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Exercícios adjetivos

Manoel de Barros
Manhã-passarinho

Uma casa terena de sol raiz no mato


formiga preta minha estrela
de asa aparada pedras
verdejantes voz
pelada de peixe dia
de estar riachoso
manhã-passarinho
inclinada no rosto esticada
até no lábio-lagartixa
mosquito de hospício verruma
para água arame de estender música
sabão em zona erógena faca
enterrada no tronco meu amor!
esses barrancos ventados...
e o porco celestial

Rolinhas casimiras

Rolas
pisam
a manhã
Lagartixas pastam
o sobrado
Um leque de peixe abana o rio
Meninos atrás de gralhas contraem piolhos de cerrado
Um lagarto de pernas areientas
medra na beira de um livro
Adeus rolinhas casimiras!
O poeta descerra um cardume de nuvens
A estrada se abre como um pertence

Vermelhas trevas

O veneno ingerido pela mosca deixa


a curta raiz de sua existência
exposta às vermelhas trevas
Silêncio rubro

Crista de silêncio rubro, o galo


com frisos gelados de adaga no bico
madruga as veredas batidas

Modos ávidos

Os modos ávidos de um caracol subir


a uma parede com nódoas de idade e chuvas
é como viajar à nascente dos insetos
Visgo tátil
O visgo tátil do canto é como
a aranha que urde sua doce alfombra
nas orvalhadas vaginas das violetas

Os caramujos-flores

Os caramujos-flores são um ramo de caramujos que


só saem de noite para passear
De preferência procuram paredes sujas onde se
pregam e se pastam
Não sabemos ao certo, aliás, se pastam eles essas
paredes ou se são por elas pastados
Provavelmente se compensem
Paredes e caramujos se entendem por devaneios
Difícil imaginar uma devoração mútua
Antes diria que usam de uma transubstanciação:
paredes emprestam seu musgo aos caramujos-flores
e os caramujos-flores às paredes sua gosma
Assim desabrocham como os bestegos

Linha avelã

A linha avelã de um pêssego


e o lado núbil de um canto
são como a aurora gotejante de uma semente líquida

Imarcescível puta

A imarcescível puta preta


que me arrastou na adolescência
me ensaruou de sua concha

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