo.

A questão surge: como podemos sustentar o Senhor em nossa atenção enquanto


nos ocupamos com várias atividades? Eis como isso pode ser feito: qualquer que
seja sua ocupação, pequena ou grande, reflita que é o Senhor onipresente quem
lhe ordena a executá-la e quem lhe observa para ver como você a está
realizando. Se mantiver este pensamento constantemente em sua mente, você
irá, atentamente, completar todas as tarefas que lhe forem designadas e, ao
mesmo tempo, irá lembrar-se do Senhor. Nisto reside todo o segredo da
conduta Cristã para alguém que está na sua posição; se quiser ser bem sucedido
em sua meta principal. Por favor, pense cuidadosamente sobre isto e ajuste-se a
esta prática. Quando assim tiver feito, seus pensamentos deixarão de
perambular por aí.

Por que as coisas não estão indo bem consigo agora? Acho que é porque você
deseja lembrar-se do Senhor, esquecendo-se dos negócios mundanos. Mas, os
negócios mundanos introduzem-se em sua consciência e tiram-lhe a lembrança
do Senhor. O que deve fazer é exatamente o contrário: deve ocupar-se com
negócios mundanos, mas considerá-los como um pedido do Senhor, como algo
feito em Sua presença. Como as coisas estão agora, você fracassa tanto no nível
espiritual como naquele material. Mas, se agir como expliquei, as coisas irão
bem em ambas as esferas.

TEÓFANO, O RECLUSO

O corpo no trabalho, o pensamento com Deus

O corpo no trabalho, mas o pensamento com Deus – tal deve ser o estado de
um verdadeiro Cristão.

Devemos pôr em ordem o nosso estado interior tão logo abrimos os olhos a cada
manhã. Neste mesmo estado de ordem interior, devemos nos manter por todo o
dia, e, à noite, aquecê-lo e fortalecê-lo e assim adormecer. É uma coisa boa
impor limites às nossas afeições pessoais, evitando amizades particulares, e
fazendo todas as nossas relações com outros da mesma natureza. [4] Quando a
oração interior chega, ela pode, parcialmente, substituir o comparecimento à
igreja. Ainda assim, nada aumenta mais o fervor da oração interior do que estar
na igreja.

TEÓFANO, O RECLUSO
Livre de preocupações

Esforce-se para manter seus pensamentos em ordem com relação às


inquietações mundanas. Tente chegar num estado no qual seu corpo pode
cumprir seu habitual trabalho, enquanto o deixa livre para sempre estar com o
Senhor em espírito. O Senhor misericordioso o livrará das preocupações, e onde
esta liberdade prevalece tudo é feito no seu próprio tempo, e nada é uma
preocupação ou um fardo. Busque, peça – e isto lhe será dado.

TEÓFANO, O RECLUSO

A necessidade de invisibilidade

Tente realizar todos os seus esforços ascéticos, quaisquer que sejam eles, de tal
modo que ninguém no monastério saiba a respeito. Se outras pessoas se
informam sobre qualquer um deles, isto já é uma coisa ruim. Não considere
que a invisibilidade – evitar que outros vejam ou saibam – não seja algo
estritamente necessário. Não, é realmente estritamente necessário. Esforço
espiritual, se exibido por aí, é vazio e sem valor.

TEÓFANO, O RECLUSO

Esforços ascéticos são meios, não fins. Não há salvação sem


humildade

Trabalhos externos e esforços ascéticos são meios, e não fins em si mesmos; eles
são úteis somente quando nos trazem para nossa meta e, expressivamente,
contribuem com ela. Não permaneça com eles em seus pensamentos como se
fosse algo importante. Nossos sentimentos e disposições internas são a principal
coisa. Volte toda a sua atenção para eles, uma vez que estabeleceu sua condição
de vida exterior. Acima de tudo, preserve a humildade e ore para que ela lhe seja
dada, e encontre falhas em você tão frequentemente quanto possa, de modo a
conseguir a humilhação de si mesmo. Tão logo acorde, tente perceber sua
nulidade, e então lute para permanecer com este sentimento durante todo dia.
Humilhe-se, ainda mais, quando diante do Senhor. Quem sou eu, e a Quem
tenho a audácia de endereçar-me com voz humana? Alegre-se se ocorrer de
encontrar uma humilhação externa que não veio através da sua própria busca.
Aceite-a como uma misericórdia especial de Deus. Tome como um critério que
ao estar ofendido consigo mesmo você está num bom estado. Mas, assim que
um sentimento de auto-satisfação infiltrar-se, não importa quão sutilmente, e
você começar a se avaliar em alta conta, saiba que não está em um estado
correto e comece a reprovar -se. Por causa do Senhor, peço-lhe, não se esqueça
disto. Se a humilhação de si mesmo está faltando todo o restante é nada. Houve
pessoas que obtiveram a salvação apenas pela humildade, sem esforços
ascéticos. Mas sem humildade ninguém jamais foi salvo ou ninguém jamais será
salvo.

TEÓFANO, O RECLUSO

Os andaimes e a construção

Pense o mínimo possível a respeito de feitos ascéticos externos. Embora eles


sejam necessários, eles não são nada mais que andaimes dentro dos quais a
construção está sendo erguida. Eles não são a própria construção, a construção
está no coração. Volte toda a sua atenção, pois, para aquilo que está sendo
feito no coração.

O primeiro pensamento tentador que lhe começará a atacar será a auto-


satisfação ou auto-importância. A isto se seguirá o elogio de si mesmo, o soar da
sua própria trombeta, e a seguir virá a arrogância diante dos outros.
Compreenda a natureza destas tentações. Leia S. Macário, o Grande e, em
especial, a Escada de João Clímaco, onde muito foi escrito sobre a discriminação
entre os pensamentos. Uma única e mesma ação pode ser tanto agradável como
desagradável a Deus, dependendo dos pensamentos que a acompanham.
Aprenda destes seus ensinamentos.

TEÓFANO, O RECLUSO

Distração e fascinação do coração. Por que às vezes nos sentimos


tristes

Você me conta que fica sujeito a distração. Este é o primeiro ataque do inimigo,
prejudicial à nossa ordem interior. Quando você entra em comunicação com
outras pessoas ou se ocupa com assuntos seculares, faça de tal modo que você
ainda possa lembrar-se do Senhor ao mesmo tempo. Aja e fale sempre com a
consciência de que o Senhor está perto e conduz tudo de acordo com Seu prazer.
Portanto, se há alguma coisa que exige sua atenção, prepare-se de antemão de
modo a não se afastar do Senhor no curso do seu cuidado a ela, mas que
permaneça em Sua presença todo o tempo. Você deve orar para que isto lhe seja
concedido. É certamente possível adquirir este hábito; simplesmente faça dele
uma regra para que, de agora em diante, aja desta maneira.

A segunda cilada do inimigo, que nos impede de habitar dentro, é o apego do


coração a alguma coisa em particular, e sua fascinação por este objeto. Isto é
pior que a distração. Fascinação deste tipo não aconteceu, de fato, em seu caso e
você logo retornou à sua condição anterior. Mas se seu coração tivesse se
apegado a algo, você teria uma longa e arrastada luta para se fazer livre. Neste
caso, primeiramente, teria sido necessário arrancar seu coração da coisa a que
ele se apegou, e, em segundo lugar, gerar uma repulsa contra ela. Mantenha
isso em mente e proteja-se, de todas as maneiras, contra a distração e, ainda
mais, contra a fascinação do coração. O remédio é um único e mesmo – não
deixar a atenção afastar-se do Senhor e da consciência de Sua presença.

Por que uma longa conversa com alguém o faz sentir -se triste depois? Porque
durante a conversa sua atenção afasta-se do Senhor. Isto é inaceitável ao Senhor
e Ele o torna ciente disto deixando-o triste. Qualquer coisa que esteja fazendo,
habitue-se a estar incessantemente com o Senhor e faça todas as coisas para
Ele, esforçando-se para harmonizá-las com Seus mandamentos. Então, você
nunca se sentirá triste pois saberá que sempre está fazendo Seu trabalho.

TEÓFANO, O RECLUSO
Trabalhe com suas mãos, e ainda assim permaneça com Deus na
mente e no coração

Qualquer coisa que lhe seja dita para fazer, faça-a sem argumentação interna,
com completa boa vontade, como se fosse um comando de Deus. Coloque essas
palavras, que eu sublinhei, profundamente em seu coração e aja no espírito
delas. Aceite cada ordem como vinda diretamente do Próprio Deus, e execute-a
com todo zelo e atenção, como um trabalho dado por Deus e executado em Sua
presença. Aja como se não estivesse obedecendo aos homens, mas a Deus que
a tudo vê; e permaneça com o temor do julgamento que se espera àqueles que
executam o trabalho de Deus negligentemente. (Jer. xlviii. 10) Por favor,
mantenha isto firmemente em sua mente.

E, agora, considere a mudança dos desígnios de Deus em relação a você, de


modo a evitar agir de maneira contrária à intenção de Deus. Qual era a sua
posição antes? Na igreja você se mantinha afastado, à vontade, com nada para
fazer exceto orar e confortar-se com o calor da prece. Em sua cela também, a
principal coisa era orar e só orar. Agora, na igreja, você tem trabalho a fazer, e
em seu quarto também tem trabalho a fazer. Você acha que não há razão para
isto? Longe disso. O Senhor está lhe oferecendo a chance de mover-se adiante
para um segundo estágio. Antes, você passava seu tempo em ardente oração,
sem quaisquer ocupações impostas pela regra monástica. Agora, você tem que
aprender a permanecer em oração como antes, só que com a adição destas
ocupações. É isto o que o Senhor lhe pede. Procure fazê-lo. Antes, você tinha
algum trabalho para fazer, mas agora você tem muito mais. Você deve fazer
aquilo que tem para fazer e, ao mesmo tempo, não permitir que sua mente
afaste-se do Senhor; isto é, você deve permanecer como se estivesse de pé na
oração. Este deve ser seu princípio diretor: trabalhe com suas mãos e ainda
assim permaneça com Deus na mente e no coração. Escreva, mas não permita
que sua mente afaste-se de Deus, e não permita que o calor de sua prece
diminua, ou que sua sobriedade se enfraqueça. O mesmo deve acontecer quando
auxilia na igreja. A experiência lhe ensinará como ser bem sucedido nisto. E
desta maneira você adquirirá nova experiência e nova força para permanecer
dentro.

TEÓFANO, O RECLUSO

Verdadeira obediência por causa do Senhor

Você nomeou obediência relutante como: ‘obediência mecânica’. Na realidade,


a única espécie de obediência que efetivamente forma nosso caráter é a
obediência executada contra nossa própria vontade e nossas próprias idéias.

Se você faz algo porque este é o jeito no qual seu coração está inclinado, onde
está a obediência? Você está meramente seguindo sua própria vontade e seus
próprios sabores. Se identifica suas motivações, você torna esta ação auto-
motivada ligeiramente melhor. Mas, na verdadeira obediência obedece-se sem
ver a razão para fazer aquilo que lhe foi dito, e a despeito da sua própria
relutância. Uma benção especial é prometida a tal obediência – a benção de ser
mantido livre de todo prejuízo quando o dever que lhe foi imposto for concluído.
Quando esta obediência é executada por causa do Senhor, então o Senhor toma
Seu obediente servo sob Seu próprio cuidado e cuida dele.

TEÓFANO, O RECLUSO

Inquestionável obediência é mais valiosa do que qualquer


feito ascético

Você pensou que as coisas estavam melhores quando você não era requerida,
sob obediência, a fazer trabalho de secretariado. Você engana a si mesma. A
inquestionável obediência que vai contra nossas inclinações é mais valiosa do
que qualquer feito ascético: pode ser prejudicial somente quando praticada de
maneira imprudente e, geralmente, superficial como o foi por você. Na verdade,
o Senhor sempre recompensa o trabalho de abnegação. Você não parece nada
incomodada por esta tua resistência contra o dever da obediência. Ontem você
fez o juramento de obedecer a Abadessa em tudo, e agora se recusa a suportar
um leve dever para o qual você está bem preparada. É esta a maneira de
cumprir um voto? O voto da obediência é a sua aliança com o convento, a base
da sua vida como monja. E agora esta aliança foi rompida, e você atirou-se para
fora da ordem na qual já tinha colocado um pé. Deveria arrepender-se e
derramar lágrimas sobre isso. Pois como resultado, sua ordem interior está
obrigada a se desfazer e talvez já tenha sido pilhada, muito embora,
externamente, possa parecer estar em processo de formação. Por isto você deve
fazer penitência.

Você precisa fazer três prostrações ao mesmo tempo, pedindo ao Senhor, com
lágrimas, para lhe perdoar por sua falsidade e desobediência, ao prometer uma
coisa em palavras e ter feito algo completamente diferente na ação. Arrependa-
se deste pecado em confissão: é um pecado não só meramente de intenção,
mas de fato. Ore a Deus para motivar sua superiora a lhe oferecer a mesma
submissão uma vez mais. Quando ela novamente lhe for dada, pare as
prostrações.

TEÓFANO, O RECLUSO

Um banho de lama curativo

Você escreve: ‘Eu trabalho como um iniciante entre noviços.’ Eu não entendo a
que tipo de trabalho você se refere; mas se o trabalho é bom ou
desaconselhável depende inteiramente do espírito com o qual ele é executado.
Observe este espírito e julgue o trabalho de acordo com isso.

Quando você percebe que está sendo caluniado, aceite: é um tipo de banho de
lama curativo. Você faz bem em não perder este sentimento de fraternal
amizade para com aqueles que estão aplicando este remédio em você.

TEÓFANO, O RECLUSO
Demasiadamente absorvido no trabalho

Sua preguiça nas ocupações espirituais surge do entusiasmo com o qual você
tem tomado o trabalho físico. Não seja demasiadamente levado pelo seu
trabalho, ou sua cabeça ficará confusa. E se sua cabeça está confusa, seu
coração ficará confuso também.

TEÓFANO, O RECLUSO

Trabalho manual

Trabalho manual conduz a humildade, preenche casuais intervalos, e evita o


vagar dos pensamentos. Substituí-lo com prostrações é bom – esta é uma forma
de trabalho melhor. Mas tal substituição é sempre possível? Os anacoretas do
Egito sentavam-se trabalhando manualmente desde manhã até a noite. S. Isaac,
o Sírio, por outro lado, não era favorável ao trabalho manual, dizendo que ele
distraía a pessoa para longe de Deus. Isto é verdadeiro para trabalhos
complicados, mas trabalhos simples não prejudicam.

TEÓFANO, O RECLUSO

Apego excessivo às regras

Qualquer espécie e sequência de ocupações são boas, na medida em que elas


ajudam a manter nossa atenção dirigida a Deus. Não há necessidade de
descrever a quais ocupações faço referência. Se uma ocupação não enriquece
nossa vida de oração, ela deve ser abandonada e, ao invés, outra coisa ser
escolhida. Por exemplo, você abre um livro e começa a lê-lo, mas as coisas não
seguem bem; ponha este livro de lado e escolha outro. Se este também não
está bom, pegue um terceiro. Se as coisas não seguem bem com este também,
deixe de ler e faça prostrações ou medite. Você deve ter algum ofício manual
que não distraia a sua atenção. Quando sua atenção em relação a Deus se
desperta e a oração está seguindo dentro de você, é melhor não começar a
fazer qualquer coisa – quero dizer, se está em casa– mas sentar-se ou
caminhar um pouco, ou, melhor ainda, parar diante dos ícones e rezar.
Quando a oração começa a enfraquecer-se, aumente seu fervor através da
leitura ou da meditação. As regras são necessárias para aqueles que entram
num monastério para fazê -los se acostumarem com as ocupações e atividades
monásticas. Mas, mais tarde, quando eles obtiveram certas percepções
internas e , em especial, calor no coração, as regras deixam de ser estritamente
necessárias para eles. Falando em geral, não deveríamos estar muito apegados
às regras, mas devemos assegurar certa liberdade a respeito delas, tendo
apenas uma única intenção: manter nossa atenção direcionada em adoração a
Deus.

Nosso corpo sempre deve ser mantido tão firme quanto uma corda esticada,
como um soldado na parada, e não devemos deixá-lo relaxar, e isto não
somente ao caminhar ou sentar, mas também ao ficar de pé ou ao deitar.
Todas as coisas que temos para fazer, pequenas ou grandes, devem ser feitas
como se o olho de Deus estivesse nos olhando. Cada visitante ou cada pessoa
que encontramos deve ser recebida como um mensageiro de Deus. A primeira
questão que sempre devemos nos perguntar é: o que o Senhor deseja que eu
faça para ou com esta pessoa? Devemos receber todos como se fossem a
imagem de Deus, reverenciando-os e estando pronto para ajudá-los como
podemos.

Falta de piedade consigo, disponibilidade para encarregar-se de qualquer


serviço para os outros, e completa auto-entrega ao Senhor, permanecendo Nele,
em oração – estas são as coisas que constroem a vida espiritual.

TEÓFANO, O RECLUSO

Atividades externas não devem distraí-lo do trabalho interno

Você abordou a questão das ocupações. Já que aquilo que faz não depende da
regra monástica, mas da sua própria decisão, você pode dispor suas atividades
de modo que elas não o distraiam do trabalho interno. Nesta direção segue o
conselho de S. Isaac, o Sírio. Ele não é favorável ao trabalho manual e só o
admite, ocasionalmente, quando há necessidade dele; pois ele distrai a atenção
de nossa mente. Devemos, especialmente, nos treinar para evitar esta distração.
Não fazer nenhum trabalho, de fato, é uma impossibilidade – o trabalho é uma
necessidade da nossa natureza. Ainda assim, não devemos ser muito carregados
por ele também. Os monges do Egito trabalhavam todo o dia e, mesmo assim,
suas mentes não deixavam Deus.

TEÓFANO, O RECLUSO

Mantendo o forno interior quente

Aprenda a executar tudo aquilo que faz de tal modo que seu coração seja aquecido
ao invés de resfriado. Ao ler ou rezar, trabalhar ou conversar com outros, você
deve agarrar-se a esta única meta – não deixar seu coração esfriar-se. Mantenha
seu forno interior sempre quente, através da declamação da oração curta, e vigie
seus sentimentos, no caso de estarem dissipando este calor. As impressões
externas raramente estão em harmonia com o trabalho interno.

TEÓFANO, O RECLUSO

Trabalho interno e sobriedade

Estes são os vários meios pelos quais as paixões são destruídas em nós. Algumas
vezes elas são derrotadas pelos nossos próprios esforços mentais e ativos,
algumas vezes pelo nosso guia espiritual e algumas vezes pelo Próprio Senhor.
Já foi dito que sem luta mental interna, nossos esforços externos não podem ser
bem sucedidos. A mesma coisa é verdade em relação aos esforços que fazemos
sob a orientação de um guia, e também daqueles da purificação efetuada em nós
pela Providência. A luta interna deve ser, portanto, incessante e contínua. Por si
mesma ela não é muito poderosa, mas quando está ausente todos os outros
meios são inefetivos e inúteis. Aqueles que trabalham ativamente e aqueles que
sofrem, aqueles que choram e aqueles que obedecem as regras que lhes são
impostas – em cada grupo destes, muitos pereceram e estão perecendo agora,
porque eles não se envolvem na batalha interna, dando proteção às suas mentes
e aos seus corações.

Lembre-se daquilo que dissemos a respeito do positivo valor do trabalho interno


– é o trabalho interno que dá propósito e eficácia a todas nossas atividades
externas. Isto nos mostra quão importante é o trabalho interno: ficará claro
para todos que ele se constitui como o ponto de partida, base, e meta de todas as
espécies de esforços ascéticos e espirituais.

Toda nossa tarefa pode ser reduzida à seguinte regra: recolhendo-se dentro,
recobre sua autoconsciência espiritual, ponha-se a trabalhar internamente, e,
preparado deste modo, exercite-se através dos deveres impostos a você seja
pelo seu guia espiritual, seja pela Providência. Mas ao fazê-lo você deve
observar e notar com rigorosa e imperturbável atenção tudo aquilo que lhe
surge dentro. Tão logo alguma paixão seja despertada, afaste-a e derrube-a,
tanto mentalmente como ativamente, não se esquecendo de reacender e
despertar, dentro de si, o calor do espírito da contrição e da tristeza por seus
pecados.

É para isto que a plena atenção do lutador espiritual deve estar voltada. Desta
maneira, através de contínua concentração, ele evitará ser distraído, e o fará
como se estivesse cingindo os lombos da sua mente. Na medida em que segue
neste caminho interno, sempre vigilante sobre si mesmo, ele aprenderá a
virtude da sobriedade.

Agora, você pode compreender a razão pela qual os lutadores espirituais


sempre consideraram a sobriedade como sendo a principal virtude de todo
trabalho espiritual, e por quê consideram aqueles que carecem dela como sendo
infrutíferos.

TEÓFANO, O RECLUSO

Auto-educação: Ler, sentir, agir

Cada homem, então, deve treinar-se, e incutir em si mesmo as verdades


contidas nas palavras de Cristo, de modo que elas entrem e habitem dentro
dele. Com este propósito em vista, ele deve lê-las e refletir sobre elas, e confiá-
las a memória; ele deve aprender a estar em interna simpatia com elas, por elas
sentindo um profundo amor, e então deve colocá-las em prática. Esta última é a
plena meta da auto-educação. Na medida em que ela falte não podemos dizer de
tal homem que ele ensinou a si mesmo, mesmo se saiba as palavras de Cristo de
cor e seja coerente em seu raciocínio. É precisamente por esta falta que S. Paulo
repreendeu os judeus em sua Epístola aos Romanos: “Ora tu, que ensinas aos
outros, não ensinas a ti mesmo!” (Rom. Ii. 21) Se um homem prega sobre Cristo,
mas ele próprio não vive Nele, então a palavra de Cristo, nele, não entrou.

Está claro que qualquer tipo de educação que venha dos outros, somente
produz fruto quando combinada com o próprio ensinamento do homem a si
mesmo. Cada um deve fazer-se perceber o sentido daquilo que lhe é ensinado,
de modo que, depois de ouvir ou ler algo, ele persuade a si próprio não só a
pensar exatamente como aquilo, mas, também, a sentir e a agir do mesmo
modo. Pois a palavra de Cristo entra e habita num homem, somente se ele
consegue persuadir-se a acreditar e a viver de acordo com ela.

Um homem é, de fato, insensato se ele lê diligentemente as palavras de Deus,


mas não consegue refletir sobre elas, não se permitindo sentir seus significados
e não as praticando na vida real. Pois assim, a palavra de Deus flui através dele
como água em uma calha, sem nele entrar e nem deixar qualquer sinal.
Podemos saber todos os Evangelhos e todas as Epístolas de cor e, ainda assim,
não ter a palavra de Cristo habitando dentro de nós, porque não a estudamos da
maneira correta. Assim, um homem age tolamente se alimenta, com a palavra
de Cristo, somente sua mente e não se preocupa em trazer seu coração e sua
vida em correspondência com ela. E então, a palavra fica nele como areia
despejada em sua cabeça e em sua memória, permanecendo ali como algo morto
ao invés de vivo. A palavra de Cristo vive somente quando passa ao sentimento e
à vida; mas num tal homem isto não acontece, e assim não podemos dizer que
a palavra de Cristo habita nele.

TEÓFANO, O RECLUSO

Faça tudo em Nome do Senhor Jesus

‘E tudo o que fizerdes de palavra ou ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus,


por ele dando graças a Deus, o Pai.’ (Col. iii. 17).

Aqui, S. Paulo fala do terceiro modo através do qual provamos que nossa
morada oculta está em Deus – sendo este modo aquele de fazer todas as coisas
em Nome do Senhor. Quanto aos outros dois métodos, através do primeiro – a
leitura da Sagrada Escritura e a assimilação das verdades reveladas que ela
contém – nós afugentamos as imaginações vãs e imundas e ocupamos nossas
mentes com bons pensamentos, plenamente interessados em coisas divinas; e
através do segundo – a oração – estabelecemos em nós mesmos o hábito de
sempre lembrar-nos de Deus e continuamente caminhar em Sua presença.
Ambos estes métodos mantém nossa atenção e sentimento absorvidos em Deus.
Pareceria, talvez, que isto pudesse ser suficiente? Parece, mas não é. Se apenas
estes dois métodos fossem usados, eles não nos conduziriam à meta que
desejamos. O homem não é só pensamento e sentimento, mas, sobretudo, ele é
ação. Ele sempre está se movendo, constantemente ativo. Mas toda ação
envolve atenção e sentimento. O homem que age fica completamente envolvido
em sua ação. Consequentemente, o homem que busca Deus perceberá que por
causa de certas coisas que não pode evitar, inevitavelmente, se desviará de Deus
em seu pensamento, e depois do pensamento, se desviará em seu sentimento.
As ocupações o rebaixam do céu à terra, ou o afastam de sua seclusão com Deus
na direção das relações externas com outros seres humanos. Pois nossas
ocupações são quase todas visíveis, já que são executadas entre criaturas iguais
a nós e entre as coisas dos sentidos. Segue-se disto que se as ocupações de um
homem não são conduzidas de modo a capacitá-lo a manter sua reclusa vida em
Deus, os primeiros dois métodos permanecerão infrutíferos e até mesmo se
tornarão impossíveis de serem praticados como se deve. As ocupações ficam nos
distraindo – mesmo na prática do estudo das Sagradas Escrituras e na prática
da oração. E assim o Apóstolo, na passagem que citamos, nos ensina como
transformarmos todas as nossas ações em meios de preservar nossa vida secreta
em Deus: isto pode ser obtido ao se ‘fazer tudo em Nome do Senhor’. Se formos
bem sucedidos em sintonizar nós mesmos neste modo, não nos afastaremos do
Senhor nem em pensamento, nem em sentimento. Pois fazer tudo em Nome do
Senhor significa fazer tudo para Sua glória, no desejo de agradá-Lo, tendo
corretamente compreendido Sua vontade até mesmo em relação a alguma
questão trivial. Nisto, os membros do corpo, como ferramentas, farão o
trabalho; e o pensamento e o sentimento se voltarão para o Senhor, ansiosos
para executar suas tarefas de um modo agradável a Deus e obediente à Sua
glória.

Este método é mais efetivo do que os dois primeiros para garantir nossos
propósitos; sucesso nos dois primeiros depende do sucesso neste último. Pois
os dois primeiros são mentais no caráter, e o que vem da mente entra em nosso
inteiro ser através da ação. Quando nossa ação é santificada por sua dedicação a
Deus, então, no processo de fazê-la, certo elemento divino entra em todos os
órgãos e poderes que tomam parte no trabalho. Maior o número de tais ações,
maior são os elementos divinos que entram no ser de um homem. E mais tarde,
eles o preenchem completamente de modo que sua plena natureza fica imersa
no divino, e habita em Deus. Gradualmente, na medida em que esta vigília e
orientação a Deus é estabelecida, a oração e a adoração de Deus, acompanhados
por pensamentos daquilo que é bom, também se tornam mais firmemente
estabelecidos. Oração e adoração influenciam o trabalho que está sendo feito
para a glória de Deus; e porque estamos habitando no divino, como
recompensa, nossos feitos são, eles mesmos, dotados com maior força e
eficácia.

São Paulo abraçou todas as nossas atividades em dois termos: palavra e ação.
As palavras são pronunciadas pela boca, as ações executadas por nossos
membros. Do momento em que despertamos ao momento em que dormimos,
nós estamos continuamente envolvidos em ambas. Nossas falas fluem quase
sem interrupção, enquanto os vários movimentos do corpo continuam
incessantemente. Que rica oferenda a Deus se tudo isto pudesse ser dirigido
para Sua glória! Se fizermos nossa fala servir à glória de Deus não somente
eliminaríamos o mau discurso, mas também as conversas fiadas e inúteis, e
apenas uma espécie de discurso permaneceria – aquele que serve a edificar
nossos irmãos ou ao menos (para falar no mínimo) não causar-lhes nenhum
dano. Também devemos consagrar nossa fala para Deus recitando preces. Além
disso, ao voltarmos nossas ações para a glória de Deus, não somente podemos
nos livrar das más ações vindas da luxúria e da irritação – tais coisas não
deveriam ser predominantes se pensamos estar entre Cristãos – mas também
somos capazes de ver em que espírito devemos executar certas ações e como
elas são permissíveis, necessárias e úteis. Isto livra nossas ações de toda auto-
satisfação e de toda servidão ao mundo e seus maus caminhos.
Fazer todas as coisas em Nome do Senhor significa fazer com que tudo seja
feito para Sua glória, tentar executar tudo de tal modo que Lhe agrade,
consciente de que é Sua vontade. Significa também circundar toda ação através
de orações a Ele; começar com a oração e terminar com a oração; ao começar,
pedir pela Sua benção; ao proceder, pedir pela Sua ajuda; e ao terminar,
agradecê-lo por ter concluído Seu trabalho em nós e através de nós.

TEÓFANO, O RECLUSO

A corrente de sofrimento

A vida de um Cristão na terra é uma corrente de sofrimento. É necessário lutar


contra nosso próprio corpo, contra as paixões e os espíritos malignos. Nossa
esperança reside nesta luta. Nossa salvação vem de Deus. Tendo colocado
nossa confiança Nele, devemos suportar com paciência o tempo de luta. Nós
somos moídos entre as mós da tentação como grãos moídos em farinha. A
Divina Providência permite que estas provações nos assaltem para o grande
benefício de nossa alma; através delas adquirimos um coração contrito e
humilde que Deus não desprezará.

BISPO INÁCIO

Notas

[1] Monge de Scetis no Egipto durante o século IV, e amigo de São Macário.

[2] Os Ditos dos Pais: uma coleção de histórias relacionadas em sua maior
parte aos monges dos séculos IV e V do Egito (especialmente Scetis).

[3] Monges de Scetis no Egipto durante o século V.

[4] O correspondente de Teófano é provavelmente um monge.


A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa
- (Capítulo VI - iv) Solidão

CAPÍTULO VI
GUERRA COM AS PAIXÕES
(de vários autores)
(iv) SOLIDÃO

Em um monastério você tem que enfrentar a solidão

Uma vez que vá a um monastério você tem que enfrentar a solidão. A vida em
um monastério é dura para qualquer um que prefira viver ali em companhia
com muitas outras pessoas, como se estivesse em sociedade. Em um monastério
deve-se conhecer apenas uma única pessoa – o abade, ou o seu pai confessor e
stárets. Em relação aos outros sua atitude deve ser como se eles não estivessem
presentes. Então tudo correrá bem; de outro modo a comoção será pior do que
aquela de um baile em São Petersburgo.

TEÓFANO, O RECLUSO

Somente Deus e a alma

Somente Deus e a alma – isto é ser verdadeiramente um monge. Mas como isto
é obtido? Por qualquer meio que prefira, na medida em que consiga obtê-lo;
pois enquanto um homem não alcançou este estado, ele ainda não é um monge.
Mas, por mais difícil que seja tornar-se um verdadeiro monge, não fique
desencorajado: o espírito do zelo virá e irá dispersar todos os seus medos. Este
espírito é irresistível. Ele vem, é aceito pelo coração, e efetua grandes
mudanças internas. Esta é a origem de toda vida monástica real. Seria mais
correto dizer que ninguém faz de si mesmo um monge – ele se torna um
através de uma força externa.

Existem naturezas tranquilas que não são dadas a rigorosos feitos de


abnegação. Para elas é mais natural a vida humilde, na simplicidade de seus
corações, fazendo o bem e ajudando a todos aqueles que necessitam de ajuda.

TEÓFANO, O RECLUSO

O mundo pode ainda estar conosco no coração

Esta amiga, esta moça sobre a qual você me escreve, ela acha que ao renunciar
ao tumulto do mundo já fez tudo o que é necessário? Ela não percebe que o
mundo pode ainda estar conosco no coração, na medida em que ficamos
vivendo como nos agrada, somente para nos satisfazer?
TEÓFANO, O RECLUSO

‘Dar e tomar’

Tente acalmar-se de tal modo que você não saia para encontrar as pessoas tão
facilmente, e nem receba visitas em sua casa entusiasticamente. Os startsi
escreveram que na medida em que há um desejo de dar e tomar em nós, não
devemos esperar por paz alguma. Esta expressão ‘dar e tomar’ abarca tudo –
todas as espécies de comunicação com outros. Tal grau de desapego não pode
ser conquistado de uma única vez, mas as suas fundações devem ser definidas
agora. Possa a doçura que é habitar com o Senhor lhe preencher com a Sua
graça.

TEÓFANO, O RECLUSO

Buscando a vontade de Deus na solidão

Você sabe, é claro, que no momento seu inteiro propósito é modificar-se


internamente. E assim, correspondendo a estas mudanças internas e
obedecendo ao impulso que vem delas, as coisas externas devem ser
modificadas também. Em sua atual posição aconselho-lhe a isto. Comece
retirando-se em solidão na sua própria casa e dedique-se, nestas horas de
solidão, a orar acima de tudo por uma coisa: “Mostra-me o caminho que devo
seguir” (Sl. cxliii. 8.) Ore assim, não só meramente em palavras e pensamento,
mas, também, desde seu coração. Para estes momentos de solidão disponha
certas horas todo dia, pois este é o melhor caminho; ou, ainda, certos dias da
semana. E então, cumpra corretamente este tempo de solidão buscando acima
de tudo a iluminação e que o correto caminho lhe seja mostrado por Deus. A isto
acrescente a prática do jejum que afeta a carne: será de bom auxílio à oração. E
durante este tempo, tente, como um experimento, fazer atos de renúncia interna
– ora de uma coisa, ora de outra – de modo a tornar-se indiferente a todas as
coisas; e retire-se em seclusão de modo tal que nada possa lhe atrair de volta. A
meta é levar a sua alma a um estado no qual ela anseia por escapar de seu
modo de vida atual como um prisioneiro procura libertar-se de seus grilhões.

TEÓFANO, O RECLUSO

Como usar momentos de solidão

Você deveria dedicar seus momentos de solidão exclusivamente em trabalhar


para Deus – na oração e no pensamento de Deus. Estas práticas, se seguidas
com razoável correção, não lhe permitirão sentir-se entediado. Pois elas trazem
tal consolação espiritual que, na terra, nada mais pode trazer igual.

TEÓFANO, O RECLUSO

O que significa ser um recluso

Você diz que gostaria de tornar-se um recluso. É muito cedo para isto; e não há
necessidade. Afinal, você mora só, tem poucas visitas e elas são distantes entre
si. Ir a igreja não interrompe sua solidão, mas a intensifica e também lhe dá
força para passar seu tempo em casa. De tempos em tempos você, talvez,
pudesse ficar recolhido dentro de casa por um ou dois dias esforçando-se para
estar com Deus todo o tempo. Mas em seu caso isto já acontece por si mesmo,
assim não há necessidade de fazer planos para tornar-se um recluso. Quando a
sua oração ganhar um nível de estabilidade que sempre lhe mantenha face a
face com Deus em seu coração, você terá a seclusão sem ser um recluso. Pois, o
que realmente significa ser um recluso? Significa que sua mente, encerrada no
coração, permanece diante de Deus em reverência e não sente desejo de deixar
o coração ou se ocupar com qualquer outra coisa. Busque por este tipo de
reclusão e não se preocupe em relação ao outro. Mesmo por detrás de portas
fechadas pode-se perambular pelo mundo, ou permitir que o inteiro mundo
invada o próprio quarto.

TEÓFANO, O RECLUSO

Mantendo seus pensamentos dentro dos muros do monastério

Alguém disse: ‘Cuide que seus pensamentos não vaguem para fora dos muros
do monastério, e você logo encontrará o doce descanso da seclusão monástica. ’
Esta é a parte mais abençoada escolhida por Maria – chegar a um estágio
quando nada mais existe em seus pensamentos além da igreja e da cela. Quão
excelente é isto! Penso que a beatitude deste estado esteja além de descrição.

TEÓFANO, O RECLUSO

Guerra com as paixões – na comunidade e na solidão

Você está convicto, assim me conta, que há mais mérito em esforçar-se para
servir Deus no tumulto da vida diária do que no trabalho pela salvação em
solidão. Não se argumenta contra esta convicção. Aqueles que verdadeiramente
lutam para servir a Deus não visam obter mérito. Tudo com que eles se
preocupam é purificar a si mesmos das paixões, de todos os pensamentos e
sentimentos apaixonados. Para este propósito a vida vivida junto aos outros é
mais adequada, porque ela nos provê com experiência prática na luta contra as
paixões e na superação delas. Estas vitórias atacam as paixões no peito e na
cabeça, e repetidas vitórias, rapidamente, matam as paixões por completo. Na
solidão, por outro lado, a luta ocorre apenas na mente, o que é frequentemente
mais fraco em seu efeito como o é o impacto da asa de uma mosca. Esta é a
razão pela qual se leva mais tempo para matar as paixões na solidão. Além
disso, em tal luta, é praticamente sempre o caso de que as paixões não são
plenamente destruídas, mas meramente forçadas a ceder por um momento, até
que o objeto da paixão seja novamente encontrado. E assim, algumas vezes
acontece que a paixão repentinamente lampeje como um raio: neste caso, um
homem que muito desfrutou de paz em relação às paixões, através não só da
luta mental mas, também, da luta real; não será abalado pelo repentino ataque.
Esta é a razão pela qual os homens de experiência na vida espiritual aconselham
os outros a superar as paixões opondo-se contra elas de uma forma definida
enquanto vivem em comunidade, e só mais tarde retiram-se para a solidão.

TEÓFANO, O RECLUSO
Ficando irritado quando nossa solidão é perturbada

Contrariar-se e irritar-se se alguém interrompe sua solidão é muito errado. Isto


ocorre pela superestimação de si mesmo: é como se você dissesse: ‘Não ouse
atrapalhar-me!’ Aqui o inimigo triunfa dentro de si. Tome como uma regra não
ceder a este sentimento de contrariedade. Exasperação e raiva só são
permissíveis quando dirigidas contra os nossos próprios pensamentos e
sentimentos maus.

TEÓFANO, O RECLUSO

Falta de ordem interior

Você reclama de uma falta de ordem interior. Sem tal ordem nada que você faça
pode ser de muito valor. È mais fácil obtê-la e estabelecer-se nela se você
estiver vivendo no deserto. Temor a Deus, um coração humilde e contrito –
estas são suas primeiras manifestações.

TEÓFANO, O RECLUSO
O verdadeiro deserto

Como você deveria organizar-se internamente de modo a desfrutar a paz da


alma? Assegure para si a solidão interior. Mas tal solidão não é um mero vácuo,
nem pode ser obtida simplesmente através da criação de um pleno vazio em si
mesmo. Ao retirar-se em si mesmo, você deveria ficar diante do Senhor e
permanecer em Sua presença, não permitindo que os olhos da mente desviem-
se do Senhor. Este é o verdadeiro deserto – estar face a face com o Senhor. Este
estado de permanência diante do Senhor é algo que se sustenta e se mantém a si
mesmo. Estar com o Senhor é a meta da nossa existência, e quando estamos
com Ele não podemos deixar de experimentar um sentimento de bem-estar;
este sentimento naturalmente atrai nossa atenção para ele mesmo, e, através
dele, para o Senhor de quem o sentimento vem.

TEÓFANO, O RECLUSO
Velhos conhecidos

É bom afastar-se das distrações sob a proteção de quatro paredes, mas é ainda
melhor afastar-se para a solidão dentro de si. A primeira sem a segunda não é
nada, enquanto que esta última é de extremo valor mesmo sem a primeira.

É algo excelente ir à igreja, mas se você pode habituar-se a orar em casa como se
estivesse na igreja, tal prece feita em casa é de igual valor.

Assim como um homem vê outro face a face, tente, pois, permanecer diante do
Senhor, de modo que sua alma esteja face a face com Ele. Isto é algo tão natural
que não deveria haver nenhuma necessidade de ser especialmente mencionado,
pois, por sua própria natureza, a alma deve sempre se esforçar em direção a
Deus. E o Senhor sempre está perto. Não há nenhuma necessidade de articular
uma aproximação entre eles já que são velhos conhecidos.

TEÓFANO, O RECLUSO

Seclusão externa e interna

Você deseja afastar-se em seclusão. Quando o momento correto vier será


possível. Mas antes, faça a necessária preparação. Falando em geral, parece-me
que um completo isolamento não é bom para você, mas que no seu caso, é bom
afastar-se no isolamento de tempos em tempos. Não há nenhuma necessidade
de que você busque algo além disso. Quando a pequena chama é acesa no
coração, e você começa a habitar com sua atenção no coração; você já possui o
verdadeiro isolamento interno. Seclusão externa também será necessária, mas
parece-me que ainda assim, você faria bem em afastar-se para a solidão apenas
de tempos em tempos.

TEÓFANO, O RECLUSO

Protegendo a concentração interna no meio das preocupações


externas

Foi-lhe concedido um grande favor do Senhor. Através deste Ele está


expressando sua aprovação pelos seus trabalhos anteriores e a encorajando a
realizar trabalhos ainda maiores. Mas talvez Ele esteja lhe ensinando isto: não
estão as tentações internas, ou os encargos e os infortúnios externos,
aproximando-se para lhe afrontar? Esse é o pensamento de S. Isaac. Ele diz que
toda vez que aconteça de você sentir uma ação especial da graça, deve-se olhar
bem para todos os lados, com receio de que alguma calamidade possa lhe
suceder, derrubando-lhe. Pois os ataques da ostentação são mais propensos a
lhe assaltar do que aqueles das adversidades aflitivas. Neste caso, recolha de
sua antiga vida tudo aquilo que sua consciência lhe proíbe de orar, e assim,
abafe os pensamentos que lhe surjam, do mesmo modo que se abafa um fogo
com terra, para prevenir que um grande incêndio surja de uma pequena chama.
Auto-orgulho e auto-estima são acompanhados por pensamentos e movimentos
pecaminosos e outras faltas tais que estão longe de serem desprezíveis. Possa o
Senhor salvar-lhe de todas elas!

O Senhor aprova seu desejo por solidão, mas não indica o momento. Você deve
esperar por indicações precisas: até que elas sejam dadas, mantenha o silêncio
interno, e continue a fazer tudo que possa para cuidar do seu convento
apropriadamente.

Como se pode manter a concentração interna entre cuidados externos? Faça seu
trabalho com zelo e atenção, ininterruptamente e sem pressa. Cada peça de
trabalho que se tenha de fazer, aceite-a como tendo sido dada pelo Próprio
Senhor, e faça-a como tal. Seus pensamentos, então, estarão com o Senhor. Você
pode adquirir este hábito com a ajuda de Deus.

TEÓFANO, O RECLUSO
Retire-se para dentro de si mesmo

Você está sedento por uma definitiva seclusão. Seria melhor esperar. Isolamento
externo ocorre por si mesmo uma vez que a seclusão interna seja estabelecida.
Deus providenciará a esse respeito. Contudo, não se esqueça que você pode
estar sozinho no meio do barulho do mundo e, de igual modo, você pode estar
cercado pelo tumulto mundano ainda que esteja retirado em sua cela. Você terá
algo melhor do que o isolamento externo ao retirar-se para dentro de si deste
modo, fazendo assim, que seja impossível que qualquer turbulência externa o
distraia. Ore para que isso lhe possa ser concedido.

TEÓFANO, O RECLUSO
A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa
- (Capítulo VI - v) Tempos de Desolação

CAPÍTULO VI
GUERRA COM AS PAIXÕES
(de vários autores)
(v) TEMPOS DE DESOLAÇÃO

Duas espécies de afastamento

A permanência de nossa alma com o Senhor, que é a plena essência do trabalho


interno, não é algo que depende de nós. O Senhor visita a alma, e a alma vive
com Ele; a alma regozija diante Dele e Ele a preenche com calor espiritual.
Então o Senhor se afasta e imediatamente a alma fica vazia, e não reside, de
fato, dentro de seu poder fazer com que o Bom Visitante de almas retorne. O
Senhor se afasta para colocar a alma à prova, ou às vezes para puni-la, não
tanto por algum equívoco externo, mas por algum mal interno que a alma
permitiu-se admitir. Quando o Senhor se afasta para colocar a alma à prova, Ele
rapidamente retorna uma vez mais quando esta começa a clamar por Ele. Mas
quando Ele se afasta como punição, Ele não retorna logo – não até que a alma
tenha percebido o pecado cometido, tenha se arrependido, tenha chorado sobre
ele e feito penitência.

TEÓFANO, O RECLUSO

Por que a alma se esfria?

Acima de tudo, vigie cuidadosamente quando a alma se esfria. Este é um estado


perigoso e amargo. O Senhor usa isto como um dos seus meios de orientação,
instrução, e correção. Mas pode ser também uma espécie de punição. A razão é,
normalmente, um pecado desvelado, mas já que no seu caso nenhum pecado
assim é evidente, a causa deve ser buscada em sentimentos e disposições
internas. Será que uma alta opinião de si mesmo não o teria assaltado e você
pense que não é como os outros? Será que você não está planejando trilhar o
caminho da salvação por si mesmo e ascender ao alto através dos seus próprios
esforços?

TEÓFANO, O RECLUSO

Períodos de aridez e insensibilidade são inevitáveis

Você empreende diferentes tarefas, assim me conta, ‘na maioria dos casos de
má vontade e sem qualquer empenho – tenho de me forçar a fazer’.
Mas isto, afinal, é um princípio básico na vida espiritual – colocar-se em
oposição àquilo que é mal e forçar-se a fazer o que é bom. Este é o significado
das palavras do Senhor: “o Reino dos Céus é tomado por esforço, e os que se
esforçam se apoderam dele.” (Mateus xi. 12). Eis porque seguir o Senhor é
um jugo. Se tudo fosse feito com empenho, onde estaria o jugo? No entanto,
no final, sucede que tudo é feito de bom grado e facilmente.

Você diz: ‘Uma pesada insensibilidade toma conta de mim; eu me torno


como um autômato – sem pensamentos ou sentimentos. ’

Tais estados surgem algumas vezes como uma punição porque nos
predispomos em pensamento ou sentimento para algo mal; e algumas vezes
eles vêm como uma educação – principalmente para nos ensinar a humildade,
habituar-nos a não esperar por nada que venha de nós mesmos, mas esperar
apenas por Deus. Umas poucas experiências como esta minam a confiança em
si mesmo; e assim, quando somos libertos do abatimento, sabemos de onde a
ajuda veio e percebemos em quem podemos confiar sobre todas as coisas. Este
é um estado depressivo, mas ele deve ser suportado com o pensamento de que
não temos direito a nada melhor, que nós o merecemos. Não existem remédios
contra ele e libertar-se dele depende da vontade de Deus. Tudo o que podemos
fazer é clamar ao Senhor: Seja feita tua vontade! Tem piedade! Ajuda -me! Mas
de modo algum deveríamos nos permitir ficar indolentes, pois isto é nocivo e
destrutivo. Os Santos Padres descrevem tais estados como arrefecimento ou
aridez; e eles concordam em considerá-los como algo inevitável para qualquer
um que esteja tentando viver de acordo com a vontade de Deus, pois sem eles
nós rapidamente nos tornaríamos presunçosos.

TEÓFANO, O RECLUSO

Um castigo pela raiva

Durante tempos de aridez deveríamos olhar e ver se tivemos algum sentimento


vaidoso ou de auto-presunção na alma; e o tendo encontrado, deveríamos
arrepender-nos diante do Senhor e decidir-nos ser mais cautelosos no futuro.

Esta aridez é mais frequentemente uma punição pela raiva, mentira, malícia,
crítica excessiva, ou orgulho. A cura é retornar ao estado de graça. Já que a
graça chega pela vontade de Deus, tudo que podemos fazer é orar para que
Ele nos liberte desta aridez e insensibilidade de pedra.

TEÓFANO, O RECLUSO

Falta de confiança em Deus

Tão logo você dê as costas – não importa quão levemente – a Deus, e não mais
coloque sua confiança Nele, as coisas se entortam; pois então o Senhor se
afasta, como se dissesse: “Você pôs sua confiança em outra coisa – muito bem,
confie nela então.” E qualquer coisa que isto possa vir a ser prova-se
ulteriormente sem valor.
TEÓFANO, O RECLUSO

Quão frio é sem a graça!

Você vê quão frio é sem a graça e quão apática e inerte fica a alma em relação a
qualquer coisa espiritual. Este é o estado dos bons pagãos, dos Judeus fiéis a
Lei, e dos Cristãos que conduzem vidas irreprováveis mas não pensam a
respeito de suas vidas interiores e sua relação com Deus. E, no entanto, eles não
sentem uma dor como a sua porque (diferentemente de você) eles nada sabem
dos efeitos da graça. Já que acontece, circunstancialmente, deles
experimentarem uma espécie de consolação espiritual – natural, não concedida
pela graça – eles permanecem em paz.

O que mantém a graça na alma mais do que qualquer coisa? Humildade. O


que faz com que ela se afaste mais do que qualquer outra coisa? Sentimentos
de orgulho, uma elevada opinião de si próprio, e auto -suficiência. A graça vai
se embora tão logo sente este mau cheiro de orgulho interno.

TEÓFANO, O RECLUSO

As razões para a nossa frieza

Nós nos esfriamos internamente quando nosso coração fica distraído,


quando ele se apega a alguma coisa diferente de Deus, preocupando-se sobre
coisas diferentes, ficando com raiva ou culpando outros – quando estamos
descontentes e nos entregamos à carne, chafurdando na luxúria e em
pensamentos errantes. Proteja-se contra estas coisas, e a frieza diminuirá.

Quanto ao coração – onde mais está a vida se não no coração?

TEÓFANO, O RECLUSO

Nem auto-indulgência e nem auto-piedade.

Você diz que não é bem sucedido. De fato, não haverá sucesso enquanto você
estiver cheio de auto-indulgência e auto-piedade. Estas duas coisas mostram,
de uma só vez, que aquilo que é predominante em seu coração é ‘eu’ e não o
Senhor. É o pecado do amor próprio, vivendo dentro de nós, que dá nascimento
a todos os nossos pecados, tornando o homem inteiro um pecador da cabeça
aos pés; na medida em que permitimos que o amor próprio habite nossa alma.
E quando o homem inteiro é um pecador, como pode a graça vir até ele? Não
virá, do mesmo modo que uma abelha não chega perto de onde há fumaça.

Há dois elementos na decisão de trabalhar para o Senhor: primeiramente um


homem deve negar ele próprio, e em segundo lugar deve seguir a Cristo (Marcos,
8,34). O primeiro requer uma completa extinção de egoísmo e amor-próprio, e
consequentemente uma recusa em permitir qualquer auto-indulgência ou auto-
piedade – tanto em pequenos como em grandes assuntos.
TEÓFANO, O RECLUSO

Sempre espere por repentinas mudanças

Tome coragem! Quando o calor do espírito se tornar fraco, você deveria


esforçar-se de todos os modos para restaurá-lo, unindo-se ao Senhor com temor
e tremor. Todas as coisas vêm Dele. Desânimo, tédio, preguiça do espírito e do
corpo podem, ocasionalmente, oprimi-lo e permanecer por um longo tempo.
Você não deveria perder o coração, mas permanecer firme, trabalhando com
zelo de acordo com as regras que você assumiu. E não espere que a alma se livre
rapidamente de sua atração pelo estado equivocado; não espere que ela sempre
conserve um mesmo calor e doçura. Isto nunca acontece.

Por outro lado, sempre espere por repentinas mudanças. Quando a lassidão e o
embotamento chegam, perceba que isto é você, o verdadeiro você; como você
é; quanto à doçura espiritual, aceite-a como um imerecido bônus.

TEÓFANO, O RECLUSO

Luz e escuridão na alma

Quantas vezes você já se fez ciente do dever que sua consciência lhe dita – o
dever de permanecer com o Senhor, não preferindo nada mais além Dele?
Talvez sua consciência deste dever nunca mais lhe deixe. Possa a real prática
dele prevalecer, outrossim, constantemente dentro de você; pois isto, afinal, é
a nossa verdadeira meta. Quando estamos com o Senhor, o Senhor também
está conosco; e todas as coisas brilham. Quando as cortinas da janela estão
abertas em uma sala e o sol brilha, a sala fica plena de luz. Se você fechar as
cortinas de uma das janelas ela se tornará mais escura, e quando você fechar
todas, a sala inteira ficará numa total escuridão. É o mesmo com a alma.
Quando ela está voltada para Deus com todas as suas forças e sentimentos,
tudo nela é brilhante, alegre, e calmo. Mas quando ela volta sua atenção e
sentimento para alguma outra coisa, este brilho diminui. Maior o número de
coisas que ocupam a alma, maior a escuridão que a invade; e então pode se
chegar à completa escuridão. Não são tanto os pensamentos que trazem esta
escuridão quanto os sentimentos; enquanto que o simples exemplo de ser
levado por sentimentos provoca, quase sempre, menos escuridão do que um
continuado e apaixonado apego por algum objeto. A maior escuridão de todas
é causada por atos pecaminosos externos.

TEÓFANO, O RECLUSO

Alegria e temor: A preservação e o afastamento da Graça

No conjunto da sua carta você manifesta o rejubilante estado de sua alma. Você
se alegra pela misericórdia de Deus para consigo e, ao mesmo tempo, você está
temeroso. Parece que você aprendeu, por experiência, a verdade que se deve
‘Servir o Senhor com temor, e regozijar-se Nele tremendo’ (Sl. ii. 11). Você deve
manter estas duas coisas e sustentá-las juntas, inseparavelmente, para não
deixar que a alegria conduza à negligência, nem o temor extinga sua felicidade.
Segue-se que você deve sustentar -se em extrema reverência diante de Deus,
considerando-O como o Pai mais misericordioso que nos observa com adorável
atenção, mas que é ao mesmo tempo rigoroso e sem qualquer indulgência.

É simplesmente natural que você deva sentir-se temeroso de que toda esta
felicidade possa abandoná-lo novamente. Sob a influência deste temor, você
está desejoso e pronto para encontrar um modo de manter seu júbilo. Mas, você
carrega a expectativa de ser bem sucedido nisto por si mesmo? Por causa deste
único pensamento, tudo o que você ganhou pode lhe ser tomado novamente. Da
sua parte, faça todo esforço possível para conservar esta felicidade, mas confie a
verdadeira tarefa de protegê-la às mãos do Senhor. Se você não se esforçar
Deus não irá protegê-la para você. Por outro lado, se você colocar suas
esperanças apenas em seus próprios esforços e empenhos, Deus irá afastar-se
vendo que você considera Seu auxílio como supérfluo; e você se deparará com
as mesmas dificuldades encontradas no início. Trabalhe até que você esteja a
ponto de cair, force-se até o último grau, mas ainda espere que a verdadeira
proteção venha apenas das mãos de Deus. Deixe que uma fortaleça a outra – e
então, juntas, ambas formarão uma forte defesa.

O Senhor sempre quer que tenhamos tudo aquilo que mais nos auxilia para a
salvação, e Ele está pronto para nos dar isto a todo o momento: Ele apenas
espera por nossa prontidão ou capacidade para recebê-lo. Portanto, a questão
sobre aquilo que devemos fazer para proteger este auxílio é transformada em
outra: o que devemos fazer para nos manter em prontidão para receber o
poder protetor de Deus, que está esperando para entrar em nós? E como, de
fato, este poder entra em nós? É essencial nos reconhecer como vazios, um
recipiente vazio que nada contém; adicionar a isto a consciência de nossa
própria impotência em preencher este vazio por qualquer dos nossos próprios
esforços; coroar isto com a certeza de que apenas o Senhor pode fazê-lo, e não
somente pode como quer e sabe como fazê-lo; e então, permanecendo com a
mente no coração, clamamos: “Conduza-me à boa ordem pelos meios que Tu
conheces, Oh Senhor”. Faça tudo isto com esperança inabalável, confiante de
que Ele lhe guiará nos caminhos da justiça e não permitirá que seus pés se
desviem.

Você está feliz pelo sentimento de alegria e consolação que lhe retornaram. Isto
é natural. Mas apesar disto, esteja atento para não se permitir a fantasiosas
conjecturas: ‘Ah! Aí está! Isso é o que é! É assim que é, e eu não sabia!’ Tais
idéias são pensamentos do inimigo, deixando atrás de si o vazio, ou nos
conduzindo a um beco sem saída. Todo o tempo, apenas devemos repetir:
“Glória a Ti, Oh Senhor’, acrescentando: ‘Deus, seja misericordioso!’ Se você
demorar nestas vãs conjecturas, junto com elas, imediatamente surgirão
memórias de como você trabalhou e se esforçou, daquilo que fez e de como
você se absteve, em quais de seus estados o sentido de alegria e bem-estar
apareceu, em quais o deixou e em quais ele durou e foi firmemente
estabelecido. E depois disso, você tomará a decisão de sempre atuar de algum
modo particular. Assim você cairá em uma fantasiosa vaidade, acreditando que
finalmente o segredo do progresso espiritual lhe foi revelado e está ao seu
alcance. Mas, na próxima vez que você orar, toda a falsidade de tais sonhos se
fará evidente, a oração se tornará vazia, inconstante, e pouco confortável. O
conforto residirá apenas na memória do seu antigo bom estado e não na sua
posse atual. E você terá que suspirar e condenar a si mesmo. Mas se a alma não
pode induzir-se a suspirar, então, o falso estado de espírito durará e a graça
novamente se afastará. Pois um tal estado fantasioso revela que a alma
deslizou novamente para os seus próprios esforços e não mais para a
misericórdia de Deus. Graça sempre é graça, e é independente de todo o
trabalho. Aquele que a confunde com trabalho pode ficar privado dela por este
motivo. Lembre-se bem disto. Os afastamentos da graça, enviados pela
providência de Deus para nos corrigir, são especialmente destinados para nos
ajudar a aprender esta salvadora lição.

TEÓFANO, O RECLUSO
A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa - (Capítulo
VI - vi) Guerra com as Paixões – Ilusão

CAPÍTULO VI
GUERRA COM AS PAIXÕES
(de vários autores)
(vi) ILUSÃO [1]

Como reconhecer a ilusão do diabo

O início real da oração é o calor do coração, que resseca as paixões e preenche a


alma com felicidade e satisfação, fortalecendo o coração com um imperturbável
amor e com uma firme convicção que não dá espaço para a dúvida. Os Padres
dizem que qualquer coisa que entre na alma, seja visível ou invisível, não é de
Deus na medida em que o coração tem dúvidas a respeito e assim não o aceita:
em tais casos, é algo que vem do inimigo. Do mesmo modo, se você vê a sua
mente sendo atraída, por alguma força invisível, a vagar externamente ou voar
nas alturas, não confie nesta força e não deixe que sua mente seja persuadida
por ela; mas imediatamente force-a a continuar com seu apropriado trabalho.
Tudo aquilo que é de Deus vem por si mesmo, diz Santo Isaac, enquanto que
você permanece desavisado até mesmo do momento de sua chegada. Assim, o
inimigo tenta produzir uma ilusão de alguma experiência espiritual em nós,
oferecendo-nos uma miragem ao invés da coisa real – uma desgovernada
combustão ao invés de verdadeiro calor espiritual, e em vez de felicidade,
excitação irracional e prazer físico que por sua vez levam ao orgulho e
presunção – e ele até mesmo consegue esconder-se dos inexperientes atrás de
tais seduções, de modo que acham que sua diabólica ilusão é realmente o
trabalho da graça. Ainda assim, o tempo, a experiência e o sentimento irão
revelar quem não é totalmente ignorante de suas perversas armadilhas. ‘O
palato discrimina entre comidas diferentes’, dizem as Escrituras. Do mesmo
modo o paladar espiritual mostra todas as coisas como elas são, sem qualquer
ilusão.

S. GREGÓRIO DO SINAI

Confusão e paz

Quando há confusão na alma, de qualquer espécie que seja, não confie em seus
julgamentos em tais momentos; pois aquilo que a alma nos conta não será a
verdade. Em tais momentos seu conselheiro é Satã e seu conselho, certamente,
não é para sua salvação – a pobre alma é despedaçada desta e daquela maneira.
“Porque a ira do homem não produz a justiça de Deus” (Tiago i. 20). O que vem
de Deus é inteiramente pacífico, calmo e doce; e deixa esta doçura na alma tanto
quanto a esparge abundantemente por todo entorno, muito embora à primeira
vista, às vezes, tenha uma aparência proibitiva.

TEÓFANO, O RECLUSO

Pensamentos errantes

Você está sujeito a pensamentos errantes porque ouve conversas inúteis, e


memórias dela permanecem com você. A partir destas memórias o inimigo
tece uma teia em frente do olho de sua mente para enredá-la. Quando isto
acontece, você deve descer ao seu coração, afastando seus olhos das imagens
ilusórias apresentadas pelo inimigo e invocar o Senhor.

TEÓFANO, O RECLUSO

Vaidade mascarada como zelo

Para progredir na prece e escapar da ilusão a negação de si é necessária, e esta


nos ensina que nada deveria ser almejado na oração, exceto a atenção. Então o
trabalho da prece se tornará mais simples e fácil. As tentações também se
tornarão menos fortes, embora elas acompanhem qualquer tentativa. St. Nil
Sorski e outros Santos Padres nos contam que poderosas tentações vindas do
demônio – tentações muito além de nossas forças – atacam-nos se buscamos
experimentar em nós mesmos, prematuramente, os frutos da oração do
coração. Buscamos estes frutos cedo demais porque – ignorado por nós –
sofremos de uma exagerada opinião de nossas habilidades, e da vaidade
mascarada como zelo.

BISPO INÁCIO

A origem da ilusão

Muitas pessoas compreendem sobre as consequências da ilusão, pois estas se


manifestam claramente. O que é mais importante é aprender como esta ilusão
surge na origem. Ela se inicia de um falso pensamento que serve como a
fundação de todas as desilusões e todas as desastrosas enfermidades que
afligem a alma. Um falso pensamento na mente já contém a plena estrutura da
ilusão, do mesmo modo que uma semente lançada na terra contém toda a planta
que crescerá dela.

BISPO INÁCIO

Jubilosa tristeza e oração real, livre da ilusão

Se um homem se aferra às lagrimas contritas para prevenir-se de ser arrebatado


pela felicidade que experimenta na oração e, assim, previne-se de formar uma
alta opinião de si próprio, então ele possui uma poderosa arma contra o inimigo.
Aquele que possui esta jubilosa tristeza escapará de todo dano. A oração real,
livre da ilusão, é oração na qual o calor espiritual, casado com a Oração de
Jesus, traz fogo nas profundezas de nosso coração e queima as paixões como
joio. Tal prece traz contentamento e paz para a alma, e não vem nem da direita
nem da esquerda, nem mesmo de cima, mas brota no coração como uma fonte
de água da vida do Espírito concedido. É esta espécie de oração, e somente esta,
que você deveria amar e buscar manter em seu coração, sempre se assegurando
de que sua mente não sonhe. Nada tema uma vez que você a tem, pois Aquele
que disse: ‘Tende bom ânimo! Sou eu. Não temais!’ está Ele Próprio dentro de
nós. Quem quer que esteja sintonizado a esta harmonia interna e viva
honestamente e sem pecados, que tenha virado as costas para a bajulação
subserviente e a arrogância, permanecerá firme e não sofrerá mal, mesmo se um
inteiro exército de demônios surgir contra ele trazendo inumeráveis tentações.

TEÓFANO, O RECLUSO

A prática da Oração de Jesus conduz a ilusão?

Algumas pessoas afirmam que a Oração de Jesus sempre, ou quase sempre, é


seguida pela ilusão, e proíbem estritamente o uso desta oração.

Aceitar tal idéia e fazer tal proibição se constitui como uma terrível blasfêmia –
ilusão de um caráter absolutamente deplorável. Nosso Senhor Jesus Cristo é a
única fonte de nossa salvação, o único meio pelo qual podemos ser salvos: e Seu
Nome humano recebeu de Sua divindade um sagrado e ilimitado poder para nos
salvar. Como pode este poder, que trabalha pela salvação – o único poder que
dá salvação – tornar-se distorcido e trabalhar para a perdição? Tal sugestão é
absurda. É um contra-senso deprimente, blasfemador e destruidor da alma.
Aqueles que adotam esta linha de argumento foram, de fato, seduzidos pelo
demônio, e enganados pelo espúrio raciocínio que vem de Satã.

Examine todas as Sagradas Escrituras: você encontrará o Nome do Senhor


exaltado e glorificado por toda a parte, e seu poder redentor exaltado do início
ao fim. Estude os escritos dos Padres e você verá que todos eles, sem exceção,
sugerem e aconselham a prática da Oração de Jesus, denominando-a como uma
arma mais forte que qualquer outra no céu e na terra; um presente de Deus,
uma herança inalienável, um dos legados culminantes e mais exaltados do
Deus-Homem, o mais doce consolo e pleno de amor, uma segura promessa. Por
fim, vá aos decretos canônicos da Igreja Ortodoxa Oriental e você encontrará
que no caso de todas as suas crianças iletradas, sejam monges ou leigos, a
Igreja estabeleceu a prática da Oração de Jesus como um substituto da leitura
dos Salmos e das preces em casa e na própria cela. Qual peso, então, pode haver
nas recomendações de uns poucos homens cegos, exaltados e aplaudidos por
outros igualmente cegos, quando comparadas com a unânime testemunha das
Sagradas Escrituras, de todos os Santos Padres, e dos decretos canônicos da
Igreja a respeito da Oração de Jesus?

BISPO INÁCIO

Os inimigos da Oração de Jesus


Certas pessoas desenvolveram um infeliz preconceito contra a Oração de Jesus,
embora faltem a elas o conhecimento pessoal que chega através de uma correta
e longa prática da Oração. Teria sido muito mais seguro e sensível para tais
pessoas absterem-se de fazer qualquer julgamento sobre o tema: elas deveriam
perceber a própria e completa ignorância desta meta sagrada, ao invés de
tomar sobre si mesmas a missão de pregar contra a prática da Oração de Jesus,
e de denunciar esta sagrada oração como causa de diabólica ilusão e perdição
da alma. Devo dizer a eles, por meio de aviso, que censurar a oração que usa o
Nome de Jesus, e atribuir um efeito nocivo a este Nome, é tão ruim quanto a
censura que os Fariseus fizeram diante dos milagres realizados pelo Nosso
Senhor. Esta ignorante e blasfemadora teorização contra a Oração de Jesus tem
o pleno caráter de uma herética pseudo-filosofia.

BISPO INÁCIO

A necessidade de direção experimentada (i)

Você pergunta por que a ilusão aparece durante a prática da Oração de Jesus?
Aparece não através da própria oração, mas através da maneira pela qual é
praticada – e aqui deveríamos observar as direções prescritas na Filocalia. Estas
direções deveriam ser seguidas sob o olhar de um professor que sabe a correta
maneira de executar a Oração. Mas se qualquer um tenta praticá-la por si
mesmo, meramente por descrições de livros, ele não pode escapar da ilusão. Em
qualquer descrição apenas é dado um contorno externo do trabalho: um livro
não pode prover todo o detalhado conselho que é oferecido pelo stárets que
compreende o estado interno que deveria acompanhar a Oração, e assim pode
assistir o iniciante e dar-lhe a adicional orientação que ele precisa. Aquele que
pratica este método de oração sem um guia para ajudá-lo é, naturalmente,
deixado apenas com a atividade externa e os vários exercícios físicos.

Conscientemente ele executa tudo aquilo que é previsto pelos livros a respeito
da postura do corpo, respiração, e o olhar para o coração. Mas, à medida que
os métodos desta espécie conduzem, naturalmente, só até certo grau de
concentrada atenção e calor, quem quer que não tenha um confiável juiz, capaz
de explicar-lhe a natureza da mudança que começou a acontecer-lhe, pode ser
que venha a imaginar que este limitado calor já é, de fato, o que ele está
buscando e que a graça desceu sobre ele; enquanto que, na verdade, ela ainda
não está lá. E logo ele começa a achar que possui a graça, sem tê-la realmente.
Tal é a natureza da ilusão; e esta ilusão irá, posteriormente, distorcer todo o
subsequente curso de sua vida interior. Eis a razão pela qual, nos dias de hoje,
encontramos startsi aconselhando às pessoas que, de fato, não empreendam
estes métodos físicos por causa do perigo envolvido neles. Por si mesmos eles
não podem dar qualquer coisa da graça, pois a graça não está conectada com
exercícios externos, mas chega apenas ao ser interior. Por outro lado, o estado
interior apropriado atrairá a ação da graça mesmo sem tais métodos.

Este apropriado estado interior consiste na prática da Oração de Jesus de tal


modo que caminhamos na presença de Deus: ao mesmo tempo devemos
acender até o fervor, dentro de nós mesmos, os sentimentos de adoração e
temor a Deus, deixando de satisfazer a nós mesmos em qualquer coisa,
ouvindo nossa consciência sempre e em todo lugar, mantendo-a despoluída e
em paz, e colocando toda a nossa vida, interna e externa, nas mãos de Deus.
Quando estes elementos espirituais estão presentes, a graça de Deus, chega no
seu próprio tempo e os absorve todos numa unidade, acendendo a partir dele o
fogo espiritual que é a prova da presença da graça no coração. Seguindo deste
modo é difícil cair na vaidade. Ainda assim é melhor ter um guia que possa nos
encontrar pessoalmente e que possa ver nossa face e ouvir nossa voz; pois estas
duas coisas revelam aquilo que está dentro.

TEÓFANO, O RECLUSO

A necessidade de direção experimentada (ii)

A oração interna traz a salvação. Mas na nossa oração interna, na medida em


que ainda estamos orando por nossos próprios esforços e labuta, temos grande
necessidade de direção experimentada. É, precisamente, durante este período
da prática da oração interior que as pessoas, carecendo de uma mão hábil que
as guie, estão mais propícias a desviarem-se.

TEÓFANO, O RECLUSO

Por quê a Oração de Jesus algumas vezes leva a insanidade

Insanidade pode vir da Oração de Jesus somente se as pessoas, enquanto a


estão praticando, fracassam em renunciar aos pecados e aos maus hábitos que a
consciência delas condena. Isto causa um agudo conflito interior que rouba
toda a paz do coração. Como resultado, o cérebro torna-se confuso e as idéias
do homem ficam emaranhadas e desordenadas.

Sobre a sua primeira questão que perguntava sobre a pequena chama: quando
Deus lhe der você entenderá. Sem ter saboreado a doçura do mel um homem
não pode saber como ela é. Aqui também é assim. Devemos adquirir um
constante sentimento de amor por Deus, e então a chama se tornará manifesta.

TEÓFANO, O RECLUSO

A ilusão daqueles que não praticam a oração interior

Há boas razões para considerar como auto-enganação e ilusão o estado interior


daqueles monges que, tendo rejeitado a prática da Oração de Jesus e o trabalho
interior em geral, ficam satisfeitos somente com as orações externas – com
contínua presença nos serviços da igreja e com a determinada observância das
regras da cela, que se consiste exclusivamente da leitura dos salmos e orações
verbais e orais. Eles não podem evitar a presunção como explica o staretz Basil.
Este é o sinal do estado presunçoso da mente: as pessoas sob sua influência
consideram que levam uma vida de atenção, e frequentemente, por causa do
orgulho, desprezam as outras. A prece oral e verbal é certamente frutífera
quando está conectada com a atenção, mas isto apenas acontece
ocasionalmente: pois aprendemos a conservar a atenção principalmente
através da prática da Oração de Jesus.

BISPO INÁCIO
Notas

[1] Em russo, Prelest.


A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa -
(Capítulo VI - vii) Humildade e Amor

CAPÍTULO VI
GUERRA COM AS PAIXÕES
(de vários autores)
(vi) HUMILDADE E AMOR

Onde a humildade e o amor estão ausentes, tudo que é espiritual


está ausente

Você diz que não tem humildade nem amor. Tanto quanto estes estejam ausentes,
tudo o que é espiritual estará ausente. O que é espiritual nasce quando eles nascem
e cresce na medida em que eles crescem. Para a alma, eles são o mesmo que o
controle da carne é para o corpo. A humildade é obtida através de atos de
humildade, o amor por atos de amor.

TEÓFANO, O RECLUSO

A medida da humildade

Mantenha ambos os olhos abertos. Esta é a medida da humildade: se um homem é


submisso ele nunca acha que foi tratado pior do que ele merece. Ele permanece tão
baixo em sua própria estima que ninguém, por muito que tente, pode pensar mais
pobremente dele que ele próprio. Este é todo o segredo do problema.

TEÓFANO, O RECLUSO

Defeitos de caráter

O Senhor algumas vezes deixa em nós alguns defeitos de caráter para que
aprendamos humildade. Pois sem eles nós imediatamente soaríamos acima das
nuvens em nossa própria estima e colocaríamos nosso trono lá. E aqui reside toda a
perdição.

TEÓFANO, O RECLUSO

O caminho para a humildade – obediência

Para mim, não há necessidade de repetir-lhe que a invencível arma contra todos
nossos inimigos é a humildade. Não é facilmente obtida. Nós podemos achar que
somos submissos sem ter um só traço de verdadeira humildade. E não podemos
nos tornar despretensiosos meramente pensando sobre isso. O melhor, ou ainda, o
único caminho seguro para a humildade é através da obediência e pela renúncia de
nossa própria vontade. Sem isto é possível desenvolver em nós um orgulho
satânico, enquanto somos modestos nas palavras e nas posturas corporais. Eu lhe
imploro a prestar atenção a este ponto e, com todo receio, examine a condição da
sua vida. Ela inclui obediência e renúncia da sua vontade? De todas as coisas que
faz, quantas são feitas contrarias a sua própria vontade, suas idéias e reflexões?
Você faz algo sem desejar, através da absoluta obediência, simplesmente porque foi
ordenado? Por favor, examine-a inteiramente e diga-me. Se não há nada deste tipo
de obediência, a espécie de vida que conduz não lhe trará humildade. Não importa
o quanto você possa humilhar-se no pensamento, sem atos que lhe conduzam a
auto-humilhação, a humildade não virá. Assim, você deve pensar cuidadosamente
como providenciar isto.

TEÓFANO, O RECLUSO

Presunção e censura

Humilhar-se ainda não é humildade, mas somente o desejo e a busca por


humildade. Possa o Senhor ajudar-lhe a adquirir esta virtude. Há um espírito de
ilusão que de algum modo desconhecido engana a alma por sua astúcia. Ele tanto
confunde nossos pensamentos que a alma acha-se submissa, enquanto que ela
oculta, internamente, uma arrogante e presunçosa opinião sobre seu próprio valor.
Assim temos que seguir olhando cuidadosamente em nosso coração. Relações
externas que nos conduzem a humildade são os melhores meios aqui.

Você tem sido de algum modo negligente. O temor a Deus lhe deixou, e logo em
seguida aquela atenção também lhe deixou, e você recaiu no hábito de censurar as
pessoas. Você diz que pecou internamente, e isto é verdadeiro. Arrependa-se
rapidamente e implore o perdão de Deus. Tal falta como esta traz sua própria
paga: a falta é interna, e assim é a punição. Nós podemos condenar os outros não
apenas em palavras mas também com um movimento interno do coração. Se a
alma, quando pensa sobre outros, os critica adversamente, então ela já os
condenou.

TEÓFANO, O RECLUSO
Tomando a ofensa, e virando a outra face

Você diz que está ofendido. Estar ofendido por falta de atenção é considerar a si
mesmo merecedor de atenção e, consequentemente, dar um alto valor a si mesmo
no coração; em outras palavras, ter um coração inchado com orgulho. É isto bom?
Não é nossa tarefa suportar acusações errôneas? Certamente que é. Como, então,
começaremos a praticar esta tarefa? Afinal de contas, quando estamos
determinados a suportar, temos que suportar cada aborrecimento sem exceção, e
suportar com alegria, sem perder nossa paz interior.

O Senhor disse-nos que quando fôssemos atingidos em uma face virássemos a


outra também, mas nós somos tão sensitivos que assim que uma mosca nos roça,
ao passar com suas asas, imediatamente já ficamos armados. Diga-me, você está
preparado para obedecer àquele mandamento do Senhor que diz para virar a
outra face? Você provavelmente dirá: Sim; estou preparado. Mas a ocorrência
descrita em sua carta é exatamente uma ocasião onde este mandamento se aplica.
Ser atingido na face não deveria ser tomado de modo literal. Deveríamos entendê-
lo como sendo qualquer ação de nosso vizinho na qual, nos parece, não recebemos
a devida atenção e respeito – qualquer ação pela qual nos sentimos degradados, e
nossa honra, como as pessoas a chamam, sentiu-se ferida. Cada ação deste tipo,
por mais trivial que seja – um olhar, uma expressão – é um tapa no rosto. Não
somente deveríamos suportar isto, mas deveríamos também estar prontos para
alguma degradação ainda maior que correspondesse ao oferecimento da outra
face. O que aconteceu em seu caso foi uma levíssima palmada no rosto. E o que
você fez? Virou a outra face? Não, muito longe de oferecê -la, você retaliou. Por ter
retalhado, você fez a outra pessoa sentir que você é alguém, como se dissesse:
“Mantenha suas mãos longe de mim!” O que há de bom para nós, você e eu, se
fizermos isso? E como podemos ser considerados como discípulos de Cristo se não
obedecemos ao seu mandamento? O que você deveria ter feito era considerar:
mereço alguma atenção? Se você tivesse tido este sentimento de demérito em seu
coração você não teria tomado a ofensa.

TEÓFANO, O RECLUSO

Saque da espada da humildade

Agitação espiritual e as paixões danificam o sangue e efetivamente danificam


nossa saúde. Jejum e uma geral abstinência em nossa vida diária são os melhores
caminhos para conservar nossa saúde sã e vigorosa.

A oração introduz o espírito humano no reino de Deus onde habita a rocha da


vida; e o corpo também, conduzido pelo espírito, compartilha aquela vida. Um
espírito contrito, sentimentos de arrependimento e lágrimas – estes não
diminuem nossa força física mas a aumentam, pois trazem a alma um estado de
conforto.

Você deseja que a contrição e as lágrimas nunca lhe deixem, mas você faria
melhor se desejasse que o espírito da profunda humildade sempre reinasse em
você. Isto traz lágrimas e contrição, e também nos impede de ficar inchado de
orgulho por tê-los. Pois o inimigo articula para introduzir veneno mesmo através
de pensamentos como estes.

Existe hipocrisia espiritual que também pode acompanhar a contrição. A


verdadeira contrição não interfere com a pura felicidade espiritual, mas pode
existir em harmonia com ela, ¬oculta por detrás dela.

E o que fazer com o apreço de si mesmo? Saque da espada da humildade e da


mansidão, mantenha-a sempre em sua mão, e impiedosamente corte a cabeça de
nosso principal inimigo.

TEÓFANO, O RECLUSO

A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa -


(Capítulo VII)
Ensinamentos dos Startsi do Monastério de
Valamo
(i) Monge-schema Agapii

Prece Oral

No início a Oração de Jesus é em grande parte proferida com indisposição e


constrangimento. Mas se temos uma firme intenção de subjugar todas as nossas
paixões, através da oração e com a ajuda da graça divina, então com frequente
prática da Oração e perseverança, na medida em que as paixões enfraquecem, a
própria Oração se tornará gradualmente mais fácil e mais atrativa.
Na prece oral devemos tentar de todo modo possível manter nossa mente
fixa nas palavras da oração, dizendo-as sem pressa e concentrando toda nossa
atenção no significado das palavras. Quando a mente torna-se distraída pelos
pensamentos estranhos, devemos desencorajá-la e trazê-la de volta para as
palavras da prece.
Livrar-se da distração não é algo dado a mente rapidamente, nem sempre
quando ela deseja. Ocorre quando nós primeiramente nos tornamos humildes, e
quando Deus escolhe conceder esta benção para nós. Este dom divino não
depende da quantidade de tempo oferecido nem do número de orações recitadas.
O que é necessário é um coração humilde, a graça de Cristo, e esforço constante.
Da oração recitada com atenção passamos para a oração interna ou
mental. Esta é assim chamada porque em tal oração nossa mente é varrida em
direção a Deus e apenas vemos a Ele.

Oração interna (oração da mente)

Para praticar a oração interna é essencial manter nossa atenção no coração


diante do Senhor. Em resposta ao nosso zelo e humilde esforço na oração, o Senhor
presenteia nossa mente com Seu primeiro presente – o presente do recolhimento e
da concentração na oração. Quando a atenção é dirigida ao Senhor sem esforço e
sem interrupção, esta é uma atenção dada pela graça, já que nossa própria atenção
é sempre forçada. Esta oração interna, se tudo segue bem no seu devido tempo,
passa a ser oração do coração: a transição é facilmente feita desde que tenhamos
um professor experimentado que nos guie. Quando os sentimentos de nosso
coração estão com Deus e o amor por Deus preenche nosso coração, tal oração é
chamada prece do coração.

Oração do coração

Está dito nos Evangelhos: “Se alguém me quiser seguir, renuncie a si


mesmo, tome a sua cruz e me siga” (Mateus xvi. 24). Quando oramos, então,
primeiro devemos renunciar à nossa própria vontade e às nossas próprias idéias, e
então tomar nossa cruz que é o inevitável trabalho do corpo e da alma na busca
espiritual. Tendo nos entregado inteiramente para o cuidado de Deus que nunca
se adormece, deveríamos alegre e humildemente suar e trabalhar, por causa da
real recompensa que Deus concederá ao zeloso quando o momento certo chegar.
Então Deus, transferindo Sua graça para nós, colocará um fim aos devaneios de
nossa mente e a colocará – junto com a lembrança Dele – imutavelmente dentro
do coração. Quando esta morada da mente no coração torna-se algo natural e
constante, os Padres a chamam de ‘união da mente e do coração’. Neste estado a
mente não tem mais qualquer desejo de estar fora do coração. Ao contrário, se as
circunstâncias externas ou alguma longa conversa mantém a mente longe de sua
atenção ao coração, ela experimenta um irresistível desejo de retornar para
dentro, uma ansiada sede espiritual: seu único desejo é pôr-se a trabalhar uma vez
mais com renovado zelo em construir sua casa interior.
Quando esta ordem interior é estabelecida todas as coisas em um homem
passam da cabeça ao coração. Então, uma espécie de luz interior ilumina tudo que
está dentro dele, e qualquer coisa que faz, diz, ou pensa, é executada com plena
ciência e atenção. Ele é capaz de discernir claramente a natureza dos pensamentos,
intenções e desejos que chegam até ele; ele voluntariamente submete sua mente,
coração e vontade a Cristo, obedecendo ansiosamente a cada mandamento de Deus
e dos Padres. Ao desviar-se deles de qualquer modo, ele expia sua falta com
arrependimento sentido no coração e contrição, prostrando-se humildemente
diante de Deus com sincero e real pesar, suplicando e esperando confidentemente
ajuda de cima pela sua fraqueza. E Deus, vendo esta humildade, não deixa o
suplicante sem Sua graça.
A oração da mente no coração chega rapidamente para algumas pessoas,
enquanto que para outras o processo é vagaroso. Assim, de três pessoas que
conheço, esta oração entrou em uma, tão logo lhe foi falado a respeito, naquela
mesma hora; para outra chegou num tempo de seis meses; para uma terceira
depois de dez meses, enquanto que no caso de um grande staréts chegou somente
após dois anos. Por quê acontece assim, só Deus sabe.
Saiba também que antes que as paixões sejam destruídas a oração é de uma
espécie, e depois que o coração foi purificado das paixões ela é de outra espécie. A
primeira espécie ajuda a purificar o coração das paixões, enquanto que a segunda
é um símbolo espiritual da benção futura. Isto é o que você deveria fazer: quando
puder sentir, de fato, a mente entrando no coração e estiver conscientemente
ciente dos efeitos da oração, dê pleno poder a tal prece, banindo tudo que é hostil
a ela; e tanto quanto ela continua ativa em você, não faça nada mais. Mas quando
você não sentir-se arrebatado assim, pratique a prece oral com prostrações,
lutando de todas as maneiras para manter sua atenção no coração diante da face
do Senhor. Esta maneira de orar também capacitará o coração para adquirir calor.
Vigie e seja sóbrio, especialmente durante a oração da mente e do coração.
Ninguém agrada a Deus mais do que aquele que pratica corretamente a oração da
mente e do coração. Quando as circunstâncias externas tornarem a prece difícil, ou
quando você não tiver tempo para orar, em tais momentos, seja lá o que estiver
fazendo, lute para conservar o espírito da oração em você mesmo por todos os
meios possíveis, lembrando de Deus e lutando de todos os modos para vê-Lo
diante de você com os olhos da sua mente, com temor e amor. Sentindo Sua
presença diante de você, entregue-se à Sua toda-poderosa força, onisciente e
testemunha de tudo, em devocional submissão prostrando todas suas atividades
diante dele, de tal maneira que em cada ação, palavra, e pensamento você lembre-
se de Deus e Sua sagrada vontade. Isto, sendo breve, é o espírito da prece. Quem
quer que tenha um amor pela oração deve, sem fracasso, possuir este espírito, e
tanto quanto possível, deve submeter sua compreensão à compreensão de Deus
através de constante atenção do coração, obedecendo aos mandamentos de Deus
humilde e reverentemente. Do mesmo modo ele deveria submeter seus desejos e
vontades à vontade de Deus, e entregar-se completamente aos desígnios da
providência de Deus.
De todas as maneiras possíveis deveríamos combater o espírito da arbitrária
obstinação e o impulso que destrói todo controle. É um espírito que sussurra para
nós: “Isto está além da minha força, para isto não tenho tempo, é muito cedo ainda
para empreender isto, deveria esperar, minhas tarefas monásticas impedem-me” –
e muitas outras desculpas de quaisquer espécies. Aquele que ouve a este espírito
nunca adquirirá o hábito da prece. Estreitamente conectado com este espírito está
o espírito da auto-justificativa: quando formos empurrados para a má ação pelo
espírito da obstinada arbitrariedade e estivermos, portanto, preocupados pela
nossa consciência, este segundo espírito aproxima-se e põe-se a trabalhar em nós.
Num tal caso o espírito da auto-justificativa usa toda espécie de engambelação para
derrotar a consciência e apresentar nosso erro como um acerto. Possa Deus
proteger-lhe contra estes maus espíritos.

(ii) Hegúmeno Varlaam

O Apóstolo escreve: "Porque a nossa glória é esta: o testemunho da nossa


consciência" (2 Coríntios 1:12). Simeão, o Novo Teólogo, diz: "Se a nossa
consciência é pura, é-nos dada a oração da mente e do coração; mas sem uma
consciência pura não podemos ter êxito em nenhum esforço espiritual".

(iii) Hegúmeno Nazarii [1]

Com reverência invoque em segredo pelo Nome de Jesus, assim: “Senhor


Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador.”
Tente fazer esta prece entrar ainda mais profundamente em sua alma e
coração. Faça a oração com sua mente e pensamento, e não permita que ela deixe
seus lábios mesmo por um momento. Se possível coloque-a junta com sua
respiração, e com toda sua força tente, através da oração, forçar-se a uma sentida
contrição no coração, arrependendo-se de seus pecados com lágrimas. Se não
existem lágrimas, ao menos deveria haver contrição e pesar no coração.

Notas:

[1] Hegúmeno Nazarii (1735-1809), staretz no mosteiro de Sarov, enviado pelo


Metropolita Gavriil de São Petersburgo em 1782 para assumir o controle de Valamo:
permaneceu abade até 1801. Ao chegar, encontrou a comunidade em grave estado de
declínio, com poucos monges restantes. Sob a liderança de Nazarii, o número de
monges aumentou rapidamente, e a vida espiritual do mosteiro foi novamente
elevada a um alto nível.

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