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Os Militares e os Aiatolás: Relações Brasil-Irã (1979-1985)
Os Militares e os Aiatolás: Relações Brasil-Irã (1979-1985)
Os Militares e os Aiatolás: Relações Brasil-Irã (1979-1985)
Ebook331 pages4 hours

Os Militares e os Aiatolás: Relações Brasil-Irã (1979-1985)

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Neste livro, são abordadas as delicadas relações entre Brasil e Irã e, com base em documentos inéditos, as descobertas do autor com relação ao choque causado na diplomacia brasileira pela distância que havia entre a raivosa retórica dos iranianos e o pragmatismo com que se relacionavam com os EUA, a OTAN e até mesmo com Israel.
As interpretações e revelações contidas aqui se constituem numa leitura indispensável para todos que se interessam pelo tema.
LanguagePortuguês
Release dateDec 22, 2021
ISBN9788546206131
Os Militares e os Aiatolás: Relações Brasil-Irã (1979-1985)

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    Os Militares e os Aiatolás - Andrew Traumann

    APRESENTAÇÃO

    Por Muna Omran¹

    Difícil tarefa a de apresentar um livro: convidar o leitor a se envolver na obra e a desejar conhecê-la. Difícil, porque tenho que anunciar a obra, sem dar detalhes, sem roubar do leitor o direito de se surpreender. Difícil, também, porque devo convencer o leitor de que esta obra, apesar de não ser uma obra literária com histórias que habitam nosso imaginário, não deixa de ser uma narrativa, a crônica da disciplina histórica, entendida aqui como fatos do cotidiano, fatos que nos fazem compreender com mais lucidez muitos aspectos do jogo de xadrez que domina todas as relações cotidianas. Cabe aqui convencer o leitor a se despir diante de um livro, entregando-se a ele, permitindo-se a tecer com ele um novo texto, apenas seu, com os fios que a narrativa que aqui se apresenta oferece. Difícil missão essa de levar o leitor à entrega e à fruição total de um texto.

    Fruto de uma tese de doutorado, apresentada na Universidade Federal do Paraná, o presente livro, Os militares e os aiatolás: relações Brasil-Irã (1979-1985), enriquece os estudos que envolvem História e Relações Internacionais. Discutir as relações externas entre Brasil e Irã, a partir de uma perspectiva histórica, certamente não foi tarefa fácil, sobretudo no período que nortou a pesquisa do autor.

    O presente volume traz à luz fatos da História do Brasil e Irã necessários para uma melhor compreensão das relações que se estabelecem entre ambos. O campo da História tem, nos últimos anos, procurado ampliar as fronteiras de suas fontes documentais tradicionais e os diálogos interdisciplinares e, com isso, enriquecer os debates e a busca de novas interseções sobre o processo de estruturação e construção do conhecimento acadêmico. Esse talvez seja o grande desafio do autor. A obra permite olhares diferenciados, rompe as barreiras entre os mais diferentes campos do saber no campo das Ciências Humanas e Sociais, novas formas metodológicas se complementam à investigação e na construção do conhecimento aqui apresentadas. Pontos de nós cegos a partir do minucioso olhar do pesquisador são aqui desatados.

    O livro é composto por oito capítulos e, embora a divisão em partes não esteja evidenciada, podemos observar, como leitores atentos, que duas grandes partes se estruturam: a História e as Relações Internacionais. Na primeira, o olhar de Andrew Traumann mostra o quanto precisamos da História, numa perspectiva crítica, não mais a monumental. Já na segunda o autor reforça o quanto as Relações Internacionais estão presentes na construção do olhar crítico da História.

    O primeiro capítulo traz uma rica discussão bibliográfica tanto de teóricos ocidentais quanto de orientais acerca da História do Irã contemporâneo, chamando a atenção para a escassa produção historiográfica sobre a Revolução Iraniana. Esse é um dos pontos cegos que Andrew Traumann procura desatar e o faz com mestria. Nesta discussão, não se limita a autores consagrados como Edward Said ou Michel Foucault; coloca-se em evidência as críticas que estes estudiosos sofreram, como também são apresentadas análises de especialistas como R. K. Ramazani, autor de Iran: Challenge and Response in the Middle East ou ainda John Esposito, autor de The Iranian Revolution: It’s Global Impact. Outro dado revelado, e não sem crítica, é a carência de obras sobre o Oriente Médio no Brasil, o que impossibilita o uma rica discussão bibliográfica em que se incluam autores nacionais dedicados ao tema.

    Nos capítulos o O Irã no século XX e A Revolução, Traumann tira o véu que encobre a História contemporânea iraniana e, sem orientalismo, destaca as transformações sociais que marcaram o país no século XX. Pontua com clareza os aspectos positivos e negativos da mudança de uma sociedade rural para urbana. O jogo das relações de poder estabelecidas em todos os níveis da política iraniana e a constante interferência dos Estados Unidos e Israel, após a chegada de Rehza Pahlev ao poder, são aqui analisados. O mérito desses capítulos encontra-se na condução da reflexão e dos diálogos estabelecidos com diferentes referências históricas sobre o tema. Aqui, o autor preenche, com riqueza teórica, as lacunas historiográficas acerca do Irã contemporâneo no Brasil.

    As relações internacionais do Irã pós-revolução com o Ocidente ganha destaque em A política externa iraniana. Apesar de tratar da política que o Irã estabelece com seus vizinhos da região e com todo o Ocidente, o autor não abandona as teias internas, e, com perspicácia, as costura à política externa. Destaca a importância da guerra contra o Iraque, que durou dez anos, e as consequências para a política externa e para economia brasileira, o rompimento com Israel e Estados Unidos e a permissão para a OLP instalar-se no país como pontos fundamentais para reforçar o pensamento ideológico e antiamericano do novo regime dos aiatolás. O leitor é brindado, ainda, com uma apresentação das consequências que a economia local sofreu e de como esta reverberaria no mundo. Neste capítulo, os interessados sobre a História do Líbano e a criação da Hezbollah poderão encontrar algumas pistas que o conduzirão, também, a responder alguns questionamentos sobre o país dos Cedros.

    O Brasil entra em cena como protagonista a partir do quinto capítulo, Brasil: contexto interno; e no sexto, Geisel e o PPragmatismo Responsável, é feita uma análise minuciosa do perfil do quarto presidente do Regime Militar: Ernesto Geisel (1974-1979). Dialogando com Thomas Skidmore, autor de Brasil: de Castelo a Tancredo, Traumann conduz o leitor para uma melhor percepção do período, a partir do olhar que lança sobre o perfil pessoal do general Geisel, dando-lhe um lugar de destaque nas relações que se estabelecem não só com o Irã, mas com todo o Oriente Médio. A apresentação do general contribui para uma compreensão completa das causas e consequências de uma política econômica criada pelo II Plano Nacional de Desenvolvimento. A partir deste capítulo, abre-se o caminho que norteará as reflexões fundamentais do livro: as relações do Brasil militar com o Irã dos aiatolás.

    Sempre procurando desatar os nós cegos da História e responder a perguntas, o autor amplia a discussão para o capítulo Figueiredo e o Universalismo, a partir de contrapontos com o período de Jânio/Jango e dos regimes que antecederam o general Figueiredo. O autor revê os caminhos da política econômica e da internacional adotadas até então e permite que o leitor perceba como a condução da política externa brasileira se estabeleça sem ferir os dogmas defendidos pelo Golpe de 64.

    A pesquisa em documentos do Itamaraty feita pelo autor no penúltimo capítulo Análise de documentação não se limita ao período delimitado (1979-1985). Há uma digressão para o início dos anos de 1970, destacado a partir da chegada do general Ernesto Geisel ao poder. O rico material leva a analisar e compreender alguns pontos cegos acerca das relações do Brasil com o Oriente Médio e Estados Unidos para que sejam esclarecidas. Por exemplo, analisando telegramas, o autor nos revela, no que tange às observações do nosso país em relação ao Irã, que em pleno Regime Militar havia uma independência da nossa diplomacia, já não tão alinhada aos interesses americanos como se fazia crer. Nosso Itamaraty já percebia que os avanços e investimentos do Xá Rehza Pahlevi em armamentos e na defesa de seu país refletiam a instabilidade interna iraniana e a consequente preocupação de Pahlevi com a continuidade de seu governo. Além disso, o autor analisa os acordos do Brasil com países árabes produtores de petróleo e as articulações e propostas para os mesmos acordos no país persa.

    O livro apresenta inúmeros dados e fatos que corroboram o papel do historiador, no dizer de Eric Hobsbawm, em Era dos extremos: o Breve Século XX: 1914-1991, lembrar o que os outros esquecem, e esse ofício Andrew Traumann sabe exercer.

    Acreditando que o objetivo dessa apresentação tenha sido alcançado, acreditando que a sedução foi possível, acreditando que a curiosidade foi atiçada, convida-se o leitor a lançar-se, a partir de agora, na leitura de Os militares e os aiatolás: relações Brasil-Irã (1979-1985).

    Nota


    1. Professora na pós-graduação em Letras na Universidade Federal Fluminense (UFF).

    Prefácio

    PRESTAR CONTINÊNCIA À INCONTINÊNCIA DO PETRÓLEO

    Por Murilo Bon Meihy²

    A função primordial de um prefácio é, além da óbvia exposição de aspectos gerais da obra, a responsabilidade de convencer os leitores a seguirem na tarefa de acompanhar os ideais do autor nas páginas seguintes. Essa é uma missão redundante ao se considerar este livro e o requinte do trabalho feito aqui por Andrew Patrick Traumann. Dono de uma escrita esclarecedora (o que anda raro ultimamente), o autor exerce com as palavras e conceitos o árduo trabalho de retirar a História das relações entre Brasil e Irã do ostracismo acadêmico.

    Em linhas gerais, a maioria dos brasileiros somente aventou a existência de relações entre esses dois países recentemente, durante o período em que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva direcionou seus esforços para a África e para a Ásia, quando o Itamaraty imbuiu-se de uma missão grandiosa atrelada a projetos como a defesa do multilateralismo. Além do anseio de reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, com a ampliação de suas cadeiras permanentes, a nova agenda internacional brasileira reivindicava um papel mais atuante do Itamaraty em processos de negociação de grandes temas que se descolavam da esfera tradicional da diplomacia nacional: Mercosul, OEA e Estados Unidos. Nesse contexto, a recente securitização das Relações Internacionais fez com que o desenvolvimento da indústria nuclear iraniana se transformasse em uma espécie de desafio global. As investidas do Brasil por maior reconhecimento de seu peso internacional aproximaram o Itamaraty dessa polêmica, ainda que com resultados menos grandiosos que sua retórica.

    Entretanto, o que Andrew Patrick Traumann revela com esse livro é a raiz histórica das relações entre o governo brasileiro e a República Islâmica do Irã: o cenário da última revolução social do século XX. Antes mesmo da política externa atuante de Lula, o Brasil que, na maioria das vezes, condiciona sua diplomacia no Oriente Médio ao desenvolvimento de seu comércio exterior, já havia construído um plano de aproximação com países como a Arábia Saudita, o Iraque e o Irã, em uma tentativa de superação ou apaziguamento das consequências econômicas dos dois Choques do Petróleo, ocorridos respectivamente em 1973 e 1979.

    A ascensão ao poder dos clérigos religiosos no Irã abriu caminho para que o Brasil entendesse a revolução iraniana como uma oportunidade de negócios. A queda do Xá Muhammad Reza Pahlevi, excessivamente subordinado aos planos de Washington para a região, fez o governo brasileiro acreditar que, no Irã pós-revolucionário, a solidariedade terceiro-mundista pautaria os novos rumos da política externa do país. Parte dessa crença fundamentava-se na nova Constituição de 1979, que em seu artigo 152º apresentava como princípios de sua atuação internacional [...] o não-alinhamento com as potências dominantes e relações mútuas de paz com os Estado não-hostis. Andrew Patrick Traumann tem uma resposta para a compreensão do lugar do Brasil nessa retórica própria da chamada Segunda Guerra Fria.

    Para embasar suas hipóteses sobre as escolhas pragmáticas da política externa iraniana na Era Khomeini, o autor deste livro recorreu a um material mantido intocado por décadas: os documentos sobre o Irã do arquivo do Itamaraty. Combinado a esse fator que, por si só, já agradaria aos ávidos seguidores dos cânones historiográficos, soma-se o domínio absoluto da bibliografia sobre o tema, praticamente escassa em língua portuguesa, mas profícua nas velhas línguas científicas metropolitanas.

    Sobre o que coube à diplomacia brasileira nesse processo, este livro destaca o pragmatismo como um ponto de inflexão entre a política internacional dos dois últimos presidentes militares do Brasil (Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo) e a condução da política externa iraniana pelo aiatolá Khomeini. Sob esse aspecto, Andrew Patrick Traumann transfere a responsabilidade desse percurso diplomático para os embaixadores brasileiros que atuaram em Teerã nesse momento, tais como Paulo Braz Pinto, Aluysio Régis Bittencourt e Sérgio Florêncio; esse último, testemunha ocular da Revolução Iraniana.

    Os ingredientes do saboroso banquete de hipóteses apresentadas por Andrew Patrick Traumann estão servidos. A etiqueta e o cerimonial diplomático devem ser abandonados pelo leitor. Ao invés da leitura comedida e parcimoniosa, este livro deve ser devorado por aqueles que, famintos por esclarecimento, retiram suas energias de uma salada generosa de commodities regada a óleo cru.

    Ao Brasil, fica a lição aprendida a duras penas pela trajetória de construção das relações diplomáticas entre Brasil e Irã: o petróleo e os petrodólares são indigestos. Aqueles que se lambuzam desse produto passam fome e aqueles que demonstram maior interesse por suas migalhas engasgam com poucas sobras.

    Não se tempera a política externa com pitadas de pré-sal.

    Nota


    2. Professor de História Contemporânea na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

    INTRODUÇÃO

    Em 1973, seis anos após a Guerra dos Seis Dias, o clima entre os governantes árabes era de apreensão. Após desobedecer a resolução 242 da ONU, que ordenava a retirada dos territórios ocupados e a permissão do retorno dos refugiados das guerras de 1948 e 1967, Israel lançava o Documento Galillee apresentado orgulhosamente pelo ministro da Defesa Moshe Dayan como um plano de urbanização, industrialização e construção de assentamentos para judeus nos territórios ocupados. Dayan chegou a declarar que não existia mais Palestina, e que quando conversamos com os norte-americanos eles nos oferecem dinheiro, armas e um conselho. Pegamos o dinheiro e as armas e ignoramos o conselho (Shlaim, 2004). Essas declarações foram interpretadas pelos principais líderes árabes, especialmente Anwar Sadat do Egito como um sinal evidente de que Israel não estava mais disposto a negociar, que considerava a ocupação de Gaza, Cisjordânia, Colinas de Golã, Sinai e Jerusalém como um fato consumado e que se algo não fosse feito, a causa palestina seria esquecida pela comunidade internacional.

    Em 6 de outubro de 1973 os exércitos egípcio e sírio invadiam Israel de surpresa, levando as pesadas baixas ao estado judeu. Mesmo consciente de suas poucas possibilidades de vitória, o objetivo árabe era claro: romper o impasse político e forçar as potências a fazerem Israel voltar à mesa de negociações. Porém, a primeira reação norte-americana foi exatamente a oposta: uma ajuda militar da ordem de US$ 2,2 bilhões de dólares. Para os árabes, especialmente os sauditas, que sempre se esforçaram para ter as melhores relações possíveis com os Estados Unidos, o ato foi um ultraje.

    O desgaste entre árabes e norte-americanos já vinha desde 1971, quando o presidente Nixon suspendeu a conversibilidade do dólar em ouro, desvalorizando a moeda, o que prejudicaria sobremaneira os países membros da Opep, cujos preços eram cotados em dólar. Uma ajuda militar de tal monta ao maior inimigo dos árabes, que ainda não haviam digerido a derrota em 1967, foi a gota d’água.

    A 17 de outubro de 1973 era declarado embargo contra os países que apoiassem Israel na ocupação de territórios palestinos. Os produtores comprometeram-se a reduzir sua produção em um milhão de barris por dia todos os meses, até que o Exército israelense se retirasse da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. O embargo era atenuado ou agravado de acordo com sua posição política: o país consumidor poderia ser considerado amigo, neutro ou inimigo.

    Entretanto, o uso do petróleo como arma política foi perdendo força com o cessar fogo entre egípcios e israelenses, mediado pelo secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger. Contudo, se o embargo não atingiu seu objetivo principal, que era a retirada das tropas israelenses dos territórios palestinos, ao menos teve o inegável mérito de chamar a atenção da opinião pública mundial para a questão palestina e as condições em que estes vivem, sob ocupação israelense.

    Pode-se afirmar que a crise de 1973 dificilmente teria ocorrido sem a existência de alguns fatores: o fervor nacionalista de Iraque, Argélia e Líbia, encabeçados por Kadaffi; a decidida liderança da Arábia Saudita, maior produtora mundial de petróleo, em colocar o embargo em prática; e, obviamente, a extraordinária capacidade da Opep de abarcar dentro de sua organização as mais díspares tendências ideológicas sem perder, contudo, a uniformidade em suas decisões. Esses elementos fizeram daquele ano um marco na relação entre países produtores e companhias petrolíferas, sepultando definitivamente a relação servil em que os países árabes eram colocados frente às potências ocidentais numa espécie de resquício do Colonialismo. Isso evidenciou o surgimento de um novo e importante ator no cenário das relações internacionais, a Opep, que, em plena Guerra Fria, conseguiu com que reivindicações de um grupo de países do chamado terceiro mundo fossem atendidas.

    Seis anos depois, uma nova crise eclodiria, desta vez com a Revolução Iraniana, uma das mais importantes do século XX. A dissertação de mestrado deste autor abordou as relações do Brasil com os países árabes durante a crise do petróleo, dentro de um contexto de pragmatismo em nossa política externa que buscou privilegiar antes de tudo o interesse nacional. Agora, como continuação daquele trabalho, pretendemos abordar o segundo choque do petróleo em 1979 e como o Brasil lidou com os novos desafios que surgiam naquele momento, tanto em relação à questão econômica macro, como na maneira em que lidou com um governo que abraçava bandeiras e adotava posições opostas às do regime que o antecedera.

    Quando da concepção desta obra, este autor em seu projeto, aventou a hipótese de identificar mudanças nas relações Brasil-Irã com o advento da Revolução, afinal tal mudança havia sido verificada em praticamente todos os países do hemisfério norte, especialmente após a crise dos reféns de 1980. O Antigo Regime iraniano era ostensivamente ocidentalizado e liderado por um monarca absolutista que se orgulhava de seus laços com EUA e Israel. Em pouquíssimo tempo o Irã, definido por Jimmy Carter como um oásis de tranquilidade no Oriente Médio, passou a ser retratado na mídia de massa como sinônimo de obscurantismo religioso e terrorismo internacional.

    A ideia inicial era procurar constantes e identificar padrões no intercâmbio entre os dois países. E eles apareceram. A pesquisa revelou que o Brasil não alterou em nada sua política em relação ao Irã após o processo revolucionário. Evidentemente, houve um processo de adaptação à nova mentalidade da sociedade que foi criada pelo regime islâmico, mas o corpo diplomático brasileiro que servia em Teerã na época viu a Revolução como uma oportunidade para o Brasil, devido ao discurso terceiro-mundista dos revolucionários. Esperava-se que tal discurso beneficiaria enormemente países como o Brasil e sua tradição diplomática de Não Ingerência e respeito à autodeterminação dos povos.

    Procuramos com este livro, pesquisando em fontes bibliográficas e na documentação diplomática disponível no Itamaraty, preencher uma lacuna na historiografia acerca da política externa brasileira no Regime Militar. Por via de regra, o período compreendido entre 1973 e 1985 é descrito como uma era marcada pelo pragmatismo na política externa causada pelo esgotamento do milagre econômico, pela Crise do Petróleo e pela necessidade política de crescimento contínuo que dava legitimação ao Regime aos olhos de boa parte da população brasileira. Uma característica central desta política foi a diversificação de parcerias: África lusófona, Japão, Oriente Médio, etc. Quase sempre na historiografia de Relações Internacionais, tais regiões, distintas em termos políticos, econômicos e culturais, são retratadas como algo monolítico, como objetos da ação da diplomacia brasileira sem nuances próprias e sem uma análise mais acurada dessas relações, como se a estratégia aplicada pela diplomacia brasileira em regiões tão díspares em termos econômicos, políticos e culturais fosse a mesma e seus resultados, similares. Há neste campo de estudos alguns trabalhos sobre as relações com a África, marcadamente com Angola e Moçambique, mas muito pouco em relação ao Oriente Médio, tendo como honrosa exceção a dissertação de mestrado de Silvana Romancini Silva e alguns artigos escritos por diplomatas que serviram na região. Há assim uma carência de trabalhos nos quais o contexto histórico específico do país em tela seja considerado fora dos esquemas padrão de análise de conjuntura que baseada na busca pelo poder, costuma desconsiderar variáveis culturais e o papel do sujeito histórico.

    No caso da Revolução Iraniana temos em Khomeini um sujeito histórico por excelência, alguém que personificou a Revolução, orquestrou-a e guiou seus rumos até sua morte em 1989. O Irã não é apenas mais um país muçulmano produtor de petróleo, mas um herdeiro da civilização persa que nunca sofreu colonização efetiva, ao contrário de seus vizinhos árabes – o que fortaleceu seu nacionalismo – e um país xiita em meio a uma maioria de vizinhos sunitas, que quebrou paradigmas ocidentais ao fazer uma revolução para unir a religião ao Estado em pleno século XX. Portanto, não se trata de apenas mais um país do dito mundo islâmico, construção histórico-cultural que ignora especificidades de cada região e se apropria de seu discurso, como nos demonstrou Edward Said em Orientalismo.

    É fato que o Brasil priorizou o Iraque, mais tarde arqui-inimigo do regime de Teerã em suas relações comerciais com a entrada da construtora Mendes Junior, da Petrobrás e do programa nuclear conjunto, além da venda de armas e veículos blindados. Porém, é interessante observar a aproximação do Brasil junto ao país que se tornou o pivô do Segundo Choque do Petróleo e que passava por febril período revolucionário. A diplomacia brasileira buscou fazer uma série daquilo que a pesquisa documental demonstrou serem vistas como concessões ao regime de Teerã, como a compra de petróleo no mercado spot (mercado de commodities em que os negócios são realizados à vista e a entrega é imediata, como no mercado de Roterdã, Holanda) e o atendimento de exigências em relação à qualidade dos produtos brasileiros, muitas vezes vistas como demasiadas.

    Um elemento não observado na bibliografia existente é que muitas vezes a realidade se impunha sobre o discurso idealista das relações terceiro-mundistas, especialmente da parte de Teerã. O Brasil enviou missões comerciais ao Irã chefiadas por nomes de peso como Paulo Tarso Flecha de Lima, apoiou a entrada de empresas brasileiras no país e fomentou o intercâmbio no campo agrícola, porém, em sua visão, não recebeu a devida contrapartida. Destarte seu forte viés ideológico o governo de Khomeini, isolado internacionalmente pelo sequestro na embaixada norte-americana, não se furtou em buscar incrementar suas parcerias com países desenvolvidos, abandonando solenemente sua autoproclamada solidariedade terceiro-mundista. No chamado Escândalo Irã-Contras, o líder religioso iraniano aceitou a intermediação de Israel (chamado por ele em seus discursos de a entidade sionista) numa negociata envolvendo compra de armamento norte-americano (o Grande Satã), além de manter intensas relações comerciais com países membros do bloco socialista, adeptos do que chamava de comunismo ateu.

    O Irã é um país que possui características bastante peculiares dentro do mundo islâmico. Ao lado do Iraque é um dos únicos países islâmicos de

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