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http://www.medicinanet.com.br/conteudos/revisoes/2398/como_prevenir_o_risco_e_a_tent
ativa_de_suicidio.htm
Alexandrina Meleiro
Doutora em Psiquiatria pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo. Médica-assistente do Serviço do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo.
INTRODUÇÃO
Tentativa prévia de suicídio e presença de transtorno mental são os dois mais
importantes preditores de suicídio. Um indivíduo com história de tentativa prévia
aumenta em 40 vezes a chance de suicídio em comparação com a população geral.
Portanto, na última década, os indivíduos que tentaram suicídio foram o foco da
maioria dos estudos epidemiológicos. Um estudo multicêntrico com 9 países descobriu
que 10 a 18% da população relatava ideação suicida e que 3 a 5% já tinham tentado
suicídio.
O comportamento suicida é composto por um conjunto de cognições e
comportamentos disfuncionais, cujo fim pode ser a morte do indivíduo. Embora erros
de julgamento e diagnóstico do potencial suicida sejam inevitáveis, os erros de
omissão são previsíveis se o avaliador executar o exame completo do risco de
suicídio. Nesta medida, os médicos, principalmente de atenção primária e de
emergência, desempenham um papel fundamental nesta campanha contra suicídio. É
preciso diferenciar, nos serviços de emergências, as chamadas tentativas de suicídio
das intoxicações exógenas, dos traumatismos, das queimaduras, dos ferimentos por
arma de fogo ou arma branca e dos acidentes automobilísticos. O suicídio e a tentativa
de suicídio demandam atenção de clínicos e cirurgiões do pronto-socorro e consomem
grandes recursos de saúde, passando a ser considerados, na última década, como um
problema considerável de saúde pública.
É fundamental que os profissionais médicos saibam como avaliar
adequadamente o potencial suicida, como reconhecer os indivíduos suscetíveis
antecipadamente e quando liberar o paciente após uma tentativa frustrada de
autoeliminação. Infelizmente não há testes preditivos ou critérios clínicos que possam
dizer antecipadamente quem cometerá ou não suicídio. Este texto tem como objetivo
ajudar a identificar e avaliar pacientes com ideação suicida ou com tentativas de
suicídio anteriores, além de auxilliar numa adequada orientação e encaminhamento ao
tratamento.
Ficção Fato
Pessoas que falam em suicídio não A maioria das pessoas que se matam deram aviso
cometem suicídio. da sua intenção.
Suicidas têm intenção absoluta de morrer. A maioria é ambivalente.
Suicidas frequentemente dão ampla indicação de
Suicídios ocorrem sem aviso. sua intenção.
Muitos suicídios ocorrem em um período de
melhora, quando a pessoa tem energia e a
Melhora após a crise significa que o risco vontade de transformar pensamentos
acabou. desesperados em ação autodestrutiva.
Nem todos os suicídios podem ser
prevenidos. Verdade, mas pode-se prevenir a maioria.
Uma vez suicida, sempre suicida. Pensamentos suicidas podem retornar, mas eles
não são permanentes. Em algumas pessoas, eles
podem nunca mais retornar.
AVALIAÇÃO DOS RISCOS
O mais importante para uma avaliação adequada da ideação suicida é o
conhecimento dos fatores de risco, pois precede a ocorrência de uma condição
particular relacionada ou não à doença. Quanto mais fatores de risco estiverem
presentes, maior a chance de suicídio, contudo, muitos indivíduos podem ter um ou
mais fatores de risco e não apresentarem intenção suicida. Estes fatores podem ser
pesquisados na entrevista de forma não sistematizada e auxiliam o médico a estimar
os riscos, que seguem listados na Tabela 2.
Tabela 2: Fatores de alto risco de suicídio
Tentativa anterior de suicídio, com intenção de morrer.
Ansiedade, depressão, alcoolismo, quadro psicótico e estado de exaustão.
Tentativa premeditada e ativamente preparada.
Disponibilidade dos meios para o suicídio (métodos violentos e letais).
Preocupação com o efeito do suicídio sobre os membros da família.
Ideação suicida verbalizada.
Preparação de um testamento ou cenas de despedida.
Crise vital próxima, como luto, cirurgia iminente ou dissolução de um relacionamento
amoroso.
História familiar de suicídio.
Mudanças de condições de saúde ou estado físico.
Início ou cessação de medicação psicotrópica.
Intoxicação por álcool ou droga.
Melhora súbita do humor depressivo.
Sentimento de desesperança.
Família suicidogênica.
Precaução para evitar intervenção, como isolamento ou minimização do risco de descoberta.
Nenhuma ação para pedir socorro após o evento.
Pessoa com remorso por sobreviver da tentativa.
TRANSTORNOS MENTAIS E SUICÍDIO
Cerca de 90 a 98% das pessoas que cometeram suicídio apresentavam um ou
mais diagnósticos psiquiátricos na ocasião, o que é considerado uma consequência
desfavorável de alguns quadros clínicos. Os transtornos do humor, em especial os
estados depressivos, representam o diagnóstico mais frequente entre os portadores
de doença mental que cometeram suicídio. O diagnóstico de transtorno do humor
pode ser feito entre 20,8 e 35,8% dos suicídios.
Tabela 3: Diagnósticos encontrados pela ordem de frequência
Transtornos do humor (depressão) 30,2%
Transtornos por uso de substância (álcool) 17,6%
Esquizofrenia 14,1%
Transtornos da personalidade 13%
Transtornos mentais orgânicos 6,3%
Transtornos de ansiedade/somatoformes 4,8%
Outros transtornos psicóticos 4,1%
Transtornos de adaptação 2,3%
Todos os demais diagnósticos 5,5%
Sem diagnóstico 2%
DEPRESSÃO E SUICÍDIO
A literatura indica que entre 10 e 19% dos pacientes deprimidos cometem
suicídio. O grau do risco parece estar relacionado com o tipo de apresentação do
quadro depressivo, principalmente na forma melancólica, cuja taxa de suicídio pode
ser de aproximadamente 50%. Um estudo americano demonstrou que o indivíduo com
depressão apresenta uma prevalência de risco de suicídio durante a vida de 8 a 12%
para o sexo masculino e de 20 a 26% para o sexo feminino. Entretanto, o risco de
suicídio é ainda maior naqueles pacientes deprimidos não tratados, quando há
comorbidade de outros transtornos (p.ex., abuso de droga) e acompanhados de
eventos externos negativos (p.ex., dificuldade financeira.
A importância clínica da associação entre depressão e suicídio se deve ao fato
de que os transtornos de humor ocorrem em proporção elevada na população e
frequentemente apresentam, em sua sintomatologia, desesperança e ideação suicida;
sintomas depressivos aparecem com frequência em outros quadros psiquiátricos e no
quadro clínico de grande variedade de doenças.
Circunstâncias que Sugerem Maior Intenção Suicida
Comunicação prévia da intenção de se matar;
mensagem ou carta de despedida;
providência finais (p.ex., conta bancária, testamento) antes do ato;
planejamento detalhado;
precauções para que o ato não fosse descoberto;
ausência de pessoas por perto que pudessem socorrer;
não procurou ajuda logo após a tentativa de suicídio;
método violento (p.ex., enforcamento, arma de fogo);
crenças de que o ato seria irreversível e letal;
afirmação clara de que queria morrer;
arrependimento por ter sobrevivido;
indicativos de repetição de tentativa de suicídio;
história previa de hospitalização por autoagressões;
tratamento psiquiátrico anterior;
internação psiquiátrica anterior;
alcoolismo/drogadição;
isolamento social.
ABORDANDO O PACIENTE SUICIDA
O contato inicial com o paciente que apresenta comportamento suicida é feito
geralmente por um clínico geral e pode acontecer em um espaço público, pronto-
socorro, hospital, clínica ou residência, onde é difícil uma conversa particular. Esta
entrevista tem como objetivo obter o máximo de informação do paciente. Para que a
entrevista seja o mais eficaz possível, é necessário reservar um tempo razoável, pois
suicidas usualmente necessitam de mais tempo para deixarem de se achar um fardo e
estarem preparados para responder. O primeiro passo é favorecer um ambiente
tranquilo e não opressor, com uma privacidade razoável. Em seguida, executar a
tarefa mais importante, a de escutar; ouvi-los efetivamente com empatia com reforços
positivos e o não julgamento, tentando preencher uma lacuna criada pela
desconfiança.
Outro importante aspecto a ser levado em conta são os fortes sentimentos que
o paciente suicida pode provocar no médico examinador. O médico pode sentir-se
ansioso, temeroso por algum erro de conduta ou expectativa de uma consequência
catastrófica ou de ofender o paciente, e ainda desconfortável por falar sobre morte
com o seu paciente. A melhor forma de se descobrir se o indivíduo está com
pensamento suicida é perguntar diretamente para ele. Na maior parte das vezes, a
pessoa sente-se aliviada por poder falar abertamente sobre seus pensamentos que,
em geral, o estão atormentando. Perguntar a respeito do suicídio não sugere a ideia
para o paciente, contrariando a crença popular.
Os principais questionamentos da entrevista sobre a presença da ideação
suicida são avaliar e investigar se a pessoa já tem um plano definido, se já planejou os
meios (método) e uma data para cometer suicídio. As perguntas devem ser feitas no
momento em que a pessoa demonstra estar se sentindo compreendida e confortável
ao falar de seus sentimentos, mesmo quando está falando de sentimentos negativos,
por exemplo, solidão e desamparo.
Os recursos do paciente e os eventos precipitantes devem ser investigados
após o exame clínico usual. Avalia-se a capacidade de elaboração, a capacidade de
resolução de problemas, recursos materiais (moradia e alimentação), suporte familiar
(família próxima ou confiável), social, profissional e de instituições. Além disso, é
importante levantar todas as circunstâncias e motivações que deflagraram a
autoagressão.
CONDUTAS DIANTE DE UM PACIENTE SUICIDA
O Practice guideline for the assessment and treatment of patients with suicidal
behaviors recomenda que se garanta imediatamente aos pacientes com ideação
suicida:
uma boa avaliação do estado mental, em especial, do juízo crítico do paciente
diante da própria situação;
avaliação da condição clínica geral;
a segurança em local e circuntâncias adequadas;
o estabelecimento de um suporte social adequado que inclui acesso fácil a
enfermagem, serviço social, familiares e amigos.
O profissional médico deve ainda avaliar a indicação ou não da hospitalização
a partir de uma estimativa criteriosa do risco de suicídio do paciente, sabendo que,
algumas vezes, uma hospitalização precipitada pode ser prejudicial ao paciente frente
a uma avaliação errônea do risco de suicídio. Interrupção das atividades profissionais
ou acadêmicas, prejuízo financeiro, estresse psicossocial e estigma social
subsequente são malefícios evitáveis de uma internação. A hospitalização pode ser
indicada de acordo com o grau de risco potencial de suicídio, principalmente se o
paciente não colabora, apresenta um transtorno mental grave que prejudica a sua
crítica frente à situação e não possui uma rede de suporte familiar.
Outros aspectos a serem avaliados para escolha da conduta adequada são: a
capacidade de assegurar um autocuidado, de entender as diferentes modalidades de
tratamento e de procurar ajuda frente a uma situação de crise. Por exemplo: procurar
apoio em familiares e amigos, contatar um médico de confiança, buscar um serviço de
emergência etc. A definição do tipo específico de tratamento que será estabelecido
para cada paciente não depende apenas da estimativa do risco de suicídio, mas sim
da conjunção de vários elementos, especialmente se a família está ou não envolvida
nas decisões do tratamento.
Algumas linhas reguladoras de encaminhamento dos pacientes suicidas
(Tabela 4) foram formuladas por um comitê de especialistas de comportamentos
suicidas, as quais levaram em consideração os fatores de risco, condições
sociofamiliares, história pessoal, entre outros, para indicar a terapêutica aplicável
frente à condição clínica do paciente suicida.